Saúde do trabalhador: o alcoolismo como sintoma do sofrimento dos
Policiais Militares de Alagoas 1
Larissa Paes de Omena2
Carlos Frederico de Oliveira Alves3
Resumo
Este artigo discute a relação entre o alcoolismo e o sofrimento do trabalhador,
especificamente o Policial Militar, através de uma ótica social, que focaliza não apenas
o sujeito que sofre, mas os determinantes sociais e institucionais a que ele está
submetido cotidianamente. Para contextualizar a discussão sobre o tema realizou-se um
breve resgate sobre o papel do trabalho na vida do ser humano, enfocando o estresse
enquanto um continum que envolve as dimensões pessoal, social, concreta e
institucional, aparecendo enquanto conseqüência do sofrimento no trabalho. O estresse
no âmbito da Policia Militar é apresentado, focalizando os fatores que contribuem para a
demanda excessiva de agentes estressores no trabalho do policial militar, tais como
urgência de tempo, responsabilidade e expectativas excessivas, falta de apoio, privação
de sono, perspectivas pessimistas, perigo constante de morte, relação hierarquizada
rígida e ergonomia. O alcoolismo, então, é trazido na perspectiva da saúde pública e
focalizado dentro da instituição policial militar enquanto um dos maiores problemas
enfrentados pela instituição, caracterizando-se enquanto sintoma do sofrimento no
trabalho. O que se busca é um redimensionamento do olhar acerca do alcoolismo e do
sofrimento do trabalhador dentro da Policia Militar a partir da mudança do paradigma
clínico para o social, de forma que a instituição se torne um lugar de saúde e
crescimento pessoal.
Palavras-Chaves: Saúde do Trabalhador; Alcoolismo; Policia Militar
1
Artigo apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de
Alagoas para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental.
2
3
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas, Psicóloga da Policia Militar de Alagoas.
Psicólogo, professor da Faculdade Integrada Tiradentes (FITs). Sanitarista. Mestre em Psicologia
Clínica; orientador.
2
Abstract
This article argues the relation between alcoholism and the suffering
of the worker, specifically the Military Policeman, through a social
optics, that the citizen focuses not only that suffers, but
determinative social and institucional the the one that it is
submitted daily. To contextualizar the quarrel on the subject a
briefing was become fullfilled has rescued on the paper of the work in
the life of the human being, focusing it one estresse while continum
that it involves the dimensions personal, social, concrete and
institucional, appearing while consequence of the suffering in the
work. It estresse it in the scope of Military Policia is presented,
focusing the factors that contribute for the extreme demand of agent
estressores in the work of the military policeman, such as time
urgency, extreme responsibility and expectations, lack of support,
pessimistic privation of sleep, perspectives, constant danger of
death, rigid hierarquizada relation and ergonomics. Alcoholism, then,
is brought in the perspective of the health public and focused inside
of the police institution to militate while one of the biggest
problems faced for the institution, characterizing itself while
symptom of the suffering in the work. What if it searchs is a
redimensionamento of the look concerning alcoholism and the suffering
of the worker inside of Military Policia from the change of the
clinical paradigm for the social one, of form that the institution if
becomes a place of health and personal growth.
Key Words: Health of the Worker; Alcoholism; It polices To militate
3
1. Saúde e sofrimento do trabalhador: a questão do Estresse
O trabalho nem sempre ocupou o lugar que tem hoje na vida do ser humano. Na
Grécia antiga, o trabalho era ofício dos escravos, sendo resguardado aos “cidadãos” o
desenvolvimento intelectual. Na Idade Média, com o feudalismo, os servos trabalhavam
nas terras dos reis e senhores feudais, existindo uma parcela da população – homens
livres- que detinham seus próprios meios de produção, se destacando como artesãos e
comerciantes.
Com o desenvolvimento do capitalismo, as bases fundamentais das relações de
trabalho se modificaram, criando o antagonismo entre duas classes distintas: a burguesia
e proletariado. Marx & Engels discorrem sobre o espectro do trabalho, aplicando o
termo “alienação” para designar o sofrimento do homem diante de sua relação com os
meios de produção:
O desenvolvimento da maquinaria e a divisão do trabalho levam o
trabalho dos proletários a perder todo caráter independente e com isso
qualquer atrativo para o operário. Esse se torna um simples acessório
da máquina, do qual só se requer a operação mais simples, mais
monótona, mais fácil de aprender. (MARX& ENGELS, 2002, p.52))
Na atualidade, o trabalho ocupa papel central na teia das relações sociais do ser
humano, já que é no trabalho que o homem moderno passa a maior parte de seu tempo.
Por esse motivo, nos últimos anos, tem se falado muito em qualidade de vida no
trabalho, principalmente na perspectiva de identificar os fatores que estariam
relacionados ao bom desempenho do indivíduo. Essa preocupação deve-se, em grande
parte, ao interesse dos empregadores em diminuir o afastamento de seus empregados e
garantir melhor produtividade.
4
Um dos temas que tem recebido destaque nas discussões referentes à saúde do
trabalhador está relacionado ao conceito de estresse e suas repercussões no homem em
seus diversos aspectos: físico, psíquico e social.
O termo estresse foi usado originalmente no sentido de denominar “um
conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que
exige esforço para a adaptação” (SEYLE apud RODRIGUES & GASPARINI, 1992).
Ou seja, quando o equilíbrio do organismo está ameaçado, ele responde de modo
uniforme e inespecífico, através do que Seyle denominou de Síndrome da Adaptação
Geral.
De acordo com as postulações de Seyle, o processo de estresse é constituído de
três fases: Alerta, Resistência e Exaustão. A reação de alerta, primeira das fases,
consiste nas primeiras respostas do organismo frente a um novo elemento estressor: à
medida que ocorre a quebra do equilíbrio interno o organismo reage, preparando-se para
“a luta ou fuga” (CANNON apud LIPP, 2001). Tal reação é reconhecidamente um
elemento de grande valia no processo de preservação da vida e manutenção das
espécies.
Na fase de resistência, o organismo investe energia no seu reequilíbrio interno.
Neste sentido, Lipp (2001) destaca:
Se essa reserva é suficiente, a pessoa recupera-se e sai do processo do
stress. Se, por outro lado, o estressor exige mais esforços de
adaptação do que é possível para aquele indivíduo, então o organismo
se enfraquece e torna-se mais vulnerável a doenças. (p.23)
Sendo incapaz de restabelecer o equilíbrio, o organismo vivencia a última fase:
exaustão ou esgotamento, onde as reações presentes na primeira fase reaparecem e o
organismo se encontra em colapso, tendo como consequencia o adoecimento.
5
Ampliando a perspectiva de Seyle, diversos autores (BALLONE, 2002;
SAMPAIO, 2004; FRENEDA, 2004) têm apontado o estresse como uma das principais
conseqüências do sofrimento no trabalho.
Cotidianamente, o homem é colocado diante de situações que exigem adaptação.
Segundo Ballone (2002), há uma ampla área da vida moderna onde se misturam os
estressores do trabalho e da vida cotidiana. A pessoa, além das habituais
responsabilidades ocupacionais, da alta competitividade exigida pelas empresas, das
necessidades de aprendizado constante, tem que lidar com os estressores normais da
vida em sociedade, tais como a segurança social, a manutenção da família, as exigências
culturais etc.
O desgaste emocional a que pessoas são submetidas nas relações com o trabalho
é fator muito significativo na determinação de transtornos relacionados ao estresse,
como é o caso das depressões, ansiedade patológica, pânico, fobias, doenças
psicossomáticas, alcoolismo etc. Em suma, submetido a exposição constante a agentes
estressores relacionados ao seu fazer profissional, o sujeito apresenta maior
vulnerabilidade, de modo a comprometer sua resposta à demanda do trabalho, podendo
vir a desenvolver respostas patológicas, geralmente identificadas como irritabilidade,
nervosismo, humor deprimido, dentre outros.4
Segundo Grandjean (1998), estresse ocupacional pode ser definido como sendo
o estado emocional causado por uma discrepância entre o grau de exigência do trabalho
4
Segundo a literatura (LIPP, 2001; COVOLAN, 2001; MELLO FILHO, 1992;
HIRIGOYEN (2002); RODRIGUES & GASPARINI, 1992), o estresse pode contribuir para a
etiologia e ontogênese de diversas doenças psicofisiológicas, como fator contribuinte ou
desencadeador. Entre elas, ressaltam-se: úlceras digestivas, crises hemorroidárias, alterações da
pressão arterial, alterações nas paredes dos vasos sangüíneos, diversas afecções dermatológicas,
manifestações alérgicas, artrites reumáticas e reumatóides, perturbações sexuais,
comprometimento do sistema imunológico, além de alterações no humor, apatia, irritabilidade,
quadros depressivos, ansiosos e psicóticos diversos. (ALVES,2005)
6
e os recursos disponíveis para gerenciá-lo. O autor enfatiza o componente subjetivo do
estresse, relacionado à compreensão individual da incapacidade de gerenciar as
exigências do trabalho por parte do trabalhador. Entretanto, é importante destacar que o
estresse apresenta uma importante dimensão concreta e institucional, que não deve ser
negligenciada nas discussões acerca do sofrimento no trabalho, para que não se caia no
erro de culpabilizar o sujeito que sofre enquanto único responsável por sua situação de
sofrimento.
Geralmente, o estresse do trabalho pode surgir de uma carga excessiva de
cobrança do empregador ou do próprio empregado, pela ausência de políticas de
relaxamento e prevenção, bem como por jornadas excessivas e pela necessidade de
cumprimento de metas exíguas e rígidas, inexistência de clareza ou até mesmo a
inexistência de políticas de estímulos e evolução de cargos e salários na instituição
(FRENEDA, 2004).
De acordo com Iida (2002), as causas do estresse são muito variadas e possuem
efeito cumulativo. As exigências físicas e mentais exageradas provocam estresse, mas
este pode incidir mais fortemente naqueles trabalhadores já afetados por outros fatores,
como conflitos com a chefia ou até mesmo problemas de ordem particular, como
questões familiares, por exemplo.
A sobrecarga de agentes estressores, enquanto um estado no qual as exigências
do ambiente excedem nossa capacidade de adaptação, também pode ser considerada um
fator importante para eclosão do estresse patológico no trabalho.
Ballone (2002) aponta ainda uma importante questão relativa ao estresse
ocupacional, diz respeito ao o tipo de tarefa desempenhada pelo trabalhador nas
instituições. Segundo o autor, as atividades destituídas de significação, repetitivas ou
desinteressantes podem produzir estresse, uma vez que não exigem do indivíduo
7
criatividade, superação e autonomia, corroborando as discussões trazidas por Dejours
(1992).
Um dos agravantes do estresse ocupacional é a limitação que a sociedade
submete as pessoas quanto às manifestações de suas angústias, frustrações e emoções.
Por causa das normas e regras sociais as pessoas podem sentir-se obrigadas a aparentar
um comportamento emocional incongruente com seus reais sentimentos, amplificando
sua situação de conflito e sofrimento.
2. O Estresse no âmbito da Policia Militar
A problemática referente ao estresse ocupacional deve ser amplamente
considerada no âmbito da Policia Militar, uma vez que esses profissionais por ocuparem
um papel de agentes de segurança pública, se vêem constantemente expostos a
diferentes agentes estressores em seus mais variados níveis.
Segundo Sampaio (2004), um recente estudo realizado pela ISMA (International
Stress Management Association) aponta os profissionais de segurança pública - onde se
enquadram os policiais militares - como o grupo mais afetado pelo estresse ocupacional.
Além disso, comprovou que 70% dos brasileiros sofrem de estresse no trabalho. O mais
grave é que 30% dos pesquisados mostraram sintomas da síndrome de Burnout5 que
significa um estado de exaustão total, à beira de uma depressão.
5
O termo burnout, aplicado neste sentido, passou a ter destaque a partir da década de 70, ao ser utilizado
pelo psicanalista Freudenberger para descrever um indivíduo como estando frustrado ou com fadiga
desencadeada pelo investimento em determinada causa, modo de vida ou relacionamento que não
correspondeu às suas expectativas. Traduzido do inglês, burnout significa algo como ‘queimar para fora’,
‘perder o fogo’ ou ainda ‘perder energia’. A literatura descreve a Síndrome de Burnout, referindo-se a
uma condição de mal-estar psicológico e indisposição que decorre de uma situação de trabalho,
vivenciada como estressante e permanente. (ALVES, 2005 )
8
Dejours apud Benedicto el all (2007) discute a existência de quatro fatores que
contribuem para a demanda excessiva de agentes estressores no trabalho, a saber:
urgência de tempo; responsabilidade excessiva; falta de apoio; expectativas excessivas
de nós mesmos e daqueles que nos cercam.
No caso dos policiais militares, a urgência de tempo é prerrogativa da ação
profissional, posto que a situação de crise e intervenção da policia ostensiva6 exige uma
ação rápida. O tempo é determinante do sucesso das ações e da capacidade de prever,
impedir e resolver situações de crise.
No que se refere à responsabilidade excessiva, vale considerar o objetivo da
Policial Militar, qual seja o de garantir a ordem pública através de atos de prevenção e
repressão. Assim, os agentes de segurança carregam a responsabilidade de garantir uma
“situação de convivência pacifica e harmoniosa da população, fundada nos princípios
éticos vigentes na sociedade” (ALAGOAS, 1992), mesmo quando diversos fatores
colaboram em sentido contrário.
O profissional de segurança pública, mais especificamente, o policial militar,
carrega implícito em seu papel a responsabilidade de promover o bem-estar da
população, mantendo a calma, controle e coerência em suas ações. Tais fatos levam-no
a defrontar-se o tempo todo com a polaridade: expectativas versus limitação, além de
favorecer um intenso gasto de energia, na busca pela manutenção de estereótipos e
representações, reforçando a imagem de força e imunidade. Tais representações em
muito contradizem suas experiências corriqueiras de impotência, não-saber e
fragilidade.
6
Policia Ostensiva: é o ramo da policia administrativa que tem atribuição à prática de atos de prevenção e
repressão destinadas à preservação da ordem pública.
9
A falta de apoio é uma outra realidade vivenciada pelos policiais. Dentre tantas
outras coisas, pode-se claramente destacar a dualidade vivenciada pelos policiais frente
àquilo que lhes seria mais básico e primordial, a saber a manutenção de sua própria
segurança. Em muitos Estados, como em Alagoas, o Centro de Assistência Social
(CAS) e o Centro Hospitalar da Policia Militar (CHPM) são tentativas de garantir apoio
aos policiais por meio do acesso a serviços de saúde e sociais. Entretanto, dentro dos
batalhões e unidades policiais o apoio nem sempre se efetiva, e as relações hierárquicas,
muitas vezes, contribuem para isso.
Além desses fatores, a dinâmica de trabalho do Policial Militar possui
características bastante peculiares, relacionadas às questões como: privação de sono,
perspectivas pessimistas, perigo constante de morte, relação hierarquizada rígida,
ergonomia, dentre outros.
Os indivíduos que trabalham em regime de escala/plantão ou têm trabalho
noturno, como é o caso dos policiais, geralmente possuem um sono de má qualidade em
decorrência do conflito entre ações matinais e noturnas, excesso de ruído diurno, além
da própria alteração do ritmo circadiano. Essa má qualidade do sono acaba provocando
aumento da sonolência no período de trabalho, muitas vezes responsável por acidentes,
desinteresse, ansiedade, irritabilidade, perda da eficiência e aumento do estresse. As
alterações do sono também podem vir associadas a sintomas depressivos que indicam
uma alteração do humor, muitas vezes decorrentes da própria atividade laboral.
A esperança, perspectiva ou expectativa otimista é uma das motivações que mais
aliviam as tensões do cotidiano. Dentro no trabalho, a perspectiva de ascensão e
promoção profissionais é responsável por parte da motivação do indivíduo. Por outro
lado, na presença de perspectivas pessimistas a pessoa poderá ficar a mercê dos efeitos
ansiosos do cotidiano, sem esperanças de recompensas agradáveis. Há ambientes de
10
trabalho onde o futuro se mostra continuamente sombrio, sem perspectivas de
crescimento ou melhoria.
Dentro da Policial Militar, a ascensão na carreira é feita através das promoções.
De acordo com o Estatuto da Policia Militar de Alagoas em seu Art. 76º:
o acesso na hierarquia policial militar é seletivo, gradual, sucessivo e
será feito mediante promoção, de conformidade com o disposto na
legislação e Regulamento de Promoções de Oficiais e Praças, de
modo a obter-se um fluxo regular e equilibrado. (ALAGOAS,2002)
Assim, os policiais ascendem gradualmente, galgando posto a posto, após
cumprirem o tempo necessário no posto ou graduação em que se encontra no momento.
Entretanto, no círculo hierárquico de praças7 a ascensão é lenta, e a maioria dos policiais
que entram na corporação como soldado nunca chegará ao círculo dos oficiais 8.
A hierarquia9 é uma das bases institucionais da policial militar e é definida
como “ordenação da autoridade nos diferentes níveis, dentro da estrutura policial
militar” (ALAGOAS, 1992). É um mecanismo legal que ordena as diferentes funções e
relação entre os postos e graduações. Segundo o mesmo documento, a subordinação não
afeta a dignidade pessoal e o decoro do policial, devendo o superior tratar seu
subordinado com dignidade e urbanidade.
Na prática, uma relação hierarquizada rígida, muitas vezes, se estabelece,
distanciando os elementos da corporação e produzindo uma relação autoritária e
perversa, geradora de grande sofrimento psíquico.
7
Compreende: soldado, cabo, sargento e subtenente.
Compreende: aspirante a oficial, tenente, Capitão, Major, Tenente Coronel e Coronel.
9
A hierarquia e a disciplina são as bases organizacionais da Policia Militar. Hierarquia é a ordenação da
autoridade nos diferentes níveis, dentro da estrutura policial militar. Disciplina é a rigorosa observância e
acatamento integral das leis, regulamentos, normas e dispositivos que fundamentam a Organização
policial militar. (ALAGOAS,1992)
8
11
Com relação à ergonomia, o conforto humano em seu trabalho deve ser
sempre considerado. Atividades que exigem posições anti-fisiológicas, repetição de
exercícios danosos, e permanência exagerada em atitudes cansativas fazem parte das
exigências posturais a que são submetidas as pessoas durante o trabalho.
Dentro da Policia Militar, posturas determinadas pelo Manual de Ordem
Unida, como a posição de descansar (pés posicionados na altura do ombro, a mão
esquerda segura o braço direito pelo pulso, a mão direita fechada colocada às costas,
pouco abaixo da cintura, indivíduo imóvel) e a marcha ordinária, são exemplos de
posturas anti-fisiológicas que causam dores e lesões nos braços, ombros, pernas, pés e
joelhos. Em pesquisa realizada durante o Estágio de Adaptação de Oficiais
(ALAGOAS, 2007), a queixa de dores nos ombros, braços, mãos, pernas, pés e joelhos
foi constante, principalmente nos praças.
Outra característica peculiar da atividade policial militar é o constante risco
de morte. Este profissional está exposto às situações de risco iminente, despertando
sentimentos de ansiedade e medo. De acordo com Kovacs (1992) o medo é a resposta
psicológica mais comum diante da morte e desempenha papel vital na auto-preservação,
entretanto, pode suscitar reações ansiosas e favorecer um estado geral de ansiedade
patológica.
Diante de todas estas questões abordadas, percebe-se a necessidade, por parte
do sujeito, em buscar alternativas para se conviver com situações cotidianas que, muitas
vezes, vão de encontro às suas reais possibilidades de enfrentamento. Muitas dessas
alternativas terminam por apresentar um caráter patológico, devido, não apenas, ao
modo como se desenvolvem, mas, sobretudo, relacionadas aos efeitos negativos que
desencadeiam no processo vital do trabalhador.
12
Dentre as diversas situações que se apresentam no cotidiano dos policiais
militares, pretende-se destacar o alcoolismo, enquanto sintoma e sinalização de
sofrimento, posto que se tornou uma realidade preocupante no âmbito da instituição
policial, principalmente pelo risco a que se encontram expostos o policial, seus pares,
subordinados e a própria população.
3. Alcoolismo: uma questão de saúde do trabalhador
O interesse dos seres humanos pelas substâncias psicoativas parece ser tão
antigo quanto á própria existência do planeta. O álcool talvez seja a droga mais antiga
utilizada pela espécie humana, havendo vestígios de sua existência desde períodos
paleolíticos (WESTERMEYER, 1991 apud BALTIERI, 2004).
Foi somente a partir do século XVIII que o conceito de beber excessivamente
teve descrição clínica na literatura, começando a relacionar o consumo excessivo do
álcool com o conceito de doença. (BALTIERI, 2004)
Assim, a questão do uso, abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas passou a
ser abordada por uma ótica predominantemente psiquiátrica ou médica. Entretanto, as
implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas são evidentes, e devem ser
consideradas numa compreensão global e completa do problema. (BRASIL, 2004)
Em todo o mundo, são evidentes os agravos decorrentes do uso indevido de
substâncias psicoativas: acidentes de trabalho, de trânsito, destruição e violência na
família, abusos físico e sexual, ineficiência e perdas nos negócios, dentro outros. O
estigma, a exclusão, o preconceito, a discriminação e a desabilitação são ao mesmo
tempo agravantes e conseqüências do uso indevido de álcool e drogas, colaborando
morbidamente para a situação de comprometimento global que acomete tais pessoas.
(BRASIL, 2004)
13
Compreendendo a drogadicção como questão de saúde pública, o Ministério da
Saúde definiu uma polícia nacional para a atenção integral a usuários de álcool e outras
drogas tendo em vista a estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência
centrada na atenção comunitária associada à rede de serviços de saúde e sociais, com
ênfase na reabilitação e reinserção social dos seus usuários.
Dentro da Policia Militar, a problemática do uso abusivo do álcool não é recente,
e tem sido estudada por profissionais em diversos Estados, no intuito de propor
alternativas de tratamento e prevenção dentro de corporação.
Na Policia Militar de Alagoas (PMAL), o uso abusivo do álcool é comprovado
empiricamente através do absenteísmo e interferência direta na realização da atividade
profissional. Além disso, uma pesquisa realizada nas diversas unidades da Policial
Militar de Alagoas indica que 75% dos oficiais da PMAL fazem uso de bebida
alcoólica, ficando esta porcentagem em torno de 57% nos praças (ALAGOAS, 2002).10
Por sua relevância, o tratamento do alcoolismo está previsto no Plano Estadual
de Segurança Publica de Alagoas (ALAGOS, 2003) que define como um dos seus
objetivos específicos a prevenção de “comportamentos inadequados provenientes do
stress característico dos profissionais da área de segurança pública: prevenir o
alcoolismo e tratá-lo como doença.”
Outra iniciativa dentro da corporação, voltada para a prevenção do uso do álcool e
outras drogas, é o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência –
PROERD - mantido pela Polícia Militar no Brasil, com representatividade em vários
Estados.
Apesar de importantes, essas iniciativas têm se mostrado insuficientes para
resolver a problemática do uso abusivo do álcool dentro da Policia Militar. Fazendo-se
10
Apesar da pesquisa não especificar a modalidade de uso (uso normal, uso abusivo ou dependência), é
um importante indicador do potencial da problemática, se considerarmos que o alcoolismo geralmente se
desenvolve de maneira gradual e contínua.
14
necessária a ampliação da discussão acerca dos diversos fatores envolvidos em sua
determinação, dentre os quais encontram-se as características institucionais que estão
gerando o sofrimento psíquico encoberto atrás do uso do álcool.
Abordar o alcoolismo como um sintoma de sofrimento psíquico no trabalho,
buscando alternativas na área de as saúde do trabalhador é uma nova perspectiva que se
impõe àqueles que se propõe a tratar e/ou prevenir o alcoolismo dentro da instituição
policial.
4. Alcoolismo como sintoma: um redimensionamento do olhar psicológico
Considerar o alcoolismo como sintoma exige a mudança de um discurso
centrado no sujeito para focalizar a instituição da qual ele faz parte. É, portanto, uma
mudança do paradigma clínico, para o paradigma institucional. Nas palavras de
Bleger(1984):
a) o psicólogo como profissional deve passar da atividade
psicoterápica (doente e cura) à da psico-higiene (população sadia e
promoção de saúde); b) para isso, impõe-se uma passagem dos
enfoques individuais aos sociais. (p.31)
Bleger (1984) discorreu com propriedade acerca da importância da inserção da
psicologia dentro das instituições, a partir de um novo paradigma. Para o autor, o
objetivo do psicólogo no campo institucional é “conseguir a melhor organização e as
condições que tendem a promover saúde e bem-estar dos integrantes da instituição”
(p.43).
Ao falar em melhor organização e condições, Bleger situa no âmbito
institucional a possibilidade de promover a saúde do trabalhador, neste momento,
desloca a atenção do sujeito para a instituição, enquanto promotora do binômio
saúde/doença. Segundo ele:
15
Toda instituição é o meio pelo qual os seres humanos podem se
enriquecer ou se empobrecer e se esvaziar como seres humanos;
o que comumente se chama de adaptação é submissão à
alienação e a submissão à estereotipia institucional.
(BLEGER,1984, p.57)
À medida que os trabalhadores se alienam e se empobrecem dentro da
instituição, alternativas defensivas são utilizadas para minimizar esse sofrimento.
Quando possuidores de estrutura emocional consistente, os trabalhadores podem
recorrer a estratégias criativas, e encontrar fora do trabalho prazer e satisfação que
anulem as conseqüências negativas da vivencia institucional. Do contrário,
comportamentos patológicos, adoecimento e sofrimento psíquico será a resposta do
organismo ao sofrimento imposto.
Ao estudar uma instituição e o padrão de adoecimento de seus trabalhadores
podemos identificar que respostas adaptativas estão sendo utilizadas por aquele
determinado grupo social e relacionar aos fatores institucionais desencadeantes.
Dentro da Policia Militar de Alagoas, nos meses de maio a julho de 2007,
28,40% dos atendimentos registrados no Centro de Assistência Social (CAS) foram
devido a problema com alcoolismo 11. Se considerarmos que, segundo estimativas
oriundas de depoimentos dos diversos envolvidos na atenção a essa problemática na
PMAL, para cada policial em tratamento existe uma demanda reprimida que ainda não
procurou ajuda espontaneamente ou não foi encaminhada por seus comandantes, então,
chegaremos um número muito maior.
Outros estudos realizados dentro da Policia Militar (ALAGOAS, 2002;
ALAGOAS, 2007) indicam que o alcoolismo precisa ser considerado como um
problema institucional.
11
Informação obtida através dos prontuários do serviço em 06 de agosto de 2007.
16
Atualmente, as estratégias utilizadas para o tratamento do alcoolismo no âmbito
da corporação mantêm o enfoque individual, oferecendo serviços para tratar o sintoma e
garantir a volta do policial ao trabalho o mais breve possível.
Apesar de importantes, as intervenções no campo da saúde destinadas aos
policiais alcoolistas devem ser associadas a ações institucionais que visem promover a
saúde dos trabalhadores, a partir da revisão de padrões e paradigmas, com forte ênfase
na prevenção e desenvolvimento de estratégias saudáveis de enfretamento de crises.
Considerações Finais
Diante da gama de questões apontadas, até então, se estabelecem alguns
desafios. O primeiro, é considerar a multifatorialidade da problemática do alcoolismo
enquanto sintoma do sofrimento do trabalhador, intervindo nos agentes estressores e
determinantes do adoecimento.
Outro desafio, é a implementação de ações preventivas, através de um processo
de planejamento e implantação de estratégias institucionais voltadas para a redução dos
fatores de vulnerabilidade e risco específicos, e fortalecimento dos fatores de proteção12,
numa perspectiva de promoção de qualidade de vida.
O mais importante, entretanto, é transformar a instituição em um lugar de
crescimento, segundo a perspectiva de Bleger. Para isso, a instituição deve estar
disposta a repensar sua forma de funcionamento, as relações de poder, suas regras,
normas, tradições e as relações interpessoais estabelecidas. O desafio está em mudarmos
os paradigmas, sem transformar hierarquia e disciplina em sofrimento.
12
Os fatores de risco para o uso de álcool e outras drogas são as características ou atributos de um
indivíduo, grupo ou ambiente de convívio social, que contribuem para aumentar a probabilidade de
ocorrência deste uso. Os fatores de proteção são os que diminuem as chances de uso. (BRASIL, 2004)
17
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LARISSA PAES DE OMENA
SAÚDE DO TRABALHADOR: O ALCOOLISMO COMO SINTOMA
DO SOFRIMENTO DOS POLICIAIS MILITARES
MACEIO
2007
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Saúde do Trabalhador Alcoolismo como Sintoma