Copyright © 2014 por Francisco Alberto Severo de Almeida Armando Malheiro da Silva Mário José Batista Franco Carla Conti de Freitas Editor: Universidade do Porto Projeto Gráfico e Capa: Adriana da Costa Almeida Comitê Editorial Prof. ª Dr. ª Fernanda Ribeiro Universidade do Porto – Portugal Prof. Dr. George Leal Jamil Universidade FUMEC, Minas Gerais, Brasil Prof. Dr. José Luiz de Freitas Júnior Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial – Goiás – Brasil Prof. ª Dr. ª Maria Helena Guimarães Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho – Portugal Prof. Dr. Manuel Ennes Ferreira Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa – Portugal Prof. Dr. Manoel Pereira da Costa Diretor de Educação e Tecnologia SESI/SENAI Goiás – Brasil Prof. João Francisco da Silva Mendes Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial – Brasil Prof. Dr. Fernando Colmenero Ferreira Universidade da Madeira, Portugal Prof. Dr. Edson Luiz Riccio Universidade de São Paulo, Brasil G333 Coletânea Luso-Brasileira/ Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade. Francisco Alberto Severo de Almeida; Armando Barreto Malheiro da Silva, Mário José Batista Franco e Carla Conti de Freitas (organizadores). Porto (Portugal): Universidade do Porto, 2014. 386 p.: il. Color. ISBN 978-989-8648-31-0 1. 11. Gestão da Informação. 2. Cooperação Empresarial. 3 Competitividade. I. Almeida, Francisco Alberto Severo de. II. Silva, Armando Barreto Malheiro da. III. Franco, Mário José Batista. IV. Freitas, Carla Conti de. V. Título: Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade. VI Série CDD 020 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer meios existentes sem a autorização por escrito dos organizadores. Este livro foi escrito por autores brasileiros e portugueses em suas línguas nativas. Em respeito a este fato, os organizadores optaram por manter a linguagem dos capítulos tal como foi escrita, sendo a revisão de responsabilidade dos autores. Impresso no Brasil pela Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial sumário Tributo ao professor Doutor José Veiga Simão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 gestão da informação Capítulo 1 Estruturação de oficina de inteligência de mercado. . . . . . . . . . 15 George Leal Jamil / Armando Malheiro da Silva Capítulo 2 Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Antônio Pires de Castro Júnior / Beatriz Figueiredo Franco Wesley Pacheco Calixto Capítulo 3 Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais. . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Judite Canha Fernandes Capítulo 4 Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Sónia Catarina Lopes Estrela cooperação em redes Capítulo 5 A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor: Um estudo empírico. 159 Francisco Alberto Severo de Almeida Capítulo 6 Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 Maria de Lurdes Barroso Simão / Mário José Batista Franco Capítulo 7 Capítulo 8 UEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais . . . 205 Yara Fonseca de Oliveira e Silva / Lia Hasenclever Júlia Paranhos Aspectos de segurança na rede Bitcoin. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Douglas Emanuel da Silva competitividade Capítulo 9 As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253 Cláudia Sofia Pinho / Maria Garcia Nogueira Mário José Batista Franco Capítulo 10 A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano: um foco para o setor automotivo. . . . . . . . 281 Magda Valéria da Silva / Christiano de Oliveira e Silva Suzana Ribeiro Lima Oliveira Capítulo 11 Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás. . . . . . . . . . . . . . . . . 305 Frederico Rodovalho Oliveira / .K atia Aline Forville de Andrade Oliveira Capítulo 12 O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321 Letícia Souza Netto Brandi / Ronaldo Santana Santos Oswaldo Luiz Agostinho / .Rita de Cássia da Silveira Marconcini Bittar Gislaine Fernandes Capítulo 13 Operação triangular no exterior: Experiência brasileira . . . . . . . 339 Adalberto Mendes Júnior Capítulo 14 Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 361 Carla Conti de Freitas / Renata Lèbre La Rovere Autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 375 Tributo ao professor Doutor José Veiga Simão A abrir o 5º volume da Coletânea Luso-Brasileira, fruto da colaboração entre a Universidade da Beira Interior e da Universidade do Porto, por um lado, com a Universidade Estadual de Goiás, por outro lado, a que se associaram muitos investigadores de outras instituições de ensino superior de ambos os países, não podemos deixar de prestar homenagem ao Prof. Doutor José Veiga Simão que tão prontamente integrou esta iniciativa desde que lhe fizemos a primeira proposta. Com efeito, uma das direções fundamentais da sua intensa atividade académica, cívica e social ao longo de várias décadas foi o fomento das relações académicas de Portugal com o exterior, não só com a Europa e os Estados Unidos no contexto da OCDE, mas muito particularmente com o mundo lusófono. Um dos factos que mais prezava na sua vida foi o de ter contribuído de forma decisiva para a criação dos Estudos Gerais de Moçambique nos anos 1960, depois Universidade de Lourenço Marques e hoje Universidade Eduardo Mondlane, pioneirismo justamente reconhecido pelas autoridades de Moçambique independente. Desde os anos 1950, na Universidade de Coimbra (com Doutoramentos em Física Nuclear pela Universidade de Cambridge e em Ciências Físico-Químicas pela 7 Universidade de Coimbra), até à 2ª década do século XXI, como Conselheiro na Associação Industrial Portuguesa, entre muitas outras instituições onde deixou uma marca forte, o Professor Veiga Simão atravessou conjunturas complexas e difíceis, inclusive do ponto de vista pessoal, mas nunca desanimou na busca de condições que se traduzissem numa melhoria do nível cultural e de formação do povo português. Não foi apenas um espetador interessado, mas alguém sempre motivado para participar ativamente nas mudanças que conduzissem a condições mais favoráveis, com destaque para os sistemas de ensino e de inovação, a fim de resolver os problemas que enfrentamos através de soluções inovadoras e atualizadas. Um contacto com o Professor Veiga Simão mostrava-nos ainda que se tratava de uma pessoa simples, aberta, comunicativa e interessada nos desenvolvimentos tanto nos países de língua portuguesa como em todo o mundo (aliás, um dos lugares que ocupou foi de Embaixador de Portugal na Organização das Nações Unidas), muito longe do académico fechado na sua “torre de marfim” com que muitas vezes deparamos. O Professor Veiga Simão, que há poucos meses nos deixou, é assim um grande exemplo para todos, um exemplo que importa preservar e divulgar junto das novas gerações e a quem profundamente agradecemos ter participado neste projeto comum. Esta homenagem faz também todo o sentido na medida em que os temas tratados nos vários volumes desta Coletânea, focam assuntos que lhe eram caros, e sobre os quais discorreu em diversas circunstâncias, designadamente sobre a cooperação estratégica “universidade-indústria-governo”. Com efeito, dentro desta linha, temos abordado questões como: cooperação entre empresas, governança estratégica, formação de clusters, redes de negócios, inovação tecnológica, gestão de informação, sustentabilidade e logística. O presente volume não é exceção, pois centra-se em Gestão de Informação, Cooperação em Rede e Competitividade. Em prefácio anterior, citando David S. Landes a propósito do facto de algumas nações serem tão ricas e outras serem tão pobres, o Professor Veiga Simão salientou a importância do conhecimento como fator essencial neste processo (ainda que ao lado de outros como instituições e cultura), concluindo: “Eis o desafio permanente que se coloca ao Brasil, país do Futuro e emergente no presente, a Portugal, país do Amanhã com Presente incerto e aos outros países de língua portuguesa, países da Esperança, alguns com sinais claros de forte desenvolvimento humano”. Fazendo jus ao legado que nos deixou, estes volumes, à sua escala, procuram fornecer instrumentos que nos ajudem a vencer esse desafio! Bem Haja! Joaquim Ramos Silva ISEG / Universidade de Lisboa 8 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Prefácio F oi com o maior gosto e satisfação que acedi ao amável convite dos organizadores desta obra para escrever um texto de abertura. O primeiro sentimento que tive ao ver surgir a publicação de mais um volume da Coletânea Luso-Brasileira foi, naturalmente, de regozijo, tanto mais que, ainda há menos de um ano, participei na sessão de lançamento do anterior volume e, em tempo record, já uma nova edição está para ser dada à estampa. Esta série, iniciada em 2009, fruto da colaboração entre a Universidade Estadual de Goiás (Brasil) e a Universidade da Beira Interior (Portugal), passou a ter, a partir do terceiro volume (2012), uma maior participação portuguesa, através da associação a este projeto do Departamento de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O reforço desta cooperação luso-brasileira veio também pela associação da FATESG – Faculdade Senai de Tecnologia em Sistemas Gerenciais (Brasil) a esta iniciativa, tendo o seu apoio logístico e operacional sido fundamental para a impressão das três últimas edições da coletânea. 9 A relação interinstitucional que, de há cinco anos a esta parte, se vem consolidando pelo trabalho de organização deste projeto editorial, tem igualmente vindo a ser reforçada por outras formas de cooperação, designadamente os estudos de pós-doutoramento que colegas brasileiros tiveram, e têm ainda, em curso na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Que a cooperação se traduza em outros tipos de iniciativas de caráter científico e académico é um voto que aqui formulamos, para que de tais atividades possam sair mais estudos e investigação aplicada, destinados a “alimentar” a edição de novos volumes desta série. As temáticas dos primeiros volumes, cruzando saberes da área da Gestão e da Tecnologia, em contextos e situações particulares como a governança estratégica, o meio ambiente ou as redes de negócios, ganharam uma dinâmica mais interdisciplinar ao associarem a essas áreas de conhecimento outras como a Educação, a Logística e, em especial, a Gestão da Informação, que veio enriquecer essa dimensão de interdisciplinaridade. Cruzando competências e valências da Ciência da Informação, da Gestão e das ciências da Computação, a Gestao da Informação constitui-se como uma disciplina, essencialmente aplicada, que pode ter uam contributo inestimável no mundo empresarial e na gestão estratégica das organizações em geral. Conceitos como sustentabilidade, inovação, estratégia, competitividade são abordados de forma recorrente em diversos trabalhos publicados nesta coletânea e, para a sua real operacionalização é absolutamente imprescindível o suporte de uma boa gestão de informação. A atividade de Gestão de Informação, que tem um ciclo com claro início na produção ou na coleta de informação, desenvolve-se por uma série articulada de etapas, que vão desde a organização, à interpretação para a difusão, ao uso e reprodução e ao armazenamento e preservação. Qualquer entidade, pessoal ou institucional, individual ou coletiva, precisa de investir em procedimentos claros e eficientes nas diversas etapas, para que não perca informação nem fique incapaz de a recuperar quando ela atinge volumes muito consideráveis. Os textos apresentados neste volume, em particular os da secção dedicada à gestão da informação, ilustram bem a relação que a área da Gestão da Informação estabelece com a gestão organizacional no seu todo e mostam como ela se aplica de forma transversal em várias dimensões que, no mundo empresarial e dos negócios, são de capital importância. Aos organizadores da obra e aos autores, uma palavra de reconhecimento por terem tornado possível a edição de mais um dos muitos volumes com que a Coletânea Luso-Brasileira nos brindará no futuro. Fernanda Ribeiro Faculdade de Letras da Universidade do Porto 10 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Introdução A quinta edição da coletânea luso-brasileira registra o processo de consolidação da cooperação institucional entre Universidades Portuguesas e Brasileiras, cujo foco é centrado no desenvolvimento da pesquisa teórica e aplicada relativa à gestão informação e a um conjunto temático transdisciplinar relacionado ao campo da Ciência da Informação, Administração, Educação e a Tecnologia da Informação. Trata-se, portanto, de uma iniciativa de sucesso entre os principais atores dessa cooperação: o Departamento de Jornalismo e Comunicação da Universidade do Porto/Portugal, o Grupo de Pesquisa Egesi – Estratégia em Gestão, Educação e Sistema de Informação, vinculado a Unidade Universitária de Educação a Distância, da Universidade Estadual de Goiás/Brasil e a Faculdade Senai de Tecnologia em Sistemas Gerenciais/Brasil, no apoio logístico e operacional em referência a impressão das edições dessas obras. As edições anteriores são de uma riqueza impar na construção do conhecimento para a Ciência da Informação, cujas temáticas apresentam uma simbiose acadêmica de pesquisas teóricas e aplicadas na área das ciências sociais aplicadas, 11 com a inclusão de estudos nos campos da Administração, Educação, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Portanto, ao dimensionar o foco dos estudos e das pesquisas da Ciência da Informação associada a outras áreas do conhecimento científico, evidencia-se o caráter transdisciplinar do processo da gestão da informação que, sem sombra de dúvidas, transcende e amplia a geração de novos conhecimentos alicerçados em bases epistemológicas de distintos campos científicos. Todavia, cabe salientar, também, a visão prismática da interdisciplinaridade aplicada em cada trabalho científico, mediante o uso de abordagens transversais pertinentes as áreas de conhecimento estudadas. Os capítulos que compõem essa edição também fazem uma abordagem inter e transdisciplinar a partir dos construtos da gestão da informação, cooperação em redes e competitividade, cuja abrangência temática trabalha as fronteiras do conhecimento da ciência da informação e as áreas da administração e da tecnologia da informação. Portanto, abordam-se, de forma teórica ou aplicada, temáticas específicas que resultam em novos conhecimentos tácitos ou explícitos sobre a gestão da informação. Neste contexto, busca-se a compreensão das formas e combinações da gestão da informação sob o ponto de vista do processo da informação, do compartilhamento do conhecimento, da cultura organização, da governança da informação, do mercado e da tecnologia de dados. Por fim, cabe ressaltar que a cooperação científica na área da Ciência da Informação, entre a Universidade do Porto e a Universidade Estadual de Goiás, consolida-se a cada edição da coletânea luso-brasileira. Agora, há necessidade de ampliar os novos horizontes de estudos e pesquisas sobre a Ciência da Informação com a formação de pesquisadores em decorrência do fortalecimento das ações institucionais entre as duas Universidades, com participação de professores investigadores da Universidade Estadual de Goiás em estudos de pós doutoramento no Departamento de Jornalismo e Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Francisco Alberto Severo de Almeida EGESI / Universidade Estadual de Goiás 12 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Gestão da Informação gestãoda informação 1 Estruturação de oficina de inteligência de mercado George Leal Jamil Armando Malheiro da Silva 1Introdução É de ampla citação que as organizações modernas necessitam de aplicar vários procedimentos e técnicas visando à correta gestão das informações e do conhecimento para tornar mais precisa sua gestão em vários aspectos (DAVENPORT, 1998; CHOO, 2003; JAMIL, 2012; JAMIL, 2013a). Torna-se evidente a carência deste importante processo em tomadas de decisão precárias ou imprecisas, como as de má implantação de ferramentas de TI, erros de formulação ou execução estratégica, perda de acervos de informação e conhecimento, entre outros (JAMIL, 2013b). A gestão de uma organização pode ser estudada pela integração de seus processos críticos, que são realizados em direção aos usuários e clientes finais (GONÇAL- 1 George Jamil homenageia o amigo e professor Mauro Calixta Tavares, a quem dedica este trabalho. 15 VES, 2001). Estes processos, por sua vez, para sua realização isolada, bem como para sua integração, prescindem de acervos de dados, informações e conhecimentos que permitam que sejam configurados, implantados e ter sua execução monitorada, permitindo efetivamente que se tenha uma gestão organizacional integrada (GONÇALVES, 2000; GONÇALVES, 2001). O relacionamento entre o processo de gestão e planejamento estratégico com o processo de GIC foi estudada de maneira particularizada em Jamil (2005). Ali se observou, diante das perspectivas de elaboração e execução estratégicas, a necessidade e função estratégica dos acervos para que a estratégia empresarial fosse corretamente elaborada, compreendida, detalhada nos níveis táticos e operacionais e, finalmente, monitorada. Destes trabalhos depreende-se, portanto, a possibilidade de relacionamento e mesmo da necessidade do processo de GIC para a gestão empresarial. O presente trabalho focaliza um processo em especial: o planejamento estratégico de marketing, compreendido como sendo um processo que relaciona o marketing às estratégias empresariais, permitindo o pretendido alinhamento de negócios e realização de tarefas táticas e operacionais de mercadologia que atendam às estratégias visionadas pela esfera diretiva da empresa (KOTLER e KELLER, 2003; KOTLER e KELLER, 2010). No escopo de um estudo específico sobre o provimento de conhecimentos para decisões inerentes a este processo de planejamento estratégico de marketing, alcançou-se o conceito do processo de inteligência de mercado, definido em Jamil et al. (2012), como “Um processo cíclico de provimento de conhecimentos para uso em decisões do processo de planejamento estratégico de marketing para grupos de empresas de um mesmo setor competitivo”. Este processo, portanto, é característico nas demandas de conhecimento – percebido como tendo sido obtido pelo tratamento de dados e informações dispersos pela cadeia empresarial de agregação de valor e pelo próprio arranjo de conhecimentos dispersos neste mesmo ambiente organizacional. Desenvolve-se, portanto, o processo de inteligência de mercado com a orientação de propiciar que o planejamento estratégico de marketing seja devidamente atendido em suas necessidades de conhecimento para decisões gerais. Dado que se trata de tema complexo, de estruturação empresarial, objetiva-se com o presente trabalho, sempre tendo os princípios da Ciência da Informação como base para análise e concepção de métodos e estruturas, a definição de como poderiam ser aplicadas “Oficinas de inteligência de mercado” para instrução profissional de empresas agrupadas num determinado setor, com o enfoque de propiciar sucesso no 16 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade processo de inteligência de mercado. O estudo, de caráter exploratório, visa também a permitir a definição de questões subsequentes, de novas pesquisas sobre o tema, que o detalhe e estude, bem como do seu relacionamento teórico e prático com o seu potencial de realização, ensejando adicionalmente repercussões posteriores para o campo da Ciência da Informação e com outros que com ele se relacione. O capítulo é estruturado primeiramente num desenvolvimento conceitual, onde se chama a atenção para o estudo de conceitos elementares, do processo de gestão da informação e do conhecimento e como este é base para a composição do conceito de processo de inteligência de mercado. A seguir analisam-se os objetivos teóricos e práticos das oficinas de inteligência de mercado e, ao final, conclui-se com as conclusões e recomendações de estudos posteriores. 2Fundamentos conceituais Os conceitos de dado, informação e conhecimento são centrais na abordagem da Ciência da Informação, pois se constituem em fundamentos para a elaboração de construtos de compreensão dos fenômenos – entre elas, o processo de gestão do da informação e do conhecimento e o de inteligência de mercado – que são de objetivo deste trabalho. Considera-se admissível, dado o debate que ocorre no campo da CI, encontrar definições distintas para os conceitos, notando-se que é na formação coerente de construção de toda a base conceitual que deverá estar focalizado o trabalho do pesquisador, uma vez que, assim elaborada, permite a definição de construtos mais complexos. Vem daí a decisão de dar voz a vários autores, em momentos distintos, buscando a amplitude e o alinhamento na discussão destes conceitos e no seu relacionamento. O texto aqui apresentado guarda aderência ao que foi afirmado em Jamil (2005), assim como dos que foram posteriormente desenvolvidos a partir deste, como Jamil et al. (2012) e Jamil (2013a). Não se coloca aqui o posicionamento de tratar tal base como inflexível, terminativa, o que contraria toda a apresentação referente à CI como campo sede deste trabalho de pesquisa, outrossim considerá-la como uma referência, aberta no campo e tempo de discussão, ao leitor e à comunidade da área. Ao exame de trabalhos como de Ackoff (1989), Buckland (1995), Davenport e Pruzak (1998), Jamil (2001) e Setzer (2001) pode-se enunciar o seguinte relacionamento: Estruturação de oficina de inteligência de mercado 17 • Dados são valores amostrados, calculados, expressos em unidades padronizadas, conversíveis. • A informação pode ser gerada a partir de coleções homogêneas de dados, compostas com a compreensão do contexto em que estes dados foram gerados. • Compreende-se o conhecimento como um agregado de informações concernentes a um mesmo contexto, estudadas com a compreensão do processo em que foram geradas. Hammer (1997) trabalhou o conceito de processo em função das demandas de mercado, enunciando-o como (p. 5) “um grupo de tarefas relacionadas que, juntas, geram um resultado que tem valor para o cliente”. Adiante, o autor identificou, de forma crítica, que, à época, “Os problemas que afligem organizações modernas não são de tarefas. Os problemas são de processos”, demonstrando que falhas na integração, no relacionamento e controle destas tarefas, de forma integrada, são o que representariam problemas maiores nas respostas mercadológicas das empresas. É oportuno, portanto, pressentir o que se chama por “gestão de processos”, onde princípios de gestão – incluindo, claro, informacional e do conhecimento – são aplicados para a definição, montagem, uso contínuo e manutenção dos processos organizacionais. O conceito de Estratégia necessita ser precisado, tanto por se constituir em disciplina demandante do processo de GIC e, com a expectativa de desenvolvimento conceitual, também da Inteligência de mercado, mas se caracteriza como contexto – do planejamento estratégico de marketing – de aplicação dos resultados do processo de IM. Discute-se este importante conceito, sob o amparo dos fundamentos da Ciência da Informação nos pontos a seguir: • A estratégia empresarial é um processo de orientação e coordenação geral de uma organização, tipicamente relacionada a empresas, contudo também para a condução de ONGs, organizações governamentais, instituições privadas e públicas em geral. Desta forma, torna-se uma atividade central, por onde fluxos de informação e conhecimento são gerados, transmitidos e distribuídos pela mesma, com o intuito de propiciar que os planos e visões estratégicos sejam efetivamente materializados em ações (PORTER, 1986; CERTO e PETER, 2003; HITT, IRELAND e HOSKISSON, 2006; BARNEY e HESTERLY, 2011). 18 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade • É um campo de estudo que, diante da criticidade de decisões, do volume de dados, informações e conhecimentos gerados, retidos, distribuídos e aplicados, torna-se objeto de análise de interesse extremamente oportuno pela Ciência da Informação, mantendo-se a recomendação do princípio colaborativo, da produção associada inter e transdisciplinar com outros campos. Destacam-se as contribuições possíveis em conjunto com a Administração ou Gestão empresarial, mas incluindo de forma perceptível as Ciências Contábeis, a Tecnologia da Informação e as disciplinas de gestão tática – como Finanças, Recursos Humanos, Logística, Marketing, entre outras – com expectativas de ganhos na produção de resultados científicos. Porter (1986, p. 13), define Estratégia com base no seguinte contexto: Cada empresa que compete em uma indústria possui uma estratégia competitiva, seja ela explícita ou implícita. Esta estratégia tanto pode ter se desenvolvido explicitamente através de um processo de planejamento, como ter evoluído implicitamente através das atividades dos vários departamentos funcionais da empresa (PORTER, 1986, p. 13). Permitindo iniciar a observação referente à aplicação de um futuro processo de GIC para que este importante aspecto da ação empresarial – a Estratégia – seja atendido. Ressalta-se o aspecto integrador da Estratégia para uma organização, onde ela pode ser até mesmo algo intuitivo (“implícito”, segundo Porter), evidenciando a visão e coordenação geral do futuro pensado para aquela organização. De outras definições, como as enunciadas por Kroll, Parnell e Wright (2000), Kluyver e Pearce II (2007), Oliveira (2007) e Ghemawat (2007), verificam-se confirmações para este aspecto da gestão organizacional, mas adicionam-se perspectivas como: • A estratégia prevê um processo de tomada de decisões, por vezes complexo e de alta interação entre os gestores, os pensadores de mais alto nível da organização e os realizadores, através de mecanismos de comunicação que traduzem metas e ações pensadas em planos específicos (ou mesmo comandos, instruções, em ambientes onde esta ordenação ainda é incipiente). Estruturação de oficina de inteligência de mercado 19 • A tarefa de planejamento estratégico, que busca elaborar os planos, destinados a expressar aquela visão edificadora da organização para o futuro em ações e metas individuais ou por departamentos e setores, relacionando-se à visão geral pensada na formulação estratégica. • De forma conveniente à prática da pesquisa em Ciência da Informação, de tarefas, ações, comunicações e processos interventivos em geral, em tempo de formulação do plano estratégico, quando de sua execução, que são dependentes, de maneira indispensável, de geração, registro, processamento, validação, negociação e monitoramento de aplicação de dados, informações e conhecimentos. Tal fato foi consolidado no trabalho de Jamil (2005), quando o subprocesso de monitoramento estratégico foi proposto para o modelo de gestão da informação e do conhecimento. A função do planejamento estratégico é bastante debatida pelos autores da área, discutindo-se se os planos efetivamente não se traduzem em mecanismos limitadores de ação e reação empresarial. (MINTZBERG, AHLSTRAND, LAMPEL, 2010). Tem-se a proposta, portanto, de afirmar a Estratégia empresarial como um conceito de oportuno contexto para esta pesquisa, designando o processo de planejamento estratégico organizacional e um dos processos associados, o planejamento estratégico de marketing, como alvo da inteligência de mercado, portanto, compondo o cenário de ambiente pretendido para a pesquisa. Gestão da informação e do conhecimento A gestão do conhecimento, enunciada como um processo organizacional entremeado às atividades gerenciais da organização em si, foi modelada segundo o exposto na Fig. 1 e definida, como um processo organizacional, como uma sequência de fases inter-relacionadas, passíveis de gestão parcial ou total, conforme suas definições a partir de trabalhos como provenientes de vários autores. O modelo original, proposto em Jamil (2005) foi revisto e discutido em várias pesquisas e, finalmente, apresentado em Jamil (2014), mesmo trabalho que fundamenta a figura 1. A importância da discussão do modelo de gestão da informação e do conhecimento, para o presente capítulo, é que o processo de inteligência de mercado é definido como sendo observado como uma instância, uma ocorrência ou mesmo caso de aplicação do processo de GIC. Tal afirmação encontra amparo nos estudos básicos como Jamil (2005) e Jamil (2014), entre outros. 20 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade O modelo de processos descrito foi obtido a partir da avaliação de várias fontes que prenunciavam ou definiam formas de administrar aspectos de lide com os dados, informações e conhecimento em ambientes organizacionais em geral. As expectativas dos autores referem-se aos trabalhos de geração, produção, registro, compartilhamento e valorização num determinado ambiente ou contexto organizacional, determinando a estrutura definida pelo modelo estruturado na Figura 1. Os referidos subprocessos são conceituados a seguir, chamando-se a atenção para o aspecto fundamental da geração de conhecimento a partir de dados, que é não apenas uma expectativa da GIC, mas também de um fato que demonstra, de forma dinâmica, o relacionamento entre os três conceitos básicos originalmente definidos. Figura 1 – Processo revisado de Gestão da Informação e do conhecimento, segundo Jamil (2014) Os subprocessos, como partes ou componentes do processo maior de GIC, avaliados na literatura, como apresentadas em Jamil (2005) e em Jamil (2014) e averiguados na pesquisa de campo foram: • Obtenção: que compreende as funções e atividades de angariar, coletar e gerar informação e conhecimento. Dentre essas, incluem-se os trabalhos laboratoriais de geração de conhecimento tecnológico e pela aplicação de Estruturação de oficina de inteligência de mercado 21 • • • • instrumentos computacionais, a coleta através de processos automáticos e a captação de recursos humanos através de seleção e admissão de pessoas. Retenção: considerado essencial para o registro permanente das informações e do conhecimento obtidos, tem por objetivo reter estes acervos para posterior recuperação, com fins de disseminação e aplicação perceptível pela organização. Compartilhamento: avalia as formas de distribuição e pleno acesso destes acervos para os interessados, nos campos de ação organizacionais. Aqui, a disponibilidade dos registros feitos através de sistemas computacionais, programas de treinamento e técnicas e ferramentas de distribuição foram relacionados. Valorização: Subprocesso que se destina a estudar e apreciar os métodos quantitativos aplicados em funções (como na remuneração, nos custos de capacitação, nos prazos de atendimento) e nas tentativas de apropriar valores financeiros e de outras grandezas numéricas relacionadas a indicadores, como produtividade, custos de oferta, preços, etc. correlacionando-os ao conhecimento gerenciado. Monitoramento estratégico: subprocesso que se destina a perceber como a informação e o conhecimento gerados poderiam ser aplicados para finalidades estratégicas, como as tomadas de decisão e planejamento, ressaltando-as como funções empresariais críticas. É oportuno notar que a atuação no nível estratégico orienta, também amparado na revisão de literatura, as repercussões da gestão da informação e do conhecimento para os níveis táticos e operacionais de uma organização. Na revisão efetuada em Jamil (2013c) foram reforçadas, a partir de reexame de literatura e de estudos de casos, as definições dos subprocessos, citados acima e seus relacionamentos, validando o modelo original. Em adição, produziu-se a inclusão do conceito de “Contexto organizacional”, definido abaixo e, também com discussão breve a seguir, foi proposto que o fator tecnológico servisse de subsídio para todo o estudo, sendo agora um fundamento básico para a análise e implantações típicas do processo de gestão da informação e do conhecimento. Diante da revisão realizada, examinando não apenas as contribuições diretas enunciadas pelos autores e obras apresentadas, mas também considerando o desenvolvimento dos estudos, tornou-se possível afirmar o conceito de contexto organizacional conforme desenvolvido nesta síntese: 22 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade • Compreende ambiente e cultura, conforme conceituados em Jamil (2005), permitindo substituir, no intuito da revisão do modelo original, tais conceitos. • Envolve o que ocorre nas fronteiras internas da organização, e nos seus relacionamentos externos, tanto voluntários – como na escolha de parceiros e agentes de cadeias de valor, de grupos de clientes, de interlocutores de ações junto aos usuários ou públicos finais – quanto nos obrigatórios – como os implementadores de políticas organizacionais, legais (fiscais, tributárias e de legislação civil, por exemplo) e de relacionamento padronizado, como os códigos de importação e exportação de produtos. • Compõem elementos de ordem tecnológica, tanto em infraestrutura, como os sistemas de informação computadorizados, sistemas de produção e processamento, de controle e segurança, incluindo os métodos e sistemáticas aplicadas ao seu uso, assim como as definições de procedimentos, regras e normas de comunicação, as definições de hierarquia, remuneração e relacionamentos formais internos à organização. • Identifica elementos do ambiente de trabalho, internos e externos, envolvendo relacionamentos informais, formas tácitas de trabalho, de comunicação e controle, ressaltando aspectos culturais do setor e da organização individualmente. O conceito, portanto, pode ser sintetizado como sendo o conjunto de procedimentos, métodos, relacionamentos e sistemas (incluindo os de ordem gerencial e/ou tecnológicos) que orientam as ações organizacionais tanto nos aspectos normativos e regulatórios e na convivência produtiva dos seus componentes. Diante da elaboração feita, com base no referencial teórico discutido, contemplando os achados da pesquisa original e os objetivos finais deste estudo, tal conceito foi aplicado, portanto, na revisão do modelo original de gestão da informação e do conhecimento, obtido em Jamil (2005), em dois momentos, conforme previsto: • Substituindo os fatores intervenientes de cultura e ambiente organizacionais, ampliando e detalhando os mesmos. • Sendo aplicado como representativo do aspecto social desejado na revisão empreendida do modelo original de GIC em cada um dos subprocessos, cabendo ligeira redefinição de cada um deles. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 23 Desta forma, o conceito contexto organizacional incidirá na maior observação social nas funções descritas para gestão da informação e do conhecimento, atendendo neste aspecto à revisão pedida para o modelo original de Jamil (2005). O conceito de contexto organizacional oferece a dificuldade inerente de ser de difícil delimitação, pois, ao envolver tanto aspectos internos quanto externos, perpassa toda a organização englobando aspectos dinâmicos e de controles, apresentando-se como forte componente cultural, tornando-se identidade e interpretação de razão de existência da mesma. Para a conceituação, ressalta o desenvolvimento proposto pelos autores de um conjunto de fenômenos e práticas, orientadas num determinado sentido da existência da organização, decorrendo em repercussões para suas atuações e no ambiente interno. Por último, cita-se a questão de tecnologia, especialmente da tecnologia da informação (TI), que também foi alvo da abordagem revisora em Jamil (2013c), alcançando-se a situação descrita a seguir. Observou-se, no estudo revisor, duas dimensões principais, chamadas de “infraestrutura” e “conteúdo”, como descrito em sequência, avaliando-se que ambos os aspectos impactam frontalmente a perspectiva de existência e aplicação do processo de inteligência de mercado. A questão de infraestrutura foi exposta como de evolução constante e com potencialidade para modelar ambientes de negócios, criando perspectivas estratégicas de implantação de novos serviços. Esta dimensão identificou a disponibilidade de equipamentos, dispositivos, meios de interconexão presencial e remota, estruturas de serviços de acesso e armazenamento, interfaces, entre vários outros recursos baseados em sistemas eletrônicos digitais, que atualmente povoam os ambientes domésticos, de trabalho, chegando a possibilitar a estruturação de técnicas de suposta sociabilidade e agrupamento social. Trata-se de espaço oportuno para aplicarem-se os fundamentos da Ciência da Informação na avaliação de questões de pesquisa, no contato e interações diversas com usuários de sistemas, na formação de fluxos de informação e conhecimento que se destinem ao uso aplicado em situações de decisão empresarial. Há, entretanto, de ser reconhecido que tal conceito – infraestrutura – tem seu estudo focalizado nos campos de métodos quantitativos aplicados, bem como de engenharia construtiva de dispositivos e aparelhos eletrônicos, óticos e magnéticos, dependendo de contribuições significativas da Física, Química, Mecânica e Eletricidade, extrapolando, numa primeira análise, os procedimentos metodológicos previstos para o contexto desta pesquisa, caso se propusesse a um estudo profundo. 24 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Torna-se interessante, ainda numa abordagem exploratória, avaliar tais elementos de infraestrutura para a construção dos sistemas e soluções destinados a processar os acervos para constituir-se num ambiente destinado ao ciclo de inteligência de mercado, não enunciar explicitamente este aspecto em termos de questionamentos ou avaliações de resultado, mas de contemplar em conjunto com outros fatores. Assim sendo, propôs-se relevar o aspecto de infraestrutura de tecnologia da informação como sendo um tópico constituinte do cenário de avaliações dos impactos sistêmicos da TI para IM. Foi possível indicar, entretanto, como este aspecto pode ter seu estudo detalhado em progressão da abordagem dos temas de GIC e IM e, reitera-se, a oportunidade da CI em patrocinar, como campo de conhecimento sede, tais análises. Já o tema “conteúdo” e sua gestão associada encontram-se, claramente numa situação distinta, de abordagem incipiente por um lado e, por outro, devidamente entremeado à prática da Ciência da Informação, ao observar-se a intensiva produção de temas como recuperação de informações, gestão da informação, Arquivística, codificação e registro de conhecimento, sistemas de recuperação da informação, entre outros. A gestão de conteúdo é um campo vasto, sendo atualmente discutida em campos como a Comunicação, Biblioteconomia, Mercadologia, Publicidade, Ciência da Computação, entre outros. Promoveu-se, no estudo revisor de Jamil (2013c), um recorte, com foco dedicado especificamente ao ambiente das mídias sociais, determinada pelo fenômeno “Big Data”, como um fato real que se apresenta, típico da produção massiva e ainda não determinada de conteúdo. Neste caso, o que se optou é pela apreciação da tecnologia da informação, relativa à gestão do conteúdo naquilo que já é oferecido pela Ciência da Informação, em sua prática inter e transdisciplinar, em adição ao que já foi praticado no modelo original de Jamil (2005), passando agora pela atualização promovida no estudo, baseado em revisão teórica que foi promovido anteriormente e nesta subseção. O destaque nesta atualização foi dado à inserção, no ambiente de GIC anteriormente estudado, da grande variedade de recursos tecnológicos e nas mudanças promovidas nas interações com os usuários finais, trazendo impactos que ainda são percebidos na prática do campo da CI e, por certo, ainda irão produzir resultados relevantes em termos de pesquisa, e validar a prática do campo científico, relevando-o de forma crescente, uma vez que sua aplicação trará discernimento maior nos impactos promovidos por fatos como o “Big Data”. Pensando desta forma, propôs-se, nesta etapa de revisão Estruturação de oficina de inteligência de mercado 25 do modelo, considerar as novas intervenções promovidas na presente atualização de literatura, os novos pontos de vista apresentados por obras e autores recém-consultados e, consequentemente, na nova proposição do modelo, como sendo a contribuição para sua atualização. Inteligência de mercado e o planejamento estratégico de marketing A IM, como estudada nos campos da Administração e Computação, prescreve um processo organizacional, onde ocorre um ciclo continuado de processamento de dados e informações esparsas, dispostas num setor mercadológico, a serem aplicadas pelo setor no seu planejamento estratégico de mercadologia (Maltz e Kohli, 1996; Markovitch, 2005; Jamil et. al. , 2012, De Man, 2012). Afirma-se a gestão estratégica de marketing como um processo que possui grande visibilidade de estudo para a Ciência da Informação, dado que é reconhecidamente demandante de acervos de informações e conhecimento para as várias instâncias de tomadas de decisão e formulação de planos (KOTLER e ARMSTRONG, 2003; BERTOLINI, 2006; KOTLER e KELLER, 2006; TURBAN, RAINER e POTTER, 2007; STAIR e REYNOLDS, 2009). Ao realizar a observação da inteligência de mercado como um processo associado às unidades informacionais, gera-se a perspectiva de contribuições para a própria Ciência da Informação, no enriquecimento de potenciais objetos de estudo e exercício metodológico relacionado ao processo de gestão estratégica de marketing (LEIDNER e ELAM, 1995; TARAPANOFF, ARAÚJO JR. e CROMIER, 2000). O objetivo da inteligência de mercado é afirmado por vários autores no escopo das decisões de planejamento e gestão estratégica de Marketing (BERTOLINI, 2006). Dado que a disciplina do Marketing, como afirmado por Kotler e Keller (2006), apresenta nítidos contornos de planejamento para a formulação, assim como para o atendimento estratégico de empresas, podendo-se compreender onde há a demanda por um processo como o que é conceituado como inteligência de mercado. Nesta obra, encontra-se, por exemplo, à p. 40, uma noção desta perspectiva: “O processo de criar, entregar e comunicar valor requer muitas atividades de marketing diferentes. Para assegurar que sejam selecionadas e executadas as atividades corretas, é essencial que exista um planejamento estratégico”. Adiante, à p. 41, os autores descrevem o relacionamento dos planos de marketing estratégico e tático, como integrados no processo geral de seu planejamento. Este contexto de 26 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade conexão do marketing às esferas estratégica e tática das empresas é extremamente relevante para o desenvolvimento deste estudo. A definição para “sistema de inteligência de marketing” promovida na mesma obra aborda principalmente os (p. 73) “eventos” relacionados a mercados consumidores, sendo o processo definido como um “conjunto de procedimentos e fontes usado por administradores, para obter informações diárias sobre eventos no ambiente de marketing”. Para Maltz e Kohli (1996), a inteligência de mercado é um componente de negócios que possui gradação de qualidade na exatidão dos cenários, permitindo descrever para os estudos específicos de marketing, bem como deve ser alvo de um processo a ser disseminado estrategicamente pela organização. No estudo, tanto o aspecto de processo, como a seleção de fontes, também analisadas por Cornish (1997), são destacadas, incluindo as de origens internas e externas à organização onde transcorre o processo. De forma oportuna, aqui se apresenta esta relevância às fontes internas, um destaque na distinção conceitual entre inteligência competitiva e IM. A disseminação da inteligência, apontada por Maltz e Kohli, indica aspectos de contribuição do processo de IM para a implantação de estratégias e táticas de marketing empresarial. Nas hipóteses testadas e avaliadas positivamente pelo estudo quantitativo realizado pelos autores, validam-se as suposições de definição da IM para a presente pesquisa, como ter base valiosa nos conteúdos internos e externos, e de ser dependente e relacionada a processos organizacionais realizados pela estrutura executiva de empresas. Torna-se interessante notar que Cornish (1997) demonstrava a necessidade de definir este conceito “pobremente discutido” à época. Naquele estudo, num percurso que é aqui reforçado, a autora inicia sua revisão de literatura, referenciando densamente a pesquisa realizada até aquele momento, que defendia a IM em termos de sinais e contextos externos – ambiente regulatório, competidores, clientes e fornecedores – para, posteriormente, validar que “A inteligência de mercado é também adquirida a partir de atividades cotidianas das empresas, envolvendo vendas, compras e gestão de pessoas”. Tais informações, de maneira inquestionável, envolvem também registros internos, fato que é destacado para a afirmação final do conceito, a ser provido no encerramento desta subseção. Neste mesmo trabalho, a autora ainda enuncia, como já reiterado no presente estudo, a estrutura de um processo para a IM, sem, contudo, discutir sua frequência ou ciclo de ação, bem como as características Estruturação de oficina de inteligência de mercado 27 de fontes de dados e informações secundárias e primárias para a obtenção do que conceitua por inteligência de mercado. Makadok e Barney (2001) apresentaram, de maneira tida aqui como fundamental, o aspecto da inteligência de mercado diante da gestão dos recursos empresariais, para a formulação de estratégias designadas a estabelecer vantagem competitiva. Neste estudo, os autores focalizaram a questão da heterogeneidade das empresas de um setor, que é base das considerações clássicas de Barney para o construto da Visão Baseada em Recursos (VBR) – Baney (1991) e Barney e Hesterly (2011) – relacionada à estratégia empresarial, e como estas diferenças são tratadas num processo coletivo de inteligência de mercado. Sua análise focaliza principalmente a criticidade da precisão na coleta de informações, em virtude da necessária demonstração levantada pelos mesmos para o monitoramento ambiental na formulação estratégica. Desta referência, destaca-se a aplicação do processo para o tratamento de eventos relacionados aos grupos de empresas, considerando-se sua heterogeneidade em vários aspectos (porte, foco mercadológico, posicionamento na cadeia produtiva), a perspectiva de formulação de um processo organizacional como complementar a outros e, finalmente, da contribuição estratégica da IM, em sintonia com o planejamento corporativo, afirmações que motivam a abordagem complementar, utilizada para a evolução deste trabalho. Adicionalmente, Christen, Boulden e Staelin (2009) atestam um fato relevante diante de seu estudo sobre a otimização da inteligência de mercado: a presença da assimetria de informações, aspecto que permitirá enunciar o conceito de IM a seguir, como tendo oportunas perspectivas de ser um processo que atue avaliando um setor mercadológico, ou seja, ter como cliente final para a entrega de seus resultados analíticos um grupo de empresas. Ao estudarem o nível considerado “ótimo” no processo de IM, os autores permitem avaliar a correlação entre as fontes de informação internas e externas, para que as empresas componentes daquele setor construam cenários gerais de tomadas de decisão e possam derivar seus próprios modelos decisórios para seus planos mercadológicos individuais. Esta referência, portanto, subsidia vários aspectos metodológicos e conceituais importantes, já definidos para a pesquisa sobre a IM. Avalia-se que a internalização de conhecimentos, da estruturação de processos organizacionais individualizados a partir dos resultados da inteligência de mercado já havia sido antecipada por Boblitz (2006), ao propor a “observação para fora das janelas”, ao contemplar os resultados financeiros constantemente avaliados de maneira 28 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade formal pelas empresas. Estes, segundo o autor, poderiam ser correlacionados a outros resultados de mercado (indicadores e variáveis de marketing), permitindo os ajustes dos complexos processos de oferta de valor na área de saúde, que foi o setor analisado no estudo. Em Boblitz (2006), foram percebidos aspectos como o estudo comparado para grupos de empresas – onde as fontes de informações processadas num estudo de caso enunciado foram coletadas a partir de associações governamentais e empresariais –, a existência ou demanda de um processo contínuo de IM, o seu relacionamento com a segmentação – tarefa claramente enquadrada por autores como Kotler e Keller (2006) na esfera da gestão estratégica de Marketing – e do tratamento que cada competidor do setor pode dar ao produto da IM setorial. Em Buss (2008), lê-se, em desenvolvimento ao estudo conceitual feito sobre dados, informações e inteligência, sobre a necessidade de discutir o conceito de inteligência de mercado, sendo motivador para o desenvolvimento feito pela autora, onde conclui afirmando que a IM focaliza a estruturação de políticas empresariais de Marketing – portanto, diretrizes de mais alto nível para a implantação de estruturas e processos diante de um planejamento prévio. A mesma ainda enfatiza que é um processo constante, que envolve (p. 105) “não só dados e informações, mas variáveis e decisões” e que guarda relacionamento oportuno para pesquisa com a aprendizagem organizacional. É oportuno afirmar que, em Jamil (2005), foi elaborado um modelo de processo para a gestão do conhecimento, onde a aprendizagem organizacional encontra-se no subprocesso de obtenção do conhecimento empresarial, tendo ação semelhante a um “captador” ou “ignitor” da gestão do conhecimento empresarial, em alinhamento ao exposto por Buss (2008), justamente para tarefas como a gestão estratégica de marketing em contexto empresarial. Hawtorne e Cromity (2012) elaboraram cenário de avaliação do desenvolvimento da inteligência de mercado sob o atual desenvolvimento das mídias sociais e suas perspectivas de contato imediato com os clientes, tanto potenciais quanto já em negociação com uma empresa ou setor. Embora não enfatizando o aspecto conceitual, tal estudo atualiza as bases apresentadas nos trabalhos anteriores, de um processo constante, de uso de fontes internas e externas, trazendo o aspecto ainda não suficiente discernido do imediatismo e instantaneidade provido pelas redes ou mídias sociais, como Twitter, Facebook, Linkedin (citadas no capítulo), entre outras. Tal fato permite sinalizar a importância de ter o conceito de inteligência de mercado suficientemente discutido diante das perspectivas inovadoras e de mudanças em potencial para os novos cenários competitivos enfrentados pelas organizações. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 29 Finalizando este percurso de discussão conceitual, reafirma-se a inteligência de mercado como um processo empresarial cíclico que, ao amostrar dados e informações internas e externas do ambiente competitivo de um setor empresarial, busca fornecer conhecimento para o planejamento estratégico de marketing a ser desenvolvido pelas empresas componentes daquele setor alvo. O processo em si é estruturado nas seguintes etapas: • Modelagem coletiva de negócios (da cadeia de valor), determinando o domínio do contexto, onde o conhecimento gerado será aplicado; • Diagnóstico de acervos existentes e demandas de conhecimento, compreendendo realmente o que já se possui de dados e informações, bem como entender as demandas de conhecimento setoriais. • Montagem do processo gerador / produtor de conhecimentos, definido com as fases de: • Coleta – captura e inserção de dados e informações verificados como dispersos na cadeia de valor agregado do setor, para a formação de conhecimentos necessários aos planos estratégicos de marketing; • Validação – Adequação, normalização e nivelamento de dados e informações coletadas, uma vez que há fontes diferentes, expressões em unidades, formatos e demais atributos, além de verificações de pertinência, segurança e confiabilidade dos acervos coletados; • Processamento (geração de conhecimentos) – indica a produção dos conhecimentos para entrega futura aos tomadores de decisão e demais usuários finais e • Entrega dos resultados esperados, incidindo aqui o devido plano de comunicação dos conhecimentos, que poderá envolver processos de tecnologia, comunicação empresarial, treinamento, etc. A presente estruturação do processo de inteligência de mercado ainda prescreve duas características importantes: • Trata-se de um ciclo de implementação temporal, com frequência baseada, portanto, em intervalos de tempo segundo afirmado por El-Bashir, Collier e Sutton (2011), Jamil et al. (2012) e Jamil (2013). Assim sendo, o processo de coleta, validação, processamento e entrega é executado ciclicamente, em 30 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade períodos típicos de semestralidade ou anualidade, levando à atualização dos dados coletados, nova validação da amostra e assim por diante. Tipicamente, em condições comerciais, o processo pode ser expandido de maneira progressiva, com a adesão de novas empresas, inserção de conhecimentos coletados gradativamente de outras cadeias produtivas, etc. • O conhecimento produzido é entregue, disponibilizado a um setor comercial ou agrupamento típico de empresas, cabendo a cada uma o aproveitamento dos conhecimentos gerados para seu processo decisório particular, de planejamento estratégico de marketing e outras tarefas associadas – gestão comercial, de preços, de recursos humanos ligados à comunicação empresarial, entre outros (SCHIFFMAN e KANUK, 2010; FERREL e HARTLINE, 2010). Abaixo, exibe-se a Fig. 2, definindo, a partir dos levantamentos feitos em tempo teórico, o processo de inteligência de mercado. Figura 2 – Modelo de processo de inteligência de mercado. Fonte: autor. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 31 O modelo definido acima representa as etapas estruturais do processo de inteligência de mercado, subsidiado pelo desenvolvimento teórico elaborado. A seguir, desenvolve-se o estudo da composição das oficinas de inteligência de mercado. Estruturas das oficinas de inteligência de mercado Esta seção tem por finalidade determinar a estruturação das oficinas de inteligência de mercado, como um programa de capacitação sobre o tema central – inteligência de mercado – da maneira aqui abordada, como uma instância da gestão da informação e do conhecimento organizacional. A técnica utilizada nesta parte do trabalho é de, primeiramente, expor de forma breve o que indicam as oficinas e como estas terminam por representar um modelo – de base teórica e prática, calcadas no desenvolvimento que se afirmará a seguir – que define como a IM se enquadra efetivamente como um processo de GIC, podendo ser considerado, portanto, uma instância deste último, uma realização típica. Adicionalmente, o estudo integralizado nesta seção orienta a aplicação das oficinas, bem como do desenvolvimento teórico e prático que permite considerar este trabalho como base para vários desdobramentos, tanto no campo dos negócios, da aplicação comercial e mercadológica em processos organizacionais de tomadas de decisão, quanto de estudos teóricos, por exemplo, usando os conhecimentos mapeados nas oficinas. Interessante afirmar que, neste momento, ambos aspectos – comercial, mercadológico e prático e, por outro lado, acadêmico e científico – vem sendo produzidos, com exercício empresarial de consultoria, desenvolvimento aprofundado de estudos e regime de publicação e discussão constante sobre o tema. Trata-se, portanto, de tentar um importante viés de trazer estes desenvolvimentos de negócios e de pesquisa para a Ciência da Informação, permitindo seu exercício prático e relevância. Modelos, sua representação – limites e virtudes A aplicação de modelos de representação de fatos e fenômenos no campo da Ciência da Informação é frequente. Nos fundamentos de vários trabalhos, referências usuais são feitas às teorias de Claude Shannon, Warren Weaver, Ludwig Bertalanffy, Michael Black, entre outros. Das modelagens restritas, que configuram a comunicação como troca de sinais, ensejando a “informação-como-processo” às mais complexas, que analisam processos de busca e recuperação de informações, gestão do conhecimento e formação do conceito de inteligência organizacional, várias são 32 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade as tendências e correntes de modelagem que estruturaram propostas científicas ou resultados de pesquisas que repercutem no campo da CI. Áreas ou temas ligados à Ciência da Informação têm motivado aos pesquisadores o uso de técnicas de modelagem para, por exemplo, apresentar síntese de instrumentos de pesquisa e como métodos de construção e apresentação de resultados. Como exemplos, citam-se estudos da compreensão dos “comportamentos informacionais” (Wilson, 1999; Bates, 2010), a intensiva pesquisa em “recuperação da informação”, área com vasta publicação, e a “gestão do conhecimento” (Jamil, 2005; Kane, Ragsdell e Oppenheim, 2006). Silva (2011) realiza interessante observação sobre as questões inerentes ao uso de modelos e técnicas de modelamento da realidade, suas restrições, facilitações e dilemas associados na expressão da pesquisa. Após discussão que passou por referências das Ciências Sociais, Naturais e Exatas, o autor expressa que os modelos, que tanto convêm à prática e definições de um campo ainda jovem no escopo científico, como a Ciência da Informação, oferecem, em contrapartida, riscos de limitação forçada de contextos, de compreensão limitadora e mesmo de restrição adicional dos objetivos de pesquisa. Há de se avaliar que, no decorrer do texto, ao considerar e alcançar alternativas em termos de linhas gerais de modelagens – como as de contexto ambiental, gerencial e política – o autor também expressa a preocupação com métodos e técnicas associadas que produziram os modelos referenciados em seu estudo, bem como em prática no campo científico, uma vez que, ao se concentrarem em produzir um modelo ou mesmo serem apenas originados destes, sacrificariam o espírito inter e transdisciplinar do campo. A modelagem e os modelos requerem uso equilibrado pelo pesquisador e do relator de pesquisas, ao expressarem uma realidade alcançada num determinado momento, num contexto de uma investigação realizada e não necessariamente buscarem ser a expressão determinante da verdade científica sobre determinado assunto. Este caráter conclusivo, poderá ser alvo de novos estudos posteriores, caso os objetivos propostos não tenham sido alcançados. Rolim e Cendón (2013) empreenderam uma análise sobre a revisão dos modelos ditos “centrados no usuário”, como um dos tipos mais característicos da Ciência da Informação na prática metodológica e de produção de resultados de pesquisa. Neste estudo, as autoras analisaram alguns dos modelos clássicos, bem-sucedidos, do campo, com grande volume de citações e debates como base referencial para avaliar situações como a ruptura proposta, quando novas formas organizacionais, tecnoloEstruturação de oficina de inteligência de mercado 33 gias e focos de estudo determinaram uma potencial mudança nos objetos de análise. Assim sendo, denomina-se esta nova corrente, conforme as autoras, de “alternativa”, com modelos “que já se encontram em debate para estudos alinhados com o paradigma social da informação”, como afirmam em suas conclusões. Importante notar, além da devida apresentação, como resultado principal do capítulo, dos novos modelos de pesquisa praticados e em uso pela CI, que o capítulo, inequivocamente, trata também da atualização metodológica, de revisão de modelos e técnicas associadas de pesquisa, em fato e processo similar ao que aqui se propõe que seja realizado sobre a proposta original de modelo de processo de gestão da informação e do conhecimento. Destes dois estudos, realizados sob o campo da Ciência da Informação, verifica-se a validade da postura em revisar o modelo original, bem como aplicá-lo para o estudo proposto de inteligência de mercado, como princípio metodológico de análise e observação. Uma avaliação de contribuições de pesquisa da Ciência da Informação em fontes como os acervos de eventos acadêmicos e científicos, bem como de periódicos, demonstram a intensiva produção de modelos de compreensão de fenômenos, fatos, processos e conceitos afetos à Informação – foram avaliados os anais e publicações dos seguintes veículos e eventos: Enancib, 2012; Contecsi, 2013; Edicic 2013; Edicic 2013a, Perspectivas, 2013; Datagramazero, 2013; Ciência da Informação, 2013. A construção de modelos, expressos em grafismos, relações conceituais, contextuais, taxonomias, glossários e mesmo em proposições metodológicas consolidam a produção de uma pesquisa com tema objetivo que, geralmente, levou o autor do projeto a expressar ali os seus achados dentro do dinamismo, abertura e desafios típicos da Ciência da Informação (JAMIL, 2005; SILVA, 2011; ROLIM e CENDÓN, 2013). Concorda-se com Sayão (2001) quando, com base em Almeida e Tahuata (1981), afirmou que: Dessa forma, um modelo é uma criação cultural, um mentefato, destinada a representar uma realidade, ou alguns dos seus aspectos, a fim de torná-los descritíveis qualitativa e quantitativamente e, algumas vezes, observáveis. A existência de modelos jaz na impossibilidade cultural de descrever os objetos com perfeição, esgotando as possibilidades de sua observação. Não sendo transparente para o homem, o mundo se lhe apresenta como um permanente desafio à sua descrição. Essa limitação filosófica de percepção é que permite e exige o aparecimento de modelos. (SAYÃO, 2001). 34 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Importante ressaltar que, para o autor, o campo da Ciência da Informação é apresentado, com destaque, como sede da análise dos fatos e fenômenos afetos à informação. Em discussões subsequentes, apresenta a técnica da modelagem como fato importante para a composição de “analogias” ou “aproximações” da realidade, cuja representatividade destina-se a promover a compreensão, não necessariamente comprometendo-se a encerrá-la. Oliveira e Almeida (2011) afirmaram o relacionamento entre os princípios da construção de modelos de compreensão nos estudos com áreas que apresentem afinidade de objetivos de pesquisa, como a Ciência da Computação e da Informação. No seu trabalho, discutiram a função dos modelos como preconizada pela CI na contribuição de formação de ontologias destinadas ao desenvolvimento de softwares, cujas modernas técnicas fundamentam-se fortemente nos trabalhos de abstração conhecidos pelos praticantes de Computação como “modelagem de sistemas”. De maneira oportuna, estudam ainda a atuação do profissional egresso em Ciência da Informação como ativo contribuinte de conhecimento nestas tarefas da produção de programas para computadores. Na abordagem percorrida por Rolim e Cendón (2013), avaliam-se várias contribuições de estudos seminais de modelagem para o campo da Ciência da Informação, destacando-se aqueles de contribuição conceitual, como os de Robert Taylor, Tom Wilson, Brenda Dervin e David Ellis. O estudo teve como alvo principal analisar modelos que se dedicam ao “foco no usuário” da informação, como os que foram propostos por Brenda Dervin e Michael Nilan, Chun Wei Choo e Carol Kuhlthaul, sendo esta outra uma contribuição marcante dos métodos e estruturações de pesquisas em CI considerados no presente trabalho. Motivada e validada a obtenção e uso de modelos para os contextos de estudos da CI, faz-se, a seguir, a discussão dos aspectos teóricos e posteriormente dos práticos para a estruturação das oficinas de inteligência de mercado. Apresentação sumária das oficinas de inteligência de mercado Compreendem-se as oficinas de inteligência de mercado como jornadas envolvendo representantes de setores mercadológicos os quais podem ser alvo do processo de IM, com as seguintes características: • São atividades dinâmicas, realizadas com representantes de empresas de um mesmo setor mercadológico. Parte de sua carga horária representa um treinamento conceitual e prático sobre o tema, e outra parte se destina a Estruturação de oficina de inteligência de mercado 35 simular um processo de inteligência de mercado “em funcionamento” para atender ao setor de onde provêm os participantes. O escopo visa, principalmente, quatro atividades básicas: • Discussão da base conceitual de referência da IM, compondo: dado, informação, conhecimento, processo, gestão, gestão da informação e do conhecimento, planejamento estratégico, planejamento estratégico de marketing, inteligência de mercado e relacionamento da IM com outros conceitos, como o de inteligência competitiva. • Discussão da base conceitual de apoio, envolvendo principalmente uma abordagem adequada à execução de uma oficina específica, sobre os conceitos de planejamento, gestão, qualidade, processo, tomada de decisão e outros acordados previamente com os promotores da oficina. • Realização de dinâmica de simulação de “um ciclo de inteligência de mercado” onde, como resultado de um levantamento prévio realizado, seriam exemplificadas a execução de coleta, validação, processamento e disseminação dos resultados. • Por último, é feito o exame dos resultados obtidos com o ciclo de inteligência de mercado, a perspectiva de ser um processo de gestão da informação e do conhecimento e suas repercussões para o planejamento estratégico de marketing. Objetiva a dar destaque à integração dos processos decisórios de cada uma das empresas participantes, podendo ser uma atividade de dinâmica ou de exposição coordenada dos participantes, sendo gerida pelo instrutor. Diante do exposto, torna-se interessante nivelar, com base estrita no desenvolvimento conceitual feito, os conceitos fundamentais, acessórios e seu relacionamento, definindo-se como meta de execução da oficina que os participantes atinjam um nível satisfatório de percepção dos mesmos. Base conceitual para o exercício das oficinas de IM A seguir, definem-se a base teórica a ser desenvolvida na oficina de inteligência de mercado. Primeiramente um sumário dos conceitos básicos é reapresentado, 36 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade posteriormente ilustra-se o relacionamento entre processos de GIC e IM, como previsto na formação de base conceitual pretendida para o trabalho. Conceitos fundamentais Dado: Valor amostrado, calculado, expresso em unidade simples e conversível, normalmente de conhecimento amplo e coletado de maneira imediata, direta, de fenômeno ou fato em transcurso. De fácil aquisição, é, em geral, pobre para a formulação de decisões, mesmo no âmbito meramente operacional. É essencial para a formação do conhecimento, porém, isoladamente, não é suficientemente representativa. Informação: Pode ser compreendida de duas formas. Na primeira, é um conjunto de dados homogêneos, coletados em um mesmo contexto, fornecendo conotação adicional sobre o ambiente onde foram coletados. Traz maior condição e capacidades de inferir e tomar decisões, sendo, contudo, de maior complexidade na coleta e formação. Numa segunda abordagem, refere-se ao processo de informar, de fluir conjuntos de dados entre um emissor e um receptor. Conhecimento: é um conjunto de informações aderido do domínio sobre o processo gerador das mesmas, fornecendo contexto mais amplo que os dois acervos anteriores. É o conteúdo de formação mais complexa, dependente das características e procedimentos de sua produção, contudo fornecendo maiores condições para processos decisórios e de interpretação mais detalhada, incluindo fatores como a predição de cenários e estudo de alternativas para decisões. O conhecimento agrega maior conteúdo, possui maior valor para os processos organizacionais analisados neste estudo, em especial aqueles ligados à estratégia empresarial. No entanto, representa acervo de maior complexidade e custos gerais de obtenção, demandando que a organização se estruture coerentemente para gerar e aplicar, efetivamente, o conhecimento em seus processos decisórios. Gestão: Conjunto de sistemas e procedimentos destinados a gerenciar uma organização e implementar ações coerentes com os planos e determinações para este gerenciamento. A gestão apoia-se nas estruturas organizacionais, sistemas profissionais e de automação, instalações físicas, tecnológicas e demais implementos que possibilitem a continuidade planejamento – ação por prazos previstos. Gestão da informação e do conhecimento: Processo organizacional que se destina a tratar informações (na realidade podendo alcançar os dados) para a geração de conhecimento a ser aplicado em situações de decisão. Na modelagem usada para este projeto compreende os subprocessos de obtenção, registro, compartilhamento, Estruturação de oficina de inteligência de mercado 37 monitoramento estratégico e valorização, sendo submetido à observação do contexto organizacional – que se destina a contribuir com os aspectos sociais da gestão do conhecimento em si – e considerando que há aplicação de tecnologia da informação e da comunicação em todos estes subprocessos. A revisão do modelo original, obtida em Jamil (2013c), incluiu o conceito de contexto organizacional, em substituição aos fatores intervenientes analisados originalmente e a apreciação das atualizações de TI para a execução dos subprocessos em ambiente organizacional. A GIC é apresentada não como um processo isolado, de processamento ao encargo de um setor ou unidade organizacional exclusiva, mas de uma forma de interpretar, através da base conceitual desenvolvida, qualquer processo organizacional – no ambiente da empresa, cobrindo desde as mais simples atividades operacionais até as mais sensíveis e delicadas decisões estratégicas – permitindo apreciar toda a situação e perspectivas da aplicação do conhecimento gerado nos processos finais de negócios. Contexto organizacional: Diz respeito às estruturas, processos, intervenções, perfis de atores, sistemas, métodos e outros aspectos estruturantes e definidores, sendo intuitivos, nativos, e implementados por decisão de praticantes organizacionais, que definem como uma organização atuará ou terá possibilidade de atuar. O CO pode ser compreendido como um fator de limitação, imposto para o exercício das atividades organizacionais, fruto de negociação entre empresas, setores e agentes de negócios, o que pode ser exemplificado pelos códigos legais. Tecnologia da informação: Conjunto de métodos, técnicas, dispositivos e várias versões e qualificações de software (programas) destinados a implantar funções variadas, como as de constituição dos sistemas de informação, automação de processos, mecanismos de comunicação eletrônica ou digital, interconexão de sistemas organizacionais, e assim por diante. A tecnologia da informação é compreendida como o conjunto de aparatos e dispositivos tecnológicos e os métodos aplicados para seu uso efetivo em processos empresariais. Processo: Atividade organizacional que compreende fases determinadas e seus objetivos definidos, provendo condições de seu gerenciamento tanto por fase e no seu todo. Compreende-se que numa organização convivam vários processos, alguns confinados ao ambiente interno da mesma, outros com a perspectiva da atuação de agentes externos, sendo que o relacionamento entre estes processos é, em alguns casos, essencial, noutros desejável. Inteligência de mercado: Denomina-se como inteligência de mercado ao processo empresarial de provimento contínuo de conhecimento às empresas de um 38 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade mesmo setor mercadológico, na fase de planejamento estratégico de marketing. Este processo é estruturado nas seguintes fases: mapeamento da cadeia de valor empresarial, diagnóstico dos conhecimentos necessários para as decisões de planejamento estratégico de marketing do setor, diagnóstico de dados e informações disponíveis no arranjo produtivo e montagem do processo cíclico principal: coleta, validação, processamento e disseminação de conhecimentos. Ao final de cada ciclo, sincronizado por um prazo previamente acordado entre o grupo setorial de empresas, há a entrega / comunicação de conhecimentos para uso, por conseguinte, no trabalho de planejamento estratégico de marketing que cada uma destas empresas poderá fazer isoladamente. Trata-se, portanto, de um processo organizacional, onde a Ciência da Informação, tipicamente, contribui de maneira significativa com o estudo em si, dado que o trabalho e a produção são intensivos sobre os acervos de dados, informações e conhecimentos. Estratégia: É a disciplina que congrega as formas de pensar coordenadamente o futuro de uma organização. Através de métodos e formulação de planos e posicionamentos, dimensionam-se recursos, mapeiam-se ações ao longo do tempo, bem como se elabora a gestão de riscos e, finalmente, determinam-se os pontos de orientação geral para a composição de planos táticos que definirão como as áreas, setores e unidades de negócios empresariais deverão trabalhar sincronamente, ao longo de um período negociado, para a obtenção dos resultados previstos. Planejamento estratégico de marketing: Na tarefa de planejar ações das áreas e disciplinas da empresa, para alcance das posições estratégicas previstas, o planejamento estratégico de marketing é uma disciplina e processo associado que tem por encargo relacionar as ações de marketing – como disciplina que busca agregar valor aos produtos e serviços ofertados pela empresa – à estratégia pensada para a empresa. É um processo intensivo em uso e produção de dados, informações e conhecimentos, sendo alvo da associação com a inteligência de mercado, destinada a prover tais conhecimentos para as decisões que são tomadas em seu percurso. Oportuno notar, portanto, que o planejamento estratégico de marketing torna-se o ponto de conexão entre a inteligência de mercado e o planejamento estratégico empresarial, ao permitir que esta importante área – marketing – opere segundo o planejamento estratégico previsto. Inteligência de mercado e sua visão como gestão da informação e do conhecimento Compreende-se, principalmente do ponto de vista metodológico, a associação entre os processos de gestão da informação e do conhecimento, tomado como Estruturação de oficina de inteligência de mercado 39 elemento estruturador da concepção metodológica e o processo de inteligência de mercado como alvo do estudo. Baseando-se no desenvolvimento teórico elaborado anteriormente para ambos os processos, partindo dos conceitos fundamentais de cada um deles e, posteriormente, de sua integração, propõe-se o quadro exposto na seguinte figura (Fig. 3), como uma orientação inicial para o desenvolvimento da abordagem prática em termos de metodologia. Nesta figura, indicam-se nas linhas da tabela os subprocessos constituintes do processo maior de gestão da informação e do conhecimento. Nas colunas, são representadas as fases do processo de inteligência de mercado. Este exercício vem sendo elaborado desde a divulgação do modelo original de GIC para a contribuição deste na análise de processos empresariais, tendo como exemplos o uso em estudos sobre o processo de planejamento estratégico, processo de desenvolvimento de software, entre outros. O que se faz, nestes casos, é amostrar cada um destes processos empresariais, a partir das definições de literatura, com sólida discussão conceitual que permita a seu detalhamento em fases e, em seguida, colocá-lo em exame contraposto, em termos das linhas e colunas de tabelas, como a apresentada abaixo para o processo de IM. Este exame busca analisar a contribuição efetiva de cada um dos subprocessos do processo de GIC às fases específicas do processo empresarial analisado. 40 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Figura 3 – Exame do relacionamento entre os subprocessos da gestão da informação e do conhecimento e as fases do processo de inteligência de mercado. O maior potencial de contribuição para as concepções metodológicas aplicadas para pesquisas encontra-se no que é designado nas células de cruzamento entre as linhas (processo de GIC) e colunas (processo empresarial, no caso de IM). Nestas células pode-se representar, usando um ou mais números, caracteres ou símbolos, indicativos de critérios diversos que associam a possibilidade de estudo, de evidência, dos aspectos indicados no par linha-coluna para os processos em exame. Na tabela acima, de maneira consolidada, indicou-se por um número, que, singelamente, buscou identificar a prioridade – ou importância, relevância – do subprocesso de gestão da informação e do conhecimento para a fase do processo de inteligência de mercado exposto na coluna. A leitura pode ser feita da seguinte forma, tomando-se três exemplos: • O subprocesso de Obtenção, do modelo de processo de GIC é prioritário nas fases de Definição de cadeia de valor, Diagnóstico de dados, informações Estruturação de oficina de inteligência de mercado 41 e conhecimentos disponíveis e na fase de Coleta do ciclo de inteligência de mercado. • O mesmo subprocesso tem prioridade de segunda categoria nas fases de Diagnóstico de conhecimentos necessários e na fase de Validação do ciclo de inteligência de mercado. • Examinando uma célula específica, por exemplo, representa-se no quadro acima, que o subprocesso de Valorização tem prioridade de segunda categoria na fase de Processamento do ciclo de IM. Relacionamento entre conceitos – visão aplicada A seguir, definem-se os relacionamentos potenciais entre os conceitos apresentados acima. É um dos objetivos das oficinas que os participantes possam ter a concepção destes relacionamentos, uma vez que não só são conceitos relevantes para o processo de inteligência de mercado, mas também estabelecem dinâmicas importantes para que este processo ocorra de maneira bem-sucedida, no objetivo do provimento de conhecimentos ao planejamento estratégico de marketing. Dado – informação – conhecimento: Trata-se de uma proposição progressiva, onde há perspectivas da geração de informação pela coleta e processamento de dados e, em sequência, de geração de conhecimentos pelo trabalho com informações. Este relacionamento prevê uma dinâmica contínua, uma vez que a produção de dados é intensiva em qualquer interação organizacional e, desta forma, tal fato também repercute na possibilidade de gerar conhecimento a partir destas atividades. Destes acervos gerados, uma parte pode ser, potencialmente, aplicada nas decisões da fase de planejamento estratégico de marketing, na forma ensejada pela definição do ciclo de inteligência de mercado. Para as oficinas de inteligência de mercado, chama-se a atenção para a disponibilidade de dados, as dificuldades e necessidade de geração constante de informação e conhecimentos para o planejamento, decisões e ações empresariais. Neste percurso, alguns temas, como a tecnologia e os sistemas de informação, a gestão de estruturas organizacionais, comunicação empresarial, definição de perfis profissionais e seus relacionamentos, tornam-se relevantes. Inteligência de mercado – planejamento estratégico – planejamento estratégico de marketing: Objetivo maior da aplicação prática do processo de inteligência 42 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade de mercado, o relacionamento proposto deve ser enfatizado e verificado em toda a realização das oficinas, permitindo compreender como o conhecimento gerado será aplicado em tomadas de decisão estratégica, principalmente no que tange à gestão estratégica de marketing. Neste enfoque, tarefas típicas desta fase do planejamento são: avaliação de oportunidades reais e suas repercussões para os planos (em associação, por exemplo, com técnicas de planejamento estratégico como as das análises de forças competitivas ou SWOT), segmentação de perfis mercadológicos, avaliação de receptividade, retorno e atratividade de mercados, gestão de riscos em planejamento de marketing, entre outros. É relevante notar que tais definições de base conceitual, bem como de relacionamento, colocam a Ciência da Informação, com as características já evidenciadas no estudo teórico e de afirmação deste projeto, como base de todo o projeto, como ensejado, permitindo sua difusão colaborativo com outras disciplinas e o benefício mútuo da adoção deste novo tema, a inteligência de mercado. Estabeleceram-se aqui as bases conceituais de fundamento e que devem ser alcançadas na realização das oficinas de inteligência de mercado. Entendido como real contribuição para a gestão empresarial com base na Ciência da Informação, tais conceitos, que prescrevem os fundamentos e sua associação entre processos complementares, descrevem uma dinâmica de geração constante de conhecimento a ser aplicado em escopo estratégico empresarial. A seguir, com base nestes objetivos, expõe-se uma estruturação prevista para as oficinas propriamente ditas. Estrutura prática das oficinas de inteligência de mercado Estas atividades constituem-se no objetivo final do presente capítulo, ao serem escolhidas como resposta à questão fundamental de pesquisa: “Como o processo de inteligência de mercado pode ser considerado como um processo de gestão da informação e do conhecimento?”. De acordo com o princípio metodológico da realização de simulações e testes com os instrumentos de pesquisa anteriormente à sua aplicação efetiva, no intuito de correções, revisões, adequações e aprimoramento, realizaram-se versões simuladas das oficinas, ainda sem o caráter estrito aqui exposto. Estes “testes de campo” destinaram-se portanto, a avaliar se as oficinas eram exequíveis, produziam o resultado esperado e se os participantes, ao final, teriam a percepção da resposta à questão de pesquisa objetivo do trabalho, compreendendo a IM como uma instância de GIC. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 43 Nos vários contatos realizados com representantes setoriais, quatro aceitaram o desenvolvimento das jornadas. A estruturação proposta envolve dedicação, investimento para custos de promoção, sendo que desta forma alguns dos contatados, embora concordando com a validade das oficinas, não adotaram sua realização, principalmente por dificuldades em arcar com tais recursos de tempo e finanças. No decorrer destas atividades de teste foram verificados: • Dois trabalhos são fundamentais para a execução das oficinas: O “promotor”, que é o profissional ou representante do setor mercadológico, das empresas participantes, que coordenará a estruturação, comunicação das oficinas e o “instrutor”, que será o condutor das atividades teóricas e práticas de exposição conceitual, aplicada, e de toda a interação com os participantes. Nas definições de cada oficina, tidas como primárias, tais atividades serão definidas. • Torna-se recomendável a adoção de diferentes formatos para a realização das oficinas, não em termos de sequência ou ementa, mas de carga horária e profundidade, uma vez que alguns contatos induzem os participantes a somente praticarem somente uma jornada informativa, enquanto outros desejarão, efetivamente, uma “oficina” completa, ou seja, as noções práticas de como a IM funcionaria na prática, com a realização de ciclos simulados. Assim sendo, a oferta da oficina em cargas horárias escalonadas, dimensionadas é aconselhável. Foi verificada a perspectiva de jornadas múltiplas de quatro horas de trabalho, com escalonamento das tarefas previstas, adequando-se desde o formato mínimo de quatro horas para uma palestra executiva até a oficina completa, com carga máxima, de dezesseis horas. • A modularização proposta pela estrutura das oficinas permite acondicionamentos práticos em sessões contínuas, separadas no tempo (dias, até mesmo em semanas), com funções precípuas bem definidas. Este tipo de acondicionamento permite a programação de acordo com as rotinas comerciais de interessados, resultando em facilidade para a programação das mesmas. Há, contudo, de se afirmar que o distanciamento excessivo de eventos pode trazer problemas de continuidade ao estudo teórico objetivando a conexão ao prático. 44 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade • Diante de tal fato, alguns módulos podem também ser dimensionados de forma diferente. Por exemplo, as bases conceituais que principiam as oficinas podem ser condensadas em um só módulo, reduzindo pela metade a carga horária – de oito para quatro horas, na versão original – dedicada a estas sessões. Num outro formato, a sessão final, de exposição e debate de resultados, buscando sua disseminação, poderá ser até mesmo suprimida, de acordo com o desejo dos participantes, embora reconhecendo sua contribuição geral para o aprendizado do setor-alvo como um todo. • Os desdobramentos e repercussões, acadêmicos, científicos, comerciais e mercadológicos das oficinas, são ainda indeterminados, apesar de serem previstas várias possibilidades e perspectivas. De acordo com as entrevistas informais dos participantes destas sessões de teste, avaliou-se desde a impossibilidade de adoção da IM “no momento” pelo setor, até mesmo a “montagem de um curso de extensão específico”, que são situações possíveis de serem encontradas. Diante de tais constatações, obtidas nos testes feitos em sessões simuladas, parte-se para a estruturação efetiva, primeiramente, estabelecendo os requisitos para a estruturação das oficinas e, finalmente, chegando-se à definição efetiva de como atuarão. Definições primárias para as oficinas Esta seção apresenta algumas condições e pré-requisitos para a organização e realização das oficinas de mercado. Estas determinações devem ser consideradas para a implantação das oficinas efetivamente, sendo recomendável sua estrita observação por parte dos promotores do evento. • “Promotor” – trata-se de profissional indicado pela representação do setor empresarial-alvo da oficina, que coordenará a cessão de recursos materiais necessários à sua execução, realizará contatos e convites para os empreendedores e demais interessados da parte das empresasalvo e providenciará toda a divulgação da oficina no setor, conforme determinado e oportuno pelas negociações com empresas e entidade promotora, caso exista. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 45 • “Instrutor” – posição inicialmente assumida pelo pesquisador deste projeto, esta atividade é de instrução, nos momentos e etapas iniciais, da base conceitual sobre o processo de inteligência de mercado e dos contextos de sua execução – gestão empresarial, estratégia, processos, relacionamento entre processos, etc. – e de coordenação de atividades, nos momentos de simulações de decisão, discussão de resultados e disseminação do conhecimento produzido. É estritamente recomendado que este profissional possua conhecimento profundo em Ciência da Informação e, claro, na condução de dinâmicas e práticas de treinamento executivo empresarial. Sua atribuição, nos momentos de negociação com o promotor, é de auxiliar nas definições gerais de acondicionamento das oficinas, para dimensionamento de carga horária, definições dos objetivos gerais e totais de sua realização. O instrutor também deverá avaliar e se responsabilizar por decisões referentes à exposição final dos trabalhos, realização de dinâmicas e divulgação posterior dos resultados, entre outras. • Materiais de informação prévia – Compreende os artigos, matérias de imprensa e outros textos que permitam uma ciência e preparo prévio dos participantes das oficinas, contribuindo para o melhor aproveitamento das mesmas. Estes materiais, selecionados pelo instrutor e examinados em conjunto com o promotor, serão enviados previamente aos participantes, para o preparo para a sessão, conforme acordado entre ambos executores da oficina. • Infraestrutura – Prevê as atividades de preparo material para o exercício das oficinas, com exame da literatura enviada e preparo de recursos de sala de instrução para a realização das oficinas. • Cronograma – Definição do tempo a ser gasto e previsto para a execução de cada etapa. A estrutura exibida a seguir, é para a realização da atividade extensiva que pode, posteriormente, ser adaptada para cada execução negociada com o promotor, tendo por base o aproveitamento das empresas-alvo. De posse destas definições e providências, as oficinas de IM podem ser realizadas. A seguir, expõe-se uma estruturação geral para sua execução. 46 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Estrutura das oficinas de inteligência de mercado – planejamento e execução Demonstra-se, a seguir, a sugestão para o planejamento e execução das oficinas de inteligência de mercado. Esta estrutura foi definida em quatro momentos maiores, de acordo com a figura (Fig. 4) seguinte, e que serão explicitadas a seguir. Figura 4 – Estrutura geral de oficina de inteligência de mercado Descrevem-se, a seguir, as definições inerentes a cada uma das fases descritas acima, para planejamento e execução das oficinas de inteligência de mercado. As duas primeiras etapas são consideradas de planejamento, de contatos entre promotores e empresas-alvo, bem como de levantamento de dados necessários para a realização das oficinas. As duas últimas são realmente de execução das atividades em contato direto, em jornadas de discussão e treinamento das empresas-alvo. Etapa 1 – Atividades de contato Esta etapa tem por objetivo contatar o setor-alvo através de um representante, que pode ser um profissional ou membro de uma associação setorial. Este contato Estruturação de oficina de inteligência de mercado 47 visa apresentar a inteligência de mercado como conceito, sua inserção empresarial, indicando a oficina como um método de aprendizado inicial sobre o tema. A sequência de atividades da Etapa 1 é enunciada abaixo: 1) Contato com o potencial promotor da oficina de IM • O promotor é a entidade ou representante da associação ou grupo de empresas que será abordada nesta oficina. Por exemplo, o representante da “Associação de empresas do setor X”. Neste contato, objetiva-se explicar brevemente o conceito, sua aplicação o funcionamento geral das oficinas, que podem ser apresentadas de 4 horas (palestra executiva) até 16 horas (versão completa). 2) Reunião prévia com promotor (es) • O setor mercadológico é definido, as empresas são identificadas, o promotor e o instrutor colocam-se em contato efetivo. A duração da Oficina é definida (tipicamente sendo de 8 ou 12 horas, podendo ser de carga horária de 4 (mínimo) ou 16 (máxima) horas de duração), a data de sua realização, identificada no texto como data “T”. 3) Considerações práticas • Os prazos expostos a seguir são “limites” recomendados para cada fase ou trabalho. Assim, quando se escreve “T – duas semanas”, indica-se que duas semanas antes da data acertada “T”, tal atividade deverá estar concluída. Considera-se situação positiva caso estes prazos possam ser dilatados, porém aqui se praticam datas ajustadas no limite para viabilizar todo o andamento das oficinas. Como principais objetivos desta fase, têm-se: (a) A definição do responsável pelo papel de promotor do evento; (b) O interesse do setor em desenvolver a oficina e, em suma, pela própria inteligência de mercado como um processo de gestão da informação e do conhecimento. Etapa 2 – Atividades de preparo A segunda etapa destina-se ao contato efetivo com o setor-alvo da oficina de inteligência de mercado para seu preparo final, levando em consideração um levantamento prévio a ser feito, através do questionário desenvolvido anteriormente no presente estudo, cuja projeção acha-se no capítulo 4, sendo descrito efetivamente no 48 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Apêndice 2. Deve ser lembrado que tal instrumento foi desenvolvido com base na análise do processo de inteligência de mercado, como sendo um processo de gestão da informação e do conhecimento, ressaltando que sua aplicação, portanto, materializa tal fundamento conceitual do presente projeto. 1) Em T – duas semanas (duas semanas antes da data de início das oficinas) • Envio ao promotor da oficina de material de preparo – artigo acadêmico, texto sumário de informação sobre a inteligência de mercado e do questionário (ver, para abordagem conceitual, o capítulo 4, Metodologia, e para a descrição efetiva do questionário, o Apêndice 2) a ser preenchido pelos interessados, das empresas-alvo. O questionário deve ser devolvido ao instrutor para o preparo final e ajuste da oficina, principalmente, em sintonia com as partes específicas da abordagem teórico-prática a ser executada. 2) Em T – 12 dias corridos • O promotor comunica às empresas-alvo sobre a oficina, envia os documentos (artigo científico, material de imprensa e questionário) e aguarda-se o envio das respostas ao questionário pelas empresas em prazo de oito dias corridos. O instrutor permanece disponível para dúvidas sobre o conceito, a realização das oficinas e respostas ao questionário, em contatos diretos ou indiretos, via promotor, para as empresas-alvo. 3) Em T – 4 dias • Instrutor recebe os questionários das empresas-alvo para preparo da oficina, passando à análise das respostas, visando descrever e dimensionar as partes específicas, tanto da abordagem conceitual, como do desenvolvimento prático. 4) Como objetivos desta fase, elencam-se: (a) Informação aos participantes sobre a inteligência de mercado, através de textos científicos e de imprensa comercial; (b) Realização do levantamento prévio de situação do setor empresarial para a inteligência de mercado, através da submissão, resposta e análise das respostas do questionário proposto como instrumento neste projeto. A seguir, apresentam-se todas as jornadas para uma Oficina em prazo máximo de 16 horas. As cargas podem ser ajustadas para que a agenda seja reduzida para 4, 8 ou 12, conforme receptividade das empresas-alvo e condições gerais para realização dos trabalhos, de acordo com os promotores do evento. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 49 Etapa 3 – Dia T – início da oficina Esta fase representa o início da oficina, com objetivos de instrução conceitual, precisão da base de fundamentos teóricos para a compreensão da inteligência de mercado em toda a amplitude, incluindo o seu relacionamento com outros processos empresariais. Na primeira etapa, “da manhã” do dia T, há uma exposição conceitual básica. Na segunda, módulo posterior de exposição dialogada, aproveitam-se as avaliações feitas da coleta realizada a partir das respostas aos questionários pelas empresas-alvo, sintonizando os conceitos, de acordo com as primeiras expectativas dos participantes. 1) Jornada da manhã – Nivelamento conceitual • Exposição dialogada dos seguintes conceitos: Gestão; Ciência da Informação e Gestão Empresarial; Gestão estratégica e informações; Processos empresariais, informação e conhecimento; Gestão estratégica de marketing; Gestão da informação e do conhecimento; Inteligência de mercado. Opcional, ao final da sessão, uma aferição de aprendizagem sobre a base conceitual. 2) Tarde – Inteligência de mercado para o setor • Discussão de casos práticos de inteligência de mercado no setor e em setores coligados, da cadeia de valor agregada do setor-alvo. Estudo da aplicação da inteligência de mercado em processos decisórios – exame conjunto com as empresas-alvo, segundo levantamento feito a partir dos questionários recebidos. • Definição do ciclo típico de inteligência de mercado – preparo para a sessão prática. Como objetivos desta etapa de início da oficina de inteligência de mercado, definem-se: (a) Apreensão dos conceitos fundamentais sobre IM; (b) Compreensão dos conceitos acessórios e do relacionamento entre eles e os fundamentais (como no relacionamento complementar entre os processos de IC e IM); (c) Avaliação de perspectivas práticas de aplicação da IM em situações decisórias típicas do setor; (d) Estruturação, em nível inicial, do ciclo de IM para o setor-alvo. Criam-se, portanto, as condições para o exercício prático de simulação de um ciclo completo de IM para o setor-alvo. 50 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Etapa 4 – Dia T+1 – Oficina: etapa de interação Através de maior interação e da atividade dos participantes na exposição de resultados e debates, esta fase conclusiva da oficina, em termos do exercício básico, destina-se à exposição de alguns resultados simulados e promoção da discussão sobre os mesmos. Com esta finalização, ocorre a apreensão final de conceitos de forma aplicada, a compreensão da prática da IM, a consciência da qualidade e finalidade dos resultados potenciais a serem gerados. A versão simulada do ciclo prescreve uma situação potencial de aplicação da IM pelo setor, permitindo desdobramentos além da realização das oficinas, como será discutido nos tópicos de conclusão do presente texto. 1) Manhã – Preparo dos ciclos de inteligência de mercado • O instrutor expõe um ciclo típico para as empresas do setor-alvo, bem como discute com participantes suas funções, decisões típicas em decorrência de sua adoção e propõe como este poderia ser processado para este mercado. Após esta exposição de abertura, as empresas-alvo participantes preparam um ciclo, individualmente ou em grupos, para apresentação guiada na sessão de fechamento, à tarde. O instrutor examina os ciclos preparados, revisa, avalia, alinha, seleciona as apresentações. 2) Tarde – apresentação dialogada • Empresas-alvo expõem os ciclos propostos, produzidos de forma simulada, com supervisão do instrutor. Nestas exposições, destacase o uso da informação e do conhecimento para tomada de decisão estratégica de marketing em suas empresas e todo o cenário em torno desta aplicação. A discussão, nesta dinâmica, encerra um ciclo típico e usos típicos de informação e conhecimento para uma proposta da inteligência de mercado para o setor empresarial. A etapa 4 conclui a oficina em si, com os seguintes objetivos: (a) Exposição consolidada de um ciclo de inteligência de mercado para o setor-alvo; (b) Exposição, por parte dos participantes, de suas concepções sobre inteligência de mercado para seu trabalho e, finalmente, a apreensão final de como a IM poderá trazer resultados efetivos para a prática de planejamento estratégico de marketing para o setor-alvo. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 51 Desta forma, ao alcançar as metas elencadas para cada fase, a oficina de inteligência de mercado realiza os objetivos previstos para o estudo destinados a materializar o conceito, desenvolvido como uma instância prática, efetiva, da gestão da informação e do conhecimento, com estudo realizado no campo da Ciência da Informação. Pretende-se, que ao final desta oficina, os participantes do referido setor-alvo tenham consciência teórico-prática da IM, de seu alcance, perspectivas, necessidades de alinhamento estratégico e orientação para contribuir com a formulação estratégica empresarial como um todo, constituindo-se em oportuno processo de GIC empresarial. Reitera-se, na conclusão desta exposição prática para a realização das oficinas, que as cargas horárias descritas são expostas em valores máximos, podendo ser ajustadas, desde que tal seja verificado como viável para determinadas versões de oficinas de inteligência de mercado, dependendo do entendimento primário entre promotor (es) e o instrutor da mesma. A seguir, descrevem-se resultados adicionais possíveis de serem obtidos como desdobramento “além-oficinas”, ou seja, após a sua realização, buscando descrever caminhos oportunos para pesquisas acadêmicas e ações práticas decorrentes do bom aproveitamento da realização da oficina. Conclusões O tema inteligência de mercado é um dos que emerge com destaque para o estudo a partir da Ciência da Informação, uma vez que é intensivo na produção, coleta, análise e aplicação de dados, informações e conhecimentos em várias de suas decisões. Além deste objetivo básico, o processo também é apoiado pela aplicação de métodos e técnicas, envolvendo, por exemplo, os complexos e sofisticados sistemas de informação, que subsistem processos secundários de coleta, armazenamento e disseminação de informação e conhecimento para a aplicação nos contextos da IM. Compondo ainda o cenário adequado e motivador para a prática da pesquisa em CI, a inteligência de mercado é um processo de alto nível de demanda e interação com os usuários destes acervos, uma vez que se trata de um conjunto de tarefas destinadas prioritariamente ao planejamento estratégico de marketing, portanto, um processo organizacional voltado para o relacionamento de agregação de valor para com o cliente final, que avalia a compra ou adoção de um produto ou serviço em oferta no mercado. Todo este cenário compõe uma feição adequada para a realiza52 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ção da pesquisa em Ciência da Informação, aplicando seu desenvolvimento conceitual, relacionamento da base conceitual com outros campos científicos, métodos de pesquisa e prática efetiva na análise e produção de resultados científicos. A transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade, praticadas e acolhidas pela CI, propiciam que resultados aqui gerados e produzidos por outras áreas também fluam, em caráter colaborativo, ampliando o alcance dos estudos científicos realizados. Ainda no escopo usual da prática da CI, buscaram-se referências sobre a gestão empresarial, processos e um estudo inicial foi desenvolvido sobre a gestão da informação e do conhecimento. Oportuno notar que a CI não define a GIC como um processo isolado, sob encargo de uma parte delimitada da organização, mas sim um princípio – construído no campo da Ciência da Informação – que objetiva analisar e estudar qualquer processo organizacional, desde os métodos de trabalho mais simples, rudimentares ou repetitivos, aplicados ao contexto operacional, alcançando até mesmo os mais intrincados processos decisórios de nível estratégico, avaliando como informação e conhecimento são aplicados, desenvolvidos e valorizados nestes contextos de dinâmicas empresariais. A pesquisa progrediu sobre os conceitos acessórios, que são relevantes e complementam a compreensão do ambiente científico, como estratégia, gestão estratégica e planejamento – estratégico e estratégico de marketing. A abordagem destes últimos fundamentos complementou a base conceitual necessária e, compondo juntamente com as avaliações de seus relacionamentos abrange as funções e definições necessárias para a compreensão de todo o arcabouço previsto para a realização da pesquisa. Por último, em tempo de discussão conceitual, procedeu-se à definição da própria inteligência de mercado, dado que é conceito praticado há muito tempo, por áreas distintas de conhecimento científico e, portanto, com alguns questionamentos ainda a respeito de sua definição final, acarretando imprecisões e indefinições que são peculiares a este tipo de situação, que surgem também quando se analisam outros fenômenos, principalmente do ambiente das organizações – empresa. No desenvolvimento do estudo deste conceito, encontrou-se que a IM é constituída por um processo, cujas fases estruturadas são: • Modelagem da cadeia de valor agregado, gerando-se domínio do contexto, onde o planejamento estratégico de marketing de uma organização necessita de dados, informações e conhecimento. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 53 • Diagnóstico dos acervos necessários para as decisões de planejamento estratégico de marketing de uma empresa que atua neste setor competitivo. • Diagnóstico do que já existe disponível, principalmente em termos de dados e informações, que possibilitem a geração dos acervos de conhecimento necessários para as decisões típicas de planejamento estratégico de marketing. • Montagem de um ciclo, concentrado em dados e informações para a geração de conhecimento organizacional, que é composto das seguintes fases: • Coleta de dados e informações. • Validação dos acervos coletados. • Processamento – aplicação de técnicas e métodos diversos para a geração do conhecimento. • Disseminação – entrega aos planejadores e estrategistas dos conhecimentos necessários para a formulação de decisões. Definido desta forma, à luz da literatura de vários campos, verificou-se o processo de IM como oportuno para o presente estudo. Ao se buscar compreender a inteligência de mercado como uma ocorrência da gestão da informação e do conhecimento foi necessária a discussão, com maior profundidade, deste último processo, uma vez que seria aplicado como o fator genérico para o estudo particular da IM. Para tal, resgatou-se o trabalho de Jamil (2005), sob total controle do pesquisador e este foi reexaminado, procedendo-se a uma avaliação de sua atualização perante a literatura produzida, desde a concepção original do modelo de processo O modelo de processo de gestão da informação e do conhecimento, assim revisado, foi aplicado em conjunto com o referencial teórico discutido na base do conceito de inteligência de mercado e, assim considerando, construiu-se o ferramental de pesquisa pretendido como objetivo do presente projeto em duas frentes: (1) Um questionário / roteiro para avaliar e investigar a inteligência de mercado como um processo de gestão da informação e do conhecimento, e (2) A estruturação de eventos, denominados “Oficinas” de inteligência de mercado que, em sessões dinâmicas planejadas, permitiriam a interação inicial com agentes de setores de mercado, no intuito de desenvolver inicialmente o tema, informando e estruturando a base teórica e conceitual do mesmo e permitir seu estudo constante, obtendo primeiros resultados e derivando o caminho de futuras pesquisas sobre a IM. 54 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Como objetivo final do estudo, as oficinas de inteligência de mercado foram apresentadas, no contexto de compreender a correspondência entre os processos. As oficinas de inteligência de mercado representam uma peça articulada de um processo de pesquisa exploratória em torno do tema, pois comunicam, informam metodologicamente, motivam e disseminam resultados aos participantes sobre a IM. Este fato fornece condições para que outros estudos, temas e resultados sejam praticados e buscados em pesquisas sucessoras, com questões de pesquisa mais bem definidas, detalhadas, diante de uma base conceitual desenvolvida no presente estudo e que pode ser discutida e revisada ao interesse dos futuros pesquisadores. As oficinas se constituem em dinâmicas, de acesso aberto, pois não restringem setores de mercado a participarem das mesmas, que têm a função de informar o atual estado de compreensão sobre a inteligência de mercado, situá-la perante base conceitual suficientemente estudada, que abrange conceitos fundamentais e acessórios, elaborando o cenário de base que pretende ser sólido e contínuo e, instruindo sua prática através da aplicação inicial do questionário discutido e de sua própria dinâmica de execução. No escopo previsto, estas sessões são encerradas com o desenvolvimento de um ciclo simulado de inteligência de mercado, afirmando os participantes como membros ativos de seu desenho, projeto e aplicação. Finalmente, os resultados desta simulação são discutidos, validando e motivando os participantes a compreenderem a IM, em termos de seu alcance e perspectivas. Por último, há de se afirmar a relação desejada com a Ciência da Informação, que permeou todo o presente estudo. Primeiramente, considerar que todos os conceitos revisados, tanto os de base fundamental – como inteligência de mercado, gestão da informação e do conhecimento, contexto organizacional e tecnologia da informação – ou acessórios, de complementação – como sistemas de informação, gestão, processos e estratégia – foram lidos e discutidos, a partir de observações que priorizaram a Ciência da Informação como campo científico. Adicionalmente, os processos considerados como foco central do estudo – IM e GIC – foram estudados dentro do campo, ressaltando a publicação dos trabalhos em nível de pesquisa “stricto sensu”, em Congressos e atividades gerais de comunicação de pesquisas do campo científico, usando seu instrumental, relevando as bases conceituais que promovem, os métodos de pesquisa aplicados e a interação com as comunidades da CI. Deve ser observado, portanto, que o estudo guarda nítida identidade com o campo científico da Ciência da Informação. Estruturação de oficina de inteligência de mercado 55 Permite-se afirmar que o presente projeto atingiu o objetivo científico de trazer ao campo da CI um contexto relevante de estudo, a inteligência de mercado, definido como um processo derivado de um de seus típicos objetos de estudo – a gestão da informação e do conhecimento. Em contrapartida, também permitiu ao tema o ganho na percepção de um processo mercadológico, a IM, pela aplicação das técnicas, observações e métodos da Ciência da Informação. Assim sendo, ocorre este aparente ganho em “via dupla”, que caracteriza um resultado producente para um campo científico, que não se pretende terminativo ou mesmo de definição sumária da verdade, mas contributivo no estudo de um tema. Como limitações deste projeto, identificam-se, basicamente aqueles advindos da pesquisa exploratória, que não permitem ainda a construção final de comprovação de hipóteses, de formulação de resultados generalizáveis, necessitando-se ainda de maiores e mais detalhados estudos, com os quais esta pesquisa central pretende contribuir para que sejam desenvolvidas. Como estudos posteriores a serem citados, em desenvolvimento, têm-se algumas sugestões, diante do que foi o desenvolvimento da pesquisa: • Prosseguir a incessante, e não terminada, discussão sobre gestão da informação e do conhecimento, questionando aspectos como as interações sociais, a ampliação e difusão desordenada dos recursos de tecnologia da informação e da comunicação, formação de acervos em caráter explosivo em todo o mundo e as constantes demandas, em termos de conhecimento, para processos que envolvem desde o cidadão, isoladamente, até complexos grupos, como as organizações transnacionais, globais. • Persistir na prática de pesquisas de estudos de casos e de múltiplos casos destinadas a estudar a GIC em organismos industriais, de serviços, públicos e não governamentais, para ações conexas aos seus planos estratégicos e táticos, em áreas tão diversas, como a gestão financeira, econômica e contábil, a logística, a comunicação empresarial, propaganda e relações públicas e institucionais. • Avaliar a inteligência de mercado mais profundamente, com a realização de estudos qualitativos que investiguem seus resultados, aplicando métodos bem-sucedidos para estas abordagens, como os de interação em grupos – grupo de foco, Delphi, colégio ou conselhos de especialistas – e de pesquisa participativa e de ação conjunta com os usuários finais, onde seriam 56 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade avaliados, por exemplo, o alcance dos resultados da IM para com o que as organizações preveem de ser obtido em sua aplicação. • Verificar a aplicação de métricas para a IM, objetivando analisar seus resultados práticos obtidos, lançando mão de métodos quantitativos, como surveys, modelagens estatísticas e de outros campos da Matemática. Aqui, a colaboração de outros campos, como estes citados, é altamente desejável. • Trazer também para este escopo, no espírito da prática inter e transdisciplinar, outros campos do conhecimento, como a Educação, Filosofia, Sociologia, Sistemas de informação e Engenharia, que possibilitem apreciar o conceito da inteligência, sua aplicação em conjunto com o contexto de mercado e os resultados advindos desta focalização. Nesta conclusão, afirma-se a obtenção dos resultados pretendidos para o projeto, o alcance de suas conclusões e a manutenção do princípio científico, da geração do conhecimento fundamentado para a progressão do estudo sobre um tema. Cria-se, portanto, a contribuição para o prosseguimento deste estudo, patrocinado sempre pela Ciência da Informação. Referências Barney, J. Firms resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, V. 17, n. 1, 1991. Barney, J. e Hesterly, W. S. Administração Estratégica e Vantagem competitiva. Pearson, 2011. Bates, M. J. 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No cenário do Poder Judiciário a Tecnologia da Informação vem ganhando cada vez mais relevância, principalmente após a promulgação da Lei 11. 419/2006, que permitiu que processos físicos sejam criados e tenham seus andamentos totalmente eletrônicos. Considerando que cada processo possui várias páginas de documentos produzidos, a quantidade de arquivos digitais é imensa. Com todo esse volume de dados torna-se necessária a existência de mecanismos de pesquisas eficientes, entretanto, considerando que cada órgão da justiça desenvolveu seus próprios softwares de processo judicial eletrônico ou softwares de 61 acompanhamento de processos físicos, esses mecanismos de consulta só conseguem pesquisar suas próprias bases de dados. Assim, fica latente a necessidade de mecanismo de pesquisa que possa consultar várias bases de dados/informações de sistemas diferentes, com banco de dados diferentes. Esse é o objetivo principal desse trabalho. Baseado nesse propósito, será criado um painel de consulta unificado e um painel gerencial com informações pré-formatadas, com alertas e sinais que possibilitem um acompanhamento visual do que está acontecendo. Esse capítulo está dividido em 6 partes: introdução, levantamento literário, desenvolvimento da ferramenta, estudo de caso, conclusão e referências bibliográficas. 2 Levantamento literário 2.1 Poder Judiciário Goiano O Poder Judiciário Goiano completa em 2014, 140 (cento e quarenta) anos de existência. Na evolução histórica da estruturação do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás constam registros que no período joanino (1808-1821), novas Juntas de Justiça foram criadas para as capitanias de Goiás, especificamente através do alvará de 10 de setembro de 1811 (Mathias, 2009, p. 100). Também, em dados históricos verifica-se que os Tribunais de Justiça eram chamados de Relação, sendo que pelo Decreto nº 2. 342, de 06 de agosto de 1873, Goiás figurou como uma das sete Relações criadas pelo Império, ocasião em que foram nomeados, os primeiros desembargadores para a Relação de Goiás (Covem, 2010, p. 01). Vale mencionar que a partir do ano de 1935, na comarca de Goiânia, não havia prédio próprio para abrigar o Fórum, que funcionou durante 23 (vinte e três) anos em uma casa residencial na Avenida Anhanguera, esquina com a Avenida Araguaia, no centro de Goiânia (Jungmann 2006, p. 07). Nesse caminho histórico, já no dia 27 de junho de 1986, foram inauguradas as sedes definitivas do Tribunal de Justiça e do Fórum de Goiânia, na Avenida Assis Chateaubriand e Rua 10 do Setor Oeste da capital, sendo que o edifício do Tribunal de Justiça recebeu o nome o desembargador Clenon de Barros Loyola, que o presidiu em 1969 e faleceu em setembro de 1988 (Jungmann, 2006, p. 10). 62 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade A atual sede do Tribunal de Justiça de Goiás foi inaugurada em 27 de junho de 1986, época em que o órgão era presidido pelo Desembargador Geraldo Crispim Borges e o Estado de Goiás governado por Onofre Quinan (Covem, 2010, p. 02). O Poder Judiciário Goiano conta hoje com 127 (cento e vinte e sete) comarcas em todo o Estado, sendo a comarca final em Goiânia, várias intermediárias e iniciais. Possui, também, vários Juizados Cíveis e Criminais, tendo ainda o Juizado da Infância e Juventude, bem como o da Mulher. Presta serviço primordial à comunidade Goiana, mantendo a ordem e o equilíbrio entre os polos passivo e ativo nos processos. De acordo com a Justiça em Números, projeto do Conselho Nacional de Justiça, o Judiciário Estadual Nacional conta hoje com 52. 018. 720 (cinquenta e dois milhões, dezoito mil e setecentos e vinte) casos pendentes de julgamento e 20. 040. 039 (vinte milhões, quarenta mil e trinta e nove) casos novos. Desse número o Judiciário em Goiás possui 1. 266. 421 (Um milhão, duzentos e sessenta e seis mil e quatrocentos e vinte e um) casos pendentes e 505. 923 (quinhentos e cinco mil e novecentos e vinte e três) casos novos. Cada processo possui centenas ou até milhares de páginas. (CNJ, 2013) 2.2 Lei Federal 11.419/2006 – Lei do Processo Judicial Eletrônico Antes da promulgação da Lei Federal 11. 419/2006 os processos judiciais não podiam ter sua tramitação totalmente eletrônica, pois não havia autorização legal para utilizar assinatura eletrônica nas sentenças, decisões, despachos, citações e outros documentos de ordem jurídica. Precisava da pasta em papel para armazenar todos os documentos produzidos. Os sistemas na época só faziam o acompanhamento da tramitação da pasta em papel, não armazenavam o inteiro teor de todos os documentos. Alguns poucos softwares construídos armazenavam o inteiro teor com o objetivo de apenas informar, sem ter valor jurídico. Com o advento da Lei Federal 11. 419/2006, foi possível tornar a tramitação dos processos judiciais na íntegra em meio eletrônico, utilizando certificado digital para assinar eletronicamente os documentos. Dessa forma, todo o processo judicial pode ter seus andamentos, encaminhamentos, inserção de peças de forma eletrônica. Isso significa a ausência de papel! Que não é necessário mais utilizar pastas em papel em processos judiciais! Assim, vários softwares de computador foram desenvolvidos para hospedar os processos Judiciais, como o PROJUDI, e-DOC e o mais recente PJ-e. Atualmente Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 63 o Conselho Nacional de Justiça, pela Resolução 185/2013, determinou que todas as esferas do Judiciário Nacional (Justiças Estaduais, Justiças Federais, Justiças do Trabalho, Justiça Militar, Justiças Eleitorais e outras) implantem de forma única o Processo Judicial Eletrônico, conhecido como PJ-e. Todos tem até 2018 para concluir sua implantação. 2.3 Gestão da Informação para Representação do Conhecimento “Novos métodos de gestão, novas ferramentas de apoio, novos sistemas de informação, tudo isso representa o esforço por aperfeiçoar a gestão” (MENDES et. al. 2002, p. 3). Neste contexto onde se destacam métodos, ferramentas, sistemas, informação e aperfeiçoamento de gestão está se tratando também da contribuição que pode ser gerada pelos sistemas informações e em especial os informatizados. Os bancos de dados dos órgãos da Justiça onde o cliente pode obter informações, inclusive via Internet, sobre o andamento (fases) de processos, sobre o conteúdo (integral ou ementado) de decisões judiciais, sobre legislação, sobre doutrina, sobre informações gerais jurídicas, bem como sobre assuntos administrativos de interesse da Justiça são fontes de informações preciosas e muito pesquisadas. Apesar da informação estar disponível para pesquisa de qualquer pessoa na Internet, a responsabilidade em encontrá-la é do ser humano. Assim, a capacidade de extrair conhecimento é do cliente, fazendo com que a qualidade da informação disponibilizada dependa da forma como é consultada pelo operador. Esses softwares de pesquisa disponibilizados pelo Judiciário trazem um campo aberto para coleta de dados do inteiro teor dos documentos, porém não há nenhuma ou uma mínima inteligência aplicada. Os operadores do direito, embora possuam hoje imensos repositórios de dados, encontram-se muitas vezes desprovidos de informação e, consequentemente, também sem conhecimento adequado para tomar decisões que poderiam ser baseadas naquela informação. Apesar da inclusão desses tipos de representação da informação em sistemas atuais, ainda está muito aquém a capacidade de transformar os grandes volumes de dados em gestão do conhecimento para tomada de decisão. Contudo, esse progresso não acelera, por inteiro, o serviço relacionado à prestação jurisdicional. Está faltando o principal, um sistema inteligente para os serviços de cartório e gabinete do Juiz, notadamente no primeiro grau de jurisdição (Madalena e Oliveira, 2008, p. 17 e 18). 64 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade O sistema inteligente é aquele que emprega técnicas de software para que a máquina/computador consiga fazer coisas que requerem “inteligência” como: raciocínio baseado em casos, agentes inteligentes, sistemas especialistas (Madalena e Oliveira, 2008, p. 17 e 18). 2.4 Classificação da Informação Fica latente o grande volume de dados existente nas bases de dados do Judiciário, pois além dos metadados existentes, tem-se ainda dados indexados dos documentos digitalizados, ou seja, existe uma grande quantidade de informação disponível. Assim, percebe-se a necessidade de implementar algoritmos refinados para classificação das informações, objetivando melhorar a identificação dos dados desejados pelos usuários. Esses mecanismos de refinamento das informações passam a ser um diferencial visto o volume de dados existente. Desta forma, o estudo e, se possível, a utilização de algoritmos de classificação, como: árvores de decisão e análise formal de conceitos podem ser um diferencial para o trabalho. Caso seja utilizado, será aplicada em maior escala essa última por utilizar estruturas chamadas reticulados de conceitos e conseguirem bons resultados, com boas precisões de classificação. Entretanto, apesar das estruturas com reticulados apresentarem boas precisões de classificação da informação, elas impõem alguns desafios, como os custos computacionais no processamento. O primeiro desses assuntos, análise formal de conceitos é originário da matemática e fornece a interessante estrutura chamada reticulado de conceitos (baseada em ordenação parcial), enquanto o segundo, classificação, é oriundo da ciência da computação, em particular, da mineração de dados. 2.5 Planejamento Estratégico Institucional O Planejamento Estratégico é o processo que permite analisar uma organização sob vários ângulos, definindo seus rumos por meio de um direciona- mento que possa ser monitorado nas suas ações concretas, utilizando-se, para tanto, de um instrumento denominado “plano estratégico” (TRT 10, 2013). Em 2009 o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução nº 70/2009 que dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário. A partir dessa Resolução os órgãos da Justiça no Brasil começaram a fazer seus planos estratégicos institucionais. Essa nova orientação foi aplicada em todo o Judiciário nacional, permitindo que o futuro seja planejado e que as ações necessárias sejam empreendidas. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 65 No Poder Judiciário Goiano o primeiro planejamento estratégico aconteceu em 2007, deflagrando uma nova onda nesse Egrégio Poder, voltada para a elaboração de metas e indicadores, bem como pela possibilidade de medi-los de acordo com o tempo necessários para cumpri-las. 3 Construção do sistema inteligente Os sistemas de informação estão relacionados com o PEI – Planejamento Estratégico da Informação das empresas. A funcionalidade do PEI busca oferecer a empresa a informação ótima, isto é: informação certa, no tempo, no local e na forma desejada (MEIRELES, 2004 p. 13). Os sistemas de informação são elaborados para facilitar a concretização de determinados objetivos primordiais a transformação de dados em informação e posteriormente em “conhecimento”. Conforme mencionado em 2. 3, apesar dos dados no Judiciário estarem disponíveis eles são estáticos, ou seja, precisam ser pesquisados para serem úteis. Não há inteligência nos softwares para que os dados sejam apresentados para os usuários de forma pró ativa, seguindo conhecimentos ou estratégias estabelecidas pela instituição. Apresentadas tais necessidades, a Corregedoria-Geral da Justiça buscou, nos anos de 2011 e 2012, criar solução de informação automatizada, seguindo os preceitos legais, normas e planejamentos do Conselho Nacional de Justiça e do próprio Poder Judiciário em Goiás. 3.1 Construção das informações necessárias para o Sistema Inteligente Primeiro foi necessário pensar nos parâmetros de inteligência importantes na época para serem implementados. Para isso foi analisado o Planejamento Estratégico Institucional do Judiciário Goiano, depois alinhar ao Planejamento Estratégico do Conselho Nacional de Justiça e algumas diretrizes legais de relevância. Após os estudos interno, a Corregedoria-Geral da Justiça estabeleceu os seguintes parâmetros como necessários: 66 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Tabela 1 – Indicadores criados para construção do Sistema Inteligente. Indicadores Criados para o Sistema Inteligente Processos mais antigos em Goiás Processos autuados há mais de 5 anos e ainda em tramitação Processos cuja o último andamento foi dado há mais de 2 anos Processos com carga ou vista aos advogados há mais de 100 dias Processos com carga ou vista ao Ministério Público há mais de 100 dias Processos conclusos aos magistrados há mais de 100 dias Processos aguardando providências da escrivania há mais de 2 anos Processos arquivados provisoriamente há mais de 3 anos Processos aguardando realização de cálculos há mais de 1 ano Processos aguardando devolução de precatórias há mais de 1 ano Processos aguardando devolução de mandados há mais de 1 ano Presos provisórios há mais de 100 dias Mandados de Prisão com data de validade vencida Fonte: produção dos autores desse capítulo. Essas necessidades elencadas na Tabela 1 foram combinadas com os propósitos da gestão na época, visto os mecanismos existentes de fiscalização com pessoal e fiscalização eletrônico. Os dados apresentados na Tabela 1 precisavam ser pesquisados/filtrados dentro do grande volume de dados existente no Judiciário e apresentados de forma centralizada, com uma visualização fácil e direta. O tempo de processamento para realização dos cálculos deveria ser rápido. 3.2 Levantamento de Requisitos A partir dos parâmetros/indicadores criados iniciou-se o levantamento de requisitos do sistema inteligente de alertas. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 67 3.2.1 Premissas e Restrições Tabela 2 – Possui todas as premissas necessárias para a construção do sistema. PREMISSAS Premissa 1 O sistema deverá ser acessado por todos os magistrados e inspetores de correição processual do Poder Judiciário Goiano; Premissa 2 O sistema deverá ser acessado pelo Navegador WEB; Premissa 3 O sistema deverá ter em um único painel todos os indicadores criados para serem consultados pelos usuários; Premissa 4 O sistema deverá apresentar em forma de alertas as informações. Fonte: produção dos autores desse capítulo. Tabela 3 – Possui todas as restrições necessárias para a construção do sistema. RESTRIÇÕES Restrição 1 As senhas no banco de dados devem ser armazenadas com HASH e SALT; Restrição 2 O cadastro dos assistentes dos magistrados será feito pelo próprio magistrado, além da equipe de gerenciamento; Restrição 3 As telas de apresentação dos dados serão simples; Restrição 4 O processamento e cálculo dos dados deverão ser rápidos. Fonte: produção dos autores desse capítulo. 68 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3.2.2 Requisitos Funcionais e Não Funcionais Tabela 4 – Tabela relaciona todos os requisitos de funções necessárias para construção do sistema REQUISITOS FUNCIONAIS RF001: Cadastro de Usuário O sistema deverá permitir o cadastramento de usuário para utilizar o sistema; RF002: Bloquear ações de usuário não cadastrado O sistema deverá fornecer a funcionalidade de bloqueio de funcionalidades ao usuário não cadastrado; RF003: Carga de dados O sistema deverá permitir carregar dados dos sistemas legados para realizar a mineração de dados; RF004: Mineração dos dados e apresentação no painel de alertas O sistema irá analisar os dados de forma inteligente e apresentar os alertas: em verde se estiver ok; em amarelo se precisar ser analisado, pois poderá ficar crítico; em vermelho os casos críticos, que precisam de análise pelos gestores e fiscais; RF005: Apresentação dos indicadores no painel gerencial O sistema deve possuir um painel único e centralizado com os indicadores de desempenho de acordo com o planejamento estratégico institucional; RF006: Painel gerencial deve ser um link para relatórios O sistema deve permitir o acesso de cada indicador pelo painel centralizador, permitindo a extração da informação por meio de relatórios; RF007: Alteração de senha O sistema deve permitir a alteração de senha do usuário conectado; RF008: Conectar no sistema O sistema só poderá fornecer informações caso o usuário estiver cadastrado, com login e senha; RF009: Efetuar Logoff O sistema deve permitir o Logoff dos usuários, bem como realizar o logoff automático caso perceba um período considerável de inatividade da sessão aberta; RF010: Implementar cálculos matemáticos internos e prospecção dos dados de forma inteligente. O sistema deve implementar regras inteligentes para analisar situações de congestionamento de processos, atrasos em prazos previamente definidos, situações anormais nos andamentos de processos, tudo de forma automática sem intervenção humana no processo; RF011: Perfil de Acesso O sistema deverá controlar o perfil de acesso por usuário. Esse perfil será controlado pelos grupos criados e os usuários serão vinculados aos grupos; RF012: Relatórios em PDF e Planilha Os dados poderão ser extraídos conforme os indicadores selecionados e apresentados no formato PDF ou Planilha, em relatórios. Fonte: produção dos autores desse capítulo. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 69 Tabela 5 – Tabela relaciona todos os requisitos não funcionais necessários para construção do sistema. REQUISITOS NÃO FUNCIONAIS RNF001: Segurança O sistema só permitirá acesso aos dados com autorização, com um procedimento de acesso com login e senha. Os perfis de acesso serão controlados pelos grupos e vinculos dos usuários com os grupos; RNF002: Performance Para cada solicitação de resposta que seja requerida do sistema para a realização de uma operação o tempo de resposta será de 3 a 15 segundos, incluindo os relatórios gerados; RNF003: Usabilidade O sistema deverá possuir uma interface amigável e de fácil uso; RNF004: Confiabilidade O sistema terá uma disponibilidade de 98% das requisições. A cada 100 requisições 98 devem ser atendidas. RNF005: Padrões O padrão de desenvolvimento de software seguirá o modelo MVC e a programação será o modelo orientado a objetos. RNF006: Hardware e Software O sistema será desenvolvido para qualquer ambiente que tenha navegador de Internet, tendo como padrão o Firefox, com máquinas com o mínimo de 2GB de memória RAM. Fonte: produção dos autores desse capítulo. 70 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3.3 Diagrama de Casos de Uso O diagrama de casos de uso abaixo representa as ações que o usuário pode fazer no sistema inteligente construído para gerir as informações de forma pró ativa. Figura 1 – Diagrama de Casos de Uso do Sistema Inteligente denominado Sistema Fonte: produção dos autores desse capítulo. 3.4 Arquitetura e Linguagem de Programação No desenho inicial da solução era para utilizar o mesmo banco de dados dos sistemas em produção PROJUDI e SPG (Sistema de Primeiro Grau), pois assim que o processo fosse protocolado ou mudasse de fase no seu andamento o sistema inteligente iria processar a informação e apresentar o resultado no painel de alertas. Entretanto, tal desenho não se apresentou viável, visto que o grande volume de dados existente junto com o atual volume de transações do sistema legado iria prejudicar muito a performance do sistema inteligente, tornando inviável sua utilização. Para resolver esse problema foi necessário construir uma base de dados replicada das informações processuais. Essa foi um decisão que impactou na arquitetura do sistema, mas permitiu a realização de processamento mas rápido e sem impactos nos atuais sistemas que controlam o andamento de processos. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 71 As vantagens dessa decisão foram: • Maior velocidade no processamento e análise dos indicadores para composição dos resultados; • Possibilidade de retirar relatórios on-line, sem necessidade de usar processamento em batch; • Não atrapalhou os sistemas legados; As desvantagens dessa decisão foram: • Defasagem do dados, pois é necessário replicar os dados em outro banco de dados; • Necessidade de processamento para replicação da informação; Dessa forma, foi necessário construir uma interface com o usuário para submeter manualmente essa inserção dos dados e, também, foi necessário construir uma interface usando Webservices para inserção automática dos dados. 3.4.1 Linguagem de Programação Visto a necessidade de desenvolver um sistema com agilidade, objetivando sua conclusão em pouco tempo, visto que as gestões no Poder Judiciário Goiano são de apenas 2 anos, decidiu-se utilizar uma linguagem de programação que permite um desenvolvimento célere para WEB, com bastante robustez, assim foi decidido usar o RUBY-ON-RAILS. Essa linguagem é utilizada para equipes pequenas de desenvolvimento que querem alcançar objetivos bem delineados e específicos. 4 Estudo de caso – sistema controle Iniciou-se o desenvolvimento do software em Setembro de 2011 concluindo sua primeira versão e configuração em produção em Dezembro de 2011. O software foi apresentado em Fevereiro de 2012, época que iniciou sua utilização pelos usuários finais. Novas demandas foram implementadas em Março e Abril de 2012. O sistema construído recebeu o nome de SISTEMA CONTROLE, pois permite haver um controle efetivo dos indicadores para gestão, administração, fiscalização e correição, ações essas próprias da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. 72 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Na Figura 2 é apresentado a tela de Login construída na época para o Sistema Controle. Figura 2. Tela de Login do Sistema Controle. Fonte: (TJGO, 2014) Na Figura 3 é apresentado o painel gerencial com os indicadores de inteligência e extratores de informações em relatórios para acompanhamento, gestão e fiscalização. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 73 Figura 3 – Painel para Gestão da Informação do Sistema Controle. Fonte: (TJGO, 2014). Figura 4 – As 9 (nove) comarcas em Goiás com o maior volume de processos em tramitação. Fonte: (TJGO, 2014). 74 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Observa-se na Figura 3 que cada um dos indicadores apresentados é um link para acesso aos relatórios. O formato de saída desses relatórios são em PDF, Planilha e alguns em gráficos em barra. Na Figura 4 é apresentado uma das formas de saída da informação, é um gráfico gerado pelo Sistema Controle apresentando as 9 (nove) comarcas em Goiás com o maior volume de processos judiciais em tramitação. Figura 5 – Painel do Sistema Controle com os Alertas Gerenciais para comarcas em Goiás. Fonte: (TJGO, 2014). Na Figura 5 é apresentado o sistema de alertas do Sistema Controle. Por esse painel gerencial é possível acompanhar em tempo real a situação dos Processos Judiciais em todas as Comarcas no território Goiano. Na Figura 6 é apresentado o mesmo resultado da Figura 4, porém com explicação dos indicadores em legenda retrátil dentro do sistema. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 75 Figura 6 – Apresenta a legenda descrevendo o que são os indicadores na tabela do software. Fonte: (TJGO, 2014). As informações das Figuras 5 e 6 são apresentados em 3 (três) cores diferentes, sendo: Tabela 6. Definição das cores nos alertas para gestão inteligente das informações. Gestão da Informação Verde A situação do indicador está tranquila. Amarela A situação do indicador merece uma observação pelo operador, visto que o indicador está demonstrando certo risco. Vermelho Piscando A situação do indicar está crítica e merece ser corrigida imediatamente. Fonte: produção dos autores desse capítulo. Após a construção desse painel, do sistema de alertas, a Corregedoria-Geral da Justiça implantou uma unidade operacional que trabalha na observação desses indicadores fazendo uso de uma TV de 50”. Toda alteração nesse 76 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade painel é percebida imediatamente por equipe de serventuários da justiça nessa sala de operação gerencial. Com o Sistema Controle foi possível aplicar melhor a Gestão da Informação, beneficiando não só os trabalhos inerentes a Corregedoria-Geral da Justiça, mas também a população com uma justiça mais célere e mais eficiente. Agora o tempo gasto com a pesquisa por dados de forma manual acabou, passando essa atribuição para o software realizar de forma mais rápida e inteligente, diminuindo trabalhos operacionais no cruzamento de dados e na identificação de irregularidades. Isso traz mais eficiência e eficácia as atividades inerentes aos inspetores e juízes correicionais. O Poder Judiciário Goiano disponibiliza o Sistema Controle somente pela Intranet, entretanto existe um acesso pela Internet disponibilizado para o Conselho Nacional de Justiça, em (TJGO, 2014). 5 Conclusões As tecnologias em software que envolvem processos em seus fluxos são instrumentos dedicados para a obtenção e tratamento de dados de forma a otimizar os resultados organizacionais. (DRUCKER, 2002) destaca a necessidade de que a TI deixe de somente “juntar dados” e passe a transformá-los em informações aplicáveis a resolução de problemas ou antecipação de cenários e decisões. O trabalho apresentado neste capítulo buscou construir uma solução em software para automatizar a tarefa de prospectar dados em grandes volumes, objetivando, de forma automática, apontar situações que precisam ser geridas pelos profissionais responsáveis. O resultado foi transformar os dados passivos em dados ativos para a gestão da informação. Para construção da solução foi criado um sistema inteligente com capacidade de ler um grande volume de dados, processar com desempenho desejado e aceito, realizar operações matemáticas para calcular os indicadores e apresentar o resultado em um painel gerencial. O sistema funciona na Internet com navegadores como Firefox e Chrome, em smarthphones ou tablets, bastando que o usuário tenha login e senha para acessá-lo. A aplicação dessa ferramenta na Corregedoria-Geral no Tribunal de Justiça foi feita com sucesso, sendo um dos programas mais utilizados atualmente pela instituição. Após a construção desse software a Corregedoria-Geral criou várias ações e frentes de trabalhos para gerir as informações apresentadas. Gestão da informação em grandes volumes de dados no Poder Judiciário 77 5.1 Trabalhos Futuros Como trabalhos futuros tem-se a intenção de utilizar algoritmos de classificação da informação, como: árvores de decisão e análise formal de conceitos. A última em especial por utilizar estruturas chamadas reticulados de conceitos e conseguirem bons resultados, com boas precisões de classificação. Entretanto, apesar das estruturas com reticulados apresentares boas precisões de classificação da informação elas impõem alguns desafios, como os custos computacionais no processamento. A análise formal de conceitos é originário da matemática e fornece a interessante estrutura chamada reticulado de conceitos (baseada em ordenação parcial), enquanto o segundo, classificação é oriundo da ciência da computação, em particular, da mineração de dados. Referências COVEM, Eliani. Marco histórico do Poder Judiciário goiano. Goiânia: 2010. Disponível em: <http:// www. tjgo. jus. br/bw/wp-content/uploads/2010/05/artigo-historia-do-tjgo-136-anos. pdf> Acesso em 26 de março de 2014. DRUCKER, Peter Ferdinand. Administrando em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Thomson Pioneira, 2002. JUNGMANN, Ângela. Manual do Servidor do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. 1. ed. Goiânia: Gráfica do Tribunal de Justiça, 2006. 36 p. Il MADALENA, Pedro e OLIVEIRA, Álvaro Borges. Organização & Informática no Poder Judiciário. Curitiba; JURUÁ Editora, 2008. MATHIAS, Carlos Fernando. Notas para uma História do Judiciário no Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. 440 p. MEIRELES, Manuel. Sistemas de Informação 2º ed. São Paulo: Arte & Ciência, 2004 MENDES, Judas Tadeu Grassi et al. Gestão Empresarial. Curitiba: FAE/GAZETE DO POVO, 2002. TURBAN, EFRAIM e WETHERBE, JAMES C. ,EPHRAIM MCLEAN. Tecnologia da Informação para Gestão. 3 ed. Editora Bookman ISBN 0-471-40075-0. 20. 02 TRT 10, http://gestaoestrategica. trt10. jus. br/portal/index. php?option=com_ content&view=article&id=62: o-que-e-planejamento-estrategico-&catid=31:general&Itemid=76, 2013. Acessado em 11/06/2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça, http://www. cnj. jus. br/BOE/OpenDocument/1308221209/Open Document/opendoc/openDocument. jsp, 2013. Acessado em 16/06/2014. TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, http://cnj. tjgo. jus. br, 2014. Acessado em 25/06/2014. 78 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade gestãoda informação 3 Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais Judite Canha Fernandes 1Introdução Uma análise cabal à informação – ou à gestão desta – tem de englobar uma miríade de questões dada a sua transversalidade enquanto fenómeno social. Um modelo para a sua gestão em redes de ação coletiva transnacionais, que é o que aqui se ambiciona, tem de refletir sobre uma grande diversidade de aspetos do mundo e, em simultâneo, poder ser operacional, compreensível e prático. Por tudo isto, não foi fácil, nem é exato ou suficiente, o que consideramos serem os eixos estratégicos que alicerçam o esqueleto de onde emerge o corpo do modelo que aqui propomos. Esperamos que posterior investigação e prática possam-no desenvolver. Por outro lado, o contrário, não o tentar fazer, significa não tentar contribuir para a construção de ferramentas que nos permitam gerir coletivamente informação neste mundo complexo onde vivemos, uma desistência que, cada vez mais, se assemelha a não tentar acompanhar e transformar este mesmo mundo. 79 O modelo foi construído a partir do desenho de pesquisa e trabalho empírico desenvolvidos na tese de doutoramento em Ciência da Informação “Redes transnacionais de ação coletiva sob o ponto de vista do objeto social informação. A Marcha Mundial das Mulheres e o Programa de Iniciativa Comunitária (PIC) EQUAL”. A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento social internacional feminista existente desde 19981 e o PIC EQUAL um programa da Comissão Europeia que se desenvolveu no II Quadro Comunitário de Apoio2. Ambas são aqui observadas enquanto redes de ação coletiva transnacionais. As aproximações teóricas à pergunta de partida desta tese: Que modelo para a gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais? fizeram-se a partir de uma postura epistemológica de análise do objeto informação proveniente da Ciência da Informação3 apoiada no ponto de vista feminista, e de uma moldura teórica decorrente da articulação entre os quadros teóricos da informação, dos feminismos e dos movimentos sociais, e da integração de rede social enquanto ferramenta analítica, tudo isto procurando não ignorar as variáveis contextuais tecnologia e transnacionalidade. O desenho de pesquisa que desenvolvemos nesta investigação utilizou o estudo comparativo dos dois casos e a investigação-ação participativa como modos de investigação, suportados no método quadripolar, como forma de responder a essa pergunta. Consideramos esta articulação teórica e empírica pertinente para a construção de um modelo de gestão de informação em redes de ação coletiva, dado a índole inter e transdisciplinar da Ciência da Informação e o caráter contextual do objeto social informação. Refira-se: outros casos significariam, eventualmente, outras conjugações. Vejamos a reconstituição destes diferentes contributos neste processo: 1 Mais informação disponível em http://www. marchemondiale. org/index_html/en 2 Mais informação disponível em http://europa. eu/legislation_summaries/employment_and_social_policy/ equality_between_men_and_women/c10237_pt. htm 3 A proposta conceptual onde nos colocamos desenvolve-se a partir do livro “Das «ciências documentais» à ciência da informação: ensaio epistemológico para um novo modelo curricular”, da autoria dos professores da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Armando Malheiro da Silva e Fernanda Ribeiro. 80 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Fonte: Elaboração própria, a partir do trabalho empírico. Diagrama 1 – Contributos para o modelo de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais provenientes dos quadros teóricos Observamos os sistemas de informação a partir da convergência destes pontos de vista e da articulação das ferramentas conceptuais elencadas, e isso permitiu-nos desvendar explicações sobre as causas, correlações e efeitos observados nos fluxos infocomunicacionais. Esta análise faz-se através dos seus diferentes componentes: a análise orgânico– funcional permite a visão do modo de funcionamento das redes de ação coletiva em análise, o sistema tecnológico a observação das plataformas que o fluxo de informação percorre, o ciclo infocomunicacional e o comportamento informacional em cada fase do ciclo, a base geral onde se sustenta o desenvolvimento do sistema de informação como um todo. Os casos foram observados enquanto sistemas de informação usando pontos de focagem múltiplos e proporcionadores de sínteses, dada a vastidão destas redes. Por um lado, as redes foram observadas a três níveis – micro, meso e macro –, selecionando em cada um deles porções do sistema de informação às escalas nacional e transnacional. Por outro, selecionaram-se situações informacionais específicas para serem observadas em cada um dos casos. Finalmente, o conjunto destas compreensões possibilitou a visão global, simultaneamente focada e em profundidade, dos sistemas de informação dos casos e dos seus eixos estratégicos. Esta proposta de modelo é inspirada na conceção sociológica do mesmo, Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 81 Que consiste em substituir a complexidade de um sistema social por um sistema simplificado (modelo) que reproduziria o essencial do precedente e seria suscetível de tratamento quantitativo. (…) É um meio capaz de proporcionar a agregação sistemática dos factos para os reorganizar de maneira significativa; é um método que tem por objetivo reunir os dados empíricos de maneira a orientá-los de acordo com as hipóteses conceptuais de trabalho. (Birou, cit. por Silva, 2006, p. 155). A partir da análise dos dados recolhidos, substituiu-se a complexidade dos sistemas sociais pela representação dos componentes dos sistemas de informação dos dois casos – a análise orgânico-funcional, o sistema tecnológico de informação e o ciclo infocomunicacional –, e a partir dessa compreensão puderam reorganizar-se os dados empíricos de maneira significativa e reflexiva dos quadros teóricos utilizados. Os eixos estratégicos do modelo foram identificados a partir da seguinte cumulação de fatores: serem problemáticas que têm efeitos sobre todas as fases do ciclo de informação, do sistema tecnológico de informação, e relação direta com a dinâmica orgânico-funcional. Ou seja, com todas as dimensões do Sistema de Informação. O Modelo Sistémico de Informação Ativa e Permanente (SIAP), tendo presente a referida base conceptual de modelo antes referida, [...] [é] composto por vários Módulos, que correspondem a duas fases distintas: a do diagnóstico/análise e explicação, essencialmente descritiva e radiográfica, na medida em que põe em relevo características e problemas vários de um caso concreto em estudo; e a interventiva, que apresenta soluções de curto, médio e longo prazo com um plano de otimização de resultados positivos bem definido. (Silva, 2006, p. 155-156). Para tentar resolver este desiderato – diagnóstico, explicação e intervenção – propomos como esqueleto deste modelo os eixos estratégicos identificados, ou seja, as suas problemáticas centrais, precisamente porque pela cumulação acima referida, permitem a síntese necessária para abarcar a ampla abrangência e complexidade dos Sistemas de Informação em causa, sem perder de vista a intervenção. O foco são os problemas detetados nos mesmos, e esta é uma análise centrada nos problemas, de acordo com a lógica metodológica da investigação-ação participativa. 82 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Apesar do projeto de investigação ter sido eminentemente exploratório4, o desenho de pesquisa e os dados recolhidos permitiram não apenas a identificação dos referidos eixos estratégicos, como o desenho de algumas propostas teórico práticas relativas aos mesmos. Em algumas situações, no caso Marcha Mundial das Mulheres, pelo uso da investigação-ação participativa, foi possível iniciar a fase interventiva, que ainda decorre. De qualquer modo, as propostas de intervenção com uma visão a médio-longo prazo são fruto não só desta exploração prática, como fundamentalmente dos resultados e reflexões que esta investigação e o trabalho empírico propiciaram. O esqueleto do Modelo proposto pode ser visualizado da seguinte forma: Modelo para a Gestão de Informação em Redes de acção coletiva transnacionais Fonte: Elaboração própria a partir do trabalho empírico. Diagrama 2 – Eixos estratégicos do Modelo de Gestão de Informação 4 Tendo em conta a reduzida produção teórica relativa quer à análise da gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais, e por tal carecer-se de dados comparativos, menos ainda nos contextos quer dos movimentos sociais, quer dos projetos europeus, associado ao facto deste ser um contexto demasiado recente e mutante para que se possa fazer uma análise que não exploratória neste momento. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 83 Neste texto desenvolveremos a discussão em torno dos eixos estratégicos deste modelo. Primeiro abordaremos as condicionantes que afetam igualmente todas as fases do ciclo de informação: Condicionantes materiais; Condicionantes de género; Literacia e in(ex)clusão digital. De seguida os eixos que, afetando também todas as fases do ciclo infocomunicacional, têm particular incidência sobre alguma(s) dela(s): Transição entre fases de latência e fases de ação; Validação coletiva de informação em ação e latência; Partilha de informação entre os diferentes níveis da rede: Interpretação e tradução; Aceder aos media/Promover a discussão política pública; Memória, representação e organização da informação. Antes ainda aprofundaremos o debate em torno dos aspetos comunicativamente conseguidos e normativamente assegurados das redes, procurando progredir na análise entre informação e poder nelas existente. Redes comunicativamente conseguidas e normativamente asseguradas: Contornos das relações entre informação e poder nas redes Não há – social, cultural, economicamente – uma relação igualitária entre os “tipos” de informação e de conhecimento que detemos. Alguma informação é socialmente mais “preciosa” que outra e isso condiciona aspetos fundamentais da nossa vida. Alguma informação proporciona maior poder. É importante, ao se investigar em Ciência da Informação, manter uma vigilância constante sobre esta relação entre informação e poder, sobre estas categorizações aparentemente neutras do valor da informação, e integrá-la em todo o processo de investigação. Procuramos desenvolver uma análise sistemática entre poder e informação nas redes de ação coletiva transnacionais em análise. Não sendo possível abarcar a totalidade de uma análise deste tipo, centramo-nos sobre as dimensões desta relação que afetam especialmente os sistemas de informação dos casos. Procuramos fazer um exame que englobasse a compreensão das relações de poder no interior das próprias redes – traduzida a partir da análise à sua dinâmica orgânico-funcional –, e os impactos dos sistemas e mecanismos de poder exógenos que afetam os seus sistemas de informação. Toda esta relação é determinante nos processos infocomunicacionais e no todo dos sistemas de informação, e por tal potencialmente organizadoras da análise dos mesmos e do modelo dele derivado. Identificamos a Marcha Mundial Mulheres como rede comunicativamente conseguida, e o PIC EQUAL como rede normativamente assegurada, usando a terminologia proposta por Habermas (cit. Por Fraser, 2004), conceptualização que 84 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade nos parece particularmente adequada, como conceito síntese da dinâmica orgânico-funcional destes dois casos e que pode propiciar ferramenta útil de análise para outras redes transnacionais, em termos das relações de poder que as configuram. Estas dinâmicas diversas nas relações de poder das duas redes modelam os seus sistemas de informação e a forma como reagem aos eixos estratégicos neles identificados. Os Sistemas de Informação das redes comunicativamente conseguidas denotam maior fluidez infocomunicacional do que as redes normativamente asseguradas, especialmente na transição entre escalas na rede. Uma síntese das relações entre poder e informação nestas redes pode ser assim representada: Fonte: Elaboração própria a partir do trabalho empírico. Diagrama 3 – Dinâmicas de poder que afetam os Sistemas de Informação das redes MMM (comunicativamente conseguidas) e EQUAL (normativamente asseguradas) O que aqui se procura sintetizar são alguns dos contornos da relação entre poder e informação nestas redes, apresentando, por um lado, as dimensões das relações de poder no interior das redes estudadas– persuasivo na Marcha e autoritário Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 85 na EQUAL5 – a forma como essa dinâmica se revela na produção do discurso e na definição das práticas, sem perder de vista as relações estruturais de poder externas às redes que também as afetam – o poder financeiro, institucional e patriarcal, e as desigualdades de acesso à informação –, e como ambas marcam as relações entre poder e informação em redes comunicativamente conseguidas e normativamente asseguradas. Outras consequências destes moldes orgânico funcionais nos sistemas de informação são níveis diversificados de esforço e/ou investimento nas diferentes fases do ciclo de informação e, consequentemente, nos sistemas tecnológicos de informação dos dois casos. No caso EQUAL há um maior investimento nas fases de armazenamento e organização de informação, e no caso Marcha Mundial das Mulheres nas fases de discussão e partilha de informação. Consequentemente, observa-se na rede comunicativamente conseguida maior ênfase nas plataformas digitais de partilha e de discussão de informação, e na rede normativamente assegurada num maior investimento na produção de documentação regulamentadora e de avaliação. 2Eixos estratégicos de um modelo de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais Condicionantes materiais e de género Esta análise abre este capítulo em termos de discussão dos eixos estratégicos ao modelo, devido ao seu caráter estrutural e à transversalidade da sua influência sobre o todo dos sistemas de informação. Estamos perante redes de ação coletiva transnacionais que ocupam espaços geográficos alargados. As desigualdades económicas norte-sul, ou mesmo no interior do espaço europeu, não lhe são, obviamente, indiferentes. As formas como afetam estes sistemas de informação cruzam aspetos relativos à literacia, à variável género, ao acesso a recursos materiais – financeiros e de tempo –, às questões de classe, ou de acesso às tecnologias. Em termos mundiais as mulheres são 60% das pessoas a viver em pobreza extrema, menos de 15% da terra no mundo é propriedade das mulheres, os salários nominais das mulheres são 17% mais baixos do que os dos homens. Globalmente, 53% do trabalho das mulheres é trabalho vulnerável, aumentando para 70% na Ásia 5 A partir da proposta de Knoke (1990) que identifica os tipos de poder como combinações de influência e dominação. 86 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade do Sul e na África Sub-sahariana6. Em Portugal, as mulheres trabalham mais treze horas por semana do que os homens, os seus salários são cerca de 18% mais baixos7, e são a maioria na população precária, tendo ocorrido um enorme aumento do desemprego feminino nos últimos anos. Veja-se a situação mundial das diferenças salariais entre homens e mulheres em 2012, no mundo: Figura 1 – Diferenças salariais entre mulheres e homens no mundo, em 2012 Fonte: The Global Gender Gap Report 2012. Como se observa, apenas alguns países do norte da Europa apresentam valores próximos da igualdade salarial (entre 0,75 e 1). Todos os restantes apresentam diferenças salariais entre os sexos ainda maiores. 6 Dados da ONU População, 2011 7 Dados da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), 2011. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 87 Se tivermos em conta os dados anteriores, relativos ao tempo de trabalho total das mulheres em Portugal, associadas às diferenças salariais entre mulheres e homens, e a forma como este cenário se reproduz em todo o mundo através de uma profundamente desigual distribuição da riqueza, compreende-se facilmente como no caso Marcha Mundial das Mulheres, movimento totalmente constituído por mulheres de todas as regiões do mundo, e suportado no trabalho voluntário das mesmas, a (in)disponibilidade de tempo e de dinheiro é uma variável crucial ao sistema de informação. No caso EQUAL, as mulheres que participam nos projetos têm8, como na maioria das áreas profissionais, de equilibrar a gestão do tempo laboral como o tempo relativo à vida familiar e pessoal, e por isso são sujeitas a uma exigência acrescida na sua prática profissional9. Os Sistemas de Informação refletem claramente todo este contexto. Entusiasmo, “picos” de volume de trabalho nos projetos, entregas de Declarações de despesa ou de relatórios de avaliação, momentos de oportunidade política dos movimentos ou situações conflituais, investimento em processos identitários, específicas de determinado país ou de abrangência regional ou internacional, com as consequentes transição de escalas, são decisivas nos ciclos de informação e nas variações no volume de informação produzida e do fluxo infocomunicacional. A capacidade de resposta a essas situações, significativas para a gestão de informações destas redes, mostrou estar sempre dependente do cruzamento destes dois fatores: disponibilidade de tempo e financeira. Apesar do tempo para efetuar o volume de trabalho ser reduzido em ambas as redes, no caso da Marcha Mundial das Mulheres, o trabalho da maioria das ativistas é voluntário – logo, faz-se frequentemente para além do horário laboral –, e que a isso se soma a menor disponibilidade de recursos financeiros, o facto desta ser constituída exclusivamente por mulheres, para quem a existência de tempo “livre” é em geral menor e, finalmente, ao incluir organizações do “Sul-global” sofre também o duplo efeito dessa condição em termos de acesso aos recursos, o que pode ser reproduzido em redes transnacionais com as mesmas caraterísticas. . 8 As mulheres participaram em maior número nos projetos EQUAL, quer como técnicas, quer como beneficiárias. 9 No entanto, esta análise comparativa entre usos do tempo entre homens e mulheres e seus impactos sobre os sistemas de informação, apesar do seu potencial interesse, não foi analisada nesta investigação. 88 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Sobre o segundo aspeto já referido, o das dificuldades de gestão financeira, especialmente sentido pelas associações ou outras organizações cuja gestão financeira está bastante relacionada com protocolos de financiamento reduzidos, pontuais e sujeitos a candidaturas, por tal incertos, este é também um eixo estratégico ao sistema de informação. Esta situação tem crescido, nas mais diversas formas, quer pelo acentuar do capitalismo enquanto modelo social, quer pelo espectro da “crise” alargada ao Norte global. Não são alheios a todo este panorama ou estão dele excluídos, nem os projetos europeus -ou outros de cariz institucional – nem os movimentos sociais. De facto, apesar do discurso pelos direitos ao lazer e ao tempo pessoal, a maioria das organizações, mesmo com elevado nível de consciência crítica ou a trabalhar dimensões específicas dos direitos laborais, não está a conseguir respeitar estas necessidades. A pobreza de tempo tem tido um crescimento acelerado nas sociedades contemporâneas e tem consequências importantes na vida da maioria das pessoas. Além disso o uso do tempo é genderizado, como temos vindo a debater, com as mulheres a fazerem um esforço significativamente maior nas tarefas de cuidado, a partir das suas horas “livres”, como variada produção teórica tem demonstrado10. Consequentemente, existem diversos impactos sobre os Sistemas de Informação provenientes das debilidades financeiras e de tempo, embora as relações entre estas variáveis e os sistemas tecnológicos de informação não sejam lineares para o todo da rede, nem terem uma leitura simples. Observou-se que os diferentes projetos e logo as diferentes redes, abordavam este eixo a partir de estratégias diversas e que a eficácia dessas mesmas estratégias constituía um dos fatores determinantes de execução do projeto. Há um forte ênfase na existência de plataformas tecnológicas de organização e armazenamento de informação no caso EQUAL, especialmente quando comparada com a Marcha Mundial das Mulheres. Pensamos que este facto emerge de duas questões: as exigências de gestão financeira e de produção de relatórios do Programa, e alguma disponibilidade financeira para investir em ferramentas tecnológicas. A Marcha Mundial das Mulheres usa plataformas digitais de custo zero ou de baixo custo, que depois têm limitações na organização, armazenamento e recuperação de informação. Não se procura a mais sofisticada das tecnologias, apenas uma que seja capaz de responder às necessidades da rede. O reverso desta medalha coloca-se a partir do consumo de tempo que qualquer plataforma digital exige, em 10 Para aprofundamento deste tema ver: Perista, 1999; Vega Rapún, 2013 Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 89 termos de tempo para manutenção e atualização, tempo que estas redes não têm em abundância. A dimensão (in)disponibilidade de tempo tem expressões diferentes sobre os sistemas de informação dos dois casos, observáveis na variabilidade dos fluxos infocomunicacionais, refletidos na dificuldade em responder rapidamente em situações inesperadas de urgência política, ou em manter estabilidade e um bom grau de respostas às solicitações nos fluxos infocomunicacionais, no caso da Marcha, e na dificuldade em responder aos momentos de avaliação ou de entrega das declaração mensais de despesas, traduzidos num aumento do volume infocomunicacional, na rede EQUAL. Em síntese, as dinâmicas de poder material e de género são determinantes para a forma como se desenvolvem os sistemas de informação destes casos e por tal são condicionantes de um modelo de gestão de informação. Literacia / In(ex)clusão digital As condicionantes de género afetam particularmente este eixo. As mulheres representam 64% dos cerca de 793 milhões de pessoas que constituem a população adulta iletrada11 no mundo12. As mulheres são sempre a maioria da população iletrada em todas as regiões, destacando-se a Ásia, a África e a Europa, onde esta disparidade é maior. É importante cruzar estes dados com outros também referentes a esta dimensão: 20,8% das mulheres no mundo são iletradas, mas isso tem enormes disparidades entre regiões: em África são 46,4% das mulheres e na Europa apenas 1%, por exemplo. 11 Literacia é um conceito sujeito a diversas interpretações conceptuais. Considera-se aqui conforme a definição providenciada pela UNESCO como a capacidade de ler, escrever e compreender uma frase simples relacionada com a vida diária. Envolve um continuum de capacidades de ler e escrever, e muitas vezes competências aritméticas básicas. http://glossary. uis. unesco. org/glossary/en/home 12 Fonte: Dados da UNESCO disponíveis em: http://stats. uis. unesco. org/unesco/TableViewer/tableView. aspx 90 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Tabela 1 – Utilizadores/as da internet no mundo por região Penetração 2009 (% da população) Penetração 2009 (% por unidade familiar) Crescimento 2000-2009 (%) Africa 6. 8 2 1 392. 4 Asia 19. 4 * 545. 9 Europa 52. 0 * 297. 8 Médio Oriente 28. 3 12 1 648. 2 América do Norte 74. 2 64 134. 0 América Latina 30. 5 20 890. 8 Pacífico 60. 4 * 175. 2 Total Mundo 25. 6 ----- 380. 3 Fonte: A partir de Leckner e Facht, 2010. * Os dados relativos às unidades familiares utilizam uma diferente categorização das regiões. Para a Europa, Europa Ocidental – 61% e Europa Oriental – 23%. Para a Ásia tem disponíveis os valores para Asia-Pacífico 19% Como se pode observar, a distribuição internacional do acesso à internet reflete as desigualdades de desenvolvimento no mundo. A Europa e a América do Norte têm claramente vantagens sobre regiões como a América latina, a África, ou o Médio Oriente, em termos de acesso à internet. No entanto, os padrões de crescimento do acesso e uso mostram que estas últimas regiões tendem a ter um crescimento bastante mais pronunciado, e que esse crescimento pode significar uma alteração nesse padrão de distribuição geográfica a médio prazo. Repare-se, por outro lado, que a cobertura por outra tecnologia, os telefones fixos e móveis tem também vindo a crescer em termos de cobertura mundial, em todas as regiões13. O ênfase que aqui colocamos na internet, no vasto contexto que é o das tecnologias, deve-se ao facto desta ser uma plataforma tecnológica cujo avanço permite denominá-la “o maior movimento social da história”, e por reunir características como ser genuinamente democrática14, desde que providenciado o seu acesso, relativamente barata, mundial, refletir os desequilíbrios de desenvolvimento no mundo, ser bastante aberta ao desenvolvimento colaborativo, desenvolver uma cultura 13 Para desenvolvimento destes dados ver: Leckner, 2010. 14 Com todas as limitações que esta expressão encerra. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 91 própria, inclusive de resistência política, absorver outras plataformas de comunicação, e desenvolver-se numa espécie de dialética de influência entre quem a usa, quem a produz, os seus efeitos na vida de todos os dias e nas noções de espaço e de tempo. (López, 2007, p. 18). E, claro, porque aqui nos debruçamos sobre redes transnacionais de ação coletiva, casos onde todas estas variáveis são fundamentais. Em termos de literacia informacional associada às tecnologias de informação e comunicação, os dados gerais disponíveis apresentam ainda várias limitações: uma delas é a existência de dados desagregados por sexo, ou análises sensíveis à categoria género. Em 2008 foi lançado um quadro conceptual com uma lista de potenciais indicadores internacionais para a análise destas variáveis15, que permitirão uma análise mais sensível a esta dimensão. De todo o modo, os indicadores disponíveis mostram que a utilização regular da internet pelas mulheres é menor do que nos homens em Portugal16, na Europa17, e no mundo. Tendo em conta a já descrita importância do acesso e uso da internet para todas as fases do ciclo de informação nas redes transnacionais observadas, torna-se evidente como tem real impacto a desigualdade de oportunidades nos sistemas de informação. Em Portugal, as diferenças de género em termos de acesso à internet em 2010 cifravam-se em 37,1% para as mulheres e 40,9% para os homens, com razões para o uso da internet em alguns pontos comuns18 (Cardoso, 2011). As desigualdades e os desequilíbrios de poder, estereótipos e significados simbólicos como “coisas de homens” associadas às tecnologias moldam também os perfis sociais de género no acesso e uso tecnologias de informação e comunicação, como variada produção teórica tem vindo a discutir19. Quando o conhecimento entra em jogo, a tecnologia está implicada em processos sociais, e não há nada de neutro nas sociedades. Diferenças de género, classe, poder e educação – para não dizer nada acerca da divisão Primeiro Mundo/Terceiro Mundo – todas determinam que o conhecimen- 15 Fonte: http://www. uis. unesco. org/Library/Documents/wp08_InfoLit_en. pdf 16 Em 2011 o INE indica 52,5% para as mulheres e 58,1% para os homens e o Eurostat 48% para as mulheres e 54% para os homens neste indicador. 17 Em 2011 o Eurostat indica 65% para as mulheres e 71% para os homens na zona Euro neste indicador. 18 Com níveis semelhantes de uso. 19 Para desenvolvimento desta discussão ver: Benston, 1988; Kramarae, 1988; Green, 2002; Castaño, 2011; Castaño Collado, 2008; Plou, 2005; Warschauer, 2004; 92 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade to é político. Onde o conhecimento está associado ao poder – como é o caso das novas tecnologias – é vigorosamente protegido. (Green, 2002, p. 5) Compreenda-se ainda que o crítico na relação com a internet e com as tecnologias, além do acesso e do uso, é o domínio das ferramentas de produção tecnológica. O tema crítico no acesso não é o acesso à tecnologia, mas o acesso ao poder sobre como essa tecnologia é desenvolvida e usada. (…) Os técnicos da Internet surgem a partir do movimento da Internet em si e nunca deixam de ser utilizadores à medida que desenvolvem a tecnologia. Efetivamente, são os equivalentes na Internet aos líderes das organizações de base. À medida que desenvolvem a tecnologia para a internet, exercem um enorme poder sobre o funcionamento da tecnologia e, por extensão, do seu conteúdo. É aqui que uma das maiores forças da internet alimenta um dos seus maiores problemas. Na maioria, os técnicos da internet são homens brancos, e como a tecnologia internet é desenvolvida colaborativamente por grupos de técnicos, o grupo segue as normas sociais. Numa sociedade onde o racismo e o sexismo são expressas em segregação social, não-brancos, mulheres e pessoas pobres são frequentemente excluídos. (…. ) A Internet é dirigida por homens brancos, e essa demografia molda o conteúdo que prevalece, dita o caminho como as ferramentas utilizadas para produzir aquele conteúdo são desenhadas, e define as necessidades que determinam como é que essas ferramentas são desenvolvidas. (Lopez, 2007, p. 27-28). Claramente, não apenas no acesso e no uso, mas também na produção e poder sobre a forma como são produzidas e desenvolvidas as tecnologias, nomeadamente as relacionadas com a internet, mas não só, têm padrões diferenciados de género, claramente desfavoráveis, em todo o mundo, às mulheres20. A compreensão deste facto não pode ser ignorada ao construir um modelo para a gestão de informação nestes casos. 20 Sobre este tema ver Castaño, 2011. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 93 O domínio e uso de ferramentas de software em código aberto – livre21 –, onde o código e a linguagem de programação são trabalhadas de forma aberta e colaborativa, há um questionamento constante sobre os mecanismos de lucro que estão por detrás da produção e frequente atualização das tecnologias, associado ao aprofundamento da discussão dos mecanismos de desigualdade existentes em torno da produção das tecnologias é, não só uma questão de coerência política e ideológica para estes movimentos sociais, como também essencial para a sua organização e crescimento. Aprofunde-se agora, a partir da literacia e da in(ex)clusão digital, quais as dimensões e competências que afetam o comportamento informacional das pessoas, neste caso das ativistas, técnicos e técnicas que usam e desenvolvem os sistemas de informação em redes de ação coletiva transnacionais, usando as variáveis que temos vindo a debater e as evidências obtidas a partir do trabalho empírico. Condicionantes materiais e de gênero Fonte: Elaboração própria fruto do trabalho empírico. Diagrama 4 – Dimensões e condicionantes que afetam o comportamento informacional associado ao uso das tecnologias Como se tem estado a analisar, o comportamento tecnológico informacional é essencial para se poder participar de forma continuada em redes de ação coletiva transnacionais e nos seus processos de gestão de informação. O que se observou 21 Software em código aberto/Software livre são termos com alguma discussão conceptual. Assume-se aqui a designação livre, entendida como software em código aberto e livre, mas não necessariamente gratuito. Open source indica que o código de programação do software está aberto e pode ser modificado. 94 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade a partir da análise dos Sistemas de Informação de ambos os casos, especialmente quando cruzadas as dimensões sistema tecnológico de informação e comportamento informacional foi que, para poder participar em todas as fases do ciclo de informação concorrem também aspetos relativos à motivação, responsabilidade, compromisso, ou sentimento de pertença, mas também outros como disponibilidade, acesso e uso das tecnologias, domínio de ferramentas de produção tecnológica, nos quais se cruzam diversas dimensões estruturais de poder como referido, e que todas estas variáveis estão sujeitas a condicionantes materiais e de género, como procuramos sintetizar no diagrama acima. Esta realidade complexa delimita diferentes perfis de uso das tecnologias associadas à internet, que agora, com o apoio do que observamos a partir do trabalho empírico, podemos esboçar: Fonte: Elaboração própria fruto do trabalho empírico. Diagrama 5 – Perfis identificados de comportamento informacional associado ao uso das TIC a partir do trabalho empírico Ambas as redes incluem pessoas com todos estes padrões de comportamento informacional, pelo menos num dos momentos, ou situações informacionais, observadas. Já a participação continuada nestas redes é, maioritariamente, de pessoas cujas competências se localizam entre D e G. Pessoas que sabem ler e escrever, têm acesso à internet e dominam o uso do email. O grau de acesso às tecnologias de informação e comunicação determina uma maior ou menor participação em todas as fases do ciclo de informação. Isto significa que, por exemplo, quem não acede à internet não acede à informação divulgada por este meio, não pode participar nas discussões ou decisões à distância feitas por email, por exemplo, e não pode pesquisar ou aceder a informação veiculada neste formato. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 95 Aqui vale a pena rever alguns aspetos da produção teórica relativa à user resistance aos sistemas da informação22. Price (2006) refere o seguinte: A revisão dos modelos de user resistance e o exame da literatura sobre os fatores de resistência contidos nos modelos, permite observar que nenhum modelo único é capaz de de explicar a resistência em todas as situações. Existem muitos assuntos diferentes a ter em conta quando se tenta prevenir a resistência; a cultura organizacional, grupos dentro da organização, características e perceções pessoais, funcionalidade da tecnologia, e muitos outros. A utilidade de cada fator está muito dependente da situação [...], e por tal a resistência é difícil de explicar com um modelo único. De facto, a não utilização de uma determinada plataforma digital depende de variáveis para além do acesso, ou mesmo do nível de inclusão digital. Fatores pessoais/ internos, devidos ao desenho do sistema, ou ao contexto organizacional, são aqueles sobre os quais incide a maioria da produção teórica. No diagrama acima, mais do que identificar os fatores de resistência – o porquê de determinado perfil de uso –, pretendeu-se delinear os perfis de uso das ativistas que fazem parte destas redes. Na última década tem crescido de forma acentuada o ênfase sobre a análise do impacto, nos movimentos sociais, das tecnologias e da internet. Algumas investigações defendem: Longe de nivelar desigualdades sociais, o ciber-espaço é republicano. (…) Identificam-se dois tipos de excesso de informação: a que nasce de volume excessivo e a que nasce de informação de tal modo desorganizada que se torna inútil. Juntos, estes aspetos da sobrecarga de informação são uma espiral que constantemente reproduz as relações de poder existentes na internet. (Shenk, cit. por van de Donk, 2004, p. 85). Outras defendem exatamente o contrário: 22 Ver também: Johnstone, 2004; Markus, 1983; 96 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade O problema com estas avaliações da relação entre a internet e a política é que geralmente olham para como as instituições e organizações políticas já estabelecidas adaptam-se às rotinas existentes na internet. É fácil ver como a confusão conceptual rodeia o impacto político da internet e de outros media digitais. Quando as redes políticas são observadas ao nível das organizações constituintes, as implicações das comunicações via internet podem variar enormemente. (Bennet, 2004, p. 125) Uma das questões importantes para poder fazer esta análise, mesmo que circunscrita, entre in(ex)clusão digital e participação social e política, tem precisamente a ver com o aumento de movimentos sociais de cariz transnacional que se têm desenvolvido e dos seus impactos, também como resultado da transição do paradigma tecnológico – e informacional – e do advento da internet. De facto, a transição tecnológica tem vindo a potenciar a existência de redes de ação coletiva transnacionais, tanto em quantidade como em perdurabilidade. Mesmo que vários movimentos sejam efémeros e extremamente mutantes em termos da sua composição. No entanto, a exclusão no acesso às tecnologias e à sua produção, quando não resolvida, acentua fortemente as dificuldades de participação nestes movimentos a uma fatia importante da população – mais pobre, não branca, as mulheres –, exatamente aquelas a que estas redes querem chegar e cuja realidade se pretende transformar. Em síntese, observa-se que a participação de mulheres com baixo nível de literacia e inclusão digital é pontual e não decorre de forma continuada em ambas as redes. Além disso, raras – para não dizer inexistentes – são as mulheres excluídas em termos de literacia ou digitalmente, que detêm responsabilidades de gestão dos projetos ou de maior protagonismo na Marcha Mundial das Mulheres. Tudo isto indica que, independentemente da postura e análise política feita à “revolução tecnológica”, para um modelo de gestão da informação construído em redes de ação coletiva transnacionais como estas, as tecnologias baseadas na Internet são questões cruciais, pois por um lado permitem a forma mais barata de comunicação e por outro são condicionantes fortes ao acesso e participação nestas redes, especialmente de forma continuada, ou com maior protagonismo. Caso a capacitação tecnológica de trabalho – em termos de acesso, uso e produção – não for feita ao nível micro (local e nacional), o risco é o destas redes refletirem, sem realmente transformar, a divisão literacia/in(ex)clusão digital/género, especialmente quando cruzada com a variável classe. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 97 Repare-se que esta análise à dimensão tecnológica se torna inócua quando se fala de pessoas analfabetas. Esta dupla exclusão, não inibindo a participação nas ações ou atividades desenvolvidas por estas redes, condiciona quase totalmente trabalhar nelas de forma continuada, profissional ou voluntariamente. Esta compreensão deve ter reflexos sobre a forma como os produtos informacionais são desenhados, com a consequente sensibilidade sobre estes fatores de exclusão. Por todo este panorama, este eixo estratégico, da literacia e da (in)exclusão digital, além de modelar “quem” e “como” se pode participar nestas redes, tem extrema importância para a coerência destas redes face aos objetivos a que se propõem, condiciona o desenho e uso das plataformas tecnológicas utilizadas nestes Sistemas de Informação, o controle sobre que plataformas podem ser utilizadas, ou seja, condiciona globalmente o sistema tecnológico. Transição entre fases de latência e de ação e tensão entre distância e presença Em termos de gestão de informação, a transição entre os momentos de ação ou de reunião, onde parte das pessoas que fazem parte da rede estão presentes no mesmo espaço físico, há muita informação para partilhar e muitas ideias nascem, para as fases de latência, onde a organização, armazenamento, desenvolvimento de produtos ou serviços ou mesmo a partilha de informação também são possíveis, mas ocorrem à distância, são pontos de risco de sistema de informação de ambos os casos. Obrigam a uma transição do modo comunicacional e do comportamento informacional, exigindo diferentes competências em ambos os momentos: infocomunicacionais, de prática de democracia partilhada, tecnológicas, e por tal carecem de capacidade de adaptação entre as duas situações. Mas não só: Ser informado/a implica relações de confiança. O tema da confiança surgiu fortemente numa entrevista que a Anita Lacey e eu conduzimos recentemente a um ativista baseado em Melbourne, Colin, como parte de um pequeno inquérito em desenvolvimento sobre o uso da informação e das TIC’s nas lutas anticapitalistas locais. (…) Colin definiu informação útil como aquela que pode facilitar o processo de construir pontes e cruzar fronteiras. Cético que a noção de confiança – a questão mais importante – pudesse ser estabelecida através do ecrã, a sua maior preocupação era de que a enorme quantidade de informação disponível online 98 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade pudesse cegar-nos para o conhecimento e sabedoria disponível a partir de encontros frente a frente como aqueles e aquelas que experienciaram e aprenderam em lutas anteriores contra o capital e o Estado. (Wright, 2004, p. 89-90) Repare-se que este autor faz a ponte entre a definição de informação defendida por Day (2001) – como a qualidade de ser informado –, e a importância atribuída aos encontros presenciais para estabelecer relações de confiança, também relativas à informação. Ouvimos o mesmo significativamente nas entrevistas e, em ambos os casos, observou-se que as grandes decisões são remetidas para os momentos de encontro, como as reuniões e assembleias, e não se considera que a discussão à distância as possa substituir. Em ambas as redes esta transição entre presença e distância são inevitáveis e frequentes, pois enquanto redes de ação coletiva transnacionais, constituídas por organizações e pessoas dispersas geograficamente – mesmo dentro do mesmo país –, o seu trabalho em comum decorre precisamente entre uma situação e outra, e sofre muitas vezes de condicionantes financeiras e de tempo, já explicadas, que impedem reunir com frequência. Por tudo isto, é fundamental a eficácia e fluidez com que ocorre esta transição. A esta necessidade de transição e de adaptação a estes dois ambientes de trabalho coletivo, alia-se uma outra dimensão de transição, a de escalas, que significa fazer transitar as ações, atividades ou lutas entre os diversos níveis da rede, entre o local e o transnacional. Sobre esta última deter-nos-emos ao discutir o eixo estratégico relativo `partilha de informação entre diferentes níveis da rede. Esta característica de descontinuidade informacional das redes – presença e distância – tem diversos impactos sobre o sistema de informação em todas as suas dimensões. Não só pela estrutura deslocalizada espacialmente, ou pela (ir)egularidade entre ação e latência, mas também pela forma como se desenvolve o processo de decisão. A forma como as redes conseguem, ou não, responder a estas transições e tensões, também informacionalmente, define o grau de coerência entre aquilo que é discutido em presença, a preparação que se faz depois à distância, e a “ação” que é de facto realizada, seja em termos de realização em si, como em termos da qualidade dessa mesma realização. É a ponte entre a ideia e a prática. A gestão de informação é um aspeto fundamental para essa transição ocorrer em qualidade. Esta alternância entre presença e distância molda os ciclos infocomuContributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 99 nicacionais e permite ou não uma discussão coletiva em continuidade, aspeto tão caro a estas redes. Em termos de ciclo de informação tudo isto implica: • • • • • • Registar o discutido e acordado presencialmente sob algum formato; Partilhar entre os diversos níveis da rede; Validar coletivamente à distância esse registo; Rediscutir como implementar na prática local ao nível micro da rede; Voltar a partilhar e a validar coletivamente; Produzir produtos informacionais de divulgação (grifos nossos); E só então passar à ação. Significa também ter de repetir este ciclo muitas vezes ao longo de um mês ou de um ano. Frequentemente, todo este processo tem mesmo de ocorrer exclusivamente à distância, mesmo dentro de um mesmo país, pois as organizações estão deslocalizadas espacialmente. Como já mencionado, o que se pode observar pela análise ao Sistema de Informação dos casos as decisões – ou pelo menos as “grandes” decisões – ainda decorrem com maior frequência em situações de presença. Tenhamos presente porém a expressão de uma das pessoas entrevistadas, um programador informático, que dizia: “Ter de reunir para decidir???? Que oldfashioned!!!” (Entrevista a Ce. Realizada em junho de 2011) – sendo que esta não é a opinião, sensibilidade ou experiência da maioria das pessoas, mas pode ser indicadora de um processo em evolução –, pelo que o que parece caracterizar esta transição é ser crucial que, nos períodos de latência, entre reuniões, ações ou atividades coletivas, fazer avançar as decisões tomadas nos momentos presenciais. Esta necessidade de, para tal, comunicar e progredir na ação à distância tem, para além da óbvia relação com o uso das tecnologias – e com todas as variáveis transversais já descritas –, uma relação muito direta com a dinâmica orgânico funcional de ambas as redes e com a forma como se desenvolve o processo infocomunicacional nestes momentos. O facto da rede EQUAL ser normativamente assegurada, constituída em parte significativa por parcerias de desenvolvimento nacionais ou transnacionais, tem como consequência a maioria das decisões, especialmente aquelas que obrigam a implicação formal das organizações, se darem em presença, sendo depois a implementação e acompanhamento dessas decisões feita através de vários sistemas de comunica100 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ção à distância e exigindo, mesmo à distância, uma maior produção de documentos formais, sejam eles relatórios, atas ou documentos de avaliação, conforme aquilo que tiver sido o entendimento expresso nos acordos de parceria. A rede da Marcha Mundial das Mulheres ser comunicativamente conseguida implica a continuidade dos processos de discussão e decisão partilhada mesmo à distância, com os mesmos objetivos de convergência23, e o desenvolvimento e uso de ferramentas tecnológicas que apoiem esse processo, além de um comportamento informacional que seja coerente, mesmo à distância, com essas características da rede. A produção de documentos síntese não advém de uma obrigação formal. Observa-se a partir dos Sistemas de Informação dos casos, que nas fases de latência decorre um ciclo que inclui a partilha de informação pelo todo da rede – entre vários níveis ou num nível só –, seguida da discussão dessa informação por uma parte da rede, para depois a discussão retornar ao todo da mesma. Os ciclos envolvem alternadamente parcelas diferentes da rede. Não se observaram padrões de maior ênfase em determinadas fases do ciclo: ocorreram, nas diferentes situações informacionais analisadas, com a mesma intensidade, busca, organização, uso, partilha, discussão coletiva e armazenamento de informação. Estes ciclos decorrem nas fases de latência através da utilização de diversas plataformas tecnológicas, sejam elas correio eletrónico, páginas da internet, Skype, telemóveis, páginas do Facebook, etc. Por tal, a eficácia com que ocorre está altamente dependente do comportamento tecnológico informacional das pessoas participantes, com as variações de perfis que apresentamos no diagrama 5. Ambas as redes têm de gerir continuamente estas dificuldades de transição entre ação e latência e presença e distância. A forma como o fazem é determinante para o sucesso destas redes em termos de continuidade da sua ação. Há seguramente, redes de ação coletiva – movimentos sociais ou projetos transnacionais – que morrem, ou podem morrer, nestes períodos de latência, ou nas fases à distância, por diminuir fortemente o fluxo infocomunicacional. Ou, sem diminuir significativa- 23 Conforme proposto por Nadia De Mond (2003): convergência no sentido literal do termo – convergir/ proceder na direção de um objetivo comum a partir de pontos de partida diferentes (…) Isso quer dizer privilegiar sistematicamente a busca de um denominador comum: em vez de focalizar a atenção sobre as divergências – um vício profundamente enraizado na esquerda do século XX –, fazer um grande esforço no plano subjetivo para, antes de tudo, compreender o background do qual nascem as diferentes posições em debate antes de recusá-las por serem diferentes das nossas. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 101 mente o fluxo, dinimuir fortemente o processo de discussão24. São fases de risco, especialmente nos casos de redes para as quais o trabalho em presença tem muito maior significado simbólico, do que aquele produzido à distância, ou aquelas cujos processos identitários ainda não são significativos. Deste caso se excluem aquelas redes que se desenvolvem de forma essencialmente “virtual”25. Ao já descrito soma-se o facto de, em ambas as redes, a frequência de reuniões, ou ações em proximidade física, diminuir do nível micro para o nível macro da rede26, devido aos custos acrescidos associados às deslocações. Esta frequência está fortemente dependente das condicionantes materiais referidas em eixo anterior, sejam elas financeiras ou de tempo. Validação coletiva de informação à distância e em presença Diretamente relacionado com o eixo estratégico anterior, outra dimensão decisiva para os Sistemas de Informação destes casos é a validação coletiva de informação. Esta questão é também especialmente importante para estas redes uma vez que ambas, embora a partir de dinâmicas orgânico funcionais mais comunicativas ou normativas, colocam um ênfase importante no processo de decisão coletivo e partilhado, e por tal têm de validar coletivamente informação. Esta característica das redes significa que um modelo para a gestão de informação destes casos tem de englobar esta visão compreensiva da informação, onde o processo de decisão por consenso é um forte componente dos sistemas, que exige investimento de tempo e de práticas partilhadas de decisão, e implica integrar a validação coletiva de informação como uma fase extra no ciclo de informação destas redes que não pode ser negligenciada. Esta torna-se bastante mais desafiante à distância, ou quando obrigada a transitar entre níveis da rede, como já referido, por a validação coletiva de informação, a construção de documentos comuns, a partilha de informação seguida de processo de decisão, etc. , dependerem do tempo disponível, do acesso à internet, do acompanhamento e boa gestão dos grupos de correio eletrónico, da tradução, do domínio das línguas, ou mesmo de existir uma visão comum entre as ativistas sobre a importância 24 Nos casos em que, dentro do grupo de discussão, há apenas uma pessoa que continua a enviar emails em número elevado, aos quais ninguém responde, por exemplo. 25 Usa-se aqui o termo “virtual” no sentido de relação entre as pessoas desenvolvida através da internet, à distância. 26 Embora este não seja um padrão linear, pois algumas coordenação nacionais são exceção. 102 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade do assunto em discussão. São bastantes variáveis, de facto. Para além do referido, a validação coletiva de informação à distância exige uma prática de respeito do coletivo também na escrita, que sem podermos ver as pessoas com quem estamos a decidir, é ainda mais desafiadora do que em presença. Frequentemente, muitas das ativistas, ou dos e das agentes dos projetos, demoram muito tempo para responder ao correio eletrónico – por vezes simplesmente não respondem – e tal acentua as dificuldades da discussão, validação coletiva e decisão à distância, que se torna muitas vezes lenta, insuficiente para responder a situações concretas que exigem rápida resposta ou posicionamento político. No caso da Marcha Mundial das Mulheres os princípios que o movimento defende sobre esta questão dos diferentes tempos de resposta é a seguinte: Mover-se no ritmo da mais lenta é um princípio que orienta a comunicação interna na MMM. Assim, não é possível colocar-nos em uma estrutura altamente complexa virtual que necessita de 24 horas de acesso à Internet, quando muitas na MMM não têm acesso contínuo à internet. (Newsletter da Marcha Mundial das Mulheres, setembro de 2011) “Esperar pela mais lenta”, e democracia participativa num contexto de rede internacional significa que as decisões levam tempo – e que há o risco de que por vezes não aconteçam –, e que à distância este processo corre o risco de se tornar tão lento que se torna impraticável em situações de maior urgência. Outras vezes ocorre o oposto, e as decisões desenvolvem-se com grande rapidez. Este primeiro cenário agudiza-se perante a necessidade de tomar decisões de forma participada, à distância, com baixo custo, englobando pessoas do norte e do sul global com as já referidas discrepâncias no acesso, produção e uso de informação em ambiente internet. Parece também algo alheio à velocidade de um tempo onde a rapidez e a eficácia são, cada vez mais, valores glorificados. A Marcha Mundial das Mulheres parece, ao mesmo tempo que acompanha este acelerar das sociedades, definir o seu próprio ritmo e procurar fazer abrandar no seu seio este crescendo de velocidade. Por vezes com sucesso, outras não. Este eixo estratégico do Sistema de Informação é resolvido a partir do que for considerado estratégico – ou prioritário –, para a rede, e a gestão de informação decorre dessa decisão, variável em cada caso. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 103 A validação coletiva de informação nestes Sistemas fá-los enfrentar o desafio da prática da democracia participativa poder ocorrer, em presença e à distância, com a mesma qualidade e justiça. A prática da democracia, da convergência e do processo partilhado de decisão é também um elemento chave do comportamento informacional das pessoas que trabalham nestas redes que permite, ou não, a coerência entre o que estas redes defendem e almejam ocorrer, tanto em presença como à distância. Nós de facto, enquanto seres humanos – ainda – temos muita dificuldade em fazer da convergência e do processo partilhado de decisão uma prática. A história do processo de decisão na humanidade tem sido muito mais fortemente hierárquico, com alguém, “um líder”, “um chefe”, “um patrão”, “um nobre”, “um senhor das terras”27, a decidir pelo coletivo, de modo que a maioria das pessoas nunca sequer teve acesso a decidir sobre muitos aspetos da sua vida, quanto mais a participar em processos coletivos continuados de decisão. A isto se soma, quando falamos em validar coletivamente informação numa lista de email, por exemplo, o quão recente este processo em si ainda é. Coloca também outros problemas concretos para além do exercício da democracia partilhada em ambiente digital como, por exemplo, na construção de um documento comum à distância não se perder entre as mil versões anotadas, passe a expressão, do mesmo documento, que pode inclusive estar escrito em três línguas diferentes. Esta relação entre redes transnacionais, investimento na democracia partilhada, e validação coletiva de informação, faz da Marcha Mundial das Mulheres um caso extremamente interessante, pois prosseguem neste esforço, tão inovador quanto emancipatório, há mais de uma década. Pelo que extraímos da observação e da ação, esta rede não só é comunicativamente conseguida, como esse processo tem sido feito envolvendo todos os níveis da rede, com um baixo nível de institucionalização, não ocorrendo uma hierarquização crescente com o tempo, e englobando todos os continentes neste processo. Arriscamo-nos a afirmar que é, inclusive, único, no panorama dos movimentos sociais internacionais. 27 Situações onde o masculino continua a ser preponderante, daí a nomeação dos termos neste género. 104 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Fonte: Elaboração própria fruto do trabalho empírico. Diagrama 6 – Dimensões e condicionantes que afetam o comportamento informacional nas redes de ação coletiva. A negrito a última dimensão adicionada Partilha de informação na rede: Interpretação e tradução Este eixo estratégico dos Sistemas de Informação corresponde às necessidades de interpretação e tradução que estas redes apresentam em todos os seus níveis, devidas à necessidade de partilha de informação em presença e à distância. Existindo necessidades de interpretação e/ou tradução nos níveis micro, meso e macro, estas tornam-se imprescindíveis para a partilha de informação entre diferentes níveis da rede. Estas redes de ação coletiva têm de integrar a tradução e interpretação como uma rotina organizacional. Ora isto representa um grande esforço em termos do sistema de informação. A exigência deste esforço determina o menor grau de partilha de informação que existe à medida que há uma deslocação do nível micro para o nível meso da rede, no caso da Marcha, e das redes nacionais para as transnacionais no caso EQUAL. No caso EQUAL evidenciou-se como fator determinante da frequente fragilidade das redes transnacionais. Foi referido significativamente que as problemáticas associadas à tradução, pelas dificuldades de compreensão ou pelo esforço extra necessário para poder comunicar na rede, tiveram por consequência relações nas redes transnacionais centradas, em muitos momentos, no cumprimento do que tinha sido proposto em candidatura, quando possível, e raramente num investimento na rede em si como forma de trabalho continuado. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 105 A necessidade de traduzir ou interpretar para poder haver partilha ou discussão de informação, é certamente um fator determinante para as dificuldades de transição entre níveis da rede, no entanto, outras dimensões, como as problemáticas devidas à distância física e eventuais diferenças culturais também para isso contribuam. Babels é o nome da rede de intérpretes voluntários/as que surgiu a partir do Fórum Social Mundial precisamente para providenciar uma resposta para esta problemática nos movimentos sociais internacionais, pois Babels é um bom símbolo do problema de comunicação nestas redes de ação coletiva. Inês Pereira (2010, p. 112) faz uma síntese especialmente clara desta questão e das suas diferentes dimensões para os movimentos sociais: A tradução é um meio, uma ferramenta, eficaz para ampliar os movimentos, mas é também vista como um fim em si, no sentido em que a luta pela participação e contra a hegemonia cultural e linguística se integra nos princípios mais abrangentes dos movimentos sociais organizados em torno dos Fóruns Sociais. A rede de intérpretes é ainda complementada pelo já referenciado projeto Alis e por um sistema específico de hardware que permite substituir a complexa parafernália tecnológica requerida pelos fornecedores convencionais de tradução simultânea, por um conjunto de aparelhos de rádio vulgares e por computadores. Este aspeto é extraordinariamente significativo do ponto de vista dos custos envolvidos e da replicabilidade deste instrumento (…) A rede Babels e o sistema Alis constituem importantes adjuvantes no processo de comunicação do FSE e de outros eventos de convergência. No entanto, não é totalmente pacífica que a tradução simultânea seja vista por todos como a melhor, ou mesmo a única, solução. No decorrer do trabalho de campo ouvi, por diversas vezes, sugerir que a tradução simultânea também padece dos seus problemas, não apenas pelas dificuldades técnicas inerentes e pela escassez de recursos humanos disponíveis, mas também por que, no processo de tradução, alguma coisa do significado original se perde. Muitas vezes, alguns ativistas, principalmente os que dominam melhor algumas línguas estrangeiras como o inglês ou o francês, optam por escutar e falar nessas mesmas línguas, ao invés de usufruírem da tradução simultânea. Por outro lado, o processo de tradução torna-se também um processo contínuo de escolhas e de negociação. 106 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade A questão evidente, aqui, é que numa reunião com pessoas que dominam línguas diferentes, a interpretação é o elemento chave para uma boa possibilidade de comunicação. Os problemas relacionados com a interpretação criam muitos momentos de “confusão”, fadiga, dificuldades de comunicação, interpretações erróneas do que foi dito, pausas inesperadas devido a falhas do equipamento, etc. Muitas vezes, no fim de um dia de observação, anotamos: “Questões críticas do dia: línguas, comunicação.” (Caderno de apontamentos da investigadora, vários momentos). Repare-se ainda que não se fala de interpretação em salas insonorizadas, com cabinas e extraordinários equipamentos. Fala-se de salas com as mais variadas condições e de uma disponibilidade muito variável de equipamentos de interpretação. A este contexto soma-se a importância fundamental do domínio pelas intérpretes da linguagem e dos códigos utilizados pelo coletivo. Há uma série de subtilezas de linguagem que podem afetar os processos de interpretação e que, provavelmente, não fazem parte do currículo teórico das intérpretes. Definitivamente, dominar as nuances da linguagem própria destas redes é algo que vai para além da técnica de interpretação e que aconselha a que sejam simultaneamente ativistas as intérpretes melhor posicionadas para ali trabalhar. Às necessidades de interpretação somam-se as necessidades de tradução nestas redes. Estas são fundamentais para o processo de validação coletiva de informação à distância e para a simples partilha de informação. A tradução e interpretação são os processos que possibilitam a partilha de informação entre níveis nestas redes. A necessidade das mesmas é variável entre as pessoas que compõem a rede, introduzindo uma outra variável, o domínio de línguas, ao conjunto daquelas que moldam o comportamento informacional, sobre a qual temos vindo a progredir ao longo deste capítulo: Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 107 Fonte: Elaboração própria fruto do trabalho empírico. Diagrama 7 – Dimensões e condicionantes que afetam o comportamento informacional nas redes de ação coletiva. A negrito a última dimensão adicionada Media / Promover a discussão política pública As duas redes têm contornos diferentes também na aproximação aos media, uma vez que esta relação tem maior importância para a Marcha Mundial das Mulheres do que para a EQUAL. A visibilidade pública é fundamental para a mobilização no caso da MMM ou de qualquer movimento social, e não tem à partida o mesmo significado para um projeto EQUAL. Também é crucial para estes projetos terem visibilidade junto da população em geral, mas esta não é determinante para a sua existência como o é para a Marcha. Além disso, a presença dos projetos EQUAL nos media é essencialmente descritiva – de objetivos, atividades, projetos – e raramente crítica do “sistema”, o que implica diferentes contornos de aproximação aos media. Os media “tradicionais” – televisão, rádio, jornais – e os media “não tradicionais” – Blogues, e-zines, “redes sociais” e outras plataformas digitais, têm uma enorme distribuição em todo o mundo, especialmente quando vistos conjuntamente. 108 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Tabela 2 – Panorama do acesso à televisão no mundo por região Penetração televisão 2009 (% da população) Número de telespectadores/ as 2009 (milhões) África ---- 80 Ásia-Pacífico 47. 6 1768 Europa Ocidental 58. 8 * Europa Oriental 46. 2 * América do Norte 88. 3 322 América Latina 23. 0 122 Médio Oriente 11. 1 25 Fonte: A partir de Leckner e Facht, 2010. * Os dados relativos ao número de telespectadores/as tem diferente categorização na Região europa. Na Europa existem cerca de 669 milhões de telespectadores/as São números muitíssimo elevados de pessoas a acompanhar a televisão no mundo inteiro. A rádio, embora tenha panoramas de distribuição algo diferentes, tem uma forte penetração em todo o mundo, inclusive – ao contrário de outras tecnologias – na África e na América Latina. É semelhante aos jornais, que têm também uma ampla distribuição mundial. Somam-se a estes media outros, não tradicionais, cuja distribuição assenta no acesso à internet e que por tal, têm o padrão de distribuição referido na tabela 1. Dado esta enorme expressão, não é surpreendente que exista um intenso debate em torno da relação entre os media e os movimentos sociais no interior dos segundos, e que a Marcha não seja disso exceção. Os movimentos têm de chegar às pessoas para conseguir graus elevados de mobilização, e os Media são uma opção incontornável para o poder fazer em massa. Muitas análises teóricas feitas à relação entre comunicação, informação e os movimentos sociais fazem-se centrando-se exclusivamente sobre este aspeto dos sistemas de informação, negligenciando amiúde as outras fases do ciclo infocomunicacional. Esta discussão decorre através de temas como a necessidade de chegar aos media para poder atingir a população em geral, sobre o modo como os média podem distorcer a mensagem que os movimentos pretendem veicular, sobre o poder dos media em si, sobre o risco que significa colocar muito esforço (em movimentos com Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 109 recursos humanos e financeiros escassos) em alcançar empresas que seguem a sua própria agenda, orientadas por princípios neoliberais, sobre a importância da criação de media alternativa, ou ainda sobre os media como importante veículo de reforço do sistema capitalista. É um facto que as grandes corporações de media refletem as desigualdades estruturais de poder, são dela inclusive parte importante. O papel da mídia de massa (rádio, televisão e de alta circulação de jornais) na formação da opinião pública e disseminar ideias e valores continua a se expandir e está se tornando cada vez mais decisivo. Em muitos casos, estes meios têm seus próprios interesses e disseminam uma ideologia particular, todos os dias, o que vai contra a sua suposta neutralidade e objetividade. Ao mesmo tempo, estes meios de comunicação são controlados por grandes corporações ou um punhado de famílias: as grandes potências que não representam a diversidade da sociedade. Neste contexto, qualquer pessoa que tente negar ideias (via estações comunitárias de rádio ou blogs) é reprimida, e os obstáculos económicos são erguidos (para obtenção de radiodifusão nacional). (Marcha Mundial das Mulheres, Newsletter de setembro de 2011). Mais à frente nesta declaração, intitulada “Comunicação, um debate estratégico para as mulheres”, e que fazia também uma análise sobre a presença das mulheres nos media, referia-se: Os meios de comunicação, que deveriam ser um espaço democrático de expressão da sociedade, tornam-se uma zona autoritária, de legitimação e difusão de preconceitos, estereótipos e desigualdades sociais. Em relação às mulheres, quando não reforçam, legitimam um determinado lugar e papel da mulher no mundo. (Marcha Mundial das Mulheres, Newsletter de setembro de 2011). Esta é uma dificuldade que se soma às já referidas anteriormente, sobre a relação dos movimentos sociais com os media, quando está em causa um movimento social de mulheres ou feminista, ou mesmo quando se trata de projetos – como os desenvolvidos no âmbito da EQUAL – em que a temática mulheres faz parte daque110 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade las que são objeto de divulgação. Os temas relativos às mulheres são frequentemente secundarizados ou estereotipados, como variada investigação tem vindo a demonstrar28. Ou seja, neste eixo estratégico ao sistema de informação, mais uma vez as condicionantes de género não podem ser negligenciadas. Um outro ângulo importante de análise, são os media “alternativos”, não só os media “radicais” ou “transformadores”, mas também novas soluções de media em espaços comercializados, como o Facebook ou o Twitter29, ou até mesmo de media como blogs ou páginas internet, pois levantam questões diferentes para o debate, que se têm vindo a tornar decisivas. A internet enquanto espaço com maior democraticidade, apesar do seu ainda desigual acesso – quer em termos de distribuição geográfica norte-sul quem em termos de condicionantes de género, tem vindo a ser posto em causa com projetos reguladores como o SOPA30 ou a ATA31. Em síntese, sobre este eixo estratégico dos Sistemas de Informação podem observar-se diversos aspetos que confluem na análise global: o domínio dos media corporativos e a grande dificuldade em aceder a estes quer com temáticas que criticam o modelo financeiro capitalista e patriarcal, quer com temáticas de género. Daí a importância do debate sobre a criação de Media próprios em plataformas diversas. Pode afirmar-se que, se os Media são espaços fundamentais de divulgação, são em si também um obstáculo, ou até um adversário político, o que introduz neste eixo alguns paradoxos em termos de estratégia de gestão de informação: Insistir no esforço em ter espaço nos media tradicionais? Dedicar esse tempo à construção de Media próprios? Procurar conjugar os dois esforços? De que maneira? 28 Sobre este tema ver Peça, 2010; Gallagher, 2006; ou número 14 da Revista Ex-aequo de 2006 dedicado às representações mediáticas de mulheres (Silveirinha, 2006) 29 Para desenvolvimento deste tema ver: Askanius e Gustafsson, 2010. 30 SOPA, acrónimo de Stop Online Piracy Act, proposta de lei que autorizaria o Departamento de Justiça dos Estados Unidos ou detentores de direitos autorais a obter ordens judiciais contra sites que estejam facilitando ou infringindo direitos autorais ou cometendo outros delitos e estejam fora da jurisdição estadunidense. 31 O Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA, em inglês Anti-Counterfeiting Trade Agreement) é um tratado comercial internacional em fase de negociação, que refere pretender estabelecer padrões internacionais para o cumprimento da legislação sobre marcas registadas, patentes e direitos autorais. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 111 Memória e representação da informação A organização, representação e subsequente memória da informação mostrou também ser um dos aspetos estratégicos dos sistemas de informação de ambos os casos. No caso EQUAL o momento crítico coloca-se findos os projetos, pois a partir destes momentos muitas das formas anteriores de acesso à informação deixam de existir – caso das páginas na internet e de outras plataformas digitais – e o que se mantém acessível é apenas a visão de avaliação e de memória do nível macro da rede, a Comissão Europeia. Por razões de limitações financeiras, de tempo para atualizar as plataformas, por que o projeto acabou, ou por outras razões não identificadas, a maioria das plataformas digitais criadas deixam de existir no fim dos projetos. As questão de limitação financeira poderiam ter sido superadas se tivessem sido utilizadas plataformas sem custos. O que é evidente é que não existe uma visão a médio e longo prazo para estes produtos informacionais. Os produtos síntese de informação, que configuram soluções possíveis de construção de memória, foram gerados em quantidade assinalável pelos projetos EQUAL, mas tiveram uma abrangência em termos de distribuição variável, dependente do tipo de plataforma em que foram criados. Em alguns casos, especialmente de produtos impressos, a distribuição foi relativamente reduzida e está frequentemente dispersa. As pessoas que têm acesso aos mesmos são, em muitos casos, aquelas que de alguma forma já estavam ligadas aos projetos. Mesmo que as publicações tenham elevada qualidade, utilidade, ou conteúdos inovadores, como pudemos observar, não se observou uma estratégia de as valorizar ou de garantir a sua divulgação. O sistema de arquivo em papel, de todo o modo, persiste nas organizações. Funcionam neste aspeto como uma vantagem as exigências administrativas do Programa e a regulamentação nacional em termos de arquivo, pois ao obrigarem à prova, garantem alguma perdurabilidade desta informação. Em síntese, observaram-se neste caso três padrões diferentes de produção de memória: Em plataformas digitais, que tendo sido criadas em quantidade e com graus diversos de qualidade, foram efémeras e hoje, na maioria, já não existem; Em papel, suporte em que foram criados produtos diversificados, frequentemente de qualidade, e que hoje se encontram dispersos com uma distribuição circunscrita; Sistemas administrativos de arquivo que ainda se mantêm por razões de prova e de obrigação formal. 112 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade No caso da Marcha, como já temos vindo a referir, o ênfase do Sistema de Informação existe nas fases de divulgação, partilha, discussão e validação, e esta fase – a do armazenamento e logo da memória – do ciclo de informação é, na prática, frequentemente menorizada. Por tal, recuperar a memória, para além do arquivo que é centralizado pelo Secretariado Internacional, é uma tarefa gigantesca, pois a memória encontra-se dispersa em computadores, discos rígidos e memórias individuais espalhadas um pouco pelo mundo inteiro, dispersa por pessoas e organizações que fazem parte da Marcha Mundial das Mulheres, ou que podem até já não fazer parte do movimento. O crescimento em termos de quantidade, volume de trabalho e tempo dispendido em todas as fases do ciclo de informação – de partilha até à organização –, por um lado, e a pobreza de tempo e de recursos, por outro, faz com que esta questão crítica se torne um calcanhar de Aquiles da maioria das organizações contemporâneas. A memória parece representar – e simbolizar – uma dissonância no tempo em que vivemos. A não superação, na prática, do paradigma custodial, empurra muitas vezes a memória para a imagem de algo de obsoleto, desfasado, que ainda não se integrou de forma consistente na nova realidade das organizações. Não é possível superar o desafio deste contexto a não ser que a questão da memória seja considerada uma prioridade para um movimento, projeto ou organização e este tenha integrada uma visão de longo prazo sobre como fazê-lo no seu dia a dia, associada à vontade – e possibilidade – de investir em recursos (humanos, financeiros e tecnológicos) para ser capaz de o fazer. Significando isto investir em plataformas digitais em ambiente online de arquivo, ou o investimento numa visão concertada de construção e divulgação de produtos informacionais em vários suportes, capazes de chegar a vários públicos em diferentes localizações, por exemplo. Esta não é uma questão menor. As condicionantes estruturantes deste Modelo têm consequências depois sobre todos os eixos estratégicos. No caso do arquivo e da memória, algo que em muitos casos é “deixado para depois”, o risco é de um depois nunca mais chegar. Não o fazer, por outro lado, significa a perda de, no mínimo, parte importante desta memória coletiva. Nestes casos, como no de muitas organizações contemporâneas, o que se assiste é a esta perda, associada à constante criação de informação redundante que vai sendo “aspirada” para um buraco negro que neste momento é muito difícil precisar, quer a dimensão quer a direção. Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 113 De todo o modo, o suporte em papel, parece ser aquele em que, nestes tempos de transições onde muitas organizações – especialmente aquelas que dispõem de reduzidos recursos financeiros –, ainda não fizeram uma adaptação tecnológica que contemple uma visão consistente e a longo prazo da preservação da informação em plataformas digitais, consegue garantir maior perdurabilidade no tempo da história destas redes. 2Propostas de intervenção a partir do modelo A primeira proposta de intervenção deste Modelo é precisamente a compreensão dos Sistemas de Informação nas dimensões já referidas – Dinâmica orgânico funcional; Sistema tecnológico de informação; Ciclo e Comportamento informacional –, utilizando para tal os quadros epistemológicos, teóricos e metodológicas emanentes da Ciência da Informação, das teorias feministas, dos movimentos sociais e das redes, e a identificação dos eixos estratégicos para subsequente intervenção prática. Foi esta compreensão, de facto, o que nos permitiu extrair os Eixos estratégicos do Modelo de gestão de informação em redes transnacionais de ação coletiva que propomos a partir deste projeto de investigação: Condicionantes materiais e de género; Literacia/In(ex)clusão digital; Transição entre fases de latência de ação e entre distância e presença; Validação coletiva de informação à distância e em presença; Partilha de informação entre os diferentes níveis da rede: Interpretação e tradução; 6) Aceder aos media/Promover a discussão política pública; 7) Memória, representação e organização da informação; 1) 2) 3) 4) 5) São estes os eixos que identificamos como alavancas centrais para uma intervenção nestas redes em termos de gestão de informação. A partir desta pesquisa foi também possível, através de investigação-ação participativa, iniciar a intervenção sobre vários deste eixos, no caso Marcha Mundial das Mulheres, com maior incidência no nível micro da rede – a coordenação portuguesa –, associada a algumas intervenções pontuais nos níveis meso e macro, que 114 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ainda progridem. Por isso, iniciaremos esta secção descrevendo estas intervenções, para depois fazermos uma síntese das propostas de intervenção preconizadas neste modelo de gestão de informação para redes de ação coletiva, tendo já presente algumas das aprendizagens feitas, a partir das intervenções pontuais já testadas. O primeiro eixo estratégico – condicionantes materiais e de género – especialmente as relativas ao fator (in)disponibilidade de tempo e reduzida disponibilidade financeira, acentuada no caso das mulheres, sendo uma das primeiras a ser observadas no nível micro da rede, a coordenação portuguesa, foram o fulcro da primeira abordagem sistemática à gestão da informação. Lidar com a escassez de tempo foi a prioridade – a nossa realidade multitarefas –, cruzada com a perceção de que ninguém estava indicada para as tarefas existentes, conduziam a um panorama de “ninguém faz” ou “mais de uma pessoa faz a mesma coisa”. A partir desse conhecimento situado começamos por definir objetivos, e quem faz o quê no grupo de informação e comunicação. Apercebemo-nos da importância de construir uma visão estratégica da gestão de informação. Havendo aspetos de difícil superação – o ótimo para os sistemas de informação seria ambos os casos terem disponíveis os meios humanos, financeiros e de tempo necessários ao investimento consequente em todas as fases do ciclo de informação e plataformas tecnológicas criadas –, compreendeu-se que existiam aspetos que podiam ser melhorados a partir de uma visão mais estratégica da gestão de informação que, neste caso, afinasse a organização de tarefas com ela relacionadas e a gestão de quem, dentro das redes, seria por elas responsável. Definiram-se prioridades procurando conseguir o melhor investimento possível em todas as fases do ciclo de gestão de informação com o menor uso possível de tempo para tal. A gestão de informação, dado o seu caráter “omnipresente”, torna-se muitas vezes um aspeto invisível do trabalho, que por tal se “dissolve” nas restantes tarefas e não é frequentemente concretizado enquanto gestão de informação. Não é nomeado, logo é invisível. A partir da análise coletiva na coordenação portuguesa da Marcha Mundial das Mulheres do cruzamento de objetivos, alvo e tarefas relativas à gestão de informação obteve-se o seguinte quadro síntese: Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 115 Tabela 3 – Grelha de intervenção relativa à gestão de informação na coordenação portuguesa da Marcha Mundial das Mulheres Objetivos para a gestão de informação Para quem? Que tarefas? Pessoas em geral Grupos de mulheres de base Organizações, movimentos, coletivos e pessoas que se identificam com as propostas políticas e reivindicações da MMM Comunicação social Gestão e atualização do blog e página do facebook; Gestão das listas de email (media, organizações ou pessoas simpatizantes da MMM); Produção e pesquisa de documentos/video/media políticos; Coordenar e garantir a Gestão de Informação e Comunicação interna na MMM; Coordenadora Portuguesa da MMM Aderentes da MMM Portugal MMM Europeia MMM Internacional Gerir o grupo de email e o email da mmm; Tradução da informação produzida; Discussão das posições da MMM. Praticar, em termos de gestão de informação e comunicação, a ética e as reivindicações que defendemos; Todos os grupos referidos acima Análise e debate político das práticas de gestão de informação; Divulgar a Marcha Mundial das Mulheres; Mobilizar para a participação na MMM e nas suas ações; Promover a discussão política feminista, com maior ênfase nos campos de ação da MMM. Fonte: Elaboração coletiva, parte do trabalho empírico. Trabalhamos durante um ano a partir destas ideias-chave e divisão de tarefas, ou seja, a partir desta primeira visão estratégica da gestão de informação. Durante esse tempo foi sendo desenvolvida também uma análise mais reflexiva e sistemática do grupo de correio eletrónico e ao nosso comportamento informacional nessa plataforma digital, bem como uma avaliação de outras plataformas da coordenação portuguesa disponíveis na internet. Esta avaliação e experiências foram, então, apresentadas na reunião de coordenação europeia seguinte em Lisboa, onde, reconhecido pelo grupo que a análise feita por Portugal era comum à sua própria realidade de informação e comunicação, decidiu-se iniciar um trabalho comum de gestão de informação com essa base estratégica também no nível meso da rede (que agora decorre). Todo este trabalho de sistematização trouxe-nos frutos de análise para além deste eixo específico do sistema uma vez que, como já referido, nos permitiu começar 116 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade a identificar alguns dos eixos estratégicos detetados no Sistema de Informação, isto é, foi a partir desta primeira abordagem que se começou a estruturar, conjugando com os restantes dados empíricos, o modelo: Tabela 4 – Grelha de intervenção e identificação dos eixos estratégicos do sistema de informação proveniente da segunda análise coletiva Forças/Oportunidades Fragilidades/Desafios Prática generalizada de uma linguagem clara, acessível, politicamente posicionada, feminista e antipatriarcal, de acordo com os princípios defendidos pela MMM; Valorização da discussão no processo de tomada de decisão; Forte investimento num processo partilhado de decisão coletiva; Investimento na partilha e discussão da informação num lógica de poder igualitária e fomentando a partilha de informação como forma de empoderamento das mulheres; Existência de informação escrita e multimédia (rádio e vídeo) de boa qualidade, embora algo dispersa e muitas vezes pouco divulgada; Existência de algumas edições que permitem a memória/história do movimento, embora a merecer maior divulgação; Investimento em processos de análise à gestão da informação e da comunicação (internamente e através de consultoria externa), mostrando reflexividade e valorização do conhecimento situado; Observância dos diferentes níveis de info(ex)inclusão nas diferentes regiões e pessoas. Capacidade de atingir a comunicação social (especialmente a comunicação social tradicional, mas também a alternativa); Organização e definição de tarefas e responsabilidades em relação à gestão de informação e comunicação; Páginas internet com diferentes níveis de qualidade; Pouca divulgação de informação multimédia (rádio e vídeo) de boa qualidade; Processo de decisão por vezes lento; Baixo nível de partilha entre os diferentes níveis da rede (às vezes entre regiões do mesmo país, mas principalmente entre países); Capacidade de responder a necessidades múltiplas de comunicação internas à rede; Nenhum sistema de arquivo comum na coordenação nacional, nem em todas as outras coordenações entrevistadas; Interpretação e tradução; Falta de discussão coletiva sobre a dimensão política da informação e comunicação e a sua relação com as estruturas de poder. Fonte: Elaboração coletiva, parte do trabalho empírico. Em suma, a análise focada sobre um dos níveis da rede conjugada com investigação-ação-participativa demonstrou ter ferramentas apropriadas para a construção de um modelo de análise e intervenção aos sistemas de informação em redes. Em termos globais, as redes de ação coletiva transnacionais podem beneficiar enormemente se investirem na análise crítica e desenvolvimento dos padrões de comportamento informacional das pessoas que dela fazem parte. A partir do que Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 117 compreendemos até aqui sobre o comportamento informacional nestas redes a partir dos resultados apresentados no diagrama 7, pudemos construir uma análise SWOT do comportamento informacional nestas redes de ação coletiva: Tabela 5 – Grelha SWOT sobre o comportamento informacional nos casos FORÇAS FRAQUEZAS Prática de decisão partilhada à Domínio das ferramentas de Fatores internos às distância; produção tecnológica; redes Motivação, responsabilidade, Disponibilidade financeira e de compromisso; tempo; Domínio de línguas; Domínio de línguas; OPORTUNIDADES AMEAÇAS Acesso e uso (Tecnologia. Condicionantes materiais e de Fatores externos às Literacia) género; redes Domínio das ferramentas de produção tecnológica; Acesso e uso (Tecnologia. Literacia) Domínio de línguas; Fonte: Elaboração própria decorrente do trabalho empírico. A partir desta análise pode definir-se uma intervenção estratégica para a gestão de informação, aplicável a ambos os casos, a partir da compreensão do comportamento individual e de como a rede pode investir no coletivo para obter melhores resultados. As propostas para cada um dos eixos estratégicos ao modelo podem ser sintetizadas do seguinte modo: 118 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Tabela 6 – Síntese das propostas de intervenção Eixos estratégicos Propostas de intervenção Condicionantes materiais e de género Visão global e estratégica do Sistema de Informação; Informação como bem comum da humanidade; Continuação do debate político em torno da informação e da comunicação; Organização de tarefas e responsabilidades para a Gestão de Informação; Desenvolvimento de alternativas de financiamento. Literacia/In(ex)clusão digital; Investimento na literacia e capacitação tecnológica em todos os níveis da rede, com maior investimento no nível micro; Debater criticamente o acesso, produção e uso das plataformas digitais; Capacitação no uso e produção de plataformas digitais livres, em código aberto; Investimento simultâneo em circuitos informacionais “não tecnológicos”; Leitura coletiva de documentos em papel. Transição entre fases de latência e tensão entre distância e presença; Desenvolver estrategicamente a informação nos órgãos/organizações executivos responsáveis pela transição entre ação e latência; Estruturar os processos de seguimento das decisões produzidas presencialmente; Reforçar o trabalho das coordenações regionais – nível meso das redes –, apoiando o trabalho coletivo das mesmas através de plataformas digitais que permitam o trabalho à distância; Validação coletiva de informação/ discussão Desenvolvimento de plataformas de trabalho à distância; Investimento no uso de software de escrita colaborativa; Prática continuada de convergência e de democracia partilhada; Partilha de informação entre os diferentes níveis da rede. Interpretação e tradução; Bolsa de tradutoras e intérpretes nos diversos níveis da rede; Em reunião, desenvolver momentos de trabalho em grupo por línguas; Divulgação de corpo de boas práticas para a interpretação; Potenciar trabalho conjunto de países com línguas “comuns”; Utilização de formas de comunicação suportadas na criatividade e na arte; Criação de audiovisuais multilingues; Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 119 Aceder aos media/Promover a discussão política pública/ Criação de plataformas digitais de media próprios; Partilha de estratégias e de experiências entre as coordenações nacionais; Colaboração e presença nos media alternativos; Análise crítica aos media corporativos; Investimento em ligação a media locais; Trabalho coletivo com movimentos/organizações parceiras; Memória, representação e organização da informação; Investimentos em plataforma digital de arquivo documental em software livre ou em código aberto; Política articulada de criação e distribuição de produtos informacionais síntese; Seguimento temporal dos documentos síntese produzidos; Fonte: Elaboração própria decorrente do trabalho empírico. Este modelo, decorrente deste projeto de pesquisa, procurou oferecer uma possibilidade de pensar e agir, em termos de gestão de informação, sobre redes que significam realidades organizacionais vastas, fluidas e complexas, e de contribuir para a compreensão de como podemos dirigir o olhar analítico sobre as mesmas, no âmbito da Ciência da Informação, sem perder de vista questões como interdisciplinaridade, natureza contextual do objeto social informação, a totalidade dos sistemas de informação, e a possibilidade de intervir a curto, médio e longo prazo nas mesmas. Conclusões Há muitas maneiras de responder a uma mesma pergunta de partida. Aqui a questão que se colocava era: Que modelo para a gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais?, e esta foi uma síntese da proposta que temos para a responder. A construção de respostas traz consigo a formulação de novas perguntas que agora, em sede de conclusões, queremos também aflorar, mantendo a perspetiva reflexiva a que nos propusemos, e procurando simultaneamente tecer algumas considerações finais que projetem também o futuro. 120 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Partimos de um conceito basilar de informação32 que oferece diversos indicadores, capazes de absorver tanto a compreensão de informação como um corpo plástico, que se adapta ao contexto onde se move, como a procura de sentido perante perguntas complexas; ou ser capaz de responder a perguntas muito concretas do quotidiano. A informação, hoje enquadrada num panorama de imperativo informacional e explosão documental, constitui um objeto social central nas relações entre pessoas e organizações, fundamental para que estas se possam compreender, traduzir, comunicar, ou trabalhar em conjunto. Não se conhecem outras construções de modelos, no âmbito da Ciência da Informação, que tenham interligado os mesmos quadros teóricos, ou estudos aprofundados de redes de ação coletiva transnacionais focados na análise global dos seus sistemas de informação, e numa visão estratégica da sua gestão de informação. Este facto ditou o caráter exploratório desta investigação, que em muitos aspetos é eminentemente descritiva. De alguma forma, foi como focar o olhar sobre os sistemas de informação sob um ângulo incomum. Por outro lado, constantando alguma insuficiência crítica no panorama teórico da gestão de informação – devida não apenas à preponderância do modelo neoliberal, como relacionada com os tempos de rápidas transformações em que vivemos –, que ditam o campo ser por vezes volúvel e impreciso, procuramos superar tais limitações, mantendo a visão clara do objeto social informação, associada à necessidade de encontrar percursos teóricos e metodológicos que ultrapassem compreensões restritas, e ainda insuficientes, para absorver a realidade infocomunicacional dos casos que observamos. A partir da compreensão destes dois aspectos, percebemos que ocorrem nestas redes algo que importa assinalar: em ambas desenvolve-se um modo compreensivo de gerir informação, mas com contornos diferentes entre as duas. Nestas redes o esforço central no processo de decisão coletiva, que as diferencia de outros formatos organizacionais, é a necessidade de estabelecer, de forma continuada, dinâmicas de convergência – ou de consenso –, incorporando diferentes contextos geográficos, linguísticos e culturais. Tudo isto se expressa nos processos infocomunicacionais, integra os sistemas de informação, e reflete-se na gestão de informação. 32 Informação como conjunto estruturado de representações mentais codificadas (símbolos significantes) socialmente contextualizadas e passíveis de serem registadas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética, disco compacto, etc) comunicadas de forma assíncrona e multidirecionada (Silva, 2002, p. 150-151). Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 121 São redes onde se pretende trabalhar coletivamente, agregar sinergias e transformar problemáticas sociais por elas identificadas. Além disso, o seu caráter político convoca a envidar esforços sobre a análise dos aspectos políticos da informação, e das suas relações com os sistemas de poder e de dominação, a partir do contexto destas redes. A hipótese teórica de que os sistemas de dominação influenciam a conceção e o funcionamento dos sistemas de informação, surgiu como relevante no processo de pesquisa, apesar de não termos o espaço de aqui a testar. Sendo uma vasta temática que permite a análise de subtilezas destas redes, abre também uma perspetiva muito ampla e importante de investigação – a relação entre informação e sistemas de poder é evidente, e qualquer organização confronta-se com relações de poder internas e externas –, e aqui não quisemos, de todo o modo, de deixar de esboçar e procurar identificar alguns dos contornos que nos forneceram os dados empíricos. Tudo isto parte, ou tem reflexos, na necessidade permanente de discussão e validação coletiva de informação. Ao observarem uma lógica de gestão de informação que busca em continuidade o consenso, agregam esta fase como uma componente fundamental do seu ciclo de informação. Diferencia-as, em muitos aspectos, de outras organizações e de outros modelos de gerir informação. A análise sistematizada do comportamento informacional correlacionada com a compreensão dos sistemas de informação sob este modelo de análise, permitiu-nos identificar algumas variáveis condicionantes deste comportamento – acesso e uso das tecnologias e da literacia; domínio das línguas e códigos utilizados na redes; disponibilidade financeira e de tempo; prática de decisão partilhada à distância; motivação, responsabilidade, reconhecimento, compromisso; domínio das ferramentas de produção tecnológica –, que nos parecem relevantes para o estudo do comportamento informacional como um todo, e que importava agora articular com outras pesquisas desenvolvidas sobre esta temática, desde aquelas associadas aos “estudos de usuário”, como a outras que se desenvolvem no âmbito da “user resistance”. Repare-se ainda na problemática tensão entre distância e presença. De facto, por um lado, o estabelecimento de prioridades está ligado ao que nos toma no quotidiano, ou ao modo como o quotidiano nos toma. Por outro, nestas redes, quem está presente nos encontros – com quem se trabalha à distância e nesses momentos presencialmente –, não coincide com o coletivo que trabalha conjuntamente em presença, no mesmo espaço geográfico. Daí que, com frequência, fazer transitar a informação, as discussões ou as decisões que se tomaram em reuniões transnacionais – no nível meso e macro das redes –, para o nível micro das redes, seja um processo 122 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade complexo e frágil. Estas redes, especialmente na sua dimensão transnacional, não são redes presentes no quotidiano de muitas das pessoas que nelas trabalham. Vão e vêm. Como tal, é-lhes fundamental este processo de adaptação, bem como a capacidade de superação da referida tensão. Esta é uma das questões que importava continuar a aprofundar teoricamente, e a compreender a partir da observação das práticas, no sentido de se conseguirem obter mais algumas pistas, necessárias para aclarar mais profundamente os contornos desta problemática. Finalmente, identificaram-se eixos estratégicos – condicionantes materiais e de género; in(ex)clusão digital; Transição entre fases de latência e tensão entre distância e presença; Validação coletiva de informação/discussão; Partilha de informação entre os diferentes níveis da rede. Interpretação e tradução; Aceder aos media/Promover a discussão política pública; Memória, representação e organização da informação –, para a construção de um modelo de gestão de informação em redes de ação coletiva, objetivo último desta investigação. Outros focos de análise possíveis a partir desta investigação, relacionam-se com que plataformas digitais poderão servir estas redes, questão que é transversal a todos os eixos estratégicos do modelo, e onde importa manter presente que são diversos os paradoxos associados ao uso das tecnologias. Desigualdades no acesso, na produção, no uso, condicionantes de género. Depois, há a “falsa” noção de que se podem realizar as tarefas mais rapidamente, e assim se juntam um cada vez maior número de tarefas à vida diária. Se antes geríamos um projeto, hoje podemos gerir dois. Que por vezes não é evidente para as organizações, que cada vez que criam uma plataforma digital, criam uma necessidade de atualização que absorve tempo e recursos humanos; Que estas nos permitem disponibilizar um volume elevado de informação que depois, num ápice, já não está em lado nenhum. A visão teórica sobre os sistemas de informação que aqui preconizamos permitiu identificar alguns destes aspetos, que poderão conduzir investigação posterior, introduzindo a pobreza de tempo e de recursos financeiros como variável condicionante da gestão de informação. Esboçamos aqui também algumas propostas de intervenção, traduzidas essencialmente em ações circunscritas. A investigação-ação participativa permitiu-nos intervir num dos casos, a Marcha Mundial das Mulheres. Repare-se que nesta tese se pretendeu capitalizar diferentes práticas e conhecimentos de quem investigava, procurando superar dilemas provenientes de um percurso também ativista, e assim adquirir sínteses enriquecedoras e coerentes com uma visão não hierarquizada de conhecimento. Sobre este modo de investigação, importa aqui Contributos para um modelo teórico de gestão de informação em redes de ação coletiva transnacionais 123 referir que nos permitiu obter dados e ângulos de estudo, que não teriam sido possíveis a partir de outras técnicas. Apesar de introduzir dificuldades, resultantes da necessidade de se adaptar a mudanças posicionais em termos de observação, ou mesmo de se ver perante um volume de dados difícil de abarcar, significou um salto qualitativo metodológico. Uma intervenção global e estratégica na gestão de informação desta rede é hoje possível, também pelo uso da investigação-ação participativa, como um dos horizontes de continuidade deste projeto, inclusive para testar o modelo aqui proposto. A utilização do conceito (inspirado por Habermas e pela interpretação dele feita por Fraser (2004), de “redes comunicativamente conseguidas” e “normativamente asseguradas”, feito não necessariamente para aprofundar o debate teórico do conceito em si, mas como formulação expressiva da dinâmica infocomunicacional destas redes, parece-nos particularmente adequado, não apenas para uma análise comparativa deste tipo de redes, mas também por ser especialmente importante para a análise dos sistemas de informação nas mesmas. Repare-se que estas designações refletem também a análise feita no decorrer do enquadramento contextual dos casos no capítulo 2, e do percurso feitos pelos feminismos, em termos internacionais, ao longo do século XX33. Estas duas expressões parecem ser um bom espelho dos dois percursos genéricos apontados, e do caráter mais ou menos institucionalizado dos mesmos. Pensamos também que esta é uma linha divisora que se pode estender entre muitas outras redes transnacionais. Por tal, providencia uma imagem útil à compreensão da relação comparativa entre os esforços existentes, em termos infocomunicacionais, em cada uma delas: num dos casos a regulamentação, no outro a comunicação. Finalmente, porque permite extrair dados importantes sobre o ênfase dado, nos sistemas de informação destas redes, a determinadas fases do ciclo de informação. Ou mesmo sobre a fluidez infocomunicacional, ou sobre a ausência dessa fluidez. Não sabemos até que ponto este modelo é extrapolável/generalizável para outras redes, sejam elas normativamente asseguradas ou comunicativamente conseguidas. Parece-nos uma hipótese viável, pois há muitos aspectos de redes transnacionais que são comuns a estes dois casos, mas tão somente posterior investigação poderá testar. 33 Em termos da discussão relativa à institucionalização dos feminismos. 124 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Castells (2005, 2007) tem vindo a afirmar a importância de compreender a revolução informacional “pela sua penetração em todos os domínios da atividade humana, não como fonte exógena de impacto, mas como o tecido em que essa atividade é exercida”. Revolução que, pela primeira vez na história da humanidade, obriga a que uma mesma geração, que nasceu e cresceu desconhecendo a internet, por exemplo, a meio da sua vida tenha necessariamente de a ela se adaptar. É uma transformação social extremamente rápida, por tal exigente. Em Ciência da Informação, campo que está no cerne deste vasto movimento histórico, exige que, tanto na teoria como na prática, o abandono do paradigma custodial, a crescente e rápida incorporação do paradigma pós custodial, e o reconhecimento que o conceito estático de informação foi substituído. Tudo isto coloca desafios teóricos, metodológicos, às práticas. Também ao caráter interdisciplinar de CI, no trabalho articulado com outras disciplinas, no esforço de dar ampla continuidade a este processo, para que ganhe cada vez maior corpo científico. E que essa consistência possa apoiar o mundo da vida, e ajudar a superar o panorama algo caótico onde tantas pessoas colocam a informação. Para que não sobreviva nem uma visão paralítica, que já não corresponde à realidade, nem uma visão acrítica de uma neutralidade informacional que não existe, ou evangelizadora que um solvente para todos os problemas, ou sequer uma visão atomizada e instrumental do processo infocomunicacional, que não absorve o dia a dia do mundo. Referências Askanius, Tina; Gustafsson, Nils (2010) – Mainstreaming the Alternative: The Changing Media Practices of Protest Movements. [Em linha]. Interface: a journal for and about social movements. 2: 2 (2010) 23-41. [Consult. 2 Jul. 2012]. Disponível em: <http://interfacejournal. nuim. ie/wordpress/wpcontent/uploads/2010/12/Interface-2-2-pp. 23-41-Askanius-and-Gustafsson1. pdf> Bennet, W. Lance (2004) – Communicating global activism. Strengths and vulnerabilities of networked politics. In van de Donk, Wim [et al] (ed). – Cyberprotest. New media, citizens and social movements. London: Routledge. 316p. 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O seu uso massivo pelos tomadores de decisão é corroborado pelos resultados de um estudo desenvolvido entre fevereiro e setembro de 2013, junto de 435 pequenas e médias empresas (PME) da Região Centro de Portugal, cujos dados foram obtidos através de um inquérito por questionário e tratados com recurso a técnicas de estatística descritiva e de entrevistas realizadas a gestores, que tinha como objetivos principais aferir se a gestão da informação (GI) é uma prioridade na administração destas empresas e avaliar o papel desempenhado pela informação no processo de tomada de decisão (TD). Os resultados obtidos revelam que os gestores recorrem massivamente à informação quando decidem mas reconhecem que a forma como esta está organizada e/ ou armazenada dificulta, em mais de 40% dos casos, a sua localização e uso. Esta situ129 ação poderá ser explicada por diversos indícios retirados do mesmo estudo: a ausência de uma real e efetiva valorização da GI, patente na não formalização da função em 68,51% das PME e na falta de formação adequada dos colaboradores responsáveis pela GI (54,76% dos quais sem formação específica, os restantes têm formações muito diversificadas, com destaque para a Informática e raramente em Ciência da Informação, ou, usando a nomenclatura tradicional, em Arquivo, Biblioteca e Documentação); a forma incipiente e/ou parcelar de gerir a informação, que se traduz em ações pontuais com vista à resolução de problemas que vão surgindo e não uma atuação contínua e planificada; a dimensão e o número reduzido de processos organizacionais informatizados, o que revela o uso de programas parcelares e sem a devida articulação entre si, predominando o uso de softwares de gestão contabilística, que resulta mais de uma imposição governamental do que de uma opção das empresas, apesar de estes serem comummente reconhecidos como potencializadores e facilitadores da produção/recolha, armazenamento, pesquisa e recuperação da informação. Os gestores participantes do estudo, para responder a algumas das dificuldades sentidas no processo decisório e que se prendem sobretudo com as mudanças no meio ambiente, recorrem primordialmente a informação de origem interna (pessoal e impessoal) e sobretudo de natureza normativa, técnica e económica. A informação externa de que se socorrerem é obtida sobretudo a partir de pesquisas gratuitas na Internet, por doação ou permuta. As opções preferenciais pela informação interna e pela pesquisa na internet, associadas à reduzida valorização e às práticas parcelares de GI, conduzem inevitavelmente a constrangimentos na organização armazenamento, recuperação e uso da informação e exigem, aos gestores, competências informacionais e tecnológicas que lhes permitam identificar, selecionar e usar a informação (nomeadamente a produzida e acessível em ambiente digital). Também neste ponto se revela importante intervir para auxiliar os gestores a lidar e combater as dificuldades decorrentes do aumento exponencial da produção e disponibilização de informação (especialmente através da internet), a usar os computadores, a pesquisar, selecionar e obter informação neste ambiente digital e a desenvolver competências que lhes permitam avaliar criticamente a informação e identificar a mais pertinente, confiável e autêntica. Estes factos ganham dimensão quando constatamos as conclusões de alguns estudos realizados, como é o caso do concretizado, em 2004, pela empresa de consultoria Price-Waterhouse Coopers, junto de mais de 200 empresas distribuídas por 30 países, que considerou que apenas 2,5% de um total de 10. 640 projetos foram considerados 130 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade bem-sucedidos. A elevada taxa de insucesso (97,5%) dever-se-á a decisões precipitadas, alicerçadas em informação pouco pertinente e mais genérica, e à deficiente interpretação e compreensão da informação por parte dos gestores. A conjugação destes fatores dificulta o entendimento do contexto e a correta adequação da decisão ao contexto (Ferraro, 2007 apud Andriotti, 2012: 15). Apesar das práticas de GI nas PME da RC apontarem para muitas deficiências, os gestores consideram-na, em teoria, muito importante, em particular porque permite ter a informação necessária no momento certo. Este paradoxo poderá ser explicado pela falta de sensibilização e consciencialização do que significa gerir informação e da sua importância real, quer por desconhecimento técnico e das vantagens que pode ajudar a trazer para a empresa, quer, como foi afirmado pelos gestores aquando da realização das entrevistas, pela relação custo-benefício e pela dimensão reduzida da empresa (que, segundo os mesmos, não justificará esse custo). A perceção do desconhecimento dos gestores sobre esta temática é comprovada pela incapacidade de quantificar esses custos e de enumerar algumas medidas necessárias para assegurar uma GI integral na empresa. 1A importância de gerir a informação de forma eficaz e eficiente para apoio à tomada de decisão A informação, sendo um produto valioso, deve ser cuidada para que o seu uso seja possível, independentemente do fim a que se destina. Tal significa que esta deve ser gerida, ou seja, deve ser administrada de forma a assegurar soluções práticas, desde a génese até ao efeito multiplicador do fluxo da informação, para um conjunto de atividades: produção, tratamento, registo e guarda, comunicação e uso da informação. O cuidado e a atenção dispensados a estas atividades práticas de GI contribuem de forma decisiva para o sucesso ou o insucesso, pelo que é essencial que as empresas planifiquem e implementem um Sistema de Informação (SI)1 que reflita as 1 No âmbito da Ciência da Informação, um Sistema de Informação é um todo formado pela interação dinâmica das partes, com uma estrutura duradoura com um fluxo de estados ao longo do tempo. É constituído por diferentes tipos de informação registada ou não externamente ao sujeito, independentemente do suporte (material ou tecnológico), de acordo com uma estrutura (entidade produtora/recetora ao longo do tempo). A sua estrutura pode ser autónoma e pode ser indissociável da informação propriamente dita, isto é, a pessoa/família/organização sujeito de ação que produz/recebe informação é distinto do SI mas é essencial para que este exista porque o conhecimento profundo da estrutura que permitirá delinear os seus contornos (do SI). A estrutura de um SI é ou pode ser ela própria concebida como um Sistema distinto (uma empresa que Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 131 suas características e responda às suas necessidades. Este, ao desempenhar funções de articulação e processamento de informação com origem nas várias fontes de informação (nomeadamente externas), permitirá gerir a informação de forma mais eficiente e eficaz e apoiará os gestores e os colaboradores da organização na execução das suas atividades e no processo de tomada de decisão. Gerir a informação exige conhecimentos técnicos e científicos, pelo que deve envolver profissionais da informação com a formação adequada que lhes permita, na prática quotidiana, agilizar o fluxo e a intensificação do uso da informação. Este profissional, para poder agir, deve identificar toda a informação produzida/recebida pela organização e conhecer o contexto da sua produção e são elementos essenciais para analisar, interpretar e gerir o Sistema de Informação organizacional. Para o efeito importa conhecer como se produz a informação; o suporte material e tecnológico (papel, digital ou em ambos); se existe registo; quais as atividades que levam à sua produção e no cumprimento de que objetivos orgânico-funcionais, entre outros elementos (Silva, 2005). É importante saber se a a informação é produzida em suporte papel e em suporte digital (e, neste caso, saber se o é em substituição ou em complemento do suporte papel) ou em ambos para intervir no sentido de planear uma estratégia de atuação e um modelo de gestão que evitem a duplicação da informação. A exigência destas tarefas justifica e torna cada vez mais pertinente a intervenção do profissional de informação a montante da produção da informação para a disciplinar. A informação deve ser tratada, ou seja, deve observar um conjunto de procedimentos associados à existência ou possibilidade de registo, com o objetivo de ser consultado sempre que necessário e evitar ser esquecido. O registo é uma tarefa 132 produz/recebe informação ao longo da sua existência, o que significa que alimenta a existência de um SI, cuja estrutura é a dita empresa ‒ com a sua organização interna e agentes ou funcionários ‒, que, por sua vez, constitui um ou mais sistemas específicos) (Silva, 2006: 162). Nesta perspetiva diferencia-se do Sistema Tecnológico de Informação (STI) uma vez que este é, segundo Morvan (apud Silva, 2006: 163), a “combinação de todos os meios de recolha, processamento e transmissão de informação de uma aplicação, utilizando um ou mais computadores”. Este assenta no uso de aplicações informáticas com recurso a computadores, constituindo-se, portanto, uma parte do SI definido por Silva, isto é, toda a informação produzida por uma organização (ou pessoa ou família), independentemente do suporte, ao longo da sua existência/funcionamento e que reflete a estrutura (orgânico funcional) da organização (produtor). Os STI desempenham um papel de extrema importância porque possibilitam gerir informação de forma mais rápida, diminuindo o tempo e os recursos. Agilizar o uso da informação e dos seus produtos poderá ser conseguido mediante a adoção de tecnologias que permitem ao utilizador racionalizar as suas pesquisas e recolher a informação que pretende. Simultaneamente, a utilização da Internet e da intranet aumenta a possibilidade de aceder e usar a informação disponibilizada. Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade fundamental no processo de GI porque, em última instância, permite que a informação seja guardada, acedida e usada. Guardar informação não é apenas uma capacidade natural, resulta, também, de necessidades estruturais da(s) pessoa(s) e das organização(ões). A memória humana é seletiva e precária, pelo que é fundamental salvaguardar testemunhos da história de um país, de uma região, de uma organização, de um conjunto de pessoas e os documentos são provas testemunhais que servem para diversos fins (jurídicos, administrativos, contabilísticos, contributivos, entre outros) e são o garante da preservação da memória. O tratamento aproxima a classificação, a ordenação e a arrumação da problemática da memória e da comunicação e do uso da informação, o que o torna indissociável das fases ou etapas do fluxo info-comunicacional a montante ou a jusante, em especial as da memória e da comunicação/uso porque a informação produzida/ recolhida, para ser facilmente recuperada e usada, deve ser tratada e organizada. O uso da informação é um processo pessoal, que depende do sujeito que conhece, pensa e se emociona e, portanto, profundamente modelado pelas características de quem usa a informação e do contexto em que está inserido. Estudar as formas como as pessoas e as organizações usam a informação é uma tarefa complexa, porque nem sempre as organizações têm a preocupação de identificar as necessidades de informação, o que inviabiliza a desejável articulação entre a informação e os objetivos e estratégia da organização, contribuindo, muitas vezes, para o aumento de informação, cuja utilidade é altamente questionável, agrava os custos da sua manutenção e leva à perda de produtividade e ao incumprimento das políticas e dos objetivos da organização. São as necessidades de informação que determinam o seu uso e este, muitas das vezes, conduz a novas necessidades de informação. Esta constatação revela o carácter dinâmico e contínuo da informação porque esta é produzida/recebida para responder a alguma necessidade. A dinâmica informacional assume uma forma circular em que a produção/recolha leva ao seu uso (e vice-versa), uso este que, por sua vez, determinará a permanência/conservação da informação. A organização e os seus agentes/atores determinam as necessidades de informação em termos de assunto e de contingências definidas por situações (certa informação é mais pertinente para resolver determinado assunto…). Um dos motivos pelos quais as organizações necessitam de informação prende-se com a exigência de tomar, fundamentar e justificar decisões. O processo de tomada de decisão é difícil e consiste, entre outras etapas, em gerar e avaliar alternativas, cuja escolha conduz a Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 133 uma ação que se pressupõe ser a mais adequada para alcançar os melhores resultados. Daqui se compreende que este processo exige o recurso constante a informação (de variados tipos e suportes), pelo que é fundamental que esta seja tratada, armazenada e recuperada de forma contextualizada, de modo a tornar o seu acesso ágil, eficaz e eficiente porque a sua existência por si só não garante o seu uso, sobretudo de modo apropriado (que responda às necessidades informacionais e que se articule com a missão e objetivos da organização e dos seus agentes). O processo de tomada de decisão é dinâmico e constituído por um conjunto de etapas interrelacionadas que consiste na escolha da alternativa considerada mais adequada, entre as várias identificadas, para alcançar os objetivos previamente definidos (Bilhim, 2000: 175). Este processo pode envolver diferentes graus de incerteza, diferindo no tempo que as decisões demoraram a ser tomadas, no maior ou menor envolvimento da ou parte da organização e relacionando-se com a(s) função(ões) exercidas pelos decisores (Teixeira, 1998: 66). A tomada de decisão é uma constante, todos os elementos de uma organização decidem no exercício das suas atividades, algumas de nível estratégico outras a nível mais intermédio, algumas programadas ou de rotina e outras não programadas ou de não rotina. As primeiras têm um carácter repetitivo, são estruturadas e normalmente são decisões relacionadas com a rotina das operações e assentam no hábito porque a organização sentiu necessidade de desenvolver estes processos específicos de atuação e controlo (sendo os problemas similares, aplicam solução encontrada para os mesmos problemas); as segundas resultam de situações inesperadas que exigem decisões não rotineiras, não programadas e que procuram dar resposta a problemas novos. A diversidade de situações que exigem tomadas de decisão, bem como as limitações dos decisores2 fazem com que estes procurem formas de minimizar as incer2 Podemos destacar os trabalhos pioneiros de Simon sobre as heurísticas do raciocínio e da racionalidade limitada. Aí estudou as estratégias de simplificação usadas pelos decisores a fim de reduzir a complexidade das tarefas de julgamento, tornando-as passíveis de ser tratadas pela mente humana (as heurísticas são atalhos e simplificações dos juízos e julgamentos dos decisores no processo decisório, o que normalmente conduz a enviesamentos na TD). Nos seus estudos Simon concluiu que o ser humano é racionalmente limitado porque é confrontado com a complexidade do meio, a quantidade de informação disponível, as diversas alternativas a analisar, os vários resultados possíveis e com suas próprias limitações cognitivas, sobretudo as de processar a informação que obtém e o tempo reduzido de que dispõe. Como resultado de todos os fatores com que é confrontado, o decisor decidirá de forma satisfatória e não ótima. Os gestores não conseguem controlar totalmente o ambiente em que estão inseridos, já que haverá sempre novas informações e variáveis que deveriam ser equacionadas (Antunes e Dias (2007: 11). 134 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade tezas e os riscos, entre as quais o recurso intensivo à informação. Mas, tal como a bibliografia sobre a temática da GI e da TD e o estudo empírico realizado revelam, a importância da informação é proporcional à necessidade de auxiliar os gestores e as empresas a conceber e implementar práticas de GI mais eficientes e eficazes, que lhes permitam responder às carências dos vários agentes organizacionais quando tomam decisões, pelo que urge intervir para mudar a realidade, mediante a conceção e desenvolvimento de um modelo capaz de alterar aquele que parece ser estado atual da gestão da informação nas PME porque esta é um recurso que contribui para a qualidade das decisões e potencia a competitividade. O modelo que propomos ‒ o modelo INDE-InfoDecisor ‒, procura intervir de forma sistemática e global a fim de assegurar uma efetiva valorização da informação para alicerçar as tomadas de decisão, promovendo a sensibilização e valorização da informação ao longo de todo o seu ciclo de vida, disciplinando, monitorizando e avaliando-a de forma a dotar os decisores de informação pertinente, confiável, consistente, específica, completa e em tempo útil. 2O modelo INDE-InfoDecisor O modelo INDE-InfoDecisor é decalcado da proposta de Ribeiro e Silva (2004) para a operação de avaliação de fluxo informacional, cuja aplicação dos parâmetros e critérios adotados determinam a taxa de conservação da informação, permitindo determinar a que é conservada, e que fica na memória imediata e de longa duração da empresa. Mas com este modelo queremos que os decisores sejam rápidos e eficientes a decidir, pelo que a aplicação dos parâmetros pertinência e densidade permitem agrupar as tipologias informacionais, a partir do seu recenseamento, de acordo com a sua pertinência, ou seja, com a função que levou à sua produção/recolha, e com a sua densidade, isto é, se estamos perante informação mais completa ou mais parcelar. Este agrupar de informação afigura-se-nos como um importante contributo para identificar e “classificar” a informação mais e menos relevante para ajudar o gestor a decidir de forma mais fundamentada e alicerçada, mas que perante a falta dela se vê obrigado a agir com informação parcelar, incompleta e, por vezes, contraditória. Mas o modelo INDE-InfoDecisor é ainda mais envolvente e procura sensibilizar, valorizar e formar os gestores e as organizações para a mais-valia de práticas de GI mais eficazes pelo que assenta em três pilares fundamentais, a saber: Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 135 • a valorização da GI, através da sua formalização e realização por profissionais com as competências necessárias e adequadas e a implantação de uma GI integral e sistémica, procurando tirá-la do eixo sincrético em que se encontra e colocá-la na fase pós-sincrética; • a formação no sentido de sensibilizar e consciencializar os gestores das PME para a importância e as vantagens que decorrem de uma efetiva e eficaz GI, sobretudo na qualidade do processo decisório, e desta forma contribuir para uma mudança de mentalidades e das suas práticas; e • a conceção e desenvolvimento de um esquema analítico que permita identificar os tipos informacionais existentes nas empresas e agrupá-los consoante os dois parâmetros ‒ pertinência e densidade ‒, cujo cruzamento possibilitará enumerar os mais os muito relevantes, os relevantes e nada relevantes para a TD. O primeiro pilar decorre da caracterização realizada a partir do estudo empírico realizado, que indica que as PME têm um longo percurso a realizar no que se refere à GI e à adoção de práticas com reflexos positivos no uso que os gestores fazem da informação na TD. Este princípio revela a necessidade de promover uma sensibilização e efetiva valorização da GI. O segundo pilar justifica-se, igualmente, pela caracterização das práticas atuais de GI e pelas características das PME. Estamos perante empresas de dimensão reduzida, com poucos trabalhadores e, regra geral, detentores de baixa qualificação e escassos recursos materiais (equipamentos, financeiros, entre outros), o que conduz à necessidade prática do gestor agregar um conjunto de funções (em que, além de tomador de decisão é, entre outras, “gestor de informação”). Importa “libertar” a GI deste quadro sincrético, autonomizá-la e evitar que continue prisioneira das limitações técnicas e científicas de quem a realiza, o que implica a sensibilização e uma mudança de mentalidade que promova o recurso a profissionais habilitados e com formação adequada. Os gestores recorrem preferencialmente a informação de origem interna que nem sempre conhecem a informação que têm nem conseguem localizá-la, a que não são alheias as práticas parcelares de GI que conduzem a um conjunto de constrangimentos e dificuldades que urge combater e sobre a qual importa intervir. Esta constatação conduz-nos ao terceiro pilar – a conceção e desenvolvimento de um esquema analítico que permita identificar a informação mais densa e mais pertinente para a TD. 136 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Os pilares em que assenta a proposta do modelo de intervenção exigem o equilíbrio entre três componentes essenciais: a técnico-científica e a metodológica para diagnosticar, conceber e implementar as medidas consideradas necessárias com vista à melhoria das práticas de GI e para a conceção e desenvolvimento de um esquema analítico que permita a identificação das tipologias informacionais e agrupá-las de acordo com os critérios definidos, potenciando o seu uso no processo decisório a fim de assegurar a competitividade e a rendibilidade das empresas e a formativa, apostando numa postura pedagógica de ensinamento e sensibilização para a GI, visando a tomada de consciência da importância de gerir a informação e das vantagens e benefícios que daí podem resultar para a empresa (o cumprimento dos imperativos legais, a agilização dos seus processos, o aumento de produtividade, entre outros). Este modelo apresenta uma valência dupla: diagnostica e orienta a intervenção mais aplicativa para a GI e a TD, pelo que integra, numa primeira fase, o diagnóstico em que se procura identificar e conhecer o meio ambiente e o contexto em que a informação é produzida/recolhida, exigindo para o efeito o conhecimento profundo da estrutura orgânico-funcional da organização, dos seus processos e o recenseamento das tipologias informacionais produzidas/recebidas pela organização e o levantamento das necessidades de informação (independentemente da sua origem ser interna ou externa, deverá fazer parte do Sistema de Informação da empresa, o que pressupõe que seja tratada, registada, armazenada e comunicada para ser usada por quem dela necessita para o exercício das suas funções na empresa). A segunda parte é a fase de intervenção, que inclui a aplicação do esquema analítico para identificar e agrupar as tipologias informacionais de acordo com os dois parâmetros: pertinência e densidade, visando dotar os gestores de um “manual” que identifique e diferencie a informação mais pertinente e completa da que é mais periférica e parcelar. Além da aplicação do esquema analítico importa intervir com a conceção, desenvolvimento e implementação de ações de sensibilização e de formação que visam a tomada de consciência para a importância da informação e da sua gestão e o papel potencializar que esta tem na TD e na sua qualidade. O modelo encara e assume a importância da sensibilização e da formação do gestor como prioritária, sendo o gestor de informação um elemento essencial neste processo (organiza, trata e comunica a informação) e que funciona, igualmente, como conselheiro porque, através da aplicação do esquema analítico, condensa, identifica e agrupa a informação de acordo com aos seus níveis de pertinência e grau de Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 137 densidade, ajudando-os, ainda, a agregar outras fontes informação que enriquecem a TD e potenciam os seus resultados. Para que a informação seja uma mais-valia deve ir ao encontro das reais necessidades do gestor e da sua empresa, o que exige competências informacionais e até tecnológicas, porque a quantidade de informação disponível surge em vários suportes, muitos deles com um elemento intermediário entre a informação e o utilizador – a tecnologia (de que o computador é o exemplo supremo) ‒, normalmente associado ao uso das redes e à possibilidade de aceder a um manancial de informação através de uma pesquisa num motor de busca da internet. No entanto, os resultados são, frequentemente, frustrantes e cansativos quer pela quantidade quer pela falta de rigor da informação apresentada, pelo que é essencial ir além da limitação de pesquisa e recolha da informação na internet. Efetivamente, importa agregar a este método de recolha de informação outras fontes de informação, devidamente identificadas e avaliadas (tendo presentes as necessidades e os objetivos e fins a que se destina), para que as empresas enfrentem, de forma mais preparada e apetrechada, os atuais mercados, altamente competitivos e em constante mutação. O decisor, para tomar decisões, procura informação que lhe permita analisar o problema de forma consistente e ponderada, visando selecionar sempre a alternativa que ambiciona ser a mais assertiva, a que lhe traga o máximo de benefícios com o mínimo de custos possíveis. Assim, é-lhe essencial que a informação, sobre a qual as suas decisões se baseiam, seja o mais completa e pertinente possível atendendo à situação em que se encontra. Os gestores, como podemos verificar a partir da Ilustração 1, estão inseridos num meio ambiente em constante mutação, nos mais variados quadrantes (económico, político, cultural, legislativo,…), e para desempenharem o seu papel, necessitam de usar informação (cujas necessidades variam de acordo com a situação, contexto e meio ambiente). É fundamental que esta esteja disponível e seja de fácil localização e acesso, condições que devem ser asseguradas por práticas mais eficientes e eficazes de gerir informação porque mais do que ter muita importa ter a que, pelas suas características, acrescenta valor e qualidade às decisões. 138 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Ilustração 1 – Apresentação global do modelo INDE-InfoDecisor. Fonte: Autora. Perante um cenário em que o gestor necessita estar atualizado e ter a informação que é efetivamente importante, consideramos que o modelo INDE-InfoDecisor pode desempenhar um papel fundamental porque permite fazer uma espécie de crivagem da informação, permitindo agrupar as tipologias informacionais recenseadas de acordo com os parâmetros que determinam o seu valor e a sua qualidade – pertinência e densidade. Como podemos verificar a partir da Ilustração 2, no que se refere ao parâmetro pertinência, podemos estar perante três níveis diferentes: as tipologias informacionais serão i) de nível A, se estiverem diretamente ligadas aos objetivos essenciais da empresa e se prenderem com as funções-fim; ii) de nível B, se se tratar de tipologias ligadas a objetivos e a funções de apoio ou funções-meio (de que são exemplos os recursos humanos, a gestão do património e equipamentos e a gestão financeira); e iii) de nível C, se se tratar de tipologias marginais e periféricas aos objetivos da empresa. No que se refere ao parâmetro densidade, podemos estar perante informação i) primária/original; ii) secundária (assumida como resumo ou síntese, uma parcela ou acumulação de atos primários/originais); e iii) informação progressiva. A primária é mais densa do que a secundária (que pode ser parcelar), mas, é passível de ser Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 139 substituível, nos casos de resumos ou sínteses (normalmente elaborados a partir de um vasto leque de tipologias informacionais específicas) ou de informação cumulativa, que resulta da concentração de informação dispersa por informação parcelar. Ilustração 2 – Apresentação dos parâmetros do modelo INDE-InfoDecisor. Fonte: Autora. A articulação entre os dois parâmetros é essencial para agrupar os tipos informacionais de acordo com os seus níveis de pertinência e a sua densidade, pelo que associamos um índice de ponderação (0 e 1) para definir uma matriz que caracteriza os cruzamentos entre estes dois parâmetros. Como podemos constatar a partir da Tabela 1, será atribuído, no parâmetro pertinência, a ponderação de 1 valor aos tipos informacionais de nível A e B e 0 aos de nível C e, no parâmetro densidade, 1 à informação mais densa e 0 à informação menos densa e à progressiva. Tal como o preconizado por Ribeiro e Silva (2004) na sua proposta de modelo de abordagem da avaliação da informação, no modelo INDE-InfoDecisor um tipo informacional primário/original dispensa o seu duplicado absolutamente idêntico e um tipo informacional secundário (resumo ou síntese, parcela ou acumulação de tipos primários/originais) será substituível pelo primário, exceto no caso do tipo resumo/ficheiro/base de dados e do cumulativo 140 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade (como são os casos dos relatórios anuais que concentram a informação dispersa por outros parcelares, que são feitos periodicamente ao longo do ano) (Ribeiro, 2005: 18). Tabela 1 – Parâmetros e níveis de ponderação do modelo INDE-InfoDecisor. Parâmetro Pertinência Densidade Secundária Ponderação Nível A Nível B Nível C Primária 1 1 0 1* Parcelar Resumida Cumulativa 0 1* 1* Progressiva 0 * Perante informação secundária resumida e cumulativa e, feitos os devidos relacionamentos informacionais, com a primária que lhe deu origem, a primeira terá um nível de ponderação de 1 e a segunda um nível de ponderação de 0. A Ilustração 3 resulta de uma ligeira adaptação do esquema de Ribeiro (2005: 21) para o estabelecimento das relações informacionais para determinar a densidade dos tipos informação. Para o efeito é necessário identificar a informação em análise, de modo a perceber se estamos perante informação primária, secundária ou progressiva e a relacioná-la com os outros tipos informacionais. Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 141 Ilustração 3 – Estabelecimento das relações informacionais para determinar a densidade dos tipos informacionais *Identificar e referenciar os tipos informacionais relacionados com a informação em análise, referida na 1ª. Coluna. Mais uma vez reforçamos a exigência de deter um profundo conhecimento de todas as tipologias informacionais e do contexto de produção bem como dos processos organizacionais que levam à sua criação porque é esse conhecimento que permitirá realizar estes relacionamentos informacionais. Após a identificação dos tipos informacionais e respetivos níveis de pertinência e densidade será feito o cruzamento e a quantificação dos níveis de ponderação para os classificarmos em três grupos: tipo informacional Muito relevante (2 valores); Relevante (1 valor) e Nada relevante (0 valores) (cfr. Tabela 2). 142 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Tabela 2 – Quantificação dos níveis de ponderação e classificação dos tipos informacionais, de acordo com os parâmetros pertinência e densidade. Pertinência Densidade Quantificação do cruzamento dos parâmetros Classificação Nível A 1 1 2 Muito relevante Nível A 1 0 1 Relevante Nível B 1 1 2 Muito relevante Nível B 1 0 1 Relevante Nível C 0 1 1 Relevante Nível C 0 0 0 Nada relevante A informação alicerça muitas das decisões tomadas nas empresas, quer a nível operativo quer a nível estratégico, e relaciona-se, cada vez mais, com o uso das novas tecnologias de informação e da comunicação, que têm vindo a contribuir significativamente para a transformação dos ambientes organizacionais. Para melhorar estas decisões e dinamizar as ações económicas, comerciais, políticas, sociais, entre outras, que conduzem à afirmação e continuidade das empresas no mercado em que atuam, diversas áreas do conhecimento têm vindo a debruçar-se sobre modelos, métodos, técnicas, instrumentos e ferramentas que possam contribuir e auxiliar o processo decisório (Valentim, 2008). Cada vez mais, qualquer empresa que pretenda assegurar um controlo efetivo sobre o seu negócio deve munir-se de/e recorrer a sistemas de gestão de bases de dados. Se a folha de cálculo continua a desempenhar um papel importante e a funcionar como uma ferramenta de controlo poderosa porque operacionaliza os dados e permite a criação de informação relevante para o funcionamento da empresa, existem outras ferramentas mais completas e com funcionalidades que elevam a capacidade operacional de gerar informação a patamares superiores. Se inicialmente o papel das tecnologias da informação na vida das organizações abrangia e visava a automatização dos processos que suportam as atividades do dia-a-dia, entretanto esse papel evoluiu e alargou-se a outros domínios. As empresas usam aplicações de suporte à gestão financeira e contabilística; gestão dos recursos Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 143 humanos; gestão de stocks; gestão comercial; entre outras, que, além de suportarem os processos operacionais, geram uma significativa quantidade de informação. Essa informação deve ser usada pela organização para: i) aumentar e melhorar o autoconhecimento (conhecer os produtos e serviços que disponibilizam e como os disponibilizam, identificar os problemas que enfrentam e as soluções encontradas, reconhecer as competências que a empresa detém e de que forma estas podem ser usadas para atingir as metas desejadas; ii) obter dados relativos aos agentes com os quais contacta e que são essenciais para o sucesso do seu negócio, procurando, por exemplo, identificar os seus melhores clientes, os produtos mais vendidos em determinado período de tempo, os fornecedores mais cumpridores dos prazos de entrega, os concorrentes e as alterações registadas no meio ambiente em que está inserida a empresa e que podem afetar o negócio; e iii) conhecer a sua capacidade de influenciar o ambiente externo em proveito próprio, de que são exemplo estratégias como saber qual o impacto da diminuição de um preço de um determinado produto, qual o segmento de clientes que deve ser visado por determinada campanha, como vencer a concorrência, entre outros. Toda esta informação pode ser obtida a partir das aplicações informáticas, que podem ser fulcrais no processo de TD. Efetivamente, tais aplicações potenciam os resultados obtidos pelas empresas, porque disponibilizam aos gestores um conjunto de indicadores sobre o negócio, não apenas referentes a acontecimentos passados, mas também necessários para traçar cenários futuros (Santos; Ramos, 2009: 2). O crescimento do uso das tecnologias da informação e da comunicação reflete-se e vai, no futuro imediato3, contribuir ainda mais para o aumento da produção e 3 A conceituada empresa Gartner, com base na análise do atual contexto económico global e das oportunidades e inovações que estão a ser preparadas na indústria, apresentou, no final do ano de 2012, onze previsões que marcarão as Tecnologias da Informação até 2017, e das quais destacamos: em 2014, os dispositivos eletrónicos dos trabalhadores infetados com malware conduzirão à duplicação dos dispositivos empresariais com o mesmo tipo de problemas e as empresas irão gastar cerca de 25% mais com software resultante da proliferação de tecnologias operacionais inteligentes; por volta de 2015, as tendências de aumento verificar-se-ão, sobretudo, nas áreas de novas soluções de hardware e software (apontam que, até 2015, 90% das empresas sejam responsáveis pela não implementação em larga escala do Windows 8, e que cerca de 40% das empresas que integram o ranking das 1000 maiores do mundo usarão mecanismos e técnicas de design de jogos para transformar o funcionamento dos seus negócios); ainda em 2015, a procura por soluções Big Data poderá gerar 4,4 milhões de postos de trabalho a nível mundial (embora estime que apenas um terço dessas ofertas será preenchido); as tendências para 2016 e 2017 incidirão nos pequenos gadgets eletrónicos e na importância das redes sociais para as empresas (estima que a indústria dos dispositivos eletrónicos chegue a um valor global que rondará os 10 mil milhões de dólares em 2016. No ano seguinte, prevê que cerca de 40% da informação de contactos das empresas estão associados ao Facebook, através do aumento da utilização de 144 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade circulação de informação digital e para o desenvolvimento da capacidade de armazenar e gerir grandes quantidades de informação, alguma dela de valor e qualidade inestimável para as organizações. Neste contexto, a aplicação do modelo INDE-InfoDecisor, que permitirá agrupar os tipos informacionais mais relevantes que se encontram dispersos pelas várias bases de dados existentes nas empresas, desempenhando um papel de “selecionador” dessa informação mais pertinente e densa e sobre a qual propomos o uso de técnicas de Data Mining (DM) e/ou On-line Analytical Processing (OLAP) para extrair informação (apresentada, por exemplo, em forma de relatórios, gráficos, etc. ). A relevância do modelo e do recurso a estas técnicas ganha mais importância quando somos confrontados com uma realidade contrastante: de um lado o aumento e multiplicação da informação armazenada e, do outro, a limitação humana para a analisar e interpretar a informação. O Data Mining permite identificar os padrões ou tendências que se podem revelar de extrema utilidade para otimizar um processo de negócio numa empresa. A sua aplicação ajuda a compreender os resultados obtidos e estende-se a áreas muito diversas como, por exemplo, em experiências médicas, no auxílio aos médicos para entender efeitos de um tratamento; na identificação de hábitos de consumo; no controlo da qualidade dos produtos e dos processos; na aprovação de créditos bancários, entre outros4. As técnicas de DM, de acordo com Ferreira (2013: 23), permitem classificar dados não estruturados em níveis e categorias e extrair dados históricos e fazer previsões e são usadas para analisar dados não organizados, e dados armazena- ferramentas de colaboração dos empregados a partir de dispositivos móveis) (http://tek. sapo. pt/tek_expert/ gartner_elege _20_tendencias_que_vao_marcar_as_1279179. html. Cons. 12 maio 2014). 4 As tarefas associadas ao DM podem ser divididas em dois grandes grupos: descrição ou previsão. A descrição permite identificar regras que caracterizam os dados analisados, retrata uma realidade atual específica, analisando com objetividade valores e tendências históricos. As descrições dos seus atributos estatísticos, visualizados através de tabelas e gráficos, permitem conhecer o passado e perceber o presente. A previsão utiliza atributos da base de dados para prever o valor de uma outra variável, permite fazer previsões e tirar conclusões através da simulação de modelos (algoritmos), que têm em atenção os padrões atuais e os comportamentos detetados. Estes modelos são testados e validados face à realidade, estão em permanente revisão em virtude da constante mudança das variáveis do meio envolvente. No fundo, é ter a capacidade prospetiva para apoiar decisões que irão ter repercussões no futuro. Santos e Ramos (2009: 127), citando Berry e Linoff, referem que esta distinção está associada à tarefa de DM que pode permitir conhecer mais sobre a informação (descrição) ou suportar o processo de tomada de decisão (previsão), mediante a identificação de modelos capazes de prever o valor de uma variável. Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 145 dos em warehouses5 e data markets. Por seu lado, as aplicações OLAP permitem fazer análises comparativas e são usadas frequentemente para integrar e disponibilizar informação armazenada em bases de dados operacionais, sistemas ERP (Enterprise Resource Planning) e CRM (Customer Relationship Management), sistemas contabilísticos e Data Warehouses. As técnicas de DM são mais utilizadas do que as de OLAP mas, de acordo com Shi et al. (2006 apud Al-ma’aitah, 2013: 23), os dois tipos de técnicas desempenham normalmente os mesmos papéis, considerando que a diferença resulta do facto de o OLAP gerar relatórios com sumário e resultados enquanto o DM, mais orientado, oferece comparações e estatísticas. Estas técnicas permitem a identificação de padrões e tendências, o que não seria possível se dependessem de um indivíduo já que é humanamente impossível imaginar e equacionar todas as possíveis relações e associações existentes em grandes quantidades de informação. Perante este cenário, cada vez mais frequente e complexo, consideramos que associar o modelo INDE-InfoDecisor a ferramentas e técnicas de análise dirigidas por computador que permitam a extração automática de informação, tanto a partir de bases de dados como de outro tipo de repositórios existentes na organização, representa uma mais-valia que viabiliza a redução de tempo e de recursos no momento de analisar e extrair a informação (com o recurso às técnicas de DM e de OLAP). Esta realidade é possível porque o próprio modelo assegura a identificação das tipologias mais pertinentes e densas, mediante a aplicação dos parâmetros definido. Consequentemente, é identificada a informação de maior valor e qualidade, sobre a qual serão usadas as técnicas de DM e de OLAP que vão extrair informação relevante para auxiliar os decisores. 5Um Data Warehouse (DW) consiste num conjunto de dados orientado por assunto, integrado, catalogado temporalmente e não volátil que apoia os gestores no processo decisório (Inmon 1996 apud Ferreira, 2013: 23-4). Rezende et al. (2003: 308) referem que para que os dados possam ser usados é necessário que estejam estruturados de modo a serem consultados e analisados de forma adequada. A construção de um DW pode reduzir significativamente a complexidade e duração do processo de DM, mas este pode ser aplicado nos dados do DW ou diretamente nos dados das bases de dados. Mas o DW facilita a centralização de dados que podem ter múltiplas origens (as fontes de informação que o alimentam podem ser, por exemplo, folhas de cálculo, ficheiros com listagens de códigos postais ou bases de dados, e outras). Todas estas fontes, independentemente da sua origem, designam-se como operacionais ou transacionais, porque estão diretamente associadas às operações básicas sobre as quais se estrutura o funcionamento das organizações. 146 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Apresentados sucintamente a relevância, as características e os pilares em que assenta o modelo INDE-InfoDecisor, passaremos a descrever sucintamente as duas fases que o constituem: diagnóstico e intervenção. Fase 1 – Diagnóstico A fase do diagnóstico é essencial porque permite caracterizar o panorama atual e identificar os problemas sobre os quais é necessário intervir. Cada empresa é única, com uma missão e objetivos próprios, com funcionários diferentes, com uma história e cultura organizacional e um contexto particulares, inserida num determinado meio ambiente com o qual interage, pelo que não é possível aplicar soluções de forma “cega”. Com efeito, uma vez que as práticas informacionais refletem as conceções e as práticas dos gestores e atores e a sua relação com a estrutura orgânico-funcional, o gestor da informação deve analisar e compreender bem essas práticas e o funcionamento da empresa, pois só assim poderá apresentar as soluções mais adequadas a cada caso. Nesta fase deve ser assegurado um conjunto de etapas, a saber: a caracterização da empresa e do meio ambiente; a análise orgânico-funcional; o recenseamento da informação; o levantamento dos processos organizacionais; a análise do sistema tecnológico; a identificação dos problemas e definição dos objetivos, das metas e das necessidades de intervenção. A caracterização do meio ambiente implica conhecer o ramo de atividade, os principais concorrentes, fornecedores, parceiros, clientes, a região onde está localizada, as leis (que regem a atividade e outras de âmbito mais geral mas que se refletem na empresa e no seu funcionamento), entre outros elementos, que permitirão conhecer melhor a empresa. Esta será uma etapa essencial para a identificação dos temas e dos agentes desse mesmo meio ambiente, que importa monitorizar, e sobre os quais se deve recolher informação, que irá fazer parte do Sistema de Informação da Empresa. Conhecer internamente a empresa significa saber quais são os seus objetivos e missão, os seus recursos (humanos, materiais, entre outros), a estrutura orgânico-funcional6, a informação que foi produzida/recebida pela empresa, os processos 6 A análise da estrutura orgânico-funcional pode ser concretizada com o recurso a várias fontes de informação: legislação e regulamentação; trabalhos editados; questionários e/ou entrevistas aos colaboradores e informação da própria empresa. Esta etapa, no caso de muitas PME, poderá levantar dificuldades porque têm Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 147 organizacionais e o sistema tecnológico de informação existente (hardware, software, grau de automatização e processos automatizados). O conhecimento dos objetivos e missão da empresa permite compreender o porquê da sua criação e existência e relaciona-se intrinsecamente com a estrutura orgânico-funcional, porque a empresa estrutura-se para alcançar os seus objetivos e cumprir a sua missão, com reflexos na produção informacional. O recenseamento de toda a informação produzida/recebida viabiliza a identificação das tipologias informacionais e, em conjunto com o conhecimento dos processos organizacionais, contribui para conhecer a empresa e o contexto de produção da informação7 e para fazer o cruzamento das tipologias de informação com a estrutura orgânico-funcional (e inclusive o seu agrupamento pelos níveis de pertinência e graus de densidade). As ações com vista ao conhecimento da organização e do meio permitirão a identificação dos problemas, o levantamento das necessidades de intervenção e a definição dos objetivos e metas que se pretende alcançar e que conduzirão à elaboração de um plano, no qual são identificadas e descritas as ações a desenvolver. Fase 2 – Intervenção A intervenção parte do diagnóstico realizado e fundamenta-se no conhecimento profundo da organização e do seu meio ambiente e deve incluir a definição das ações a implementar. A caracterização global do meio ambiente e da própria empresa permite conhecer os elementos críticos sobre os quais o plano de ação e intervenção vai incidir, nomeadamente a nível de práticas de GI pouco consistentes, pertinentes e eficazes, e a planificação e implementação do Sistema de Informação empresarial. Este potencia o uso da informação pertinente, valiosa e de qualidade, que servirá de apoio aos gestores e aos trabalhadores no exercício das suas atividades, dimensão reduzida, muitas delas com forte pendor familiar e em que, por vezes, não existe uma definição clara das funções exercidas por cada um dos trabalhadores, que podem exercer várias funções. Este processo pode revelar-se uma oportunidade para as empresas, porque as leva a refletir sobre as suas práticas do dia-a-dia e a uma possível tomada de consciência da necessidade de proceder e algumas mudanças. 7 O conhecimento da estrutura orgânico-funcional, da informação produzida/recebida pela organização e dos processos organizacionais poderá conduzir ao desenvolvimento, por exemplo, de uma classificação da informação, de instrumentos de recuperação da informação e elaboração de uma tabela de temporalidade com o objetivo de proceder a crivagens da informação, identificando aquela que interessa à empresa manter para memória e eliminar a restante. 148 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade o que, acreditamos, poderá ser assegurado com a aplicação do esquema analítico do modelo INDE-InfoDecisor. O modelo condensa as tipologias informacionais identificadas aquando do recenseamento da informação e assegura o seu agrupamento de acordo com os parâmetros pertinência e densidade. Tal procedimento exige um cruzamento com a estrutura orgânico-funcional e um profundo conhecimento dos processos organizacionais, visto que estes são elementos que possibilitam conhecer o contexto de produção da informação, o seu nível de ligação à missão e aos objetivos da empresa e a sua densidade (distinguir a informação primária da secundária, que pode ser parcelar, resumida ou cumulativa; e da progressiva (Silva; Ribeiro, 2000: 99)8. O modelo INDE-InfoDecisor deve ser alvo de avaliação periódica para aferir se: i) identifica a informação pertinente e consistente e se esta reflete as reais necessidades de informação dos gestores e dos restantes elementos da organização; ii) produziu efeito sobre os resultados da empresa (maior volume de negócio, maior rendibilidade, entre outros); iii) contribuiu para a valorização da GI e promoveu uma mudança na forma como esta é encarada e realizada (potencialmente visível na intervenção de um gestor de informação e na forma de gerir a informação mais eficazmente e no aumento das competências informacionais e tecnológicas dos gestores (e outros colaboradores da empresa). Importa ainda ter presente que as organizações estão, à semelhança dos organismos vivos, em constante mutação, o que se evidencia nas alterações da estrutura orgânico-funcional, em novas atividades que conduzem à produção/recolha de novas tipologias informacionais, pelo que justifica e torna essencial que o recenseamento das tipologias informacionais seja revisto periodicamente e a sua “classificação” de acordo com os parâmetros definidos e, para fazer a avaliação do esquema analítico, deve ser incluído o parâmetro de frequência do uso 8 Para ilustrar, a título de exemplo no Anexo A, a aplicabilidade do modelo INDE-InfoDecisor iremos descrever uma situação de tomada de decisão (situação assumida como uma ação ou tarefa humana limitada no espaço e no tempo e que não é exatamente a mesma para todas as pessoas ou grupos). Este “teste” foi realizado na empresa de média dimensão, localizada no concelho de Leiria e que trabalha na indústria transformadora e cuja situação está relacionada com os objetivos principais da empresa a elaboração de orçamento. Aí identificamos os tipos informacionais produzidos/recebidos no decurso dessa situação, e procedemos, a título de exemplo, ao seu agrupamento de acordo com os seus níveis de pertinência e densidade e respetivo seu cruzamento e quantificação (a partir da atribuição dos níveis de ponderação definidos pelo modelo). Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 149 das tipologias informacionais9 e analisar os impactos efetivos do “manual” dos tipos informacionais na tomada de decisão. Ao longo deste processo é essencial intervir de forma pedagógica junto das empresas e sobretudo dos gestores, no sentido de os sensibilizar e formar, de modo a ir ao encontro das necessidades, dos objetivos e metas definidos. A formação desempenha um papel essencial neste processo, porque será o meio privilegiado para sensibilizar os gestores das PME para a importância da GI e para a necessidade de esta ser desempenhada por profissionais com habilitações e competências para o seu exercício. Este é o caminho mais adequado para contribuir para a mudança de mentalidades na forma como a GI é encarada e realizada e no modo como pode auxiliar os gestores na TD. Apresentado o modelo, é importante que se esclareçam dois elementos transversais a esta proposta: a formação e os recursos envolvidos, especialmente os humanos. A especificidade técnica e científica da gestão da informação e a reduzida dimensão das PME nacionais que têm, em média, seis trabalhadores, revela que a solução para assegurar que a informação seja gerida por profissionais com a formação adequada pode ser possível, quer a tempo parcial quer com recurso a outsourcing ou a consultoria, ideia corroborada por Silva quando refere (2013: 39) Uma coisa, também, parece certa: nas pequenas e médias empresas e, desejavelmente, nas micro empresas, os gestores precisam de ajuda, tal a complexidade do paradigma del labirinto (Grompone, 2011) em que estamos imersos. O labirinto informacional tem entradas e, cada vez mais, parece não ter saídas com respostas completas e sólidas. A superficialidade, a fragmentação, os conteúdos efêmeros pairam pesadamente sobre o comportamento informacional dos incluídos digitais, que não revelam necessariamente (e o problema está a agudizar-se) níveis satisfatórios de literacia informacional, isto é, níveis de capacidade crítica de busca, seleção e uso da informação na internet ou em fontes de papel. Bem pelo contrário, dominar a tecnologia e navegar pela internet não significa agilidade em termos 9 Neste ponto recuperamos o terceiro parâmetro da proposta de Ribeiro e Silva (2004) para a avaliação da informação – a frequência. Recordamos que, na referida proposta, os autores atribuem um nível de ponderação de 1 valor à informação cujo uso máximo/médio seja de uma ou mais do que uma vez por semana e de 0 se for usada, em média, menos de uma vez por semana. 150 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade de literacia. Daí que se torne óbvia a necessidade de ter, seja por terceirização ou por consultoria, a presença de um gestor de informação que monitore e atualize a dimensão tecnológica (acesso à internet e utilização de aplicações adequadas de open source) e assegure a organização e as práticas mais eficientes de recuperação da informação, localizada e organizada para o uso na empresa. A afirmação do autor confirma a importância e a necessidade das PME recorrerem a um gestor de informação, com preparação técnico-científica que as auxilie a gerir a sua informação, promovendo e contribuindo para a tomada de consciência dos impactos positivos decorrentes do desempenho desta função estratégica por um profissional habilitado que auxilie a promoção da mudança de mentalidade e uma valorização efetiva da função. Este profissional deve apoiar os decisores em vários pontos: assegurar a GI de modo a promover práticas mais eficientes de localização e recuperação de informação para o uso na empresa; disponibilizar um “manual” que agrupa a informação de acordo como seu valor e qualidade e que resulta da aplicação do modelo INDE-InfoDecisor; e ajudá-los a fazer face à necessidade crescente de competências de literacia informacional e tecnológica, auxiliando-os a desenvolver competências que lhes permitam pesquisar, obter e avaliar a informação quanto à sua pertinência, confiabilidade, autenticidade, especificidade e rigor, de acordo com as necessidades e os problemas colocados. Este último item pode ser fomentado e alcançado mediante a realização de ações de formação e acompanhamento por parte do gestor de informação quer junto dos gestores quer junto dos outros elementos da empresa que os auxiliem a compreender, valorizar e executar algumas das práticas relacionadas com as atividade de GI, explicando quais as tarefas associadas, a sua utilidade e a forma como estas podem e devem ser executadas, de modo a assegurar uma gestão mais eficiente e eficaz, executada por gestores de informação com uma sólida formação em Ciência da Informação, que lhes permita serem profissionais polivalentes, capazes de intervir em qualquer contexto produtor de fluxo informacional. Mas, para que este recurso a gestores de informação pelas PME seja uma realidade, é imprescindível promover uma mudança de mentalidades, caminho que se afigura longo, pelo que é imprescindível e necessário multiplicar iniciativas, medidas, estratégias e ações de formação. A noção dos desafios que se colocam às PME e aos seus gestores, a sua importância na economia dos países e as transformações do mundo globalizado exigem uma intervenção no sentido de iniciar um processo Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 151 de sensibilização e mudança de mentalidade, capacitando-os a procurar, selecionar, avaliar e usar a informação, a recorrer às TIC de forma habilitada e a transportar essa mudança para dentro das empresas, contagiando os restantes trabalhadores e usando esse elemento como catalisador e potenciador do desenvolvimento organizacional. As PME beneficiam de um conjunto de programas de apoio, nomeadamente de formação, promovidos pelo Estado e pelas associações empresariais, comerciais, industriais e mistas (a Região Centro tem mais de 200 associações que prestam apoio às empresas, funcionando em alguns casos como intermediários na gestão dos apoios financeiros do Estado às PME). É importante que a nível destes programas se coloque e aborde a temática da GI visando uma intervenção nesta área junto das PME, sensibilizando e formando. A forma de chegar às empresas será menos difícil se partir da iniciativa governamental, envolvendo o Ministério da Economia e outros parceiros nomeadamente, através da participação indispensável das supracitadas associações. Estes organismos fazem, em vários casos, a ligação entre o Estado e as próprias empresas e desenvolvem diversas iniciativas e programas de apoio, pelo que nos parece que o seu envolvimento é essencial. Em conjunto deveriam lançar dois tipos de iniciativas: ações de formação adequadas e concebidas a partir do diagnóstico, por formadores qualificados que atuem junto das empresas, que apoiem e sensibilizem para a GI, e iniciativas e projetos que levem especialistas nesta área até às PME, prestando-lhes apoio técnico e científico. A intervenção do gestor da informação assegura a sua gestão e monitorização por profissionais habilitados a realizar diagnósticos informacionais, a conceber, desenvolver e implementar produtos e serviços de informação, na linha do defendido por Taylor os produtos e serviços de informação e os sistemas de informação em geral deveriam ser desenvolvidos como grupos de actividades que acrescentam valor à informação que está a ser processada de forma a ajudarem os utilizadores a tomar decisões mais acertadas e a perceberem melhor as situações e, em última instância, a agir de uma maneira mais eficaz (Taylor, 1986 apud Pinto e Silva: 15). Na sequência da afirmação de Taylor, o modelo de intervenção proposto visa a valorização da GI mediante a sensibilização e formação para a sua importância e para 152 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade a necessidade de práticas mais eficazes e eficientes nas PME, de modo a ajudar os decisores a tomar decisões de forma mais assertiva e “informada”. Mas este desígnio afigura-se difícil de alcançar no curto prazo porque significa transformar o estado atual que, como vimos, deriva de uma questão mental de encarar a GI: realizada de forma incipiente e/ou parcelar por indivíduos que, a par desta função, exercem muitas outras, sem a necessária preparação para o desempenho da função. Consideramos que é essencial, no terreno, a intervenção de gestores de informação que contribuam, com o seu trabalho, para um melhor funcionamento das PME e para que todos, com especial destaque para os seus gestores, tomem consciência das vantagens da GI e da sua execução por gestores de informação, com reflexos na qualidade das decisões tomadas. Conclusão O modelo INDE-InfoDecisor visa determinar a informação que interessa e a que não interessa no processo decisório, permitindo disponibilizar uma espécie de “manual” dos tipos informacionais mais relevantes, de modo a ajudar os decisores a serem rápidos e eficientes na tomada de decisão. Mas além deste carácter mais objetivo e prático, o modelo pressupõe, ainda, ações de sensibilização e de formação junto dos gestores e das empresas para os alertar para a importância e a necessidade de alterar as práticas de GI porque as organizações que gerem a sua informação de forma eficaz e eficiente estão mais habilitadas a dar respostas competentes nos mercados competitivos e cada vez mais exigentes em que atuam e em que apenas as mais fortes sobrevivem. O esquema analítico que condensa o modelo foi aplicado numa empresa de média dimensão e com atividade na indústria transformadora mas é essencial e imprescindível alargar a sua aplicação a mais casos e proceder à sua monitorização e à avaliação dos resultados obtidos, implementando alterações e correções consideradas importantes e que possam acrescentar valor e melhorar o próprio modelo. O modelo e o próprio esquema analítico que o condensa devem ser alvo de avaliação periódica, sobretudo para verificar a atualidade da lista de tipologias informacionais e para confirmar o seu agrupamento de acordo com a respetiva densidade e pertinência, porque podem ir sofrendo alterações (algumas podem tornar-se obsoletas e/ou existir a necessidade de incorporar outras) que se refletem no seu funcionamento, objetivos e na produção informacional. Importa, igualmente, avaliar se a Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 153 informação identificada como pertinente, relevante e consistente vai ao encontro das reais necessidades de informação e se auxilia os gestores a decidirem melhor e mais rapidamente. Importa, ainda, aferir o impacto no comportamento dos gestores, bem como os reflexos e a relação entre a formalização e atuação dos gestores da informação, no processo de TD e nos resultados económicos da empresa; se promoveu e contribuiu para a valorização da GI, sobretudo na forma como esta é encarada e realizada (melhoria das suas práticas e aumento das competências informacionais e tecnológicas dos gestores e outros colaboradores da empresa). A agregação do esquema analítico às bases de dados existentes na organização e posterior aplicação de técnicas de Data Mining e/ou de On-line Analytical Processing permitirá fazer pesquisas rápidas e extrair informação essencial para os gestores. Estas técnicas permitem pesquisar e fazer análises a partir de grandes quantidades de informação armazenada nas bases de dados e nos repositórios organizacionais (internas e externas, sendo que podem englobar bases de dados, emails, folhas de excel, ficheiros de escrita, e outros) e disponibilizá-la sob a forma de relatórios, gráficos, etc. A associação do modelo INDE-InfoDecisor e destas técnicas tem a vantagem de proceder a uma “limpeza” da informação, permitindo trabalhar com a que é efetivamente mais relevante, destacando-a da restante, reduzindo e evitando perdas de tempo e assegurando maior rapidez na pesquisa e extração de informação e permitindo a extração de padrões e tendências que poderão ser essenciais para a gestão da empresa, permitindo-lhes prever e/ou antecipar cenários. Referências AL-MA’AITAH, Mohammad A. – The Role of Business Intelligence Tools in Decision Making Process. International Journal of Computer Applications. ISSN 0975 -8887. 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Modelo INDE-InfoDecisor para a gestão de informação e a tomada de decisão 155 Anexo A Tabela 3 – Exemplo da aplicação do modelo INDE-InfoDecisor à situação de elaboração de orçamento. Pertinência Tipologias A Atas de reunião da Administração Contratos de obras Par. Res. Cum. ciação -gressiva Global 2 1 1 2 1 1 1 2 1 2 Dossier da obra 1 Listas de materiais 1 1 2 Orçamentos 1 1 2 Pedidos de orçamento 1 1 2 1 1 2 Projetos e desenhos técnicos Registos de pedidos de orçamento 156 C Pro- 1 orçamentos clientes B Secundária ria Apre- 1 Controlo de Correspondência Primá- Níveis Informacionais Densidade 1 1 1 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 2 2 COOPERAÇÃO EM REDES COOPERAÇÃO E M R E D ES 5 A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o enfoque da Teoria X e Y de McGregor: Um estudo empírico Francisco Alberto Severo de Almeida 1Introdução É extensa a literatura sobre a cooperação empresarial e seus benefícios em relação a formulação de estratégias corporativas ou genéricas visando a performance dos negócios das empresas (Porter,1989; Hill et al,2005; Mintzenber1998; Wright et al, 2000; Harbison e Pekar,1999: Yoshino e Rangan, 1996; Hooley, Saunders e Piercy, 2001). Por outro lado, estudos empíricos têm demonstrado a importância da estratégia cooperativa como uma ferramenta de gestão para potencializar e incrementar o crescimento e desenvolvimento das Pequenas e Médias Empresas– PMEs, mediante a utilização da aliança estratégica, rede de cooperação ou consórcios (Dickson et. al, 2006, Franco, 2003; Silva, 2005; Powel and Grodal,2005; Ireland et al, 2001; Veciano, 1999; Vries 2006). A inserção das PMEs no cenário competitivo dos negócios e as profundas mudanças do mercado globalizado tem requerido uma gestão empresarial de rápidas e contínuas formulações de estratégias, tanto em nível de estratégia corpora159 tiva quanto em nível de estratégia genérica, com vistas a promover o crescimento e a competitividade das empresas nos diversos segmentos de mercado. A estratégia cooperativa é um fenômeno que ao longo da década está sendo retratado como uma tendência, em especial no segmento das pequenas e médias empresas. Em Portugal, Franco (1998, p. 42) registra a importância da cooperação empresarial enfatizando: A crescente competitividade internacional, a aceleração do progresso tecnológico e uma continuada sofisticação dos mercados, cliente, fornecedores, colocam as pequenas e médias empresas (PME) portuguesas perante desafios que só novas abordagens estratégicas permitirão superar. Neste contexto, a cooperação entre empresas apresenta-se como uma resposta apropriada a estes desafios, permitindo a estas pequenas e médias empresas, em domínios tão diversos, reforçar e/ou completar os seus limitados recursos, sem pôr em risco a sua individualidade. E Silva (2005), numa abordagem sobre rede de cooperação de micro e pequenas empresas no Brasil, descreve a importância que as redes de cooperação têm com o desenvolvimento econômico e social do Brasil, bem como a valorização das PMEs com agentes do desenvolvimento e assim se expressa: [...] os ensinamentos colhidos com a aplicação de diferentes formas de alianças empresariais em outros países [...] e as experiências em andamento no Brasil têm contribuído para a formação de uma cultura própria de redes de cooperação. Essa cultura está fundamentada na valorização de iniciativas de indivíduos e de comunidades que viram, no associativismo, uma alternativa para alcançar vantagem competitiva para as pequenas empresas, e é fortalecida pelo respeito e estímulo às vocações locais e regionais. As empresas, ao adotarem a estratégia de cooperação como uma ferramenta para obter vantagens competitivas, precisam nortear e disciplinar o compartilhamento e o uso dos seus recursos, capacidades e competências essenciais. Franco (2003), em investigação sobre a cooperação empresarial em Portugal, ressalta que, no processo de cooperação entre empresas a compatibilidade manifesta-se numa consistência nas estruturas, procedimentos e estilos de gestão. 160 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Porém, para compreender o processo da cooperação empresarial entre as Empresas é preciso conhecer as suas formas de relações orgânicas (de acordo com os padrões e as normas legais), definidas entre os parceiros ou de forma social (relação informal) baseada em normas e valores sócio-cultural. Tais fatores são determinantes para definição do estilo de gestão e de governança corporativa que as firmas adotam na cooperação empresarial. Portanto, o fortalecimento ou fracasso cooperação empresarial, em razão de suas caracteristicas, tipologias e dos seus resultados, está diretamente ligado às práticas de gestão e de governança cooperativa. O fenômeno da gestão e da governança cooperativa pode ser visto e estudado sob diversos primas, entre eles, o da cultura organizacional. A cultura organizacional é uma variável muito importante para o sucesso das estratégias cooperativas. Diferenças culturais nos estilos de gestão podem levar à descontinuidade das alianças estratégicas, segundo Semenik e Bamossy (1995). A importância dos valores institucionais é enfatizada por Peters e Waterman (1982), ao afirmarem que qualquer organização, para sobreviver e alcançar sucesso, deve possuir um conjunto sólido de crenças nas quais alicerçam suas políticas e ações. Entretanto, observa-se que a simbiose de culturas diferentes entre empresas cooperantes traz certos conflitos de cultura e de estilos de gestão, devido à natural resistência das pessoas em mudar. Bowersox (1998) afirma que desenvolver atitudes voltadas ao funcionamento de uma aliança requer uma porta aberta e um espírito aberto. Esta atitude não é fácil para gerentes formados em uma tradição de atitudes de confrontação. Mas, segundo Hammer (1997), apesar das muitas diferenças, a maioria das culturas organizacionais contemporâneas apresenta grandes semelhanças. Tais semelhanças culturais existentes entre as organizações conduzem-nos a investigar os valores gerenciais das empresas, tendo como base a teoria X e Y de MacGregor. Por inferência é possível estabelecer estilos gerenciais focados em uma cultura tradicional (teoria X) ou em uma cultura gerencial motivadora (teoria Y). Morgan (1996) enfatiza que as organizações estruturadas de forma mecanicista têm maior dificuldade de se adaptar a situações de mudanças porque são planejadas para atingir objetivos predeterminados; não são planejadas para a inovação. Para Peters e Waterman (1982), embora a realidade convencional dos negócios pareça ser a mola propulsora dos negócios, ela é simplesmente incapaz de explicar a maior parte daquilo que faz com que as empresas de alto padrão funcionem. A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 161 Portanto, pode-se inferir que a adoção de estratégias cooperativas se constitui em uma ferramenta de grande valia para promover a alavancagem competitiva das organizações. Entretanto, as diferenças culturais entre as organizações podem dificultar e trazer instabilidade ao processo de cooperação. Desta forma, surge o paradoxo entre o processo da cooperação e o estilo de gestão. Assim, o objetivo deste trabalho é descrever o estilo de gestão das Empresas da região sudoeste de Minas Gerais com base nos pressupostos da teoria X e Y de Mac Gregor e apresentar a visão gerencial dessas firmas, a partir dos pressupostos básico da abordagem mecanicista, organicista e de cooperação empresarial 2Contribuições Teóricas sobre Cultura Organizacional, Cooperação Empresarial e Teoria X e Y 2.1 Cultura Organizacional É ampla e multidisciplinar a abordagem sobre o conceito de cultura: o arcabouço de valores, crenças e atitudes e o comportamento descrito como regra de ação, de conduta ou ponto de vista que regem determinado sistema social, cujos fenômenos são investigados pelas áreas da sociologia, antropologia, da psicologia organizacional e da teoria comportamental e das organizações (Stewart e Glynn, 1971; Linton, 1980; Bennis, 1976; March e Simon,1966; Etzioni,1976; Rabelo et. al, 2001; Tronpenaars,1994; Gelfan, Erez e Aycan, 2006; Pires e Macedo, 2006; Carvalho, 2007) A compreensão da estrutura e funcionamento de uma organização dá-se mediante o conhecimento das relações formais e informais que os atores consolidam ao longo do tempo. As relações informais são representadas pelos elos do sistema social organizacional e constituem-se em um contínuo de disseminação cultural – crenças, atitudes e valores. Essas relações informais formam no decorrer do tempo o fenômeno denominado de cultura organizacional. Segundo Rabelo et. al, (2001), a cultura organizacional constitui um patrimônio comum com o qual os seus membros se identificam e representa uma forma de aprendizagem organizacional. A cultura organizacional transcende ao ambiente empresarial, a medida que as empresas se relacionam com o ambiente de negócios. Segundo Carvalho (2007), as restrições que o ambiente externo impõe à organização podem ter caráter tecnológico, físico, econômico, cultural, entre outros. Para Tronpenaars (1994), a cultura organizacional não compreende tão somente as preferências culturais de líderes e 162 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade empregados, mas também as tecnologias e mercados. Gelfan, Erez e Aycan (2006) corroboram com esta posição ao afirmarem que em um mundo de oferta global de oportunidades e ameaças, a compreensão e o gerenciamento das diferenças culturais tornam-se necessários. Neste mundo cada vez mais competitivo, o papel da cultura organizacional torna-se fundamental. Para Kotter e Heskett (1994), muitas culturas são verdadeira âncoras do desenvolvimento competitivo das empresas. Novamente Kotter (1998) diz que a cultura de uma organização deve se constituir em um ativo estratégico que lhe permita competir em vez de agir como empecilho. Entre os valores que necessitam estar presente nas culturas das empresas estão a inovação, a flexibilidade e a capacidade de cooperar para competir. É possível o entendimento de que uma cultura pode e deve ser realinhada em razão dos embates competitivos, pois como diz Schein (2001), o ato de reorganizar e comunicar uma determinada visão cultural começa no topo da empresa. Desta forma, pode-se inferir a importância da cultura organizacional no processo de cooperação empresarial. A cultura organizacional é um elemento que promove o fortalecimento ou fracasso do processo de cooperação empresarial, ao nortear as práticas de gestão e de governança corporativa que estabelecem o equilíbrio das relações de forças entre os objetivos da cooperação e a gestão organizacional, de tal sorte que seus membros efetivamente compartilhem conhecimentos e habilidades. Diversos autores como Isaacs (1999), Schein (2001) e Barros et al (2003) concordam que ficam mais visíveis alguns aspectos dessa relação de forças em casos de incorporação de uma empresa com outra, e acontece o encontro de duas culturas diferentes. A integração dessas culturas varia de acordo com os objetivos a serem atingidos, o que determina o modelo de gestão a ser adotado. Barros et al (2003) identificaram três níveis de aculturação que podem ocorrer nesse caminho para a completa cooperação entre as duas culturas: a assimilação cultural, a mescla cultural e a pluralidade cultural. Segundo Ouchi (1982), a vida organizacional é uma vida de interdependência, de confiança nos outros. É também uma vida de ambiguidades. Nessa linha de pensamento, Dickson et. al (2006) relatam a importância dos valores culturais entre empresas cooperantes, ao afirmarem que o comportamento oportunista entre um ou mais parceiros de uma aliança é tido como a primeira causa de fracasso na realização de metas e propósito das parcerias. A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 163 2.2 Cooperação Empresarial A relevância do sistema de cooperação empresarial, a compreensão das relações entre suas formas e o processo de cooperação e suas combinações baseadas em contratos formais (acordos, consórcios e alianças estratégicas, etc. ) ou aquelas consubstanciadas em relações informais dos seus componentes estruturantes (membros de comunidades profissionais, associações de comércio, etc. ), que compartilham interesses comuns, são evidenciados e descritos por vários autores, bem como suas tipologias de estratégias cooperativas (Bateman e Snell, 1998; Franco, 1998; Hilt, Ireland e Hoskisson, 2005; Hooley, Saunders e Piercy, 2001; Porter, 1998). A estratégia cooperativa tem-se revelado como um instrumento potencializador para incrementar o crescimento e desenvolvimento das Empresas. Portanto, a compreensão da gestão do processo de cooperação empresarial precisa ser pensada empregando uma visão sistêmica. Farah (2001), ao tratar do empreendedorismo estratégico reforça esse pensamento afirmando: O ambiente empresarial impõe pressões sobre as organizações. Estas, impostas pelos diversos segmentos ambientais, diferenciam-se em forma e grau, constituindo-se em ameaças e oportunidades que as empresas deverão responder. As mesmas deverão acompanhar esta evolução ambiental modificando seus sistemas para responder adequadamente às novas mudanças, ao mesmo tempo em que criam sistemas com fins específicos para lidar com as mudanças. Por outro lado, a cooperação entre empresas permite ainda integrar diversos intervenientes de dimensões diferentes – as pequenas e médias empresas (PMEs) e as grandes empresas. Essas cooperações desenvolvem-se nos ambientes de oportunidades de negócios na expectativa de combinar recursos, capacidades e competências essenciais. Os fenômenos da cooperação empresarial, quanto a sua natureza e aplicabilidade, realizados a partir de acordos de cooperação, são definidos por Franco apud Sánchez (2001), como: “Verticais – aqueles em que existe uma relação comprador-vendedor entre os sócios; Competitivos horizontais – realizados por empresas que competem no mesmo mercado; Complementares horizontais – levados a cabo por empresas que comercializam produtos complementares” 164 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Franco (2001), sobre cooperação entre empresas, apresenta o quadro abaixo, onde descreve o processo de cooperação, de acordo com a sua natureza e área de aplicação no contexto das Pequenas e Médias Empresas: Quadro 01 – O processo de cooperação, sua natureza e área de aplicação NATUREZA DA ÁREA DE APLICAÇÃO ESTRATÉGIA TECNOLOGIA VERTICAL O R I Z COMPETITIVA H PRODUÇÃO MARKETING Fornecimento de tecnologia Fornecimento industrial Compra exclusiva Acordos universais Distriubuição exclusiva Laboratórios conjuntos Distribuição seletiva Repartir tecnologia Associação com clientes Laboratórios conjuntos Economia de escala Juntar recursos Repartir tecnologia Especialização Expandir a procura Repartir recurso Serviços de pós-venda Limitar a produçaõ Repartir marcas Venda comum O T A L COMPLEMENTAR N Intercâmbio de tecnologia Licença cruzada Projeto conjunto Comercialização conjunta Associação para vender Serviços reais Fonte: Franco, Mário José B. , Cooperação entre empresas, meio de redimensionamento e reforço da competitividade das PMEs Portuguesas, Série de Estudos Econômicos e Empresariais, Fundação Nova Europa, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2001. A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 165 Embora a cooperação empresarial seja uma potencializadora de negócios permitindo às pequenas e médias empresas cooperantes darem respostas rápidas às demandas do mercado em razão flexibilidade em moldar as relações empresariais, a mesma está sujeita a riscos. Esses riscos são inerentes ao processo da gestão da cooperação das empresas, principalmente aqueles relativos às diferenças culturais e organizacionais entre os parceiros. O IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, de Portugal, em estudo de caso sobre cooperação interempresarial, relativo a Indústria Textil e Vestuário Portuguesa, retrata o problema das diferenças culturais expressando: Ao lado dos ganhos potenciais, a cooperação empresarial também possui riscos e inconvenientes. Isto acontece principalmente porque, na maioria dos casos, a cooperação requer uma enorme flexibilidade e capacidade de gestão de conflitos que resultam das diferenças culturais e organizacionais normalmente existentes entre os parceiros. Para evitar este problema, as empresas cooperantes devem ser bastante similares de filosofia cultural e de gestão 2.3A Teoria X e Y de McGregor Na década de 60, Douglas McGregor, em seu livro The Human Side of Enterprise, propôs um conjunto de pressupostos relativos ao comportamento e a motivação humana classificados como teoria X e Y, em que descreve uma série de aspectos culturais, de valores e crenças que condicionam o comportamento humano nas organizações. Os pressupostos da teoria X e Y são assim descritos: 166 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Quadro 2 – Pressupostos da Teoria X e Y TEORIA X TEORIA Y Pessoas médias têm aversão ao trabalho, por O trabalho é uma atividade humana natural isso procuram evitá-lo As pessoas não são passivas ou resistentes as mudanças e A maioria das pessoas precisa ser controlada e as necessidades da organização, elas são frutos da experidirigida para esforçar-se no sentido de atingir ência dessa organização os objetivos organizacionais A motivação, o potencial de desenvolvimento profissional As pessoas médias desejam segurança e de- e a capacidade de assumir responsabilidades são inerentes sagradam-lhes a responsabilidade, por isso a pessoa humana a necessidade de cargos detalhados pela A capacidade inovativa e engenhosidade na solução de administração problemas organizacionais são relativamente presentes A maioria das pessoas é, por natureza, resisten- nas pessoas te as mudanças A auto-direção, o autocontrole e a estima são exercidos pelas pessoas na busca da consecução dos objetivos organizacionais, quando estas se integram ao processo de gestão. Fonte:Esses conceitos estão presentes nos compêndios clássicos sobre a teoria organizacional (Albers, 1976; Shaughnessy, 1976; Chiavenato, 1979; Warlich, 1974; Scalan, 1979; Trewatha e Newport, 1979). Porém, autores contemporâneos como Morgan (1996) e Nobrega (1996), fazem uso de metáforas para explicarem o caráter complexo e paradoxal da vida organizacional em que se transformou a visão da organização pelo conceito mecanicista (a organização tradicional) e orgânica (organização sistêmica), cujas premissas podem ser associadas aos pressuposto da Teoria X e Y de Mcgregor. Morgan (1996) traça o perfil das características organizacionais, a partir dos subsistemas de estratégia de gestão, tecnológico, humano /cultural, estrutural e gerencial, onde é possível relacionar os referidos subsistemas a alguns pressupostos da teoria X e Y. (Quadro 3) A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 167 Quadro 3 – Sistemas organizacionais associada aos pressupostos da teoria X e Y de Mcgregor SISTEMAS ORGANIZACIONAIS AMBIENTE SUBSISTEMAS ORGANIZA- MECANICISTA Estável e seguro ESTRATÉGIA DE GESTÃO ORGÂNICO Turbulento e imprevisível Defensivo, fixação de objetivos Pró-ativo, criação de um operacionais sistema de aprendizagem Papéis rotineiros, pouca Papéis complexos, muita autonomia autonomia CIONAIS TECNÓLOGICO Orientação para autoHUMANO/ Orientação para o trabalho eco- -realização no trabalho: CULTURAL nômico / instrumental interesse central da vida Orgânico ESTRUTURAL Mecanicista / burocrático Democrático GERENCIAL Autoritário (teoria y) (teoria x) Fonte: Adaptado de Morgan, Gareth, Imagens da organização, São Paulo, Atlas,1996 Já para Nobrega (1996), essa visão dicotômica de gestão empresarial – mecanicista e orgânica – torna-se pouco percebida, face à predominância da linearidade herdada dos conceitos clássicos em administração (pressuposto da teoria X). Entretanto, para ele, a nova realidade é expressa pela nova lógica da empresa quântica, que opera em um ambiente de complexidade – turbulento e imprevisível; orgânico, pois vence a entropia mantendo-se aberto e relacionando-se com ambiente; sistemas criativos que ao lidarem com a complexidade aprendem e se adaptam e se auto organizam (pressupostos da Teoria Y). Nobrega (1996, p. 319), na defesa da empresa quântica ressalta: 168 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Sistemas complexos, com uma multiplicidade de agentes interagindo, só funcionam se houver flexibilidade, o que contraria nossa intuição mecanicista. Por ela seriamos levados a imaginar que, quanto mais complexo o sistema, mais detalhadas deveriam ser suas instruções de funcionamento e mais ‘atarraxados’– rigidamente conectados– deveriam estar os elementos do sistema para garantir o resultado final. A lógica da rede diz o contrário. As conexões têm que ser flexíveis, os graus de liberdade tem que ser tão grandes quanto possível; a liberdade de experimentação total. Por último, os agentes individuais, os nós da rede, precisam ter a capacidade de obter e processar a informação a respeito do ambiente e de reagir de acordo 3A metodologia da pesquisa A metodologia da pesquisa é de caráter exploratório e descritivo, com base bibliográfica e de pesquisa de campo. A revisão bibliográfica foi estruturada a partir de compêndios clássicos de administração com objetivo de resgatar uma base teórica que fundamenta a conceituação de cultura organizacional e a Teoria X e Y. A abordagem sobre cooperação empresarial está alicerçada em bibliografias e artigos contemporâneos. A pesquisa de campo foi realizada mediante a aplicação de um questionário estruturado, com 23 questões, em meio eletrônico, com perguntas fechadas e fundamentadas na escala Likert. Os respondentes poderiam responder apenas uma das alternativas para cada questão. As questões abrangeram as seguintes grandes variáveis Características da Empresa, Teoria X e Y e Cooperação Empresarial com os seguintes objetivos: 1) obter um perfil das empresas pesquisadas e classificá-las pelo porte, segundo o critério do SEBRAE; 2) identificar nas Empresas pesquisadas, sob o enfoque da Teoria X, indícios da cultura organizacional baseada nos pressupostos da abordagem mecanicista, tendo como referência a visão gerencial do respondente; 3) identificar nas Empresas pesquisadas, sob o enfoque da Teoria Y, indícios da cultura organizacional baseada nos pressupostos da abordagem orgânica, tendo como referência a visão gerencial do respondente; A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 169 4) identificar nas Empresas pesquisadas, sob o enfoque da cooperação empresarial, indícios da cultura organizacional baseada nos pressupostos da cooperação empresarial, tendo como referência a visão gerencial do respondente; Os respondentes foram gestores empresas estabelecidas no Sudoeste de Minas Gerais, cujo acesso foi facilitado pela ADEBRAS – Agencia de Desenvolvimento Regional do Sudoeste Mineiro, que encaminhou eletronicamente os questionários às empresas. Foram enviados 186 questionários, dos quais 36 foram respondidos, amostra considerada suficiente pelos autores, para a finalidade a qual se destinava. 4Análise do resultado da pesquisa empírica Na análise preliminar dos dados, das respostas obtidas, depois de consolidadas e tabuladas, constatou-se que a amostra das empresas respondentes a maioria se enquadrava como PMEs. Conforme demonstra o gráfico abaixo: Perfil das Empresas 30,56 33,33 13,89 22,22 1 Mccroempresa 2 Pequena Empresa 3 Media Empresa Grande 4 Empresa Na classificação das empresas pelo seu tamanho, 33,33% dos respondentes tinham de 0 a 9 funcionários, sendo classificadas como micro empresas; 22,22% possuíam de 10 a 49 funcionários, classificadas então como pequenas empresas e 13,89% possuíam de 50 a 99 funcionários, sendo classificadas como médias empresas, e os demais 30,56 % com acima de 100 funcionários. Portanto, 69,44 % das empresas respondentes se encontram dentro dos parâmetros estabelecidos pelo 170 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade SEBRAE para classificar e distinguir a micro, pequena e média empresa pelo critério de número de funcionários. A análise para identificar indícios das características da cultura organizacional baseada na abordagem mecanicista, a partir dos fundamentos da Teoria X de McGregor, nas empresas pesquisadas, pautou-se em um conjunto de questões que pontuavam a presença de características de uma organização clássica, cujos resultados são apresentados na Tabela 1– Visão gerencial com enfoque na Teoria X TABELA 1 - A VISÃO GERENCIAL COM ENFOQUE NA TEORIA X A VISÃO GERENCIAL TEORIA X VARIAVEL ANALISADA 1 % 2 % 3 % 4 % O gerente precisa ser um sujeito prático: deixar de lado as teorias e " tocar para frente" o seu pessoal, se quiser atingir as metas prefixadas 25,00 22,22 47,22 5,56 As pessoas , em geral, só trabalham porque precisam garantir o pão para si mesmos e para a própria familia 25,00 27,78 38,89 8,33 2,78 41,87 41,67 13,89 ) O gerente precisa ser realista, exercer um controle direto e, muitas vezes ,exercer uma vigorosa pressão sobre os subordinados, se quiser alcançar as metas organizacionais 16,67 33,33 30,59 19,44 ) È natural que as pessoas sintam aversão ao trabalho, se pudessem, bem que o evitariam 27,79 38,89 30,56 2,78 A maioria das pessoas não deseja assumir responsabilidades no trabalho , mas prefere ser dirigida 11,11 36,11 44,44 8,33 O pessoal, em geral, tem pouca criatividade e pouca iniciativa quando se trata de resolver os problemas da organização 13,89 44,44 33,33 8,33 No trabalho, a maioria das pessoas procura economizar esforços, utilizando com parcimônia as próprias potencialidades PRESSUPOSTOS DA BORDAGEM MECANICISTAS 1- Discordo totalmente 2- Mais discordo do que concordo 3- Mais concordo do que discordo 4- concordo totalmente Na análise das questões que pontuavam as características consideradas como indicadoras de uma organização clássica, mecanicista, portanto, dentro dos padrões da Teoria X, se identificou alguns indícios de cultura organizacional inerentes aos A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 171 pressupostos da abordagem mecanicistas os quais se destacam: Para 55,56 % dos gestores das empresas pesquisadas as pessoas procuram economizar esforços e utilizam pouco da sua potencialidade de trabalho; e 52,77 % comungam com a posição de que as pessoas não gostam de assumir responsabilidade, portanto preferem ser dirigida; Outro dado relevante, refere-se ao pressuposto de que as pessoas tem aversão ao trabalho, embora 66,68% dos gestores discordem deste posicionamento, ainda, há um percentual significativo de 33,32% que comungam com esse pensamento; Finalmente, considerando o conceito de esperança matemática para a média aritmética das questões apresentadas em relação as respostas discordo totalmente e mais discordo do que concordo, pontuada em 52,41% pelos respondentes, pode-se, então, inferir que há probabilidade da cultura organizacional da maioria das empresas pesquisadas centrar-se nos pressupostos da abordagem mecanicista. Portanto, se enquadram nos fundamentos da Teoria X. Todavia, cabe ressaltar o percentual de 47,62% de gestores com tendência contrária a esse posicionamento clássico de administração. Por outro lado, no contexto das Empresas pesquisadas, em referência aos pressupostos da abordagem orgânica, pontuada com base na Teoria Y de McGregor, obtiveram-se os seguintes resultados, conforme são apresentados na Tabela 2 – A visão gerencial com enfoque na Teoria Y 172 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade TABELA 2 - A VISÃO GERENCIAL COM ENFOQUE NA TEORIA Y A VISÃO GERENCIAL TEORIA Y VARIAVEL ANALISADA 1 % 2 % 3 % 4 % Se estiver comprometida com os objetivos de seu trabalho, a pessoa poderá tornar-se criativa e autodirigir-se 2,78 16,67 36,11 44,44 Havendo condições adequadas, o trabalho é tão natural ao homem quanto a recreação 2,78 25,00 41,67 30,56 Diante dos problemas organizacionais é comum as pessoas tornarem-se criativas e tomarem iniciativas 5,56 33,33 50,00 11,11 3,13 46,88 50,00 0,00 As potencialidades das pessoas são muito pouco aproveitadas em sua esfera de trabalho 11,11 5,56 58,33 25,00 Há ocasiões em que só é possível alcançar os objetivos da organização se houver autocontrole 0,00 13,89 38,89 47,22 São muitas pessoas que trabalham não apenas para assegurar a manutenção própria e da sua familia,mas sim por uma questão de de auto-realização profissional e pessoal 5,56 22,22 36,11 36,11 A relutância das pessoas face à autodireção e as novas responsabilidades geralmente é PRESSUPOSTOS DA ABORDAGEM ORGÂNICA apenas conseqüência de suas anteriores experiências 1- Discordo totalmente 2- Mais discordo do que concordo 3- Mais concordo do que discordo 4- concordo totalmente As questões que indicam a presença de características de uma organização orgânica, com uma cultura organizacional centrada nos pressupostos da Teoria Y de McGregor, produziram resultados surpreendentes quando relacionada aos aspectos da motivação, o comprometimento e o autocontrole na busca dos objetivos do trabalho. Para 80,55 % dos gestores, as pessoas comprometidas tornam-se criativas e autodirige-se e buscam uma autorealização profissional e pessoal(72,22%); destaca-se, também, o indicativo 83,33 % que pontuam o pouco aproveitamento da potencialidades das pessoas em sua esfera de trabalho. Por outro lado, observa-se, ainda, posicionamento dicotômico dos gestores pesquisados, pois 50% pontuam que as A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 173 pessoas relutam em buscar uma autodireção e novas responsabilidades face as suas experiências passadas. Portanto, considerando o conceito de esperança matemática para a média aritmética (72,22%), das respostas dadas como: concordo mais do que discordo e concordo totalmente, pode-se inferir, pelo elevado percentual, que há fortes indícios em relação a uma cultura baseada nos pressupostos da abordagem organicista nas empresas pesquisadas. Todavia, é preciso uma dose de cautela com relação a esses resultados, uma vez que esses dados são baseada em uma análise descritiva. Entretanto, pode-se buscar o aprofundamento dessa análise aplicando uma análise multivariada. Por último passa-se a análise das questões que indicam a presença de características dos pressupostos para a cooperação empresarial. A Tabela 3 – A visão gerencial com enfoque em cooperação empresarial mostra os resultados obtidos na pesquisa, em referência a identificação de uma cultura organizacional propensa a cooperação empresarial. 174 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade TABELA 3 - A VISÃO GERENCIAL COM ENFOQUE EM COOPERAÇÃO EMPRESARIAL COOPERAÇÃO EMPRESARIAL PRESSUPOSTOS PARA COOPERAÇÃO EMPRESARIAL 1- Discordo totalmente A VISÃO GERENCIAL VARIAVEL ANALISADA 1 % 2 % 3 % 4 % A minha empresa está preparada para compartilhar dados e informações com outras empresas, visando a ampliação do seu negócio 2,78 27,78 44,44 25,00 Vejo a parceria entre empresas para promover a expansão de negócios como um grande risco , por isso não a adotaria com estratégia . 38,89 47,22 11,11 2,78 5,56 22,22 36,11 36,11 Informações e dados sobre o desenvolvimento de nova tecnologia devem ser compartilhado sem restrição entre parceiros de negócios, quando da criação de um novo produto em conjunto 30,56 30,56 25,00 13,89 A empresa em que trabalho não está preparada para correr risco em firmar uma parceria com outra empresa, mesmo que seja para aumentar a sua competitividade ou sua participação de mercado 38,89 25,00 33,33 2,78 A gestão da empresa deve ser orientada em primeiro lugar para à sua organização interna, antes mesmo de desenvolver estratégias mercadológicas. 5,56 19,44 38,89 36,11 A cultura gerencial na empresa que trabalho tem como ponto forte a cooperação empresarial como instrumento de gestão importante para o seu crescimento 2- Mais discordo do que concordo 3- Mais concordo do que discordo 4- concordo totalmente Os dados pertinentes a visão gerencial com enfoque na cooperação empresarial conduzem a identificação de indícios relevantes de tendência para a cooperação entre empresas, por parte das firmas pesquisadas. Para 69,44 % dos pesquisados afirmam preparados para compartilhar dados e informações com outras empresas e 72,22% assinalam como ponto forte uma cultura gerencial propensa a cooperação empresarial. Entretanto, 61,12% indicam que tem restrições em compartilhar informações quando na criação de um novo produto em conjunto. Porém, 86,11 % dos respondentes não consideram risco a adoção de parceria como estratégia de coopeA Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 175 ração. Todavia, há fortes indícios da falta de visão estratégica por parte dos gestores das empresas pesquisadas, pois 75% assinalam que a empresa deve se orientar em primeiro lugar para o ambiente interno, mesmo antes de desenvolver estratégias mercadológicas. Encontramos aqui indícios de uma cultura mecanicista focada para dentro da organização. A ação de cooperação empresarial associa-se aos pressupostos da organização orgânica fundada na pró-atividade e em um ambientes de imprevisibilidade e turbulência. Conclusões Mediante o resultado da pesquisa é possivel estabelecer algumas conclusões entre a cooperação empresarial e a cultura organização, tendo como suporte as premissas da teoria x e y de Mcgregor,a serem destacadas a seguir: 1) constata-se que há indicio significativo de cultura organizacional com base 2) 3) 4) 5) 6) 176 nos pressupostos da abordagem mecanicista nas empresas pesquisadas, tendo a Teoria X de McGregor como referencial; são elevados os indicios de cultura organizacional das empresas pesquisadas, com visão gerencial fundamentada nos pressupostos da abordagem organicista, a partir da Teoria Y de McGregor; observou-se, em relação aos pressupostos para a cooperação empresarial, a existência fortes indicios de uma cultura gerencial focada em cooperação empresarial nas empresas pesquisadas; em razão da cooperação empresarial alicerçar-se em ambiente de imprevisibilidade e turbulência e está focada numa visão gerencial próativa, pode-se inferir que as empresas pesquisadas, com uma a cultura organizacional fundada nos pressupostos da abordagem organicista, são mais propensas a cooperação empresarial. a clara dicotomia entre a cultura mecanicista (teoria X) e a cultura organica (Y) não se caracteriza como um fator impeditivo para a cooperação empresarial, pois 72,22% das empresas pesquisadas afirmam que tem como ponto forte uma cultura gerencial para a cooperação entre empresas. embora essas empresas afirmem que estão aptas a cooperação, faltam-lhes visão estratégica, pois 75% delas voltam-se para dentro da organização Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Assim, baseado nesta pesquisa empírica, realizada com Empresas estabelecidas no Sudoeste de Minas Gerais,conclui-se que as Empresas, independente da sua cultura organizacional, mecaniscista ou organicista, são propensas a desenvolveram um processo de cooperação empresarial. Os resultado desta pesquisa, entretanto, leva-nos a novos caminhos com o objetivo de buscar entender com maior profundidade as questões ligadas ao universo da cooperação empresarial e a realidade da cultura organizacional das Empresas no concerne aos beneficios relacionados ao desenvolvimento de estratégia ligadas a cooperação entre empresas. Referências ALBERS, Henry H. , Principios de Administração, Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1976 BARROS, B. T et al. Criando valor com aquisições – por que comprar? Como integrar? O caso do Banco Itaú. Anais Eletrônicos. Atibaia: XXVII Enanpad, 2003. 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A Dicotomia da Cooperação Empresarial e Cultura Organizacional sob o Enfoque da Teoria X e Y de McGregor 179 COOPERAÇÃO E M R E D ES 6 Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas Maria de Lurdes Barroso Simão Mário José Batista Franco 1Introdução Nas economias baseadas no conhecimento, a inovação tem sido identificada como um fator determinante para o sucesso económico das empresas. Como tal, as fontes de informação e o conhecimento como fonte suprema da inovação (Adams, Bessant, & Phelps, 2006) determinam a capacidade que uma empresa deve possuir para adotar as inovações necessárias, a tempo de alcançar vantagem competitiva no mercado. Um crescente corpo da literatura que investiga os determinantes da inovação identificou a cooperação em Investigação e Desenvolvimento (I&D) como um fator crítico de sucesso na introdução de inovações (Gellynck & Vermeire, 2009; Gronum, 2012; Ozman, 2009). No entanto, esta literatura muitas vezes conclui que a cooperação em I&D nem sempre é benéfica, por exemplo, devido à divulgação indesejada de conhecimento, resultando na necessidade de uma visão mais elaborada sobre o impacto da cooperação em I&D na inovação das empresas. Por este motivo, uma série de trabalhos 181 têm investigado o impacto da cooperação em I&D, com diferentes tipos de parceiros de cooperação, no desempenho inovador da empresa (Kang & Kang, 2010; Zhou, 2012), atendendo a que, por exemplo, a cooperação com os concorrentes permite o acesso a uma base de conhecimento diferente da cooperação com as universidades. No entanto, a investigação sobre a inovação tem‑se centrado, na generalidade, na inovação tecnológica, ou seja, inovação de produto e/ou de processo (Pippel, 2014). Esta ênfase na inovação tecnológica é o resultado de um conceito de inovação de índole tecnológica, que tem moldado a investigação científica sobre a inovação (OECD, 1997). Devido à evolução da investigação sobre a inovação ter crescido continuamente e disseminar‑se para muitos campos de investigação, incluindo a sociologia, a psicologia, a administração de empresas e gestão pública (Damanpour & Aravind, 2011), o conceito de inovação também tem mudado ao longo dos últimos anos, para uma perspetiva mais ampla, incluindo a inovação não tecnológica, como a inovação organizacional e de marketing (OECD, 2005). Nestas circunstâncias e atendendo a que tem sido pouco explorada a cooperação enquanto determinante da inovação organizacional (Tether & Tajar, 2008), torna-se necessária investigação mais aprofundada que examine o efeito combinado da cooperação e inovação organizacional na capacidade das empresas para introduzir inovação no mercado (Mention, 2011). De facto, assume‑se como pertinente um estudo nesta área que evoque e analise o panorama empresarial nacional. Seguindo a última edição do Manual de Oslo (OECD, 2005), este trabalho centra‑se na inovação organizacional e, tem como objetivo analisar o impacto da cooperação em I&D sobre a capacidade das empresas na introdução da inovação organizacional, centrando‑se a sua análise no estudo de empresas industriais, comerciais e de serviços, localizadas no território português, ao longo do período 2006‑2008. Em concordância com o objetivo exposto e com os parâmetros delineadores da investigação, impõe-se como questão primordial para a qual é necessário encontrar resposta: A cooperação entre empresas em I&D com diferentes tipos de parceiros tem um impacto sobre o desempenho da inovação organizacional? Assim, para reduzir a escassa literatura sobre o impacto da cooperação na inovação organizacional, este estudo contribui para o desenvolvimento da teoria existente. Este capítulo está estruturado como se segue: na secção 2 faz-se uma revisão da literatura sobre a inovação organizacional como um tipo de inovação não tecnológica, bem como a identificação e a caracterização dos diferentes parceiros de coope182 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ração em I&D, bem como a formulação de hipóteses. Na secção 3 apresentam‑se os dados e a metodologia de investigação utilizados. Os resultados da investigação empírica são apresentados e discutidos na secção 4. Finalmente, a última secção fornece as considerações finais e implicações, bem como as limitações e sugestões para futuras investigações. 2Enquadramento Teórico 2.1 Inovação organizacional como um tipo de inovação não tecnológica A literatura sobre a inovação incide, geralmente, na inovação tecnológica ou seja, a inovação de produto (Brettel & Cleven, 2011; Nieto & Santamaría, 2007; Un, Cuervo-Cazurra, & Asakawa, 2010), ou de processo (Tomlinson, 2010) relacionada com desenvolvimento de novas tecnologias. Contudo, este tipo de inovação tende a centrar‑se no setor industrial, negligenciando o setor dos serviços (Hipp & Grupp, 2005). Porém a última versão do Manual de Oslo amplia o conceito de inovação, incluindo a inovação não tecnológica e, concretamente no âmbito deste estudo, a inovação organizacional. A definição da inovação organizacional não é tão consensual como o conceito da inovação tecnológica (Armbruster, Bikfalvi, Kinkel, & Lay, 2008), devido ao facto de a literatura sobre a inovação organizacional ainda ser escassa e dispersa (Armbruster et al. , 2008; Mol & Birkinshaw, 2009) refletindo‑se nas várias definições do conceito. Na verdade, a teoria organizacional é transversal a várias disciplinas (sociologia, gestão), cada uma adotando uma perspetiva diferente, e utilizando diferentes tipos de dados e indicadores (Lam, 2005). Esta heterogeneidade de perspetivas, por sua vez, reflete‑se no conceito da inovação organizacional, que acaba por abranger uma ampla gama de dimensões estratégicas, estruturais e comportamentais. Da análise conjunta das diferentes definições deste tipo de inovação, os estudos científicos sobre a inovação em empresas abordavam a inovação administrativa (Damanpour & Evan, 1984; Damanpour, Szabat, & Evan, 1989; Damanpour, 1991; Ettlie & Reza, 1992) definida como inovação na estrutura organizacional e nas práticas de recursos humanos. Trabalhos mais recentes referem-se à inovação em gestão (Hamel, 2006; Mol & Birkinshaw, 2009), a inovação de gestão (Damanpour & Aravind, 2011) ou inovação organizacional (Battisti & Stoneman, 2010; OECD, 2005). Como postulam Damanpour & Aravind (2011), as definições da inovação administrativa, de gestão e organizacional sobrepõem‑se consideravelmente. Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 183 No presente estudo utiliza‑se a terminologia e definição proposta pela OECD (2005: 51) que abrange a essência das definições tradicionais e mais recentes. Especificamente define‑se aqui a inovação organizacional como a introdução de um novo método organizacional nas práticas de negócio, na organização do local de trabalho ou, nas relações externas da empresa. As características que distinguem a inovação organizacional de outras mudanças organizacionais assentam num método organizacional novo na empresa, e também no resultado de decisões estratégicas da gestão da empresa. Em particular, a OECD (2005) considera que a inovação organizacional nas práticas de negócio (incluindo a gestão do conhecimento) envolve a implementação de novos métodos para a organização de rotinas e procedimentos, tais como o estabelecimento de bases de dados de boas práticas, ou a introdução de sistemas de gestão. Por sua vez, a inovação na organização do local de trabalho envolve a implementação de novos métodos na distribuição de responsabilidades e tomada de decisão entre os funcionários. Uma inovação organizacional na organização do local de trabalho é por exemplo, a primeira implementação de um modelo de organização que permite aos funcionários da empresa maior autonomia na tomada de decisões e encoraja‑os a contribuir com as suas ideias (OECD, 2005). Finalmente, a inovação em métodos de organização das relações externas envolve a implementação de novas formas de organizar as relações com outras empresas ou instituições públicas, tais como a colaboração com organizações de investigação ou clientes, novos métodos de integração com fornecedores, bem como outsourcing ou subcontratação, pela primeira vez, de atividades empresariais na produção, compras, distribuição, recrutamento e serviços auxiliares (OECD, 2005). A inovação organizacional é muitas vezes destinada a reduzir os custos administrativos e custos de transação, bem como melhorar a satisfação no local de trabalho. Além disso, a redução dos custos das aquisições e do acesso a bens não transacionáveis, tais como o conhecimento externo é o objetivo da inovação organizacional (OECD, 2005). No enquadramento da inovação organizacional é ainda relevante destacar que as mudanças organizacionais são um complemento, ou um pré‑requisito para a melhoria da qualidade e desempenho dos produtos e serviços pré-existentes. As empresas tendem a dar mais importância aos objetivos tais como a “redução do tempo de resposta às necessidades dos clientes ou dos fornecedores” e “melhoria da qualidade dos produtos (bens e/ou serviços)” (Evangelista & Vezzani, 2010). 184 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Também Cozzarin e Percival (2006) constataram que é importante integrar as inovações tecnológicas, e as estratégias organizacionais, a fim de transferir com sucesso novas ideias e oportunidades de negócio no mercado. Ainda a este propósito outra abordagem da literatura comporta o impacto da inovação organizacional no desempenho das empresas (Camisón & Villar-López, 2014; Sapprasert & Clausen, 2012). Entre as empresas inovadoras italianas, a mudança organizacional é uma das estratégias de inovação influente (Morone & Testa, 2008). Para Masso e Vahter (2012) a inovação organizacional também é muito importante como determinante das melhorias de produtividade no setor dos serviços de conhecimento intensivo. Em síntese, o conceito de inovação mudou de uma abordagem tecnológica para uma perspetiva mais ampla, que inclui a inovação não‑tecnológica e especificamente a inovação organizacional. Esta mudança exige uma análise detalhada dos fatores externos às empresas, nomeadamente a cooperação em I&D com diferentes tipos de parceiros. De acordo com as abordagens de redes e das relações inter‑organizacionais da inovação, considera-se que a cooperação em I&D com parceiros distintos afeta sob a forma de interações, a inovação organizacional. 2.2 Características dos diferentes parceiros de Cooperação em i&d A literatura sobre inovação tem mostrado que a cooperação em I&D é um fator essencial para o sucesso de um projeto de inovação (Belussi, Sammarra, & Sedita, 2010; Gellynck & Vermeire, 2009). No entanto, a cooperação em I&D nem sempre é benéfica, por exemplo, devido à difusão indesejada do conhecimento, pelo que tem evoluído a investigação do impacto da cooperação em I&D com parceiros diferenciados (de Faria, Lima, & Santos, 2010; Kang & Kang, 2010; Un et al. , 2010). Por outro lado, constata‑se que a literatura sobre a cooperação em I&D centra‑se, com regularidade, nas inovações tecnológicas (Brettel & Cleven, 2011; Tomlinson, 2010). Efetivamente, a literatura empírica sobre a inovação tecnológica sugere que a cooperação em I&D tem um efeito positivo sobre o desempenho da inovação tecnológica de uma empresa (Un et al. , 2010). Embora existam diferenças entre a inovação tecnológica e a inovação não tecnológica, em particular a inovação organizacional, pode‑se supor que a maioria dos argumentos relevantes para a inovação tecnológica pode‑se aplicar à inovação organizacional. Por exemplo, parece plausível que o acesso ao conhecimento externo, bem como a opção de partilhar custos e riscos de Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 185 um projeto de inovação, ou ainda o acesso a mão-de-obra especializada externa, são argumentos que também parecem relevantes para a inovação organizacional. Neste quadro, a cooperação em I&D com parceiros externos, tais como clientes, fornecedores ou universidades está relacionada com uma série de vantagens. Um argumento importante é que a cooperação em I&D fornece acesso ao conhecimento externo (Teece, 1986) e, é particularmente relevante na transferência do conhecimento tácito, por este não ser facilmente codificado (Hippel, 1988). Além disso, projetos de I&D estão relacionados com custos e riscos, pelo que a cooperação em I&D oferece a oportunidade de partilhar os custos e riscos entre os parceiros envolvidos (Hagedoorn, 2002). Este tipo de cooperação permite ainda o acesso a mão‑de‑obra especializada, que é frequentemente relevante na I&D e muitas vezes não pode ser obtida no mercado de trabalho (Nelson & Winter, 1982). Por fim, o cruzamento de diferentes perspetivas e ideias é benéfico para a cooperação em I&D (Katz & Martin, 1997). A este propósito, na sua essência as empresas não atuam sozinhas no mercado, mas procuram tirar partido de uma extensa rede de relações que compreendem outras empresas do grupo, fornecedores, clientes, concorrentes, universidades e instituições privadas e públicas de I&D. Assim, no âmbito deste trabalho, importa saber qual a influência dos relacionamentos estabelecidos entre diferentes parceiros de I&D: (i) outras empresas do mesmo grupo; (ii) fornecedores de equipamento, materiais, componentes ou software; (iii) clientes ou consumidores; (iv) concorrentes ou outras empresas do mesmo setor de atividade; (v) consultores, laboratórios ou instituições privadas de I&D; (vi) universidades ou outras instituições do ensino superior; e (vii) laboratórios do Estado ou outros organismos públicos com atividades de I&D; no processo de inovação organizacional das empresas portuguesas. Os parceiros próximos, como as empresas do mesmo grupo são mais eficazes no desenvolvimento de atividades de cooperação de inovação (de Faria et al. , 2010). Tal como no estudo de Pippel (2014), assume‑se também neste trabalho que a estrutura organizacional da empresa que faz parte de um grupo de empresas é influenciada pelas outras empresas e, portanto, a cooperação em I&D com essas empresas irá ter impacto no desempenho da inovação organizacional. Assim, de modo a identificar uma possível relação entre a cooperação com empresas do grupo e a inovação organizacional, indica‑se a seguinte hipótese: 186 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Hipótese 1: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com empresas do grupo influenciam a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. Os fornecedores são outro grupo comum de parceiros de cooperação em I&D. A partilha de conhecimento entre a empresa e os seus fornecedores apoia o processo de interação entre ambos os parceiros (Barratt, 2004). Além disso, as empresas precisam de entender os requisitos dos seus fornecedores e, por outro lado, os fornecedores precisam de compreender as necessidades das empresas que fornecem. Concretamente as práticas de gestão, que incluem fornecedores na sua equipa de desenvolvimento são um fator diferenciador de inovação (Ragatz, 1997), nomeadamente na gestão da cadeia de fornecedores, como uma prática de inovação organizacional, a procura conjunta de formas eficientes de interação empresa‑fornecedor é importante (Ichijo & Kohlbacher, 2008). Também a partilha dos custos e dos riscos é um benefício resultante da cooperação em I&D com os fornecedores (Wynstra, Weele, & Weggemann, 2001). Assim, dada a importância deste tipo de parceiro de cooperação em I&D, indica‑se a seguinte hipótese: Hipótese 2: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com fornecedores influenciam a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. Outro grupo importante de parceiros de cooperação de I&D são os clientes como uma força principal na inovação organizacional (Tether & Tajar, 2008). Portanto, as empresas cooperaram com clientes com vista a mudanças organizacionais. As necessidades e desejos dos clientes podem fornecer informações valiosas (Tether, 2002), que encorajam as empresas a adotar novas práticas (Guler, Guillen, & Macpherson, 2002). No entanto, o conhecimento sobre as preferências dos clientes é muitas vezes caracterizado como sendo tácito, uma vez que este tipo de conhecimento é geralmente adquirido no nível individual e difícil de articular, pelo que, as empresas que colaboram com os clientes necessitam que o conhecimento tácito se converta, pela sociabilização, em explícito (Nonaka, 1994). Como tal, importa saber se os relacionamentos externos estabelecidos com estes parceiros influenciam as empresas a inovar no nível organizacional, indicando‑se, portanto, a seguinte hipótese: Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 187 Hipótese 3: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com clientes influenciam a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. O conhecimento proveniente dos concorrentes é valioso para as empresas, na medida em que os rivais têm necessidades semelhantes no processo de inovação (Lhuillery & Pfister, 2009). Além disso, a cooperação com os concorrentes é bem adequada para a partilha de custos e riscos relacionados com a I&D (Miotti & Sachwald, 2003), bem como implementar padrões no mercado e competir com terceiros concorrentes (Perks & Easton, 2000). A cooperação com os concorrentes também oferece a oportunidade de explorar e implantar as estruturas organizacionais de sucesso dos rivais (Pippel, 2014). No entanto, uma vez que os concorrentes continuam a ser rivais, este tipo de cooperação é caracterizada por um número de desvantagens. Investigações realizadas (Atallah, 2005; Oxley & Sampson, 2004) mostram que as empresas tentam apreender alguns dos conhecimentos dos seus parceiros mas, ao mesmo tempo, protegem o seu conhecimento, o que pode por em perigo a viabilidade ou o sucesso da parceria. Também ainda, o risco adicional do comportamento oportunista que pode prejudicar o resultado do projeto conjunto de I&D (Lhuillery & Pfister, 2009). Para evitar o comportamento oportunista, pode ser usado um sistema de monitorização (Geringer & Heber, 1989), mas que pode aumentar a rigidez da colaboração e diminuir a sua eficácia (Lhuillery & Pfister, 2009). Uma outra forma de analisar este tipo de cooperação está relacionada com o facto de que as empresas imitam os seus concorrentes através da implementação de práticas de negócio que lhes parecem inovadoras (Abrahamson & Rosenkopf, 1993), pelo que um argumento discutido na literatura e que limita o potencial de cooperação em I&D com os concorrentes é o isomorfismo mimético (Garcia-Pont & Nohria, 2002). A questão central deste conceito é que as organizações tornam‑se semelhantes entre si ao longo do tempo, devido ao processo de imitação. Apesar da proximidade social e semelhanças entre os parceiros de cooperação em I&D serem importantes para o sucesso da cooperação, esta requer frequentemente diversidade ao invés de semelhanças (Pippel, 2014). No entanto, a base de conhecimento entre empresas concorrentes é suscetível de ser moldado através das semelhanças, deste modo, o incentivo ao desenvolvimento de inovações organizacionais pode ser reduzido, pelo que se formula a seguinte hipótese: 188 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Hipótese 4: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com concorrentes influenciam menos a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. Como refere Tether (2002), as instituições de investigação privadas constituem um parceiro alternativo na cooperação, enquanto fonte de informação e conhecimento para a inovação, embora com custos acrescidos. As instituições de investigação privadas englobam os consultores, laboratórios ou instituições privadas de I&D. Nomeadamente os consultores devido à sua natureza heterogénea podem fornecer uma variedade de conhecimento relevante para a inovação organizacional (Pippel, 2014). Com base nas considerações apresentadas, indica‑se a seguinte hipótese: Hipótese 5: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com consultores, laboratórios ou instituições privadas de I&D influenciam a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. O último grupo de parceiros de cooperação em I&D deste trabalho são as universidades e os laboratórios do Estado ou outros organismos públicos com atividades de I&D. Como parceiros de cooperação, são relativamente semelhantes entre si, na medida em que ambos podem proporcionar conhecimento de ponta para as empresas e, em particular, a inovação organizacional radical exige este tipo de conhecimento (Pippel, 2014). De realçar a perspetiva multidisciplinar das universidades que conduz uma ampla gama de ideias e possíveis inovações (Henard & McFadyen, 2006). No entanto, a investigação nas universidades e organismos públicos com atividades de I&D geralmente não é orientada para as necessidades das empresas (Drejer & Jørgensen, 2005), nem os seus investigadores estão sujeitos a restrições de prazos de negócio (Pavitt, 2003). Dadas estas incongruências, é importante analisar se de facto os relacionamentos estabelecidos com estes parceiros influenciam a inovação organizacional, definindo‑se assim as seguintes hipóteses: Hipótese 6: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com universidades ou outras instituições do ensino superior influenciam a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 189 Hipótese 7: Os relacionamentos de cooperação em I&D estabelecidos com laboratórios do Estado ou outros organismos públicos com atividades de I&D influenciam a propensão para as empresas inovarem no nível organizacional. As hipóteses têm subjacente a relação evidenciada no modelo conceptual (Figura 1) e serão objeto de validação empírica, considerando‑se, para tal, os dados recolhidos pelo CIS 2010 – Inquérito Comunitário à Inovação 2010. Figura 1 – Relacionamentos de cooperação em I&D na inovação organizacional Fonte: Elaboração própria 190 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3Metodologia 3.1 População, Amostra E Dados Os dados utilizados neste estudo são baseados no CIS 2010, conduzido pelo Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais/Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (GPEARI/MCTES), em colaboração com o Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal. O período de recolha dos dados decorreu entre julho de 2011 e abril de 2012, contudo o período de referência a que os mesmos respeitam são os anos de 2008 a 2010. O inquérito tem por base os princípios conceptuais previstos no Manual de Oslo (OECD, 2005) e recomendações metodológicas do Serviço de Estatísticas das Comunidades Europeias (Eurostat, 2011). O CIS 2010 fornece um conjunto de informações gerais sobre as empresas (setor de atividade, grupo empresarial, dimensão da empresa, volume de negócios, mercados geográficos); informações sobre a inovação (de produto, de processo, de marketing e organizacional); os fatores que dificultam as atividades de inovação; bem como os objetivos da inovação. Este inquérito fornece igualmente informações sobre a identificação dos tipos de parceiros com quem as empresas cooperam e a sua localização. A população alvo sobre a qual incide a análise inclui empresas, sediadas em território português, com pelo menos 10 pessoas ao serviço, respeitantes às Classificações de Atividades Económicas (CAE) 05 a 86, (CAE Rev. 3, 2007). Foram obtidas 5. 079 respostas válidas, sendo esta amostra estratificada por dimensão da empresa (10 – 49 pessoas ao serviço; 50 – 249 pessoas ao serviço e, 250 ou mais pessoas ao serviço), por CAE e por Nomenclatura de Unidade Territorial de nível II (NUT II). 3.2 Variáveis 3.2.1 Variável Dependente‑Inovação Organizacional Neste estudo a variável dependente utilizada é a inovação organizacional que corresponde à “introdução de um novo método organizacional nas práticas de negócio (incluindo gestão do conhecimento), na organização do local de trabalho ou nas relações externas da empresa” (CIS 2010:13), durante o período de três anos (2008‑2010). É possível medir a inovação organizacional, utilizando-se para o efeito variáveis dicotómicas, suportadas em dados binários. A variável dependente explicativa Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 191 dicotómica assume “1” se a empresa inova ao nível organizacional, de 2008 a 2010, caso contrário, assume “0”. 3.2.2 Variáveis Independentes‑indicadores de Cooperação em I&D O principal objetivo deste trabalho é analisar o impacto da cooperação em I&D, com diferentes tipos de parceiros, sobre a capacidade das empresas na introdução da inovação organizacional. Para alcançar este objetivo, o conjunto de dados utilizado, respeitante ao período 2008 a 2010, contém informação sobre a cooperação em I&D com sete parceiros: (i) outras empresas do mesmo grupo; (ii) fornecedores de equipamento, materiais, componentes ou software; (iii) clientes ou consumidores; (iv) concorrentes ou outras empresas do mesmo setor de atividade; (v) consultores, laboratórios ou instituições privadas de I&D; (vi) universidades ou outras instituições do ensino superior; e (vii) laboratórios do Estado ou outros organismos públicos com atividades de I&D. Para medir as atividades de cooperação em I&D com os diferentes parceiros, utilizou‑se para o efeito variáveis dicotómicas. CoopGrupo assume o valor “1” no caso de a empresa ter cooperado em I&D com outras empresas do mesmo grupo e o valor “0” no caso contrário. Em conformidade com esta abordagem as variáveis CoopFornecedor, CoopCliente, CoopConcorrente, CoopConsultor, CoopUniversidade, CoopLabEstado expressam a cooperação em I&D com fornecedores, clientes, concorrentes, consultores, universidades ou outras instituições do ensino superior e laboratórios do Estado, respetivamente. 3.2.3 Variáveis de Controlo Optou-se pela utilização das variáveis de controlo “dimensão empresarial” e “formação superior”. A dimensão da empresa é utilizada na maioria dos estudos de inovação, apesar de estar positivamente relacionada com a inovação (Arvanitis, 2008) ou, por contrapartida os resultados podem ser ambíguos (Koch & Strotmann, 2008). Para medir a “dimensão empresarial” e, tomando como referência a classificação proposta na recomendação da Comissão 2003/361/CE, criaram-se três variáveis: (1) pequena empresa: até 49 empregados; (2) média empresa: 50 249 empregados e (3) grande empresa: com 250 ou mais empregados. Também é muito importante o capital humano das empresas, uma vez que a capacidade de uma empresa para absorver conhecimento externo está intimamente 192 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade relacionado com o capital humano que dispõe (Cohen & Levinthal, 1990). Uma elevada proporção de trabalhadores qualificados aumenta a possibilidade de uma empresa absorver e explorar o conhecimento externo para a inovação organizacional. A “formação superior” tem como objetivo capturar o capital humano da empresa e, para a medir criaram-se duas variáveis, consoante as empresas possuam, ou não, percentagem de pessoas ao serviço com formação superior, em 2010. O quadro 1 faz uma descrição das variáveis e sua medição. Quadro 1 – Variáveis e medidas Variáveis Variável dependente Inovação organizacional Descrição Variável binária que mede a introdução de inovações organizacionais: novo método organizacional nas práticas de negócio, na organização do local de trabalho ou nas relações externas, durante o período de 2008-2010 Variáveis independentes (H1) Empresas do grupo (H2) Fornecedores (H3) Clientes (H4) Concorrentes (H5) Consultores, laboratórios ou (H6) Universidades e outras IES (H7) Laboratórios do Estado Variáveis de controlo Dimensão (nº de empregados) Até 49 Pequena empresa 50-249 Média empresa 250 ou mais Grande empresa Formação superior As empresas não possuem pessoas ao serviço com formação superior, em 2010 As empresas possuem pessoas ao serviço com formação superior, em 2010 Tipo de variáveis/medida Dicotómica/Binária 1=Inova 0= Não inova Dicotómicas/Binárias 1= A empresa perceciona como parceiro de cooperação em I&D 0= A empresa não perceciona como parceiro de cooperação em I&D Categórica Dicotómica/Binária Fonte: Elaboração própria 3.2.4 Método Utilizado: Regressão Logística Dado que o objetivo é analisar o impacto da cooperação em I&D sobre a capacidade das empresas na introdução da inovação organizacional das empresas portuguesas, a regressão logística apresenta‑se como uma técnica analítica apropriada para identificar quais os parceiros de cooperação de I&D (variáveis independentes categóricas) que influenciam a inovação organizacional (variável dependente nomiCooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 193 nal dicotómica) nas empresas. Segundo Marôco (2014) nos casos em que a variável dependente é qualitativa e assume apenas valores de classes discretas e mutuamente exclusivas, a técnica de análise a utilizar é a regressão logística. Utilizou-se o software IBM SPSS Statistics (versão 22) para efetuar todos os cálculos estatísticos. 4Análise E Discussão Dos Resultados Neste ponto apresenta‑se a análise dos resultados derivados das relações invocadas no modelo conceptual, com o objetivo de identificar, dentro de um conjunto de diferentes tipos de parceiros de cooperação em I&D, aqueles que influenciam as atividades de inovação das empresas da amostra, na inovação organizacional: (i) nas práticas de negócio; (ii) na organização do local de trabalho; e (iii) nas relações externas. 4.1 Modelo Da Inovação Organizacional Nas Práticas De Negócio Construiu‑se um modelo de regressão logística para a inovação organizacional nas práticas de negócio, tendo‑se obtido o modelo que se apresenta no quadro 2, como Modelo A. Quadro 2 – Regressão logística do modelo da cooperação em I&D para a inovação organizacional nas práticas de negócios CoopGrupo CoopFornecedor CoopCliente CoopConcorrente CoopConsultor CoopUniversidade CoopLabEstado Dimensão empresarial Formação superior Constante Qualidade do ajuste do modelo R Quadrado de Nagelkerke Qui-quadrado -2 Log likelihood Número de casos Estimativa coeficiente B ,212 ,331 ,563 Modelo A Erro padrão ,202 ,170 ,174 Wald 1,103 3,812 10,416 Valor prova Sig. Exp (B) ,294 1,236 ,051 1,393 ,001 1,755 ,484 ,176 7,560 ,006 1,623 -,775 ,442 ,381 ,223 13,082 4,136 3,945 ,001 ,042 ,047 1,556 ,109 59,775 874,536 5.079 ,000 Fonte: Elaboração própria 194 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade O valor de prova, constante no modelo A, para as variáveis “CoopCliente” (,001) e “CoopConsultor” (,006) é positivo e significativo. Analisando também os efeitos marginais associados às variáveis “CoopCliente” e “CoopConsultor”, conclui‑se que para além do efeito positivo já referido, a cooperação em I&D com os clientes e consultores dota as empresas de vantagens na inovação organizacional nas práticas de negócio. Como tal, pode-se afirmar que as empresas que estabelecem relacionamentos de cooperação em I&D com os seus clientes e consultores apresentam uma vantagem superior às outras empresas de (1,755) e (1,623) respetivamente, em inovar ao nível organizacional nas práticas de negócio. Desta forma, confirmam‑se as hipóteses H3 e H5. Relativamente às restantes variáveis “CoopGrupo” e “CoopFornecedor” “CoopConcorrente”, “CoopUniversidade” e “CoopLabEstado” os resultados do modelo indicam que não possuem significância estatística, não sendo, por isso, possível confirmar empiricamente as hipóteses H1, H2, H4, H6 e H7. 4.2 Modelo Da Inovação Organizacional Do Local De Trabalho Elaborou-se um modelo de regressão logística para a inovação organizacional no local de trabalho, tal como se evidencia no quadro 3. Quadro 3 – Regressão logística do modelo da cooperação em I&D para a inovação organizacional no local de trabalho Estimativa coeficiente B ,383 ,653 ,546 CoopGrupo CoopFornecedor CoopCliente CoopConcorrente CoopConsultor CoopUniversidade CoopLabEstado Dimensão empresarial Formação superior Constante Qualidade do ajuste do modelo R Quadrado de Nagelkerke Qui-quadrado -2 Log likelihood Número de casos -,792 ,032 ,095 52,499 911,578 5.079 Modelo B Erro padrão Wald ,195 3,856 ,163 16,019 10,741 ,167 ,381 ,205 1,398 4,331 ,024 Valor prova Sig. Exp (B) ,050 1,467 ,000 1,922 ,001 1,727 ,497 ,037 ,877 1,032 ,000 Fonte: Elaboração própria Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 195 As hipóteses H1, H2 e H3 relacionam a cooperação em I&D, entre empresas do grupo, com fornecedores, e clientes, respetivamente; com a capacidade da empresa inovar na organização do local de trabalho. A partir dos resultados do modelo B, tem‑se que a cooperação em I&D entre empresas do grupo, com fornecedores, e clientes tem um efeito positivo e significativo na inovação organizacional do local de trabalho, tal como indicam as estimativas pontuais dos parâmetros (,383), (,653), (,546) respetivas. Desta forma, confirmam‑se as hipóteses H1, H2 e H3. Relativamente às restantes variáveis “CoopConcorrente”, “CoopConsultor”, “CoopUniversidade” e “CoopLabEstado” os resultados do modelo indicam que não possuem significância estatística, não sendo, por isso, possível confirmar empiricamente as hipóteses H4, H5, H6,e H7. 4.3 Modelo Da Inovação Organizacional Nas Relações Externas Segue-se o estudo dos efeitos da cooperação em I&D com diferentes parceiros na capacidade da empresa para inovar na organização ao nível das relações externas, conforme se apresenta no quadro 4. Quadro 4 – Regressão logística do modelo da cooperação em I&D para a inovação organizacional nas relações externas Estimativa coeficiente B CoopGrupo CoopFornecedor CoopCliente CoopConcorrente CoopConsultor CoopUniversidade CoopLabEstado Dimensão empresarial Formação superior Constante Qualidade do ajuste do modelo R Quadrado de Nagelkerke Qui-quadrado -2 Log likelihood Número de casos Modelo C Erro padrão Wald Valor prova Sig. Exp (B) ,295 ,467 ,162 ,163 3,306 8,247 ,069 ,004 1,343 1,596 ,608 ,161 14,234 ,000 1,838 -1,539 -,522 ,508 ,199 5,224 9,199 6,850 ,073 ,002 ,009 1,556 ,103 58,415 947,604 5.079 ,000 Fonte: Elaboração própria 196 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade O valor de prova, constante no modelo C, para as variáveis “CoopCliente” (,004) e “CoopConsultor” (,000) é positivo e significativo. A cooperação em I&D com clientes e consultores têm um efeito positivo e significativo na inovação organizacional das relações externas, tal como indicam as estimativas pontuais dos parâmetros (,467) e (,608) respetivamente. Desta forma, confirmam‑se as hipóteses H3 e H5. Relativamente às restantes variáveis os resultados do modelo indicam que não possuem significância estatística, não sendo, por isso, possível confirmar empiricamente as hipóteses H1, H2, H4, H6 e H7. Em síntese, é notório que a cooperação em I&D com os clientes exerce um impacto positivo e significativo em todos os níveis da inovação organizacional. Comparando estes resultados com a literatura sobre inovações tecnológicas, Brettel & Cleven (2011) constataram um impacto positivo e significativo da cooperação com os clientes no desenvolvimento de novos produtos. O impacto positivo e significativo dos fornecedores sobre a organização do local de trabalho das empresas, sugere interação e comunicação das empresas com os seus fornecedores, ao longo da cadeia de abastecimento. Estes resultados são semelhantes aos de Brettel & Cleven (2011) e Nieto & Santamaría (2007) para as inovações tecnológicas. Na organização do local de trabalho a cooperação em I&D com empresas do grupo tem impacto positivo e significativo, tal como de Faria et al. (2010) observou, as outras empresas pertencentes ao mesmo grupo são importantes parceiros de cooperação de I&D. A cooperação em I&D com os consultores tem um impacto positivo sobre a inovação organizacional. Estes resultados diferem dos trabalhos de Brettel & Cleven (2011) e de Faria et al. (2010) sobre inovações tecnológicas, em que não há contribuição significativa da cooperação em I&D com os consultores. Esta diferença pode advir das empresas que inovam no produto/processo possuírem, internamente, recursos humanos qualificados que organizam e administram as suas atividades; não necessitando de cooperar externamente com consultores. Por sua vez, no que se refere à cooperação em I&D com concorrentes, universidades e laboratórios do Estado, no âmbito da inovação organizacional, nada se pode concluir, tendo em conta a inexistência de significância estatística, tal facto é congruente com a literatura sobre inovações tecnológicas (de Faria et al. , 2010; Tomlinson, 2010). Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 197 Conclusões e Implicações Nos últimos anos, o conceito de inovação mudou desde uma abordagem técnica até uma perspetiva mais ampla, incluindo a inovação organizacional. Atendendo a que tem sido pouco explorada a cooperação enquanto determinante deste tipo de inovação, este estudo investiga o impacto da cooperação em I&D no desempenho da inovação organizacional das empresas, contribuindo para o desenvolvimento da teoria existente. Como o propósito desta investigação consistiu em analisar a cooperação em I&D e o seu impacto na inovação organizacional, foram testadas hipóteses que relacionavam diferentes tipos de parceiros de cooperação em I&D, com três níveis da inovação organizacional. Nas estimações realizadas ficou demostrado que a análise da cooperação em I&D com os clientes tem um impacto positivo no desempenho organizacional ao nível das práticas de negócios, organização do local de trabalho e nas relações externas das empresas. Isto sugere que a cooperação em I&D com os clientes introduz inovações organizacionais ao longo da cadeia de abastecimento (suplly chain). Também o impacto significativo dos fornecedores sobre a organização do local de trabalho das empresas, sugere interação e comunicação das empresas com estes parceiros, ao longo da cadeia de abastecimento. O impacto positivo da cooperação em I&D com empresas do mesmo grupo na organização do local de trabalho indica existência de interação e comunicação. Estas empresas estão dispostas a partilhar os conhecimentos, bem como os recursos, para atingirem os seus fins. Como esperado, a cooperação em I&D com os consultores tem um impacto positivo sobre a inovação organizacional, concretamente ao nível das práticas de negócios, bem como na organização das relações externas das empresas; provavelmente devido à natureza especializada, dos consultores, em diferentes aspetos da gestão. Acrescenta‑se ainda que os consultores podem ser especialmente importantes para as empresas que não possuem, internamente, recursos humanos qualificados em número suficiente, além de que podem oferecer acesso a conhecimentos relevantes, que capacitem as empresas na introdução de inovações organizacionais. Por sua vez, no que se refere à cooperação em I&D com os concorrentes, as universidades e laboratórios do Estado, no âmbito da inovação organizacional, nada se pode concluir tendo em conta a inexistência de significância estatística. Tal facto 198 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade poderá revelar que a cooperação em I&D nem sempre é percecionada, pelas empresas, como benéfica na sua capacitação de gerar a inovação organizacional. A este propósito, as empresas ponderam o risco adicional do comportamento oportunista devido ao incentivo, mesmo que limitado, para partilhar conhecimentos com os seus concorrentes, bem como o receio de spillovers de conhecimento indesejados, que podem prejudicar o resultado do projeto conjunto de I&D. Relativamente às universidades ou outras instituições do ensino superior como parceiros de cooperação em I&D, a literatura enfatiza a inovação como um processo interativo entre as empresas e instituições de conhecimento, no entanto, continua a haver uma polarização entre a comunidade científica e os formuladores de políticas que consideraram os processos de inovação em grande parte ligados a processos formais de I&D, negligenciando a inovação que se baseia em “fazer, utilizar e interagir”. Atendendo agora aos laboratórios do Estado como parceiros de cooperação em I&D, a inexistência de relação significativa pode indicar que a investigação científica dos laboratórios do Estado não complementa a investigação aplicada à inovação organizacional nas empresas privadas. A realização deste estudo contribui para o desenvolvimento da teoria existente ao analisar a relação entre a cooperação em I&D e o desempenho inovador no nível organizacional, atendo a que a investigação que tem sido desenvolvida sobre a inovação tem‑se centrado, na generalidade, na inovação tecnológica, Outra contribuição deste trabalho pode ser a identificação de diferentes tipos de parceiros de cooperação, fornecendo evidência para os gestores que visam inovar no nível organizacional das empresas e para os investigadores que pretendem explorar os determinantes deste tipo de inovação. A limitação deste trabalho diz respeito ao facto de não se ter realizado um estudo qualitativo, nomeadamente através de estudos de caso, de modo a ser possível um maior aprofundamento do conhecimento sobre o fenómeno da inovação organizacional, bem como, o contacto com outros fatores passíveis de serem incluídos no modelo de análise. Sugere‑se, para futuras investigações, o estudo da cooperação em I&D na inovação organizacional, individualmente, nos setores industrial e de serviços, não só para entender diretamente a dinâmica intrínseca destes grupos setoriais, mas também para esclarecer aspetos descurados da inovação. Cooperação em i&d na inovação organizacional: evidências empíricas nas empresas portuguesas 199 Referências Abrahamson, E. , & Rosenkopf, L. (1993). Institutional and competitive bandwagons: Using mathematical modeling as a tool to explore innovation diffusion. Academy of Management Review, 18(3), 487–517. Adams, R. , Bessant, J. , & Phelps, R. (2006). 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Nas duas últimas do Século XX, sob o impacto da configuração de uma nova ordem internacional, o crescimento da economia requer a cooperação entre as instituições que produzem e difundem o conhecimento, que são a universidade e a empresa. O processo de mudanças nas questões socioeconômicas, desencadeado a partir da década de 1990, demanda um novo modelo de desenvolvimento, o que afeta a universidade. A proposta é pensar uma nova economia, um novo ensino e perspectivas políticas, a partir de um diálogo entre esses atores que possibilite o desenvolvimento local. A discussão ganha um novo elemento importante para o desenvolvimento que é a inovação, necessária para a sobrevivência das empresas e para o desenvolvimento econômico e social. A inovação, por sua vez, depende do relaciona205 mento entre empresa e universidade e de iniciativas de formação e qualificação pois, conforme Suzigan, Albuquerque e Cario (2011), um componente importante para o sistema de inovação é a dinâmica interativa entre empresa e universidade. O desenvolvimento é um processo que deve levar em conta tanto as variáveis sociais quanto as econômicas. A universidade neste contexto necessita além da formação qualificada, ampliar seu papel no sentido de contribuir também, para a criação da riqueza regional. Assim, é preciso levar em consideração as relações com seu entorno no qual está inserida e incentivar o diálogo entre os atores, para que a produção e a difusão do conhecimento possam ocorrer, no sentido de produzir inovação com vistas ao desenvolvimento local. No Brasil os impactos da globalização trouxeram mudanças na ordem social e econômica até então vigente. No campo educacional são criadas iniciativas de políticas de expansão e de interiorização do ensino superior e concomitante ocorreram avanços na legislação brasileira em relação aos programas de financiamento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). A implementação de políticas mais sistemáticas de apoio à inovação no Brasil, desde 1999, vem ocorrendo com o objetivo de engajar o meio acadêmico e o setor produtivo em estratégias de inovação de produtos, processos, formas de uso, distribuição e comercialização, visando a atingir patamares superiores de desenvolvimento e geração de renda. Entre essas políticas destacam-se aquelas de aproximação entre universidade e empresa na promoção da inovação para o desenvolvimento local e regional (KUPFER; LAPLANE; HIRATUKA, 2010). Nesse contexto, avolumam-se os atos de criação de Instituições de Ensino Superior (IES) e o Estado de Goiás na busca de proporcionar a interiorização do ensino superior, na contramão das reformas neoliberais, que tendem a aumentar a privatização do ensino, cria-se a Universidade Estadual de Goiás (UEG/GO/ BRASIL), pública e gratuita, por meio da Lei n. 13. 456, de 16 de abril de 1999, possibilitando a ampliação do acesso ao ensino superior e, possivelmente dando condições para a continuidade do desenvolvimento socioeconômico do Estado. Esse capítulo busca conhecer a condição da UEG no contexto de inovação a partir da visão dos diferentes atores: institucionais e locais. Assim, pretende mostrar a posição dos atores sobre o relacionamento com esta universidade que possivelmente pode contribuir e impulsionar o crescimento económico regional. Para isso, utiliza-se de uma abordagem sistêmica presente nas teorias evolucionária e institucionalista. Essas teorias consideram a análise histórica, a importância das instituições e, também, a compreensão do relacionamento dos atores 206 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade envolvidos no contexto de mudanças tecnológicas e o papel que a inovação assume no desenvolvimento socioeconômico local. O referencial teórico utilizado tem como base as abordagens, da hélice tríplice (ETZKOWITZ; LEYDERDORFF, 1999) que entende a universidade e a empresa como importantes atores do desenvolvimento socioeconômico e, também, a universidade como criadora de empresas; a abordagem dos sistemas de inovação (LUNDVAL, 1992) considera a universidade como formadora de recursos humanos qualificados e parceira das empresas para a inovação; a abordagem latino-americana (AROCENA, BORTAGARAY e SUTZ, 2008) considera a universidade como um ator do desenvolvimento social. O que possibilita mostrar como a universidade (de simples produtora e difusora do conhecimento, passa também a ser desenvolvedora de inovações) e a empresa (de usuária do conhecimento desenvolvido na universidade, passa a perseguir a produção do conhecimento), considerados como lugares de conhecimento, ampliam seus papeis de forma isomórfica no desenvolvimento socioeconômico. E ainda, como o Estado a partir de suas convenções estimula o desenvolvimento e promove mudança estrutural na economia e na sociedade. Este estudo adota os pressupostos da abordagem qualitativa, por possibilitar conhecer e caracterizar de maneira mais concreta a instituição investigada. O método escolhido é o estudo de caso, uma vez que é uma abordagem qualitativa e se propõe a revelar e “investigar um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes” (YIN, 2010, p. 39). A coleta de dados foi feita a partir da realização de questionário e entrevistas e os sujeitos da pesquisa são considerados: atores institucionais (dirigentes, diretores e coordenadores da UEG, identificados como AI) e locais (pesquisadores e empresários, identificados como AL). Este capítulo está organizado. além da introdução e da conclusão, em uma seção subdividida em tres partes, a primeira busca apresentar a UEG e o Estado de Goiás, em seguida apresenta-se a visão institucional e depois a visão dos atores locais. 2Capítulo: Interação UEG e Empresa 2.1 UEG e o Estado de Goiás: desenvolvimento e contribuição No contexto do século XXI, a UEG, depois de mais de uma década de existência,de uma proposta inicial voltada para formação de recursos humanos com UEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais 207 foco na atividade de ensino é chamada se modificar na perspectiva de sua articulação com a economia do conhecimento, como proposto pela agenda globalizada. O Estado de Goiás é um dos 26 Estados brasileiros e está situado na região Centro-Oeste do País, dividido em 246 municípios. É o sétimo Estado em extensão territorial, abrangendo uma área de 340 mil quilômetros quadrados de extensão, o que representa 21,17% da região Centro-Oeste. Em termos de área, ocupa 4,0% do território brasileiro e sua população representa 3,17% da população nacional. O Quadro 1 sumariza dados gerais do Estado de Goiás. DADOS GERAIS DO ESTADO DE GOIÁS – 2012 Número de Municípios 246 População 6. 154. 996 Área (km2) 340. 111,78 Densidade Demográfica (hab/km2) 18,10 População do Brasil 193. 946. 886 Participação na População do Brasil (%) 3,17 Quadro 1– Dados gerais do Estado de Goiás Fonte: GOIÁS (2011). A UEG é uma das maiores universidades brasileiras em quantidadedecampi. Está localizada no Estado de Goiás, que é a nona economia do Brasil, com um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 97,6 bilhões, em 2010, o que representa 2,6% do PIB nacional. A economia de Goiás tem tido um ciclo virtuoso de crescimento econômico nesta última década, conforme revela os dados do Instituto Mauro Borges (IMB/GOIÁS, 2011). A Figura 1 apresenta os municípios onde se encontram os campos da UEG. 208 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Figura 12 − Mapa do Estado de Goiás com a distribuição dos campos da UEG. Fonte: UEG, 2010. Atualmente, a UEG conta com 42 campos no Estado de Goiás, sendo um voltado para Educação a Distância, cinco Polos universitários e 15 Polos de Ensino a Distância, presentes em 48 dos 246 municípios goianos (UEG, 2012). Percebe-se que o foco da política da UEG foi a expansão periférica, aumentando, significativamente, o número de campos e de atendimentos. A UEG, ao promover o incremento de vagas, participa do contexto das transformações socioeconômicas que ocorreram UEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais 209 após a década de 1990 e, ainda, das políticas que se relacionam à expansão desse nível de ensino. Ressalta-se que as atividades acadêmicas são oferecidas, predominantemente, no turno noturno e com foco no ensino. Entre os municípios selecionados para a instalação de campos, muitos apresentam forte potencial de crescimento econômico, por disporem de terras em abundância, clima favorável e potencial de produção, enquanto outros revelam considerável incidência de pobreza. Nesse sentido, constata-se que a UEG é uma instituição que tem contribuído para o desenvolvimento local como formadora de recursos humanos e reprodutora de conhecimentos, mesmo com suas fragilidades, como afalta de infraestrutura física, científica e tecnológica e de condições de trabalho nos diversos campos, pois desde o momento de sua criação veio suprir a falta de instituições de ensino superior no interior do Estado. Ao longo de sua trajetória teve como atividade predominante o ensino, com uma extensão e pesquisa incipientes. No momento está começando a fazer a integração entre essas atividades, pois a instituição precisa se redefinir, pelo menos nos seguintes aspectos: implantar novos cursos de acordo com a área e a demanda da região, investir nas suas atividades de pesquisa e extensão e mobilizar um espaço em que a comunidade acadêmica reconheça e compreenda a necessidade do Modo 1 de conhecimento – baseado no ensino e na disseminação do conhecimento − aliado ao Modo 2, que promove a inovação, a capacidade científica e tecnológica por meio das atividades de pesquisa e extensão. A UEG atualmente, tem recebido influencias de políticas e orientações econômicas com base na convenção denominada novo desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentista, que propõe ao Estado reasumir o seu papel de interventor, o que difere da convenção neoliberal que se opõe à ampliação do papel do Estado, que deve ser mínimo, ou seja, o Estado dita as regras, mas não intervém. Assim, nesta nova convenção neodesenvolvimentista a universidade adquire novos papéis além da formação e qualificação de recursos humanos para suprir o gap de inovação existente, e as empresas precisam se transformar para conseguir promover a cooperação com a universidade. Tal convenção neodesenvolvimentistas encontra-se presente nas falas de alguns poucos atores institucionais da UEG refletindo na capacidade dessa instituição de estreitar o relacionamento com os atores locais, inclusive as empresas, no intuito de impulsionar o crescimento econômico regional. 210 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Nesse sentido, a UEG vive um momento de revisão e ganha corpo o discurso de maior diálogo e interação, dentro e fora da instituição, com vistas à busca de excelência. Na próxima seção será apresentada a visão dos atores institucionais e locais sobre os tipos de relacionamento, obstáculos e motivações. 2.2 Visão dos atores 2.2.1 Visão dos atores institucionais: dirigentes A visão destes atores institucionais, considerados dirigentes revela que a UEG tem uma contribuição grandiosa no desenvolvimento local. Assim, a posição que estes adotam é que, esta instituição nasceu para “participar de forma estratégica, competitiva e até agressiva no sentido da estruturação de um projeto de desenvolvimento e de crescimento do Estado” (AI1). Mesmo os campos universitários “mais distantes, recuados, que aparentemente não têm razão de ser e existir, se você olhar na forma de planejamento e de ordenação da lógica econômica, política e social do Estado”, “pode se perceber nitidamente que aquele campo universitário tem sentido naquele local” (AI 1). Em relação à visão destes atores sobre o relacionamento da UEG com atores locais, como as empresas, um deles afirma que a interação da instituição ocorre com timidez por parte de alguns pesquisadores. Deste modo, é preciso encontrar e realizar experiências positivas, divulgá-las e multiplicá-las. Tais condições podem ser criadas na instituição, mas em seu devido tempo, pois para isso, é preciso alterar a “cultura da UEG e os hábitos de seus atores, o que foi considerado um importante obstáculo, porque uma vez instalados, tais hábitos culturais requerem tempo e intervenção continuada para serem revertidos” (AI 2). Em relação ao tipo de relacionamento, a visão dos atores institucionais sobre o relacionamento entre os campos universitários e as empresas locais é que existe algum tipo de relacionamento, mesmo que se tenham variações de relacionamentos de um campo para outro. Os tipos de relacionamento mais usuais mantidos com empresas, se referem a convênios com atividades e projetos de ensino, em seguida prestação de serviços e treinamentos. Ainda que os atores institucionais tenham apresentado posições diversas, o tipo de relacionamento, que mais se destaca nos campos universitarios, com a empresa é por meio da realização de atividades de estágio: “temos campos de estágio em diversas empresas do município, como a Associação Comercial e Industrial, a UEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais 211 Agrotec, a Saneamento de Goiás (SANEAGO), as prefeituras municipais, o Procon e as secretarias de desenvolvimento econômico. Outra forma de relacionamento é a participação dos alunos a partir de projetos de ensino (estágios), pesquisa e extensão (cursos, eventos, programas) realizados em parceria com as empresas locais. A pouca participação dos alunos é justificada por um dirigente: “como a maioria já trabalha, em consequência disso, há pouca participação dos alunos nestas atividades” (AI 3). Um dos dirigentes aponta que é preciso romper com as barreiras, para este relacionamento se efetivar com qualidade. Para isso, a UEG precisa regular a sua interação por meio de instrumentos jurídicos adequados para salvaguardar ambos os parceiros da vinculação, mas, também, salvaguardar os direitos autorais, intelectuais, gerados neste processo, inclusive patentes, com os devidos ajustes dos retornos. Institucionalmente, a UEG precisa se resguardar no que tange à fiscalização pelos órgãos de controle, como a Controladoria Geral do Estado, em especial, o Tribunal de Contas (AI 4). Atualmente, a UEG carece de um braço operacional, na forma de uma fundação de apoio, como ocorre em outras IES, ou seja, é preciso encontrar um instrumento jurídico que confira legitimidade e legalidade a estas relações com outros setores, para salvaguardar o ordenador de despesas da UEG, uma vez que não se pode dispor de patrimônio público para prestação de serviços sem o devido respaldo legal. Assim, alguns desses atores consideram como barreiras para este relacionamento a falta de infraestrutura e mecanismos de incentivos como a principal barreira no relacionamento da UEG com as empresas locais e, ainda, indicaram a falta de interesse dos atores locais, e a falta de interlocução entre ambos os atores. A visão destes atores se diferencia entre eles próprios, pois de um lado ha posicionamentos em que apontam para uma combinação de falta de infraestrutura e mecanismos de incentivos e, por outro, alguns revelam a facilidade para o relacionamento: “não tenho dificuldade nenhuma de relacionamento com lideranças da categoria, tais como sindicato e distribuidores de produtos da minha área” (AI 5). Esta resposta seria esperada pelo fato deste ator ser, ao mesmo tempo, dirigente da UEG e empresário local. A visão dos dirigentes, muitas vezes, reflete, em linhas gerais, as próprias políticas institucionais, que, na prática, são assimiladas e executadas com diferentes intensidades, dadas as especificidades acadêmicas de cada campo universitário e as peculiaridades socioeconômicas dos municípios em que estão situadas. Portanto, a visão destes atores podem ser considerados importantes, uma vez que lideram as 212 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade tomadas de decisão institucionais no âmbito local e, podem ou não conseguir legitimar suas propostas a partir do desejo e pela subjetividade da comunidade. Os atores institucionais convergem em suas opiniões quando, por exemplo, sinalizam para a falta de cultura entre as instituições, o tempo de ação e reação de cada uma e a falta de iniciativa, fatores que dificultam o diálogo. Assim, apesar de haver posições isoladas de relacionamento entre os campos da UEG e as empresas, é possível visualizar que a cultura da UEG talvez não esteja conseguindo aproveitar os ativos de conhecimento já acumulados por ela para investir cada vez mais nas áreas de empreendedorismo e da inovação. As atividades empreendedoras, tais como a criação de novas empresas e a transferência de tecnologia, via licenciamento de suas patentes, ainda não é ponto de discussão entre a maioria desses atores. Outro dirigente informa que está no início a estruturação do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT). Mesmo que não conheçam a fundo sobre o tema inovação, ao acessarem cargos relacionados a este assunto, acabam construindo uma cultura de inovação. Neste contexto, estão articulados e contam com o apoio da SECTEC, pelo fato do Governo ter interesse em fortalecer, politicamente, os órgãos de apoio e fomento à pesquisa e por ter a UEG a capilaridade e a condição interiorizada para fazer parcerias com os atores locais e participar do Sistema Regional de Inovação (SRI) em Goiás (AI 4). Ainda, que alguns desses dirigentes indiquem que o apoio do Governo, tanto estadual quanto municipalé incipiente. Diante desse contexto, questiona-se se os atores do Governo estadual e municipal têm investido na efetivação do discurso de que a educação é a saída para os países ou Estados em desenvolvimento, como é caso de Goiás. Concluindo a apresentação e análise dos dados colhidos por meio de questionarios e entrevistas realizadas com os dirigentes, é possível reconhecer a contribuição da UEG para o desenvolvimento do Estado, no sentido de possibilitar a indivíduos, antes isolados e distantes dos grandes centros, o acesso ao ensino superior e a oportunidade de conclusão de uma formação acadêmica. No entanto, observa-se que a UEG ainda apresenta algumas lacunas com relação aos propósitos de uma universidade pública. UEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais 213 2.2.2 Visão dos atores locais: professores pesquisadores A visão dos professores pesquisadores dos campos em, que há interação com empresas, é a de que, o relacionamento em sua maioria ocorre a partir da pesquisa aplicada e em áreas de interesse das empresas locais. Diante disso, os campos universitários têm promovido um relacionamento com as empresas locais de maneira amistosa, via relações pessoais, que permitem estabelecer tanto uma cultura de aprendizagem entre os pares, quanto uma predisposição entre as instituições para trabalhar de forma cooperativa. Os quatro tipos de relacionamento identificados pelos professores pesquisadores, são: direto entre o pesquisador e a empresa; formal; informal; e via consultoria, prestação de serviço e convênios. O primeiro tipo de relacionamento apontado é o direto entre o pesquisador e a empresa, pelo fato da UEG não ter um setor responsável, por exemplo, pelas patentes − a formalização está em tramitação. O segundo tipo é o formal, com base em contratos e convênios formalizados com empresas, mas é algo esporádico, pois indicam que, em sua maioria, os relacionamentos ocorrem na informalidade (PP13). Sendo assim, o relacionamento informal não há nenhum retorno financeiro para o pesquisador, a não ser sua carga horária de pesquisa e, isto é justificado por eles pelo excesso de burocracia institucionalizada. Por último, outro tipo de relacionamento é o a que acontece por meio da consultoria, prestação de serviço e convênios. No decorrer das entrevistas os pesquisadores revelam que a existência de relacionamento pode ser explicada por diferentes motivações como, a participação em eventos externos e internos, em nível regional, nacional e internacional, o que promove uma rede de relações entre os pesquisadores das diferentes IES que mais facilmente conseguem divulgar a área de interesse de estudo. Os pesquisadores indicam também as relações pessoais como a maior motivação para o relacionamento e, em seguida o interesse em contribuir com o local e a disponibilidade do campo de estágio. O desenvolvimento do estágio, que é comum para todos os alunos, é uma importante participação do aluno, destacada por todos os pesquisadores. A criação ou formação de redes de pesquisa e o ambiente do campo universitário é também um fator de motivação para o relacionamento. Ainda reconhecem o interesse da comunidade local pelo conhecimento tecnológico bem como o alcance das patentes para a região, pois a pesquisa básica e a aplicada são necessárias. 214 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade A maioria dos pesquisadores apontam como a maior barreira no relacionamento UEG-Empresa a falta de infraestrutura física e tecnológica, tanto nas empresas locais quanto na UEG. Outras barreiras apontadas são, possivelmente, desencadeadas como uma decorrência desta situação, como, por exemplo, a falta de confiança entre os atores e a limitação dos recursos, seja pelo espaço físico, seja pelos recursos científicos e tecnológicos. Os pesquisadores ressaltam, além disso, a burocracia, a falta de mecanismos de incentivos, a dificuldade de transferência de conhecimento, a cultura institucional, a falta de divulgação, a falta de interesse das empresas e a falta de interlocução UEG-Empresas. A maioria dos pesquisadores revela que a falta de infraestrutura do campo universitário e das empresas é uma barreira para o relacionamento, justificando que ambas as instituições “não estão muito preparadas”, “estão muito no seu próprio mundo, mas acho que cabe, também, à gente abrir essas oportunidades (PP2)”. A cultura institucional da universidade, talvez, não esteja conseguindo aproveitar os ativos de conhecimento já acumulados por ela para investir cada vez mais nas áreas de empreendedorismo e de inovação. 2.2.3 A UEG na visão dos atores locais: empresas Os atores das empresas compreendem que o papel da UEG deve ser pensado em uma abrangência maior, “não pode ter limite, tem que ser aberta, participativa e deve ter interação com a sociedade, receber cobranças e apresentar respostas, para o crescimento na região” (EL1). Indicam a necessidade de a UEG “ter autonomia financeira e administrativa e definir diretrizes para se estabilizar” (EL4). Para estes atores, mesmo com as críticas, a UEG “existe e é social, promove integração e faz parte da comunidade” (EL2). Pelos dados das entrevistas, verifica-se que há um interesse dos atores das empresas em realizar algum tipo de relacionamento com a UEG por terem, todos os entrevistados, conhecimento das condições internas da universidade, visto que a maioria deles desenvolve projetos de pesquisa em parceria com UEG e reconhece a importância do conhecimento para a resolução dos seus problemas. O interesse pela parceria é de realizar pesquisa diretamente relacionada aos problemas particulares de cada empresa, ou seja, às questões de interesse de cada empresa. Quanto ao tipo de relacionamento, os atores das empresas indicam que podem ser formais, via contrato e convênios, ou informais. Já o tipo de pesquisa predominante é a aplicada, mas revelam a presença, também, da pesquisa básica. No entanto, o que chama atenção nos relacionamentos empresa-UEG é o fato de darem diretaUEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais 215 mente com o pesquisador, diretamente com os campo universitário ou por meio de estágios, para atender à formação dos alunos. Os relacionamentos formais acontecem por meio de parcerias com os campos universitários. Arealização dos estágiosé apontada como a maior oportunidade para promover parcerias com a UEG. Os relacionamentos informais acontecem por meio de interações diretas entre empresa e pesquisador. As empresas revelam que o interesse é pela criação de conhecimento da área em que atua o pesquisador e pelas relações pessoais, como a amizade, que se estabelecem entre os atores. Os representantes das empresas citam alguns aspectos que motivam o relacionamento Empresa-UEG, tais como: o prestígio da UEG e anecessidade de conhecimento por parte da empresa; a expertise do pesquisador; a própria existência da UEG no local, e, por fim, as relações pessoais. As empresas locais também têm consciência da importância da expertise do pesquisador e a existência do campo universitário tem mudado a estrutura do local e os conceito da comunidade. Assim, as relações pessoais estabelecidas entre os atores de ambas as instituições fortalece o relacionamento UEG-Empresa, pois a parceria se faz principalmente por meio das pessoas que têm interesses em comum com a empresa. As barreiras que dificultam o relacionamento empresa-UEG é a falta de infraestrutura, os processos altamente burocratizados, o fato do pesquisador não ser da área específica de interesse da empresa, falta de iniciativa da própria empresa, a falta de política interna também foi considerada uma barreira importante. Os atores das empresas apontam, ainda, como barreiras, a falta de tempo e de iniciativa da própria empresa local e a falta de diálogo e de sinergia entre os atores – universidade, empresas e Governo − e nisso, convergem com a opinião dos pesquisadores. Para um dos entrevistados, a proposta para superação destas barreiras é “a criação de canais de comunicação para romper com as resistências dos empresários e de outros técnicos, como, por exemplo, os agrônomos, que se sentem conhecedores da sua região e de seus processos, apresentando resistência em municípios que desenvolvem suas atividades econômicas a partir de toda uma cadeia de processos que se relacionam com a área rural” (EL6). Neste caso, é preciso modificar a forma de pensar dos atores locais e empresários sobre o papel e a contribuição da UEG, e isso pode se dar a partir da ajuda dos formadores de opinião destes municípios que conhecem a proposta da instituição, possibilitando romper com as resistências, para estreitar mais o relacionamento Empresa-UEG. 216 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Conclusão O estudo de caso da UEG revela a contribuição desta instituição ao levar formação de nível superior para diferentes municípios do Estado. Os dados da pesquisa, ao confirmarem que a UEG atua com maior intensidade nas atividades de ensino e com menor intensidade nas atividades de pesquisa e extensão, indicam que a UEG, no decorrer de sua evolução, assumiu mais o papel de difusora do conhecimento e menos o de criadora de conhecimento. Neste sentido, o caso da UEG não é diferente de tantas outras IES e reproduz as especificidades históricas dos países periféricos que, ao criarem as universidades, não as conceberam como universidades de pesquisa, geradoras de conhecimento, mas apenas como difusoras deste conhecimento, por meio da qualificação de profissionais. Considerando-se que a própria forma de produção do conhecimento tem se transformado − o Modo 2 analisado por Gibbons et al. (1994) − , exigindo a ampliação do papel da universidade brasileira para além da função de formadora de recursos humanos, a UEG, agora, precisará se adequar ao estabelecimento de novas relações com atores locais, inclusive as empresas. Diante do novo contexto de reestruturação produtiva e, consequentemente, de um novo modo de produção do conhecimento, com foco na inovação, os dados da pesquisa mostraram apenas indícios de práticas que estabelecem relacionamentos com os atores locais. Deste modo, a UEG por não ter sido pensada e projetada para interagir e cooperar com as empresas locais, não investiu em infraestrutura científica e tecnológica, pouco incentivou a criação, a produção e o uso do conhecimento para um futuro sistema regional de inovação, e pouco desenvolveu mecanismos que facilitassem a transferência de conhecimento e a criação de empresas. AUEG, em sua trajetória, não tem conseguido estruturar internamente as condições para a interação direta com o desenvolvimento local. Na prática, os relacionamentos entre as instituições acontecem ainda que de forma incipiente e não institucionalizada. Os tipos de interação com os atores locais mais presentes na UEG estão em conformidade com duas das abordagens estudadas nesta tese e que tratam do papel da universidade: a proposta de autores latino-americanos, que considera a universidade como ator do desenvolvimento social e , por isso, enfatiza mais o envolvimento da universidade com os problemas sociais locais; e com a abordagem do sistema de inovação, que considera a universidade formadora de recursos humanos, destacando a formação de redes de pessoas, fundos de pesquisas cooperativos e contatos inforUEG e inovação: a posição dos atores institucionais e locais 217 mais. É possível, também, verificar que a realidade da UEG ainda não comporta a abordagem da hélice tríplice, que propõe um tipo de interação com os atores locais, principalmente as empresas, em que as universidades exploram comercialmente suas invenções através do gerenciamento da propriedade intelectual, criação de escritórios de transferência de tecnologia, spin-offs e start-ups, como preconizado por Etzkowitzet al. (2000). Entretanto, verificou-se a presença de alguns relacionamentos que podem no futuro sinalizar para este possível papel da UEG de empreendedora e promotora da inovação. Os dados da pesquisa levam à conclusão de que a relação UEG-Empresa precisa evoluir, pois de acordo com a posição dos atores, principalmente os da UEG, não há apoio e incentivos financeiros do Governo, portanto, é preciso o terceiro elo de ligação – o Estado – para estimular e financiar o espaço de interação. A interação entre UEG e outros setores é uma das importantes estratégias para romper com a condição do subdesenvolvimento, mas, para tanto, o Estado de Goiás deveria ter um sistema produtivo eficaz dotado de relativa autonomia tecnológica, uma ação orientadora de dentro e uma estratégia intencionalmente concebida,como defendeu também Furtado (1992) em relação aos Estados do Nordeste brasileiro. Neste sentido, para potencializar a produção de novos conhecimentos são necessários recursos humanos altamente qualificados e empresas comprometidas com processos de desenvolvimento e inovação. Assim, o Estado deve reconhecer seu papel de formulador de políticas de ensino superior congruentes com as políticas industriais e de inovação. Agradecimentos Universidade Estadual de Goiás (UEG), Universidade Federal do Rio de Janeiro e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás. (FAPEG). Referências AROCENA, R.; BORTAGARAY, I.; SUTZ, J. Reforma universitária y desarrolo. Montivideo: Tradinco, 2008. ETZKOWITZ, H.; LEYDESDORFF, L. The triple helix university, industry, government relations: a laboratory for knowledge based economic development. Amsterdam, EASST Review, v. 14, n. 1, March 1999. FURTADO, C. O subdesenvolvimento revisado. Economia e Sociedade, v. 1, ago. 1992. GIBBONS, M. et al. The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies. Reimpr. 2. ed. Londres: SAGE Publications, 1994. 218 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade KUPFER, D.; LAPLANE, M. F.; HIRATUKA, C. do desenvolvimento no Brasil: temas transversais. Rio de Janeiro: Synergia: UFRJ, 2010. LUNDVALL, B-A. The university in the learning economy. DRUID Working Paper, n. 6, 1992. SUZIGAN, W.; ALBUQUERQUE, E.; CARIO, S. A. F. Em busca de inovação: interação universidadeempresas no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 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No que tange ao comércio eletrônico, sua franca expansão representa um mercado bilionário que, a cada dia, cresce seja em representatividade ou em demanda por serviços de segurança da informação. Deste modo, o modelo de negócio econômico por trás da Internet muda constantemente. Precipuamente, a mudança ocorre sob dois aspectos: a forma de transferência de dinheiro entre as partes e a garantia da segurança neste processo. E, exatamente neste contexto, é que se insere o Bitcoin (PAUL, 2013; ULRICH, 2014). O Bitcoin, notadamente, desde fins de 2012, tem ganhado destaque quase que cotidiano na mídia, principalmente quanto a sua aceitação como moeda digital, regulação financeira e valor monetário. Porém, contrastando com a crescente populari221 dade, a segurança da rede Bitcoin (BRITO, CASTILLO, 2013; REID, 2012), incluindo aspectos internos (protocolo Bitcoin) e externos (serviços de wallet e exchange), detém destaque superficial, o que abre espaço para a especulação e a desinformação. Portanto, é de grande relevância analisar sua segurança, cabendo abordar: • O contexto tecnológico ao qual o Bitcoin se insere; identificando os conceitos básicos da criptomoeda; o valor monetário e a aceitação como bem de troca; aspectos gerais de segurança financeira; e, aspectos gerais de segurança tecnológica; • A tecnologia Bitcoin; criação da moeda; duplo gasto e blockchain; anonimato na rede Bitcoin; e, transferência de Bitcoins; • Serviços associados; endereço Bitcoin; wallets; exchanges; • Segurança do protocolo Bitcoin; ataques de DoS; ataque de isolamento de nós; spam de transações; atacantes com elevado poder computacional; segmentação da blockchain; e, transaction malleability; • Segurança dos serviços da rede Bitcoin; segurança nas carteiras; roubo de Bitcoins; • Considerações finais; perspectivas para o futuro; o Bitcoin na mídia; avaliando a Segurança da Informação ao sistema Bitcoin; e, propostas para trabalhos futuros; 2Contextualizando o Bitcoin O Bitcoin, por se tratar de uma tecnologia recente (DAI, 2014; NAKAMOTO, 2008), guarda inúmeros conceitos ainda não completamente analisados. Desta forma, vários estudos (BRITO, CASTILLO, 2013; REID, 2014; KARAME, 2012; MOORE, 2013) estão sendo feitos no intuito de apontar deficiências ou, até mesmo, ratificar a segurança do protocolo. Por tal, muitos querem entendê-lo, para poder usá-lo. Nesse sentido, faz-se pertinente sua devida apresentação. 2.1 Origem Cronologicamente, sua origem remonta ao artigo publicado em outubro de 2008 por Satoshi Nakamoto (NAKAMOTO, 2008) explicando o funcionamento de um “sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer”. Posteriormente, no dia 9 de janeiro de 2009 foi anunciado o lançamento do software oficial na lista de discussões online 222 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade de criptografia. Este software detém código-fonte aberto, permitindo o download, modificação e a inspeção gratuita de suas funcões por qualquer indivíduo. Por conseguinte, tanto a origem quanto o funcionamento e as regras do sistema são completamente conhecidos, transparentes e publicamente disponíveis a quem se dispuser a pesquisar (BITCOIN, 2014). 2.2 Conceituação A priori, o termo Bitcoin se trata de um conjunto de tecnologias de criptografia e matemática complexa, mas, também, assume conceitos multidisciplinares (BITCOIN, 2014; B. TIMOTHY, 2013; NAKAMOTO, 2008). Assim, assume diversos pontos de vista, podendo, inclusive, ser explicado por dois pontos principais; ora como modelo econômico financeiro, ora como um conjunto integrado de tecnologias e serviços da informação. Sob o ponto de vista econômico financeiro (ANDREESEN, 2014; B. TIMOTHY, 2013; PAUL, 2013; ULRICH, 2014) temos: o Bitcoin trata-se de uma forma de dinheiro, tal como o real, o dólar, o euro, porém puramente digital. Dessa forma, em linhas gerais, dispõe das mesmas premissas pertinentes ao tema. Entretanto, apresenta algumas particularidades, das quais se destacam: o seu valor monetário é livremente definido pelo mercado; baixa liquidez; bastante suscetível a ataques especulativos; não é emitida por nenhum governo; proporciona transações online de forma rápida, barata (com quase nenhum custo) e segura; permite transferências para qualquer lugar do mundo sem precisar confiar em um terceiro (por exemplo, banco central) para realizar a tarefa; o usuário custodia o seu próprio saldo, isto é, o usuário é depositante e depositário ao mesmo tempo; possui oferta limitada rígida em 21 milhões de unidades, a ser atingida gradualmente no futuro. Sob o ponto de vista de tecnologia e serviços da informação (BRITO, CASTILLO, 2013, REID, 2012; BAKAMOTO, 2008), temos; o Bitcoin é um software de código-fonte aberto que se ampara em uma rede de computadores distribuída (peer-to-peer), inexistindo, neste contexto, servidor central nem entidade controlando a rede, cada nó é simultaneamente cliente e servidor; sua criação dá-se pelo esforço computacional de várias máquinas que ao resolver problemas complexos produzem a moeda, em um processo conhecido como mineração; o core do sistema, isto é, seu protocolo, baseia-se nas premissas de irreversibilidade de transações, garantia de idoneidade das transferências através de segurança por meio de um complexo Aspectos de segurança na rede Bitcoin 223 algoritmo criptográfico e uma relação de confiança entre os nós, assegurando um consenso generalizado acerca da veracidade das transações realizadas. Enfim, cumpre observar que o conceito de Bitcoin depende do ângulo em que é analisado. Assim sendo, de acordo com o escopo desejado, podem ser dadas duas conceituações, ampla e restrita. Em sentido amplo, temos por definição: Rede distribuída e descentralizada de transferência de dados criptográficos entre nós adjacentes cuja informação individualizada possa ser valorada financeiramente como moeda. E, em sentido restrito, como: Moeda criptográfica puramente digital com valor agregado seja econômico ou tecnológico. 2.3 Valor monetário Em relação ao valor monetário, a análise (BARBER, 2012; B. TIMOTHY, 2013; PAUL, 2013) deve ser feita sob o seguinte prisma: à medida que mais empresas utilizarem-no como forma de pagamento e mais consumidores e vendedores o acreditar como meio de troca, consequentemente maior será sua liquidez e menor tende a ser sua volatilidade. Desta forma, a cotação da moeda no mercado é mero reflexo do seu crescimento e aceitação. Em um mercado que se autorregula, o Bitcoin terá uma cotação mais estável permitindo investimentos saudáveis, de forma a atrair maior adesão das instituições financeiras, vide bancos privados. Adicionalmente, o mercado Bitcoin, necessita de casas de câmbio, exchange, para trocá-lo por outras moedas nacionais, por exemplo dólar ou euro. Atualmente, temos como principais casas de câmbio a Bitstamp (BISTAMP, 2014) (sediada na Eslovênia), a MtGox (mt. gox, 2013) (baseada no Japão) – finalizou as atividades por problemas de segurança – e a BTC-E (BTC-E, 2014) (com sede na Bulgária). No Brasil, temos o MercadoBitcoin (Mercado Bitcoin, 2014), que, inclusive, na Campus Party 2014 em São Paulo, apresentou o primeiro ATM (caixa eletrônico) de Bitcoin da América do Sul. 224 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 2.4 Aspectos gerais de segurança financeira Apesar dos benefícios do uso da moeda digital (PAUL, 2013), vários são os questionamentos acerca da segurança do sistema. Ironicamente, o maior problema de segurança sob a perspectiva econômica também é apontado como uma grande qualidade do sistema, qual seja; a falta de regulamentação por autoridade central. A confusão tem sido tanta neste aspecto que os governos e reguladores de mercado, ora estão vacilantes quanto à aceitação do Bitcoin, ora receptivos. A análise da vantajosidade como forma de pagamento, diante do inegável crescimento do seu uso, tem provocado uma onda de ações governamentais contrastantes e, por vezes, exacerbadas. A título de exemplo (ULRICH, 2014), em relação ao mercado regulador, temos: na Alemanha, o reconhecimento pelo ministério da fazenda do Bitcoin como “unidade conta” e “dinheiro privado” para fins fiscais, contudo, demonstra preocupação sobre o uso da moeda, principalmente quanto ao seu caráter especulativo; na China, especificamente em Hong Kong, a autoridade reguladora deixa claro que está monitorando a atividade da moeda para fins de verificar instabilidades no mercado financeiro local; na Bélgica, o banco nacional não tem intenções de regular a moeda além das próprias leis vigentes, permitindo, assim, o seu uso; e, em Cingapura, local onde a moeda mostra-se mais aceitável, inclusive com parecer favorável do banco central, dando um tratamento legal às transações possíveis envolvendo o Bitcoin, a IRAS (Inland Revenue Authority of Singapure), definiu detalhadamente a metodologia de tributação do Bitcoin. De fato, a preocupação econômica com a falta de regulamentação mostra-se procedente, ainda mais ao avaliarmos a sonegação de impostos, evasão de divisas nacionais e aparente “facilidade” de uso da moeda para fins ilícitos. 2.5 Aspectos gerais de segurança tecnológica Em relação à segurança sob a ótica tecnológica temos dois aspectos a tratar; a segurança interna, isto é, do protocolo por trás do Bitcoin e a segurança externa, isto é, dos serviços associados que prestam a manipulação (transações), guarda e troca da moeda. O protocolo da moeda, em si, encontra-se em processo contínuo de amadurecimento (BRITO, CASTILLO, 2013). Apesar de estável e suficientemente compreendido pela comunidade, por vezes, alguns erros estão sendo reportados e corrigidos pelos desenvolvedores do software, por exemplo, o bug, chamado de “transaction malleability” que ocasionou a quebra de uma importante exchange, MtGox (ULRICH, 2014). Aspectos de segurança na rede Bitcoin 225 Portanto, além de cautela, faz-se necessário o acompanhamento de perto acerca do desenvolvimento do software. Por outro lado, na prática, o elo mais fraco da corrente tem sido a segurança externa. Esses serviços externos são executados, basicamente, por exchanges e wallets, ambos os serviços disponíveis no modo online. Por tal, temos todos os riscos associados à utilização deste tipo de serviço, sendo o usuário sujeito a toda sorte de inconveniências, tais como: ataques de negação de serviço (DoS), roubo de informações, propagação de malwares, vírus etc. 3A tecnologia Bitcoin O principal trunfo do protocolo Bitcoin é a eliminação do intermediário centralizador, criando um sistema onde a confiança “cega” não é necessária, de modo que a consciência coletiva aquiesce quanto à veracidade das informações, registrando-a e propagando-a por toda a rede. Essa é a essência do protocolo Bitcoin (REID, 2012; NAKAMOTO, 2008). Diante ao exposto, percebe-se que as tecnologias do Bitcoin, em suma, convergem para dois pontos, quais sejam; transparência e descentralização. Quanto ao primeiro, como principal tecnologia, temos: o “blockchain”, quanto ao segundo, temos: a “transferência de moeda”, e quanto a ambos, temos: o “duplo gasto”, a “criação da moeda” e o “anonimato da rede”. E, justamente, sobre estes pontos serão discorridos a seguir. 3.1 Criação da moeda O Bitcoin, apesar de ser puramente digital, não surge do nada, isto é, não é arbitrariamente criado por mera vontade do usuário. O processo de criação consiste do resultado do processamento matemático, dito esforço computacional, de colaboradores da rede denominados de mineradores (LIU, 2013; ULRICH, 2014). Os mineradores, ao realizar o processamento do software Bitcoin, buscam encontrar uma sequência de dados (é a resposta do desafio, denominado “nonce”, na verdade, trata-se de um número que tem o seu valor influenciado pelo grau de dificuldade do bloco, definido pelo software básico do Bitcoin). Esta sequência de dados deve solucionar a seguinte situação: (nonce) + (hash do bloco anterior da cadeia do blockchain) + (hash do bloco a ser processado) = (hash final específico, que inicie com 12 zeros) [20]. 226 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Quando tal combinação ocorre, o minerador ganha um prêmio em Bitcoins proporcional ao trabalho executado (atualmente 25 Bitcoins). Justamente este prêmio, representa as novas moedas que surgem na rede. Vale ressaltar que esta “proporcionalidade” diz respeito ao esforço individual de processamento em encontrar a sequencia de dados válido, ou seja, o trabalho pode ser totalmente individual, caso em que o minerador leva 100% do prêmio, ou parcelado, pois existem grupos (pools) de mineradores que unem esforços para encontrar a resposta, nesse caso, a recompensa é partilhada de acordo com critérios definidos pelo pool. Assim sendo, é importante frisar um ponto. O software da rede gradativamente irá reduzir a quantidade de Bitcoins como prêmio por bloco encontrado. Esse efeito, ao longo do tempo, irá reduzir a taxa com que a moeda será inserida na rede até chegar ao seu limite rígido. Portanto, esse processo de mineração não continuará indefinidamente. O Bitcoin foi projetado de modo que somente um número limitado e previamente conhecido poderá ser minerado, cuja quantidade arbitrária escolhida foi de 21 milhões de moedas. Uma vez que a última unidade tenha sido encontrada, os mineradores que direcionarem sua potência de processamento para a verificação das transações serão recompensados com taxas de serviço em vez de Bitcoins recém-criados. Isso garante que os mineradores ainda tenham um incentivo de manter a rede operando após à extração do último Bitcoin. 3.2 Duplo gasto e a blockchain Antes do Bitcoin, as transações online requeriam a participação de um terceiro que além de deter a confiança dos interessados na transação, atuava intermediando o procedimento. Exemplificando, se Pedro quisesse enviar dinheiro a Flávia por meio da internet, ele teria que depender de serviços de terceiros como, por exemplo, uma operadora de cartão de crédito, que, por sua vez, mantêm um registro dos saldos em conta dos clientes. Assim, caso Pedro envie dinheiro para Flávia, a intermediária debita a quantia de sua conta, creditando-a na de Flávia. Sem tais intermediários, abriria espaço para que Pedro gastasse a moeda digital diversas vezes. Neste contexto, imagine que não haja intermediários com registros históricos, e que o dinheiro digital seja simplesmente um arquivo de computador, da mesma forma que documentos digitais. Pedro, então, poderia enviar para Flávia a moeda simplesmente anexando o “arquivo de dinheiro” em uma mensagem. Mas, Aspectos de segurança na rede Bitcoin 227 assim como ocorre com um e-mail, enviar um arquivo como anexo não o remove do computador originário da mensagem eletrônica. Pedro reteria a cópia do arquivo após tê-lo enviado em anexo à mensagem. Dessa forma, ele poderia facilmente enviar a mesma quantia à outra pessoa qualquer. Esta situação, em ciência da computação, é conhecida como o problema do “duplo gasto”, e, até a chegada do Bitcoin, essa questão só poderia ser solucionada por meio de um terceiro que empregasse um registro histórico de transações (KARAME, 2012; MORRE, 2013). A invenção do Bitcoin é revolucionária neste sentido, pois, pela primeira vez, o problema do duplo gasto pode ser resolvido sem a necessidade de um terceiro. Simplificadamente, o Bitcoin o faz distribuindo o registro histórico a todos os usuários do sistema via rede peer-to-peer. Todas as transações que ocorrem na economia Bitcoin são registradas em uma espécie de livro-razão público e distribuído chamado de blockchain (corrente de blocos ou simplesmente um registro público de transações), o que nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico de todas as transações realizadas. Novas transações são verificadas contrapondo-as com a blockchain de modo a assegurar que os mesmos Bitcoins não tenham sido previamente gastos, eliminando o problema do duplo gasto. A rede global peer-to-peer, composta de milhares de usuários, torna-se o próprio intermediário. Assim, Pedro e Flávia podem transacionar sem a presença de um intermediário. Portanto, as transações são verificadas, e o duplo gasto é prevenido, por meio do uso de criptografia de chave pública. Tal mecanismo exige que a cada usuário sejam atribuídas duas “chaves”, uma privada, que é mantida em segredo, e outra pública, que pode ser compartilhada com todos. Quando Pedro decide transferir Bitcoins a Flávia, ele cria uma mensagem, chamada de “transação”, que contém a chave pública de Flávia, assinando com sua chave privada. Dessa forma, utilizando a chave pública de Pedro, qualquer um pode verificar que a transação foi de fato assinada com sua chave privada, sendo, assim, uma troca autêntica, e que Flávia é a nova proprietária dos fundos. A transação é registrada, carimbada com data e hora e exposta em um “bloco” da blockchain. A criptografia de chave pública garante que todos os computadores na rede tenham um registro constantemente atualizado e verificado de todas as transações dentro da rede, o que impede o duplo gasto dentre outros tipos de fraude (RARAME, 2012). 228 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3.3 Anonimato na rede Bitcoin O suposto anonimato que a moeda digital permite aos seus usuários provém de um erro de entendimento não só do Bitcoin, mas da ideia de moeda digital em si (REID, 2008). Observe que; se uma pessoa entrega para outra em dinheiro “vivo”, não há intermediário nem registro da transação. E, se neste processo, ambos não se conhecerem, pode-se dizer que a transação é completamente anônima. Deduz-se, que o anonimato é fato comum no nosso dia-a-dia, o que não ocorre em se tratando da moeda digital. Apesar das transações online até hoje necessitarem de um terceiro intermediário, elas não são anônimas. A Mastercard, por exemplo, mantém o registro de toda a vez que seus usuários enviam dinheiro. E devido às contas na Mastercard serem amarradas nas respectivas contas bancárias, as identidades dos envolvidos na transação é provavelmente conhecido. O Bitcoin encaixa-se em algum ponto entre esses dois extremos. Por um lado, Bitcoins são como dinheiro vivo, pois, quando um usuário envia moedas a outro, o primeiro não mais as possui, e o outro passa a possuí-los, não há nenhum terceiro intermediário entre eles que conhece suas respectivas identidades. Por outro lado, o fato de que a transação ocorreu entre duas chaves públicas, em determinado dia e hora, com certa quantidade, além de outras informações, é registrado na blockchain. Na realidade, qualquer e toda transação já efetuada na história da economia Bitcoin pode ser vista na blockchain. Enquanto as chaves públicas de todas as transações, também conhecidas como “endereços Bitcoin”, são registradas na blockchain, tais chaves não são vinculadas à identidade de ninguém. Porém, se a identidade de uma pessoa estivesse associada a uma chave pública, poderíamos vasculhar as transações na blockchain e facilmente ver todas as transações associadas a essa chave. Dessa forma, ainda que o Bitcoin seja bastante semelhante ao dinheiro vivo, em que as partes podem transacionar sem revelar suas identidades a um terceiro ou entre si, é também distinto do dinheiro vivo, pois todas as transações de e para um endereço Bitcoin qualquer podem ser rastreadas. Nesse sentido, Bitcoin não garante o anonimato, mas permite o uso de pseudônimo. Vincular uma identidade do mundo real a um endereço Bitcoin não é tão difícil quanto se possa imaginar. Para começar, a identidade de uma pessoa (ou pelo menos informação de identificação, como um endereço IP) é frequentemente registrada quando alguém realiza uma transação de Bitcoin em uma página web ou troca Aspectos de segurança na rede Bitcoin 229 dólares por Bitcoins em uma casa de câmbio, exchanges. Para aumentar as chances de manter o pseudônimo, seria necessário empregar softwares de anonimato como Tor, e ter o cuidado de nunca transacionar com um endereço Bitcoin na qual poderia ser rastreada a identidade do usuário. Diante ao exposto, os usuários de Bitcoin desfrutam de um nível muito maior de privacidade do que usuários de serviços tradicionais de transferência digital, os quais precisam fornecer informação pessoal detalhada a terceiros que facilitam a troca financeira. Ainda que o Bitcoin seja frequentemente referido como uma moeda “anônima”, na realidade, é bastante difícil permanecer anônimo na rede Bitcoin. Pseudônimos ligados a transações armazenadas no registro público podem ser identificados anos após a realização de uma troca. Por fim, uma vez que as exchanges estejam em dia com as regulações financeiras requeridas, tal qual ocorre com os intermediários financeiros tradicionais, o anonimato será ainda menos garantido, porque, certamente, será exigida a coleta de dados pessoais de seus clientes. 3.4 Transferência de Bitcoins Uma transferência nada mais é do que a passagem da titularidade da moeda entre um endereço e outro. Primeiramente, é importante frisar que a própria rede, por meio da leitura da blockchain, aquiesce quanto ao saldo disponível em cada endereço. Este consenso visa evitar fraudes na rede (OBER, KATZENBEISSER, HAMACHER, 2013; ULRICH, 2014; BITCOIN, 2014). Antes mesmo de efetuar qualquer transferência, o usuário terá que se preparar, pois, obrigatoriamente, deve-se utilizar uma carteira. Assim, no primeiro momento, o usuário deverá escolher o tipo de carteira desejado, inclusive, caso a carteira seja instalado em sua máquina local (software wallet), o usuário deverá sincronizar-se com a blockchain, isto é, deve-se efetuar o download de toda a blockchain, de modo que possua o status completo da rede. Após a sincronia, a carteira está apta a transferir. O processo de transferência em si é bem simples. Vide esquema na figura 1. 230 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Figura 1 – Transferência de Bitcoins Percebe-se que o processo de transação tem como entrada o hash da transação anterior e a chave pública do próximo dono. Ambos passam por um processo de soma e, por fim, assinados com a chave privada do dono atual. O portador da moeda envia esta mensagem assinada por broadcast através da rede. À medida que os nós da rede recebem a mensagem criptografada, verificam sua validade abrindo a mensagem com a chave pública do antigo dono e, também por broadcast, mandam mensagens confirmando a transferência. Forma-se, assim, um consenso de validade da transação, porém, trata-se de uma confirmação “regional”. O próximo passo é a ratificação “global” da transação por toda a rede. O conjunto de todas as transações dos últimos 10 minutos, segundo o timestamp da blockchain, é usado pelos mineradores no processo de criação de blocos, denominado “proof of work”, “prova de trabalho”, que irá compor a blockchain. Desse modo, os mineradores processam essa coletânea de transações e executando o algoritmo do Bitcoin, mineram encontrando como resultado um bloco válido que irá compor a blockchain. Só então, toda a rede confirma a transação, tornando-a irrevogável. Uma verdadeira linha do tempo de transações é incluída de forma contínua na cadeia de blocos da blockchain. Estes blocos não podem ser alterados sem refazer todo o trabalho requerido para criar os blocos posteriores ao modificado. A “cadeia longa”, isto é, a maior sequencia de blocos da blockchain, serve não somente como prova de uma sequencia de eventos, mas também registra a sequencia de eventos que foi verificada pela maioria do poder computacional da rede Bitcoin. Aspectos de segurança na rede Bitcoin 231 3.5 Serviços Associados 3.5.1 Endereço Bitcoins O endereço Bitcoin corresponde a um identificador único composto por letras e números case sensitive, começando com o dígito 1 ou 3, por exemplo, 3FfmbHfpoiZjKFvyi1okTjJJusN455paPI, que caracteriza uma conta válida e capaz de receber e enviar moedas. Cada endereço é criado através de um algoritmo que associa a um par de chaves criptográficas, pública e privada, utilizando o algoritmo ECDSA (Elliptc curve DAS). Algumas particularidades adicionais quanto ao endereço Bitcoin devem ser observadas. Primeiro, se o usuário perder a chave privada associada ao endereço, fatalmente não conseguirá mais ter acesso ao mesmo, e por tal, perderá o saldo disponível neste endereço. Dessa forma, é de fundamental importância que o usuário tenha backup das chaves. Segundo é computacionalmente possível, porém improvável, que duas pessoas tenham o mesmo endereço Bitcoin podendo, assim, receber e gastar seu saldo. Isto não corresponde necessariamente a uma falha de segurança, apesar de ser uma deficiência do protocolo. Existe um número gigantesco de possibilidades de endereços, assim, até por questões de segurança e anonimato, muitas pessoas associam a cada transferência um endereço Bitcoin diferente. Por tal, é comum uma carteira administrar vários endereços, apresentando como saldo a soma de todos os endereços por ela gerenciados. 3.5.2 Wallets Wallets Bitcoin ou genericamente carteiras, corresponde a um serviço de gerenciamento de endereços Bitcoin. Suas principais funcionalidades consistem em: envio e recebimento de Bitcoins; geração de endereços; gerenciar saldos, e, proteger as chaves do usuário por meio de senhas e criptografia dos dados. Existem, atualmente, diversos tipos de carteira, das quais podem ser classificadas em: web wallets, software wallets e paper wallets. Os softwares wallets são programas que podem ser instalados nos dispositivos do usuário capazes de se conectar diretamente à rede Bitcoin, sincronizando a blockchain localmente, e permitem a manipulação da moeda. Ainda, podem conter recursos adicionais como a leitura de códigos QR. Como exemplos, temos o Multibit, vide figura 2, e o Bitcoin-Qt. 232 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Figura 2 –Exemplo de software wallet Os web wallets são sites web que disponibilizam o mesmo serviço que o software wallet, porém com alguns recursos limitados, a depender de cada site, e, normalmente, cobram taxas de manutenção de conta e transações. Sua principal vantagem é o fornecimento de segurança e gerenciamento para as chaves privadas dos usuários e desnecessidade de ter que sincronizar como a blockchain. Como desvantajem, existe a dependência do serviço por parte do usuário e o risco associado à idoneidade do site. Como exemplo temos a Coinbase, vide figura 3. Figura 3 – Exemplo de web wallet Aspectos de segurança na rede Bitcoin 233 Os paper wallets são impressões em papel dos endereços Bitcoin mais o par de chaves privada e pública. É considerado um meio offline de gerenciamento de chaves que se aproxima da noção de moeda tradicional. Figura 3 – Exemplo de paper wallet 3.5.3 Exchanges As exchanges fazem o papel de porta na rede Bitcoin, seja de entrada seja de saída. O seu funcionamento é idêntico a uma casa de câmbio, ou seja, uma parte troca o Bitcoin por moeda nacional com a intermediação da exchange, que sobre a operação cobra uma taxa. Entretanto, até pela natureza do Bitcoin, existem algumas particularidades. A maioria das exchanges exigem que seus usuários abram contas na qual depositam o dinheiro a ser transacionado, ou seja, funcionam como depositário, e no caso do Bitcoin, funcionam como uma espécie de wallet. Assim, deve haver uma relação de confiança entre usuário e a exchange. Relação esta, ficou muito abalada após o caso MtGox (ULRICH, 2014; ULRICH, 2014b). Hoje, muito se têm discutido acerca da segurança dessas empresas e de sua metodologia de serviço, inclusive, com forte pressão pela regulamentação de suas atividades. 4Segurança da rede Bitcoin É necessário cautela antes de rotular o Bitcoin como sendo seguro ou inseguro. Embora seu código aberto demonstre transparência, o caráter descentralizado e a falta de autoridade central mostram incerteza e certa obscuridade. Contudo, não se deve, precipitadamente, julgá-lo. É possível, porém improvável, que um bug recém-descoberto ou vulnerabilidade de segurança no cliente padrão possa levar a uma divisão da blockchain, ou a necessidade de cada nó ter de se atualizar em um curto 234 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade período de tempo. Por exemplo, uma única mensagem adaptada para explorar uma vulnerabilidade específica, quando se espalhar de nó a nó, poderia causar o desligamento de toda a rede em poucas horas. Erros que quebram o anonimato do usuário, ao contrário, foram identificados, uma vez que o cárater de “pseudo-anonimato” do Bitcoin foi, até então, menos analisado. Notadamente, o ritmo de atualizações do software básico, em suas seções críticas do código fonte está sendo atualizado com uma frequência cada vez menor, o que demonstra estabilidade do código. Ainda, o cliente Bitcoin desenvolvido por Satoshi está on-line por mais de 3 anos, sem nenhuma vulnerabilidade explorada de forma a comprometer todo o sistema. 4.1 Segurança do Protocolo Bitcoin. 4.1.1 Ataques de Denial of Service (DoS) O cliente padrão Bitcoin possui, embutido, prevenção moderada contra ataques de DoS, mas é provável que ainda possa ser vulnerável a ataques mais sofisticados (DAVID SCHNARTZ, 2011). O cliente está programado para derrubar conexões com qualquer nó que esteja enviando dados Bitcoin não válidos (informação que não é nem uma transação válida, bloco ou outra mensagem propriamente dita). Se o cliente estabelecer apenas conexões de saída (outbound), seria muito difícil de sobrecarregá-lo com um ataque DoS. Entretanto, se ele aceitar conexões de entrada (inbound), constantes solicitações de reconexão por parte de um nó malicioso com endereços diferentes, caracterizariam um ataque DoS. Um nó malicioso pode tentar usar mensagens válidas Bitcoin de transação para executar um ataque de negação de serviço, mas isso exigiria uma grande quantidade de moedas. A execução correta de um ataque DoS contra uma cliente Bitcoin poderia desconectá-lo ou dificultar transações não maliciosas de serem transmitidas através da rede. No primeiro cenário, é um caso de um ataque bem conhecido de DoS, não sendo exclusivo para o Bitcoin. O segundo caso é mais explorado no tópico 4. 1. 3. 4.1.2 Ataque de isolamento de nós Este método de ataque caracteriza-se por um atacante tentar encher a rede com clientes comprometidos, espécie de ataque man-in-the-middle (MOORE, 2013). Dessa forma, muito provavelmente, um cliente ao se conectar nesta rede estaria Aspectos de segurança na rede Bitcoin 235 ligado a nós sob o controle do atacante, isolando-o da rede “honesta”. Assim, um nó estaria suscetível a uma grande gama de outros ataques. Este estado poderia ser explorado (no mínimo) das seguintes formas: o atacante pode se recusar a retransmitir blocos e transações do “mundo externo”, desconectando o nó atacado da rede (negação de serviço); o atacante pode transmitir apenas os blocos por ele criados, colocando o nó atacado em uma rede separada, criando condições para ataques de duplo gasto; caso o cliente atacado confie em transações sem confirmações, o atacante pode simplesmente filtrar certas transações para executar um ataque de duplo gasto. 4.1.3 Spam de Transações. O cliente Bitcoin pode, facilmente, transacionar consigo mesmo, isto é, entre endereços gerenciados pelo mesmo indivíduo, repetidamente (BITCOIN WIKI, 2014). Entretanto, esta facilidade pode ser utilizada para atacar a rede. Caso todas as transações dentro do timestamp (10 minutos) preencherem um bloco com o tamanho máximo de 1MB, as outras transações dentro do período serão adiadas para processamento e inclusão no próximo bloco da blockchain. Representa, assim, um tipo de ataque de negação de serviço. Contudo, a formação do bloco de transações possui algumas particularidades. Primeiro, o protocolo estabelece o máximo de 50KB de transações grátis por bloco (o Bitcoin segue um conjunto de regras específicas para cálculo da taxa de transação) (BITCOIN WIKI, 2014), as demais transações possuem taxas. Assim, neste cenário, caso o atacante queira comprometer todas as transações, findos os 50KB gratuitos, as taxas podem ficar até 0,01 Bitcoin por KB. Um atacante teria um grande gasto na operação. Mesmo que um atacante queira desperdiçar dinheiro, na montagem do bloco que irá compor a blockchain, existe um mecanismo de prioridade pelo tempo desde que as moedas foram gastas pela última vez. Desse modo, conclui-se que ataques de spam de transações são pouco eficazes. 4.1.4 Atacantes com elevado poder computacional. Um atacante que controlar mais que 50% do poder computacional da rede pode, pelo período em que estiver no controle, excluir e modificar a ordem das transações (BITCOIN, 2014). Isto permitirá, durante o tempo em que estiver no controle: reverter às transações por ele enviadas; abrir espaço para o duplo gasto; evitar que algumas ou todas 236 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade as transações recebam qualquer confirmação; impedir que alguns ou todos os outros mineradores de minerar qualquer bloco válido. Os atacantes não poderão: reverter transações de outras pessoas; prevenir transações serem enviadas (exibirão como status “zero”, “não confirmada”); alterar o número de moedas geradas por bloco; criar moedas de forma off-line; enviar moedas que nunca pertenceram a ele. Com menos de 50%, o mesmo tipo de ataque é possível, porém com menos de 100% de taxa de sucesso. Por exemplo, alguém com 40% do poder de computação da rede pode produzir 6 confirmações de transações com uma taxa de sucesso de 50%. É muito difícil mudar blocos consolidados, e, é exponencialmente mais difícil retroceder na linha do tempo da blockchain. Em suma, este ataque exige muito poder sobre a rede, sendo difícil alguém tentar fazê-lo. Uma pessoa visando lucro ganha mais, apenas seguindo as regras, e até mesmo alguém que tentar destruir o sistema provavelmente vai encontrar outros ataques mais atraentes. No entanto, se este ataque for executado com sucesso, será difícil ou impossível “desembaraçar” a confusão criada, quaisquer alterações executadas pelo atacante podem se tornar permanentes. 4.1.5 Segmentação da blockchain Como o Bitcoin é um sistema peer-to-peer e não existe uma autoridade central para resolver disputas sobre a integridade dos dados, cada cliente tem que executar essa tarefa. Em condições normais, um cliente recebe, de outros nós, dados acerca dos novos blocos e usa a blockchain como parâmetro para a confirmação das transações e as que ainda estão para ser incluídas em um bloco (BITCOIN WIKI, 2014). Caso exista uma “segmentação” da blockchain, devido a uma tentativa de ataque, diferença em relação a versões ou modificações dos clientes, isolamento da internet em certas regiões, a cadeia mais longa é considerada segura para todos os fins, todas as transações que fazem parte da cadeia mais curta e não forem encontradas na cadeia mais longa são tratadas como se não fizessem parte de nenhum bloco. Contudo, quando as cadeias dos blocos segmentados forem recombinadas, todas as transações geradas na cadeia mais curta serão readicionadas ao conjunto de transações da cadeia longa, porém, o status destas transações será reiniciado com o status de “não confirmada”, mas ainda sim permanecerão válidas. Nenhuma transação será perdida a menos que a segmentação persista por mais de 120 blocos. Após este limiar, os blocos da cadeia curta começarão a “amadurecer” fazendo com que Aspectos de segurança na rede Bitcoin 237 todas as transações com base nessa cadeia se tornarem inválidas quando recombinado com a cadeia mais longa. 4.1.6 Transaction Malleability Um bug no software Bitcoin permite que um hacker possa se utilizar da rede Bitcoin para alterar os detalhes da transação no intuito de simular que uma dada transferência foi malsucedida, quando, de fato, ocorreu. Este defeito, conhecido como transaction malleability (maleabilidade de transação) torna possível para um terceiro alterar o hash de qualquer transação recém-emitida sem invalidar a assinatura, desta forma, resultando em uma operação válida, porém com um hash diferente. Tomemos um exemplo para melhor compreensão do processo do bug. Alice deseja transferir alguns Bitcoins para Bob. Alice, então, acessa a sua carteira, navega até a guia de transferência, define a quantia a ser enviada e insere o endereço Bitcoin do destinatário, que nada mais é do que a chave pública de Bob. Internamente, a carteira de Alice verifica dentre os endereços gerenciados a combinação com a menor quantidade de inputs gerando a menor transação possível em tamanho (bytes). Neste ponto, cabe um adendo, Alice, na verdade, está utilizando uma transferência de Bitcoins recebida de alguém, em algum momento no passado, definindo um valor, assinando e transferindo para Bob. Ao executar este processo, um registro de transação é criado, contendo o seguinte: uma referência para a transação anterior (aquele em que Alice recebeu o dinheiro que ela agora está transmitindo para Bob), uma assinatura digital privada que Alice usa para provar que os Bitcoins da transação anterior foram, de fato, dados a ela, o valor que ela está transferindo para Bob, e um endereço digital Bitcoin, onde Bob receberá o dinheiro, vide figura 4. Figura 4 – Registro de Gravação de Transação 238 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Então, esse registro da transação é enviado para os nós mineradores, que, em seguida, irão verificá-lo. Se a transação for legal, ela será adicionadoa ao bloco que irá compor a blockchain. Alice, assim, terá obtido êxito em sua transferência para Bob. Agora, para que Bob possa usar esses Bitcoins, ele tem que ter uma maneira de fazer referência a essa transação, de apontá-lo na blockchain. O protocolo Bitcoin facilita isso através da criação de uma identificação única para cada transação. Essa identificação única é gerada rodando o conteúdo do registro da transação através de função hash. Figura 5 – Geração da identificação única de transferência O registro da transação é, então, submetido a uma função hash que produz uma sequência de 64 caracteres, vide figura 5. Essa sequência de saída varia muito com pequenas alterações para o registro de transações de entrada, que é uma das razões pelas quais ele pode servir de forma tão eficaz como um identificador exclusivo. Se olharmos para um transação em qualquer site que lhe permite explorar a blockchain, como o site blockchain. info, vide figura 6, certamente, podemos obter o identificador único de cada transferência. Figura 6 – Verificação do código único de uma transação Aspectos de segurança na rede Bitcoin 239 Por fim, quando um registro de transação é enviado para os nós mineradores, é possível para um hacker ajustá-lo o suficiente para mudar o hash, mas não o suficiente para tornar a transferência inválida. Uma das maneiras pelas quais o hacker pode fazer isto é modificar ligeiramente a assinatura digital de tal modo que ainda é reconhecida como a assinatura válida, porém, o resultado do hash da transação é um hash completamente diferente, vide figura 7. Figura 7 – Comparação de Hash’s Percebe-se diante ao exposto que a única coisa que está mudando é o ID exclusivo usado para referenciar essa transação, pois as partes da transferência permanecem as mesmas. Até aí, apesar de ser um bug, não parece ser um grande problema. Contudo, as coisas podem se complicar, como de fato ocorreu com a exchange MtGox. Quando alguém deseja negociar pelo sistema da empresa, primeiramente, o cliente deve transferir seus Bitcoins para a carteira da empresa que passa a custodiá-los. Desse modo, o cliente pode efetuar as mais diversas operações (compra e venda) pelo sistema da exchange sem maiores problemas. Porém, assim que o cliente decide solicitar o cashout, isto é, a retirada do dinheiro em conta, a empresa deve transferir os Bitcoins de sua própria carteira para o endereço fornecido pelo cliente. Quando isso acontece, a empresa arquiva em seu banco de dados um registro da operação com a gravação do hash da transferência. Dessa forma, se algo der errado, a MTGox tem uma lista de referências que podem ser usados para rastrear suas transações. 240 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Como bem vimos, o hash da transação pode ser mudado sem invalidar a transferência, sendo, posteriormente, integrado na blockchain sem maiores dificuldades. Portanto, ambos os hash’s não combinam, vide figura 8. Figura 8 – Diferença dos Hash’s no registro da MTGox O cliente da MTGox pode, então afirmar que não recebeu a transferência solicitada. Diante disso, a empresa ao comparar seus registros com a blockchain não irá encontrar a equivalência com o hash do registro armazenado. O resultado é que o empresa acaba pagando o cliente mais de uma vez. 4.2 Segurança dos serviços na rede Bitcoin 4.2.1 Segurança nas carteiras Como visto no tópico 3. 5. 2, existem várias espécies de carteiras disponíveis para armazenar Bitcoins, cada qual com características e funcionalidades distintas. Assim, certas particularidades de segurança são importantes de serem mencionadas. Caso o usuário detenha uma boa quantidade de moedas a guardar, é interessante adotar uma carteira de software, pois permitem além da gerencia local dos endereços, a criptografia do arquivo da carteira com senha forte. Contudo, faz-se necessário guardar este arquivo em um local seguro, pois se o perder, o seu dinheiro ficará inacessível [50]. Em certos casos, o usuário precisa ter seus Bitcoins disponíveis longe do seu computador. Nesta situação, deve-se olhar para qualquer carteira online ou móvel. Aspectos de segurança na rede Bitcoin 241 Para este tipo de carteira, uma boa dica, é não guardar mais dinheiro do que se possa dar ao luxo de perder, principalmente porque a finalidade de carteiras web é prover uma maneira fácil e conveniente de acessar algum dinheiro, não uma forma de guardar suas economias. Carteiras online são especialmente vulneráveis a que seus servidores sejam hackeados e o dinheiro das pessoas seja roubado. Em outros casos, o usuário deseja armazenar seus Bitcoins por muito tempo em um lugar seguro. Isso é chamado de “armazenamento a frio”. Existem algumas maneiras de se fazer isso. Em primeiro lugar, as paper wallets. Elas são bons meios para dar às pessoas pequenos presentes Bitcoin, mas também para o armazenamento a longo prazo, se usado corretamente. Por fim, em último caso, o usuário pode comprar uma Bitcoin física (MOEDA BITCOIN FÍSICA, 2014), contanto que o usuário confie no criador dessa moeda pode vir a ser um armazenamento a frio eficaz. 4.2.2 Roubo de Bitcoins Hoje, a principal ameaça em torno dos Bitcoins é o roubo. Cyber crimino sos podem roubá-los usando malwares para atingir carteiras armazenadas em um computador que esteja conectado à Internet. Eles também podem “hackear” transações e plataformas de terceiros, que são, alvos de alto valor lucrativo e histórico de segurança em sua maioria não comprovados. Todos os maiores roubos de moedas têm ocorrido nestes “bancos” de armazenamento de moedas, onde as pessoas mantêm seus Bitcoins até que estejam prontos para gastá-los. Infelizmente, devido a falta de regulamentação dessas intituições, não há meio de certificar os procedimentos de segurança para o armazenamento e gerenciamento de moedas e contas. As táticas usadas em roubos de Bitcoins são bastante ousadas. A empresa anti-malware Malwarebytes lançou um aviso sobre o software que usa computadores para minerar Bitcoins. Como o The Guardian relatou (ROUBO DE BITCOINS, 2014): O programa “instala um aplicativo de mineração de Bitcoin no sistema do usuário, inclusive, escrito na EULA (Acordo de Licença de Usuário Final) do software. Esse tipo de sequestro de sistema é apenas outra maneira para um software de publicidade explorar um usuário arrecadando ainda mais dinheiro.” A maioria dos usuários não têm idéia de que seu computador foi transformado em um zumbi de mineração Bitcoin, afinal, poucos lêem o EULA do software. No entanto, um programa anti-malware bom deve ser capaz de encontrá-lo e eleminá-lo. 242 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 5Considerações Finais 5.1 Perspectivas para o futuro Seguramente, estamos presenciando os passos iniciais de uma moeda globalizada, livre, transparente e open-source. De fato, um feito inédito. Sua natureza totalmente descentralizada; o compartilhamento de um registro público, único e universal por todos os usuários; a capacidade de transferência de fundos instantânea a qualquer parte; e o fato de prescindir de um terceiro para transacionar torna o Bitcoin uma façanha. Além do mais, tais atributos fazem com que o Bitcoin, como sistema monetário, incorpore as principais qualidades das formas de moedas existentes (ULRICH, 2014). Contudo, apesar de ser uma tecnologia inovadora com grande potencial de crescimento, existem importantes barreiras a serem ultrapassadas. Haverá volatilidade, possíveis bolhas e quedas, casas de câmbio serão fechadas, outras quebrarão, e novas formas de usar a moeda surgirão (BARBER, 2012; SALMON, 2013). Mas, neste momento, deve-se dar atenção, especialmente, a questão legal e regulatória. Embora a necessidade de legitimidade legal possa ser questionada, não há dúvidas de que a legitimidade de mercado, isto é, como efetivo objeto de troca, é fundamental ao avanço e desenvolvimento do Bitcoin. É bem verdade que logo as autoridades terão de se pronunciar, pois a ampliação do uso da moeda obrigará os governos a esclarecerem de que forma as transações serão tributadas. Ainda assim, é notável o fato de grandes empresas passarem a aceitar o Bitcoin por questões mercadológicas, e não apenas como uma mera tática de marketing. A tendência atual demonstra que possivelmente os próximos anos serão repletos de notícias de novas empresas, comerciantes e afins adotando a moeda como uma nova forma de pagamento. Embora possa parecer que haja uma contraposição entre o Bitcoin e as moedas convencionais, na realidade, é preciso enxergar a criptomoeda não como mutuamente excludente, mas sim, como complementar as formas de dinheiro existentes (ULRICH, 2014c). Bem verdade que não se sabe se o Bitcoin irá perdurar, mas os novos conceitos, certamente, serão incorporados na estrutura econômica vigente. Dessa forma, poderíamos até considerá-lo um inspirador de uma nova classe de ativos: a das “moedas digitais”. Ainda que o Bitcoin não se estabeleça como moeda a médio, longo prazo é inegável que as bases da economia foram mexidas desde a sua chegada. E, se estamos na “Era Digital”, nada mais pertinente que a adoção de uma Aspectos de segurança na rede Bitcoin 243 moeda puramente digital, embasada nos mais modernos meios de segurança digital, para colocar o homem num novo patamar de globalização. 5.2 O Bitcoin na mídia A exploração da mídia consiste, prioritariamente, em expor algumas aplicações do Bitcoin na qual os usuários extrapolam e desvirtuam o uso racional. Percebe-se que um dos focos da mídia diz respeito à propriedade da moeda permitir o uso de pseudônimos. Têm-se questionado se criminosos podem usá-lo para lavagem de dinheiro ou para aceitar pagamentos da venda de produtos e serviços ilícitos. Um exemplo é o caso do site de mercado negro na deep web (MENGER, 1981) conhecido como Silk Road (MIERS, 2013). Esse site utilizava a rede Tor para reforçar o anonimato do usuário e o uso do Bitcoin como meio de pagamento. Assim, o usuário do site teria condições de acesso a um vasto mercado digital em que se podiam encomendar drogas por correio, além de outros produtos lícitos e ilícitos. O fato de se usar pseudônimo no Bitcoin permitia que compradores adquirissem produtos ilegais online, da mesma forma que o dinheiro tem sido tradicionalmente usado para facilitar compras ilícitas pessoalmente. Um estudo estimou que o total de transações mensais no Silk Road alcance aproximadamente 1,2 milhão de dólares (MISES, 1924). Mas o mercado de Bitcoin acumulou 770 milhões de dólares em transações durante junho de 2013; vendas no Silk Road, portanto, constituíam uma quase insignificante parcela do total da economia Bitcoin (MISES, 1953). Outra preocupação é que o Bitcoin seja usado para lavar dinheiro, financiar o terrorismo e tráfico de produtos ilegais. Apesar de, neste momento, ser mais hipótese do que concreto, o Bitcoin poderia sim ser uma opção àqueles que desejam mover dinheiro ilegal discretamente. Preocupações com o potencial de a moeda ser usada para lavagem de dinheiro foram reforçadas após o Liberty Reserve, um serviço privado e centralizado de moeda digital, ter suas atividades encerradas pelas autoridades com alegações de lavagem de dinheiro (MISES, 2010). Embora o Liberty Reserve e o Bitcoin tenham suas similaridades, há diferenças importantes entre os dois. O Liberty Reserve era um serviço centralizado, criado e pertencente a uma empresa privada, supostamente com o propósito de facilitar a lavagem de dinheiro; o Bitcoin, não. As transações dentro da economia do Liberty Reserve não eram transparentes. O Bitcoin, por outro lado, é uma moeda descentralizada e aberta que fornece um registro público, blockchain, de todas as transações. Lavadores de dinheiro podem tentar proteger seus endereços de Bitcoin e suas identi244 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade dades, mas seus registros de transações serão sempre públicos e acessíveis a qualquer momento pelas autoridades. Ademais, diversas exchanges têm tomado as medidas necessárias para estar em dia com as regulações e exigências das autoridades no que tange ao combate à lavagem de dinheiro (MISES, 2010). 5.3 Avaliando a segurança da informação do sistema Bitcoin Analisando pela sua essência, como uma moeda digital, o Bitcoin apresenta algumas particularidades de segurança específicas (ULRICH, 2013). O primeiro aspecto, diz respeito ao cuidado individual do usuário, ou seja, caso não seja cuidadoso, pode inadvertidamente apagar ou perder seus Bitcoins. Uma vez que o arquivo digital esteja perdido, o dinheiro está perdido, da mesma forma com dinheiro vivo de papel. Se as pessoas não protegem seus endereços Bitcoin, elas podem estar mais sujeitas ao roubo. As carteiras de Bitcoin agora podem ser protegidas por criptografia, mas os usuários devem selecionar sua ativação. Se um usuário não cifra a sua carteira, os Bitcoins podem ser roubados por malwares (ULRICH, 2014). As casas de câmbio de Bitcoin também enfrentaram complicações de segurança; hackers furtaram 24 mil BTC (então valorados em 250 mil dólares) de uma casa de câmbio chamada Bitfloor em 2012 (MEIRA PENNA, 1999), e houve em uma série de ataques DDoS (distributed denial-of-service) contra a mais popular casa de câmbio, Mt. Gox, em 2013 (MENGER, 1892). Obviamente, muitos dos riscos de segurança enfrentados pelo Bitcoin são similares àqueles com os quais moedas tradicionais também se defrontam. Notas de reais podem ser destruídas ou perdidas, informação financeira pessoal pode ser roubada e usada por criminosos e bancos podem ser assaltados ou alvos de ataques DDoS. O segundo aspecto, diz respeito a constante atualização do sistema, isto é, como o protocolo Bitcoin está em amadurecimento o usuário deve constantemente estar a par das atualizações do software Bitcoin, assim como de todos os serviços adicionais utilizados, como as carteiras e sites de exchanges. Adicionalmente, faz-se necessário atualizar constantemente sobre eventuais falhas de segurança do protocolo e aplicar patches de segurança. Por fim, os usuários da moeda precisam ter cuidado redobrado com a segurança, pois devem se informar sobre e como se preparar contra riscos de segurança, da mesma forma que o fazem quando utilizam outras atividades financeiras e, ainda, ter ciência que o próprio protocolo da rede está sendo estudado e aperfeiçoado, assim, é demandado constante observação, atualização e principalmente cuidado. Aspectos de segurança na rede Bitcoin 245 5.4 Propostas para futuros trabalhos Considerando a amplitude de elementos que envolvem o Bitcoin, os pontos que cabem uma abordagem mais aprofundada são: 1) análise de vulnerabalidades da máquina do usuário quando conectada na rede Bitcoin, isto é, com o cliente wallet padrão em execução; 2) utilização de IPS/IDS na máquina de um usuário minerador, em processo 3) 4) 5) 6) de mineração, a fim de monitorar a troca de mensagens desta máquina com a rede. O objetivo é identificar tentativas de ataque durante este processo determinando portas abertas, métodos de conexão e, se possível, níveis de permissão de acesso do software de mineração; análise dos métodos de ataque DoS ou DDoS a máquina do usuário e ao blockchain, passíveis de causar indisponibilidade do serviço local ou da rede como um todo; analisar a possibilidade e os meios de execução de um ataque main-in-themiddle durante o processo de transferência da moeda; elaborar um comparativo entre as modalidades de wallets existentes, apresentando afundo as tecnologias, métodos de segurança e confiabilidade do serviço; elaborar um estudo de caso sobre os métodos de mineração disponíveis apontando a tecnologia utilizada, utilização da máquina do usuário, falhas de segurança e implicações legais; Referências ANDREESSEN, Marc. Why Bitcoin Matters, 22 jan. 2014. Disponível em: <http://blog. pmarca. com/2014/01/22/why-bitcoin-matters/>. Acessado: 17 mar. 2014. BRITO e CASTILLO. 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Para a elaboração do presente trabalho, segue-se a definição apresentada por Hauser (2005) que define as PME como empresas que têm menos de 250 funcionários. Todavia as PME variam em tamanho, idade, setor, motivação, modo de organização, etnia, localização, base de conhecimento, poder e controle de recursos e capacidade de inovação (Spurge & Roberts, 2005). As PME caracterizam-se por uma pequena equipa de gestão (muitas vezes um ou dois indivíduos), fortemente influen- 253 ciados pela visão e ideais do proprietário, bem como, desejo de manterem-se independentes (Ongori & Migiro, 2010). As PME são de extrema importância para a economia dos países auxiliando o crescimento económico e a inovação ao desenvolverem novos produtos, para além de criarem postos de trabalho e assim contribuírem para a redução da pobreza (Dibrell, Davis, & Craig, 2008; Berisha-Namani, 2009; Ongori & Migiro, 2010). Devido a estreitas relações mantidas com os clientes, as PME podem detetar nichos de mercado mais eficientes e eficazes do que as grandes empresas (Dibrell, Davis, & Craig, 2008). As tecnologias estão a alterar a economia e os negócios tradicionais estão cada vez mais dependentes destas. Neste tipo de negócios a aplicabilidade das novas tecnologias possibilita uma maior interatividade e flexibilidade pois proporcionam transações comerciais mais baratas, bem como melhoram a interligação com parceiros de negócios e clientes (Berisha-Namani, 2009). Os constantes avanços tecnológicos levaram a uma profunda mudança do mercado, caracterizada pelo aumento da concorrência. Para serem, competitivas, as PME são obrigadas a adaptar-se a esta nova realidade, procurando soluções inovadoras que lhes permitam alcançar com menores custos, uma maior produtividade e diferenciação da concorrência (Gonçalves, Santos, & Morais, 2010; Raymond & St-Pierre, 2005). Todavia, o setor das PME é caracterizado por altas taxas de insucesso empresarial (Dutta & Evrard, 1999). Assim, as pressões económicas atuais sugerem que esta situação se irá agravar, portanto, há uma necessidade de explorar áreas que possam melhorar o potencial de crescimento e sobrevivência das pequenas empresas (Kitching et al. 2011). Uma dessas áreas diz respeito às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) (Jones, Simmons, Packham, Beynon-Davies, & Pickernell, 2014). A adoção das TIC tem aumentado, verificando-se uma oferta de oportunidades para as empresas alcançarem maior competitividade e maior rentabilidade (Aragόn-Sánchez e Sánchez-Martin, 2005; Simmons et al 2011). A adoção das TIC representa um mecanismo que permite, não só melhorar a eficiência e eficácia dos processos de negócio, mas também transformar os modelos de negócios existentes (Chong, 2004). Apesar de existirem vários benefícios na utilização das TIC, contudo, ainda se verificam algumas lacunas no estudo tendo em conta as PME (Dibrell et al. , 2008; Ongori & Migiro, 2010; Kossaï & Piget, 2014). Neste sentido, e considerando que o nicho empresarial português diz respeito na sua maioria a PMEs, o presente estudo 254 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade revela-se de extrema importância. O objetivo deste trabalho consiste em identificar os benefícios e barreiras à utilização das TIC por parte das PME. Assim, este estudo contribui para a limitada literatura sobre a adoção das TIC nas PME. Relativamente à estrutura do paper, numa primeira fase será apresentada a revisão da literatura acerca da temática e posteriormente com base nesse quadro teórico serão identificados empiricamente os desafios, oportunidades e implicações da adoção das TIC nas empresas do Parkurbis, um caso específico de PMEs de base eminentemente tecnológica da Covilhã. 2Revisão da literatura 2.1 As tic nas pme Há cada vez mais evidências de que as competências em TIC, inovação e mudanças tecnológicas determinam o desempenho da empresa, a produtividade, o crescimento e a capacidade dos países de beneficiarem da globalização. O impacto da globalização tem obrigado as PME à adoção das TIC, a fim de sobreviverem e competirem com as grandes empresas (Ongori & Migiro, 2010). A globalização é caraterizada pela integração mundial dos mercados, em que as empresas se deparam com mercados cada vez mais competitivos, como resultado da concorrência global. Para fazer frente à concorrência feroz, as empresas, incluindo as PME, têm de conseguir dar uma resposta rápida ao mercado (Pleitner, 2002 citado por Ruzzier, Hisrich, & Antoncic, 2006). Assim, com a globalização e a competitividade, as organizações que querem sobreviver aos desafios do mercado, devem ser capazes de se adaptarem aos ambientes em constante mudança (Gonçalves et al. , 2010). Espera-se que as PME que competem em ambientes dinâmicos, consigam lidar com as constantes mudanças, auxiliando-se numa orientação empreendedora, assumindo os riscos nas tomadas de decisão, sendo inovadoras, bem como, proactivas (Knight, 2000). A crescente utilização das TIC tem sido uma das tendências mais significativas das últimas três décadas. Atualmente, as TIC são consideradas como o principal motor de crescimento na economia do conhecimento (Kossaï & Piget, 2014). Por se ter verificado na literatura a referência quer de tecnologias de informação e comunicação (TIC) quer de tecnologias de informação (TI), consideramos para o presente trabalho a ideia apresentada por Akpan (2003) de que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) referem-se ao conjunto de todas as tecnologias de informação (TI) e de comunicação. Basicamente as TIC incluem o processamento de informação no geral, onde se As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 255 englobam a Internet, o correio eletrónico, o armazenamento de dados e segurança de rede, o fax, o telemóvel, as videoconferências, entre outras (Ashrafi & Murtaza, 2008; John, Carayannis, & Dasgupta, 2004). As tecnologias de informação (TI) consistem em várias ferramentas que visam organizar e estruturar os processos de uma organização, tendo como objetivo gerir o negócio e alcançar um melhor desempenho no mercado (Gonçalves et al. , 2010). Como resultado, as organizações têm adotado diversas ferramentas de TI. A disseminação da Internet nos últimos anos, em diferentes ramos de negócios, conduziu a um maior investimento neste meio. Por sua vez, este tornou-se um dos principais canais de comunicação nas organizações. Desta forma as TIC, constituem uma gama de tecnologias de software, hardware, telecomunicações e gestão de informações, aplicações e dispositivos usados para criar, produzir, analisar, processar, recuperar, armazenar e transformar a informação. Assim, as TIC são redes organizadas de comunicação e recursos de dados que recolhem, transformam e disseminam informações dentro e entre as organizações (Seyal, Rahim, & Rahman, 2000; Sharma & Bhagwat, 2006). Powell & Dent-Micallef (1997) e Bharadwja (2000) estabeleceram uma ligação direta entre TI e o desempenho da empresa, constatando que as empresas capazes de investir em TI de uma forma mais ativa superam os seus concorrentes, permitindo dar uma resposta mais adequada, receber e processar informação de forma mais eficiente oferecendo às PME uma capacidade competitiva, que as ajuda a diferenciarem-se no mercado, através da inovação (Dibrell et al. , 2008). Knight (2000) também estabelece uma ligação entre aquisição de tecnologias e a performance da empresa (figura 1). Ravinchandran and Lertwongsatien (2005) também encontraram uma relação direta entre os investimentos em recursos de TI e o desempenho financeiro da empresa. 256 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Figura 1 – Contexto da Globalização Fonte: Elaboração própria com base em Knight (2000) As TIC estão a abrir novas perspetivas de crescimento resultando em grandes mudanças na gestão das organizações, sendo que a sua adoção e assimilação oferecem grandes oportunidades às PME podendo ter um impacto significativo no crescimento e desenvolvimento económico (Ashrafi & Murtaza, 2008). A sua difusão é um exemplo da dinâmica da mudança tecnológica e do desenvolvimento econômico (Freeman & Soete, 1997; Koellinger, 2006 citados por Kossaï & Piget, 2014). O recursos às TIC por parte das PME trará a vantagem de as tornar mais competitivas, uma vez que as torna mais eficientes e eficazes internamente, representando o fator fundamental para que as PME tenham sucesso nos mercados atuais (Salmeron & Bueno, 2006). 2.2. Benefícios à utilização das tic As mudanças inerentes à difusão das TIC afetam quase todos os aspetos da economia, incluindo a dinâmica da inovação, a produtividade e crescimento, o desempenho da empresa, o desenvolvimento de estruturas de mercado e a procura de trabalho (Kossaï & Piget, 2014). Desta forma, as TIC são um importante fator de progresso. O pressuposto é que as empresas investem em TIC, a fim de terem mais sucesso em mercados altamente competitivos (Koivunen, Hätonen, & Välimäki, 2008; Paré & Sicotte, 2008 citados por Kossaï & Piget, 2014), sendo usadas como uma As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 257 tecnologia de produção para melhorar a produtividade e coordenação do trabalho dentro da empresa (Raymond & St-Pierre, 2005). Por sua vez, o investimento em TI por parte das empresas tem vindo a aumentar com o decorrer dos anos, na medida em que os gestores a consideram uma ferramenta competitiva utilizada para a implementação de planos estratégicos. Desta forma, podem ser usadas para influenciar a capacidade de uma empresa para ganhar vantagem competitiva (Kohli & Devaraj, 2003; Ravinchandran & Lertwongsatien, 2005) através da ligação de TI com a estratégia e indústria da empresa. Das, Zahra, e Warkentin (1991) sugerem que a integração de estratégia de TI permite que às empresas competirem de forma mais eficaz (Dibrell et al. , 2008). As IT são vistas como essenciais para a construção da capacidade de inovação por parte das empresas (King & Burgess, 2006). O desempenho da empresa é maior, quando a atividade inovadora é complementada por iniciativas de TI que resultam na introdução sistemática de novos processos e produtos que se encaixam com os processos existentes, promovendo o aumento da fidelização dos clientes, e estimulando a procura de outros produtos (Frishammar & Hörte, 2005). A sua adoção proporciona muitos benefícios através de uma ampla gama de processos de negócios e transações intra e inter empresas. A utilização das TIC nas PME tem externa importância, na medida em que podem reduzir custos na produção, adicionar valor aos produtos e serviços e aumentando a vantagem competitiva das empresas (Levy, Powell, & Yetton, 2001). Nos mercados atuais é impossível as PME inovarem sem terem um suporte em TI. Os autores Hamilton & Asundi (2008) consideram que a solução para o problema da competitividade e para que as PME tenham lucro em mercados globais é fundamental inovarem e investirem em TI (Franco, Dias, & Pereira, 2012). Desta forma, existem várias questões que levam à adoção das TIC. Através da utilização eficaz das TIC, as PME são capazes de vender os seus produtos aos mercados internacionais e favoravelmente competir com grandes empresas (Ramsey, Ibbotson, Bell, & Gray, 2003). Desta forma, podem ser utilizadas como uma arma estratégica para sustentar a estratégia de negócio das PME (Maguire, Koh, & Magrys, 2007). Além disso, as TIC aumentam a eficiência das PME, reduzindo custos e ampliando o alcance de mercado, quer local quer global. 258 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Figura 2 – Forças motrizes para a adoção das TIC Fonte: Elaboração própria com base em Ongori and Migiro (2010) A adoção das TIC por parte das PME é influenciada por vários fatores, tendo em conta a fase em que a empresa se encontra. Esta ideia é defendida por Antlová (2009) que menciona que à medida que as PME vão evoluindo vão necessitando de adotarem tecnologias de informação e comunicação. Desta forma, numa primeira fase – início – as empresas visam o lucro não se verificando grande investimento em TIC, seguidamente a fase de sobrevivência, é caracterizada pelo aumento da carteira de clientes e uso de sistemas de informação simples. Aquando de uma posição de sucesso no mercado, as PME vêem-se obrigada a recorrer às TIC. Posteriormente, atingindo a fase de expansão verifica-se a necessidade de estruturas de informação avançadas devido à forte comunicação eletrónica entre clientes e fornecedores. A última fase, denominada de decadência, é necessária a mudança na gestão, e a informação torna-se estratégia da empresa, determinante para o sucesso ou insucesso da mesma. Tal como se pode verificar através da figura 3, a adoção das TIC nas PME tem contribuído para a melhoria da gestão do conhecimento, o acesso a informações de negócios robustos, uma administração mais eficiente, controle e prestação de contas, acesso aos mercados e o próprio crescimento das PME. Contribuíram também para uma gestão de recursos económicos eficazes da empresa. As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 259 Figura 3 – Benefícios da adoção das TIC Fonte: Elaboração própria com base em Ongori and Migiro (2010) As TIC melhoram a informação e gestão do conhecimento dentro da empresa e pode reduzir os custos de transação e aumentar a velocidade e confiabilidade das transações tanto para transações business-to-business (B2B) como business-to-consumer (B2C) (Ongori & Migiro, 2010). Além disso, são ferramentas eficazes para melhorar a comunicação externa e a qualidade dos serviços para os clientes novos e atuais. Assim, não são vistas apenas como um recurso técnico mas sim como um recurso fundamental para aumentar a competitividade das PME em qualquer ambiente de negócios. Com a adoção de TIC as PME podem ser beneficiadas com melhor performance e produtividade, a possibilidade de desenvolveram redes de negócios (business network), aumentar valor aos seus produtos e serviços, podem operar em novos mercados, produzir novos bens ou serviços, processos de negócio em mudança e recorrer a novos canais de negócios” (Antlová, 2009). As vantagens da adoção das TIC nas PME são diversificadas. Segundo Antlová (2009), estas poderiam ser registadas em diversas áreas, entre as quais se destacam: 1) alta produtividade e performance, 2) aumento adicional ao valor dos produtos ou serviços produzidos, 3) entrada em novos mercados, 4) recurso a novos canais de negócio através da internet (e-business). Este último irá ajudar as PME a aumentar 260 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade a sua eficiência nas suas operações do dia-a-dia e manter o crescimento de negócios através da abertura de novos canais de mercado. O termo e-business foi utilizado pela primeira vez pela IBM1 em 1997, numa campanha online para a realização de negócios de TI numa empresa, sendo que esta, levou ao aparecimento deste novo conceito. A IBM definiu e-business como uma forma segura, flexível e integrada de fornecer um valor diferenciado aos negócios através de uma combinação de sistemas e processos, que permitem operações básicas de negócios num modo simples e acessível, através da Internet. Resumidamente, e-business consiste na realização de negócios tendo como base a Internet como canal de comunicação (Plessis & Boon, 2004). O conceito e-business também conhecido como comércio eletrónico teve grande impacto nas organizações. A sua utilização não é vista apenas como uma opção, mas sim como uma questão de sobrevivência. Estas iniciativas quando bem conduzidas oferecem às organizações maior visibilidade e expansão nos seus mercados, atraindo e retendo clientes de forma inovadora (Gonçalves et al. , 2010). Shiau et al. (2009) consideram que várias PME recorrem ao comércio eletrónico como forma de melhorarem a sua competitividade. Grandon e Pearson (2004) vêm na World Wide Web (WWW) uma nova forma de fazer comércio, que beneficia não apenas as grandes empresas mas também as PME (Franco et al. , 2012). O comércio eletrónico está dependente das TIC, da internet e particularmente da World Wide Web (WWW). Esta plataforma é utilizada no comércio mundial não apenas com o propósito de serem efetuadas transações diárias mas também serem parte integrante da estratégia de marketing das empresas. O comércio eletrónico é um sistema de transações a nível mundial que deve seguir as mesmas regras e cumprir os mesmos requisitos multiculturais das pesquisas e dos projetos realizadas anteriormente. O sucesso do comércio eletrónico deve-se a vários fatores, tais como, a economia, a alfabetização e a cultura nacional, da disponibilidade das telecomunicações e da aceitação da internet (Tillquist, 1997;Pitkow e Kehoe, 1996 citados por John et al. , 2004)). 1 IBM (1997) [Retrieved 1997], www. ibm. com As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 261 2.3 Obstáculos à utilização das tic A utilização das TIC por parte das PME aumentou significativamente, contudo estas continuam atrás das grandes empresas, sobretudo devido às discrepâncias no que concerne aos recursos humanos e financeiros. Outro fator que faz com que a sua utilização possa ser um obstáculo por parte das PME prende-se com a falta de competências e conhecimentos por parte destas (Duan et al. ,2002 citado por Kossaï & Piget, 2014). Segundo Koivunen et al. (2008), existem outros obstáculos para a utilização das TIC, tais como, fatores legais; capacidades tecnológicas limitadas e limitação em investigação e desenvolvimento (I&D). Também os autores Kapurubandara & Lawson (2006) identificaram obstáculos para a utilização das TIC por parte das PME, subdividindo em obstáculos internos (as características administrativas de gestão da empresa, o custo e o retorno sobre o investimento) e externos (infraestruturas e ambiente social, cultural e político). De acordo com Antlová (2009), os obstáculos/barreiras à adoção das TIC podem ser de quatro tipos (figura 4): 1) tecnológicos, 2) organizacionais, 3) tendo em conta o meio em que operam e 4) individuais. Figura 4 – Barreiras à adoção das TIC Fonte: Elaboração própria com base em Antlová (2009) 262 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 1) Relativamente às barreiras na adoção das TIC, além do fato das empresas não possuírem infraestruturas adequadas, é de realçar o receito de acessos não autorizados a dados da empresa. Muitas empresas tentam desenvolver internamente as aplicações necessárias, mas nem sempre são bemsucedidas. Exemplo: as infraestruturas insuficientes. 2) Outra barreira significativa deve-se à resistência à mudança organizacional, especialmente dos gestores ou dos proprietários das PME tendo em conta a faixa etária. A gestão nas PME geralmente é intuitiva, não baseada em modelos formais de decisão. O conhecimento dos gestores não é passado para os que estão numa posição hierárquica inferior, nem lhes são delegadas decisões. Os gestores são geralmente as únicas pessoas das PME que realmente têm a autoridade, a responsabilidade e o conhecimento relativamente a novas oportunidades de negócio. Para além disso, são os únicos que detêm a informação quanto à utilização da TIC para fins estratégicos e competitivos. Exemplo: estilos de liderança e resistência à mudança. 3) Existe uma grande incapacidade de aplicar as TIC nas relações com os fornecedores e clientes. As PME não influenciam o ambiente onde operam, mas são influenciadas por este, sobretudo pelos seus clientes. Exemplo: Fraco conhecimento do ambiente onde operam. 4) Ao nível individual a maior barreira deve-se ao fato de ser necessário conhecimento e a aptidão para as TIC. Exemplo: conhecimento insuficiente e relacionamentos pessoais na organização. Segundo Dixon, Thompson, and McAllister (2002) os obstáculos à implementação das TIC baseiam-se em custos, fraco conhecimento sobre o seu potencial, ausência de necessidade, questões de segurança, fraca aptidão e falta de recursos para experiências (Tabela 1). As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 263 Tabela 1 – Barreiras à adoção das TIC Fonte: Elaboração própria com base em Dixon et al. (2002) Segundo Cragg e King, um dos fatores inibidores mais fortes para a implementação da tecnologia da informação pela pequena empresa é a falta de conhecimento do sistema de informação (Ongori & Migiro, 2010). Apesar de se verificar um impacto benéfico na performance e produtividade dos investimentos em TIC também é possível constatar um ceticismo considerável sobre os seus benefícios. 264 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3Metodologia O presente estudo visa explorar os benefícios e as barreiras à adoção das TIC pelas PME, bem como, perceber quais as medidas tomadas pelos gestores/fundadores das PME para que as barreiras sejam minimizados. Para a realização do trabalho recorreu-se ao estudo de caso. Este é o método a utilizar quando existe a necessidade de esclarecer uma situação particular para chegar a uma íntima compreensão dessa situação. Ou seja, quando a informação recolhida deve permitir o estudo da situação em profundidade e em primeira mão. Para o conseguirmos, as questões a que se recorre neste tipo de estudo devem ser explicativas, iniciadas por como ou porquê a situação ocorreu (Yin, 2005). O método de pesquisa apresentado utiliza, geralmente, dados qualitativos obtidos a partir de eventos reais. Tem por finalidade explicar, explorar ou descrever fenómenos atuais inseridos num contexto específico. Caracteriza-se por ser um estudo detalhado e exaustivo de poucos, ou apenas de um só objeto. O estudo de caso leva à “observação direta e a coligir dados em ambientes naturais”, em vez de confiar em “dados derivados”, que resultam de testes, estatísticas e respostas a questionários (Yin, 2005) De uma forma generalizada as pesquisas qualitativas escolhem o caso intencionalmente. Desta forma, os critérios para a escolha dos casos são fundamentais para obter uma boa qualidade dos resultados. Quanto ao número de estudos de caso a serem selecionados, fica ao critério do investigador, devem ser selecionados tantos casos quantos forem necessários para atingir a amplitude e profundidade pretendida no seu estudo (Eisenhardt, 1989). De forma a se obter informação pertinente recorreu-se ao estudo de casos múltiplos, oito casos no total, incluindo PME de base tecnológica e não tecnológica. 3.1 Seleção dos casos A seleção do caso é uma tarefa primordial na pesquisa e não deve der feita de forma aleatória. No entanto surge o problema de como selecionar um caso de entre um universo de possibilidades, de forma a estudar o caso em profundidade. A amostragem aleatória geralmente não é uma abordagem viável quando o número total de casos a ser selecionado for pequeno (Seawright & Gerring, 2008). As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 265 Para que a seleção dos casos seja a mais adequada é necessário que o caso escolhido seja útil na obtenção dos objetivos da pesquisa e em número suficiente de forma a garantir a análise pretendida. No que respeita à adequação dos casos, a questão que se coloca é se o caso representa a situação ou fenómeno em estudo. É fundamental que através do caso escolhido sejam fornecidos todos elementos necessários para responder às questões de investigação (Yin, 2009). Para o presente estudo selecionou-se quatro empresas de base tecnológica e quatro empresas de base não tecnológica, permitindo a análise e a comparação das diferenças e igualdades entre PME de área de atuação tão distintas. As empresas de base tecnológica sediadas no Parkurbis (Parque de Ciência e Tecnologia da Covilhã) e que fizeram parte deste estudo foram: a Covieng, a SolarEarth, a Star Energy e a SelfTech. O negócio da Covieng depreende-se com a elaboração de projetos de Engenharia Civil na especialidade de Estruturas, sendo o sector de atividade caracterizado pela Construção Civil e Obras Públicas. A SolarEarth e a Star Energy enquadram-se no mesmo sector de atividade – Energias Renováveis. Contudo, a SolarEarth dedica-se à prestação de serviços que conduzem ao fornecimento integral de soluções energéticas suportados por fontes de energia renovável ou caraterizado por uma elevada eficiência energética, enquanto a Star Energy se dedica à engenharia, energias renováveis e serviços energéticos, I&D em energias renováveis. Relativamente à SelfTech, o sector de atividade consiste nas tecnologias de informação e comunicação eletrónica, sendo que, o negócio abrange o desenvolvimento de produtos de serviços na área da Robótica móvel, sistemas embebidos e redes de sensores apoiados numa sólida base científica. As empresas de base não tecnológica utilizadas no presente estudo, caracterizam-se como sendo micro e pequenas empresas de diferentes ramos de atividade, nomeadamente do ramo alimentar (Serragel), farmacêutico (Farmácia Popular) e comércio (XIS´6 e Estrofe D‘Ideias). A empresa do ramo alimentar, Serragel, iniciou a sua atividade com a venda de pescado e carne congelada, sendo que, atualmente conta com amais de 600 produtos onde se incluem pescado, carnes, lacticínios, legumes, pré-cozinhados, charcutaria e sobremesas. Presentemente a empresa possui a maior unidade de transformação de peixe do distrito de Castelo Branco, transformando por dia cerca de 2000 Quilos de produto. As empresas XIS´6 e Estrofe D‘Ideias dedicam-se ao comércio de peças de vestuário Infantil, Homem e Senhora e a adereços de moda. São empresas recentes 266 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade que iniciaram a sua atividade em 2000 e 2011 respetivamente. A Farmácia popular dedica-se para além da venda de fármacos à elaboração de testes auditivos, pesagem de pacientes e à medição da pressão arterial. 3.4 Recolha de dados No que respeita à pesquisa qualitativa a entrevista é o meio mais frequente para a coleta de dados. Podem ser categorizadas em estruturadas, semiestruturadas e não estruturadas. As semiestruturadas são constituídas por um conjunto de questões de resposta aberta e outras que poderão emergir do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado (DiCicco-Bloom & Crabtree, 2006). As entrevistas semiestruturadas em profundidade são as mais utilizadas neste tipo de pesquisa e podem ser realizadas tanto individualmente como em grupos. No que concerne ao presente estudo, a recolha dos dados foi concretizada através de entrevistas realizadas às PME selecionadas no estudo de caso. Relativamente às características da entrevista elaborada poder-se-á classifica-la como sendo do tipo semiestruturada com questões de resposta aberta e semiaberta, constituída por treze (13) questões no total. As questões apresentadas na entrevista foram enquadradas em torno das três questões de investigação, construídas através da revisão da literatura. A entrevista tinha por objetivo aprofundar e estudar os temas que se seguem: • Fatores dos gestores/fundadores que influenciam na aplicação das TIC; • Barreiras e benefícios à adoção das TIC; • Estratégias que permitem suavizar as barreiras na adoção das TIC; 3.5 Análise de dados Analisaram-se os dados extraídos das entrevistas semiestruturadas realizadas às empresas selecionadas no estudo de caso, tendo em conta as três questões de investigação Através de textos narrativos foi possível realizar uma discrição precisa dos dados recolhidos relacionados com o fenómeno da adoção das TIC em torno das três questões de investigação (Strauss & Corbin, 1990). A informação recolhida das entrevistas também será esquematizada através de tabelas ou gráficos de forma a ser facilitada a leitura e interpretação dos dados. As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 267 4Resultados O presente tópico diz respeito à apresentação dos resultados obtidos no estudo de caso referentes às características dos gestores/fundadores das PME. Seguidamente será presentada a informação relativa à adoção das TIC, para que seja possível relacionar fatores endógenos e exógenos dos gestores/fundadores coma adoção das TIC. Tabela 2 – Fatores endógenos e exógenos dos gestores/ fundadores das PME de base tecnológica PME de base Tecnológica Faixa Etária Fundador/gestor Formação Académica Fundador/gestor Solar Earth 45-50 Doutoramento Covieng 45-50 Mestrado Star Energy 35-40 Mestrado SelfTech 30-35 Mestrado Gráfico 1 – Faixa etária e formação académica dos fundadores/gestores das empresas de base tecnológicas 268 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Através da observação e respetiva análise do gráfico anterior, é possível constatar que os fundadores/gestores das empresas de base tecnológica apresentam habilitações literárias de nível superior (Doutoramento e Mestrado). Tabela 3 – Fatores endógenos e exógenos dos gestores/ fundadores das PME de base não tecnológica PME de base não Tecnológica Faixa Etária Fundador/gestor Formação Académica Fundador/gestor Serragel 60-65 Ensino básico (4ª classe) Farmácia Popular 50-55 Licenciatura Xis´6 35-40 Ensino Secundário (12ºano) Estrofe D´ideias 40-45 Ensino Secundário (12º ano) Gráfico 2 – Faixa etária e formação académica dos fundadores/gestores das empresas de base não tecnológicas No que concerne ao gráfico anterior, é possível verificar que os fundadores/ gestores das empresas de base não tecnológica, exibem habilitações literárias inferiores comparativamente com as empresas de base tecnológica (Gráfico 1). É possível verificar uma certa incoerência, visto que, se obteve habilitações desde o nível do ensino básico até à licenciatura (ensino superior). As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 269 Resumidamente, através da observação do Gráfico 1 e 2 é possível também auferir que as empresas com os fundadores/gestores mais jovens apresentam um nível académico superior. Outra questão presente no estudo prendeu-se com o tipo de TIC que cada uma das empresas emprega no seu dia-a-dia. Desta forma, obteve-se as seguintes respostas apresentadas na Tabela 4. Tabela 4 – Adoção das TIC pelas PME de base tecnológica PME de base Tecnológica Internet Página Web Redes Sociais Telemóvel Fax Solar Earth 4 4 4 4 4 Covieng 4 4 4 4 4 Star Energy 4 4 4 4 SelfTech 4 4 4 4 4 Tabela 5 – Adoção das TIC pelas PME de base não tecnológica PME de base não Tecnológica Internet Página Web Redes Sociais Telemóvel Fax Serragel 4 4 4 4 4 Farmácia Popular 4 4 4 Xis´6 4 Estrofe D´Ideias 4 4 4 4 Nas Tabelas 4 e 5 é possível perceber quais as TIC que as empresas de base tecnológica e de base não tecnológica utilizam. Através da observação das tabelas consegue-se constatar que utilização da Internet é uma constante em ambas as empresas. Este facto deve-se às mudanças quer sociais quer económicas inerentes à globalização. Relativamente ao uso das páginas web verifica-se maior adesão pro parte das empresas de base tecnológica, havendo a exceção da empresa de base não 270 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade tecnológica, a Serragel. Esta questão já apresenta as diferenças entre estes dois grupos de empresas. Comparativamente à presença nas redes sociais, ambos os grupos de empresas afirmam utilizarem esta rede para chegarem a um maior número de clientes e ajudarem na visibilidade de mercado, à exceção da Xis’6. Com relação ao uso do telemóvel todas as empresas presentes no estudo, afirmam utilizam esta tecnologia. No que respeita ao uso de Fax as empresas que na sua maior se auxiliam desta TIC são as empresas de base tecnológica à exceção da Star Energy. No caso das empresas de base não tecnológica, apenas a Serragel indicou a sua utilidade. 4.1 Benefícios na adoção das tic Relativamente aos benefícios mencionadas pelas PME aquando da adoção das TIC é possível concluir que estes são de diversas ordens. Na presente secção serão apresentados os benefícios das PME de base tecnológica e não tecnológica separadamente, para que se torne mais fácil a sua leitura e comparação. PME de base Tecnológica O fundador/gestor da PME Covieng salienta que os benefícios obtidos com a implementação das TIC são de variada ordem, salientando como principais as três que se seguem:“Registou-se uma melhoria considerável da informação e da gestão do conhecimento dentro da empresa”; Registou-se uma melhoria considerável da informação e da gestão do conhecimento dentro da empresa; Os produtos produzidos na empresa ganharam valor e é um canal importante para promover os nossos produtos; Empresas que invistam nas TIC tal como a nossa ganham vantagem competitiva. O fundador/gestor da PME Solar Earth no que respeita aos benefícios da adoção das TIC refere os que se seguem. A empresa consegue de forma mais fácil realizar comércio eletrónico para além de facilitar a entrada em novos mercados. As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 271 Para além dos benefícios referidos, o fundador/gestor da PME Solar Earth vai ao encontro da ideia apresentada anteriormente pelo fundador/gestor da Covieng no que respeita ao aumento de valor dos bens e produtos produzidos, bem como, acrescento de vantagem competitiva para as empresas. Os fundadores/gestores da Starenergy e da Selftech referem como benefícios da adoção/implementação das TIC, os expostos anteriormente. PME de base não Tecnológica Relativamente às PME de base não tecnológica, derivado ao facto de terem necessidades diferentes das de base tecnológica, apresentaram benefícios distintos. O fundador/gestor da Serragel considera as que as TIC: Permitem fazer todo o tipo de pagamentos online, evitando filas nos correios e deslocações aos mesmos, verificando-se uma redução nos custos das deslocações, cheques e envio de cartas. É mais fácil comunicar com todos os nossos colaboradores na hora. Permite-nos receber encomendas na hora o que de antes só acontecia no final do dia. O fundador/gestor da Farmácia Popular considera que a implementação das TIC foi benéfica, e salienta o seguinte: As TIC são meios eficazes e rápidos de transmitir mensagens e também possibilitam a promoção eficaz e dinâmica abrangendo um maior número de pessoas com menos tempo gasto; Proporcionam consultas rápidas, facilidade nos pagamentos e acesso a informação a toda a hora. O fundador/gestor da Xis´6 apresenta como única vantagem “(…) a possibilidade de angariar mais clientes” O fundador/gestor da Estrofe D´Ideias refere que através das TIC consegue fazer publicidade à sua empresa a custos reduzidos e abrangendo um vasto número de pessoas. Com a adoção das TIC e especialmente da Internet e as redes sociais conseguimos dar a conhecer a marca e os produtos a amigos e conhecidos de forma barata. 272 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 4.2 Barreiras na adoção das tic PME de base Tecnológica O fundador/gestor da Covieng considera que a principal barreira à adoção das TIC para a sua empresa foram os custos. O maior problema para conseguirmos implementar TIC na nossa empresa foram os custos de implementação e de manutenção. Os fundadores/gestores da Solar Earth e Starenergy e Selftech não consideram nenhuma barreira relevante na implementação das TIC nas suas empresas. PME de base não Tecnológica O fundador/gestor da Serragel considera que a resistência dos trabalhadores à utilização das TIC é um problema para a empresa, referindo que: Alguns trabalhadores, por falta de formação, têm receio em trabalhar com PC´s e a Internet. O fundador/gestor da Farmácia Popular refere também que a questão da falta de conhecimentos para trabalhar com as TIC ainda representa uma barreira para a sua adoção e consequente implementação. Falta de entrosamento com as diferentes dinâmicas das TIC. Contudo, o fundador/gestor da PME Xis’6 não apresentou nenhuma barreira relevante na implementação das TIC na sua empresa. O fundador/gestor da PME da Estrofe D´Ideias refere os elevados custos na implementação das TIC. Apesar de considerar benéfico o uso das TIC a maior barreira são os custos tanto de aquisição como de manutenção, quando o equipamento avaria os reparos dos equipamentos também não ficam baratos. As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 273 4.3 Estratégias para a diminuição das barreiras à adoção das tic Durante o estudo desenvolvido, e no seguimento das entrevistas efetuadas aos fundadores/gestores das empresas de base tecnológica e de base não tecnológica, foi possível constatar que na sua maioria, consideram que poderiam ser desenvolvidas estratégias que combatessem problemas enfrentados pelas empresas aquando da adoção das TIC. Desta forma, os tópicos que se seguem explanam as respostas obtidas. Empresas de base Tecnológica SelfTech Covieng e Starenergy Solar Earth 274 “Sendo uma empresa dedicada ao desenvolvimento de tecnologia, a SELFTECH não poderia existir sem recurso às TIC não sendo, portanto, uma opção a simples não adoção destas soluções. Uma vez que temos pessoal qualificado nas áreas das TIC nos quadros da empresa temos como opção o recurso a solução de software livre (open source) como por exemplo sistemas operativos Linux e outras ferramentas gratuitas dado que as ferramentas comerciais estão mais talhadas para grandes instituições e têm um custo difícil de suportar por uma micro-empresa.” “Nenhuma em particular.” “Internet mais acessível em zonas Públicas e o aumento da confiança dos consumidores na sua utilização.” Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Empresas de base não Tecnológica Serragel “Mais formação para os trabalhadores na área das TIC, bem como ajudas financeiras.” Não apresentou nenhuma estratégia relevante que auxiliasse na adoção das TIC. Xis’6 Farmácia Popular “Formação contínua e divulgação atempada.” “Para incentivar a implementação das TIC que trazem bastantes benefícios, o pró- Estrofe D´Ideias prio Estado deveria intervir e reduzir os custos dos equipamentos, diminuindo os impostos sobre estes bens.” 4Discussão O presente estudo contribuiu para a literatura existente no que concerne à adoção do TIC por parte das PME. Desta forma, foram relacionados fatores endógenos (idade) e exógenos (formação académica) dos fundadores/gestores das PME na adoção das TIC. Evidencia-se através deste estudo, a posição estratégica ou atitude dos fundadores/gestores quanto à eliminação ou suavização das barreiras encontradas, tendo sido igualmente realizado, um levantamento dos benefícios e barreiras das PME em estudo. Através do estudo, foi possível depreender que independentemente dos fatores endógenos (idade) e exógenos (formação académica), todos os fundadores/ gestores concordaram que a adoção das TIC se traduz num benefício para as PME. No entanto, há que realçar que se verifica que quanto maior a formação académica, maior é a variedade de tecnologias de informação e comunicação utilizadas. Neste caso, a exceção verificou-se na empresa Serragel em que o seu fundador/gestor possui o ensino básico e a empresa recorre a todas as TIC consideradas no presente estudo. No que respeita ao fator endógeno (idade), foi possível concluir que quanto menor for este fator, maior será a quantidade de TIC’s utilizadas. Mais uma vez a exceção é a Serragel, tal como se verificou anteriormente, quando se estabeleceu a relação entre nível académico e o recurso às TIC. As TIC como uma vantagem competitiva para as PME: benefícios e barreiras à sua utilização 275 Desta forma, é possível afirmar que os resultados obtidos do estudo indicam a presença de influências endógenas e exógenas específicas, nomeadamente a idade e formação académica na adoção das TIC. Todos os fundadores/gestores das empresas em estudo, referem que recorrem frequentemente à Internet, considerando-a fundamental para o seu negócio. No que se refere às barreiras as mais mencionadas foram os custos de aquisição e de manutenção dos equipamentos, bem como, a falta de conhecimento relativamente ao uso das TIC. Os fundadores/gestores da Farmácia Popular e Serragel investem em formação dos seus colaboradores para colmatar as barreiras encontradas. As PME com fundadores/gestores com um nível académico superior não referem a falta de formação, mas sim os altos custos associados à adoção e implementação das TIC. Para ultrapassar esse problema a Selftech refere o recurso a software opensource2, evitando despender recursos com licenciamento de software. Como forma de evitar os altos custos das TIC foram referenciadas ajudas do Estado no sentido de diminuir os custos, nomeadamente reduzindo os impostos sobre estes bens. 5Conclusões e implicações AS TIC são fulcrais para o desenvolvimento de países, economias e empresas. É importante ter em conta que o potencial das tecnologias pode desempenhar um papel importante no futuro (Berisha-Namani, 2009). As PME apesar da globalização e de terem de atuar em mercados cada vez mais competitivos tomam atitudes que visam ganhar vantagem competitiva relativamente às suas concorrentes, a forma com como o fazem é apostando nas TIC (Knight, 2000). Os Benefícios referidos na revisão da literatura foram referenciados pelas PME selecionadas no estudo de caso, sendo que, todas referenciaram que as TIC são uma mais-valia na sua empresa. Os resultados obtidos neste estudo também revelam a presença de fatores endógenos e exógenos que influenciam a quantidade de TIC adotadas pelas PME, nomeadamente a idade e formação académica. Embora a adoção das TIC, fortaleçam cada vez mais a participação das PME na economia, estas ainda enfrentam muitos desafios que as impedem de adotar as 2 Software Open source refere-se a programas informáticos livres de pagamentos de licenciamento. 276 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade TICs. Estes desafios incluem a falta de recursos financeiros, de recursos humanos, inadequação para o tipo de negócio, falta de enquadramento legal, infraestruturas inadequadas e falta segurança e confiança das ferramentas de TIC. Além disso, a maioria dos proprietários e/ou gestores das PME não entendem os benefícios da sua adoção (Franco et al. , 2012). A atitude dos fundadores/gestores das PME em relação à adoção de estratégias que suavizem os entraves na adoção das TIC, nomeadamente o fator financeiro, o mais referenciado neste estudo, é contornado pela utilização de software open source. Deste modo os custos são substancialmente reduzidos. Também é sugerido o apoio do governo no sentido de baixar os impostos sobre estes bens e os preços sejam reduzidos. Para combater a falta de pessoal especializado nas TIC foram levadas a cabo ações no sentido das PME formarem colaboradores mas capacitados (Dixon et al. , 2002; Duan et al. 2002, citado por Kossaï & Piget, 2014). A adoção das TIC por parte das PME aumenta o processo de produtividade, a eficiência das operações de negócios internos e proporciona a conexão de forma mais barata e fácil com os contatos externos quer locais quer globais (Franco et al. , 2012). O ponto fulcral da adoção das TIC depreende-se para além de todas as vantagens referidas anteriormente, com a própria sobrevivência das PME. Referências Akpan, P. I. (2003). Basic-needs to globalization: Are ICTs the missing link? Information Technology for Development, 10(4), 261-274. doi: 10. 1002/itdj. 1590100405 Antlová, K. (2009). MOTIVATION AND BARRIERS OF ICT ADOPTION IN SMALL AND MEDIUM-SIZED ENTERPRISES. E+M Ekonomie a Management(2), 140-155. Ashrafi, R. , & Murtaza, M. (2008). Use and Impact of ICT on SMEs in Oman. Electronic Journal of Information Systems Evaluation, 11(3), 125-138. Berisha-Namani, D. M. (2009). The Role of Information Technology in Small and Medium Sized Enterprises in Kosova. Dibrell, C. , Davis, P. S. , & Craig, J. (2008). Fueling Innovation through Information Technology in SMEs. Journal of Small Business Management, 46(2), 203-218. doi: 10. 1111/j. 1540-627X. 2008. 00240. x DiCicco-Bloom, B. , & Crabtree, B. F. (2006). 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O estado passou e ainda enfrenta um intenso processo de migração campo-cidade, promovendo mudanças demográficas e na paisagem urbana de diversas cidades. Perante isso, as cidades goianas de forma pontual passam a manter relações com lugares distantes e inserindo-se numa dinâmica produtiva e econômica global. Todos esses fatores possibilitaram a captura direta ou indireta do território goiano pelo capital de origem internacional, passando a sediar grandes grupos empresariais que atuam em ramos diversos da economia. 281 É nesse cenário, de certa forma já inserido na globalidade que a indústria automotiva chega ao estado de Goiás, impulsionada pelo processo de desconcentração industrial brasileiro, atraída pelos incentivos fiscais concedidos por programas estatais como: Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR), criado em 1984 e posteriormente, adaptado em 2008 para Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (PRODUZIR), pela localização estratégica e privilegiada, na região central do Brasil e pelos ganhos e lucros permitidos pelo planejamento, logística e competitividade comercial. É diante desse contexto e de políticas indutoras que Goiás em 1997, atraiu a primeira montadora do Centro-Oeste, vinculada ao grupo japonês Mitsubishi, e se instalou no ano seguinte em Catalão, sudeste goiano. A segunda montadora é de origem sul-coreana – Hyundai Motor Company – também foi atraída pela localização privilegiada e incentivos fiscais, cuja cidade eleita foi Anápolis, sediada na região central do estado. Já a terceira montadora a se instalar em Goiás foi a Suzuki do Brasil, também de capital japonês, suas unidades produtivas estão divididas entre Catalão e Itumbiara, pois a montagem estrutural dos veículos é realizada no sudeste goiano e os ajustes finais no sul goiano. A proposta de análise da emergência do setor automotivo em Goiás, baseia-se em leituras bibliográficas sobre a gênese do setor automotivo brasileiro, processo de desconcentração industrial, as políticas públicas para o setor automotivo, guerra fiscal e guerra dos lugares, estratégias locacionais e de competitividade, a organização de cadeia de suprimentos que atuam em escalas regionais, nacionais e globais, dentre outras questões pertinentes a atração de empreendimentos capitalistas para o estado de Goiás. Essas reflexões estão consubstanciadas teoricamente nas obras de Santos (2002); Santos e Silveira (2001); Botelho (2002), Silva (2011), dentre outros. Associado a essa leitura teórica, utiliza-se dados estatísticos da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), informações levantadas nos endereços eletrônicos (homepage) e em produções científicas sobre as três montadoras sediadas em Goiás. Em termos metodológicos, o texto se estrutura em três partes, a primeira aponta os aspectos sobre a dinâmica espacial e capacidade produtiva da indústria automotiva brasileira; a segunda parte refere-se a um breve histórico das três montadoras em Goiás: MMC Automotores do Brasil S. A. (MMCB); Hyundai Caoa e Suzuki do Brasil e, por fim, a terceira e última parte é concernente ao uso do território pelo 282 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade capital automotivo e como tem-se produzido e reproduzido ao utilizar-se de mecanismos mercadológicos e pela inserção na gestão da cadeia de suprimentos globais oportunizado pela presença de tais montadoras. Nesse limiar, este texto busca analisar como o capital automotivo, apodera da dinâmica industrial emergente no pós-1990 e chega a Goiás, instalando unidades montadoras que contribuem para a configuração de um novo espaço, pautado na produção de automóveis, que requer infraestrutura, técnicas e tecnologias contemporâneas para reproduzir. Portanto, o uso do território é entrelaçado por redes diversas e relações de poder com objetivos intencionais variados, dentre elas tem-se as que atuam em prol do capital automotivo, assim sendo, usa-se dos aspectos locacionais favoráveis para tornar-se competitivo no mercado, da respaldando-se nas premissas da logística para reduzir os custos produtivo e de distribuição da produção. 2A dinâmica espacial da indústria automotiva no Brasil Desde a chegada da indústria automotiva no Brasil em 1919, com a instalação de uma montadora da Ford Motor Company, especificamente na cidade de São Paulo, muita coisa mudou, como: o aumento da quantidade de plantas industriais, a frota de automóveis produzidos nacionalmente, a diversificação de modelos, os avanços tecnológicos, os empregos gerados entre outros aspectos que marcam a importância do setor automotivo no processo de industrialização no Brasil. Entretanto, Botelho (2002, p. 59) chama a atenção para a concentração da indústria automotiva no país em que “as unidades produtivas do setor automobilístico caracterizavam-se por sua forte concentração espacial, sobretudo na área metropolitana de São Paulo”. Com base nos pressupostos de Botelho (2002) e dados de 2007 da ANFAVEA, inicialmente, a indústria automotiva elegeu o ABC paulista – zona industrial formada no auge do período fordista – como território para se instalar e sediar as primeiras montadoras. A prioridade para a instalação nas regiões Sudeste e Sul brasileiras perdura durante décadas, destacando a grande São Paulo (incluindo ABC paulista), regiões metropolitanas de Curitiba e Belo Horizonte. Os fatores que marcam essa questão locacional estão os associados à infraestrutura, mercado de trabalho e mercado consumidor apresentadas por estas regiões. Tal situação só é revertida com o processo de desconcentração industrial, iniciado a partir de 1990 para o interior do estado A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 283 de São Paulo e, posteriormente, para outras regiões brasileiras, como é o caso do Centro-Oeste. No entanto, é preciso esclarecer que a concepção teórica dos binômios ‘descentralização industrial’ e ‘desconcentração industrial’ são diferentes, assim como centralização e concentração. (REOLON, 2012). O uso destes termos para representar o deslocamento espacial de plantas industrial e da produção industrial no Brasil tem sido comum, porém, é preciso ressalvas para entender quando um empreendimento capitalista está se descentralizando ou quando ele está se desconcentrando. Assim, o processo de ‘desconcentração espacial industrial’ marca a dispersão ou espraiamento espacial das atividades produtivas pelo território, que passa abrigar plantas industriais oriundas de áreas saturadas industrialmente, nesse caso, o deslocamento é da planta industrial, que pode ser através da abertura de filiais, mas o comando administrativo permanece na cidade de origem da empresa. A esse processo de desconcentração associa a questão de matéria prima, mão de obra barata, localização estratégica, sistema de transporte menos saturado, incentivos fiscais e outros. (REOLON, 2012). Já, o processo de ‘descentralização industrial’ refere-se ao deslocamento da planta industrial juntamente com as atividades burocráticas e do comando administrativo dessas unidades industriais. Nesse sentido, desloca a planta industrial e juntamente a ela também o comando administrativo e financeiro. Este fato nem sempre ocorre, pois em geral, o centro de comando industrial se mantém especialmente na região de origem. (REOLON, 2012). Apenas para reforçar essa analogia, portanto, a desconcentração industrial é o deslocamento espacial da estrutura física e produtiva de uma indústria para outro lugar, já descentralização industrial refere-se ao deslocamento do comando administrativo e normativo da indústria juntamente com sua planta industrial. Todavia, uma indústria pode desconcentrar espacialmente e sem se descentralizar, nesse caso, o comando administrativo e burocrático se mantém nas regiões metropolitanas. Para ilustrar essa situação, Santos e Silveira (2001, p. 303-304) dizem: De um lado (o que é diferente dos períodos anteriores), as atividades modernas tendem a se dispersar em função das virtualidades oferecidas nos subespaços, distantes dos centros estabelecidos, mas cobiçados pelas grandes empresas. Por outro lado, há uma concentração de comando. [...] o co284 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade mando técnico das operações produtivas pode ser relativamente disperso, relacionado de forma direta com a atividade que deve ser regulado. Mas o comando propriamente político, que inclui a regulação normativa, financeira, informacional, tende a se concentrar em um número menor de lugares, sendo que no Brasil esse papel é realizado sobretudo por São Paulo. Com o processo de desconcentração industrial em direção ao interior do país, o mesmo permite novas alocações para plantas industriais, que se instalam em cidade médias e até pequenas. Nesse sentido, nota-se há a relocalização da produção industrial, ou seja, a produção industrial muda de lugar (BENKO, 2002). Sob o aspecto da desconcentração industrial, a década de 1990 é marcada por uma nova dinâmica para o setor automotivo, cujas indústrias buscam novas áreas para se estabelecerem, algumas desconcentrando e outras descentralizando. Nesse contexto, Silva (2002) faz a seguinte reflexão e diz que o processo de desconcentração da indústria automotiva está relacionado a aspectos trabalhistas, assim como a deseconomia: É importante apontar os aspectos da excessiva concentração industrial que geram deseconomia, pois ela é uma das principais causas apontadas pelas indústrias automobilísticas para saírem do Estado de São Paulo, especificamente do ABC – St°. André, São Bernardo do Campo e São Caetano. As antigas zonas de industrialização fordistas passaram a contar com milhares de trabalhadores sindicalizados e experientes na luta por reivindicações salariais e outros direitos, [...]. Um dos fatores da atual desconcentração industrial é a busca por áreas onde os trabalhadores sejam desorganizados sindicalmente e mais flexibilizados, de modo que os salários sejam significativamente mais baixos. (SILVA, 2002, p. 32). Com o deslocamento das plantas industriais para outras regiões do país, nota-se que há uma nova configuração do setor no território nacional, que vai construindo novos arranjos espaciais, inserindo os municípios-sedes numa nova geografia econômica e espacial. O processo de desconcentração industrial é impulsionado por políticas públicas apresentadas pelo Estado para atrair empreendimentos capitalistas, conforme afirma Santos (2002, p. 269): A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 285 Na batalha para permanecer atrativos, os lugares se utilizam de recursos materiais (como estruturas e equipamentos), imateriais (como serviços). E cada lugar busca realçar suas virtudes por meio dos seus símbolos herdados ou recentemente elaborados, de modo a utilizar a imagem do lugar como ímã. É com base nas vantagens oferecidas e, as vezes criadas, por estados e municípios que as empresas decidem onde aportar suas plantas industriais. Em geral, são concedidas através de acordo de intenções ou protocolos firmados entre as partes interessadas. Os acordos envolvem grandes somas em dinheiros, isenções de tributos e investimentos diversos na busca de atrair capital aos municípios. Essas concessões leva a “guerra fiscal” que se transforma em uma “guerra dos lugares” devido aos incentivos e até os perdões fiscais que são concedidos pelos estados e municípios, demonstrando uma briga exacerbada pelo capital e desenvolvimento econômico regional. A respeito desta disputa, Vasconcelos e Teixeira (1998, p. 3-4) relatam que: Essas concessões, porém, nem sempre são divulgadas ao público. Uma das batalhas mais importantes pela localização da usina da Renault foi disputada pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, tendo sido ganha por este último à custa de muitos incentivos. Destarte, “a guerra fiscal” torna-se um instrumento jurídico-administrativo e político que envolve altas cifras monetárias em busca do desenvolvimento econômico regional, porém, nem sempre os altos investimentos estatais tem garantia de retornos sociais. Nesse sentido, Santos e Silveira (2001, p. 112) apontam que: As mudanças de localização de atividades industriais são às vezes precedidas de uma acirrada competição entre Estados e municípios pela instalação de novas fábricas e, mesmo, pela transferência das já existentes. A indústria do automóvel e das peças é emblemática de tal situação. 286 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade As mudanças na alocação das montadoras automobilísticas são evidentes, no pós-1990, considerando a realidade dos anos finais de 1980, cujas indústrias buscavam se instalar nas áreas metropolitanas, próximas aos grandes centros comerciais, financeiros e de maior circulação de capitais. Essa tendência para uma nova localização da indústria automotiva no país, proporcionada, principalmente, pela desconcentração industrial, que culmina com a criação do Regime Automotivo Brasileiro (RAB), em 1995. Entretanto, o governo federal publicou em dezembro de 1996 a Medida Provisória n. º 1. 532, que cria incentivos especiais para as firmas que se instalarem nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Com esse adendo especial para essas regiões, conforme aponta Lima et al. (2002) alavancou o processo de desconcentração da indústria automobilística através da regulamentação de incentivos diversos, isso impulsionou a disputa entre as cidades. A respeito do processo de desconcentração da indústria automotiva brasileira, é possível observar que, a partir desta, se desenha uma nova configuração espacial da indústria automotiva no país, mediante a instalação de plantas industriais em regiões não-tradicionais no setor, como o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Com base nessa configuração espacial emergente, Santos e Silveira (2001, p. 209) sustentam que: Podemos imaginar que, nos próximos decênios, o custo relativo das grandes cidades vai baixar e não aumentar, uma vez que muitas indústrias hegemônicas já estão se localizando nas periferias das megalópoles, das metrópoles e mesmo das cidades médias. (destaque dos autores). No contexto espacial emergente, as cidades médias tornam-se uma das áreas preferenciais para a propagação de capitais. Nesse limiar, Ramalho e Santana (2005, p. 1), ao refletirem sobre o processo de reestruturação das atividades industriais no país, discutem que: O processo de reestruturação das atividades industriais dos últimos anos atingiu de forma substantiva o setor automotivo mundial e brasileiro. A partir de uma política de abertura de mercado no início dos anos 1990, as montadoras multinacionais não só investiram mais na construção de novas fábricas como também saíram em busca de novos territórios fora das áreas geográficas tradicionais de produção de veículos. A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 287 Assim sendo, a indústria automotiva, no mundo e no Brasil, acaba sendo pioneira no processo de reestruturação tecnológica e produtiva, devido, principalmente, aos avanços no processo produtivo com o uso de equipamentos modernos e de tecnologias, visando o aumento da produtividade. Essa tendência é impulsionada pela abertura do mercado nacional para a importação de veículos, sendo que a marca Mitsubishi e Hyundai só chegavam ao país por meio de empresas nacionais importadoras de veículos. Foi diante desse processo desconcentração industrial, de incentivos estatais, de estratégias dos lugares para a atração de capitais que o estado de Goiás e a cidade de Catalão, em 1998, se tornaram pioneiros ao receber a primeira montadora de automóveis da Região Centro-Oeste. Ainda há um movimento empreendido pelo capital automotivo internacional que busca novos territórios para instalar novas fábricas, ou seja, essas ao chegar aos lugares tornam-se empreendimentos símbolos da modernidade local. Atualmente, Goiás possui três montadoras em pleno processo produtivo, sendo: a MMC Automotores do Brasil S. A. , representante da marca japonesa Mitsubishi; Hyundai Caoa Montadora, representante da montadora sul-coreana Hyundai Motor Company; a Suzuki do Brasil, que representa a marca de veículos japonesa Suzuki Motor Corporation. A primeira está sediada no município de Catalão; a segunda em Anápolis e a terceira, parte da linha de montagem sedia em Catalão – usa a fábrica da Mitsubishi – e outra parte em Itumbiara. Cabe ressaltar que tanto a MMCB, quanto a Suzuki do Brasil pertencem aos Grupos empresariais Souza Ramos e BTG Pactual. Assim como, o Grupo CAOA, pertencente ao empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade, detém autorização para fabricação de veículos Hyundai e ainda a representação de importação e distribuição dos veículos da marca Subaru no Brasil, desde 1998. Portanto, é nesse contexto espacial e fiscal de localização da indústria automotiva que Goiás se insere no cenário da produção de automóveis, sediando três montadoras com um mercado produtivo e consumidor em expansão. A respeito disso, tratar-se-á a seguir. 288 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3A instalação de unidades montadoras em Goiás: estratégias locacionais A atividade automotiva e outras subsidiárias tiveram início em Goiás através da implantação da MMC Automotores Brasil S. A. na cidade de Catalão, porém, o contexto aberto por esta montadora atraiu outras duas para terras goianas. As montadoras chegaram a Goiás em momentos distintos, mas alguns fatores como o poder das elites políticas locais, os incentivos fiscais concedidos pelo Estado, a localização do municípios escolhidos são objetivos reais que atraíram as montadoras automobilísticas para a região Centro-Oeste. Além disso, cabe frisar que estas montadoras aglutina em seus processos produtivos relações e conexões diversas, a partir das quais organizam redes com mercados fornecedores de insumos e componentes tanto sediados no Brasil como no exterior, adotam sistemas técnicos e tecnológicos para diminuir os custos de produção e ampliar sua participação no mercado nacional e até internacional, se desdobram em implementar e aumentar a rede distribuidoras de veículos, enfim, implementam medidas variadas para construir e consolidar uma cadeia de suprimento confiável e com garantias de parcerias para médio e longo prazo. Sendo assim, tratar-se-á, sucintamente, quais são os fatores e seus significados no processo de implantação da MMCB em Catalão/GO, da Hyundai Caoa em Anápolis e por último a disputa política entre Catalão e Itumbiara pela Suzuki. Entretanto, cumpre considerar que a respeito do processo de instalação da MMCB, Silva (2001) e Silva (2011) já fizeram suas considerações científicas, entretanto, sobre a implantação da Hyundai Caoa e Suzuki poucas discussões foram tecidas, portanto, as reflexões a seguir servem para situar o contexto espacial que possibilitou a atração dessas três montadoras para terras goianas. 3.1 A Mitsubishi: primeira montadora automotiva do Centro-Oeste Foi no panorama do processo de desconcentração industrial e no estabelecimento de políticas estatais que Goiás atraiu a MMCB para se instalar em Catalão. Em 06 de junho de 1997, foi assinado o Protocolo de Implantação de Indústria Montadora de Veículos Mitsubishi entre o Governo do Estado de Goiás, a Prefeitura Municipal de Catalão e a MMCB. Neste documento, prevê a concessão de benefícios, incentivos e vantagens fiscais para a instalação da empresa, cuja atribuições e responsabilidades se dividem entre Estado, Município e montadora. A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 289 Em parte, a Mitsubishi se instalou no município goiano, especificamente em Catalão, devido à chamada “guerra dos lugares” e o processo nacional de desconcentração industrial, processo em que o município saiu vitorioso em relação à disputa com outras localidades. Atualmente, a montadora encontra-se em processo de ampliação estrutural e da produção de automóveis. Os primeiros investimentos para ampliação da planta industrial e produtiva iniciaram em 2002 com o Projeto Anhanguera I (2000 a 2009), o qual permitiu gerar novos postos de trabalhos, produzir novos modelos de veículos (Pajero TR4, Pajero Sport e L200 Sport, inclusive nas versões flex), atrair filiais de empresas terceirizadas (MVC Componentes Plásticos – 2001, Transzero/Sada Transporte – 2009; Weldmatic Automotive – 2000, Restaurante Pronutri – 2001 e DuPont do Brasil S. A. – 2007), ampliação na quantidade de concessionárias, instalação de uma Central de Peças e Serviços em Catalão, adoção de estratégias logísticas junto ao mercado fornecedor com a instalação de um Centro de Coletas em São Paulo, dentre outras ações importantes. (SILVA, 2011). O Projeto Anhanguera II iniciou-se em 2010 e vislumbra a expansão estrutural para 247 mil metros quadrados de área construída até 2015. Incluindo também a instalação de uma fábrica de motores automotivos; expansão da área de pintura veicular com robotização dos serviços, ampliação da estrutura das empresas terceirizadas, assim como a atração de outras, além do aumento na produção dos modelos Pajero Dakar e ASX e importação da Pajero Full, Outlander, Lancer Sedan, Lancer Sportback Ralliart e Lancer Evolution X. (MMCB, 2014). O projeto tem previsão para findar em 2020, porém, em 2014 conseguiu junto aos cofres públicos, via Banco do Brasil, por meio do Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FCDCO), sob a responsabilidade da Superintendência do Centro-Oeste (SUDECO), um montante de R$ 500 milhões para dar continuidade a referida expansão industrial e produtiva. (A GAZETA, 2014). É nesse cenário de altos investimentos privados e concessões estatais, que desde 1998, a MMCB tem expandido sua produção automotiva em Goiás, saindo de uma produção anual de 3. 098 veículos em 1999 para 52. 386 em 2013. (ANFAVEA, 2014). Portanto, é diante de um cenário promissor em Goiás, que atrai a sua segunda montadora, Hyundai, pertencente ao Grupo CAOA, e que também detém os direitos comerciais da Subaru no país. 290 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 3.2 A presença da Hyundai em terras goianas Os planos de transformar Goiás em um pólo automotivo não cessaram com a instalação da MMCB, ou seja, estes tiveram prosseguimentos dentro das instituições do Estado. Em meio a uma “guerra fiscal” e visando novos investimentos, Goiás entrou em uma disputa com a Bahia e acabou tirando deste estado a fábrica da Hyundai Motor Company. A disputa pela Hyundai teve início em 1997, cujas pretensões iniciais era de se instalar na Bahia, segundo dados de Vasconcelos e Teixeira (1998), mas só veio se confirmar em 2006, após decisão da empresa em instalar sua unidade montadora no município goiano de Anápolis. A história da Hyundai no Brasil lembra a da Mitsubishi no país. O Grupo CAOA iniciou suas atividades em 1979, quando o médico Carlos Alberto de Oliveira Andrade (fundador e atual presidente do Grupo) adquiriu uma revenda Ford em Campina Grande/PB, como forma de receber o pagamento da compra de um Landau feita na concessionária que faliu antes da entrega do veículo. Desde então, ele passou a ser sócio na concessionária e, em menos de seis anos, a CAOA tornou-se a maior revendedora Ford em toda a América Latina, permanecendo assim até 2006. (CAOA, 2014; HYUNDAI, 2014a). Em 1992, o governo federal liberou a importação de veículos, até então proibida. Neste mesmo ano, a CAOA tornou-se a importadora oficial e exclusiva da marca Renault até a vinda da montadora para o país, que adquiriu os direitos de importação (CAOA, 2014; HYUNDAI, 2014a). Em 1999, foi a vez da marca Hyundai, ser representada pelo grupo CAOA, tornou-se líder no mercado de importados com o modelo Tucson. Em abril de 2007, foi inaugurada a primeira montadora Hyundai Caoa Montadora no Brasil, na cidade de Anápolis/GO, com investimentos de R$ 300 milhões. (HYUNDAI CAOA, 2014a). O capital da montadora, assim como o da Mitsubishi, é 100% nacional e os sul-coreanos recebem apenas royalties pela transferência de tecnologia. Em 2007, iniciou-se as atividades de montagem do modelo de caminhão leve HR, com motor a diesel, desenvolvido para transporte urbano. Já em 2009 passou a montar o SUV Tucson, além de alavancar as vendas de importados, como: Azera, i30, Santa Fé e Vera Cruz. (HYUNDAI, 2008b). Ressalta-se que o Tucson só passou a ser montado na unidade brasileira, devido à boa aceitação deste no mercado nacional, sendo que em 2013 a montadora adquiriu o direito de ser a única fábrica a montar este modelo no mundo. Em 2011 a fábrica também passou a montar o caminhão HD78. (HYUNDAI CAOA, 2014a). A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 291 Segundo informações obtidas em julho de 2010 no site da montadora, esta possuía 175 distribuidoras e oficinas em pouco mais de três anos após instalação no país (HYUNDAI, 2010). Já em julho de 2014, após 7 anos de operação a montadora possui 231 concessionárias e oficinas. (HYUNDAI CAOA, 2014b). A montadora Hyundai Caoa possui uma estrutura capaz de abrigar cinco linhas de montagens de veículos e anuncia que, em breve, montará outros modelos, com as cinco linhas em operação os investimentos podem chegar a R$ 1,2 bilhão. O grupo CAOA também detém os direitos de importar e comercializar os veículos importados da marca Hyundai, entre eles estão: New Elantra, i30, Azera, Genesis, Equus, Santa Fé, Grand Santa Fé, Veloster, Sonata e IX35. A série HB20, HB20X e HB20S são fabricados em Piracicaba/SP. Cabe ressaltar ainda que o grupo é importador oficial de veículos da marca Subaru, cujo mercado consumidor encontra-se em expansão. Tal situação pode possibilitar futuramente a instalação de sua primeira unidade no país. Se o grupo Caoa seguir a tendência do grupo Souza Ramos e BGT Pactual, o estado de Goiás pode atrair outra montadora. As questões e aspectos envolvendo a instalação e consolidação da fábrica da Hyundai Caoa em Anápolis merecem serem investigadas científicas, as informações ainda são inconclusas. Entretanto, deve-se reconhecer que a montadora dinamizou o Distrito Agroindustrial de Anápolis (DAIA) requerendo a ampliação de infraestruturas e vias de acesso, assim como atraiu empresas que lhe subsidia no processo de produção e distribuição automotivas, ou seja, o DAIA apresenta-se uma nova paisagem e estrutura. 3.3 A Suzuki em Goiás: Catalão versus Itumbiara Os grupos empresariais Souza Ramos e BGT Pactual são os detentores dos direitos de revenda e fabricação de veículos da montadora japonesa Suzuki Motor Company no Brasil, o mesmo grupo que comercializa e monta veículos da MMCB. Diante da possibilidade a montadora instalar uma unidade produtiva em Goiás, os grupos empresariais assinaram protocolo de concessões fiscais com o Governo do Estado de Goiás no ano de 2007. Cabe ressaltar que desde 2008, a empresa já atuava em estrutura improvisada no Distrito Mínero-Industrial de Catalão (DIMIC), local onde eram nacionalizados os veículos importados da marca, sendo: Grand Vitara, Jimny, Grand Vitara V6, Sx4, os quais são distribuídos nacionalmente, por meio de sua rede distribuidora. 292 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade A partir desse ato institucional, nota-se que há uma disputa escancarada entre os municípios goianos para sediar a próxima montadora. Os municípios de Senador Canedo, Itumbiara e Catalão entram no páreo para sediar a mais nova montadora, demonstrando mais uma vez, a presença da “guerra dos lugares”. No entanto, essa infraestrutura prévia de Catalão não significa, por parte da empresa, a definição pelo município para sediar a montadora, pois há muitas outras questões de interesse do Estado, dos municípios e da própria empresa envolvidas. (SILVA; SILVA, 2011). É nesse ínterim, que em 2011 a empresa decidiu instalar parte de sua infraestrutura produtiva em Itumbiara, sul goiano, mas parte ainda se mantém em Catalão – a linha de montagem da MMCB, ou seja, o único veículo montado em solo brasileiro – Jimny – tem sua estrutura montada em Catalão, sendo transferido para Itumbiara para que seja finalizada a montagem, como colocar bancos, paralamas, parachoques, pneus e outros componentes. Mesmo havendo declarações por parte dos diretores da montadora que não desejariam produzir os veículos das duas marcas no mesmo local, a respeito disso, observa-se que tal logística ainda não é possível, pois esta separação na montagem veicular depende de ampliações do mercado consumidor do Jimny, para assim o grupo realizar investimentos na estruturação de uma linha de produção específica para a marca em Itumbiara. Conforme levantamento realizado em março de 2010, a Suzuki Veículos possuía 23 concessionárias autorizadas espalhadas pelo território brasileiro. (SILVA, 2011, p. 143). Com atualização das informações, nota-se que a empresa aumentou sua rede distribuidora e, em julho de 2014, possui 57 concessionários espalhadas pelo país. (SUZUKI, 2014). Dessa forma, nota-se que Goiás possui três montadoras de origem asiática em operação – Mitsubishi e Suzuki (Japão) e Hyundai (Coréia do Sul). A presença destas montadoras em solo goiano permite o estado assumir um novo papel no processo industrial brasileiro, inserido-se em uma dinâmica de fluxos e de tecnologia que atua de forma pontual, mas ao mesmo tempo permite a construção de um espaço de fluxos global, devido as redes e relações que são estabelecidas tanto na perspectiva horizontal quanto vertical. Os municípios-sedes tem sua lógica capitalista alterada e os impactos na paisagem, na economia local e na vida em sociedade são evidentes e merecem serem investigados cientificamente. A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 293 4O capital automotivo, as cadeias de suprimentos e a competitividade Com o advento da era informacional, os fixos e fluxos culminaram em um mundo mais rápido, ágil e dinâmico, em que a fluidez se faz presente para a sociedade através dos fluxos e circulação de bens materiais e imateriais, as transformações imediatas e instantâneas chegam aos lugares e impõem sua carga ideológica capitalista. Na medida em que o mundo moderno e tecnológico e/ou ideologicamente modificado pelos avanços técnicos e científicos, o sentimento de pertencimento à aldeia global é potencializado nos lugares. Esse pertencimento se faz presente no cotidiano da população brasileira, assim como no caso de Catalão, Itumbiara e Anápolis, ou seja, os lugares não se furtam a esse processo global. Nesse sentido, os lugares se distinguem segundo a lógica capitalista, em que uns podem ganhar mais destaque em relação à outros. Cujo processo, inclui uma série de variáveis que fazem a diferença ao sobressair no território. A respeito disso, o conhecimento das porções do território torna-se algo imprescindível do ponto de vista do capital, sendo então, um recurso a serviço do sistema capitalista e de suas representações. Para Santos (2002, p. 242), conhecê-lo é uma premissa importante do ponto de vista do capital: Pode-se, de um modo geral, dizer que as porções do território assim instrumentalizadas oferecem possibilidades mais amplas de êxito que outras zonas igualmente dotadas de um ponto de vista natural, mas que não dispõem de recursos de conhecimento. Imaginando duas regiões com as mesmas virtualidades físicas, aquela mais bem equipada cientificamente será capaz de oferecer uma melhor relação entre investimento e produto, graças ao just-in-time dos recursos materiais e humanos. Conhecer os recursos locacionais, econômicos, educacionais e sociais, saber sobre as potencialidades informacionais, técnicas e tecnológicas de um lugar são elementos fundamentais para o sistema produtivo, pois é com base nesses conhecimentos que grupos empresariais tomam iniciativas ao deslocar capitais para este ou aquele lugar. Esse processo de decisão envolve questões relacionadas à dinâmica capitalista, em que alguns lugares estão mais aptos a servir ao capital. Os lugares que são mais bem servidos do ponto de vista dos meios de conhecimento e de informações, 294 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade permite com que os grupos empresariais apoderam-se destas condições técnico-científicas e da dinâmica adquirida ao longo do tempo para escolher onde investir. Goiás é palco deste tipo de acontecimento, com destaque para o centro-sul, onde os municípios criam estruturas atrativas – incentivos fiscais, discurso local, fixos – para captar investimentos, com destaque para: Rio Verde, Jataí, Anápolis, Itumbiara e Catalão. Ressalta-se que “os atores hegemônicos, armados com uma informação adequada, servem-se de todas as redes e se utilizam de todos os territórios” (SANTOS, 2002, p. 243) para se auto-promover. Porém, os atores hegemônicos, cuja origem de capitais e de recursos técnico-científicos é estrangeira, acabam por modificar os lugares em que se localizam e se consolidam, conforme afirma Santos (2002, p. 244): Eis por que os territórios nacionais se transformam num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de engenharia mais modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados por firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional. (destaque do autor). Dessa forma, a escolha de um local por parte de uma empresa envolve ganhos e perdas, maiores ou menores investimentos, logística, tecnologias, estratégias por parte do grupo empresarial investidor. Além disso, o papel do Estado consiste em realizar concessão de incentivos fiscais, melhoria na infraestrutura (rodovias, aeroportos, terrenos etc. ) e qualificação de mão-de-obra local. A fraca sindicalização, condição socioeconômica da população, entre outros também são questões observadas pelos capitalistas. Associado a esses elementos, tem-se o uso da logística, da fluidez dos sistemas técnicos e dos fixos, da rapidez nos fluxos que se unem para tornar o capital competitivo, ou seja, a localização da produção industrial é um aspectos importante para o empreendimento ser competitivo ou não. Sobre isso, cabe ressaltar que a produção automotiva exige e necessita de estabelecer relações diversas, planejamento, organizar-se em redes, manter conexões confiáveis com fornecedores de insumos, possuir um mercado consumidor em expansão, dentre outros. Para tanto, a setor automotivo é um dos mais eficientes em adotar novos modelos de produção com injeção de tecnologia para manter sua cadeia produtiva em desenvolvimento, fato que leva-o a possuir uma cadeia de suprimentos envolvendo variáveis econômicas, logísticas e espaciais. A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 295 Sobre isso, até recentemente, muitas empresas focaram sua atenção nas funções de marketing, finanças e produção. Essa atitude é justificada até certo ponto pelo fato de que, se uma empresa não é capaz de produzir e vender seus produtos, pouco mais importa. Contudo, essa abordagem falha em reconhecer a importância das atividades que devem ocorrer entre pontos e momentos de produção (suprimento) e pontos e momentos de compra de produtos (demanda). Essas operações são possíveis devido a adoção de uma logística eficaz. Caso as operação e logística estejam desarticuladas, elas podem afetar a eficiência e eficácia tanto do marketing quanto da produção (DORNIER, 2009). Nesse sentido, o mercado se torna um grande quebra-cabeças, onde as empresas buscam por meio de pesquisas e estudos, uma competitividade diminuindo seus custos e estreitando e/ou rompendo as barreiras geográficas, assim atendendo suas expectativas e as dos clientes, independente de sua localização. Existe uma tendência a um formato operacional e integrado mercadológicamente, onde estratégias em todos os níveis objetivam proporcionar a projeção de certas marcas e/ou produtos a nível mundial, maximizando, os recursos. Dentro desta proposta que transcende as barreiras geográficas o planejamento e a operação requerem novas qualidades gerenciais. A gestão da cadeia de suprimentos ou da cadeia produtiva é uma dessas qualidades gerenciais que compreende o planejamento e o controle de todas as operações, as atividades de suprimento, produção, compras e todas as atividades logísticas de distribuição física até o marketing dos produtos. A gestão da cadeia de suprimentos é uma função integradora com propósito principal de conectar as áreas e os processos comerciais das empresas que formam esta cadeia, buscando um modelo de negócios coeso e eficiente. (DORNIER, 2009). A respeito disso, as unidades montadoras sediadas em Goiás organizam suas cadeias de suprimentos, aglutinando pontos ou nós do território nacional e internacional, ou conforme afirma Silva (2011) formam seus circuitos espaciais da produção. Neste processo de organização da produção e do consumo estão envolvidos relações que inclui parcerias com empresas fornecedoras de componentes, empresas de marketing, tecnologia, modelos de produção, competitividade, transporte, rede distribuidora e mercado consumidor. Entretanto, a simbiose entre essas etapas se dão através do Trabalho, que se materializa por meio das relações de trabalho, executadas pelo homem e, por fim, estas produzem e reproduzem o capital, que tem o poder de transformar recortes espaciais em arena da produção. 296 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Nesse imperativo, Chopra e Meindl (2011) destacam que a competição ocorrerá cada vez mais entre cadeias produtivas, e não mais entre empresas isoladas. Como consequência, clientes e fornecedores precisam adotar estratégias voltadas para a formação de parcerias e troca de informações, de modo a crescerem e se beneficiarem mutuamente. Sobre isso, as empresas fornecedoras de componentes automotivos sediadas no Brasil, atendem praticamente todas as montadoras instaladas no território nacional, para tanto, adotam-se técnicas, tecnologias, acordos e específicos junto a cada uma, inclusive trabalhando em conjunto no desenvolvimento de produtos. Como exemplo cita-se a Magnetti Marelli que se associou a MMCCB na elaboração do projeto e protótipo do motor flex para seus veículos. Em outras palavras, quando a ponta da corrente “puxa”, todos os elos se beneficiam e crescem, desde que estejam alinhados e tenham políticas e estratégias bem definidas de parceria e colaboração. Sem essas parcerias sólidas, o setor automotivo teria sua produção inviabilizada. Um dos fenômenos mais discutidos em gestão da cadeia de suprimentos, tanto no meio acadêmico quanto empresarial, tem sido o denominado “efeito chicote” (bullwhipeffect), que consiste na amplificação da variação da demanda a montante das cadeias de suprimentos. Esta amplificação dificulta a gestão de estoques e o gerenciamento de pedidos na cadeia (BALLOU, 1992). Há diversos fatores que contribuem para a ocorrência do efeito chicote em uma cadeia de suprimentos, com destaque para a política de reposição de estoques e formação de lotes, as dificuldades de previsão de demanda e as estratégias comerciais de vendas. Na indústria, várias iniciativas como, por exemplo, Vendor Managed Inventory - VMI e Collaborative Planning, Forecastingand Replenishment. Dornier (2009), aborda o problema, evidenciando a decorrência nociva do efeito chicote sobre a eficiência das cadeias de suprimento. As empresas buscam reduzir as incertezas quanto à demanda na cadeia para reduzir o efeito chicote, mudando o padrão de reposição de estoques, além de investir em ferramentas de tecnologia da informação (BALLOU, 2001). Muitas indústrias adotam o sistema de estoque enxuto, como forma de evitar prejuízos com capital parado, esse sistema se insere dentro do processo de produção implementado pelos padrões do Just in time. A importância do compartilhamento de informações na gestão eficiente das cadeias de suprimentos pode ser atestada pela grande quantidade de trabalhos sobre o tema. (CHING, 1999). A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 297 Na indústria automotiva, são as empresas montadoras que “puxam” os outros elos da cadeia. De acordo com Christopher (1997), as montadoras podem ser submetidas a mudanças repentinas no mix de produtos demandados pelos consumidores, conforme flutuações do mercado automobilístico. Estas mudanças seriam inevitáveis e imprevisíveis, provocando cancelamento repentino de pedidos ou inserção de pedidos urgentes junto aos fornecedores. Estas práticas contrariam os preceitos de Gestão da Cadeia de Suprimentos e provocam a ocorrência do efeito chicote na cadeia. Atualmente, as empresas da cadeia automotiva buscam superar as dificuldades de gestão da cadeia pela adoção do modelo “Lean Manufacturing” (BOWERSOX, 2006). Este modelo, que tem origem no Sistema Toyota de Produção – STP, consolidou práticas de produção just-in-time (produção puxada e pequenos lotes) com a redução do número de fornecedores e exigência de cumprimento de prazos e qualidade assegurada. Ballou (2001) apresenta a evolução do conceito de produção enxuta, cuja abrangência estendeu-se do chão de fábrica para a cadeia de suprimentos, e o foco em redução de custos deu lugar à ênfase no valor agregado ao cliente. Bowersox (2001) destaca a importância da melhoria e integração dos processos internos para a efetiva integração à cadeia de suprimentos. Estes processos incluem: gestão de relacionamentos e atendimento ao cliente; gestão da demanda; gerenciamento de pedidos; gerência da produção e suprimentos; desenvolvimento de produtos e logística reversa. Neste contexto, destaca-se a importância da adequação do sistema de planejamento e controle da produção e da estrutura organizacional da empresa de manufatura para a sua efetiva integração na cadeia de suprimentos. As indústrias automotivas são exemplos de como se aplica as diretrizes desenvolvidas pelo just in time, pois elas agregam ao processo produtivo todas as etapas inerentes ao gerenciamento de pedidos de insumos, adequação ao estoque enxuto de componentes, organização rígida das etapas produtivas dentro do chão de fábrica (horários programados), controle dos estoques de produtos fabricados, conforme demanda, aprofundamento do relacionamento com as parceiras a montante e a jusante do chão de fábrica, a fim de otimizar o processo produtivo e assim superar os gargalos e evitar prejuízos financeiros. À medida que as atividades da cadeia de suprimentos localizam-se em todo o mundo e os fluxos de produtos começam a atravessar as fronteiras nacionais, os gerentes destas cadeias enfrentam as incertezas e complexidades da rede logística globalizada. De uma perspectiva gerencial, diversas características diferenciam as cadeias de suprimentos globais das nacionais. dentre elas estão: distâncias geográfi298 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade cas substanciais; dificuldades e inacurácias adicionais na previsão; taxas de câmbio e outras incertezas macroeconômicas; inadequações infraestruturais (qualificação do trabalhador; disponibilidade de fornecimento e qualidade do fornecedor; falta de equipamento e tecnologia de processo locais; inadequações na infraestrutura de transporte e telecomunicações); dimensões explosivas da variedade de produtos em mercados globais. Com a concorrência internacional e o constante aumento da complexidade do ambiente em que operam as empresas, a gestão da cadeia de suprimentos global tem se tornado uma tarefa cada vez mais importante (BALLOU, 2001). Entretanto, gerir cadeias de suprimento globais é incontestavelmente mais difícil do que as cadeias de suprimento domésticas (ou internas/nacionais). Ambas lidam com fatores econômicos, como taxas de juros, preços de mercado, custos de produção e transporte, mas valores específicos são dependentes dos países envolvidos na cadeia e, portanto, é mais complexo prever estes aspectos em uma escala global. Enquanto a cadeia de suprimentos doméstica trata de projetos em um único país, a cadeia de suprimentos global envolve regras de comércio internacional e questões financeiras, permitindo que fornecedores, plantas e centros de distribuição (CD) estejam localizados em vários países (DORNIER, 2009). A respeito disso, considerando que as três montadoras instaladas em Goiás, dependem de equipamentos e componentes automotivos importados, elas se inserem em cadeias de suprimentos globais, que atuam em diversos países e estão sujeitas as oscilações e condições da economia global. Um exemplo foi a crise da economia mundial de 2008 e o tsunami no Japão em 2011, ambos afetaram a importação de equipamentos pela MMCB, fazendo-a a reduzir e rever a produção de automóveis no Brasil. Slack (1996) acrescenta que um aspecto fundamental da cadeia de suprimentos global é que ela não avalia os custos e os lucros objetivados por uma única organização, mas todos os envolvidos na gestão da cadeia. Tendo em vista estes aspectos, Chopra e Meindl (2011) afirmam que projetar uma cadeia de suprimentos global não é tarefa fácil, pois envolve, por exemplo: a) a seleção de instalações, de possíveis plantas em diferentes países e continentes, para cada etapa da produção e distribuição, que podem incluir decisões de investimento de capital em novas instalações ou expansões, decisões sobre o fechamento das instalações existentes, e seleção dos fornecedores externos; b) decisões sobre quais produtos fazer e distribuir em cada facilidade; c) decisões sobre quais mercados servir; e d) seleção das rotas da rede A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 299 através dos quais os produtos devem passar para chegar ao seu destino final. Dados a amplitude dos aspectos envolvidos, observa-se que a capacidade de definir e resolver modelos de otimização da cadeia de suprimentos global torna-se uma tarefa importante do planejamento estratégico das organizações. As cadeias de suprimento globais operam em mais de um país ou jurisdição fiscal e enfrentam problemas de decisão relativos aos fluxos comerciais de recursos, produtos e serviços, preços de transferência e a alocação dos custos de transporte entre as subdivisões. Essas decisões devem levar em conta, para fins de otimização, parâmetros corporativos e governamentais, como o pagamento de dividendos e royalties, propriedade e controle sobre as subsidiárias, diferença de impostos, taxas e quotas, etc. Taylor (2005) indica que se deve analisar também as barreiras comerciais não-tarifárias, taxa de câmbio, impostos corporativos, tempo de transporte, custo de estoque, habilidade e disponibilidade da mão de obra e o contexto da indústria. Chopra e Meindl (2011) afirmam que o planejamento e o exame adequado das transações financeiras internacionais são mais essenciais na cadeia de suprimentos global do que os detalhes dos fluxos físicos, ou seja, nesse caso o papel do Estado agindo por meio de acordos bilaterais ou geopolíticos contribuem para a inserção e reprodução do capital internacional no país. As corporações multinacionais, tais como as montadoras que se instalaram no território goiano, enfrentam uma série de questões complexas de planejamento quando buscam otimizar o desempenho financeiro. Estas questões abarcam: distância geográfica dos portos que recebem produtos importados; distância entre os fornecedores nacionais e a rede distribuidora; falta de um know how automotivo regional; adoção de um único modal de transporte (rodoviário); presença de objetos técnicos inadequados ao sistema automotivo etc. Ballou (2001) afirma que embora o foco fundamental possa ser o de maximizar a soma dos lucros após impostos, as empresas multinacionais precisam considerar objetivos secundários importantes, dentre eles destam-se uma série de custos e restrições associados com fluxos de caixa e lucros realizados no exterior por companhias subsidiárias. Isso pode incluir o desempenho financeiro total ou parcial das subsidiárias estrangeiras, bem como metas alternativas para a corporação multinacional em si, realizadas através de medidas de desempenho, como despesa fiscal total e retorno sobre os ativos. Outro aspecto a ser considerado na modelagem da cadeia de suprimentos global é a taxa de conversão da moeda. Arnold (1999) afirma que os preços e custos 300 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade de todos os elementos devem ser padronizados em uma moeda ou base uniforme de avaliação, através de uma taxa ou fator de câmbio, visto que os processos da cadeia de suprimentos podem ocorrer em áreas com diferentes moedas. Entretanto, flutuações na taxa de câmbio apresentam risco para transações financeiras internacionais, pois as disparidades entre os valores de compra e venda, ocasionadas pela conversão, podem provocar mudanças significativas na receita total das multinacionais. Devido as diversas complexidades nas cadeias de suprimentos globais, as empresas devem tomar decisões de compromisso (trade-off) para desenvolver mundialmente estratégias de operação e logística executáveis no que se refere às decisões de uma empresa em relação a sua integração vertical na cadeia de suprimentos global. Conforme dito anteriormente, as indústrias automotivas instaladas em Goiás precisam levar em conta: o ambiente do país; situação competitiva; características da empresa (produto: maturidade, diferenciação de marca, diversidade de linhas, intensidade de serviços; tecnologia: maturidade, estabilidade, complexidade; recursos: capital, gerência, experiência anterior em atividades similares, grau de globalização; características dos fornecedores: conhecimento tecnológico, recursos financeiros, falta de qualidade e de cultura de melhoria contínua). Portanto, a superação dos gargalos e dificuldades são questões cotidianas e presentes no planejamento e controle da cadeia de suprimentos por parte das montadoras automotivas. As sediadas em Goiás, necessitam de uma atenção ainda maior, devido o estado não possuir uma tradição na produção automotiva e quase totalidade de seus fornecedores e prestadores de serviços incluídos no primeiro nível (First Tier) estão sediados distantes das unidades montadoras. Nesse quesito, Silva, Oliveira e Lacerda (2013, p. 353) afirmam que: Seja qual for o sistema que se estabeleça no território, a fluidez se faz necessária para a hegemonia dos diferentes atores. Toda uma política adotada por um setor produtivo que passa pelo estudo dos espaços locais, regionais e globais, as territorialidades existentes ou a existir, conjunturas políticas e econômicas, requerem relevante consideração no que diz respeito à logística e a parceria com as mudanças tecnológicas. Elementos como tecnologia, logística e planejamento redundam em diferenciais na política produtiva automotiva goiana, pois eles possibilitam uma (re)organização e consolidação dos espaços e de cadeias de suprimentos automotivos globais A importância locacional e o imperativo da competitividade no território goiano 301 em um estado voltado para o capital agroindustrial, insere o território goiano em um novo cenário, permitindo-o a desempenhar um papel importante nas organizações produtivas nacionais, e principalmente no atendimento as expectativas de desenvolvimento econômico e necessidades regionais. Considerações Finais O formato geoeconômico no início do século XX, estimulou a ascensão da economia brasileira, e de certa forma se tornou um ícone nas instalações e estruturações dos setores produtivos em todos os segmentos mercadológicos. Mas a economia possui uma vida temporal e circunstancial peculiar e detentora de uma abrangência que dita à formatação dos espaços e territórios. Durante a década de 1970, com a política de integração nacional, com maior intensidade o estado de Goiás abre caminho para novos investimentos. Incentivos agropecuários, implantação de infraestrutura básica como as vias de acesso (rodovias), comunicação e hidrelétricas, o estado atrai investidores e mão de obra, e provoca um salto no crescimento econômico. Desse modo, não somente o estado de Goiás, mas a região Centro-Oeste passou a contar com uma relevante colocação no cenário produtivo econômico, gerando novos padrões socioculturais econômicos. Com a constituição de um novo circuito espacial e com grande potencial produtivo e econômico, houve a necessidade de investimentos no setor logístico, além da formação de uma rede de sustentação que fornece a manutenção de toda estrutura de produção. No entanto, mesmo com a vinda de diferentes indústrias e de até montadoras automotivas, Goiás ainda está relativamente distante dos grandes centros que instalam as vultosas indústrias que são as maiores consumidoras dos produtos produzidos pela região, e aos modais apropriados para o transporte ao mercado externo. Modal esse que possui uma grande relevância pelo custo, que irá influenciar diretamente no preço de alguns produtos. Portanto, é nesse território em construção que as indústrias automotivas galgam e trazem um novo cenário produtivo para Goiás, permeado por técnicas, tecnologias, redes e cadeias nacionais e globais, as quais impactam nos lugares onde estão sediadas, possibilitando transformações socioespaciais, econômicas, políticas e culturais no cotidiano do goiano. 302 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Referências A GAZETA. Mitsubishi terá R$ 500 milhões para investir na fábrica de Catalão. Disponível em:<http:// agazeta24horas. com. br/destaque/mitsubishi-tera-r-500-milhoes-para-investir-na-fabrica-emcatalao/>. Acesso em: 27 jul. 2014. ANFAVEA. Estatísticas. Disponível em: <http://www. anfavea. com. br/tabelas2013. html>. Acesso em: 27 jul. 2014. ARNOLD, J. R. T. Administração de materiais. São Paulo: Atlas, 1999. BALLOU, R. H. Gerenciamento da cadeia de suprimentos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. _______. Planejamento, Organização e Logística empresarial. São Paulo: Artmed, 2001. _______. Logística Empresarial. São Paulo: Atlas, 1992. BENKO, G. Economia, Espaço e Globalização na aurora do século XXI. 3. ed. São Paulo: Hucitec: Annablume, 2002. BOTELHO, A. Reestruturação produtiva e produção do espaço: o caso da indústria automobilística instalada no Brasil. Revista do Departamento de Geografia. São Paulo, n. 15, p. 55-64, 2002. BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Gestão Logística da Cadeia de Suprimentos. Porto Alegre: Bookman, 2006. _______. 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Madrid-ES, 1998. p. 1-17. 304 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade COMPETITIVIDADE 11 Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás Frederico Rodovalho Oliveira Katia Aline Forville de Andrade Oliveira 1Introdução Este capítulo teve como objetivo inicial de relatar o status de implementação de acordos em setores da indústria goiana implementados para o início da vigência da Lei No. 12. 305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e estabelece diretrizes para a gestão integrada e gerenciamento de resíduos sólidos em território nacional, com vistas a organizar o sistema de coleta seletiva, aplicando-se como instrumentos o estabelecimento de acordos setoriais e da logística reversa (BRASIL, 2010). A metodologia escolhida para protagonizar este estudo envolveu pesquisa bibliográfica e documental, e pesquisa de campo para a realização de entrevistas não estruturadas para o levantamento de informações sobre o status das ações da indústria goiana para sua adequação à PNRS que tem quatro anos a partir da sua publicação para entrar em vigência, ou seja, em agosto de 2014. 305 Entende-se que este capítulo é relevante compreendendo a importância da efetiva execução de políticas públicas ressaltando a responsabilidade compartilhada de governo e organizações na gestão integrada dos resíduos, principalmente no que tange a questão dos resíduos sólidos que afetam sobremaneira a qualidade e saúde ambiental, que refletem na qualidade de vida do cidadão brasileiro. Referente a isso, há que se lembrar que, conforme o artigo 225 da Constituição Federal “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1998). Este estudo, vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial (FATESG), mantida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), ainda justifica-se pelo cumprimento do papel social da instituição de ensino integrando-a à sociedade, como pela contribuição na construção do conhecimento científico e tecnológico. 2Revisão literária 2.1 A questão ambiental O desenvolvimento sustentável implica na utilização de recursos naturais nas atividades humanas entendendo que estes são finitos e que se deve adotar ações voltadas para o estabelecimento de novos padrões de produção e consumo, como previstas nas estratégias nacionais de desenvolvimento sustentável (ENDS) incentivadas pela Agenda 21, documento oriundo da Rio 92 (BRAGA, 2010). As ENDS estimulam o estabelecimento de políticas setoriais articulando as dimensões sociais, econômicas e ambientais, como o conceito do desenvolvimento sustentável prevê desde a primeira vez que foi discutido no relatório “A estratégia global para a conservação”, em 1980. Assim, a sustentabilidade é preconizada tendo como foco o equilíbrio entre crescimento, equidade social e proteção ao ambiente (BRAGA, 2010). Uma das estratégias incitadas é, portanto, a promoção do consumo e produção sustentáveis, o que envolve a redução da pressão sobre o meio ambiente dentro dos limites de rendimento sustentável (BARBIERI, 2004) com maior “eficiência no uso de matérias-primas, água e energia, através da não geração, minimização ou reciclagem de resíduos gerados, com benefícios ambientais e econômicos para os processos produtivos” (SENAI RS, 2003). 306 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Para tanto, na produção mais limpa torna-se imprescindível o desenvolvimento contínuo de novas tecnologias que possam ser empregadas na proteção ambiental, proporcionando uma melhor qualidade ambiental. Neste sentido, o legislativo brasileiro aprovou a Lei No. 12. 305/2010, que institui a PNRS com o desafio de implementar o sistema de coleta seletiva, prevendo acordos setoriais e a logística reversa (BRASIL, 2010). A coleta seletiva, segundo Szabó Júnior (2011, p. 90) “viabiliza a reciclagem e a consequente diminuição de resíduos no planeta”. Como lembra o autor, certos resíduos levam muito tempo para se decompor se dispostos em aterros, e podem ter outro destino por meio de processos de reciclagem, que evitam a novas extrações de recursos renováveis e não renováveis na natureza, como também economizam no custo de energia. “Resíduos, são sobras que, na maior parte das vezes, deixam de ter utilidade para a fonte geradora. [...] podem ser sólidos, líquidos, sendo conhecidos como efluentes, [...], ou, ainda, gasosos, também chamados de emissões atmosféricas (SZABÓ JÚNIOR, 2011, p. 109). Os resíduos também são classificados pela Norma Brasileira (NBR) 10. 004/2004 em: i) Classe A – correspondem a resíduos perigosos que oferecem risco ao meio ambiente e necessitam de tratamentos apropriados; ii) Classe 2A – envolvem os resíduos orgânicos em geral que poluem, geram gás metano e chorume em sua decomposição; iii) Classe 2B – englobam os resíduos inertes, são aqueles que não se integram ao meio ambiente e, se reaproveitados otimizam o aproveitamento dos aterros sanitários (SZABÓ JÚNIOR, 2011). Conforme a Lei No. 12. 305/2010, os acordos setoriais são instrumentos firmados entre “o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto” (BRASIL, 2010). Para a PNRS, a logística reversa deverá ocorrer de acordo com a viabilidade técnica e econômica, previamente, analisadas para produtos e embalagens pós-consumo, identificados “grau e extensão de impacto à saúde pública e meio ambiente”. Entretanto, são obrigados a estruturar um sistema de logística reversa entidades que compõem as cadeias produtivas – entenda-se fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes – de produtos agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, produtos eletroeletrônicos e componentes (BRASIL, 2010). Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás 307 Importa ressaltar aqui, que a Lei No. 12. 305/2010 apregoa a necessidade da atuação conjunta do governo, organizações e sociedade em relações de responsabilidade compartilhada, corroborando ao que defende Almeida (2008) da premência da responsabilidade tripolar para a promoção da sustentabilidade em todas as suas dimensões. 2.2 Logística Reversa A logística reversa segundo Stock (1998) é entendido como o retorno de produtos à sua origem, com ênfase na redução do consumo na fonte através da reciclagem de produtos utilizados buscando a substituição de materiais por outros menos agressivos ao meio ambiente, visando o reuso de materiais para que ocorra a diminuição de ações agressoras ao local de origem com foco na disposição de resíduos, na reforma, reparação e remanufatura. Deste modo entende-se que o conceito vai além da ideia simplista de “devolver aquilo que não serve mais”, indo muito além do que se pensava a respeito da devolução de produtos. Ao aprofundar no tema, deve-se atentar para o fato de que alguns produtos possuem ciclos de vida diferentes entre si, onde alguns possuem uma vida útil de apenas alguns dias, e outros que permanecem funcionais por vários anos. Razzolini Filho e Berté (2009) destacam que, além da questão que envolve a produção, devem-se observar também os processos de distribuição e as formas de descarte de produtos, pois deste modo, será dado o devido valor as questões produtivas e ambientais, mostrando que estes fatores precisam estar ligados, e não separados um do outro. Segundo Leite (2009) os produtos ao atingirem o fim da sua vida útil, devem ser direcionados para dois sistemas de canais reversos. O primeiro seria a remanufatura e o segundo a reciclagem, e caso não exista uma destinação adequada, devem em último caso, ser direcionados para aterros sanitários próprios. O autor comenta que só devem ser enviados para estes destinos os produtos que não apresentarem condições mínimas para serem reaproveitados, deste modo Leite (2009) explica que a remanufatura seria o canal que os produtos podem ser reaproveitados em algumas partes essenciais, após a substituição de partes integrantes do produto. E quanto a reciclagem o autor define que seria o canal reverso que promoveria a transformação de produtos descartados em matérias-primas secundárias. Os conceitos de Guarnieri (2011) sobre disposição final de produtos descartados, destacam-se os termos utilizados para designar os produtos seguros e não seguros. A autora destaca que os meios seguros devem ser controlados para que não 308 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ocorram prejuízos de forma alguma ao meio ambiente, quanto à destinação final de produtos descartados. A mesma sociedade que se utiliza dos produtos também não deve ser atingida, seja de forma direta ou indireta. Quanto a disposição final não segura, Guarnieri (2011) explica que são utilizados como desembaraço destes bens de consumo formas não controladas, havendo o descarte dos produtos em locais impróprios, como em rios, riachos, mares e lixões, e em quantidades que agridem o meio ambiente. A cadeia logística reversa exige que as empresas tomem decisões que sejam guiadas pelos objetivos estratégicos. E estas decisões obrigatoriamente devem ser voltadas para a busca da obtenção de vantagens competitivas em relação à concorrência. Outros fatores que devem ser observados além das decisões estratégicas envolve a definição de mercados para os quais os produtos reaproveitados devem ser destinados, bem como se deve identificar quais seriam os sistemas de movimentação de materiais que seriam utilizados para adequar os fluxos de materiais ao longo da cadeia logística (LEITE, 2009). A figura 1 mostra e relaciona as inúmeras atividades ligadas ou não à logística, e que fazem parte de uma rede de distribuição envolvida com o pós-consumo. Onde são desenvolvidas diversas fases que são relacionadas com o reuso de produtos reciclados. O planejamento da rede de distribuição reversa deve ser iniciado observando o local onde estarão os produtos descartados que fornecerão a matéria prima da rede, pois sem essa fonte todo processo ficará comprometido e os resultados poderão ficar abaixo das expectativas. As etapas que envolvem a consolidação e o processamento industrial precisam ser definidos de modo que, se necessário for, sejam locais onde a obtenção de outras matérias primas sejam fáceis de serem encontradas para serem utilizadas na transformação dos produtos do pós uso em novos produtos industrializados, aptos para o consumo (LEITE, 2009). Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás 309 Figura 1 – Atividades na rede de distribuição reversa Atividades na rede de distribuição reversa Entrada dos produtos e pós-consumo * domicílios * comércio * indústria * Assistência técnica Consolidações * quantidades * geografia * processamentos * armazéns avançados * centros de distribuição Processamento Industrial * substituição * desmanche * remanufatura * reciclagem * destinação final Redistribuição * mercado original * mercado secundário * indústria Transporte - armazenagens - estoques - informações - relacionamentos Fonte: Leite, 2009. Após a elaboração das atividades da rede de distribuição reversa, Leite (2009) cita que os objetivos estratégicos precisam estar alinhados com as estratégias das operações e os objetivos de revalorização pretendidos pela rede reversa. O autor descreve três passos para a obtenção destes objetivos. O primeiro seria a revalorização econômica cujo interesse seria a obtenção de economias devido a reutilização de produtos ou o comércio secundário do bem pós-consumo. Em segundo lugar o autor comenta que a revalorização ecológica teria o interesse de estimular a empresa a obter ganho de imagem com a eliminação de impactos negativos causados por seus produtos na sociedade. E por último a revalorização legal, que seria os casos onde as pressões ecológicas atingiriam o estágio de leis, e estas deverão ser cumpridas pela empresa, sob pena de punição devido o impacto negativo de seus produtos na sociedade. 2.3 Setor Industrial Nacional O setor produtivo brasileiro até os anos 30 era composto basicamente de produtos agrários e tinha como objetivo final a exportação de uma única commodity, o café. Quando a grande crise atinge a bolsa de valores americana em 1929 o país foi duramente afetado financeiramente, e de um momento para outro as exportações nacionais são prejudicadas, causando grandes perdas e acúmulo de produtos já produzidos que não tinham mais um comprador definido. Diante deste cenário, o governo de Getúlio Vargas começa a promover a substituição das importações por incentivos à produção, com vistas ao mercado local. Assim, o país se vê forçado a abandonar sua vocação como exportador de commodities e iniciar um novo modelo de desenvolvimento industrial (SILVA, 2009). 310 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Silva (2009) afirma que o processo inicial de substituição das importações surge a partir da acumulação de riquezas gerada pelo setor agroexportador, e em virtude do aparecimento de uma classe trabalhadora assalariada que existia em grande número nos centros urbanos mais desenvolvidos. Com o aumento de classes sociais surgiram novas demandas por produtos, e estas necessidades passaram a ser feitas sempre em maiores quantidades, incentivando deste modo o investimento no setor produtivo. O foco do setor produtivo estava inicialmente direcionado para a indústria alimentícia, têxtil e de vestuário. Os empresários brasileiros viram que estavam atendendo um mercado consumidor altamente carente por produtos, que estava disposto a pagar por preços razoáveis e consumindo em grandes quantidades. Mas estes empresários não conseguiam suporte do governo, pelo contrário, enfrentavam dificuldades para se desenvolverem, pois não conseguiam apoio para solucionarem problemas que deveriam ser da alçada do governo. Baer (2009) descreve que o desenvolvimento industrial brasileiro passou por diversos percalços durante sua formação, pois o país sempre se alicerçou na agricultura para se desenvolver, deixando o setor industrial para segundo plano. O autor comenta que, o primeiro levantamento realizado com o objetivo de formular um programa de ação governamental, que alavancasse o setor industrial foi a Missão Cooke. A pesquisa foi elaborada entre os anos de 1942 e 1943, e foi feita por brasileiros e americanos. O resultado final foi um relatório que analisava a economia brasileira de forma separada, descrevendo exigências locais, e sugerindo a criação de programas de desenvolvimento diferentes, para atenderem as demandas regionais. O relatório concluiu que existia a necessidade de se realizar um esforço para que houvesse o desenvolvimento do sul do país, pois esta região oferecia condições para o crescimento econômico. No relatório da Missão Cooke existia também a recomendação de se expandir a indústria siderúrgica, pois ela promoveria a base para o desenvolvimento da indústria de bens de capital. Ainda segundo Baer (2009), o relatório informava que a tarefa de industrializar o país deveria estar nas mãos do setor privado, e o governo deveria se concentrar no planejamento industrial em geral, procurando desenvolver recursos para o crédito produtivo e promovendo a capacitação técnica necessária para suprir as necessidades de mão de obra das indústrias. O efeito do relatório buscava esclarecer os problemas de desenvolvimento enfrentados pelo país na época, mas Infelizmente tal resultado não causou os impactos necessários para que houvesse mudanças políticas consideráveis. Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás 311 A evolução do processo de industrialização no Brasil teve seu desenvolvimento acelerado após a segunda guerra mundial. Onde os índices de crescimento da industrialização alcançaram taxas de crescimento de até 7,8% ao ano. Assim rapidamente o setor industrial passou a responder por grande parte do produto interno bruto do país, passando o setor agropecuário já na segunda metade da década de 1950. Os valores positivos do crescimento do setor industrial estavam ligados diretamente nas grandes entradas de capital privado que incentivam e forneciam recursos para o desenvolvimento do setor em crescimento (BAER, 2009). As novas indústrias que estavam em pleno funcionamento no país, produziam itens que iam além do último estágio produtivo, mostrando existir um equilíbrio tanto do ponto de vista horizontal quanto do vertical. Baer (2009) comenta que graças a este crescimento foi sendo possível diminuir gradativamente a participação das importações de máquinas, peças e matéria prima para produção. O crescimento mais destacado foi no setor de equipamentos de transporte, maquinário, aparelhos elétricos e produtos químicos. Segundo o Departamento Nacional do Serviço Nacional de Aprendizagem Nacional (SENAI DN, 2008) as mudanças pelas quais o Brasil passou nos últimos anos levaram a indústria a criar novos pólos de produção e a incorporação de novas tecnologias que necessitam capacitação continuada do trabalhador, seja educação básica ou profissional técnica ou tecnológica. Este novo cenário mostrou novos panoramas de crescimento da indústria nacional no período de 2000 a 2004, com economias das regiões Sul e Sudeste do país abaixo da média nacional e maiores taxas de crescimento sendo registradas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, envolvendo indústria de transformação, extração mineral, construção civil e serviços industriais de utilidade pública. Este fenômeno foi denominado interiorização do desenvolvimento que engloba a abertura de novos pólos em regiões com tradição em atividades primárias, com incentivos públicos, boa infraestrutura, proximidade das fontes de matéria-prima, de mercados consumidores etc (SENAI DN, 2008). 312 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 2.4 A Indústria no Estado de Goiás O Estado de Goiás, localizado na região central do Brasil, estende-se a um território de 340. 086. 698 Km2 e abrange 246 municípios, conforme informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2006). Inserido no dentro do bioma Cerrado, Goiás teve seu descobrimento a partir das primeiras bandeiras em busca de riquezas minerais e à captura de índios, ainda no primeiro século da colonização do Brasil (PALACÍN e MORAES, 2001). Apenas no século XVIII, inicia-se o primeiro arraial de Sant’Ana, por ocasião da descoberta de ouro na cabeceira do rio Vermelho. O povoado foi chamado mais tarde de Vila Boa e então Goiás, abrigando por 200 anos a capital do Estado. Com a decadência do ciclo de ouro, a coroa portuguesa passou a incentivar a agricultura em Goiás, tiveram a rejeição dos mineiros pelo trabalho agrícola, baixa rentabilidade com ausência de mercado consumidor e os altos custos com transportes, o que dificultava a venda da produção agrícola (ESTEVAM, 2004). Contudo, a atividade pecuária alcançou êxito, espalharam-se fazendas de gado por todo o sertão de Goiás, intensificando-se com o movimento governista brasileiro de Getúlio Vargas, denominado Marcha para o Oeste, que incentivou a ocupação do Centro-Oeste após a segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a migração de novos colonos sulistas para o Estado (ESTEVAM, 2004). Segundo Arriel e Castro (2014, p. 14), Goiás tem desenvolvido sua indústria nas últimas décadas contribuindo com a geração de riquezas no Brasil, principalmente pela “integração da agropecuária moderna e o avanço da agroindústria, a expansão da indústria de base mineral, bem como a emergência de novas atividades industriais atraídas pelas políticas de incentivos fiscais, praticadas Goiás a partir de meados da década de 1980”. Destaca-se, portanto, no Estado a agroindústria, fortalecida, sobretudo pela produtividade na cultura de grãos e no gado de corte e leite, que tem dinamizado o sistema agroindustrial em Goiás bastante diversificado e dotado de investimentos criados ao longo dos anos para o setor, como: o Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR) e o Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (PRODUZIR). Atuante desde a década de 1950, a Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG) conta com cerca de 35 sindicatos filiados e tem defendidos os interesses da comunidade industrial goiana sob sua missão que é “Promover o desenvolvimento econômico, social, cultural e industrial do Estado, fortalecendo o associativismo Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás 313 sindical, fomentando os negócios das empresas e defendendo os interesses políticos da classe industrial goiana” (FIEG, 2010, p. 17). 3Métodos E Técnicas Nesta parte é apresentada a metodologia escolhida para protagonizar este trabalho, que propões uma análise das ações setoriais da indústria goiana para se adequar a Lei No. 12. 305/2010. Para isso foi realizada uma pesquisa qualitativa de cunho exploratória, com levantamento de dados secundários a partir de consultas a livros, artigos, leis e sites da Internet. A coleta de dados primários se deu com pesquisa de campo a realização de entrevistas não estruturadas, com representantes do Conselho Temático de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás. Os dados coletados foram analisados, descritos e discutidos. 4Resultados E Discussões As informações aqui relatadas envolvem entrevistas não estruturadas realizadas com as representantes do Conselho Temático do Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG), entidade de grande importância no apoio e desenvolvimento da indústria goiana. Este estudo procurou conhecer as ações desenvolvidas pela indústria goiana para adequar-se para o cumprimento da Lei No. 12. 305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), utilizando-se como instrumentos acordos setoriais e a implantação de sistemas de logística reversa além da coleta seletiva pública para produtos e embalagens pós-consumo de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, produtos eletroeletrônicos e componentes. Conforme a informação recebida, a logística reversa de embalagens de agrotóxicos é o mais efetivo até o momento. Em pesquisas complementares observou-se que, aproximadamente 95% das embalagens retornam para reaproveitamento por meio do Sistema Campo Limpo para cumprimento da Lei No. 9. 974/2000, por meio da organização do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias. A partir de um processo de responsabilidades compartilhadas, a logística reversa de 314 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade embalagens de agrotóxicos tem obtido êxito pela ação conjunta do agricultor, dos canais de distribuição, do fabricante e do governo (Figura 2). Figura 2 – Processo da logística reversa de embalagens de agrotóxicos Fonte: Adaptado de INPEV, 2014. O setor de plásticos por meio do Sindicato de Material Plástico do Estado de Goiás (Simplago) realiza desde 2011 reuniões e palestras preocupado com a disponibilidade de plástico para seu processo produtivo, oriundos de embalagens pós-consumo de produtos não perigosos. A partir de pesquisas complementares, descobriu-se que a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), participante de um grupo de trabalho temático coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, tem discutido com seus associados sobre a implementação da PNRS desde 2012. Foram feitas propostas e destacada a necessidade de se firmar o acordo setorial por meio de um termo de adesão, visto pela associação como um fator de competitividade. As propostas discutidas envolvem: a) utilizar-se da estrutura existente de logística reversa e coleta seletiva com catadores; b) contabilizar as iniciativas e programas individuais das entidades participantes; c) fomentar, profissionalizar e equipar as cooperativas de reciclagem; d) criar pontos de entrega voluntária; e) atividades educativas. A meta nacional da Abiplast e seus sindicatos associados é recuperar 20% embalagens até o ano de 2015 reduzindo embalagens dispostas em aterros sanitáAções setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás 315 rios. Entretanto sua estratégia inicia pelas cidades sedes da Copa do Mundo de 2014, medida que abrange o Distrito Federal, refletindo nas cidades goianas do seu entorno, mas não chegando, à princípio, à Goiânia e demais regiões do Estado de Goiás. Com relação ao óleo lubrificante, por meio do Sindicato Nacional da Indústria do Rerrefino de Óleos Minerais, a indústria goiana já tem um sistema de logística reversa em funcionamento. Segundo a entrevista, identificou-se que a ausência de ações voltadas para pilhas e baterias, não havendo indústria destes produtos em Goiás, excetuando-se iniciativas isoladas de empresas varejistas e prestadoras de serviços, como os pontos de entrega voluntária que abrangem estes resíduos em hipermercados, lojas de materiais de construção e agências bancárias. Com relação aos pneus, o Brasil foi um dos primeiros países a adotar legislação específica para descarte do resíduo, obrigando fabricantes e as importadoras de pneumáticos a coletar e dar destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus inservíveis existentes em território nacional, pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) No. 258/1999. Esta resolução estipulava uma proporção de pneus a serem reciclados, entre os anos de 2002 e 2006, de 1 a 5 pneus, para cada 4 pneus fabricados ou importados no mesmo período, com o objetivo de reduzir o passivo ambiental. A partir de então, foi implantado o Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis pela Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), entidade que representa os fabricantes de pneus novos no Brasil, que desde o início do programa até hoje, já destinou de forma ambientalmente correta mais de 200 milhões de pneus de automóveis no país. Em 2007, os fabricantes de pneus Bridgestone-Firestone, Goodyear, Michelin e Pirelli criaram a organização não governamental (ONG) Reciclanip, exclusivamente para a coleta e destinação de pneus pós-consumo no Brasil, financiando todo o processo de reciclagem. A entidade conta com centrais de armazenamento de pneus inservíveis em parceria com o poder público municipal para efetuar a coleta de pneus no comércio, prestadores de serviços e empresas particulares geradoras do resíduo. Segundo a ONG, são mais de 285 ecopontos para o descarte voluntário e mais de 2,7 bilhões de pneus reciclados no Brasil (ABR, 2014). A Resolução Conama No. 416/2009, que substituiu a resolução Conama No. 258, dispõe sobre a prevenção à degradação ambiental causada por pneus inservíveis e sua destinação ambientalmente adequada, estabelecendo que os fabricantes 316 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade e importadores de pneus novos, com peso unitário superior a 2,0 Kg (dois quilos), ficam obrigados a coletar e dar destinação adequada aos pneus inservíveis existentes no território nacional. Atualmente, os fabricantes, importadores e destinadores de pneumáticos devem declarar a destinação de pneus inservíveis junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama), ditada pela Instrução Normativa N° 01/2010, que constitui-se em um instrumento que estabelece mecanismos de controle e as informações alimentam um Cadastro Técnico Federal. Em Goiás, o programa mantém um total de 17 ecopontos de coleta de pneus, dois deles estão localizados em Goiânia, um no Jardim Guanabara e outro no Parque Oeste Industrial. Os pneus coletados no estado são encaminhados para fábricas de cimento para reciclagem em Cezarina e Sobradinho (DF). Porém, mesmo com local próprio para a entrega do resíduo na Capital do Estado de Goiás, a Companhia Municipal de Urbanização (Comurg) continua se encontrando pneus abandonados na cidade, em lotes baldios, córregos etc. Embora existam ações, estas ainda são irrisórias, mesmo assim, segundo a JusBrasil (2014) alcança o número de 300 toneladas de pneus sem valor comercial acumuladas mensalmente no ano de 2009. Para lâmpadas fluorescentes, produtos eletroeletrônicos e componentes, identificou-se que também não existem ações sistematizadas de coleta e logística reversa. Isso, porque existem em Goiânia empresas que coletam resíduos eletrônicos de modo pontual, como a Sucata Eletrônica e a Sucata de Informática. Durante o estudo, observou-se o comprometimento que a indústria tem feito para honrar seus principais compromissos organizacionais, os quais: lucros, pagamento de tributos e cumprimento de normas e legislações, inclusive ambientais, mesmo que envolvam resíduos do processo produtivo ou pós-consumo. Ainda notou-se o comprometimento da FIEG através de seu Conselho Temático de Meio Ambiente em discutir as questões que afetam o macroambiente das indústrias de um modo muito semelhante, como o caso das variáveis incontroláveis de legislação, meio ambiente, entre outras. Identificou-se que, pela inexistência de uma Política Estadual e Municipal para a gestão integrada e gerenciamento dos resíduos sólidos, a FIEG tem se apoiado na consolidação das ações da Confederação Nacional da Indústria que tem discutido a implementação da PNRS. Ações setoriais para adequação à política nacional de resíduos sólidos das indústrias do estado de Goiás 317 Esta questão de desarticulação das esferas estadual e municipal, refletida pela inexistência das respectivas políticas públicas, percebe-se que esta situação impacta na credibilidade da mesma bem como no poder público, gestor da política. É importante lembrar que a estrutura organizacional que deve executar a PNRS envolve a composição do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), do gabinete da Presidenta da República aos seus executores nos Estados e Municípios. Ressalta-se que, para haver uma gestão participativa, como apregoada na PNRS, é imprescindível que haja a responsabilidade de todas as partes: governo, organizações e sociedade civil. Todavia, do governo não podem vir apenas às estratégias, mas os incentivos e contrapartidas para que a iniciativa privada participe, especialmente com incentivos tributários como na desoneração do material a ser reciclado. No contexto apresentado, constata-se que para gerir sistemas como proposto no PNRS necessita-se de muito planejamento, organização, criatividade, inovação e novas tecnologias aplicadas aos processos de gestão integrada e gerenciamento. Considerações Finais Entende-se que este trabalho cumpriu com seu objetivo de mostrar as ações tomadas pela indústria goiana para adequar-se para atender aos critérios estabelecidos na nova legislação ditada pela PNRS no gerenciamento de resíduos dos processos de produção e pós-consumo. Ressalta-se que, este estudo não apresenta nenhum resultado conclusivo, apenas evidencia o status da implementação da logística reversa para produtos pós-consumo conforme direciona a PNRS. Percebe-se, a partir das pesquisas realizadas, a necessidade de se implementar ações de fiscalização e educativas bem direcionadas aos públicos de cada setor, de forma permanente e contínua, como é o exemplo dos pneus inservíveis, que tem legislação específica desde 1999 e ainda mostra-se vulnerável à saúde ambiental, seja para o público das borracharias ou o consumidor final, sem o conhecimento necessário à destinação correta do resíduo pós-consumo. Espera-se que, os resultados encontrados possam alertar, principalmente gestores públicos e legisladores, para a urgência da aprovação de uma política estadual e municipal com a maior brevidade possível. 318 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Por fim, ainda espera-se que este tema de tamanha relevância não fique no esquecimento do poder público ou no rol das procrastinações da sociedade brasileira. Referências ABIPLAST. Associação Brasileira da Indústria de Plástico. 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Para Agostinho (2012), a competitividade empresarial pode ser entendida como a capacidade de rever continuamente suas estratégias de concorrência, obtendo posição favorável nos mercados onde atua. O momento competitivo de uma organização está associado a uma série de variáveis que podem ser alocadas em um modelo que descreve tanto a competitividade externa como a competitividade interna de um segmento, fundamentando-se 321 no período de tempo em análise, uma vez que, competitividade é um estado dinâmico de uma organização (AGOSTINHO, 2011). O relatório do Fórum Econômico Mundial de 2011 define a competitividade como o conjunto de instituições, políticas e fatores que determinam o nível de produtividade de um país. Ao longo dos anos vários autores apresentaram várias teorias e técnicas em medição e avaliação da agilidade de uma empresa. A avaliação adequada e medição de agilidade é um componente necessário no processo de planejamento estratégico em uma empresa (Mansouri, Ganguly, Mostashari, 2011). As empresas competitivas são normalmente organizações ágeis. Agilidade é a capacidade de um negócio crescer em um mercado competitivo, com mudanças inesperadas, para responder rapidamente aos mercados que muda rapidamente impulsionados pelo cliente, baseado em valorização de produtos e serviços (Kidd, 1996). Neste capítulo, procurou-se analisar a agilidade, como um atributo mercadológico, e sua influência na competitividade de uma empresa do setor automotivo. As metodologias e tecnologias que contribuem a promoção da competitividade, operacionalizando o atributo agilidade, foram avaliadas de modo a obter-se àquelas em que a empresa deverá direcionar seus investimentos e alocação prioritária de recursos. 1.1 Objetivos Este capítulo visa aplicar o método foco através da matriz de correlação apresentado por Agostinho (2011; 2012) para o emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma empresa da cadeia automotiva. Os objetivos específicos que se seguem: 1) Realizar revisão bibliográfica das metodologias e tecnologias que mais influenciam no atributo mercadológico agilidade para a obtenção da competitividade; 2) Aplicar o método de foco; 3) Gerar as diversas versões da matriz de correlação, apresentando a versão final correspondente ao modelo proposto; 4) Identificar as metodologias com maior potencial de fomento da competitividade, operacionalizando o atributo agilidade. 322 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 1.2 Justificativa A disseminação do método do foco poderá contribuir para que empresas possam priorizar as metodologias e tecnologias que mais influenciam na competitividade. A metodologia aplicada possibilita que as empresas obtenham as informações que as permitam estabelecer em que áreas devem direcionar prioritariamente os seus investimentos. O estudo contribui para validar o método proposto pelo Agostinho (2011; 2012). 1.3 Metodologia A tecnologia e as estratégias de negócios são geradas de acordo com necessidades distintas e diferentes abordagens, tornando-se necessário correlacionar, conectar e alinhar dados e informações utilizando-se a metodologia adequada (Agostinho, 2012). Este capítulo propõe uma metodologia baseada em um conjunto de premissas, critérios e conhecimentos estruturados de forma tácita, a ser aplicado para equilibrar e correlacionar as estratégias tecnológicas e de negócios para os atributos competitividade, utilizando critérios para estabelecer o foco de negócios e as estratégias tecnológicas que estarão presentes a maioria dos atributos de competitividade e, conseqüentemente vai estabelecer o grau hierárquico de aplicação de tecnologia que atendam as necessidades do negócio, em ambientes globalizados, caracterizado por uma concorrência intensa e limitação de recursos. A metodologia de pesquisa aplicada foi exploratória e qualitativa baseada inicialmente em uma pesquisa bibliográfica, com a finalidade de procurar entender e relacionar os conceitos sobre o atributo mercadológico agilidade que mais influenciam as tecnologias e metodologias, utilizando-se a matriz de correlação apresentados por Agostinho (2012). Este estudo é composto de três estágios: pesquisa bibliográfica; aplicação do método de foco com o uso da matriz de correlação (Agostinho, 2012); aplicação do método em uma empresa da cadeia automotiva. No primeiro estágio, utilizou-se pesquisa bibliográfica para construção da base teórica sobre os atributos mercadológico agilidade tais como níveis de produto, classes de mudanças ou instabilidades, infraestrutura tecnológica, processos e produtos flexíveis, recursos de TI e hierarquia x participação. Também se buscou um referencial teórico para as metodologias e tecnologias propostas pelo método. A busca por material bibliográfica se deu em livros, artigos de diversas bases de dados nacionais e internacionais para reunir as informações necessárias para o desenvolvimento do estudo. O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 323 No segundo estágio, o conhecimento do método de aproximação por foco com o uso da matriz de correlação proposta por Agostinho (2012). No terceiro e último estágio, a aplicação do referido método com sucessivas interações até atingir-se resultado coerente com o modelo. Finalmente, são apresentadas as conclusões do estudo. 2Referencial Teórico Nesta seção exibimos o modelo de competitividade que foi utilizado como base desse estudo, assim como abordamos uma visão geral da agilidade como atributo, conceitos de competitividade, de agilidade e de manufatura ágil. A competitividade tornou-se, nas últimas décadas, a palavra chave usada para descrever a força econômica dos países ou a posição de uma determinada empresa com relação a seu concorrente no mercado (KHALIL, 2000). Simões & Carpinetti (2009) dizem que antigos paradigmas e práticas industriais não têm sido mais suficientes para orientar e gerir as empresas numa situação de mercado altamente competitivo. O aumento da concorrência, as rápidas mudanças tecnológicas, a diminuição do ciclo de vida dos produtos e as maiores exigências por parte dos consumidores exigem das empresas, agilidade, produtividade e alta qualidade que dependem necessariamente da eficiência e eficácia de seus processos. Pacheco (2010) retrata que antes que uma indústria faça análises sobre os níveis de capacidade necessários para determinado cenário de demanda, faz-se necessário que a sua estratégia gerencial esteja previamente definida, geralmente resultante do seu planejamento estratégico. Com os objetivos definidos surgem questões complexas sobre a capacidade produtiva que precisam ser avaliadas e são aplicadas a qualquer período de tempo, como por exemplo: i) quais os níveis de capacidade atuais? ii) quando e como ampliar a capacidade? iii) que tipo de capacidade e tecnologia instalar no ambiente produtivo? iv) onde estão as restrições de capacidade atuais do sistema? v) a fábrica possui capacidade para atender a demanda de tal período? O momento competitivo de uma organização está associado a uma série de variáveis alocadas em um modelo que descreve tanto a competitividade externa como a competitividade interna de um segmento, fundamentando-se no período de tempo em análise, uma vez que, competitividade é um estado dinâmico de uma organização (AGOSTINHO, 2011). 324 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Para Agostinho (2012) é importante reconhecer a competitividade externa, onde a empresa deve ter a capacidade de provocar no consumidor o desejo de mudar um produto de uma empresa onde tradicionalmente comprar para o novo. Esta capacidade vai conduzir a competitividade chamada interna, que pode ser entendido como um conjunto de fatores metodológicos e tecnológicos harmônicos e sinérgicos que induzem a percepção do mercado externo para alterar os produtos da organização anterior para o novo. Este estado de competitividade é obtido como conseqüência de seu comportamento organizacional e tecnológico, definido como atributos competitividade, características próprias do sistema de gestão, expressas através da prática contínua, composto e integrado de metodologias, como parte da gestão organizacional e tecnológica. Este estado de competitividade é obtido como conseqüência de seu comportamento organizacional e tecnológico, definido como atributos de competitividade, características próprias do sistema de gestão, expressas através da prática contínua, composto e integrado de metodologias, como parte da gestão organizacional e tecnológica. Os atributos de competitividade e atributos secundários podem ser classificados de acordo com sua faixa de aplicação (AGOSTINHO, 2012). 2.1 Método de foco – matriz de correlação Para obter as metodologias e tecnologias que tem maior influência na busca da agilidade, em uma empresa automotiva, aplicou-se a matriz de correlação da Figura 1, apresentada por Agostinho (2011). Na matriz de correlação são alocados os atributos de competitividade e as metodologias que a organização pretende realizar investimentos. Nas colunas são indicados os atributos que são as características próprias do sistema de gestão da organização, expressos pela prática contínua, abrangente e integrada de metodologias, sejam elas tecnológicas ou de gestão. No nosso caso foi elaborado o estudo focado na agilidade como atributo mercadológico. Nas linhas são discriminadas as metodologias que são um conjunto de regras, meios e conhecimentos, dispostos em ordem lógica, e aplicado às atividades dos processos de negócio gerenciais ou tecnológicos, destinado a operacionalizar os atributos de competitividade interna da organização ou sistema de negócio. O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 325 Figura 1 – Matriz de correlação (Agostinho, 2011) Para se obter as informações necessárias para preenchimento da matriz, um grupo de pessoas da empresa se reúne para correlacionar as metodologias e suas influências nos atributos de competitividade, indicando se guardam pouca relação ou forte correlação com o atributo desejado. Neste estudo, atribui-se o valor cinco (cor vermelha) para as metodologias que tiveram alto impacto no atributo. Lança-se o valor três (cor amarela) para as metodologias que tiveram médio impacto no atributo. Considera-se o valor um (cor azul) para a metodologia que tiveram fraca correlação com o atributo. A Agilidade foi o único atributo trabalhado. Após o lançamento dos respectivos valores, realiza-se a somatório dos pontos nas respectivas linhas e nas colunas. Gera-se o somatório final e classificaram-se os dados por ordem decrescente. A planilha resultante deve refletir as possibilidades de ambiente organizacional conforme apresenta na Figura 2. Quando o volume da área 326 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade vermelha atingir muitas metodologias e poucos atributos, é um indicativo de que deve se reestudar as metodologias para refazer o processo de correlação da matriz. Essa dinâmica deve ser feita até se atingir uma área vermelha com a seguinte característica – poucas metodologias devem atingir muitos atributos. Isso reflete que o investimento nas metodologias irá viabilizar atributos mais importantes para se obter níveis adequados de competitividade interna. A área de média importância retrata que as metodologias que estão correlacionadas aos atributos têm média importância para se conseguir os níveis adequados de competitividade interna. A área de baixa importância reproduz que a maioria das metodologias que estão correlacionadas aos atributos tem baixa importância ou pouco impacto no nível de competitividade interna. A aplicação dessas metodologias deve ser seletiva, com baixa aplicação de recursos. Figura 2 – Ambiente Organizacional (Agostinho, 2011) Um grupo multidisciplinar, formado por pessoas chaves da organização, participa do processo de pontuação na matriz, atribuindo valores coerentes com a importância da metodologia e do atributo, até se obter uma imagem semelhante ao padrão da Figura 3. O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 327 Figura 3 – Impacto nos atributos de competitividade (Agostinho, 2011) 2.2 Conceitos Básicos O conceito de agilidade compreende dois fatores principais, conforme Sharifi e Zhang (2000): responder às mudanças (antecipadas ou inesperadas) de maneira adequada e no devido tempo; e explorar as mudanças e tirar vantagem das mudanças como oportunidades. Na visão de Charbonnier & Voirin (2011) entende-se por agilidade a capacidade da organização para a adaptabilidade permanente, que atinge não só pela rapidez de reação às mudanças, mas também através de seu potencial de ação na antecipação e aproveitando as oportunidades oferecidas pela mudança, em particular através da inovação, antecipação e de aprendizagem. A principal força motriz por trás agilidade é a mudança. (Yusuf; Sarhadi; Gunasekaran, 1999). Empresas ágeis podem facilmente fazer uma mudança significativa no foco, diversificam, configuram e realinham os seus negócios para servir rapidamente a um propósito particular à medida que as janelas de oportunidades são abertas. Além disso, elas são capazes de antecipar-se à concorrência (Yusuf, Sarhadi, Gunasekaran, 1999). A manufatura ágil é extremamente adequada a ambientes de mudanças rápidas e com alta incerteza. Kundle (2010) afirma que o empreendimento da manufa328 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade tura ágil deve ser elaborado tendo-se em mente cinco princípios básicos: mudança contínua; resposta rápida; melhoria da qualidade; responsabilidade social; foco total no cliente. Em nível estratégico as dimensões da manufatura ágil são identificadas como sendo: transformar um empreendimento convencional em um empreendimento com manufatura ágil; explorar a agilidade, obtendo-se vantagem competitiva; integração da organização, pessoas e tecnologia em um sistema de coordenação interdependente. Na Figura 4 observamos as classes de mudanças que ocorrem em um sistema de manufatura para a obtenção da agilidade (AGOSTINHO, 2011). No eixo X apresenta-se a evolução quanto ao nível de produção tais como: Estação de trabalho – inclui peça obra e ferramental, inclusive manuseio; Célula – Executa a maioria das operações necessárias para finalizar a manufatura da peças ou montagem de conjuntos, incluindo-se qualidade assegurada. As operações são executadas parcialmente por máquinas ou por pessoas; Segmento – Todos os produtos são manufaturados e disponibilizados para embarque. Segmentos são estruturados em manufatura, montagem, estoques reguladores, sistemas de medição para qualidade, etc. Normalmente, utilizam mais de um prédio, além de conter escritórios de staff e técnicos; Site ou fábrica – Unidade produtiva com mais de um segmento, servindo como concentrador do sistema de produção e as conexões com a rede de suprimentos. Define-se um Plano Mestre, incorporando o lay out geral da localização da fábrica, com escritórios e os equipamentos de infra-estrutura, tais como suprimento de energia, etc.; Rede – Unidades produtivas geograficamente separadas e unidas por fluxos de informação e de material juntamente com a cadeia de suprimentos. Podem ainda ser unidas por meios de transporte em rodovias ou ferrovias. No eixo Y apresenta-se o nível dos produtos sendo peça, subproduto, produto e portfólio de produtos. Conforme aumenta o nível de produtos e o nível de produção ocorrem as seguintes classes de mudanças: Capacidade de alteração – Habilidade de uma única máquina ou estação de trabalho de executar operações em uma peça ou submontagem conhecida com mínimo de esforço ou atrasos; Reconfigurabilidade – Habilidade de um sistema de manufatura ou de montagem de mudar para uma família de peças ou submontagem através da adição ou remoção de elementos funcionais; Flexibilidade – Habilidade tática de uma área de produção ou logística em mudar com tempo e esforço razoavelmente pequenos famílias de componentes O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 329 por mudança dos processos de manufatura, fluxo de material ou funções logísticas; Transportabilidade – Habilidade tática de uma estrutura de fábrica inteira de mudar para outra família de produtos. Serão necessárias intervenções estruturais nos sistemas de produção e logística, na estrutura de facilidades e edifícios, na estrutura organizacional e de processos, além da gestão das pessoas envolvidas; Agilidade – Habilidade estratégica de toda uma organização de abrir novos mercados, desenvolver os produtos e serviços solicitados por esses mercados e construir a capacidade de manufatura necessária. Desta forma conquista-se a agilidade quando a empresa tem a integração da organização, pessoal com alta competência e conhecimento e uso de tecnologias de informação, a fim de se obter cooperação e inovação, atendendo as necessidades do mercado, com produtos customizados. Figura 4 – Classes de Mudanças 2.3 Metodologias e Tecnologias Os atributos são operacionalizados pelas metodologias. Para Agostinho (2011) as metodologias são um conjunto de regras, meios e conhecimentos, dispostos em ordem lógica e aplicado às atividades dos processos de negócio gerenciais ou tecnológicos, destinados a operacionalizar os atributos de competitividade interna da organização ou sistema de negócio. Na Figura 5 podemos observar a interação das metodologias com os atributos no sistema de manufatura. O autor afirma que as metodologias podem ser abrangentes e restritas: 330 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 1) Abrangentes: aplicadas ao conjunto das atividades do Sistema de Manufatura, mantendo relação matricial com os atributos de competitividade. Podem variar de acordo com o tempo; 2) Restritas: aplicadas a um conjunto específico de atividades do sistema de Manufatura. Podem variar de acordo com o tempo. Figura 5 Metodologias e atributos no sistema de manufatura (Agostinho, 2011) Banihashemi & Dahmardeh (2010) afirmam que a manufatura ágil pode ser definida como a capacidade de sobreviver e prosperar em um ambiente competitivo de mudança contínua e imprevisível por reagir de forma rápida e efetiva. A integração da empresa com clientes e fornecedores tem como principal objetivo motivá-los a colaborar no atendimento a metas para melhor responder aos clientes. A integração de processos chaves com clientes e fornecedores demanda algumas decisões como, tipo de relacionamento a adotar entre parceiros, tipos de informações trocadas e a forma de atender cada segmento de cliente apresentados por Souza et al (2006). Reduzir o ciclo de manufatura é trabalhar os tempos despendidos em cada operação de forma que os materiais fluam mais rapidamente dentro do processo de negócio, tornando-o mais flexível, eliminando: estoques, espaço, distância de transporte e problemas de qualidade. É importante salientar que muitos destes tempos não agregam valor ao produto e na maioria das vezes provocam um aumento do custo O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 331 de manufatura do produto, são eles: transporte, estocagem, setup, fila, etc. (RODRIGUES, 2006). É fundamental que o nível de conhecimento e informações disponíveis relacionados ao novo produto para se permitir uma otimização do projeto do produto, para obtê-lo com menor custo e com a redução do ciclo de desenvolvimento (FISCHLER, 2005). Simões & Carpinetti (2009) conceituam o benchmarking como um processo de medição sistemático e contínuo do desempenho de produtos e práticas de uma empresa e comparação com os melhores (produtos, práticas, empresas) para ganhar conhecimento em como e até que ponto promover melhorias. 3Aplicação na Cadeia Automotiva Aplicou-se o método de foco no atributo mercadológico agilidade tendo como referência uma empresa da cadeia automotiva para avaliar o fomento da competitividade. As colunas da matriz são preenchidas com os atributos níveis de produto; classes de mudanças; infra-estrutura tecnológica; processos e produtos flexíveis; recursos de TI; e hierarquia x participação. As linhas da matriz foram preenchidas com as diversas metodologias apresentadas pelo método desenvolvido por Agostinho (2011; 2012). Por questões didáticas as metodologias são separadas em abrangentes e restritas. As metodologias restritas que são aplicadas nas áreas específicas do Sistema de Manufatura tais como Chão de Fábrica, Suporte, Suprimentos, Engenharia e Negócios. As metodologias abrangentes: gerenciamento de programas de qualidade; programa formal de melhoria contínua, força de trabalho flexível e multifuncional; sistemas de planejamento e programação; grupos de trabalho com conhecimento e auto-suficiente; reengenharia de processos de negócio; tecnologia da informação atualizada; estratégias de manufatura ágil; compromisso pró ativo com o meio ambiente; terceirização estratégica; otimização de manutenção; integração de atividades; benchmarking para competitividade; unidades de negócio e gerenciamento total da qualidade. O método de foco foi aplicado indagando-se para um grupo multidisciplinar, de diferentes áreas de atuação profissional, reunidos com o objetivo comum em encontrar respostas para questões de competitividade: qual o grau de influência que uma determinada metodologia tem em um determinado atributo. Desta forma pontuou-se a intersecção de uma matriz com dois eixos, sendo um deles para as 332 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade metodologias, e o outro para os atributos. A pontuação obedece a uma escala em que o valor cinco refere-se à forte correlação, o valor três indica média correlação e o valor um identifica fraca correlação da metodologia e o respectivo atributo. O primeiro lançamento dos valores na matriz de correlação obteve uma configuração indicativa de que muitas metodologias estavam influenciando poucos atributos tecnológicos, ou seja, assumir essa configuração de priorização como referência para um processo decisório em uma empresa, significaria o investimento de muitos recursos financeiros para atingir poucos atributos que levariam a um aumento da competitividade. A primeira versão manifestou um ambiente desbalanceado, resultando na necessidade de uma nova interação do grupo multidisciplinar, reavaliando a pontuação atribuída às metodologias versus atributos. Após o realinhamento do grupo e novas pesquisas para as referidas metodologias, gerou-se o segundo apontamento dos valores na matriz de correlação. Ainda que o resultado obtido tenha sido melhor ao encontrado na versão anterior, constatou-se ainda que não se adequava ao modelo de foco. Ficou clara a necessidade de um refinamento das opiniões da equipe designada para pontuar as metodologias na matriz para chegar a um resultado em que poucas tecnologias tivessem maior influência no atributo agilidade. Em uma nova interação, gerou-se versão final da matriz em que se obteve um resultado condizente com o modelo de foco (Figura 6). O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 333 Figura 6 – Versão final da matriz de correlação 334 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade No que se refere às metodologias de forte correlação para a agilidade como atributo mercadológico, constatou-se que as metodologias que mais influenciam para a competitividade, portanto as que merecem maior atenção e investimentos são: 1) Manufatura ágil; 2) Integração da empresa com clientes; 3) Estratégias de manufatura ágil; 4) Otimização dos processos de engenharia para reduzir o ciclo de desenvolvimento dos produtos; 5) Redução do ciclo de manufatura; 6) Benchmarking para competitividade. Constatou-se apenas algumas áreas em vermelho, ou seja, de forte correlação da metodologia com o atributo correspondente. As metodologias que guardam média importância, ou seja, a área amarela, não é prioritária para investimento, assim como às de menor prioridade, representadas em azul. Investir nessas áreas não prioritárias resultaria em desperdício de recursos preciosos em metodologias que não contribuirão no aumento da competitividade. A versão final proporcionou o seguinte resultado à metodologia prioritária para receber investimento é a Manufatura ágil pertencente à área Suporte e Chão de Fábrica do Sistema de Manufatura. Em segundo lugar foi pontuada a metodologia restrita, Integração da empresa com clientes que faz parte da área Foco no Cliente. O terceiro lugar ficou para a metodologia Redução do ciclo de manufatura pertencente à metodologia restrita das áreas Suporte e Chão de Fábrica. A metodologia Otimização dos processos de Engenharia para reduzir o ciclo de desenvolvimento de produtos fica na quarta posição para o investimento para se atingir a competitividade, metodologia utilizada pela área de Engenharia. Por último são as metodologias abrangentes estratégias de manufatura ágil e por fim Benchmarking para competitividade. O emprego da agilidade como fomento da competitividade em uma cadeia automotiva 335 Considerações Finais Neste trabalho, analisou-se a agilidade, como um atributo mercadológico, e sua influência na obtenção da competitividade em uma empresa do setor automotivo. Diversas metodologias foram avaliadas para chegar-se àquelas que prioritariamente contribuem para a promoção da competitividade, operacionalizando o atributo agilidade. Iniciou-se esse estudo com uma pesquisa criteriosa do referencial teórico no qual se abordou o modelo de competitividade que foi utilizado como base deste trabalho, assim como se apresentou uma visão panorâmica sobre a competitividade, agilidade e a manufatura ágil. Apresentou-se também a diferença entre agilidade e flexibilidade e o que as empresas precisam fazer para se obter a competitividade. Pesquisou-se sobre as metodologias descritas pelo método de Agostinho (2011; 12). Para obter as metodologias e tecnologias que tem maior influência na agilidade aplicou-se uma matriz de correlação. A primeira versão obtida manifestou um ambiente desbalanceado. A inadequação do resultado ao modelo proposto gerou a necessidade de refazer o processo de atribuição de valores às metodologias. Isso ocorre devido a tendência natural das pessoas que participam da pontuação da matriz em atribuir maior importância a sua área de atuação, departamento, ou afinidade com um tema específico. Após nova avaliação chegou-se em seis metodologias prioritárias para fomento da agilidade que contribuem para que a organização alcance a competitividade. Nessas metodologias, destacadas nas seis primeiras linhas da Figura 12, a empresa deverá direcionar seus investimentos e alocação prioritária de recursos. No que se refere às metodologias de forte correlação para a agilidade como atributo mercadológico, constatou-se que as metodologias que mais influenciam para a competitividade são: Manufatura ágil; Integração da empresa com clientes; Redução do ciclo de manufatura Otimização dos processos de engenharia para reduzir o ciclo de desenvolvimento dos produtos; 5) Estratégias de manufatura ágil; 6) Benchmarking para competitividade. 1) 2) 3) 4) 336 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade As metodologias escolhidas pertencem às diversas áreas do Sistema Manufatura. Estas metodologias deverão ser tratadas com investimentos prioritários, elas permeiam toda a organização de modo a pulverizar o modelo de competitividade em todo o ambiente organizacional nas áreas Chão de Fábrica, Suporte, Engenharia e Foco no Cliente de modo a ter um estado organizacional mais sinérgico. Porter (1999) enfatiza que a competitividade pode ser conquistada com o as redes de relacionamentos com os clientes isso mostra que a metodologia integração com os clientes de fato é prioritária. A Manufatura Ágil foi a metodologia com maior pontuação, fato que se alinha ao pensamento de Bernardes & Hanna (2009) que afirmam que a agilidade é uma resposta global aos desafios de negócios de lucrar rapidamente através das mudanças, fragmentando continuamente os mercados globais por alta qualidade, alto desempenho, com os bens e serviços voltados para o cliente. Um ponto que não deve ser negligenciado é a tentação de ajustar aleatoriamente a matriz “forçando-a” para que venha assemelhar-se ao modelo. As revisões dos resultados são criteriosas e trabalhosas. Esse fato, aliado as demandas de trabalho cada vez mais crescentes nas empresas, pode levar aos componentes da equipe a ajustar o método para adequá-lo as suas necessidades pessoas ou mesmo departamentais. Cometer esse erro seria semelhante a escolha não racional de quais metodologias a empresa deverá investir recursos. Recomenda-se, para minimizar essa possibilidade de interferência na metodologia, que o grupo envolvido no trabalho com a matriz seja composto de profissionais de diferentes especialidades de atuação e experiências diversas e que tenha um número representativo de pessoas aptas e conhecedoras das diferentes metodologias, assim como dos riscos envolvidos quando o método não é corretamente empregado. Referências Agostinho, L. 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A theoretical review of flexibility, agility and responsiveness in the operations management literature – toward a conceptual definition of customer responsiveness. International Journal of Operations & Production Management, 29 (1), pp. 30–53. Charbonnier-Voirin, A. , 2011. The development and partial testing of the psychometric properties of a measurement scale of organizational agility. Management, 14 (2), pp. 119-156. Souza, A. B. L, 2006. Assumpção, Maria R. P; Alves Filho, Alceu G. O alinhamento estratégico entre estratégia de negócios e gestão da cadeia de suprimentos: um caso na indústria de confecção. XXVI ENEGEP – ABEPRO. Outubro. Fischler, E. , 2005. A aplicação de simulação no processo de desenvolvimento de produtos na indústria automobilística. São Paulo. Kidd, P. , 1996. Agile manufacturing: A strategy for the 21st Century, IEE Colloquium Digest No. 96/071, March. Khalil, T. , 2010. Management of Technology: The key to competitiveness and wealth creation. 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Porque inovação pode significar, segundo a publicação do Grupo Inventta, “a exploração com sucesso de novas ideias”. A competitividade exige isso. Exige, portanto, que diferentes caminhos sejam traçados com novas ideias, promovendo o diferencial capaz, por exemplo, de diminuir custos na aquisição de certo produto. A partir dessa discussão, na tentativa de 339 apontar caminhos de enfrentamento a uma realidade que se efetiva cada vez mais competitiva, este capítulo objetiva demonstrar a viabilidade do pagamento de uma operação triangular no exterior, caracterizada pela compra de insumos na China entregue na Europa para industrialização e produção de semiacabado e posterior importação por empresa brasileira. Essa operação, no caso, envolve transação comercial entre três países e pode ser executada por empresas brasileiras como um diferencial e um posicionamento diante de grandes empresas globais que atuam no mercado nacional há longos anos. No Brasil, tal procedimento é atípico, mas de grande relevância para as empresas brasileiras expandirem negócios sendo mais flexíveis ao executar processos de negociação, garantindo-se num mercado cada vez mais competitivo. No propósito de apresentar tal viabilidade, este capítulo se encontra dividido em cinco partes. Na primeira discorre sobre negociação internacional, a segunda apresenta a operação triangular e sua forma de execução, a terceira expõe exigências para a concretização da operação, a quarta uma comparativa entre operação back to back e a triangulação proposta nesse capítulo, abrangendo a operação cambial no processo e a quinta parte trata da vinculação da operação triangular no SISCOMEX. 2 Negociação internacional Silva (2008, p. 18) destaca que “o processo de negociação internacional requer prática e exercício. A nova estrutura de negócios é baseada em planejamento, estipulação de metas e objetivos, respeitando os diversos costumes e demais habilidades técnicas”. Essas habilidades envolvem o conhecimento sobre questões culturais no âmbito da negociação, abrangem planos para o cenário internacional que devem ser aplicados em cada local proposto, criando um ambiente de continuidade nas operações, baseado na transparência dos assuntos tratados e no equilíbrio da relação comercial. A negociação é essencial para execução de trâmites no comércio exterior, principalmente para processos inovadores que apresentam certas complexidades envolvendo a diversidade cultural, como ocorre em uma operação triangular cuja relação se estabelece entre três países distintos. Nesse ambiente competitivo, havendo a triangulação entre países, a abordagem cooperativa na negociação torna-se fator essencial. Brandão, Duzert e Spínola (2010) afirmam que no modelo de negociação cooperativa cada parte oferece um ponto para o oponente e vice-versa. É o jogo do 340 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ganha-ganha, que corresponde a uma negociação com ganhos mútuos, ou seja, não adianta uma das partes ganhar sozinha. Essa cooperação pode ser interpretada como o processo de comunicação de mão dupla, cujo objetivo é chegar a um acordo mútuo e bem-sucedido sobre necessidades e opiniões divergentes, já que negociar significa cumprir a palavra, persuadir, ao invés de usar a força bruta, o que exige interação, conhecimento sobre os participantes do processo. A partir disso, a operação triangular ocorre de acordo com necessidades específicas, desde que se considere a cultura dos países envolvidos e a posição entre as partes que irão negociar. Em negociações globais, em função de seu caráter complexo, multicultural e diverso, as partes envolvidas necessitam de um relacionamento longo e duradouro que gere confiança e possa estabelecer outras negociações. Por essa razão, o caráter da continuidade dos negócios está, assim, incluso nesse processo de comunicação entre as partes (Silva, 2008). Para as negociações, faz-se importante o conhecimento da questão cultural em países alvos de interesse como exemplo a China em que o uso do método guanxi se torna importante, pois trata do relacionamento comercial com base na amizade, confiança e credibilidade e assim, sua forma de aplicação no processo da operação triangular precisa ser pensado sabiamente para ter-se o benefício pelo seu uso. Isso é de extremo valor devido ao histórico de outros negócios já realizados entre empresas brasileiras e chinesas. Diante disso, é essencial já ter uma relação comercial com o país de negociação para execução de uma operação complexa como a triangulação, pois, a princípio, como no caso dos chineses, eles não são apressados em tomar tal atitude para processos importantes devido à falta de conhecimento do método de trabalho com a empresa autora do projeto. Os chineses são fechados para estabelecer operações complexas no primeiro negócio, característica de sua cultura. Numa rodada de negócios, os chineses têm um antigo costume de ficar pechinchando até tomarem decisões em conjunto, o que influencia na transação. Eles não a fazem precipitadamente sendo “duros na queda” deixando claro que negócios da China não saem de graça. Diante disso, as empresas brasileiras precisam planejar e se preparar para que, em longo prazo, consigam executar excelentes negócios. Em relação à negociação com europeus, na operação triangular pode ser destacado o fato de eles serem flexíveis, sérios, responsáveis com cumprimentos de prazo e, de certo modo, competitivos para fechamento de negócios, pois eficiência tem custo. Assim, para os europeus partimos da premissa de que possuem um maior comproOperação triangular no exterior: Experiência brasileira 341 metimento comercial assim como o brasileiro, de forma a criar uma sólida relação comercial entre as partes, possibilitando que negócios maiores sejam concluídos mais facilmente (Kugelmeier, 2010). Todavia quando se trata de cooperação, o chamado “ganha-ganha” substitui a competição. Os europeus utilizam, muitas vezes, desse caminho, sendo flexíveis para que as partes sejam beneficiadas. No entanto, isso se aplica desde que custos pré-estabelecidos não sejam alterados posteriormente sem motivo coerente. Nesse caso, a cooperação se torna uma tarefa árdua para a empresa brasileira conseguir um melhor custo-benefício com o europeu quando o mercado exige necessidade de renegociação de custos. Assim, é válido dizer que a cultura europeia é branda para tomar qualquer tipo de decisão de forma rápida e segura, mas, para isso, é preciso que haja planejamento prévio. Dessa forma, pode-se concluir que os europeus são mais interessados, em princípio, em fechar esse tipo de triangulação logo no primeiro negócio, pois têm interesse de fechar outros. Situação que com os chineses exige maior paciência. E desde que se tenha paciência, os custos são interessantes. 3 Operação triangular no exterior Na operação triangular, a empresa brasileira é a adquirente e interessada na execução do processo e, quando da internação do produto semiacabado, os dois países estrangeiros envolvidos são declarados. No Brasil, temos este tipo de operação triangular executável internamente, funcionando como uma operação triangular para industrialização. Neste processo, o Centro de Orientação Fiscal – CENOFISCO (2005, p. 21) destaca como exemplo: [...] a hipótese em que um estabelecimento manda industrializar mercadoria em estabelecimento de terceiro, mediante o fornecimento de matéria-prima, produto intermediário adquirido de fornecedor que promove a sua entrega diretamente ao estabelecimento industrializador. A instituição continua conceituando que: [...] deve ter o envolvimento de pelo menos três agentes: o fornecedor, o adquirente e o estabelecimento industrializador. É nesse sentido, por exemplo, que a operação, por suas peculiaridades, assume a característica de 342 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade triangular, modelo este que, dentre outros, proporciona maior agilidade no deslocamento físico das mercadorias submetidas a processos industriais. A execução de operação similar no mercado internacional representa inovação sobre os produtos semiacabados, considerados insumos (matérias-primas) quando destinados a produzir o produto acabado na indústria. É o que ocorre com a empresa brasileira quando adquire insumos da China e os direciona à Europa, que executará a semi-industrialização com posterior fornecimento do semiacabado para a empresa brasileira. Quando esses semiacabados possuem alto custo provocam redução da margem de lucro da empresa. O impacto nos custos reflete diretamente na competitividade. O fornecedor chinês dos insumos pode executar o processo de triangulação de acordo com a necessidade da empresa brasileira adquirente a fim de fornecer esses insumos a uma empresa consignatária na Europa, também transformadora dos insumos chineses e fornecedora do semiacabado produzido para a mesma empresa brasileira. Como os insumos chineses são destinados à Europa, entram em um dos países daquela região temporariamente no regime de inward processing, que consiste em uma admissão temporária que suspende a empresa na Europa de pagar os impostos chamados de Value Added Tax (VAT) sobre os insumos chineses, os quais chegarão à região para serem processados a um semiacabado e depois, exportados para o Brasil. Essa suspensão só acontece porque o adquirente desses produtos é a empresa brasileira, e não a empresa na Europa consignatária. Além disso, a empresa na Europa é escolhida conforme custos produtivos mais viáveis para a produção do semiacabado de interesse da empresa brasileira, e que também é produzido na China e vendido no mercado internacional a valor superior. Para clareza do assunto, segue o fluxograma abaixo, identificando o papel de cada empresa entre Brasil, China e Europa: Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 343 Figura 1 – Fluxograma ilustrativo da operação triangular Fonte: autoria própria. No caso descrito acima, a empresa no Brasil é identificada como adquirente (buyer) de insumos e importadora (importer) do semiacabado que será produzido na Europa. A empresa na China como fornecedora (supplier) e embarcadora-exportadora (shipper-exporter) dos insumos para empresa consignatária na Europa, adquiridos pela empresa no Brasil. Já a empresa na Europa como consignatário-Industrializador (consignee-industrializer) dos insumos que recebe da empresa da China para produção do semiacabado e também como fornecedora-embarcador-exportador (supplier-shipper-exporter) deste semiacabado para empresa importadora brasileira. A empresa no Brasil propõe o contrato de compra e venda, que não necessariamente precisa ter uma forma pré-estabelecida, relativo à operação triangular e estabelece responsabilidades de cada empresa na China e na Europa. Faz ainda a verificação dos documentos da importação da empresa na China, assim como os documentos que são preparados na Europa do produto semiacabado quando de sua remessa para o Brasil. A empresa chinesa é apenas fornecedora-exportadora dos insumos para a empresa europeia, consignatária da operação triangular e que emitirá a via dos documentos originais tanto para a empresa na Europa quanto para a empresa adquirente no Brasil. No caso da adquirente, esses documentos serão necessários para execução do pagamento da operação triangular em uma instituição bancária credenciada. 344 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade A empresa na Europa realiza a produção do semiacabado de acordo com contratos firmados para fornecimento com empresa brasileira através da prestação de serviços de produção-industrialização dos insumos que recebe da empresa fornecedora da China. Essa empresa europeia se encarrega de todo o trâmite de desembaraço, tanto no recebimento dos insumos chineses como no despacho para o Brasil do semiacabado, incluindo em seu custo os valores pertinentes para que a operação ocorra. Esses valores referem-se a custos logísticos, despesas com embalagem e desembaraço de mercadorias. O único custo que a empresa na Europa não irá se responsabilizar em seu processo de industrialização é de insumos chineses de produção, adquiridos diretamente pela empresa brasileira. A vantagem dessa operação, por parte da empresa brasileira, é evitar que os custos dos insumos sejam supervalorizados para essa finalidade, caso a empresa europeia assuma comprar os insumos produtivos ao invés da empresa brasileira. O desafio é obter um preço competitivo e qualidade diferenciada para o semiacabado que será utilizado pela empresa no Brasil na produção de seus produtos finais que resultam em inovação. Uma das desvantagens é a empresa brasileira não calcular os custos que o produto semiacabado poderá ter de acordo com a alíquota determinada pela classificação fiscal de mercadorias, ocasionando custos superiores do mesmo semiacabado disponível em outros mercados com qualidade em padrões competitivos. A alternativa, nesse caso, pode ser resolvida na negociação. Outro motivo de desvantagem pode ocorrer na declaração de custos logísticos em planilhas e faturas transmitidas pela empresa europeia que podem influenciar no custo do semiacabado. Porém a empresa brasileira pode verificar com empresas locais de cada país a margem desses custos logísticos na região, e assim concluir se eles podem compor o processo, tanto por parte da empresa chinesa na remessa dos insumos como por parte da empresa europeia no desembaraço, transporte interno e despacho, analisando-os se estão corretos e verificando ainda sua veracidade. 3 Exigências para a efetivação da operação triangular Os documentos que envolvem operações no comércio exterior compõem o principal meio para remessas de mercadorias no mercado internacional, sendo imprescindível o uso destes para entrada e saída da mercadoria em cada destino proposto. No processo de triangulação entre países, a empresa brasileira, no fechaOperação triangular no exterior: Experiência brasileira 345 mento do negócio, envia uma ordem de compra (Purchase Order-PO) confirmando o interesse na negociação com base em contratos de compra e venda firmados previamente em ambos os destinos (China e Europa), onde informa a responsabilidade de cada empresa na operação triangular. Com o recebimento da ordem de compra, as empresas chinesa e europeia enviam a Fatura Pro Forma (Proforma Invoice) solicitando a assinatura do adquirente-importador à empresa brasileira para confirmação do trâmite. Após essa fase, as empresas fornecedoras-industrializadoras providenciam os produtos a serem despachados conforme destinos determinados seguindo cada fase do processo, que começa primeiramente na China com insumos, passando para Europa produzir o semiacabado, e alcança o Brasil com o recebimento do produto europeu. Para o despacho dos insumos chineses e semiacabado europeu, a empresa brasileira adquirente solicita cópia de todos os documentos previamente para verificar se os dados nesses documentos estão corretos e coerentes, respeitando o posicionamento de certos procedimentos de cada país e, posteriormente exige as vias originais. A base de dados para os documentos que a empresa brasileira precisa utilizar, sendo bem detalhados e claros para a compra e venda internacional, é o Regulamento Aduaneiro (RA) Decreto Lei 6. 759/2009, seguindo as exigências expostas na subseção II, da Fatura Comercial, art. 557, como segue: Art. 557. A fatura comercial deverá conter as seguintes indicações: I - nome e endereço completos do exportador; II - nome e endereço completos do importador e, se for caso, do adquirente ou do encomendante predeterminado; III - especificação das mercadorias em português ou em idioma oficial do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, ou, se em outro idioma, acompanhada de tradução em língua portuguesa, a critério da autoridade aduaneira, contendo as denominações próprias e comerciais, com a indicação dos elementos indispensáveis a sua perfeita identificação; IV - marca, numeração e, se houver, número de referência dos volumes; V - quantidade e espécie dos volumes; VI - peso bruto dos volumes, entendendo-se, como tal, o da mercadoria com todos os seus recipientes, embalagens e demais envoltórios; VII - peso líquido, assim considerado o da mercadoria livre de todo e qualquer envoltório; 346 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade VIII - país de origem, como tal entendido aquele onde houver sido produzida a mercadoria ou onde tiver ocorrido a última transformação substancial; IX - país de aquisição, assim considerado aquele do qual a mercadoria foi adquirida para ser exportada para o Brasil, independentemente do país de origem da mercadoria ou de seus insumos; X - país de procedência, assim considerado aquele onde se encontrava a mercadoria no momento de sua aquisição; XI - preço unitário e total de cada espécie de mercadoria e, se houver, o montante e a natureza das reduções e dos descontos concedidos; XII - custo de transporte a que se refere o inciso I do art. 77 e demais despesas relativas às mercadorias especificadas na fatura; XIII - condições e moeda de pagamento; e XIV - termo da condição de venda (INCOTERM). Parágrafo único. As emendas, ressalvas ou entrelinhas feitas na fatura deverão ser autenticadas pelo exportador. (BRASIL, Dec. 6. 759/2009, Subseção II, art. 557). A fatura comercial, em específico, é considerada o segundo mais importante documento no processo de importação e assim como o principal documento de vinculação na operação triangular. Note que o inciso II, do artigo 557 do RA solicita que nome e endereço sejam completos do importador e, se for o caso, do adquirente ou encomendante predeterminado. Seguindo essas informações, a fatura comercial dos insumos que serão enviados para a Europa deve possuir os dados do exportador-fornecedor chinês, os dados do consignatário, da empresa europeia que recebe os insumos, assim como os dados do adquirente-importador, que é a empresa brasileira. Outros documentos que compõe o processo são: romaneio de embarque (packing list), conhecimento de transporte, certificado de origem e outros documentos, dependendo da especificação e finalidade da mercadoria como, por exemplo: certificado de análise, manual e especificação completa da mercadoria, seguro com base no Incoterm negociado, certificado fitossanitário dentre outros. A respeito do documento “conhecimento de embarque”, este é o principal documento do processo e, no caso da operação triangular, a empresa adquirente pode constar no campo relativo à parte a ser notificada (notify part) A empresa ou pessoa a ser informada no campo (notify part) aparece como parte a ser notificada Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 347 quando da chegada da carga, podendo esta indicação ser diferente do consignatário do conhecimento (Fiesp, 2012). Desta forma o conhecimento de embarque para a primeira parte da operação em estudo (China– Europa) terá a empresa brasileira como parte a ser notificada da chegada da mercadoria no destino designado ou, uma empresa de despacho aduaneiro europeu, quando o consignatário, neste caso a indústria transformadora na transação não faça o desembaraço no destino. E por último, como exportador, o vendedor chinês. Em todos os tipos de negócios internacionais, a modalidade de pagamento deve ser definida da forma mais adequada, ou seja, é preciso observar aspectos que envolvem risco e garantia no recebimento das operações de compra e venda internacional, segundo Atsumi; França; Segalis (2012, p. 92), tais como: – grau de confiança entre exportador e importador; – valor envolvido; – custos operacionais; – tradição comercial; – capacidade de pagamento do importador e de entrega da mercadoria pelo exportador; – restrições cambiais e legislação de comércio exterior dos países envolvidos. Estes aspectos precisam ser muito bem analisados para que, tanto o importador como o exportador, tenham uma visão clara dos riscos comerciais e políticos envolvidos em cada operação. O risco político aqui é em relação ao risco país, visto como termômetro de investimentos globais. Se o indicador sobe muito é um sinal de que os investidores globais desconfiam que um país não vai saldar os pagamentos regulares de sua dívida externa. Essa percepção pode ser afetada por um algum evento global – a piora da economia mundial – ou algum evento local – o país acumula dívidas cada vez maiores, mas não poupa em ritmo suficiente para pagá-las. O risco comercial refere-se a cada modalidade de pagamento escolhida entre as partes sobre o negócio de interesse. Para o trâmite de uma operação triangular, o risco país e comercial podem ocorrer, porém, esse tipo de negócio por ser atípico e de certa complexidade necessita ser feito por empresas que já possuam um relacionamento comercial e resulte em históricos que demonstrem confiabilidade e segurança, como já foi apontado. Exis348 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade tem algumas empresas de avaliação de crédito no mercado internacional que podem certificar a idoneidade para muitas empresas exportadoras, porém essas na sua maior parte somente negociam via pagamento à vista ou antecipado quando do primeiro negócio. Importadores, nesse caso, precisam de um ótimo planejamento, precisam saber exatamente quais pagamentos são a princípio interessantes em cada operação, por mais que seja o primeiro negócio. Assim, eles se resguardam, de alguma forma, do risco na operação de acordo com cada modalidade de pagamento. A modalidade de pagamento que envolve a operação triangular é aplicável conforme a possibilidade das partes envolvidas entrarem em um acordo recíproco. A escolha, nesse processo, ocorre por meio de decisões precisas e bem encaixadas na operação, pois a forma de pagamento nesses processos gera gastos que refletem diretamente no fluxo de caixa de uma empresa. As modalidades de pagamentos existentes no comércio internacional são: remessa sem saque (Open Account), cobrança documentária (Documentary Collection), pagamento antecipado (Cash in Advance) e carta de crédito ou crédito documentário (Letter of Credit – L/C). Desde a implantação, pelo Banco Central do Brasil, do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI) em 2005 (revogada desde 02/02/2014 e substituída por quatro circulares n° 3688;3689;3690 e 3691 instituído pela Circular 3. 280, de 09. 03. 2005), é admitida a remessa ou ingresso de qualquer valor e operação desde que sejam observadas a legalidade, a fundamentação econômica e a documentação respectiva, ou seja, cabe ao Banco operador de câmbio analisar esses três aspectos, e se o cliente preencher esses três requisitos, executar a remessa. A legalidade da operação triangular está ligada à idoneidade da empresa no mercado e de como está sendo executado o processo e declarado o trâmite ao banco operador de câmbio. Essa operação terá uma Declaração de Importação (DI) e nela será informado todo o processo realizado conforme método I de valoração aduaneira de acordo com o Decreto-Lei 1355 de 1994, por se tratar de um processo normal de importação com o acréscimo do valor dos insumos no campo do valor aduaneiro da DI e demais informações dos documentos do trâmite incluídas no campo de informações complementares. Portanto, para o pagamento da Operação Triangular diretamente nos bancos (instituições financeiras credenciadas) será necessário apresentar documentos que respaldam e comprovam a operação. A importação que envolve esse tipo de operação é finalizada com o Desembaraço Aduaneiro no Brasil do semiacabado produzido na Europa, seguindo etapas do processo de importação. Todo o trâmite internacioOperação triangular no exterior: Experiência brasileira 349 nal na operação triangular, como já foi dito, começa em negociações e envolve três origens no mercado internacional, sendo Brasil, China e Europa. A finalização desse processo com a importação pela empresa brasileira do semiacabado produzido na Europa trata da segunda parte da operação. O processo de importação triangular será efetuado conforme fluxograma abaixo: 350 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 1) O exportador envia a Fatura Pro Forma para o importador 2) O importador solicita a um ou mais órgãos anuentes a concessão do 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) licenciamento da importação, (caso aplicar exigência para o produto) O (s) órgão (s) anuente (s) defere (m) a solicitação, autorizando a importação. (Tanto na exportação como na importação, a mercadoria pode estar sujeita a anuência de órgãos anuentes). A mercadoria é entregue à empresa transportadora e esta entrega ao exportador o conhecimento de carga original, que representa o contrato de transporte. A mercadoria viaja para o Brasil e, paralelamente, o exportador entrega os documentos ao banco de seu país. (No caso de Remessa Direta da operação triangular, estes documentos são enviados diretamente ao adquirente e destinatário como no caso da Europa para desembaraço, pois há confiança entre as partes). Os documentos são repassados pelo Banco Estrangeiro ao Banco Brasileiro. (No caso de Remessa Direta não existe esse trâmite entre bancos pois os documentos são enviados diretamente entre exportador e importador devido grau de confiança das partes). O Banco Brasileiro chama o importador para retirar os documentos, mas exige o pagamento ou o aceite na letra de câmbio, se a cobrança for, respectivamente “à vista” ou “a prazo”. (No caso da Remessa Direta, o importador pode optar em fazer uma transferência bancária para o exportador fornecedor de acordo com prazo ou trâmite que tenha tratado). É nessa etapa que o importador irá vincular a operação triangular na DI durante o Registro. Após Registrar a DI no SISCOMEX, o importador leva os documentos à Receita Federal para que este realize o despacho aduaneiro. (Aqui é em caso de cair em um canal da parametrização que não seja o verde). Em paralelo, o Banco Brasileiro, caso tenha recebido o dinheiro à vista do importador, emite uma ordem de pagamento para o banco estrangeiro em favor do exportador. A Receita Federal, após concluir pela regularidade da importação, desembaraça a mercadoria. Em paralelo, estará ocorrendo o débito da conta que o banco brasileiro mantém no exterior, transferindo-se a moeda estrangeira para o exportador. (Neste caso, compõe a operação cambial, pois o importador possui uma conta no Brasil, só que no exterior Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 351 o banco brasileiro normalmente consulta um Banco Intermediário “Correspondente” para executar o processo de pagamento). Fonte: Luz (2006, p. 5-6). 4Operação Back to Back e sua diferença com a operação triangular A operação Back to Back, de acordo com Zilli et al. (2011): [...] é caracterizada pela compra de mercadorias do exterior por uma empresa estabelecida no Brasil que revende o produto a um terceiro, sendo que tanto a compra como a entrega ocorrem no exterior, sem trânsito da mercadoria pelo território brasileiro. De acordo com site do Banco Central do Brasil, Back to Back ou Back to Back credits, é a expressão que corresponde à realização de operação em que a aquisição e a entrega da mercadoria ocorrem no exterior, sem trânsito pelas fronteiras brasileiras, sob o comando de uma empresa localizada no País, que deve realizar o pagamento ao exterior pela compra efetuada, sob a autorização do Banco Central, e o recebimento do correspondente valor pela venda (Ashikaga, 2011, p. 275). A diferença entre operação Back to Back e operação triangular é que no primeiro caso, existe a venda da mercadoria após a compra pela empresa brasileira no exterior. Além disso, este tipo de operação se enquadra em modalidade de pagamentos de exportação. Já no segundo caso, se trata da compra de insumos no exterior, transformação dos mesmos em outro país, porém finaliza com o produto transformado entrando em território brasileiro, ou seja, é preciso que os insumos sejam de um país Y como China e posteriormente transformados em semiacabado no país X europeu. Nesse processo, não existe a venda dos insumos adquiridos pela empresa brasileira ao país europeu que é apenas consignatário e fará a transformação no produto semiacabado, que posteriormente virá ao Brasil. No entanto, é importante citar que a empresa exportadora brasileira, no caso da Operação Back to Back, não necessita efetuar nenhum processo de Despacho Aduaneiro de Exportação ou Importação, emissão do Registro de Exportação (RE), Solicitação de Despacho (SD) e Declaração de Importação (DI) no Sistema Inte352 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade grado de Comércio Exterior – SISCOMEX junto à Receita Federal do Brasil (ZILLI, et. al. 2011). Já, na operação triangular a empresa brasileira terá que providenciar, na chegada do semiacabado feito na Europa, a Declaração de Importação (DI) no Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, de acordo com a classificação fiscal NCM (Nomenclatura Comum do MERCOSUL). Tais insumos chineses, que compõem o processo da triangulação, devem ser informados na DI – Declaração de Importação, na tela de valor aduaneiro, no campo acréscimos – “materiais consumidos” que compõe a produção, no SISCOMEX. Esta valoração aduaneira será explicada no tópico de importação que finaliza a operação triangular desse trabalho. Com relação a impostos, a empresa brasileira, no caso da operação Back to Back, não terá que pagar, pelo fato da mercadoria adquirida ser revendida no exterior e não vir ao Brasil. Porém, existem certos desentendimentos por parte da Receita Federal do Brasil, segundo Zilli, et al. (2011): Não obstante o Banco Central do Brasil caracterizar a operação Back to Back como exportação, a Receita Federal do Brasil possui um entendimento contrário, não caracterizando estas operações como exportação, cabendo desta forma o recolhimento das contribuições PIS e COFINS. Isto geralmente acontece pelo fato de ser uma operação ainda atípica no país, porém, aos poucos pode ser normalizado conforme decisões jurídicas, mas trata-se de assunto pacificado em âmbito administrativo da Receita Federal, pois alega-se que tal operação não está abrangida pela não incidência de PIS/Cofins, prevista no art. 6º, da Lei n° 10. 833 de 2003, principalmente porque não há trânsito físico da mercadoria em território nacional, como segue a consulta n° 202/2003, de acordo com Ashikaga (2011, p. 277): [...] ISENÇÃO. A receita decorrente de operação de Back to Back credits, termo este utilizado para definir a operação de natureza cambial destinada a amparar a compra e venda de produto estrangeiro, realizada no exterior por empresa estabelecida no Brasil, sem que a mercadoria transite fisicamente pelo território brasileiro, não caracteriza exportação. Portanto não cabe a aplicação da isenção de Cofins relativa à exportação de mercadorias. Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 353 No caso desta operação triangular, a cobrança dos impostos, de acordo com trâmite realizado no exterior, terá a cobrança feita na DI (Declaração de Importação) registrada no SISCOMEX, seguindo a classificação fiscal informada do produto semiacabado em específico que virá da Europa. Note-se que para operação Back to Back, o trâmite funciona com qualquer mercadoria pelo fato de ser uma compra e posterior venda ainda no exterior, e um processo apenas documental com o Banco, que há contratos de câmbio de importação e exportação (Ashikaga, 2011, p. 277). No entanto, na operação triangular, para que este processo se torne operacional, é necessário que tais produtos sejam insumos que poderão ser transformados em semiacabado ou até acabado em países que possuam custos produtivos mais interessantes, e que não reflitam no processo de transformação, pois o interesse, da empresa brasileira, é que o custo do semiacabado ou do acabado seja mais competitivo para poder reagir no mercado nacional e/ou internacional. Portanto, é importante citar que no caso da operação Back to Back, em virtude da mercadoria não transitar pelo país, sendo adquirida no exterior, e posteriormente lá mesmo vendida, não haverá emissão dos documentos usuais na compra e venda, como é o caso do Registro de Exportação (RE), Declaração de Importação (DI), Nota Fiscal Eletrônica e outros (Oliveira, 2010). 4.1 A operação cambial A operação cambial Back to Back é identificada com a execução de contratos de câmbio sendo: Contratos de câmbio deste produto fornecido no exterior e de venda na importação/compra do produto do exterior. Na operação Triangular, serão contratos de venda, tanto na compra dos insumos da China quanto na compra do semiacabado europeu. Os contratos de câmbio tratam das formalizações das operações de compra e venda de moeda estrangeira com agentes autorizados e, é necessário efetuar o contrato de câmbio, que será gerado no Sistema Câmbio (Atsumi; França; Segalis, 2012, p. 84). Diante disso, estes mesmos autores ainda informam que: O contrato de câmbio é, portanto um documento firmado entre vendedor e o comprador de moedas estrangeiras, para trocar divisas. No contrato constam informações relativas à taxa de câmbio, valor da moeda estrangei354 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade ra, valor correspondente em moeda nacional, natureza da operação, entre outras. Esta definição de compra e venda de moeda estrangeira está sempre relacionada à ótica do agente autorizado, ou seja, quando nos referimos a um contrato de compra, significa que o agente irá comprar a moeda estrangeira de alguma pessoa física ou jurídica que está recebendo o valor do exterior, como o exportador brasileiro. Já o contrato de venda significa que o agente irá vender a moeda estrangeira para aqueles que necessitam efetuar remessas/pagamentos ao exterior, como o importador brasileiro. Um aspecto que deve ser abordado na operação cambial, devido à sua importância e utilidade, é sobre o processo ser composto por cobertura cambial, do pagamento da empresa brasileira para empresa europeia e chinesa. No entanto a remessa para a Europa dos insumos por parte da empresa chinesa é feita sem cobertura cambial. 5Vinculação da Operação Triangular no SISCOMEX Para a operação triangular, a vinculação da operação de importação na DI ocorre com o preenchimento dos custos dos insumos chineses em páginas específicas, acessando os seguintes campos na tela da DI: Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 355 Figura 1 – Tela de Adição da DI Aba Valor Aduaneiro Fonte: Receita Federal (2012). Na Figura 1, na aba do valor aduaneiro são preenchidos os dados como Incoterm, executado no trâmite envolvendo a empresa da Europa com a brasileira. O método de valoração aduaneira é 01, conforme Decreto nº 1355/94 que o regulamenta, e significa consumo. O campo moeda deve estar de acordo com o custo do semiacabado declarado na Europa. Já o local de condição segue o Incoterm do processo selecionado. Os custos de frete internacional e seguro internacional também variam dependendo do Incoterm negociado. Na aba Acréscimo coloca-se o valor dos insumos chineses no item “materiais consumidos”, realizando a vinculação da operação triangular. Tal valor irá compor o valor aduaneiro total da DI, sobre o qual serão cobrados os impostos, seguindo a classificação fiscal da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) do semiacabado europeu. Ainda no campo “Adição” da DI ocorre a segunda parte importante do processo de vinculação da operação triangular, na aba principal “Câmbio”. Nessa aba, são informados os contratos de câmbio de acordo com a forma de pagamento negociada. 356 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade A última etapa de vinculação do processo na DI ocorre na tela Declaração da DI – aba Complementares – Informações Complementares. É nessa tela que o importador (empresa brasileira) ou representante legal informa os dados contidos nos documentos da transação que envolve as empresas brasileira, chinesa e europeia. Considerações finais Com o avanço do comércio internacional, é inevitável que outras formas de atuação no mercado surjam a fim de que barreiras sejam vencidas. A operação triangular proposta – industrialização de insumos em outro país – pode ser diferencial para empresas brasileiras conseguirem se manter e crescer em meio a uma competição cada dia mais acirrada. Assim, o pagamento da operação triangular pode ser realizado sem nenhum tipo de problema, desde que seja transparente na realização da transação. Todo esse processo poderá ser feito a partir do conhecimento sobre as modalidades de pagamentos que envolvem o comércio exterior no Brasil. Dificuldades poderão ocorrer pela falta de entendimento dos responsáveis, principalmente nos bancos (instituições financeiras), em tentar identificar a operação, que ainda hoje não tem nome específico, de industrialização no exterior. Essas dificuldades podem ser esclarecidas desde que a empresa brasileira saiba o que fará nesse tipo de operação, explicando aos bancos (instituições financeiras) o seu processo ou mesmo aos fiscais aduaneiros que possam desconhecer a operação. Esse trâmite é, portanto, legal, pois todos os impostos são pagos de acordo com o produto semiacabado produzido na Europa e enviado ao Brasil, assim como os insumos adquiridos pela empresa brasileira na China, que, nesse caso, também é acrescido na DI do semiacabado produzido na Europa. Em questão de competitividade e inovação, fatores essenciais para as empresas, este tipo de operação pode gerar redução de custos e qualidade nos produtos, oferecendo no mercado algo superior do que o simples custo-benefício. Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 357 Referências ASHIKAGA, Carlos Eduardo Garcia. Análise da tributação na importação e na exportação. 6. ed. São Paulo: Lex Editora, Aduaneiras, 2011. ATSUMI, Shirley Yurica Kanamori; FRANÇA, Ronaldo de; SEGALIS, Gabriel. Fundamentos de exportação e importação no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais – RMCCI. 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Operação triangular no exterior: Experiência brasileira 359 COMPETITIVIDADE 14 Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco Carla Conti de Freitas Renata Lèbre La Rovere 1Introdução Este capítulo apresenta um recorte de uma pesquisa de tese sobre a criação de conhecimento no setor de turismo em Goiás/Brasil que analisa as capacidades profissionais necessárias para o desenvolvimento deste setor, destacando o papel do conhecimento da região na construção destas capacidades. Como suporte teórico, elegeram-se os estudos sobre economia do conhecimento e inovação a partir dos quais se busca compreender as demandas em capacitação em turismo nas regiões turísticas de Goiás/Brasil geradas pelo desenvolvimento do setor. Os estudos atuais sobre as empresas, o capital humano e as tecnologias colocam em destaque a importância do conhecimento para as empresas. Os estudos evolucionários ou neo-schumpeterianos tratam as empresas como organismos em um ambiente que pode ser comparado ao ambiente da natureza. O desenvolvimento deste ambiente é explicado pelos mecanismos de geração de variedade, seleção dos mais aptos e replicação dos mais aptos (NOOTEBOOM, 2006). Assim, o conheci361 mento é fundamental para as empresas, na medida em que ele permite gerar variedade através de invenções, contribuir para a adequação da empresa ao ambiente através do desenvolvimento de inovações e estabelecer vantagens competitivas através da difusão de inovações. Na concepção neo-schumpeteriana do desenvolvimento empresarial, são considerados também os aspectos relacionados ao investimento no capital social (PUTNAM, 2001) e destacam-se “os processos de aprendizado da economia e da sociedade como um todo [...] e como as diferentes manifestações da cultura são apropriadas e utilizadas pelas diferentes sociedades e economias visando incorporá-las às suas atividades inovativas” (CASSIOLATO, 2010, p. 6). Uma vez que a inovação se constitui parte do movimento de criação do conhecimento na empresa, depende do conhecimento existente e incentiva a aprendizagem (LUNDVALL, 2007), o processo de inovação pode ser entendido como um processo tanto técnico como social, não linear e de interação entre as firmas e o contexto. Aplicada ao setor de turismo, a visão evolucionária da firma leva à hipótese de que uma capacitação para inovação das empresas deste setor envolve a absorção e a geração de conhecimento sobre a região. Dito de outra forma, no setor de turismo, a empresa precisa reunir competências que a habilitem não apenas a entender a região, de modo a poder apresentá-la aos seus clientes, como também a mobilizar o capital social necessário para tirar proveito dos recursos da região. Para desenvolver esta análise, cabe utilizar o conceito de região de aprendizagem (RUTTEN; BOEKEMA, 2007; BOEKEMA, 2000) “que explica a aprendizagem regional, isto é, o processo de criação do conhecimento entre atores na região, considerando as características daquela região, seus atores e as relações entre eles” (BOEKEMA, 2000, p. 276). Neste sentido, este capítulo tem o objetivo de contribuir para o estudo da capacitação no setor de turismo, considerando o conhecimento produzido no contexto acadêmico, nas empresas, no governo e nos institutos de pesquisa e de analisar se a capacitação oferecida gera conhecimento que se traduz em capacidade inovadora nas atividades dos meios de hospedagem nas regiões turísticas de Goiás/Brasil. Este setor foi escolhido porque vem apresentando crescimento significativo no estado de Goiás. O número de empregos formais de atividades características do turismo nos meios de hospedagem em Goiás, por exemplo, teve um crescimento de 32,33% no período entre 2005 e 2010, sendo que o número de trabalhadores por escolaridade em atividades em meios de hospedagem revela que a escolaridade predominante dos trabalhadores deste setor é em nível fundamental e médio. De 362 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade acordo com o relatório do Observatório do Mundo do Trabalho (OBSERVATÓRIO, 2012, p. 74), “o perfil geral dos trabalhadores em atividades de alojamento no Estado de Goiás segue os padrões nacionais, ou seja: mulheres (56,82%), com idades entre 30 e 39 anos (31,76%), com ensino médio (40,05%) e recebendo entre 1,01 e três salários mínimos (80,88%)”. O setor de turismo em Goiás A pesquisa que fundamenta este capítulo teve início com o levantamento das características das regiões turísticas do Estado de Goiás/Brasil, com o intuito de identificar que competências seriam necessárias para a capacitação dos atores locais. Dentre as atividades do setor de turismo, consideram-se, para este capítulo, as atividades dos meios de hospedagem em duas das nove regiões turísticas de Goiás: Região das Águas e Região do Ouro. A escolha da Região das Águas e da Região do Ouro se deu em função da importância do turismo em suas economias, pois os municípios que compõem estas regiões estão entre os que mais recolhem tributos estaduais no setor de turismo. A escolha dos municípios considerou este aspecto econômico e a limitação geográfica do estudo. Cada região é caracterizada pela sua potencialidade turística. A Região das Águas compreende as atividades relacionadas às águas termais e aos esportes náuticos e a sua principal atividade econômica está ligada ao setor de serviços, com destaque para o setor imobiliário e turístico. É composta pelos seguintes municípios goianos: Caldas Novas, Rio Quente, Três Ranchos, Buriti Alegre, Itumbiara, Cachoeira Dourada, Inaciolândia, São Simão, Lagoa Santa. Foram considerados dois municípios desta região, sendo um de médio e outro de pequeno porte. Ambos apresentam destaque para o setor de serviços que corresponde a 45% e 35%, respectivamente, da participação no PIB local. Quanto às atividades econômicas desta região, destacam-se as atividades relacionadas à construção civil, geração de energia e turismo. A Região do Ouro é composta por seis municípios, Cidade de Goiás, Pirenópolis, Jaraguá, Corumbá, Cocalzinho, Abadiânia, e compreende as atividades relacionadas ao turismo histórico e cultural e ao ecoturismo. Dois municípios desta região foram considerados nesta pesquisa, sendo que a principal atividade econômica do primeiro é a agropecuária e de segundo a extração de pedras, um tipo de rocha conhecida como quartzito, utilizada na construção civil. No Quadro 1, a seguir, observam-se as características das regiões estudadas: Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco 363 QUADRO 1 – Características das regiões turísticas de Goiás REGIÃO DAS ÁGUAS Municípios considerados na REGIÃO DO OURO Caldas Novas e Rio Quente Pirenópolis e Goiás Águas História, Cultura, Natureza Pesquisa Principais atrativos turísticos Termais, Parques Aquáticos Principais atividades econômicas Construção Civil, Energia Elétri- Extração de pedras ornamentais ca, Turismo e agropecuária Fonte: Elaboração própria Quanto ao número de trabalhadores e de estabelecimentos do setor nos últimos anos, a Região das Águas apresentou um crescimento médio de 65% no número de trabalhadores e de 75% no número de estabelecimentos. Na Região do Ouro, em um dos municípios pesquisados houve crescimento de 76% no número de empregos formais e 72% no número de estabelecimentos no mesmo período. Em 2012, o número de trabalhadores formais foi 5.451 na Região das Águas e 679 na Região do Ouro e a taxa média de ocupação dos meios de hospedagem foi 50% na Região das Águas e 30% na Região do Ouro (IPTUR/Goiás, 2012). O Quadro 2, a seguir, apresenta o crescimento do setor de turismo nas regiões estudadas nos últimos anos: QUADRO 2 – Crescimento do setor de turismo nos últimos anos Crescimento número de traba- Região das Águas Região do Ouro 65% 76% 75% 72% 50% 30% lhadores do setor de turismo Crescimento do número de estabelecimentos Taxa de ocupação média dos meios de hospedagem Fonte: IPTUR/Goiás, 2012 Além da caracterização das regiões pesquisadas, são apresentados e analisados os dados das entrevistas com os atores centrais das instituições de ensino superior, das empresas e dos órgãos públicos que poderiam contribuir com a pesquisa 364 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade por desempenharem funções relacionadas ao tema considerado na pesquisa. Neste sentido, nas instituições de ensino superior, foram entrevistados os coordenadores e/ ou professores do curso do turismo. No setor público, foram considerados os atores que fazem parte de instituições como Secretaria Municipal de Turismo e Conselho Municipal de Turismo – COMTUR. No setor privado, foram considerados os gerentes e/ou proprietários de meios de hospedagem caracterizados como hotel. Para a análise das informações obtidas nas entrevistas, considerou-se o método de análise de conteúdo, apropriado para estudos qualitativos como este, e utilizou-se um programa específico para análise qualitativa, o webQDA, que auxiliou na organização das informações. Os documentos referentes às entrevistas – os áudios e as transcrições – foram transferidos para o programa webQDA e considerados como fontes internas. Por considerar o conteúdo das entrevistas na íntegra, optou-se por codificar o texto da transcrição e não o próprio áudio. No entanto, os áudios das entrevistas foram mantidos no arquivo do programa. Quanto às técnicas de análise de conteúdo, optou-se pela síntese da análise de conteúdo que consiste na paráfrase do material. Nesta técnica: o material é parafraseado, o que significa que trechos e paráfrases menos relevantes que possuam significados iguais são omitidos (primeira redução), e paráfrases similares são condensadas e resumidas (segunda redução). Esse processo é uma combinação da redução do material por meio da omissão de enunciados incluídos em uma generalização no sentido de sintetizar esse material em um nível maior de abstração. (FLICK, 2009, p. 292) A partir desta técnica, foram definidas as unidades de análise que destacaram os trechos que deveriam ser analisados. Foram consideradas unidades de análise as unidades de codificação e unidades de contexto. Flick (2009, p. 294) destaca que “a formalização do procedimento dá origem a um esquema uniforme de categorias, facilitando a comparação dos diferentes casos através dos quais ele se aplica”. A trajetória do setor de turismo em Goiás aponta para a importância do setor no contexto atual, mas revela as necessidades e as fragilidades que têm dificultado o desenvolvimento das atividades deste setor no desenvolvimento das capacidades consideradas necessárias para o profissional que atua no setor. Dentre estas necessi- Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco 365 dades e fragilidades, pode-se considerar a capacitação profissional, a informalidade nas relações de trabalho, pouca valorização e baixa remuneração dos profissionais. Considerando que a capacitação no setor de turismo pode contribuir para a criação de conhecimento e inovação no setor, apresenta-se, a seguir, a análise das respostas dadas pelos atores centrais do setor de turismo em Goiás – universidade, setor público e setor privado – às questões sobre capacitação profissional e inovação no setor de turismo. A entrevista envolveu atores dos três segmentos porque o estudo considera que a capacidade de relacionamento na região pode construir um estoque de capital social na região (RUTTEN; BOEKEMA, 2007, p. 113). As perguntas compõem as entrevistas realizadas para um estudo mais amplo sobre conhecimento e inovação no setor de turismo em Goiás e, neste estudo, se restringem às respostas sobre as capacidades necessárias ao profissional deste setor – aprendizagem e a importância do conhecimento da região na criação de novos conhecimentos – inovação, na Região das Águas e na Região do Ouro. Capacitações necessárias para o profissional do setor de turismo – aprendizagem Quanto às competências necessárias do profissional, os entrevistados destacam o conhecimento de línguas e o conhecimento do local. O conhecimento de línguas se refere ao desenvolvimento da competência comunicativa e está relacionada à aprendizagem. O conhecimento do local se refere às questões da região, considerando as culturais, ambientais e sociais. Quanto ao conhecimento em línguas, cabe destacar que, embora presente no cotidiano e na formação profissional, são muitas as dificuldades com a língua portuguesa e estrangeira que refletem na atuação profissional e no desenvolvimento do setor, pois tem se constituído uma das limitações dos profissionais que atuam na área, conforme os entrevistados. Dentre as dificuldades com a língua portuguesa, consideram-se as relacionadas às normas e ao uso. Nos dois casos, estas dificuldades diminuem o acesso à informação e a difusão do conhecimento. Nas diversas funções, seja de nível operacional ou de gestão, acontece uma troca de informações que gera conhecimento que, consequentemente, poderá gerar as inovações no setor. Se não há interação entre os trabalhadores ou se a relação entre eles fica comprometida devido às dificuldades na comunicação, o crescimento da empresa fica comprometido. No 366 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade entanto, se a capacitação é considerada importante para o desenvolvimento profissional, ela poderá contribuir para minimizar os problemas e criar soluções. Tanto no setor privado quanto no setor público, a capacitação em línguas é reconhecida como fundamental e incentivada por parte dos atores do setor. Na universidade, esta capacitação é entendida como fundamental e compõe o currículo do curso de turismo a partir das disciplinas de Língua Portuguesa, Comunicação e Línguas Estrangeiras. Uma professora participante da pesquisa, quando questionada sobre a capacidade necessária ao profissional, enfatiza: Línguas sem dúvida nenhuma. É a capacitação necessária em línguas e o profissional de turismo saber lidar com a comunidade local. Saber trabalhar, saber educar a comunidade local para receber o turista. A professora defende que o domínio da língua é importante tanto para a atuação do profissional na empresa quanto para a integração com a comunidade, pois o profissional poderá mobilizar a comunidade local para a importância das atividades do setor de turismo para o município quando desenvolvida a habilidade comunicativa. As dificuldades e a limitação em relação à língua estrangeira também são consideradas pelos três segmentos investigados na pesquisa. Na Região do Ouro, os participantes da pesquisa consideram a falta de conhecimento em língua estrangeira uma limitação comum entre os profissionais do setor na região e destacam a necessidade de profissionais com esta habilidade nas atividades relacionadas aos hotéis, ao comércio e à divulgação do destino. O setor público se mobilizou e oferece por meio da Secretaria Municipal de Turismo cursos de idiomas e de informática aos profissionais do setor. Na Região das Águas, também ocorre, em um dos municípios considerados nesta pesquisa, a oferta de cursos de idiomas para os profissionais que já atuam no setor como forma de minimizar as dificuldades, pois o município recebe turistas estrangeiros e necessita de profissionais que possam se comunicar com eles, atendê-los bem, destacando uma necessidade do local e a ação dos agentes do setor público que se mobilizaram para minimizar o problema. Para o gestor público, o município criou “um curso de inglês e curso de informática, [...] nós inovamos pensando que daqui a dois ou três anos nós possamos ter pessoas falando inglês, espanhol, capacitadas em informática, aqui dentro do município”. Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco 367 Nas duas regiões estudadas, os gerentes de hotel reconhecem a importância desta capacitação. Em um caso, o gerente afirma que há um incentivo para os profissionais: “hoje nós temos incentivo para quem fala dois idiomas. Mas nós tivemos que criar isso porque que atrativo o cara tinha de falar inglês? Ele não tinha nenhum diferencial, e nós já criamos esse diferencial. Quem fala inglês tem um benefício diferente”. Para outro gerente, esta capacitação é muito valorizada, pois ter uma equipe bilíngue é um diferencial competitivo do hotel. A importância do conhecimento da região na criação de novos conhecimentos – inovação Os entrevistados destacam a importância e a necessidade do conhecimento local para o desenvolvimento do setor e para o desenvolvimento do trabalhador da região. Para Rutten e Boekema (2007, p. 153), o conhecimento local, que é baseado na cultura regional e nas características humanas intrínsecas é fundamental para compreender a concentração espacial de atividades econômicas e a habilidade dos lugares para desenvolvimento da competitividade, especialmente as regiões que são capazes de conectar este conhecimento local com as redes globais e enfrentam futuro e condição favorável. Destaca-se que o conhecimento local abrange as questões da cultura local e da maneira como as pessoas do local lidam com o conhecimento existente e com a criação de novos conhecimentos na região. Para Rutten e Boekema (2007, p. 153), “a cultura local pode contribuir para a criação do conhecimento e aprendizagem. As habilidades aprendidas, hábitos, rotinas e costumes preservam o conhecimento, especialmente o tácito”. Os entrevistados destacam a importância da cultura local e a preocupação de as atividades do setor de turismo não considerarem a cultura local, principalmente na Região das Águas, caracterizada como turismo de massa. Para o gestor público entrevistado, “a cidade [...] teve um aculturamento na questão da cultura popular. Isso eu percebo, é fácil perceber na gastronomia, nos atos e na exclusão da cultura local e cultura exterior prevalecer”. 368 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade Para o setor privado, há uma valorização do capital social, destacando as características das pessoas do local. Para o gerente de um hotel, “valorizar a cultura local, valorizar as capacidades, valorizar os pontos fortes da cultura local é muito importante, você cria identidade do seu hotel, que é a alma do seu hotel”. No entanto, há necessidade de capacitação organizacional, como aponta o gerente a seguir: A alma do hotel é o espírito servil dos colaboradores. Então, por exemplo, aqui [...] as pessoas são extremamente receptivas e calorosas, então eu não tenho que mexer nisso, eu tenho que aumentar isso cada vez mais. Eu tenho que dar oportunidade para que eles melhorem isso. Por outro lado, o lado organizacional é extremamente fraco. Então o que eu fiz. Eu deixei esse lado se desenvolver por si porque realmente é meio que nato do goiano, meio que cultural, eles são muito receptivos, e o que eu fiz, comecei a colocar ordem, comecei colocar regras, comecei a determinar alguns padrões e procedimentos, alguns focos porque era uma coisa largada. Para a professora universitária entrevistada, há capacitação e valorização do profissional, mas as pessoas do local ainda não perceberam isso e descreve: Tem um problema que é uma característica que é sui generis da cidade porque primeiro não se oferecia capacitação, depois não se oferecia valorização para as pessoas que eram capacitadas. Hoje em dia você oferece capacitação, existe a valorização, mas as pessoas parece que não querem. Isso tem sido, pra mim, um problema muito sério porque como você tem uma mentalidade, muito de interior, que funciona na base da indicação, da experiência de anos e não na capacitação. As pessoas de fora, os egressos das universidades, que são de fora procuram esta capacitação profissional. Mas os locais, mesmo, ainda não acordaram para isso. Esta impressão apresentada pela professora pode ser confirmada pelo posicionamento de um gerente de outro hotel ao destacar que embora os profissionais não tenham formação na universidade, a dedicação deles à empresa faz toda diferença. Os profissionais são promovidos, dada a sua relação com a empresa e não por sua formação acadêmica. Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco 369 Nós não temos profissionais da área e muitas vezes nem qualificados academicamente falando em termos de curso superior ou uma pós-graduação, uma coisa assim. Só eu que tenho mesmo, meus funcionários são qualificados pela vivência, meu gerente reserva é um ex-recepcionista, minha governanta é uma ex-camareira, meu gerente de AeB é hoje um ex-cozinheiro. Estes resultados colocam em destaque a fragilidade das relações que constituem o capital social na Região das Águas, o que tem impactos na capacitação, pois o capital social, quando facilita a cooperação e comunicação, “é uma precondição necessária para a aprendizagem localizada. Só com um estoque de capital social, permitindo cooperar e comunicar, uma região poderá financiar socialmente a aprendizagem tecnológica” (PUTNAM, 2001, p. 224). O capital social é importante para a constituição de regiões que aprendem e consiste em relações sociais entre os agentes que permitem a cooperação e comunicação entre as instituições (PUTNAM, 2001). Na Região das Águas, embora esta necessidade esteja expressa nas respostas dadas pelos diferentes atores, percebe-se que não ocorre essa ação de valorização da comunicação e cooperação entre a universidade, o setor público e o setor privado. Isso se dá pelo fato de a região reproduzir uma condição de competitividade não focada no conhecimento e sim na exploração depredatória do produto considerado o principal atrativo da região: as águas termais. Embora os atores se organizem em torno do principal produto, durante muitos anos a região não se preocupou com a construção de conhecimento acerca deste produto. As atividades do setor de turismo na região parece não valorizar uma organização por meio de rede cooperativa entre atores locais que facilita os processos de aprendizagem, a inovação e a consequente difusão do conhecimento por não considerar que “essas redes proporcionam a criação de um conhecimento que é territorialmente específico” (KLIN, 2001, p. 39). Já na Região do Ouro, a relação com a cultura local e o conhecimento do local é diferente da Região das Águas. Como a atividade turística se dá principalmente a partir das questões históricas e culturais, há por parte do setor uma valorização da cultura local e do conhecimento das pessoas da região. Há uma preocupação em gerar conhecimento na universidade que traga possibilidades de melhoria das condições sociais e ambientais relacionadas ao setor de turismo. Esse conhecimento construído a partir das necessidades locais pode ser representado pela atividade de conclusão de curso desenvolvida pelos alunos, profissionais 370 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade em formação, a partir da elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso no qual discutem e apresentam possíveis soluções para problemas locais. O coordenador do curso de Turismo apresenta dois exemplos. O primeiro diz respeito à criação de gado em área de proteção ambiental. Segundo ele, os alunos tinham propriedade rural nesta área e mudaram a atividade econômica a partir do conhecimento sobre os prejuízos desta atividade para o local: “Depois que fizeram o curso, eles pararam de criar gado e estão implementando ecoturismo na localidade, ou seja, eles já tiraram o gado da APA [área de proteção ambiental] que circula o Parque dos Pirineus”. O segundo, diz respeito à primeira atividade econômica de um dos municípios que é a extração de pedras que acarreta um problema ambiental. A partir do conhecimento gerado na universidade do conhecimento das necessidades do local, alguns alunos desenvolveram, segundo ele, “o projeto de uma máquina que vai moer o resto das pedras, aqueles pedaços menores das pedras vão virar areia, ou seja, eles vão tirar a poluição visual que hoje existe das montanhas de lixo de pedra e vão evitar a dragagem dos rios. Então, assim aos poucos, esta concepção está sendo criada”. Há uma valorização da interação entre a universidade e os setores públicos e privados, embora haja algumas limitações para que a comunicação e a interação sejam mais efetivas. O que se percebe é que tanto o setor público quanto o setor privado absorve e valoriza os profissionais capacitados pela universidade local. Desta forma, as relações que constituem o capital social da região parecem estar mais desenvolvidas. Os resultados encontrados podem ser resumidos como apresenta o Quadro 3, a seguir: Quadro 3 – Síntese dos resultados encontrados Região das Águas Necessidade de Capacitação/ Línguas estrangeiras Região do Ouro Línguas estrangeiras aprendizagem Percepção da relação entre co- Considerada nhecimento e cultura local e mas não é implementada nas inovação atividades. Natureza do capital social Fraco importante, Considerada importante e é implementada nas atividades. Forte Fonte: Elaboração própria Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco 371 Conclusões O estudo sobre a criação de conhecimento no setor de turismo em Goiás parte do pressuposto de que a aprendizagem regional é importante para o desenvolvimento das empresas do setor. Isto porque as empresas de turismo, ao mobilizar o capital social de uma região, adquirem competências necessárias para aprimorar os seus produtos e serviços. Neste capítulo, percebe-se que as empresas de turismo de Goiás estão engajadas neste processo de aprendizagem uma vez que promovem situações onde os trabalhadores opinam e contribuem na solução de problemas no cotidiano das empresas e que a capacitação das empresas de turismo colabora para o desenvolvimento de suas competências promovendo as atividades do setor e a valorização do capital social. No entanto, o desenvolvimento de tais competências ainda ocorre de forma tímida dada dificuldade de relação entre os setores público, privado e universidade para que as inovações no setor promovam o crescimento da região. Os estudos sobre a Região das Águas e sobre a Região do Ouro mostram que há diferenças entre elas. A capacitação oferecida pelos cursos superiores da região é capaz de gerar conhecimento que se traduz em capacidade inovadora nas atividades dos meios de hospedagem da Região das Águas, mas as empresas desta região entendem que essa contribuição poderia ser maior se as instituições estabelecerem uma relação de cooperação que pode ser realizada a partir de atividades de estágio mais focadas à hotelaria ou pelo desenvolvimento de eventos e atividades práticas como empresas juniores. Assim, nesta região o capital social precisa ser desenvolvido. Na Região do Ouro, a interação entre a universidade, as empresas e o setor público se mostra de forma mais intensa e isso contribui para que haja valorização do capital social e promoção das atividades do setor. No entanto, esta região também necessita desenvolver mais o capital social, pois há uma diferença importante na atuação dos dois municipios quanto a interação e a cooperação entre os atores do setor, dificultando a criação e a difusão do conhecimento e o consequente aprimoramento das pessoas e das empresas. Em suma, as regiões estudadas necessitam desenvolver-se em relação às demandas no contexto social e promover ações que gerem políticas de valorização da capacitação profissional nas diferentes instâncias. As políticas devem desenvolver ações conjuntas que favoreçam aprendizagem, desenvolvam a capacidade de interação e comunicação tão importantes para o desenvolvimento das empresas e 372 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade dos trabalhadores do setor de turismo. A análise das entrevistas mostra que, como sugerido por Rutten e Boekema, as relações de aprendizagem em contextos regionais específicos necessitam ser entendidas para que políticas de capacitação sejam desenvolvidas para as empresas de um setor e os resultados mostram ainda diferenças no grau de desenvolvimento do capital social das regiões, o que é importante levar em consideração na definição de políticas para o setor. Agradecimento À Universidade Estadual de Goiás e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Referências BOEKEMA, F.; MORGAN, K.; BAKKERS, S.; RULTEN, R. Knowledge, innovation and economic growth: the theory and practice of learning region. Edward Elgar Publishing: USA, 2000. CASSIOLATO, J. E.; GADELHA, C. A. G. [et al] Perspectivas do investimento na economia do conhecimento. Rio de Janeiro: Synergia: UFRJ, IE; Campinas: UNICAMP, IE, 2010. FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª. Porto Alegre: Artmed, 2009. IPTUR. Boletim de Dados do Turismo de Goiás. Edição n.04/2012. KLIN, J. J. A cidade-região: regionalismo e reestruturação no grande ABC paulista. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. LUNDVALL, B. Higher Education, Innovation and Economic Development. World Bank’s Regional Bank Conference on Development Economics. Beijing, January, 2007. NOOTEBOOM, B. Organization, Evolution, Cognition and Dinamic Capabilities. Disponível em www.bartnooteboom.nl. Março, 2006. OBSERVATÓRIO DO MUNDO DO TRABALHO. Turismo e Hospitalidade. Goiania: IFG, 2013. Disponível em www.ifg.edu.br/observatorio. PUTNAM, R.D. Social Capital: measurement and consequences. Isuma: Canadian Journal of Policy Research 2, 2001, p. 41-51. RUTTEN, R.; BOEKEMA, F. The learning region: foundations, state of the art, future. Edward Elgar Publishing: Cheltenham, UK, 2007. Capacidades e inovação no setor de turismo em Goiás/Brasil: Conhecimento local em foco 373 Autores ADALBERTO MENDES CARVALHO JUNIOR – Graduado em Administração com Habilitação em Comércio Exterior – Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Especialista em Comércio Exterior – Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial – FATESG. Analista de Compras e Comércio Exterior sendo o responsável pela função de compras nacionais e trâmites internacionais executando negociações em empresas situadas nos Estados Unidos, Europa, China e países latino-americanos. (7 anos de experiência de 2007 até o momento) ANTONIO PIRES DE CASTRO JUNIOR – Possui graduação em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (1999) e mestrado em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é professor adjunto – SENAI/Faculdade de Tecnologia de Goiás e servidor público concursado do Poder Judiciário do Estado de Goiás. Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Sistemas de Informação, atuando principalmente nos seguintes temas: redes de computadores, análise forense em informática, segurança em redes, gerência em redes e segurança em informática. Armando Malheiro da Silva – Doutor em História Contemporânea pela Universidade do Minho. É Professor Associado do Departamento de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Docente da Graduação em Ciência da Informação, do Mestrado em Ciência da Informação e do Programa Doutoral Informação e Comunicação em Plataformas Digitais. Publi375 cou, pelas Edições Afrontamento, em 2002 e em co-autoria com a Prof. ª Fernanda Ribeiro, o livro Das “Ciências” Documentais à Ciência da Informação: ensaio epistemológico para um novo modelo curricular e em 2006, pela mesma Editora, A Informação: da compreensão do fenômeno e construção do objecto científico. Em 2010 e em co-autoria com Fernanda Ribeiro foi publicado pela Universidade Aberta Recursos de Informação: serviços e Utilizadores. Coordenou um projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia intitulada A Literacia Informacional no Espaço Europeu do Ensino Superior: estudo das competências de informação em Portugal. BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO – Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1977), possui especializações em Direito Penal (1981), Direito Constitucional (2000) e Direito Público (2003). Foi Promotora e Procuradora de Justiça no Ministério de Público do Estado de Goiás de 1978 a 2000. É Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás desde 2000. Foi vice presidente e corregedora do Tribunal Regional Eleitoral de 2007 a 2008. Foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral de 2008 a 2009. Foi Corregedora Geral da Justiça de 2011 a 2012. É presidente da Comissão de Informatização, do Comitê de Tecnologia da Informação do TJGO e do Comitê de implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJ-e) em Goiás desde 2013. CARLA CONTI DE FREITAS – Graduada em Letras Português Inglês (1995), Mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (2003), Especialista em Psicopedagogia, Avaliação Institucional e Docência Universitária. Doutora em Politicas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento, UFRJ/UEG, (2013) e Pós-Doutorado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua como Docente e Diretora da Unidade Universitária de Inhumas da Universidade Estadual de Goiás. Tem experiência na área de Letras e com temas como abordagem transdisciplinar, sustentabilidade, capacitação profissional. CLAUDIA SOFIA PINHO – Especialista de Informática no Centro de Informática da Universidade da Beira Interior (UBI). Licenciatura em Matemática/Informática pela UBI em 2006. É aluna de mestrado em Gestão pela UBI. Experiência profissional na área Técnica da Informática desde 2006 376 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade CHRISTIANO DE OLIVEIRA E SILVA – Possui especialização MBAE em Gestão e Estratégia em Marketing pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002), graduação em Tecnologia em Logística pela Universidade Estadual de Goiás (2008) e graduação em Administração pelo Centro de Ensino Superior de Jataí (2000). Atualmente é diretor da Universidade Estadual de Goiás – Unidade Jataí e Presidente da Fundação Educacional de Jataí, atuando principalmente nos seguintes temas: Logística, Marketing e Administração de empresas. DOUGLAS EMANUEL DA SILVA – Dados não informados. FRANCISCO ALBERTO SEVERO DE ALMEIDA – Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (2010). e Pós doutorado pela Universidade do Porto – Portugal (2011). Atualmente é professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás e líder do Grupo de Pesquisa Egesi – Estratégia em Gestão, Educação e sistema de Informação. Desenvolve , em conjunto com o Departamento de comunicação e Jornalismo da Universidade do Porto, investigação sobre o processo da gestão da informação e inovação em rede de cooperação . Experiência na área de Administração em Finanças Públicas e Estratégia Empresarial , atuando principalmente nos seguintes temas: cooperação e estratégia empresarial, gestão da informação, diagnóstico sócio-econômico , rede de cooperação e inovação, educação a distância e orçamento público FREDERICO RODOVALHO OLIVEIRA – Possui graduação em Administração pela Universidade Federal de Goiás (2010). Tem experiência na área de Administração com ênfase em Logística. GEORGE LEAL JAMIL – Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (1982), Mestrado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999) e doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005). Pós-doutor pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto em Gestão do conhecimento aplicado – Inteligência de Mercado, em curso de pós-doutoramento pelo INESC-Porto. Foi professor adjunto da Fundação Mineira de Educação e Cultura – FUMEC/BH (Faculdade de Engenharia e Arquitetura – FEA) , visitante de várias instituições, como professor de pós graduação lato sensu, entre elas: Fundação Cultural Dr. Pedro Leopoldo, Centro Autores 377 Universitário UNA, Fundação João Pinheiro,Fundação Dom Cabral, Fundação Getúlio Vargas, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Faculdade IBMEC – MG. Tem experiência nas áreas de Ciência da Computação, Ciência da Informação, Gestão de Marketing e Gestão Estratégica de Empresas, com ênfase em Engenharia de Software, atuando principalmente nos seguintes temas: ciência da computação, engenharia de software, sistemas de informação, informática, processo de software, gestão estratégica e de marketing, gestão do conhecimento e inteligência de mercado. Atuação também em áreas de gestão associadas à Engenharia de Produção. Participou como autor, editor, co-autor de seções e capítulos em mais de vinte e cinco livros nas áreas de Desenvolvimento de software, Tecnologia da Informação, planejamento estratégico, gestão do conhecimento e Marketing, com publicações no Brasil e exterior. Consultor empresarial nas áreas de software, tecnologia da informação e planejamento estratégico. Tem participação em conselhos e direção de empresas de base tecnológica, em áreas de TI, treinamento executivo e consultoria de gestão da informação. Atualmente pesquisa temas ligados à gestão e sistemas de informação, estratégia, marketing, gestão do conhecimento e aplicação de tecnologia da informação em contextos empresariais. GISLAINE FERNANDES – Possui graduação em Administração de Empresas pela Sociedade Educacional Fleming (2004), Especialização em Gestão e Estratégia de Empresas pela Universidade Estadual de Campinas (2008) e mestra em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas. Atua como assistente de secretaria acadêmica na Fundação Getúlio Vargas desde 2014 e seus interesses de pesquisa englobam as áreas de Gestão de Tecnologia da Informação, Capacidade de Resposta, Agilidade e Terceirização de Serviços. JUDITE CANHA FERNANDES – Judite Canha Fernandes é doutorada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto com o projecto “Redes de acção colectiva transnacionais sob o ponto do vista do objecto social informação. A Marcha Mundial das Mulheres e a Iniciativa Comunitária EQUAL”. É licenciada em Ciências do Meio aquático e pós-graduada em Ciências Documentais e da Informação, Biblioteca e Arquivo. Foi docente convidada e consultora técnica da Universidade dos Açores em 2006 e 2007. Foi distinguida como exemplo de boas práticas de Gestão de Informação pelo desenho do Sistema de Administração Documental online SAD pela Gestão nacional da iniciativa EQUAL (Portugal) e pela Comissão Europeia. Desde 378 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade 2005, coordena a vertente de informação e documentação Centro de Informação e Políticas de Igualdade de Género e de combate às discriminações – CIPA – da Associação Novo Dia. É representante da Europa no Comité Internacional da Marcha Mundial das Mulheres. Tem artigos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais na área da Ciência da Informação, dos Feminismos e dos Movimentos sociais. Foi oradora convidada em diversas conferências nacionais e internacionais em temáticas relativas à ciência da informação, feminismos, igualdade, género e movimentos sociais transnacionais, áreas onde desenvolve regularmente formação. Colabora e participa em projectos, colectivos e movimentos de intervenção social e política. Sócia fundadora de Descalças Cooperativa Cultural, realiza trabalho artístico como performer, actriz, curinga, escritora e formadora. Tem trabalho publicado ou em fase de publicação em poesia, banda desenhada, ficção e teatro. Foi prémio Jovens Criadores Labjovem, na área da Literatura, com os trabalhos “Abraçando o Lastro” e “Penumbr@” em 2008. JULIA PARANHOS – Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Grupo de Economia da Inovação do Instituto de Economia da UFRJ. Graduada em Ciências Econômicas pela UFRJ (2004), mestre em Economia Industrial pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006) e doutora em Economia pela UFRJ (2010) com período de doutorado sanduíche no Science and Technology Policy Research – SPRU (2009). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Inovação, atuando principalmente nos temas: gestão da inovação e relação universidade-empresa, em especial no setor farmacêutico, e desenvolvimento econômico local no estado do Rio de Janeiro. KATIA ALINE FORVILLE DE ANDRADE OLIVEIRA – Possui graduação em Bacharelado em Turismo pela Universidade Tuiuti do Paraná (2001), é especialista em Marketing pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Extensão (2002) e mestre em Ecologia e Produção Sustentável pela Universidade Católica de Goiás (2006) e cursa Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Goiás na Modalidade a Distância (2009 a 2013). Experiência no marketing como analista de marketing e processos focados no relacionamento e atendimento a clientes, participação em projetos especiais de relacionamento com clientes (procedimentos e especificação/validação da ferramenta CRM), participação na elaboração do projeto de relacionamento multicanal. Experiência na docência superior na área de Turismo, Marketing, Administração Autores 379 e Meio Ambiente. Atualmente é professora da Faculdade de Tecnologia SENAC-GO de Goiânia (GO), onde liderou, no período de 2009-2011, um projeto de pesquisa fomentado pela FAPEG. Atua tambémna Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial com vínculo de professor horista. Participou do projeto de pesquisa Promoção de ações de educação ambiental nas escolas municipais de Senador Canedo Estabelecimento de um centro de educação ambiental, recomendado pelo Comitê Institucional de Pesquisa da Universidade Estadual de Goiás em 2011-2012. LETICIA SOUZA NETTO BRANDI – Concluiu o doutorado na Unicamp (01/2013) graduação em Analise de sistemas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1986). Atualmente é professor mestre – IFSP – Campus Bragança Paulista, atuando principalmente nos seguintes temas: programação JAVA, Banco de Dados,modelagem de sistemas. Experiência em desenvolvimento de sistemas empresariais. LIA HASENCLEVER – Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1977), mestrado em Economia Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988) e doutorado em Programa de Pós Graduação Em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). Atualmente é Professor Associado I da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Organização Industrial e Estudos Industriais, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento econômico local, inovação, nova friburgo, indústria farmacêutica e competitividade. MAGDA VALÉRIA DA SILVA – Possui Graduação e Especialização em Geografia pela Universidade Federal de Goiás/Campus de Catalão (2000, 2002); Mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Goiás/Instituto de Estudos Socioambientais (2005) e Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia/Instituto de Geografia (2010). Atualmente é Professora Adjunta na Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão – Departamento de Geografia. Foi Professora e Consultora Ad Hoc da Universidade Estadual de Goiás/Campus Morrinhos (de março/2004 a junho/2014). Pesquisadora líder do Grupo de Pesquisa-CNPq: "Espaço, Meio Ambiente e Ensino de Geografia" (UEG/Morrinhos). Pesquisadora convidada do Grupo de Pesquisa-CNPq: "Núcleo de Estudos e Pesquisas em Espaços Urbanos" (UFG/Catalão) e da Rede de Pesquisa-FAPEG: "Indicadores 380 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade sobre Ensino, Sustentabilidade, Geoinformação e Cartografia Ambiental". Membro permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Geografia da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão e do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Goiás/Campus Morrinhos. Tem experiência em Geografia Urbana, Econômica e Regional, com atuação direta em pesquisas sobre o espaço urbano, cidades, indústria, industrialização e economia urbana com foco para estudos sobre redes, circuitos espaciais da produção, fixos e fluxos. MARIA DE LURDES BARROSO SIMÃO – Gestora e responsável pelo departamento de Contabilidade de várias empresas. Estudante de Doutoramento em Gestão, na Universidade da Beira Interior, especialização em Inovação Organizacional. MARIA GARCIA NOGUEIRA – Promotora/Vencedora do Passaporte para o Empreendedorismo pelo IAPMEI desde Julho de 2014. Em 2013 ingressou o Mestrado de Gestão na Universidade da Beira Interior, onde teve possibilidade de desenvolver novas aptidões pessoais e profissionais. Completou a sua Licenciatura em Novas Tecnologias da Comunicação, na Universidade de Aveiro em 2012. Mário José Batista Franco – Professor Auxiliar no Departamento de Gestão e Economia da Universidade da Beira Interior (UBI) e investigador do NECE. Doutoramento em Gestão pela UBI, com especialização em Cooperação Empresarial. Em 1997, frequentou o European Doctoral Programme in Entrepreneurship and Small Business Management in Barcelona (Espanha) e Vaxjo (Suécia). Faz parte do conselho editorial de revistas de Gestão e é autor e co-autor de vários artigos publicados em journals com arbitragem científica internacional, tais como Long Range Planning, Management Decision, European Journal of International Management, entre outros. Áreas de investigação: alianças estratégicas, empreendedorismo, redes inter-organizacionais e gestão de PME. OSWALDO LUIZ AGOSTINHO – Graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (1966), mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (1979) e doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (1985) , Livre Docência em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas Atualmente é professor associado da UniversiAutores 381 dade Estadual de Campinas, e professor doutor da Universidade de São Paulo. Em atividades empresariais , foi Gerente Corporativo de Tecnologia da Informação da Eaton América do Sul; atualmente é sócio proprietário da ORA Consultoria em Gestão Empresarial Ltda . As linhas de pesquisa são Competitividade , Estratégias ligadas a Competitividade , Gestão de Tecnologia para Competitividade , Flexibilidade e Integração dos Sistemas Produtivos ,planejamento processo . RENATA LÈBRE LA ROVERE – Possui graduação em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1983), mestrado em Structures Productives Et Systeme Mondial - Université de Paris VII - Université Denis Diderot (1986), França e doutorado em Economia - Université de Paris VII , França (1990). Atualmente é professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Economia Industrial, com ênfase em Mudança Tecnológica, atuando principalmente nos seguintes temas: pequenas e medias empresas, inovação, tecnologia da informação e desenvolvimento local. RITA DE CÁSSIA DA SILVEIRA MARCONCINI BITTAR – Possui doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (2014), mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (1993) e graduação em Engenharia Mecânica Enfase Produção pela Universidade Federal de Itajubá (1987). Atualmente é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Planejamento, Projeto e Controle de Sistemas de Produção, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão da Empresa Estendida, Gestão por Processos de Negócios, Extended Enterprise Management, Engenharia de Produção e orientação de alunos em estágio supervisionado. RONALDO SANTANA SANTOS – Doutorando em Engenharia Mecânica pela Unicamp – Universidade Estadual de Campinas, mestre em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e graduado em administração de empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Possui diversos cursos de aperfeiçoamento pela Cornell University. Atuou por quinze anos como gestor sênior gestor de equipes multidisciplinares em complexos industriais da Air Products e da Indústria Brasileira de Gases nas áreas de planejamento estratégico e em projetos, comissionamento, operação, manutenção e otimização 382 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade de processos em indústrias químicas, especialmente no setor de gases industriais, especiais e medicinais. SONIA CATARINA LOPES ESTRELA – licenciada em História (1999) pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. No ano 2003 finalizou a pós graduação em Ciências Documentais – Ramo Arquivo e, no ano seguinte, o ramo em Biblioteca e Documentação na mesma Universidade. Em 2008 prestou provas para obtenção do Grau de Mestre em Arquivos, Bibliotecas e Ciência da Informação na Universidade de Évora, com a apresentação da dissertação intitulada “A Gestão da Informação na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda”. Desenvolveu diversas atividades profissionais, nomeadamente no Centro de Informação e Documentação da Associação para o Intercâmbio Teatral Cena Lusófona, em Coimbra, nos anos de 2003 e 2004 e é, desde 2004, docente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda – Universidade de Aveiro. Encontra-se atualmente a finalizar a tese de Doutoramento em “A Gestão da Informação na Tomada de Decisão das PME da Região Centro: um estudo exploratório e de multicasos no âmbito da Ciência da Informação”. SUZANA RIBEIRO LIMA OLIVEIRA – Realizou sua graduação em Geografia na Universidade Federal de Goiás(1998) e graduação em Normal Superior na Faculdade Albert Einstein (2006), Especialização em Metodologia do Ensino de Geografia no Processo Educativo pela Faculdade de Educação São Luiz(2000) e Supervisão Escolar pela Faculdade Albert Einstein (2006), Mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (2012). Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (2014). Tem experiência na área de Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, ensino de Geografia e Gestão Escolar. Wesley Pacheco Calixto – Possui graduação em Física, mestrado em Engenharia Elétrica e de Computação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Concluiu o doutoramento em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com período na Universidade de Coimbra (UC), Portugal. Atualmente é Professor/Pesquisador do Núcleo de Estudos Experimentais e Tecnológico do Instituto Federal de Goiás (NExT/IFG). É docente Permanente nos Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Goiás (EMC/ UFG) & Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Sistemas Eletrônicos e de Automação da Universidade de Brasília (PGEA/UnB), onde orienta discentes de Autores 383 mestrado e doutorado. Tem pesquisas com artigos publicados nas linhas: Inteligência computacional, Modelagem Matemática de Sistemas e Geoprospecção. Atualmente coordena pesquisas financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). YARA FONSECA DE OLIVEIRA E SILVA – Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ/PPED/UEG, 2014) e Pós-doutoranda na Faculdade de Letras da Universidade do Porto-Portugal. Atua como professora titular da Universidade Estadual de Goiás, Campus Aparecida de Goiânia (UEG). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás (FE/UFG, 2005). Especialista em Psicopedagogia (ULBRA/RS, 1998) e em Avaliação Institucional (UEG/GO, 2005). Graduada em Pedagogia (PUC-GO, 1988). Experiência e pesquisadora da área de Educação e pesquisa os temas: políticas públicas, políticas educacionais, economia da inovação, avaliação institucional, inclusão e diversidade. 384 Coletânea Luso-Brasileira v – Gestão da Informação, Cooperação em Redes e Competitividade