UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O ESTADO DE DEFESA E O ESTADO DE SÍTIO NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SAMUEL BORGES GOMES Itajaí (SC), 2009 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O ESTADO DE DEFESA E O ESTADO DE SÍTIO NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SAMUEL BORGES GOMES Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Dr. Josemar Sidinei Soares Itajaí (SC), 2009 AGRADECIMENTO Ao Professor Josemar Sidinei Soares por todo apoio e zelo no auxílio à esta Pesquisa. Aos demais professores da UNIVALI, que não saberia nominar, porém que de uma forma ou outra contribuíram com a presente Monografia, seja com uma sugestão bibliográfica ou uma observação. DEDICATÓRIA Aos meus pais Wolni e Heloiza, sem os quais nada disso seria possível. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 30 de outubro de 2009. Samuel Borges Gomes Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Samuel Borges Gomes, sob o título O Estado de Defesa e o Estado de Sítio no atual ordenamento jurídico brasileiro, foi submetida em 19 de novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Josemar Sidinei Soares (orientador) e Pollyanna Maria da Silva, e aprovada com a nota dez. Itajaí/SC, 19 de novembro de 2009. Josemar Sidinei Soares Orientador e Presidente da Banca Pollyanna Maria da Silva Examinadora ROL DE CATEGORIAS Estado de Calamidade Pública: ”estado de calamidade pública: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes.”1 Estado de Defesa: “Estado de defesa é a medida decretada pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidadesde grandes proporções na natureza, devendo submeter a sua justificação e o ato respectivo, em vinte e quatro horas, à apreciação do Congresso Nacional que decidirá por maioria absoluta (...) aplicase a locais restritos e determinados (...) tem um executor”2 Estado de Exceção: “uma instituição legal, previamente preparada, que, a fim de assegurar a paz pública, organiza o reforço do poder executivo, atenuando a separação entre a autoridade militar e a autoridade civil, fazendo passar da autoridade civil à autoridade militar uma parte dos poderes de polícia e uma parte do poder repressivo sobre a população civil; este reforço será realizado em caso de perigo iminente resultante de uma guerra estrangeira, uma insurreição armada, por decisões declarando o estado de sítio que serão seguidas, logo que possível, de decisão levantando o estado de sítio”3 Estado de Sítio: “O estado de sítio corresponde a suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais, apresentando maior gravidade do que o estado de defesa e obrigatoriamente o Presidente da República deverá solicitar autorização da maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para decreta-lo.”4 Situação de Emergência: “situação de emergência: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando danos superáveis pela comunidade afetada”5. 1 Art. 3º, IV, do Decreto 5376/05. 2 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p.. 193 3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 5. Ed.. São Paulo: RT, 1989, p. 633. 4 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 647. 5 Art. 3º, III, do Decreto 5376/05. SÚMARIO RESUMO ........................................................................................... 1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 3 CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ESTADO DE EXCEÇÃO ....6 1.1 ESTADO DE DIREITO E HARMONIA SOCIAL .............................................. 6 1.2 A ESTABILIDADE SOCIAL E SUA DEFESA ................................................. 9 1.3 CONCEITO DE ESTADO DE EXCEÇÃO ......................................................13 1.4 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESETADO DE EXCEÇÃO ....................... 18 1.5 PRESSUPOSTOS DA NORMATIZAÇÃO DO DIREITO DE EXCEÇÃO ...... 21 1.5.1 CONCEITUAÇÃO .......................................................................... 22 1.5.2 FINALIDADE ................................................................................22 1.5.3 JUSTIFICATIVA E OPORTUNIDADES .............................................23 1.5.4 PROCEDIMENTOS .........................................................................25 1.6 PRINCÍPIOS DO ESTADO DE EXCEÇÃO .................................................... 26 1.6.1 TEMPORALIDADE ..........................................................................26 1.6.2 NECESSIDADE ..............................................................................28 1.6.3 TERRITORIALIDADE ......................................................................29 1.6.4 FINALISTA.....................................................................................30 CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 31 ESTADO DE DEFESA ...................................................................... 31 2.1 SOBRE OUTRAS MEDIDAS EMERGÊNCIAIS ............................................ 31 2.1.1 INTERVENÇÃO FEDERAL E ESTADUAL ............................................. 32 2.1.2 SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA E ESTADO DE CALAMIDA PÚBLICA... 33 2.2 ESTADO DE DEFESA .......................... .........................................................37 2.2.1 CONCEITO .................................................................................. 36 2.2.2 ARTIGO 136, "CAPUT"................................................................ 37 2.2.3 ARTIGO 136, §1º, ‘CAPUT’ DA CRFB/88 .....................................41 2.2.4 ARTIGO 136, §1º, I, “CAPUT” DA CRFB/88................................. 43 2.2.5 ARTIGO 136, §1º, I, A, DA CRFB/88 ............................................ 44 2.2.6 ARTIGO 136, §1º, I, B, DA CRFB/88 .............................................45 2.2.7 ARTIGO 136, §1º, I, C, DA CRFB/88 .............................................48 2.2.8 ARTIGO 136, §1º, II, DA CRFB/88 ............................................... 49 2.2.9 ARTIGO 136, §2º, DA CRFB/88 ....................................................52 2.2.10 ARTIGO 136, §3º, DA CRFB/88 ..................................................54 2.2.11 ARTIGO 136, §3º, I, DA CRFB/88 .............................................. 54 2.2.12 ARTIGO 136, §3º, II, DA CRFB/88 ..............................................58 2.2.13 ARTIGO 136, §3º, III, DA CRFB/88 ............................................ 59 2.2.14 ARTIGO 136, §3º, IV, DA CRFB/88 ........................................... 61 2.2.15 ARTIGO 136, §4º, DA CRFB/88 ................................................. 61 2.2.16 ARTIGO 136, §5º, DA CRFB/88 ..................................................64 2.2.17 ARTIGO 136, §6º, DA CRFB/88 ..................................................65 2.2.18. ARTIGO 136, §7º, DA CRFB/88 ...................................................... 66 CAPÍTULO 3 .................................................................................... 70 ESTADO DE SÍTIO .......................................................................... 70 3.1 ESTADO DE SÍTIO ..................................................................................70 3.1.1 ART. 137, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ....................... 71 3.1.2 ARTIGO 137, I, DA CRFB/88 ..........................................................73 3.1.3 ARTIGO 137, II, DA CRFB/88 .........................................................74 3.1.4 ARTIGO 137, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CRFB/88 ........................ 74 3.1.5 ARTIGO 138, CAPUT, DA CRFB/88 ............................................... 75 3.1.6 ARTIGO 138, §1º, DA CRFB/88 ......................................................80 3.1.7 ARTIGO 138, §2º, DA CRFB/88 ......................................................81 3.1.8 ARTIGO 138, §3º, DA CRFB/88 ......................................................82 3.1.9 ARTIGO 139, “CAPUT”, DA CRFB/88 ........................................... 84 3.1.10 ARTIGO 139, I, DA CRFB/88 ........................................................85 3.1.11 ARTIGO 139, II, DA CRFB/88........................................................88 3.1.12 ARTIGO 139, III, DA CRFB/88........................................................90 3.1.13 ARTIGO 139, IV, DA CRFB/88........................................................91 3.1.14 ARTIGO 139, V, DA CRFB/88 ........................................................93 3.1.15 ARTIGO 139, VI, DA CRFB/88........................................................95 3.1.16 ARTIGO 139, VI, DA CRFB/88........................................................95 3.1.17 ARTIGO 139, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CRFB/88 ....................... 96 3.2. DISPOSIÇÕES GERAIS ............................................................................... 96 3.2.1 ARTIGO 140 DA CRFB/88 ..........................................................................96 3.2.2 ARTIGO 141, “CAPUT”, DA CRFB/88 .......................................................98 3.2.3 ARTIGO 140, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CRFB/88 ...................................98 3.3 CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS ................................................................ 101 3.3.1 IMPOSSIBILIDADE DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO ........ ....................101 3.3.1 ELEIÇÕES EM ESTADO EXCEPCIONAL ...............................................102 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 104 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................ 106 ANEXOS......................................................................................... 109 RESUMO Trata-se a presente pesquisa da análise de dois institutos de exceção contidos no ordenamento jurídico brasileiro, qual sejam, o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Para compreender os institutos de exceção é feita em um primeiro momento uma abordagem sobre o Estado de Direito em paralelo com o Estado de Exceção, sendo aquele primeiro o Estado onde o mesmo ente que dita as leis, se obriga a cumpri-las. Já por Estado de Exceção fala-se em uma situação grava e excepcional que faz com que os ditames e limites impostos ao Estado por ele próprio e pelas leis, necessitem ser quebrados em face de tal ameaça e a fim de restabelece-la. Quando se autoriza a medida, qual o tempo de sua duração, quais direitos podem ser suprimidos, o que justifica tais restrições, é o cerne do presente trabalho, ou seja, abordar como o Estado Brasileiro prevê a solução de crises de natureza excepcional, focadas no paralelo de, embora o mesmo Estado que assegura direitos e se auto-reprime, pode em determinados momentos ter “poderes absolutos”. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação6 foi utilizado o Método Indutivo7, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano8, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente9, da Categoria10, do Conceito Operacional11 e da Pesquisa Bibliográfica12. Ao final verifica-se que embora tratem-se de estados excepcionais, a constituição lhe trouxe medidas e freios, sendo o Estado de Defesa, forma mitigada de Estado de 6 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 101. 7 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OABSC editora, 2007 , p.. 104. 8 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001 , p. 22-26. 9 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, César. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 62. 10 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 31. 11 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 45. 12 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 239. Sítio, um modo de solução de crises que possibilita a restrição limitada de direitos e áreas de abrangência, sendo aquele outro a ultima ratio em sistema de solução de crises, admitindo-se em tese a supressão de todas as garantias constitucionais, nos termos propostos na pesquisa. 3 INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto os institutos do Estado de Defesa e Estado de Sitio dentro do atual ordenamento jurídico pátrio. O objetivo institucional desse trabalho monográfico é a obtenção do Título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Centro de Ciências Sociais e Políticas, campus Itajaí. Já seu objetivo geral é conhecer os institutos do Estado de Defesa e Estado de Sítio, verificar como se dá sua decretação, quando tal medida é cabível, o procedimento formal pelo qual ocorre sua decretação, a possibilidade de restrição de direitos fundamentais no todo ou em parte, utilizando-se a interpretação gramatical da norma quanto do auxílio doutrinário. O presente trabalho se inicia com considerações gerais sobre o Estado de Exceção, traçando-se um paralelo breve com o Estado de Direito, conceitos, princípios, conseqüências jurídicas e aporte doutrinário. No Capítulo 2, passa-se a análise dos institutos de exceção no ordenamento brasileiro vigente, com explanações gerais sobre a intervenção federal e decretação de estado de calamidade pública ou situação de emergência, visto a confusão que pode gerar com o cerne do trabalho em si. Após dirimir estas dúvidas, no mesmo capitulo analisa-se os dispositivos constitucionais referentes ao Estado de defesa, tanto gramatical quanto doutrinariamente. Já no Capitulo 3 é abordado Estado de Sítio, sendo utilizada a mesma forma de pesquisa do capitulo anterior, bem como as disposições gerais que fazem referência à ambos os institutos estudados, além de complementarmente serem vistas algumas questões incidentais também pertinentes ao tema. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos 4 destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o Estado de Defesa e Estado de Sítio no ordenamento jurídico brasileiro, não só atual, mas porque não, um possível aprofundamento futuro com análise histórica do instituto no país e correlatos no mundo. Para a presente monografia foram levantadas as hipóteses de que o Estado de Defesa e de Sítio poderia, por excepcionalidade que lhe é de caráter, revogar direitos e garantias fundamentais, no todo ou em parte. Cogitouse a hipótese de existir uma “lógica constitucional”, ou seja, determinadas restrições a revogação ou mitigação de direitos quanto a possibilidade de restrição sem limites, face que por ser exceção e tratar-se de casos extremos, ser difícil vislumbrar tais hipóteses por ocasião da criação da norma constitucional. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação13 foi utilizado o Método Indutivo14, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano15, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente16, da Categoria17, do Conceito Operacional18 e da Pesquisa Bibliográfica19. 13 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 101. 14 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OABSC editora, 2007 , p.. 104. 15 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001 , p. 22-26. 16 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, César. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 62. 17 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 31. 18 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 45. 19 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007 , p. 239. 5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ESTADO DE EXCEÇÃO 1.1 ESTADO DE DIREITO E HARMONIA SOCIAL Trata-se o Brasil de um Estado de Direito, ou seja, um Estado no qual os conflitos de interesses são resolvidos por intermédio da lei, sendo esta inclusive uma limitação aos poderes do Estado. Como bem leciona J. J. Gomes Canotilho: O estado de direito é um estado constitucional. Pressupõe a existência de uma constituição normativa estruturante de uma ordem jurídica normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos. A constituição confere à ordem estadual e aos actos do poder público medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a teoria tradicional do estado de direito – uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo-estatal. Tratase de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da constituição – e é nessa supremacia normativa da lei constitucional que o ‘primado do direito’ do estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão (...) A limitação do Estado pelo próprio direito teria de estender-se ao próprio soberano, este estava também submetido ao império da lei (...) O estado de direito cumpria e cumpre bem as exigências que o constitucionalismo salientou relativamente à limitação do poder político. O estado constitucional é, assim, e em primeiro lugar, o Estado com uma Constituição limitador do poder através do império ao direito. As idéias do ‘governo de leis e não de homens’, de ‘Estado submetido ao direito’, de ‘constituição como 20 vinculação jurídica do poder. Assim, é da essência do Estado Brasileiro a estruturação do próprio Estado e do Direito por meio de uma norma jurídica suprema, a Constituição, que do mesmo modo que institui seu modo de funcionamento, limita sua atuação e criando direitos individuais. Nas palavras de Aricê Moacyr Amaral dos Santos o direito “pressupõe um equilíbrio entre a ordem do ‘dever ser’ e a ordem do ser’”21, 20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 94, 98, 245/246. 21 SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O Estado de Emergência. 3 Ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981, p. 32. 6 portanto o objetivo da lei é regular as relações humanas, o dever ser nada mais é do que a conduta que se espera e compele que tenhamos, para que seja possível uma convivência harmônica em sociedade, sob pena de assim não ser entrarmos em conflito com a norma legal, conseqüentemente gerando desordem social.22 Por tal razão inclusive, justifica-se a necessidade da existência das sanções quando não ocorre a sinergia entre a prescrição do ser com o dever ser da norma. Neste caso se prescreve uma punição para assim tentar coibir a prática e reprimir as que ocorreram, servindo ainda de exemplo para o próprio infrator e sociedade, além de tentar reparar o dano causado. Hans Kelsen, em sua doutrina, trabalha a idéia de que Estado de Direito e Estado são palavras redudantes, vez que “Se o Estado é reconhecido como uma ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, essa expressão representa pleonasmo”23. Em que pese isto, para fins de conceituação na presente monografia, trabalharemos a idéia de que o Estado de Direito nada mais é do que um plexo de normas, de competências, de órgãos e funções. Isso equivale dizer, em outras palavras, que o Estado é uma organização jurídica, que nasce, age e existe para fins de direito, por obra do Direito (...) todo Estado é portanto um Estado de Direito na medida em que é 24 estabelecido por dada ordem jurídica Novamente recorrendo a Kelsen, vê-se que a expressão Estado de Direito serve para designar apenas “um tipo especial de Estado, a saber, aquele que satisfaz os requisitos da democracia e da segurança jurídica”25, isto seguindo a lógica de que todo Estado seria de Direito vez que possui como fundamento idéias e princípios, os quais fazem as vezes de normas jurídicas. 22 “o direito comprende-se como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada e, para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece regras e medidas, prescreve formas e procedimentos e cria instituições”. - CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005 , p. 243. 23 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5 Ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997, p. 417 24 SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O Estado de Emergência. 3 Ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981, . 32 25 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5 Ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997, p. 417. 7 O Estado de Direito, espécie de Estado, conforme supracitado, assim o é, pois os requisitos da democracia e segurança jurídica satisfeitos são da ordem de que a matéria legislativa por ele emitida “limita o poder do Estado, dando-lhe organização acessível à interferência direta da sociedade e, ao mesmo tempo, permitindo que esta e seus componentes individuais dele se defendessem, nos termos da lei.”26 Portanto, a mesma lei que delimita a ação do cidadão é válida para o Estado, o que gera segurança a medida que o mesmo tem seu direito protegido mesmo perante o ente estatal, além de segurança vez que os atos deste para terem validade devem seguir as diretrizes legais, logo há limitações que são do conhecimento público. Dentro deste contexto temos o surgimento do Direito Constitucional e das Constituições, nas palavras de Paulo Bonavides “em resumo, definido como o ordenamento jurídico supremo do Estado (...) consubstancia-se numa idéia fundamental: a limitação da autoridade governamental.”27 Citando novamente Kelsen é “o conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do governo, ao modo aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação”28 Outrossim, o objetivo da Constituição, como impregnado em seu próprio nome é constituir algo, ou seja, a criação de um sistema de ordenamento jurídico racional, coerente e harmônico.29 As divagações supra visam apenas sedimentar um único entendimento basilar: trata-se o Brasil de um Estado de Direito, espécie de Estado, o qual soluciona seus conflitos através da Lei, que regulamenta as ações 26 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed: São Paulo: Saraiva, 2003, p.. 02 27 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20 Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.. 36 28 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5 Ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997, p.. 308 29 “Nesse sentido geral, Constituição é a organização de alguma coisa. Em tal acepção, o termo não pertence apenas ao vocabulário do Direito Público. Assim, conceituado é evidente que o termo se aplica a todo grupo, a toda sociedade, a todo Estado. Designa a natureza peculiar de cada Estado, aquilo que faz este ser o que é (...) em sua acepção geral pode designar a sua organização fundamental (do estado – adendo nosso) (...) organização jurídica fundamental” FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32 Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 332. 8 humanas e estatais, visando um sistema, em tese, prático e harmônico para desenvolvimento e atuação do homem. A mesma Lei que soluciona conflitos limita o poder de atuação Estatal, tendo como base constitutiva de tal poder a norma Jurídica chamada Constituição. 1.2 A ESTABILIDADE SOCIAL E SUA DEFESA Tem o Estado, portanto como uma das suas razões fundamentais de existência a defesa da estabilidade social. De modo sintético poderia-se dizer que trata-se esta da normalidade da conduta humana, a qual se tenta obter pela normatização de condutas, assegurando direitos e prescrevendo deveres, dentro de um contexto de funcionamento lógico, portanto, as prescrições legais são feitas visando-se sua aplicação em um contexto de normalidade da conduta humana ou da vida em sociedade. Um contexto de normalidade da conduta humana é um conceito vago, no entanto deve-se levar em conta que a ‘normalidade de conduta’ é variável de cultura para cultura, vez que o que pode ser considerado como corriqueiro em uma cultura pode ser considerado como ultrajante em outra. De modo breve a Lei existe para ser aplicada no contexto normal de vivência de uma sociedade, mesmo porque o Legislador na hora de criá-la não poderia fazê-lo de outro modo, já que não embarcaria situações nas quais não existissem na prática, o direito é portanto um reflexo dos costumes e cultura de uma sociedade. Por isso que, na ocorrência de situações excepcionais, que fogem a esta idéia de harmonia e normalidade30, não é possível assegurar a eficácia plena de tais normais, vez que foram projetadas para um contexto, não podendo ser aplicadas do modo que deveriam em ocasião diversa. 30 “A normalidade jurídica é a regra, com a observância da ordem constitucional pelos indivíduos que integram uma dada sociedade política. Alguma desconformidade sempre haverá entre a positividade normativa e a realidade políticoeconômica-social. Aluhres, fatores incontáveis e imponderáveis, de toda ordem, podem extremar ainda mais tal convivência. Bem, por isso, a experiência dos constituintes, de todo os povos, sempre verificou a possibilidade das crises atentarem contra a Constituição e, assim, contra o Estado e a ordem jurídica” SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O Estado de Emergência. 3 Ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981, p. 24. 9 Certamente não são todas as ocasiões passíveis de gerar tal situação de anormalidade, haja vista que o próprio ordenamento jurídico sabedor da complexidade humana, possui normas que a principio fogem do contexto normal de harmonia de relações, mas que são previsíveis, como por exemplo, a tipificação de crimes ou normas gerais de reparação civil, já que a intenção da norma é buscar a vida em conjunto pacifica, sendo no entanto inevitável à ocorrência de desavenças. Acima de tudo estas situações excepcionais seriam, portanto, aquelas em que o Estado não consegue garantir a ordem pelos sues meios usuais, ou seja, sua soberania e autoridade estão de tal modo abalados, que não haveria como assegurar o direito pelas vias normais, surgindo o Estado de Exceção. A título de exemplo, cria-se um caso hipotético que ocorreria no Estado Brasileiro. É notório, que por força Constitucional os brasileiros possuem o direito fundamental de ir e vir, assegurado no art. 5°, XV, da CRFB/88. Um cidadão brasileiro tem seu direito violado por um hospital, o qual trancafia o mesmo em seu quarto uma vez que não pagou a conta dos cuidados médicos. O cidadão recorre ao Estado, através do Poder Judiciário por meio de um Habeas Corpus, remédio constitucional para assegurar o direito de ir e vir do cidadão, que avalia a situação e verifica que o direito dele está violado, utiliza seu poder de policia, compelindo o hospital a libera-lo, restaurando o direito violado. Caso o hospital não o faça por acatamento a ordem, o Judiciário poderá usar do Poder de Policia do Estado para fazer valer a eficácia da norma. Têm-se aqui um exemplo de uma situação em que o Estado diz o direito e assegura seu cumprimento, visto que dentro de um contexto 10 normal de vida em comunidade, ou seja, as instituições do Estado estão intactas e o Hospital obedecerá a lei judicial, ou em último caso o Estado usará o Poder de Policia para fazer valer o direito. Agora se lida com outra situação hipotética. O mesmo cidadão está andando na rua quando é interpelado por um militar de um outro país que invadiu e sitiou sua cidade. O militar ordena que o cidadão vá para sua residência e está proibido de sair de lá. Neste caso, o cidadão nem sequer conseguir interpor o remédio jurídico cabível, pois a situação é tal, tão fora do contexto normal que fica inviável a utilização dos meios convencionais de combate a agressão. No entanto, mesmo concebendo que este conseguisse interpor um Habeas Corpus e o Judiciário concede-se a ordem para que este fosse liberto de sua prisão domiciliar, esta seria sem eficácia, pois o Estado invasor não se sujeitaria a ordem brasileira, o poder de policia aqui não vale do modo que deveria valer, o contexto é outro, há uma situação excepcional em que o direito não pode ser garantido pelos meios normais. O Brasil teria, por exemplo, que enviar militares e repelir a agressão estrangeira para que o cidadão pudesse novamente transitar livremente. O contexto excepcional faria com que o Brasil tivesse que agir de modo fora do usual, diferente do que normalmente agiria, pois as normas que valiam para o contexto de normalidade aqui não valem, há Estado de Exceção. Na lição de Celso Ribeiro Bastos: O Estado Democrático de Direito só pode sobreviver sob um regime de normalidade jurídica. Assim, o respeito às regras do jogo lhe é essencial. No entanto, em algumas situações esta normalidade é rompida, pondo em risco todos os valores juridicamente consubstanciados. Para reconduzir a situação aos trilhos constitucionais, o constituinte previu, extraordinariamente, institutos 31 próprios. 31 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 1 Ed. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 683. 11 Portanto, para que o Estado possa garantir a eficácia das normas jurídicas é necessário que o contexto seja o de normalidade e possam solucionar o impasse pelos meios que usualmente possuem, logo, que todas suas instituições e mecanismos estejam em perfeita ordem, caso contrário a própria situação de anormalidade gerará empecilhos que impossibilitarão garantir a eficácia estatal pelas vias ordinárias. Assim, necessário se faz a previsão ou menção a medidas excepcionais nestas situações, pois como já visto o Estado também deve seguir as leis que cria, portanto tais medidas e casos extraordinários devem estar legalmente previstos, sob pena de ofensa grave ao ordenamento jurídico ou mesmo invalidade de tais atos. Sobre a questão da previsão e constitucionalização da matéria do Estado de Exceção, está será analisado mais à frente. Ainda nos dizeres de Pedro Cruz Villalon: Quando a Constituição é subitamente confrontada com uma situação anormal, não prevista, a Constituição pode se encontrar em condição de garantir sua própria eficácia. Surge assim a distinção entre situações de normalidade e situações de exceção, entre as circunstâncias ordinárias e circunstâncias extraordinárias; surge assim, em uma palavra, o 32 conceito de crise aplicada a Constitução. O doutrinador aqui parece referir-se a “quando a Constituição vê-se confrontada” partindo da idéia de que “Constituição significa o ‘corpo’, a ‘estrutura’ de um ser que se convencionou chamar Estado” 33, portanto o que enfrentaria a situação anormal seria o Estado como manifestação do ordenamento constitucional. Assim a Constituição e o próprio Estado são compelidos a defender a sua própria existência, visto que correlatas, sendo a crise aplicada a 32 “Cuando la Constitución es súbitamente confrontada con una situación distinta, no prevista, la Constitución puede encontrarse en condiciones de garantizar sua propria eficacia. Suerge así la distinción entre situaciones de normalidad y situaciones de excepción, entre circunstancias ordinarias e circunstancias extraordinarias; surge así, en una palabra, el concepto de ‘crisis aplicado a la Constitución” - VILLALON, Pedro Cruz. Estados Excepcionales y Suspensión de Garantias. 4 Ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1984, p. 17, Tradução Livre. 33 FRIEDE, Reis. Curso Analítico de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado. 4 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 09. 12 constituição, nada mais do que um tipo grave de crise Estatal, em que corre perigo a própria existência do mesmo ou seus fundamentos basilares. Walter Ceneviva traz um lúcido entendimento sobre o assunto: O Estado Democrático, mesmo fiel aos princípios de liberdade com responsabilidade que o norteiam, pode viver, contudo, momentos em que medidas expecionais, sacrificadoras de alguns dos referidos direitos, devem ser adotadas. Nesses momentos se substituiu a ordem constitucional normal, rotineira, seja por questões entre pessoas ou grupos, seja por fatos da natureza, em calamidades de porte, por outra, específica para a emergência (...) Fatos excepcionais tornam imprescindível a adoção de providências prontas para recomposição do 34 organismo atingido. Portanto “a normalidade constitucional pressupõe a normalidade social” 35, ou em outras palavras a validade convencional das normas jurídicas como um todo depende do contexto normal da sociedade em que é válida, posto que caso isso não ocorra, legitimada estaria a adoção de medidas excepcionais, pois “para enfrentar circunstancias anormais atribuiu-se ao governo poderes anormais”.¹¹ 1.3 CONCEITO DE ESTADO DE EXCEÇÃO Nestas situações de excepcionalidade e crise da eficácia jurídica, vê-se a necessidade de mecanismos para a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, diga-se de passagem o nome do Titulo V da Carta Magna do Estado Brasileiro que disciplina tais institutos pátrios, os quais pode-se dizer que tratam de Estado Excepcional. A problemática em conceituar o que seria Estado de Exceção já se inicia na escolha da nomenclatura, posto que, pelo estudo realizado, verifica-se a existência de uma diversidade de termos para a mesma 34 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003 , p. 318. 35 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32 Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 332. 13 designação, não sendo a escolha na presente monografia da nomenclatura Estado de Exceção, em detrimento dos demais mero acaso, mas sim escolha fundamentada pelo dúbio sentido semântico presente. Têm-se, que o termo Estado de Exceção, contém em si dois significados: 1) A condição, qualidade de excepcionalidade a qual todos se vêem submetidos em uma situação de crise, ou anormalidade grave; 2) A mudança das características do Estado, tido como ente político, o qual em situações de crise, ou anormalidade grave, vê-se com poderes excepcionais, inclusive mitigando direitos que em situações normais tem como função proteger. Ademais, em que pese a nomenclatura utilizada o importante é o significado desta, conforme já prescreve J. J. Canotilho: Várias outras expressões são utilizadas para aludir a este mesmo problema: ‘defesa da constituição’, ‘suspensão das garantias constitucionais’, ‘defesa da segurança e ordem pública’, ‘estado de excepção constitucional’, ‘proteção extraordinária do Estado’. Qualquer que seja o enunciado lingüístico e qualquer que seja a précompreensão dos autores relativa ao ‘direito de excepção’, o leque de questões subjacentes à constitucionalização do regime de necessidades do Estado reconduz-se fundamentalmente ao seguinte: previsão e delimitação normativo-constitucional de instituições e medidas necessárias para a defesa da ordem constitucional em caso de situação de anormalidade que, não podendo ser eliminadas ou combatidas pelos meios normais previstos na Constituição, exigem o recurso a meios excepcionais. Trata-se, por conseqüência de submeter as situações de crise e de emergência (guerra, tumultos, calamidades públicas) à própria Constituição, ‘constitucionalizando’ o recurso a meios excepcionais, necessários, adequados e proporcionais, para se 36 obter o ‘restabelecimento da normalidade constitucional Necessária a previsão legal dos “meios de exceção”, onde o Estado requer a utilização de modos de combate a situações anormais, posto que sua existência, fundamento e funcionamento deriva da lei, assim atado está a ela. É o conhecido princípio da legalidade ligado ao Ente Público, enumerado entre o rol taxativo do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88)37, como um dos princípios norteadores da 36 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1085. 37 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. BRASIL. 14 Administração Pública, os quais nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello “é o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei”.38 Portanto, para que o Estado tome alguma medida, seja ‘normal’ ou ‘excepcional’ está deve estar prevista em lei, visto que a Administração Pública só é possível agir em conformidade com os ditames legais. Logo, se há necessidade Estatal de utilização de medidas ‘anormais’ estas devem ter previsão legal, sob pena de assim não o ser confrontar o ordenamento jurídico vigente, sendo questionável sua validade e legitimidade. Novamente ao analisar ao princípio da legalidade tem-se ainda que o Estado não deve contradizer-se, ou seja, criar normas em choque, que se contraponham. Embora exista a possibilidade de isto ocorrer e a própria hermenêutica jurídica trazer solução para o impasse de conflito de normas jurídicas, devemos analisar que muitas das medidas de exceção a serem tomadas, ao menos em nosso País, confrontaria diretamente com normas constitucionais. Assim é preciso que tais normas estejam em consonância com a ordem constitucional vigente ou a necessidade de que tal matéria esteja disposta na Constituição, sendo que aprofundamentos do tema serão abordados em tópicos subseqüentes. Sobre o tema já aborda Reis Friede: Sem a menor sombra de dúvida, a efetiva garantia dos direitos fundamentais exige, sob certa ótica, por parte do Estado, rigorosa limitação do poder (nas relações Estado-individuo) que nem sempre, em todas as condições, pode ser religiosamente honrada, sob pena de comprometer, em último grau, a própria sobrevivência da organização 39 estatal Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6. Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo : Editora Malheiros, 1995, p. 43. 39 FRIEDE, Reis. Curso Analítico de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado. 4 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 203. 15 Ainda na tentativa de buscar uma conceituação para o que seria Estado de Exceção, recorre-se aos ensinamentos de Nagib Slaibi Filho, que elucida que estado de exceção são os: Institutos constitucionais de defesa do Estado e das instituições democráticas, através de garantia da ordem pública pela exarceberação do poder de polícia, restringindo, excepcional e temporariamente, o 40 exercício de algumas garantias constitucionais Aricê Moaycer Amaral dos Santos complementa o conceito nas seguintes palavras “o conjunto ordenado de normas constitucionais, que informadas pelos princípios na necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crise e por finalidade a mantença ou o restabelecimento da ordem constitucional”41. José Afonso da Silva, entende o estado de exceção como: uma instituição legal, previamente preparada, que, a fim de assegurar a paz pública, organiza o reforço do poder executivo, atenuando a separação entre a autoridade militar e a autoridade civil, fazendo passar da autoridade civil à autoridade militar uma parte dos poderes de polícia e uma parte do poder repressivo sobre a população civil; este reforço será realizado em caso de perigo iminente resultante de uma guerra estrangeira, uma insurreição armada, por decisões declarando o estado de sítio que serão seguidas, logo que possível, de decisão levantando o 42 estado de sítio Fernando Carlos Santos da Silva, traz a seguinte explanação sobre o tema: As salvaguardas constitucionais são normas que visam a estabilização e a defesa da Constituição contra processos violentos de mudança ou perturbação da ordem constitucional, bem como a defesa do Estado quando a situação crítica deriva de guerra externa. Nesses casos, a legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que 43 define e rege o estado de exceção (...) 40 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 778. 41 SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O Estado de Emergência. 3 Ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981, p. 32. 42 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 5. Ed.. São Paulo: RT, 1989, p. 633. 43 DA SILVA, Fernando Carlos Santos. Aspectos legais do emprego do exército na garantia da lei e da ordem. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1179. Acessado em 12 de maio de 2009. 16 Importante frisar novamente, que o Brasil é em um estado de direito, no qual o Estado não só impõe as normas aos particulares, mas a si próprio, logo para que válida a utilização de medidas excepcionais no embate a situações de anormalidade, necessária é que tais medidas estejam em consonância com a legislação em vigor, ou seja, é necessário haver a normatização do estado de exceção para que a mesma não seja tomada como ato arbitrário, ditatorial e ilegítimo. Para compreender o que é Estado de Exceção é necessário entender a idéia de anormalidade ou crise, segundo explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho que diz que “a normalidade constitucional pressupõe a normalidade social”44, ou seja, a aplicação das disposições constitucionais só é possível dentro de uma harmonia com a ordem ali pregada, no caso de caos e desordem, impossível o bom cumprimento da constituição na forma plena. Segundo José Carlos Carl Garcia, que traça um paralelo com os ideais de Thomas Hobbes e Rousseau, os cidadãos abrem mãos de certas liberdades em prol do Estado, dentre elas a da utilização da força, transferindo a ele tal titularidade, tornando-se, portanto, defeso utilizarem-se dela para resolver suas lides, devendo, no entanto, o Estado deve proporcionar-nos os meios necessários para que os conflitos sejam resolvidos. Assim, a normatização do estado de exceção não visa dar mais poder ao Estado, posto que ele já é titular do uso da força e do poder de policia, mas sim, apenas autorizar a sua utilização e legitimá-la perante o ordenamento jurídico que cria e protege. Com pertinência ao Estado, como instituição especial, à qual se reserva o monopólio da força, também carece de estatuto de autoproteção. Justamente por deter o monopólio da força, as constituições políticas não necessitam deferir-lhe o poder para autodefender-se, mas, ao contrário, limitam e condicionam o seu exercício. Daí a diferença entre o Estado de necessidade privado e o público. Naquele, abre-se uma exceção à regra de não-executoriedade do esforço; no público, contrariamente, a execução é a regra natural dos 44 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32° Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 332. 17 atos governamentais, estabelecendo-se um procedimento em que convivem normas de executoriedade com técnicas de controle político. A tal aspecto do direito do Estado à sua própria proteção é que corresponde um capítulo importante no direito (...) é o chamado direito constitucional das crises. Sem dúvida que uma matéria polêmica e delicada, mas, ao que parece, essencial no mundo contemporâneo. Assim, o estado de necessidade público se caracteriza por uma ameaça, afetiva e potencial, à instituição estatal. A gravidade da 45 ameaça dá origem à crise Portanto, para que legítimo dentro de um ordenamento jurídico é necessário que o Estado de Exceção seja previsto e seguida tais disposições, caso contrário se teria imposição de força, razão pela qual surge o fenômeno da constitucionalização do estado de exceção. 1.4 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESTADO DE EXCEÇÃO José Joaquim Gomes Canotilho explica tal interessante fenômeno nos Estados Modernos, qual seja, a constitucionalização do Estado de Exceção, pois segundo ele “a constitucionalização do direito de necessidade considera-se a solução mais conforme com a idéia constitucional, porque é preferível ser a Constituição a consagrar e definir os pressupostos do estado de excepção”46 Isto se torna uma evidente necessidade vez que partindo da idéia de superioridade da norma constitucional, adotada no ordenamento jurídico brasileiro, há uma hierarquia de subordinação de normas, na qual nenhuma outra lei inferior (considerando que toda norma extra-constituição é inferior àquela), tem o poder de ir contra a mesma, sob pena de ser considerada inconstitucional e extirpada do meio jurídico. Por tal motivo, com a Constituição no patamar mais elevado é obrigatório que as disposições consistentes no Estado de Exceção devem estar previstas Constitucionalmente, visto ser a única norma que teria o poder e 45 46 GARCIA, José Carlos Cal. Linhas mestras da Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 141. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1086. 18 competência para regulamentar situação em que se importariam restrições a sua eficácia em determinados aspectos, sob pena de ilegalidade e falta de força de tal norma em ir contra os preceitos da carta magna. Canotilho prossegue: a incorporação constitucional de uma disciplina extraordinária para situações de emergência significa que se pretende não apenas uma causa de justificação eventualmente excludente de culpa por factos ou medidas praticadas para defender a ordem constitucional (o que pressupõe não apenas a sua ilicitude constitucional) mas uma causa justificativa, que exclua a idéia de ilicitude dos mesmos factos ou medidas (o que implica, desde logo, o reconhecimento do direito e dever das autoridades constitucionalmente competentes para recorrer a meios expecionais necessários, adequados e proporcionados para afastar perigos graves ou situações de crise que ameaçam a ordem 47 constitucional democrática) Canotilho ainda explica que, em que pese já seja inviável, por si só lei infra-constitucional ir contra preceito magno, sendo de boa prática a disposição feita na constituição, vez que, mesmo que autorizada a norma inferior regulamentar tal matéria, ficaríamos a mercê das possibilidades tirânicas e ditatórias, já que a elaboração de tais normas trata-se de um processo muito mais simples do que a alteração do texto constitucional.48 Partindo-se desta idéia de disposição constitucional quanto aos Estados de Exceção mantém-se válida, portanto, a ordem jurídica vigente, vez que não há que se falar em suspensão da constituição ou exclusão desta em momentos de crise, mas sim em limitações auto-expostas, tornando legal e válido seus efeitos dentro da idéia de ordenamento jurídico eficaz. Assim, “quanto mais um Estado se torna constitucional tanto mais se impõe a regulamentação constitucional do estado de exceção”49, visto 47 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1087. 48 “ter de recorrer-se a princípios de necessidade extra ou supraconstitucionalidade, tornariam susceptíveis de manipulação desta a favor de uma qualquer razão do Estado ou de Segurança e Ordem Pública invocada por chefes ou governos (a idéia clássica de dictador anda precisamente associada a situações de necessidade) sem qualquer arrimo normativoconstitucional. A regulamentação constitucional é já uma limitação: enumeratio ergo limitatio.”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1086. 49 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1086. 19 que “a essência do Estado constitucional é a vinculação dos poderes públicos à Constituição, então não existe qualquer outra fonte de legitimidade que não seja a carta magna do país”.50 Logo, necessária foi a disposição concernente ao Estado de Exceção no ordenamento jurídico brasileiro se fazer presente no texto constitucional, vez ser esta a única norma legítima para tal encargo, o qual, digase de passagem, encontra regulamentação presente em todas as Constituições vigentes em nosso país. Nossa carta magna atual comporta dois institutos ligados a idéia de Estado de Exceção – o estado de defesa (art.136 da CRFB/88) e (art.137 à art. 139 da Carta Magna), sendo que o estudo mais aprofundado de tais institutos será realizado nos próximos capítulos da presente monografia. Na lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: As constituições, com o objetivo maior de defender-se frente a momentos que as põem em perigo em razão de situações expecionais, ou de emergência, admitem, no próprio conteúdo, regulamentação jurídica que poderá ser utilizada temporariamente, não à mercê da vontade dos governantes, mas dentro de parâmetros previamente estabelecidos, o que significa afirmar-se, que mesmo em tais circunstâncias não fica deprezada a legalidade constitucional, embora revestida de características próprias, que só haverão de justificar-se se 51 preenchidas certas condições Nesse diapasão, o Estado não é um ente absoluto que tudo pode, mas possui limitações nos seus poderes de atuação. No entanto, entende que “essas limitações só podem ser respeitadas nos períodos de normalidade, pois, nos momentos de crise, embaraçariam de tal modo a ação do governo que este seria presa fácil para os inimigos da ordem”.52 Além da normatização dos meios de exceção pelo Estado, há ainda outros pressupostos que a doutrina entende necessários a serem 50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1086. 51 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32 Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 225 52 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32 Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 225. 20 seguidos pela norma, para que não incorremos no perigo de uma “ditadura legalizada” ou desvirtuação do instituto mascarando-o com ares de legalidade. 1.5 PRESSUPOSTOS DA NORMATIZAÇÃO DO DIREITO DE EXCEÇÃO Viu-se que o objetivo da normatização do Estado de Exceção é validar os atos excepcionais necessários a restauração da normalidade perante o contexto jurídico vigente, dando-lhe legitimidade e servindo-lhe também de segurança aos cidadãos do Estado, vez que em que pese prescreva medidas excepcionais a atuação do Governo ficara atada a tais prescrições, servindo-lhe como garantia de limite de atuação. José Afonso da Silva revela o conteúdo necessário a norma regulamentadora do estado de exceção: Nela se define o que seja o estado de necessidade pública – conceituação -, para que se defenda o Estado – finalidade -, porque devem existir medidas emergenciais – justificativas -, quando devem ser 53 deflagradas – oportunidade – e como atuam, procedimento. Portanto temos aqui a necessidade da existência de cinco pressupostos na norma: conceituação, finalidade, justificativas, oportunidade e o procedimento. 1.5.1 CONCEITUAÇÃO Conforme já disse José Afonso da Silva o Estado de Exceção surge da necessidade de proteção do Estado e de suas instituições, assim tal medida deve seguir este ínterim. Diz respeito também as medidas a serem tomadas pelo Estado neste âmago. 53 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 5 Ed. São Paulo: RT, 1989, p. 633. 21 Propõem-se a idéia de que ante uma situação que possivelmente enseje a necessidade do Estado de Exceção, para este pressuposto, realiza-se a pergunta de o que preciso fazer? Este pressuposto encontra sua importância vez que o Estado de Exceção não deve abranger ações desnecessárias, logo, deve abrangir apenas as limitações e alterações no uso de força necessárias ao seu bom cumprimento. 1.5.2 FINALIDADE De forma breve, Alexandre de Moraes, explica que, a finalidade no contexto do Estado de Exceção é “a mantença ou o restabelecimento da normalidade constitucional”54 Portanto a finalidade uma do Estado de Exceção é fazer manter a normalidade constitucional e Estatal perante uma situação que lhe ameace, ou então restabeleça a mesma no caso de a situação excepcional já ter se instalado causando problemas em tais esferas. A pergunta é para que preciso fazer? O pressuposto da finalidade por sua vez encontra sua importância uma vez que esclarece que, cessada a ameaça ou a ordem, não caberá mais o Estado de Exceção, tendo sido cumprido seu objetivo. 1.5.3 JUSTIFICATIVAS E OPORTUNIDADES Estas dizem respeito aos motivos que levam a decretação do Estado de Exceção. 54 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 715. 22 Pode-se facilmente extrair a justificativa ao se analisar a finalidade, vez que, se o Estado de Exceção possui por finalidade manter ou restaurar a ordem constitucional, a justificativa para sua instalação são a existência dois motivos: ameaça a ordem constitucional; quebra da ordem constitucional. A pergunta é porquê preciso fazer? Entende-se que as Justificativas e Oportunidades, que dizem respeito a quando deve haver Estado de Exceção são correlatas, vez que, se é justificável a decretação da Exceção em face da Ameaça ao Estado, esta portando deve ocorrer na oportunidade da situação que causou esta ameaça. A justificativa e oportunidade seriam então a ameaça e corrupção do ordenamento constitucional e estatal, sendo o quando a ocasião em que ocorrer algo que gere tal instabilidade. Deve-se entender que, poderão ocorrer diversas situações, em que surjam ameaça as instituições estatais, no entanto, entende-se que não deve-se confundir uma ofensa as normas jurídicas como uma ameaça a ordem. A título de exemplo, podemos citar a atividade de grupos de traficantes de narcóticos. Estes ofendem a norma jurídica cometendo ilícitos, no entanto, as instituições do Estado continuam intactas, ou seja, poderá o Estado acionar os meios policiais coercitivos para por fim a esta ofensa. No entanto, o simples ato de criar um mercado paralelo não é uma ameaça ao Estado. Ele existe e suas instituições também e em tese possuem os meios para coibir tais ofensas. Caso diverso seria se o mesmo grupo tomasse o “comando” de uma determinada região, de modo que o Estado não consiga, por seus meios normais, desempenhar as atividades que obrigou-se a fazer, nem garantir aos cidadãos os direitos que deveriam lhe assegurar. 23 No primeiro caso há uma ofensa a ordem jurídica, não só pelo ilícito penal, mas também pelo incômodo que a atividade traz as pessoas que moram na região, no entanto, os institutos do Estado possuem os meios para fazer valer a lei, o porque não o fazem é outra questão. Já no segundo caso a atividade dos grupos debilitou de tal forma aquela região, que o poder Estatal não se faz valer, a força policial não consegue suprir e o próprio Estado não consegue coagir e usar a força que lhe é inerente para fazer valer suas regras. Neste caso, justificada estaria o Estado de Exceção. O perigo de arbitrarismo seria maior face a possibilidade de decretação do Estado de Exceção em razão da manutenção da ordem, visto que, portanto estaria na eminência de ocorrer uma situação grave, o que torna de certa forma discricionário e complicado precisar o quanto estaria certa a previsão de que tal ameaça seria forte o suficiente para debilitar a ordem constitucional. Já no segundo caso, tem-se que, se realmente debilitada e quebrada a ordem constitucional, mais facilmente evidenciável está será, pois até mesmos os próprios mecanismos de restauração da ordem (como a força policial) estarão visivelmente debilitados. Estes pressupostos demonstram que o Estado de Exceção não seria mais justificável caso a situação autorizada do mesmo, o porquê, tenha cessado, findando logo o quando. 1.5.4 PROCEDIMENTOS Os procedimentos dizem respeito ao como. Eles definem juntamente com os demais pressupostos, como será iniciado o estado de exceção (cuidando-se da oportunidade), o porque da sua realização (justificativa), qual o objetivo que têm-se com ele (finalidade), o que se fará para que esse objetivo seja realizado (conceito), para que este cumpra sua função o mais rápido possível. 24 Outrossim dizem respeito ao processo de declaração, qual poder constituído poderá o declarar, qual o executará, as delegações de funções, as medidas tomadas, ou seja, todo o arcabouço procedimental que dirá como o Estado fará a Exceção. Recorrendo novamente a situação hipotética acima mencionada de um grupo de traficantes de narcotráfico que invade uma região “tomando-lhe o controle”, para fins de utilização das perguntas dos pressupostos, temos que: O que fazer? Fazer cessar a situação que criou a corrupção da ordem vigente. Por que fazer? Os traficantes criaram uma situação em que a ordem constitucional viu-se abalada. O direito assegurado por ela e o Estado como conhecemos encontra-se inviável. Para que fazer? Assegurar a eficácia da norma constitucional e logo do próprio Estado. Como fazer? Por meio de decreto presidencial, após aprovação do Congresso Nacional terá inicio. O exercito será o encarregado de fazer cessar a ameaça. Por fim um decreto presidencial, após cessada a ameaça, declararia o fim do estado excepcional. 1.6 PRINCIPIOS DO ESTADO DE EXCEÇÃO Segundo a doutrina, o Estado de Exceção deve ser pautado em determinados princípios, sob pena de sua aplicação arbitrária ser tida como configure golpe de estado ou mesmo uma ditadura55 55 “Fundamentadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, essas medidas têm por objeto as situações de crises e por finalidade a manutenção ou o restabelecimento da normalidade. Sem que se verifique a necessidade, a situação de exceção configurará puro golpe de estado e sem atenção ao princípio da temporariedade, não passará de ditadura”. DA SILVA, Fernando Carlos Santos. Aspectos legais do emprego do exército na garantia da lei e da ordem. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1179. Acessado em 12 de maio de 2009. 25 Dentre os princípios mais importantes podemos destacar a temporalidade, territorialidade, necessidade e finalidade. 1.6.1 TEMPORALIDADE Este princípio se desdobra em duas aplicações, a primeira de que as medidas do Estado de Exceção devem ser “de menor duração possível, pois assim deve ser qualquer ato ou conjunto de atos governamentais que restrinjam o direito e prejudiquem as garantias contra os efeitos da ação do Estado”.56 A segunda aplicação seria de que possuísse “duração máxima determinada. Não convém que o instrumento excepcional seja usado para dominação pública”.57 Ainda sobre a idéia de que o Estado de Exceção e suas medidas são a última alternativa estatal para estancamento da crise, entende-se prudente haver expressa limitação legal ao tempo de sua vigência, porquanto, o tempo do Estado de Exceção deve possuir um tempo de duração máxima, como por exemplo trinta dias. No entanto, tal restrição poderia trazer conseqüências nefastas, vez que poderia ocorrer de a crise não ser superada em no período fixado, neste caso haveria necessidade de uma prorrogação, por igual período. Walter Ceneviva chega ao extremo de afirmar que as medidas do estado de exceção não deveriam ser prorrogáveis, salvo por uma vez. Em que pese melhor entendimento, há de se discordar do nobre doutrinador, vez que poderíamos considerar de boa técnica a imposição de prazo máximo de duração, no entanto vedar a possibilidade de prorrogação engessaria o Estado 56 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed: São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318. 57 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed: São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318. 26 dos meios legais para combater a situação expecional, o que poderia resultar em duas conseqüências alarmantes, ou a destruição do Estado e suas estruturas como a conhecemos em razão da ameaça, ou os agentes estatais receosos lançariam mão de medidas paralegais para impedir a crise, incorrendo em ilegalidade e pondo em cheque o sistema jurídico vigente. Em suas palavras ainda que “constituindo providências relacionados ao estado de exceção e envolvendo direitos fundamentais (...) é de toda vantagem que, embora breves os prazos, sejam determinados para menor duração possível.”58 Entende-se interessante a idéia de limitar a prorrogação do Estado de Exceção, no entanto não só há um número de vezes em especifico, mas também e principalmente até o cessar da causa que o motivou, podendo ainda haver a possibilidade de fiscalização por parte do outro poder que não o Executivo, em praxe o titular do poder de invocação do Estado de Exceção, para minimizar as possibilidades de arbitriedade por este. Leciona Ives Gandra Martins: Por esta razão (...) não pode se prolongar no tempo. Sua duração deve ser curta, tendo o Poder Público, nesse período, a obrigação de reorganizar a sociedade em caso de calamidade, ou o Estado, em caso 59 de grave risco às instituições. Alexandre de Moraes também se reporta a ele ao afirmar que “o chamado sistema constitucional das crises, consiste em um conjunto de normas constitucionais, que são informadas pelo princípios da necessidade e temporalidade”60 Sobre este primeiro, veremos a seguir. 1.6.2 NECESSIDADE 58 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318. 59 MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil . São Paulo: Saraiva, 1997 , p. 34. 60 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p..715.. 27 Como a própria nomenclatura sugere o Estado de Exceção, trata-se de algo excepcional, fora do normal, portanto deve ser informado pelo princípio da necessidade, não sendo invocado desnecessariamente, só se justificando em ultima ratio, como última alternativa para por fim a ameaça ou crise, restaurando a ordem de tal forma que os meios excepcionais já não se fazem mais necessários para enfrentar a crise. Recorrendo novamente aos ensinamentos de Ives Gandra Martins: Constitui verdadeira operação cirúrgica no organismo social. Da mesma forma que um ser humano, quando sofre intervenção cirúrgica, vive um momento atípico em sua existência, com perda de sangue e restrições à sua normalidade biológica, o País, em período de estado de exceção, 61 sofre idênticas restrições no organismo social. Como uma operação só deve ser realizada na hipótese dos tratamentos normais não sofrerem êxitos ou forem surtir resultados, de igual modo, o Estado de Exceção só se justifica na sua necessidade como última alternativa, ante os efeitos danosos a harmonia social e danos que pode provocar. 1.6.3 TERRITORIALIDADE Por este princípio se tem que por tratar-se de ultima ratio, o Estado de Exceção deverá além de durar o mínimo possível (Temporalidade) afetar o mínimo possível de locais e pessoas, devendo limitar-se ao estrito necessário para fiel cumprimento de sua função.62 Conforme ressaltado por Ceneviva, o Brasil trata-se de um país extenso se comparado a outros, como por exemplo alguns países 61 MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil – V 5. V Único. São Paulo: Saraiva, 1997 – p. 34. 62 “quanto ao espaço, I – sobre locais e regiões determinados; II – a experiência histórica em país extenso como o Brasil sugere a desnecessidade de medidas tomadas nacionalmente, a não ser por exceção” - CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed: São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318. 28 Europeus63, assim, atentando-se a este fato entender a possibilidade de uma crise em determinada região no País, que faça urgir a necessidade do Estado Excepcional não necessariamente necessite que a intervenção se alastre em todo território nacional. Exemplo simples para o aludido foi as enchentes que certos municípios no Estado de Santa Catarina vieram a sofrer em Novembro do ano de 2008. Neste caso, verificou-se que apenas municípios de Santa Catarina foram atingidos, e caso verificada a necessidade do Estado de Exceção, deveria-se sob a ótica desse princípio decretar apenas neste Estado, não sendo necessário que tal situação atingisse a outras áreas, como por exemplo, São Paulo ou Rio de Janeiro. 1.6.4 FINALISTA Este princípio rege a idéia de que o Estado de Exceção, por ser última ratio, deve além de necessário ser objetivo, ou seja,” quanto aos fins (...) limitar-se à restauração da normalidade”64. Walter Ceneviva, outrossim destaca que este princípio também informa que, havendo possibilidade, deverão as medidas serem progressivas, ou seja, podere-se-ia até de início utilizar-se medidas mais drásticas, no entanto a medida que a ordem comece a se restabelecer que graduamente se retornasse ao estado de normalidade, não havendo finalidade portanto para as medidas mais drásticas persistirem se não forem mais estritamente necessárias. 63 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a Área Total oficial do Brasil encontrasse no montante de 8.514.876,599 km² (Fonte: IBGE - http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/default_territ_area.shtm, acessado em 28 de Julho de 2008). Já Portugal possui, segundo seu órgão oficial de estatística, uma Área Totalde 4.071 Km² (Fonte: Instituto Nacional de Estatística – INE http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0000352&contexto=pi&selTab=tab0, acessado em 28 de Julho de 2009. Obs: Endereço de site obtido junto aos links de órgãos estatísticos disponíveis no site do IBGE). Logo, dentro do Brasil, caberiam a grosso modo 2.091,5 Portuguais. 64 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3° Ed: São Paulo: Saraiva, 2003 , p. 318 . 29 Passa-se no Capitulo Subseqüente a análise de dois Institutos característicos de Exceção no vigente ordenamento jurídico brasileiro, o estado de defesa e o estado de sítio. 30 CAPÍTULO 1 ESTADO DE DEFESA 2.1 INSTITUTOS ATUAIS DE EXCEÇÃO Sob a ótica do ordenamento jurídico pátrio, têm-se atualmente conforme explicita Alexandre de Moraes, a existência de dois institutos ligados a idéia de Estado de Exceção, em suas próprias palavras: A Constituição prevê a aplicação de duas medidas excepcionais para restauração da ordem em momentos de anormalidade - Estado de Defesa e Estado de Sítio, possibilitando inclusive a suspensão de determinadas garantias constitucionais, em lugar específico e por certo tempo, possibilitando a ampliação do poder repressivo do Estado, 65 justificado pela gravidade da perturbação da ordem pública Portanto, os dois institutos de exceção abarcados pelo sistema constitucional brasileiro são os chamados Estado de Defesa e Estado de Sítio, os quais serão analisados na seqüência do presente Capitulo. 2.1 SOBRE OUTRAS MEDIDAS EMERGENCIAS Entendeu-se por necessário uma breve explanação sobre alguns institutos que a priori possivelmente confundíveis como sendo de Exceção, mas que no entanto, não foram abordados na presente Monografia em face de que, deu-se preferência aos Institutos que possam agredir diretamente aos direitos e garantias fundamentais dispostos na Constituição. Outrossim, os institutos abaixo brevemente narrados, necessitariam de uma pesquisa cientifica 65 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas 2006, p. 715. 31 apenas para si, o que tornaria demasiadamente longa a presente, razão pela qual aborda-se as mesmas apenas brevemente. 2.1.1INTERVENÇÃO FEDERAL E ESTADUAL De acordo com nosso ordenamento constitucional, União, Estados, Municípios e Distrito Federal são independentes entre si de acordo com suas respectivas competências66, merecendo, destaque o princípio da nãointervenção da União nos Estados e destes nos Municípios67, salvo em casos específicos. No lição de Walter Ceneviva Providos de autonomia, os Estados e os Municípios são livres para resolver com independência, nos limites da Constituição, suas próprias questões político-administrativas e para cumprir os encargos conseqüentes da competência legislativa. A autonomia não conflita com as regras constitucionais sobre a intervenção da União nos Estados, ou destes nos Municípios, mas ao contrário, as reforça, nos arts. 34 e art. 35, quando afirma sua expecionalidade a acentua a gravidade dos motivos que a podem determinar. Há sacrifício de uma parte da Federação ou do Estado, em benefício do conjunto de Estados ou de Municípios. A regra, porém, é a 68 da não-intervenção, como se vê da primeira da parte do art. 34 Em que pese se fale em uma situação excepcional, qual seja, de perda da autonomia de um ente federativo em favor de outro, em situações especial, a Intervenção, seja Federal (da União em um Estado) ou Estadual (de um Estado em um Município), não gera nenhum tipo de constrangimento, suspensão ou mitigação de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, razão pela qual deixou-se de abordar-se na presente. 66 “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. – BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 67 “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para (...)” e “Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando (...)” - BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 68 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 165. 32 Assim importante um destaque ao instituto, vez que tem por finalidade manter a integridade Constitucional e Estatal, no tocante que visa proteger a forma Federativa concebida ao Estado Brasileiro por força Constitucional69. 2.1.2 SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA E ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA Entendeu-se por importante abordar também a questão da decretação da Situação de Emergência e do Estado de Calamidade Pública, vez que, verifica-se que este instituto poderia ser confundido como característico de Exceção, e que latu sensu sua decretação poderia causar suspensão temporária de direitos, o que não ocorre de fato. O dispositivo legal que regulamenta a matéria é o Decreto nº 5.376 do ano de 2005, do qual extrai-se o conceito de situação de emergência e estado de calamidade pública Dele, inclusive, extrai-se o conceito de ambos, qual sejam: o Art. 3 Para fins deste Decreto, considera-se: III - situação de emergência: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando danos superáveis pela comunidade afetada; IV - estado de calamidade pública: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes. A confusão pode ser gerado por em vários fatores. Inicialmente podemos dizer que a nomenclatura situação de emergência já por si só pode gerar equívoco, vez que confunde-se com estado de emergência, nomenclatura utilizada em institutos de Estado de Exceção, inclusive já tendo sido 69 Ressalta-se, inclusive que, a Federação trata-se de uma das cláusulas pétreas, conforme Art. 60, §4º, I, da CRFB/88 – “ Art. 60. A Constituição poderá ser emendada (...)§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I - a forma federativa de Estado” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 33 utilizada no Brasil na emenda constitucional 01 de 196970 que alterou a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, acrescentando o instituto, bem como na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 193771. Portanto, não deve-se confundir situação de emergência e estado de emergência, vez que o primeiro como já conceitua a lei, trata-se do “reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando danos superáveis pela comunidade afetada” (Art. 3º, III, do Decreto 5.3776/05, enquanto o segundo trata-se de menção a um instituto de exceção.72 Importante a diferenciação também, pois nem toda situação de emergência gerará um Estado de Exceção, e eventualmente suspensão ou minoração de direitos e garantias. No entanto, frisa-se que, uma das hipóteses de decretação do Estado de Exceção é uma situação de emergência. Deve-se ter claro que uma situação de emergência é algo grave, no entanto nem sempre gerará a suspensão de direitos e garantias próprias do instituto de exceção, ou seja, ela por si só não gera tais efeitos, só o gerará se motivador do estado de exceção e desde que esse seja regularmente decretado. Outra confusão realizada é a tomada duvidosa de medidas, típicas de exceção, por autoridades públicas em casos de comoção devido a calamidades em que foram decretados situação de emergência ou de calamidade pública. 70 Art. 155 - O Presidente da república, para preservar ou, prontamente, restabelecer, em locais determinados e restritos a ordem pública ou a paz social, ameaçadas ou atingidas por calamidades ou graves perturbações que não justifiquem a decretação dos estados de sítio ou de emergência, poderá determinar medidas coercitivas autorizadas nos limites fixados por § 2º do artigo 156, desde que não excedam o prazo de 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado uma vez e por igual período. – Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, após a alteração da Emenda Constitucional 01 – 69 (grifou-se). 71 Art 166 - Em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existências de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderá o Presidente da República declarar em todo o território do Pais, ou na porção do território particularmente ameaçado, o estado de emergência. - Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 (grifou-se). 72 Sobre o assunto também discorre Maria Sylvia Zanella Di Pietro“O estado de calamidade pública está definido pelo Decreto Federal nº 895, de 16-8-93 (que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil), como o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres,causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes” - DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 364. 34 Como exemplo poderia-se citar o ocorrido em nosso Estado, na cidade de Itajaí que em virtude das enchentes de Novembro do ano de 2008, a Policia Militar teria decretado “toque de recolher” no qual nenhuma pessoa poderia se encontrar fora de casa após as 22:00h, sob pena de ter que identificar-se e até mesmo possibilidade de ser detido, conforme noticiado pela imprensa73, Pesquisando acerca da medida, se verificou a publicação da Portaria nº 816 de Novembro de 200874 pelo Coronel Policial Miltar Comandante Geral da Polícia Militar de Santa Catarina Eliésio Rodrigues, a qual “restringiria a veiculação de pessoas”. Da análise de referida Portaria verificar-se que a priorise trata apenas de recomendações e policiamento ostensivo no intuito de prevenir delitos, já que medidas como “toque de recolher” ou proibição de transitar em vias públicas tratam de afronta a garantia constitucional estampada no art. 5º, XV, da CRFB/88 que assim dispões “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. A ressalva de que trata o inciso, ou seja, de que a locomoção só seria livre, ou seja garantida, em tempo de paz, assim o é, pois esta poderia ser tolhida nos casos de exceção, no entanto, para que isso ocorra é necessário um procedimento especifico de decretação, aliás, trazido na própria constituição, que são o Estado de Sítio e Estado de Defesa os quais veremos mais a frente. No entanto, tal decretação não se dá por meio de Portaria, menos ainda do Comandante Geral da Policia Militar, vez que privativa do Presidente da República, conforme art. 136 de nossa carta magna, o que de fato não aconteceu. 73 Como por exemplo as notícias que seguem no ANEXO A. 74 Publicada no Diário Oficial nº 18.497 do dia 26/11/2008. 35 Ressalta-se que de fato tal portaria, em análise sumária, não trataria-se de um toque de recolher, mas de um policiamento mais ostensivo, no entanto pela informação repassada pela mídia, que infelizmente constantemente peca em repassar essa informação jurídica de modo correto ao leigo, deu-se a entender que se estava diante de um “toque de recolher”. Por estes motivos, dentre outros, há a grande confusão de que situação de emergência e estado de calamidade pública, tratam-se situações de Exceção, inclusive com possibilidade de supressão e mitigação de direitos e garantias, o que não é verdade, visto que não trata-se de regime excepcional, suas medidas não abarcam restrições de direito, e seu procedimento é completamente diverso do Estado de Defesa e Estado de Sítio, ocasiões em que legitimas tais exceções. Assim, o decreto 5376/05 trata, portanto de, providências que o Poder Executivo poderá tomar no caso de comoção grave devido as calamidades ou eventos da natureza, sendo que a decretação da situação de emergência ou estado de calamidade pública tratam-se de níveis de gravidade da situação para fins de obtenção de auxílio Federal. Logo, em uma escala de gravidade menor teremos a situação de emergência e numa escala maior o estado de calamidade pública. Em consulta ao website da Secretária Nacional de Defesa Civil, temos as seguintes informações: Para a caracterização da Situação de Emergência ou de Estado de Calamidade Pública, faz-se necessário analisar os fatores preponderantes e os fatores agravantes. Os critérios preponderantes estão relacionados com a intensidade dos danos (humanos, materiais e ambientais) e a ponderação dos prejuízos (sociais e econômicos). Para esta análise, não servem os critérios absolutos, baseados na visão subjetiva da pessoa. Não servem os modelos matemáticos, pois a realidade é extremamente complexa, com inúmeras variáveis relacionadas com o fenômeno e com o cenário e a vulnerabilidade das pessoas e instalações expostas, que interferem no impacto do desastre. Nessa avaliação, buscam-se critérios relativos, que levam em conta o impacto sob a ótica da coletividade. É mais importante que pessoal, além de ser mais precisa, útil e racional. Pois do ponto de vista da pessoa atingida, todo desastre tem a mesma importância, avaliação que não deve ser considerada para classificá-lo. 36 Há que se fazer a análise das necessidade relacionadas com todos os recursos: humanos, materiais, institucionais e financeiros, comparando com a análise das disponibilidades relacionadas com esses mesmos 75 recursos. Importante ressaltar ainda que a legislação acima citada diz respeito a Esfera Federal, no entanto cada Estado poderá regulamentar de forma subsidiária apoio e regulamentações de suas Defesas Civis, citando-se, no que concerne a legislações catarinenses, a Lei Estadual nº 10.925/98 e o Decreto Estadual 3570/98. A nível municipal, em Itajaí, temos a recente publicação da Lei nº 5304 de 29 de Julho de 2009 a qual ainda necessita regulamentação76. De forma sucinta vez que situação de emergência e estado de calamidade pública, não são objeto da presente pesquisa cientifica e demandariam uma pesquisa para si, este dois institutos são classificações de situações de crise para fins de auxílio no âmbito do Poder Executivo, com fundos, pessoal e aparelhagem, para superação de tal situação. Em que pese tratam-se de situações graves, não são graves o suficiente para decretação do estado de defesa ou estado de sítio, institutos legítimos do Estado de Exceção, como já largamente explanado ultima ratio na solução de crises, e dos quais ocupa-se a presente pesquisa a seguir. 2.2 ESTADO DE DEFESA O Estado de Defesa, modalidade de instituto ligado a idéia de Estado Excepcional, é regulamentado no art. 136 de nossa Constituição. 75 DEFESA CIVIL. Situação de Emergência e Estado de Calamidade Pública. <http://www.defesacivil.gov.br/situacao/index.asp>. Acessado em: 03 de Agosto de 2009. 76 2009. Disponível em: Art. 8º O Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta Lei, regulamentará por Decreto o funcionamento do FUNMDEC – Lei Municipal de Itajaí n 5304/09. Como publicada em Julho de 2009, até a data de conclusão da presente monografia, provável que o decreto ainda não tenha sido editado. 37 Alexandre de Moraes de forma breve diz que “o estado de defesa é uma modalidade mais branda de estado de sítio”77, o que corresponde a dizer que tal instituto é uma forma menos rigorosa de tentar restabelecer a ordem atingida. Walter Ceneviva por sua vez discorre que “na seqüência crescente de gravidade o estado de defesa corresponde à quebra mais simples da normalidade”78, trazendo a mesma idéia do doutrinador acima, a qual é compartilhada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho “consiste numa forma mais branda de estado de sítio.”79 O instituto do Estado de Defesa é melhor compreendido quando comparado ao Estado de Sítio, conforme já demonstra Uadi Lammêgo Bulos, que diz “sua noção descritiva é a seguinte:estado de defesa é o conjunto de medidas que objetivam debelar ameaças à ordem pública ou à paz social”80, sendo que “no estado de defesa as medidas de legalidade extraordinária são menos drásticas, comparadas ao estado de sítio”81. Há no ordenamento jurídico brasileiro o conceito de um sistema progressivo, ou seja, de primeiro plano caso a situação exigir lança-se mão do Estado de Defesa, forma mais amena de estado de exceção, para tentativa de recompor a crise, não sendo esta satisfativa ou sendo a crise por deveras extensa, lança-se mão do Estado de Sítio, ultima ratio no sistema constitucional vigente para tentativa de solucionar tais impasses. Pinto Ferreira trás por fim uma conceituação mais normativa ao dizer: “Estado de defesa é a medida decretada pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e 77 Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 750. 78 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 320. 79 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 58. 80 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.1121. 81 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 1121. 38 iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidadesde grandes proporções na natureza, devendo submeter a sua justificação e o ato respectivo, em vinte e quatro horas, à apreciação do Congresso Nacional que decidirá por maioria absoluta (...) aplica-se a locais 82 restritos e determinados (...) tem um executor” Passemos a análise de sua norma jurídica regulamentadora. 2.2.1 COMPETÊNCIA E FORMALIDADES Assim discorre o caput do art. 136 da CRFB/88: Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. Em seu principio, aludida norma já demonstra que a decretação do estado de defesa cabe ao Presidente da República, o que da análise sistemática da Constituição verifica-se que trata-se na realidade de competência privativa, vez que assim dispõe o Art. 84, IX, de nossa Carta Magna.83 Sobre isto já lecionou Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que assim diz “competência. É o presidente da República, apenas, quem pode decretar o estado de defesa.”84, sendo por demasiado claro, cabe apenas ao chefe do poder executivo federal a competência para decretação do estado de defesa. 82 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p.. 193 83 “Art. 84. Compete privativamente ao presidente da República (...) IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 84 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Editora Saraiva, 1994 , p. 59. 39 Prosseguindo a análise do Art. 136, caput, observa-se que devem ser ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, de forma prévia a possível decretação. O Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional encontra-se regulamentados em nossa Constituição nos artigos 89 e 91 respectivamente, trazendo ali sua composição, sendo a função do primeiro “auxiliar ao Presidente da República, cabendo-lhe pronunciar-se sobre (...) estado de defesa e estado de sítio e sobre questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas”85 e do segundo “também orgão consultivo do Presidente da República nos assuntos relativos à soberania nacional e à defesa do Estado democrático”86. Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins “é bem verdade que não pode (o presidente, adendo nosso) decreta-lo (o estado de defesa) sem ter ouvido o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. Aquele, mais voltado à proteção da cidadania e das instituições,e este, mais vocacionado à defesa do Estado e do Governo. Os dois conselhos são, todavia, apenas conselhos consultivos. Opinam, mas não decidem. O Presidente da República não é obrigado a seguir sua orientação. A constituição impões-lhe apenas a oitiva dos dois organismos, mas nunca a 87 obrigação de seguir seus conselhos” Portanto, pensando na possibilidade de decretação do estado de defesa, necessário faz a oitiva de ambos os Conselhos, que como seu nome já diz, visam aconselhar o Presidente, que não fica vinculado a opinião de seus membros, sendo no entanto obrigado a ouvi-los, para ai sim decidir se decreta ou não o estado de defesa. Reiniciando a análise do dispositivo constitucional do art. 136, caput, temos a imposição de que o estado de defesa objetiva preservação ou restabelecimento da ordem pública ou paz social, ameaçadas por grave e 85 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 388. 86 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 388. 87 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 05. 40 iminente crise institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. Por preservação têm-se que a ordem pública ou a paz social ainda existente, no entanto sofre eminência de vir a sofrer alterações, já por restabelecimento têm-se quando aquelas já foram alteradas. No tocante a estas, poderíamos citar a lição de José Cretella Júnior Ordem, vocábulo que (...) contrapõe-se a “desordem”, a “caos”. Ou a ordem impera, permanecendo tranqüila a sociedade, ou a ordem é perturbada, trazendo transtorno à vida do homem, na sociedade. Quando a desordem ultrapassa certos limites, a União intervém para pôr-lhe termo, em casos de grave comprometimento da ordem pública (Art. 34, III) ou da paz social, ou, como dizia o legislador constituinte de 1969, a União intervém para pôr termo à perturbação da ordem ou à ameaça de sua irrupção (...) Agora, em 1988, a ordem pública, ameaçada por grave e iminente instabilidade institucional ou atingida por calamidade de grandes proporções da natureza, é razão constitucionalmente suficiente para que o Presidente da República possa, ouvido o Conselho da República, bem como o Conselho de Defesa Nacional, proceder à decretação do estado de defesa, para 88 preservá-la, ou prontamente restabelece-la (...) As causas ensejadoras de uma ou outra são ali descritas como sendo a ameaça provinda de grave e iminente crise institucional ou a derivada de calamidade de grande proporção da natureza. Por crise institucional têm-se a crise do próprio sistema constitucional, a ameaça ao sistema jurídico vigente, ou a execução por parte do Poder Público das atribuições que lhe cabem. Esta crise tem de ser iminente, ou seja, uma medida que “na diccção do constituinte, tem de ser rápido e pronto”89, logo, que necessite de 88 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários a Constituição de 1988. 6 v. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 3355. 89 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 05. 41 medidas rápidas e urgentes visto que a espera poderia ocasionar sua ocorrência, ou ainda “que haja indícios seguros de que pode ocorrer a qualquer momento”.90 Já quanto a partícula grave, na citação de Manoel Gonçalves Ferreira filho “no caso de ameaça, evidentemente é necessário que a possível perturbação seja avaliada como grave, no sentido de que(...) não possa ser restabelecida pelo recurso aos meios coercitivos normais, com que conta, sempre, o Poder Público”.91 No que toca a ameaça provinda da calamidade de grandes proporções na natureza, visto que determinados eventos naturais poderiam gerar tamanha instabilidade social, que novamente, os meios normais para coibir ou restaurar as conseqüências deste evento não seriam possíveis de faze-lo, razão pela qual autorizada estaria a intervenção mais grave92. Por fim do art. 136, caput, temos ainda a limitação de que o estado de defesa deve ser decretado em lugares restritos e determinados, ou seja, o Presidente da República deverá delimitar a área de abrangência do estado de defesa em seu decreto, sendo que suas medidas só são válidas para dentro da área delimitada. Na tentativa de explicar o motivo de tal restrição constitucional, Bastos e Gandra explicam que “é que a perturbação de ordem pública normalmente se dá em lugares certos e determinados, porque, se ocorresse em todo o País, haveria estado de insurreição, tornando praticamente impossível sua contenção sem queda do governo ou mudança das próprias instituições. Um governo que enfrenta perturbação da ordem em todo o território 93 nacional já não é mais governo” 90 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 59. 91 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 59. 92 “Calamidades de grandes proporções na natureza, justificam também a decretação, visto que inundações, terremotos, maremotos, etc. não poucas vezes exigem esforço suplementar para superar suas conseqüências, tendo, inclusivo o constituinte previsto empréstimo compulsório específico para tais casos” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 07. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 07. 93 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 06. 42 Em que pese não se poder precisar se foi a real intenção da constituinte, o importante é que como já dito, sua decretação é cabível apenas em parte do território nacional, devendo sua área de abrangência ser, portanto, limitada. Interessante ressaltar uma observação feita pelos mesmos doutrinadores sobre a questão da urgência em decretação do Estado de Defesa de que, tendo em vista o caráter de urgência da medida, poder-se-ia admitir que os membros do Conselho da República e de Defesa Nacional fossem ouvidos por telefone e que os atos da decretação do estado de defesa trazendo a possibilidade inclusive de uma edição extraordinária do veículo de comunicação oficial. A justificativa seria que caso a medida ocorra de assalto, esperar que seus efeitos só ocorram a partir da publicação oficial ou então reunir formalmente todos os membros dos dois Conselhos poderia ser “tarde demais”. No entanto ressaltam que tal situação seria exceção da exceção e só quando a urgência da medida se impusesse94. 2.2.2 REQUISITOS Continuando a análise das disposições constitucionais concernentes ao Estado de Defesa temos o parágrafo primeiro, caput, que assim dispõe: §1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: 94 Transcreve-se: “Em casos extremos, entendo que a decretação do estado de defesa para exigir medidas rápidas poderá passar a vigorar a partir de sua decretação e informação à empresa falada, não dependendo, sua eficácia, de publicação do ato no Diário Oficial do dia seguinte. Admita-se, por exemplo, que insurreição ocorra em determinada região, impondo a tomada de posição do Presidente da República, com a decretação do estado de defesa. Caberá ao Presidente decreta-lo, com oitiva até telefônica dos conselheiros de Defesa Nacional e da República, passando à ação de imediato, sem ter de aguardar o dia seguinte ou uma ed extra do Diário Oficial, pois um dia poderá representar, em caso de insurreição ou revolução, tempo considerável.” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 60. 43 Conforme já visto, é necessário que o decreto presidencial instituidor do estado de defesa especifique as áreas a serem abrangidas por tal medida, sendo desnecessária nova explanação sobre o tema. Há necessidade ainda de que tal decreto contenha o prazo de duração estado de defesa. Tal disposição é necessária vez que, tratando-se de medida excepcional deverá perdurar pelo mínimo de tempo necessário ao cumprimento de seu objetivo, restabelecer ou manter, a ordem pública ou paz social, havendo também uma limitação constitucional ao tempo de duração de tal estado excepcional, conforme §2º da CFRB/88 que em suma restringe ao período de trinta dias, sendo possibilitada sua prorrogação por uma vez. O período máximo de duração do estado de defesa é de trinta dias, prorrogáveis por mais trinta, no entanto a necessidade de especificação de duração do mesmo no decreto que o instituir, possibilita a manipulação de tal tempo, vez que o Presidente da República não está obrigado a instituir o mesmo por trinta dias, podendo, se assim achar conveniente, faze-lo por menos tempo. O limite só existe quanto ao máximo, não quanto ao tempo mínimo. O terceiro aspecto a ser analisado é concernente às medidas as medidas coercitivas a serem empregadas na vigência do Estado de Defesa. Nota-se a ressalva nos termos e limites de lei, a qual entende-se que as medidas coercitivas não poderão ser quaisquer, mas sim aquelas que a lei delimitar, trazendo então um rol taxativo de direitos que podem ser atingidos95. Observar-se aqui, portanto a extrema cautela da constituição, vez que além de dizer que haveria os limites legais, também teria os limites de atingir os direitos ali delimitados. 95 “A própria Constituição, que permite a implantação do estado de sítio deverá explicitar as restrições a que está sujeito o poder público. Desse modo, a inobservância de qualquer das limitações que o próprio poder constituinte estabeleceu, relativas a esse estado excepcional de suspensão de garantias constitucionais, tornará ilegal a coação, permitindo ao paciente recurso ao Poder Judiciário” – CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários a Constituição Brasileira de 1988. 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1993, p. 3375. 44 Importante ainda frisar que, por limites legais há de se entender os próprios limites constitucionais, uma vez que conforme já debatido, poderia perfeitamente uma lei ir contra um preceito constitucional, o que lhe tornaria ineficaz96. Talvez daí a preocupação em prescrever os direitos passíveis de serem atingidos, para evitar manipulação política ou ditatorial futura. Do mesmo modo que ocorre com a estipulação do tempo de duração, o Presidente da República não é obrigado a restringir todos os direitos possíveis no Estado de Defesa, sendo a disposição constitucional um máximo, podendo, no entanto faze-lo em menor escala. 2.2.3 DIREITOS PASSÍVEIS DE RESTRIÇÃO Transcreve-se “I – restrições, ao direito de:”. A necessidade de decretação do Estado de Defesa por si só já demonstra a gravidade da situação, o que pressupõe portanto a necessidade de medidas mais graves, inclusive a de restrição de certos direitos fundamentais. O inciso primeiro fala em restrições, “donde se infere que os direitos enunciados nas alíneas deste inciso, não ficam temporariamente suprimidos, mas podem sofrer interferências, justificadas pela situação”.97 Entende-se como importante tal expressão ao invés do uso do termo suspensão, vez que, a restrição conforme conceito acima aludido, importa dizer que o direito persiste, no entanto em determinado caso pode sofrer interferência, ou seja, que no estado de defesa poderá tal direito ser mitigado pelo Estado, vez que justificou-se tal ato para concretização do objetivo do Estado de Defesa. 96 “É de se perguntar a que lei se refere o constituinte. A todas as leis que exteriorizam os direitos e garantias individuais ou apenas àquelas que criam os dois conselhos de consultoria presidencial, a saber: p da República e o de Defesa Nacional? Entendo que a expressão só pode ser interpretada nos limites da Constituição, isto é, daqueles direitos que, elencados na Carta Magna, podem ser suspenos, que são poucos, e nos termos em que a lei civil deles cuida, respeitados, também os limities impostos pelas Leis n. 8041/90 e 8.183/91, que criaram os dois conselhos” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 10. 97 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p.. 60. 45 O termo suspensão importaria que o direito aludido não existiria mais, portanto até mesmo um terceiro qualquer, sem ser o Estado, poderia viola-lo, vez que não havendo direito não se falaria em violação, já que não haveria proibição legal valeria a máxima da Legalidade de o que não é proibido é permitido98, o que obviamente não é a intenção do Estado de Exceção. 2.2.5 ARTIGO 136, §1º, I, A DA CRFB/88. O art.136, §1º, I, a da CRFB/88 diz: “a) reunião , ainda que exercida no seio das associações”. Trata-se da alínea a do primeiro direito passível de ser restringido pelo Estado de Defesa, o direito de reunião, consagrado no art. 5º, XVI de nossa Constituição, sendo assegurado o direito de todos em se reunir pacificamente, desde que sem armas, inclusive em locais abertos e públicos, sem necessidade de autorização, desde que respeitadas possíveis reuniões anteriores no mesmo local. Entretanto entendeu o constituinte em restringir tal direito, partindo da idéia de que a reunião de pessoas e grupos podem causar ainda mais problemas a crise já existente, podendo até frustar o estado de defesa, uma vez que se foi decretado é porque a situação encontra-se grave. Colhe-se de Celso Ribeiro de Bastos e Ives Gandra Martins: “o individuou isolado não preocupa o Estado, por mais armado que esteja, por mais inteligente que seja, por mais relações que tenha. O indivíduo isolado, a não ser nas séries cinematográficas de ‘Rambo’ é incapaz de gerar preocupações para o Poder Público, visto que, sozinho, nada representa. O mesmo não ocorre com cidadões reunidos. Com oratória brilhante, um líder 98 “O art. 5º, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de Lei. Tal princípio visa combater o poder arbitráriodo Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral.” – Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, pág. 36. 46 carismático pode incendiar multidões, capaz, num momento de forte emoção, de enfrentar armas e destituir governos”99 Assim ao abrir a possibilidade de restringir o direito de reunião, o constituinte entendeu que em determinadas situações a possibilidade de pessoas se reunir poderia causar ou aumentar a crise, uma vez que, por exemplo uma crise institucional poderia estar ocorrendo já devido a um determinado grupo de pessoas, afim de evitar isso surge esta prerrogativa. Ademais como citaram os doutrinadores, de forma isolada um individuo não representa um perigo significativo, no entanto em grupo isso já não é verdade. Poderíamos citar como exemplo uma pessoa tentando saquear um supermercado em época de crise e uma multidão de duzentos pessoas fazendo o mesmo. Outrossim, destaca-se que como já mencionado o Estado de Defesa não obrigatoriamente implica na restrição do direito de reunião, vez que cabe ao Presidente da República especificar no decreto do Estado de Defesa as medidas a serem tomadas e direitos atingidos, sendo que é bem viável que em algumas situações não haja “risco” ou necessidade de restringir o direito a reunião, como por exemplo, em decretação em virtude da calamidade pública, no entanto cada caso é um caso e fica a arbítrio do Chefe do Executivo. 2.2.6 ARTIGO 136, §1º, I, B DA CRFB/88 Assim dispõe: “b) sigilo de correspondência”. Continuando a lista de direitos passíveis de sofrer restrição em caso de estado de defesa, a Constituição traz o sigilo à correspondência, direito consagrado no Art. 5º, XII100, do mesmo diploma legal. 99 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 18/19. 100 “XI – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de 47 Inicialmente importante observar que a alínea trata em um primeiro momento apenas do sigilo de correspondência, não se ocupando das comunicações telegráficas, de dados e comunicações telefônicas (alvo da próxima alínea conforme será visto). Conforme explica Ives Gandra Martins “na correspondência, parte da intimidade de uma pessoa é exposta, e a grande maioria das missivas veicula aspectos da vida pessoal que não devem vir a público”101. A restrição do direito diz respeito que o direito ao sigilo de correspondência existe, no entanto, pode vir a sofrer restrição por parte Estatal sob a justificativa do Estado Excepcional. Justificaria-se essa disposição visto que em momentos de crise, principalmente aqui os derivados de crise institucional informações valiosas sobre riscos a coletividade ou a própria manutenção do Estado estarem sendo transmitidas. No entanto tal disposição parece perder o sentido nos tempos modernos, uma vez que com o advento da informática e internet fica cada vez mais restrito o uso das correspondências “convencionais” sendo trocada pela agilidade e praticidade de e-mails e correlatos. No entanto, conforme já houve manifestação no STF pelo Ministro Celso de Mello entende-se que nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências e comunicações telegráficas e de dados sem que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguardar de práticas ilícitas102. Portanto partindo desse entendimento que esta liberdade pública poderia estar sendo utilizada para práticas ilícitas isto no caso excepcional investigação criminal ou instrução processual” – BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 101 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. 5 V. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 22. 102 No sentido do texto – HC 70.814-5/SP, Ministro Celso de Mello, STF – 1º Turma. 48 já autorizaria sua violação pela idéia de que tal direito poderia estar sendo utilizados para agravar crise já existente e ir contra a ordem pública e paz social. Nesse sentido haveria um choque de princípios, porém como não existe direito absoluto e sopesados o direito à inviolabilidade de correspondência e o bem estar social, este último por tratar-se de um direito de uma coletividade, autorizaria a mitigação103. Poderia-se também estender tal restrição a utilitários como os e-mails vez que também tratam-se de uma forma de correspondência, no entanto virtual. A alegativa de que comunicação telegráfica e telefônica também seria uma forma de correspondência e, portanto, essa interpretação abrangeria as mesmas pode ser excluída pelo fato de, ao especificar e dividi-las no art. 5º, XII, a constituição quis claramente desmembrar e separar as modalidades de comunicação telegráfica, de dados e das comunicações telefônicas do conceito latu sensu de correspondência. É um desdobramento do princípio da máxima efetividade ou da eficiência104, pelo qual entende-se que a Constituição não possui “palavras inúteis”, devendo-se interpretar a mesma na forma mais ampla possível. Logo, se há essa quebra do significado maior de correspondência, que parte da idéia de comunicação privada entre pessoas, em subespécies como a telegráfica, telefônica, entre outras, foi porque o constituinte quis conferir a estas últimas uma proteção especial. 103 “Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). Desta forma, quando houve conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combina os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.” - Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 28. 104 “Não se deve interpretar uma regra de maneira que algumas de suas partes ou algumas de suas palavras acabem se tornando supérfluas, o que equivale a nulifica-las. Também é vedado ao intérprete, por força dessa orientação hermenêutica, despreza partículas, palavras, conceitos, alíneas, incisos, parágrafos ou artigos da Constituição. Todo o conjunto normativo tem de ser captado em suas peças constitutivas elementares, a cada qual se devendo atribuir a devida importância em face do todo constitucional” – TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 84. 49 Transcreve-se aqui as palavras de Ribeiro Bastos e Gandra Martins: “Tenho para mim que a quebra de sigilo, no estado de defesa, abrange qualquer técnica moderna de comunicação, ainda que não expressamente previstas nas letras b e c. O princípio hospedado pela Constituição é que, se houver grave crise institucional, pode, o Estado, suspender direitos que possam colocar em risco a democracia e o Poder Público. Ora se pode suspender o sigilo de correspondência e as comunicações telegráficas e telefônica, à evidência, pode também suspender, por força do princípio, o sigilo de qualquer outra forma de comunicação que ponha em risco as instituições, por tecnologia mais moderna de comunicações e objetivando as mesmas finalidades (...) para mim, pode o Poder Público suspender o sigilo de qualquer forma de comunica~çao que se equipare à correspondência e às informações 105 telegráficas e telefônicas, durante o período do estado de defesa” Nesse sentido, vê-se que ao seu tempo o Constituinte não poderia prever os avanços tecnológicos que ocorreriam, sendo a idéia de comunicação pessoal ou privada protegida, assim, poderia-se ia adapta-la aos novos tempos aliados ao parecer do STF. 2.2.7 ARTIGO 136, §1º, I, C DA CRFB/88 Diz: “c) sigilo de comunicações telegráfica e telefônica”. Por fim traz a Constituição o último direito passível de sofrer restrição em face do Estado de Defesa, qual seja o sigilo de comunicações telegráficas e telefônicas, do já supracitado art 5º, XII. Desnecessária maior explanação acerca do mesmo, vez que já debatido acima o entendimento de que nenhum direito é absoluto, já havendo posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que passível a mitigação do direito de inviolabilidade em face de prática ilícita, a qual poderia estender-se a ameaça ordem pública e paz social. 105 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 28/29. 50 A constituição seguindo a mesma linha de raciocínio já analisada, novamente faz a distinção entre as correspondências e as comunicações telegráficas e telefônicas. Poderia se perguntar quanto ao sigilo de dados? Embora não expressamente inserido no rol taxativo pode-se entender que sopesados os devidos motivos seguindo o entendimento do STF também passível tal restrição. Neste sentido Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins dizem que “hoje (...) tanto o sigilo de dados, quanto as comunicações telefônicas ou telegráficas podem ser quebradas.”106 Portanto tanto a alínea b quanto a c dizem respeito ao sigilo de comunicação, citando-se novamente Manoel Gonçalves Ferreira Filho que diz “o sigilo das comunicações pessoais podem ser suspenso durante o estado de sítio e o de defesa. Neste caso, o interesse pessoal à’ privacy’ cede diante do interesse social de segurança”.107 2.2.8 ARTIGO 136, §1º, II, DA CRFB/88 A norma dispõe: “II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.” De plano verifica-se que é autorizada a ocupação e uso temporário de bens e serviços, na hipótese em que for decretado estado de defesa em virtude de calamidade pública (Art. 136, caput). Ficou ainda mencionada a responsabilidade da União em face dos danos e custos decorrentes de tal ocupação ou uso. Fica claro que a responsabilidade recairia para a União vez que trata-se de competência da esfera 106 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 27. 107 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p.. 37. 51 federal, incumbida ao Chefe do Executivo sua decretação, não havendo motivo para responsabilidade estadual ou municipal, uma vez que impossível decretarem tal estado excepcional. No entanto verifica-se que a Constituição cita bens e serviços públicos, o que poderia gerar a dúvida citada por Ives Gandra Martins, qual seja, não poderia a União usar o que é seu? Nesse sentido explica que “a expressão ‘bens e serviços públicos’ não pode nem deve ser entendida como vinculada apenas a bens públicos, mas a qualquer espécie de bens. O adjetivo público vincula-se apenas aos serviços. Qualifica-os, mas não está restringindo o substantivo ‘bens’. A dicção a 108 ser entendia é de ‘bens públicos e privados e serviços públicos.” Tal entendimento visa retirar uma dúvida simples que poderia surgir, uma vez que caso fosse restrita apenas aos bens públicos, a norma pareceria sem sentido, uma vez que sendo coisa pública poderia o Poder Público utilizar-se dela em prol da comunidade, salvo se norma desejasse tratar na realidade dos serviços públicos delegados. Deve-se analisar o presente dispositivo traçando um paralelo com o art. 5º, XXV, constitucional, que regulamente que “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurado ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;” Tal também é o parecer de Manoel Gonçalves Ferreira filho que afirma “a redação é falha. O texto autoriza a ocupação e o uso de bens e serviços em geral, como é da índole da requisição, não apenas de ‘bens e serviços públicos’, mas sim de bens e serviços, inclusive públicos. Por exemplo (...) municipais”.109 108 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 31. 109 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p.. 61. 52 Ora é de se entender que em uma calamidade pública há iminente perigo público, portanto o Constituinte veio apenas reforçar a idéia de possibilidade de utilização de bens privados no caso de necessidade, sem olvidar da devida indenização no caso de dano. Sobre a ocupação temporária recorrendo-se ao Direito Administrativo têm-se que “é a utilização transitória remunerada ou gratuita, de bens particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas de interesse público”110. Logo na calamidade pública, o Poder Público buscaria livrar a comunidade do perigo já ocorrido ou ao menos iminente, portanto autorizada a utilização de bem particular. Mesmo que assim não o fosse haveria o poder da força constitucional que assim dispõe, traz-se aqui esse paralelo, apenas para entendimento global do instituto. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins ainda defendem a possibilidade do pagamento de lucro cessante pela União ao particular no caso de a utilização do bem fizer com que o particular deixe de obter renda. No entanto poderia-se dizer que a expressão danos e custos, já abrangeria isso, visto que por custos poderia-se dizer o preço pago pela utilização do bem. Pode-se ainda traçar um paralelo com o instituto da Requisição Administrativa111 vez que, conforme leciona Di Pietro “a requisição, quando recai sobre imóvel, confunde-se com a ocupação temporária”. Já quando recair sobre bens móveis fungíveis assemelharse-ia a desapropriação, no entanto não se confunde com aquela vez que nesta 110 111 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19º Ed. São Paulo: Malheiro Editores, 1990, p.. 538. “caracteriza-se por ser procedimento unilateral e auto-executório, pois independe de aquiescência do particular e da prévia intervenção do Poder Judiciário; é em regra oneroso, sendo a indenização a posteriori (...) só se justifica em caso de perigo público iminente.”- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19º Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p.. 131. 53 última a indenização é prévia, sendo que do dispositivo constitucional presume-se que a indenização seja posterior. 2.2.9 ARTIGO 136, §2º, DA CRFB/88 Determina: “§2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado por uma vez, por igual período, se persistirem razões que justificarem sua decretação.” Tal disposição constitucional visa limitar o tempo de duração do estado de defesa, sendo bem claro, sua duração não dever ser superior a trinta dias, podendo ser prorrogado por apenas uma vez, por igual período. Há considerações importantes a se fazer. Como já mencionado não fica vinculado o Presidente da República a utilizar os trinta dias, podendo utilizar-se de menos dias, ficando a seu critério a valoração em tempo de quanto deverá durar o estado de defesa, atento de que, por se tratar de situação excepcional deverá perdurar o mínimo necessário ao restabelecimento da ordem. Verifica-se a possibilidade de prorrogação do tempo do estado de defesa por apenas uma vez, por igual período. Isso significa que, decretado o mesmo em um período de tempo e cessado este o Presidente da República só poderá prorroga-lo uma vez mais pelo mesmo período de tempo. Isso equivale a dizer, se decretado por duração de vinte dias, sua prorrogação só poderá se dar por mais vinte dias, e não estendendo-se até trinta, por exemplo. Há o entendimento ainda de que, na realidade a prorrogação tratar-se-ia de uma renovação do estado de defesa, e como tal, deveria seguir o mesmo procedimento previsto para sua decretação, como a 54 oitiva do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional, dentre outros, o que ocorre também no Estado de Sítio.112 A restrição constitucional ao prazo máximo de sessenta dias, trinta prorrogáveis por mais trinta, adviria da idéia de que deve-se lembrar que trata-se de um estado excepcional e como tal deve ter sua duração limitada pelas conseqüências advindas do mesmo. Assim entendeu como razoável o constituinte o prazo de sessenta dias para que cessasse a ameaça que a decretou, já que caso assim não ocorresse, a situação reclamaria medidas mais urgentes como o estado de sítio113. Ainda há o entendimento sobre o risco de utilização para fins ditatórias que, não seria legitima a atitude de por exemplo, esperar cessar o período de estado de defesa e aguardado um determinado período de tempo, por exemplo dez dias, decreta-lo novamente. O fato de não converte-lo em estado de sítio, o que implicaria em afirmar que a situação não pode ser superado pelo estado de defesa, faz desaparecer a idéia do Estado utilizando os meios que lhe cabiam para derrotar a ameaça, vez que assim não o fez, estaria afirmando que o ameaça cessou, não sendo legitima portanto instauração de novo estado de exceção em virtude de mesmo evento114. 112 Neste sentido Manoel Gonçalves Ferreira Filho “Diz a norma que esse prazo pode ser ‘prorrogado por uma vez’ por até trinta dias, mas, rigorosamente falando, não há prorrogação, haverá renovação do estado de defesa, sujeita ao procedimento previsto na Constituição” – FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p.. 61. 113 “O estado de defesa não pode se prolongar no tempo. Sua duração deve ser curta, tendo o Poder Público, nesse período a obrigação de reorganizar a sociedade, em caso de calamidade, ou o Estado, em caso de grave risco às instituições. Se o Estado de Defesa pudesse se prolongar no tempo, de forma indefinida, poderíamos ter uma ditadura constitucional, pela imposição de longo período de restrições de direitos e poderes ampliados pelos governantes” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 35. 114 Neste sentido “Estou convencido de que o prazo é fatal, não sendo possível, esgotado os sessenta dias, deixar o governo passar uma semana para decretar um novo estado de defesa por mais sessenta dias. Se se admitissem novas dilações para as mesmas situações em curto período, o prazo de trinta ou sessenta dias outorgados pelo §2º do art. 136 seria inócuo, pois poderia, aquele, governar com estado de defesa reeditados, como o são as medidas provisórias”. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p.37. 55 2.2.10 ARTIGO 136, §3º, DA CRFB/88 Ordena tal norma: “§3º Na vigência do estado de defesa”. Cuida o parágrafo terceiro das obrigações que o Estado deverá ter em relação a determinadas situações ali enumeradas. Conforme verificar-se-á asseguir, trata-se da idéia de a Constituição, ainda embora trate de um estado de exceção o que traz a idéia de restrição ou até suspensão de direitos e garantias fundamentais, desejou certificase de que certos limites não fossem ultrapassados. Passa-se a análise de seus incisos. 2.2.11 ARTIGO 136, §3º, I, DA CRFB/88 Dispõe: I – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial; Tal dispositivo encontra-se sobre a égide de evitar abuso de poder e prisões arbitrárias no estado de defesa. Embora o estado de defesa importe em redução de direitos, não deve-se aboli-los por completo. Inicialmente verifica-se algo que a doutrina classificou como uma omissão constitucional, seria esta de que o estado de defesa teria um executor115. Embora possa ocorrer uma interpretação dúbia, uma no sentido de que o executor da medida nada mais seria do que a autoridade policial 115 Neste sentido Wolgran Junqueira Ferreira: “Haverá um executor do estado de defesa, o que foi omitido pelo ‘caput”. – FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. 2º V. São Paulo: Editora Julex, 1989. Pág. 819. Ainda cita-se Manoel Gonçalves Ferreira Júnior que diz “foi criada em nível constitucional a figura do executor do estado de defesa (CF, art. 136, §3º, I).” – Ob Cit., p. 194. 56 ou autoridade pública que determina-se a medida de prisão, outra que executor seria uma pessoa especialmente encarregada para o cargo de executar as medidas necessárias para bom andamento e cessão da crise, talvez como a figura do interventor no instituto da intervenção federal e no próprio Estado de Sítio, conforme se verá a seguir. Neste sentido verificou-se em Manoel Gonçalves Ferreira Filho o parecer de que “o executor da medida é distinto da autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI)”116. Portanto seguindo sua lógica o constituinte deveria ter usado o termo autoridade judicial competente e não executor e utilizando novamente o princípio da máxima efetividade da Constituição, vez que não usaria palavras diferentes para o mesmo significado. No entanto como não houve caso concreto recente em nosso País, ou mesmo parecer jurisprudencial, e esparços e lacuonosos posicionamentos da doutrina sobre quem seria tal pessoa ou quem poderia ser, requisitos e competências. Além disso a menção ao executor na Constituição quanto ao estado de defesa só é referida neste momento, o que torna difícil a interpretação. Cita-se ainda que no parágrafo primeiro do art. 136 da CRFB/88 não resta como requisito do decreto que instituir o estado de defesa a figura do executor, o que caso fosse alguém encarregado de tomar a cabo as providências cabíveis seria de suma importância. Ou poderia ainda interpretar-se que o executor poderia ser nomeado pelo Presidente da República sem necessidade de vinculação ao ato de decretação do estado de defesa, o que passa uma idéia de possibilidade de remove-lo e substitui-lo a qualquer momento, como ocorre no Estado de Sítio. De qualquer modo são apenas divagações, uma vez que reafirma-se não se encontrou parecer doutrinário a respeito do mesmo, apenas de forma breve. 116 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. V 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 61. 57 Retomando a análise do dispositivo legal, têm-se a possibilidade prisão por crime contra o Estado. Novamente não há posicionamento claro acerca do que seria um crime contra o Estado, podendo-se entender a latu sensu e em vista do estado de crise qualquer ação que viesse de alguma forma vir a refletir no Estado, no sentido de até mesmo coletividade de pessoas reunidas sob um poder. Como forma de precaver possíveis arbitrariedades, incumbiu a constituição que a prisão deveria ser comunicada pela autoridade ao juiz competente, mais uma vez não havendo referência a que juízo seja este. Poderia-se entender, portanto, que seria o juízo competente para análise da prisão em flagrante. Verifica-se ainda a utilização do controle de medidas do estado de defesa por outro Poder, entendendo como poder os relacionados no art 2º117 da Constituição Federal. É o já conhecido sistema de medidas e contrapesos, no qual embora independentes entre si, os poderes fiscalizam-se e regulamentam-se de forma que não há preponderância de um em razão de outro. Neste caso a prisão contra o crime de estado deverá ser de imediato comunicado ao Poder Judiciário, através do juiz competente, que fará a análise dos pressupostos de admissibilidade da prisão, ou seja, se a mesma não é ilegal. Interessante notar aqui uma hipótese ocorrida. Embora o estado de defesa seja um estado de exceção e este pressuponha restrição de direitos, o Constituinte disciplinou os direitos passíveis de serem restringidos, não ali perfazendo a garantia constitucional do hábeas corpus. Assim poderia alguém preso em estado de exceção ser alvo de tal remédio constitucional? 117 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 58 Embora não tenha se obtido a resposta de forma direta na doutrina, vê-se que, o pressuposto de que, para que seja concedido hábeas corpus é que alguém sofra ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Mas como se mensuraria uma ilegalidade em um estado de exceção que pressupões uma legalidade que lhe é própria? Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos sugerem que “a legalidade a que alude o dispositivo é a ‘legalidade da exceção”. Dentro dos limites legais em que atuará, o executor das medidas do estado de defesa poderá agir ilegalmente, predendo, por exemplo, pessoas suspeitas de terem-se reunido, sem que a reunião tenha efetivamente ocorrido. Nesse caso, poderá o juiz relaxar a prisão, se não houver prova de que infringiu, o preso, as determinações impostas 118 pelo Presidente da República, ao decretar o estado de defesa.” Logo se vê que, uma vez que a prisão deverá ser comunicada a autoridade judicial competente para que verifique se não trata-se de caso de ilegalidade, já previniu-se a constituição para evitar a prisão arbitrária. E sendo admitida o relaxamento desta no caso de ilegalidade, pressupõem-se que, “caso passe batido” pelo juiz competente, poderia o preso ser paciente em um “habeas corpus”.. Poderá ainda a pessoa alvo da prisão pelo executor da medida do estado de defesa requerer o exame de corpo de delito à autoridade policial. Claramente têm-se aqui novamente a idéia de proteção ao cidadão de arbitrariedades, vez que o exame serviria para constatar possíveis maus-tratos ou abusos de poder. Observa-se ainda que a comunicação deve ser feita apenas ao juiz competente, não mencionando a família ou pessoa indicada pelo alvo da medida, ao contrário de uma prisão ocorrida fora do estado de defesa, em virtude 118 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 43/44. 59 do ordenamento do art. 5º, LXII, de nossa Constituição Federal119, o que se presume que não ocorrerá. 2.2.12 - ARTIGO 136, §3º, II, DA CRFB/88 Cita-se: “II – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento da autuação”. Mais uma vez verifica-se a tentativa de coibir o uso arbitrário da violência ou abuso da exceção. No entanto há críticas na doutrina, que assim dizem: “quando a autoridade remeter ao juiz a comunicação da prisão, deverá enviar, também declaração feita por ela (!) do estado físico e mental do detido no momento da autuação. Trata-se, evidentemente, de uma ingenuidade do constituinte, pois a autoridade sempre dirá que o detento está em plena forma física e mental. Alías, quanto a esta, não sei sequer se ela terá condições de aferir. A declaração deveria ser 120 subscrita por três médicos” A crítica reside na idéia de que, sendo a própria autoridade que realizou a prisão, caso esteja seja arbitrária omitirá ou mentir a respeito do estado físico e mental do preso, podendo citar como hipótese uma situação em que o preso se encontrava insano e tentou agredir as autoridades que efetuavam a diligência, ou até mesmo vir a relatar que seu estado físico já era de ferimentos, vindo a poder tornar inócua a disposição do inciso antecedente da possibilidade do exame de corpo de delito, vez que constataria-se que este teria agressões, no entanto a autoridade declararia que estas são anteriores a prisão. 119 “LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 120 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. v. 2. São Paulo: Editora Julex, 1989 , p. 819. 60 Uma vez que o executor estaria incumbido de uma função pública, possuiria fé pública, logo presumir-se-ia verídicas suas afirmações, tornando dificultoso a defesa ou possíveis medidas futuras do preso. Outrossim, reside a crítica na competência no sentido de possuir habilidades ou conhecimentos suficientes para dizer qual o estado físico ou mental do detido, visto que tais condições só poderiam ser aferidas de forma técnica por profissionais ligados a área. 2.2.13 ARTIGO 136, §3º, III, DA CRFB/88 Regulamenta: “III – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário”. Ainda no sentido de impedir abusos na execução da medida e no sentido de um Poder fiscalizando a atuação do outro, no caso do Judiciário sob o Executivo, vê-se que a prisão não poderá ser superior a dez dias, salvo autorização pelo Poder Judiciário. No caso este inciso deve ser analisado em conjunto com o inciso I, vez que comunicada a prisão, o juiz competente verificará se a prisão não é ilegal caso em que a relaxará e sendo legítima como não poderá ser superior a dez dias deverá converte-la em medida legal, que seria conforme verificou-se em quase uníssono doutrinário a decretação da prisão preventiva121. Observa ainda a doutrina que o prazo de prisão no qual alguém pode ser mantido sem comunicação ao Poder Judiciário é razoável, vez que via de regra o estado de defesa perdura por trinta dias, logo equivale a 1/3 do período de exceção. 121 Nesta idéia “a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário, porém tal autorização deverá ser feita mediante decretação de prisão preventiva” – FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p.. 194. Também “A prisão ou detenção não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário. Mas, esta autorização será através de decretação da prisão preventiva”. FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. v. 2. São Paulo: Editora Julex, 1989 , p. 61 Novamente objetivando-se evitar a arbitrariedade e uso irregular do instituto de exceção122. Outrossim, deve valer a máxima constitucional trazida no art. 5º, LXI., que diz “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada pela autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Obviamente que transcorrido o prazo de dez dias e não comunicada a autoridade judicial competente, torna-se a prisão ilegal123. Pode-se ainda traçar paralelo com o direito esculpido no art. 5º, LIV, que ninguém deverá ser preso sem o respectivo processo legal, bem como o inciso LIII, de mesmo artigo, que trata da não criação de juízo de exceção. 2.2.14 ARTIGO 136, §3º, IV, DA CRFB/88 Dispõe: “IV – é vedada a incomunicabilidade do preso”. O último inciso do terceiro parágrafo cuida da vedação a incomunicabilidade do preso, garantindo por exemplo que este trave contanto com sua família ou mesmo com seu advogado, visto ser direito constitucional a ampla defesa e contraditório124. Encontra-se em um doutrinador uma crítica a este dispositivo, vez que no entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira filho “nas prisões decorrentes de execução de estado de defesa é vedada a 122 “É que, muitas vezes, a detenção pode ser determinada em função apenas de luta pelo poder, em que aquele que o exerce procura afastar seus acusadores ou pretendentes a seu lugar pela prisão ou detenção, com todas as conseqüências, inclusive psíquicas, que tal medida, possa acarretar. Um poder técnico e não político deve, pois, definir, além dos dez dias, se pode ou não continuar referida pessoa presa ou detida”. – Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 51/52. 123 Neste sentido “findo este prazo, torna-se ilegal a prisão sem ordem judicial, devendo ser libertado o detido” – FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 62. 124 “Art. 5º, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 62 incomunicabilidade do preso. O que não parece sábio, já que dificultaria a apuração de conspirações, etc.”125 No entanto tal entendimento foi visto de forma isolada, uma vez que a vedação de incomunicabilidade visaria proteger direitos básicos, como por exemplo o já citado acompanhamento de defesa por advogado de forma plena, já que este deve poder conversar com seu patrono. 2.2.15 ARTIGO 136, §4º, DA CRFB/88 Transcreve-se: §4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta. Há novamente aqui a preocupação da Constituição, pelo já conhecido sistema de freios e contrapesos, de evitar arbitrariedades de um Poder, regulamentando que o Presidente da República deverá dentro de vinte e quatro horas submeter o decreto que instituiu o estado de defesa, bem como a justificativa de o que lhe motivou, ao Congresso Nacional. Assim, o que há é um controle posterior por parte do Poder Legislativo sobre o ato do Poder Executivo126. 125 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 62. 126 “Controle Político sobre a decretação. É posterior. Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de 24 horas, submeterá o ato com a respectiva justificativa ao Congresso Nacional, que somente aprovará a decretação por maioria absoluta e ambas as Casas Legislativas, editando o respectivo Decreto Legislativo (CF; Art. 49, IV). De visão contrária José Cretella Júnior entende que a natureza da decisão do Congresso Nacional trata-se de uma resolução, conforme se analisa no seguinte trecho “A autorização que o Presidente da República solicita e que o Congresso Nacional lhe dá para decretar o estado de sítio é da mesma natureza jurídica que o Parlamento lhe outorga em outras circunstâncias: ato administrativo material. Assim, a autorização que o Congresso Nacional dá ao Presidente da República – ou ao Vice-Presidente – para ausentar-se do país, igualmente é, o exercício de competência exclusiva, classificando-se a ‘resolução’, que é o instrumento adequado à autorização (...)” em CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários a Constituição de 1988. v. 6. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, pág. 3379. 63 Ressalta-se que a competência para decretação do estado de defesa é do Chefe do Poder Executivo, sendo que a função de ratificação ou não do ato pelo Congresso Nacional uma forma de controle para tentar-se evitar o uso indevido do instituto. Nota-se que a preocupação do constituinte foi tamanha que assinalou o prazo de vinte e quatro horas para o envio do ato e justificativas ao Congresso Nacional. Neste sentido há o entendimento de que as vinte e quatro horas para começam a correr a partir da publicação do decreto127, até mesmo porque só teria inicio de fato, após tal ato. Traçando paralelo com outras disposições constitucionais, temos a regulamentação do art. 49, IV, que trata sobre as competências exclusivas do Congresso Nacional, do qual transcreve-se “IV – aprovar o estado de defesa (...)”. Verifica-se também a importância do uso da terminologia aprovar, que, por exemplo, difere da terminologia utilizada no Estado de Sítio, autorizar, que será melhor analisada mais a frente. Aprovar significa dizer que o ato realizado pelo Presidente da República, desde que cumprido os requisitos legais, começa a vigorar da data da sua publicação, sendo a análise feita pelo Congresso Nacional posterior ao ato, ou seja irá aceita-lo ou nega-lo, no entanto até o período em que foi negado ele foi vigente128. Ao contrário da autorização em que o Presidente da República para que possa decretar necessita que o Congresso aprove tal ato, logo anterior à decretação. 127 “É de se entender que as vinte e quatro horas passam a correr do momento em que a decretação se deu, isto é, da publicidade do ato” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 59. 128 “o decreto que introduz o estado de defesa é ato composto, produzindo efeitos desde sua vigência, embora necessite de homologação para sua mantença. A rejeição pelo Congresso opera ‘ex nunc’, significando que os atos até então produzidos são válidos e eficazes.” – SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 787. 64 Outrossim, frisa-se a competência para aprovar o estado de defesa é do Congresso Nacional, e não das casas legislativas separadamente, o que importaria decidir que uma casa legislativa votaria e depois remeteria a outra129. Continuando a análise do dispositivo legal, verifica-se que o Congresso Nacional decidirá por maioria absoluta, ou seja, o quorum de aprovação deverá ser a metade de seus membros mais um, daí a importância de entender que a votação será do Congresso Nacional e não decisão em particular em cada uma das casas. Assim o quorum em números para aprovação ou não do estado de defesa é de 298 , soma dos membros do Senado e da Câmara dos Deputados (513 + 81 = 594 /2 = 297 +1 = 298) De forma igual vemos que a decisão de prorrogação, ouvidos os Conselhos de Defesa Nacional e da República cabe ao Presidente da República, que deverá enviar novamente em mesmo prazo e com justificativas ao Congresso Nacional para que aprove ou não o ato. 2.2.16 ARTIGO 136, §5º, DA CRFB/88 Assim determina: “§5º Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias”. Prosseguindo com a idéia de urgência vemos que, no caso de recesso, o Congresso Nacional será convocado para reunir-se no prazo de cinco dias. 129 “Nessa sessão as duas casas legislativas agem como se fossem uma casa só, de tal forma que os votos de senadores e deputados devem ser contados como de parlamentares, visto que a maioria absoluta será obtida pela soma dos votos, independentemente da casa da qual o parlamentar saiu. Dessa forma, não há o risco de a maioria dos deputados ser favorável à decretação do estado de defesa, mas impossibilitada sua aprovação, porque, no Senado, a maioria absoluta não tenha sido obtida. Nessa matéria, perdem, pois, os congressistas, sua origem parlamentar e ganham a dimensão maior de representantes do povo no Congresso, sendo, para tais efeitos, todos os parlamentar e iguais em importância e decisão.” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 61. 65 Algumas considerações devem ser feitas. Inicialmente a competência para convocação extraordinária do Congresso Nacional é do Presidente do Senado Federal conforme art. 57, §6º, I,130 de nossa Constituição. O Congresso Nacional reúne-se anualmente nas datas de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. Portanto fora destas datas está o mesmo em recesso, surgindo a necessidade da convocação extraordinária. Encontrou-se critica interessante em Ives Gandra e Ribeiro Bastos, no que diz respeito a seguinte indagação, estaria o Congresso Nacional obrigado a reunir-se no prazo de cinco dias ou até cinco dias? No entendimento de aludidos doutrinadores entendem que a expressão deve ser entendida como em “até cinco dias”. Isto, pois, tratando-se de estado excepcional que o é, o quanto mais célere for a reunião do Congresso Nacional melhor o será, em visa da urgência que é inerente ao estado de defesa. Pondera que o prazo de cinco dias foi dado vez que é notório a dificuldade em conseguir contatar e mesmo reunir todos os membros de forma rápida, sendo o prazo de cinco dias razoável para isso, no entanto afirma que o prazo seria o teto, se puder o Congresso Nacional ser antes convocado assim o deveria. Cita-se aqui aquela velha máxima do direito “quem pode o mais, pode o menos”, portanto se o Congresso Nacional tem por força constitucional que se reunir em cinco dias, poderia o ser em menos. 130 “§6º A convocação extraordinária do Congresso Nacional far-se-á: I – pelo Presidente do Senado Federal, em caso de decretação de estado defesa ou de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação do estado de sítio (...)”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 66 2.2.17 ARTIGO 136, §6º, DA CRFB/88 Dispõe: “§6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.” Nossa Carta Magna estipula o prazo máximo de dez dias a contar do recebimento para que o Congresso Nacional delibere sobre a aceitação ou não do estado de defesa. Surge uma dúvida referente a quando iniciar a contagem deste recebimento? Por recebimento, primeiramente, entende-se a recepção da comunicação feita pelo Presidente da República da decretação do estado de defesa, no prazo de vinte e quatro horas, para aceitação ou não do Congresso Nacional. Estando o Congresso Nacional em pleno funcionamento não há dúvidas, recebida a comunicação, tem até dez dias para a deliberação, podendo obviamente faze-la em menos tempo. No entanto caso se encontre em recesso? Recorrendo mais uma vez ao parecer de Ives Gandra e Celso Ribeiro Bastos, este entende que o prazo contaria a partir do recebimento da comunicação presidencial, independentemente do Congresso estar em recesso ou não. Em suas palavras: Parece-me que a melhor exegese do dispositivo leva a um prazo de dez dias, esteja ou não, o Congresso, em recesso, visto que o texto fala claramente em ‘contados de seu recebimento’, o que vale dizer, não se refere à especial situação do recesso parlamentar. Em recesso, convocado o Congresso, terão os parlamentares menos tempo para deliberar, mas, em função da gravidade da decretação, devem decidir, 131 utilizando-se de todas suas aptidões, no prazo estatuído. 131 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 68. 67 Este entendimento reforça a idéia de que o prazo citado no parágrafo §5º é de até cinco dias, o que equivale a dizer que estando em recesso o Congresso deverá se reunir em cinco dias, sendo que a partir do recebimento da comunicação do Presidente da República, feita em vinte quatro horas, já começa a correr tanto o prazo de cinco dias para que o Congresso Nacional se reúna, como o de dez dias para que delibere. Sua demora na convocação implicará apenas na redução do tempo para poder deliberar. Além disso parece razoável tal entendimento, já que caso os dez dias contassem da reunião do Congresso Nacional e este possui cinco dias para se reunir, possível transcorrerem quinze dias, ou seja ½ do período destinado ao estado durar, sendo notável que a fixação de prazo exíguos foi um cuidado da Constituição em face o caráter de crise da medida. O final do parágrafo diz respeito a necessidade de manutenção de funcionamento do Congresso Nacional enquanto perdurar o estado de defesa. Obviamente só verificará sua necessidade no já citado caso de recesso, e traz a idéia de responsabilidade solidária, vez que aprovado o decreto presidencial, o Congresso Nacional também convalida com a medida, devendo despender auxílio se necessário. 2.2.18 ARTIGO 136, §7º, DA CRFB/88 Determina: §7º Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa. O dispositivo visa apenas consagrar o já apresentado, deliberando o Congresso Nacional desfavoravelmente ao estado de defesa, este cessa seus efeitos de forma imediata. Uma pergunta pode surgir com referência aos efeitos até praticados? 68 Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho “decorre deste parágrafo que a desaprovação do decreto institutivo do estado de defesa faz cessarem seus efeitos ‘ex nunc’, sendo legítimos, em conseqüência, os atos até então praticados com fundamento nele”.132 Conforme bem ressalta Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos a possibilidade do estado de defesa perdurar por tempo considerável e produzir efeitos existe, vez que teria o Congresso Nacional o prazo de até dez dias para aprova-lo ou não, ou seja poderia o estado excepcional perdurar por pelo menos 1/3 do tempo que lhe é cabido Sem se ouvidar da responsabilidade civil do Estado ou mesmo de seus agentes pelos atos praticados, o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho possui o fundamento na idéia de que, o Presidente da República possui a competência para decretar o estado de defesa, 133 independentemente de prévia consulta ao Congresso Nacional , e o §7º do art. 136, afirma que cessará imediatamente os efeitos no caso de rejeitado o decreto, portanto até então o ato presidencial seria válido, logo prudente que os efeitos de sua cessação se iniciem a partir de sua rejeição, que é o que lhe deu origem. Tem se por fim a análise dos dispositivos legais que tratam do instituto do estado de defesa, passando-se agora a análise do instituto remanescente, o Estado de Sítio. 132 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 63. 133 Ressalta-se aqui, novamente, a importância do uso da terminologia aceitar o estado de defesa, empregada no Art. 49, IV, da CFRB/88. 69 CAPÍTULO 2 ESTADO DE SÍTIO E DISPOSIÇÕES GERAIS Inicia-se agora a análise do instituto do Estado de Sítio, o qual poderia ser considerado como a ultima ratio em sentido de Estado de Exceção em nosso ordenamento jurídico, o que equivale a dizer que sua utilização ocorra em situações de gravidade extrema, visto as conseqüências que sua decretação implicaria Por fim neste capitulo serão abordados as disposições gerais, sobre ambos os institutos de exceção, bem como algumas considerações importantes sobre o tema. 3.1 ESTADO DE SÍTIO Lançando mais uma vez de conceitos doutrinários recorrese a lição de Alexandre de Moraes que assim conceitua o estado de sítio: O estado de sítio corresponde a suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais, apresentando maior gravidade do que o estado de defesa e obrigatoriamente o Presidente da República deverá solicitar autorização da maioria absoluta dos membros da Câmara dos 134 Deputados e do Senado Federal para decreta-lo. Já nos dizeres de Manoel Gonçalves Ferreira filho “o estado de sítio consiste na suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais”.135 134 135 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 647. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 65. 70 De forma branda pode-se dizer que o Estado de Sítio tratase da ultima ratio constitucional para solução de crises. 3.1.1 ART. 137, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Transcreve-se: “Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: (..)”. Há aqui muitas similaridades com a decretação do Estado de Defesa. Observa-se de plano que a competência para sua decretação é do Presidente da República, sendo, conforme já explanado competência privativa deste, consoante art. 84, IX, da CRFB/88. Novamente se vê a necessidade de consulta prévia aos Conselhos da República e Conselho de Defesa Nacional, sendo que a opinião dos conselhos não vincula a decisão a ser tomada pelo Presidente da República. Interessante observar que uma das competências do Conselho da República, além de a decretação do estado de defesa, sítio e intervenção federal, consoante art. 90, I, é sobre as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas, o que estaria em jogo, no caso do Estado de Sítio. Já ao Conselho de Defesa Nacional compete também, além de opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal (art. 91, §1º, II), opinar nas hipóteses da declaração de guerra e celebração da paz, sendo a guerra uma das possíveis justificativas para o Estado de Sítio. No entanto tratam-se de consultas diferentes, vez que a decretação de guerra à outro país, não necessariamente irá acarretar em decretação do Estado de Sítio, já que poderia ocorrer uma situação em que o 71 Brasil, estando em guerra, esta ocorra fora do território nacional e sem ameaça à integridade do mesmo, ou das suas instituições, o que portanto não justificaria a medida “a priori”. O diferencial se encontra na necessidade de “solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio”. Isto, pois, no Estado de Defesa o Presidente da República tem autonomia para decretar o mesmo, devendo no entanto, submeter o mesmo a aprovação do Congresso Nacional, o que como já visto, significa dizer que mesmo no caso de não aprovação, o Estado de Defesa produziu seus efeitos, pois é ato que depende unicamente do Presidente da República, sendo seu controle é posterior a decretação136. O mesmo já não ocorre com o Estado de Sítio. O controle pelo Poder Legislativo é feito previamente, vez que o Presidente da República pede autorização para sua decretação, logo, caso não a obtenha o Estado de Sítio não pode ser decretado137. Têm-se aqui uma situação interessante. Embora a competência para decretar o Estado de Sítio seja privativa do Presidente da República, este não o pode fazer se não tiver a autorização do Congresso Nacional. O que traz também a possibilidade inversa, de o Congresso Nacional entender que seja necessário o Estado de Sítio, no entanto não poderá decreta-lo caso o Presidente da República não tome a iniciativa ou não entendo da mesma forma, o que demonstra uma forte cautela do constituinte, vez que para que sua decretação ocorra, é necessária a atuação conjunta destes dois poderes, aliás, o que é mais do que acertado, ante as conseqüências que trazem tal ato. 136 “O controle congressual é prévio, uma vez que há necessidade de autorização para que o Presidente o decrete” – MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2006, p. 649. 137 “Da mesma forma que no estado de defesa, deverá o Presidente da República ouvir os Conselhos da República e de Defesa Nacional e solicitar autorização ao Congresso Nacional, não podendo, todavia, tomar as medidas necessárias até a autorização (...)” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 76. 72 Os incisos subseqüentes trazem por sua vez as causas que justificariam a utilização do instituto excepcional. 3.1.2 ARTIGO 137, I, DA CRFB/88 Assim dispõe: “I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa”. O inciso primeiro do Art. 137 de nossa Constituição, traz conjuntamente com o inciso segundo os casos em que está autorizado a decretar o estado de sítio. Primeiramente trata o inciso de “comoção grave de repercussão nacional”. Neste sentido, como bem salienta, Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos o primeiro aspecto a realçar é a extensão da crise. No estado de defesa, embora possa haver grave e iminente instabilidade institucional que seja capaz de ameaçar a paz social e a ordem pública, tal elemento desestabilizador se dá em locais restritos e determinados. Em outras palavras, trata-se de grave crise institucional ‘local’ (...) a crise localizada é objeto do estado de defesa. A generalizado, do estado de 138 sítio. Logo, como já diz o “caput” do Art. 136, cabe ao Estado de Defesa “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados”, logo não é cabível a decretação de Estado de Defesa em nível nacional. No entanto, tal vedação não ocorre no Estado de Sítio, que pode ocorrer apenas uma área delimitada, quanto em nível nacional.139 A outra possibilidade trazida pelo o inciso é de que no caso de prévia decretação de Estado de Defesa este não consiga por seus meios 138 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 96. 139 Sobre o tema - “Se for de âmbito restrito, cabe o estado de defesa e não o estado de sítio” - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 66. 73 sanar a situação que lhe deu causa, razão pela qual se a situação exigir meios mais drásticos para sua solução, justificada estaria a decretação do Estado de Sítio. 3.1.3 ARTIGO 137, II, DA CRFB/88 Cita-se: “II – Declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”. Este inciso traz a possibilidade de decretação do estado excepcional nos casos de declaração de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Por declaração de guerra, ressalta-se que não é necessariamente a declaração feita à um país de que estaria em guerra para com aquele, mas sim a declaração feita do Estado perante a sociedade de que encontra-se em Guerra, ou seja, uma forma de comunicado. Interessante os entenderes de Manoel Gonçalves Ferreira Filho a guerra civil, “também enseja o estado de sítio, mas sob o fundamento de ‘comoção grave de repercussão nacional”, portanto, pelo inciso anterior. O inciso por fim traz a possibilidade de decretação no caso de agressão armada estrangeira, o que novamente traz a idéia de conflito perante um agente externo, porém que importe em dizer que a agressão ocorre em território brasileiro. 3.1.4 ARTIGO 137, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CRFB/88 Lê-se: “Parágrafo único: O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta.”. 74 De principio o parágrafo único já faz menção que para decretação do estado de sítio é necessário uma exposição de motivos, ou seja, fundamentar o porque da adoção da medida, o que deverá ser feito sob uma das justificativas dos incisos do art. 137, trazendo ainda elementos ao Congresso Nacional relatando a ocorrência das situações fáticas. Outrossim, traz a menção que é necessária solicitar a autorização para fins de prorrogação do estado de sítio, o que já faz presumir que haverá uma limitação temporal ao estado de sítio, o que aliás, é recomendado que será vista mais a diante. De modo semelhante ao Estado de Defesa, a votação para aprovação do Estado de Sítio, se dá pelo Congresso Nacional, e não em decisão bicameral, isso significa dizer que, cada parlamentar é correspondente a um voto, independentemente de qual casa legislativa faça parte, sendo necessário para aprovação ou não, maioria absoluta, o que equivale a dizer hoje, 298 membros. 3.1.5 ARTIGO 138, CAPUT, DA CRFB/88 Assim prescreve: Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas. Inicialmente verifica-se a prescrição dos requisitos que deverão conter o Decreto Presidencial que instituir o estado de sítio. Primeiro, que deverá indicar a sua duração, pois como estado excepcional que é, não deverá perpetuar indefinidamente140, a própria constituição limita o tempo do estado de sítio de acordo com a causa que lhe 140 “É de essência do estado de sítio que a suspensão de garantias seja limitada no tempo; do contrário, ocorreria uma verdadeira supressão de garantias” - 140 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 332. 75 motivou, conforme será visto em seguida no art. 138, §1º, além do que é da natureza do decreto que conste o prazo de duração deste. Segundo, diz sobre as normas necessárias a sua execução, ou seja, os comandos de como proceder no estado de sítio. Nas palavras de Ribeiro Bastos e Gandra Martins deve, o Presidente da República, definir o que pretende fazer, quais os mecanismos que adotará para implementar o remédio extremo, de que maneira executará, em face da gravidade da situação, a autorização a ser concedida, e o que espera com a adoção das medidas sugeridas e dependentes de autorização, elementos fundamentais para que o 141 Congresso decida. Portanto o Presidente da República discriminará as ações que entende devem ser tomadas, o que também servirá para o Congresso Nacional verificar sobre a boa utilização ou não do Estado de Sítio. Citando novamente os doutrinadores acima, estes entendem que “não deve ser excluída a possibilidade de o Presidente da República pedir carta branca, se, por exemplo, o País estiver sendo invadido, em face de normas de execução estarem sempre na dependência da reação do inimigo externo”142 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins defendem que Em face da latitude do art. 138, poder-se-ia entender que todas as garantias, à falta de explicitação, teoricamente, poderiam ser afastadas, durante a guerra, muito embora o art. 139 delimite para as hipóteses do art. 137, I, o campo de ação do Poder Executivo. Tenho para mim que algumas delas não poderão ser suspensas, como, por exemplo a inaplicabilidade de pena de morte, considerada uma cláusula pétrea e vinculada ao mais importante de todos os direitos assegurados pela Constituição, que é o direito a vida. Tarefa delicada seria mensurar os direitos que não poderiam ser suspensos, até mesmo porque os direitos individuais estão no art 5º, são cláusulas pétreas, além do que, a própria constituição traz a possibilidade de restrições de alguns dos direitos lá enumerados, portanto tal critério não parece 141 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 96. 142 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 96. 76 ser o mais apropriado. Fica no campo da subjetividade ou da demonstração efetiva da necessidade de tomada da medida, sendo uma tarefa delicada entre a supressão que se faz necessária e a medida ditatorial. Poderia-se também argumentar que a regulamentação das “normas necessárias” seja somente regras gerais, ou seja, apenas determinados comandos necessários, básicos, pois caso contrário, em caso de guerra por exemplo, o inimigo externo poderia consultar o Decreto, que por sua natureza de lei é público, e ter ciência das medidas a serem tomadas pelo Estado Brasileiro e já preparar contra-medidas para tanto. Assim, as “normas necessárias” seriam apenas comandos básicos, instruções como o nome diz necessárias, ou seja mínimas, sob pena de o próprio decreto do Estado de Sítio dar ao inimigo os planos de combate. Terceiro, fala-se sobre as garantias constitucionais que ficarão suspensas, portanto, assim como no Estado de Defesa, deve haver a especificação de quais os direitos que serão atingidos. Interpreta-se que nesse tocante, existe a possibilidade, em tese, de restrição quaisquer garantias constitucionais, salvo, as restrições expressas do art. 139, que será visto a diante143. Tal interpretação influi do próprio texto, e do fato de, a Constituição delimita os direitos possíveis de serem atingidos no caso de Estado de Defesa ou de decretação de Estado de Sítio motivado pelo art. 137, I, não trazendo menção ao inciso II, portanto se tivesse intenção de o limitar, igualmente o teria feito. Outrossim, até mesmo pela peculiaridade do caso, que por exclusão só se poderia restringir qualquer direito pelo inciso II, e portanto em 143 “Durante a vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, da Constituição Federal, isto é, nos casos de comoção grave de repercurssão nacional ou ocorrência de fatos comprobatórios da ineficiência de medida tomada durante o estado de defesa, poderão ser suspensas algumas garantias constitucional, não todas, enunciadas pela Carta Magna” - FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1992 , p. 216. 77 casos de guerra ou ataque externo, tais disposições “engessariam” a ação do poder público ante a ameaça de um agente externo144. Sobre o tema Manoel Gonçalves Ferreira filho disserta que aqui está o ponto crucial. Deflui do texto que quaisquer garantias constitucionais podem ser suspensas no estado de sítio; entretanto, é preciso que o decreto indique tais. Observa-se, porém, que o art. 139 enuncia limitativamente quais as medidas que podem ser autorizadas se o estado de sítio tiver como fundamento o art. 137, I. Por fim, há a disposição que após a publicação do Decreto o Presidente da República nomeará o executor das medidas e as áreas a serem abrangidas. Assim não é requisito para o decreto que o Executor das medidas seja nomeado no mesmo, devendo ser nomeado posteriormente ao mesmo, o que significa dizer que se daria igualmente por Decreto, visto ser um ato privativo do Chefe do Executivo do qual não há limitação por outros Poderes Constituídos, salvo princípios de legalidade e constitucionalidade. Interessante tal disposição vez que, caso o decreto que instaure o Estado de Sítio tivesse como requisito a já nomeação do executor da medida, este seria imutável, vez que para retira-lo teria-se que criar outro decreto, o que poderia-se argüir que deveria novamente passar pelo crivo do Congresso Nacional. Levanta-se aqui uma outra questão. Vez que o decreto não necessita, aliás, nem é bom que contenha o nome do executor, visto este poder ser modificado no caso de não bom cumprimento do encargo, há a lógica de que o Congresso Nacional deve autorizar o Estado de Sítio com base no decreto presidencial, ou seja, a justificativa, as normas necessárias à sua execução e os direitos possíveis de serem restringidos, e, uma vez autorizada, o Presidente da 144 “Poderão ser restringidos, em tese, todas as garantias constitucionais desde que presente três requisitos constitucionais: 1. Necessidade de efetivação da medida; 2. Tenha sido objeto de deliberação por parte do Congresso Nacional no momento da autorização da medida; 3. Devem estar expressamente previstas no Decreto Presidencial” – MORAES, Alexandre.Ob Cit. Pág. 649. Também “Quais as garantias constitucionais que se suspendem no Estado de Sítio? No caso de guerra, qualquer garantia pode ser suspensa; no caso de subversão política, só se pode tomar contra as pessoas as medidas enumeradas no art. 139” – MIGUEL, Jorge. Curso de Direito Constitucional. 2 Ed. São Paulo: Atlas, 1991, pág 246. 78 República possui o poder de nomear o executor que desejar e o local de abrangência que desejar. Portanto, cabe ao Presidente da República nomear o executor das medidas que entender que bem executará o encargo, podendo-o altera-lo se assim entender necessário, como bem desejar, ainda ressalta-se que o executor das medidas não necessariamente precisa ser um servidor público.145 O final do “caput” do artigo diz “depois de publicado, o Presidente da República, designará (...) as áreas a serem abrangidas”, visto que pode tomar caráter tanto nacional, quando em apenas uma localidade. Como já largamente visto, por se tratar de uma exceção a ordem ordinária, deve-se restringi-la ao menor tempo e espaço possível. Ainda seria possível um efeito interessante, uma espécie de modulação dos efeitos do Estado de Sítio. Por exemplo, nada impede que este seja decretado nacionalmente, no entanto, determinadas áreas sofrerem maiores restrições do que outras. Aliás, até assim seria o recomendado, visto que se tratando de estado excepcional, não é de boa prática estender a restrição de direitos a lugares que não necessitam de tais medidas. No plano das idéias, poderíamos citar um ataque externo ao litoral brasileiro. O Estado de Sítio poderia ser decretado em nível nacional, havendo restrições neste âmbito, no entanto, no litoral e áreas mais afetadas, poder-se-ia restringir mais direitos do que no resto do país. Além disso, como no caso do executor, poderão ser alteradas as áreas de abrangência, o que é até mesmo plausível de se pensar em caso de guerra ou ataque externo, vez que uma hora determinada região pode necessitar de medidas mais drásticas, ora outra. Poderia-se ainda admitir a possibilidade de mais de um executor de medidas, desde que estas sejam diferentes. Como se vê no próprio 145 “Em relação ao executor das medidas específicas, não haverá necessidade de a designação recair sobre servidor público. Poderá ser chamado alguém da sociedade que possa, em função de sua especialidade, exercer melhor do que aquele as tarefas capazes de debelar a crise. A decisão é exclusivamente do Presidente” - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 97. 79 texto “designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas”, portanto, porque não poderia o Presidente da República nomear um executor para determinada área e outro em outra, ou mesmo para funções diferentes? Citamos novamente o exemplo hipotético estado de sítio decretado por causa de ataques por agente externo, ocorrendo simultaneamente no nordeste do país e no sul. É de se considerar, que ante a distância e mesmo peculiaridade das duas regiões e possivelmente dos dois ataques, cada região necessite de cuidados diversos, não sendo difícil de considerar a possibilidade de um executor referente às medidas do nordeste do país e outro para as do sul. 3.1.6 ARTIGO 138, §1º, DA CRFB/88 Dispõe: §1º O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado por todo tempo que perdurar a guerra ou agressão armada estrangeira. O parágrafo primeiro do art. 138 traz os aspectos de limitação temporal a duração do Estado de Sítio. Sem maiores delongas, caso a justificativa para o decreto seja as causas do inciso I, do art. 137, o prazo máximo para sua duração deverá ser de trinta dias. De modo igual o prazo máximo é de trinta dias, no entanto pode ser decretado por prazo inferior. No entanto, diferentemente do Estado de Defesa que só poderia ser prorrogado, no mesmo prazo originário, por apenas uma vez (art. 136, §2º), o Estado de Sítio não possui esta limitação, podendo ser prorrogado por prazo diferente do inicial, caso seja inferior a trinta dias, por quantas vezes se fizerem necessárias à solução do problema. 80 Já caso a motivação seja pelas as causas do inciso II, do art. 137 da CRFB/88 o Estado de Sítio poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou agressão armada estrangeira. De igual modo conforme ocorre no caso do Estado de Defesa, a cada prorrogação a ser realizada, o que só se daria nos casos do Art. 137, I, é necessário a re-consulta ao Conselho da República e de Defesa Nacional, bem como a autorização do Congresso Nacional, pelos motivos já expostos, aliados a disposição do parágrafo único do Art. 137, que diz “O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação”. 3.1.7 ARTIGO 138, §2º, DA CRFB/88 Determina: §2º Solicitada autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parlamentar, o Presidente do Senado Federal, de imediato, convocará extraordinariamente o Congresso Nacional para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato Novamente a Constituição preocupou-se em já prever situações como a necessidade de decretação perante o período de recesso parlamentar. Neste caso, cabe ao Presidente do Senado Federal a convocação, menção que pode ser aliada concomitantemente ao disposto no art. 57, §6º, I da CRFB/88146. Cautelosa quando a urgência da medida, estipula a Constituição que solicitada a autorização, a convocação deve ser de imediato, tendo o prazo máximo de cinco dias para apreciar o ato. 146 “Art. 57 (...), §6º A convocação extraordinária do Congresso Nacional far-se-á: I – Pelo Presidenta do Senado Federal, em caso de decretação de estado de defesa ou intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação do estado de sítio (...)”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 81 Conforme bem ressalta Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins A diferença entre a redação da convocação dos estados de sítio e de defesa é que, naquela, a convocação é imediata e a deliberação se dá em cinco dias e, neste, a convocação se fará em cinco dias e a 147 deliberação em até dez dias. Por se tratar de medida mais urgente, ultima ratio no ordenamento jurídico brasileiro, portanto os prazos são mais exíguos. 3.1.8 ARTIGO 138, §3º, DA CRFB/88 Lê-se: “§3º O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas coercitivas”. Assim como no Estado de Defesa, prudente é que o Congresso Nacional mantenha-se em atividade enquanto durar tal estado excepcional até por uma questão de possível fiscalização. Neste sentido encontrou-se apenas nos Comentários à Constituição feitos por Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins uma interessante questão, e se por acaso o Congresso Nacional verifica-se que a causa motivadora do Estado de Sítio findou, no entanto o Presidente da República não o findou, poderia este fazer algo? Segundo os mesmos Por fim, é de se considerar que o término das medidas coercitivas poderá ser decretado pelo Congresso antes do tempo previsto no decreto, assim como contra a vontade do Presidente da República, se houver por bem, o Parlamento, entender que não mais se faz necessária, pois a crise itnerna ou a agressão externa já não mais põe 148 em perigo as instituições e a soberania do País” 147 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 106. 148 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 997 , p. 110. 82 Em que pese tenha sido a única menção encontrada, a interpretação dada pelos doutrinadores merece um respaldo. Se a Constituição outorga ao Presidente da República a competência exclusiva para decretar o estado de sítio, este não pode faze-lo sem a autorização do Congresso Nacional. Assim, embora seja competência do Chefe do Poder Executivo a iniciativa de decreta-lo, o poder de conceder ou não o pedido está com o Legislativo. Partindo ainda da idéia do sistema de freios e contra-pesos, pelos quais os poderes constituídos dentre outras coisas fiscalizam uns aos outros, a fim de impedir arbitrariedades, e entendendo que a Constituição outorgou ao Legislativo a competência para autoriza-lo, o fez pelos motivos constantes no decreto, ou seja pela vigência do período que entendeu necessário ser para fazer cessar a ameaça. Ela não mais existindo e o Presidente da República não cessando seus efeitos, o Congresso Nacional como detentor desse poder de autorizar, logo uma espécie de “guarda” do estado de sítio, poderia “revogar” a autorização, ante a sua ilegitimidade, para assim defender os bens maiores da Constituição. Poderia ainda surgir o questionamento de que porque não incumbir o Poder Judiciário de tal mérito, podendo até citar que cabe ao Supremo Tribunal Federal a guarda da constituição, conforme art. 102, caput,”Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da constituição (...)”. Em que pese isto, até mesmo pela questão da não intervenção dos poderes, não cabe ao Poder Judiciário julgar o mérito da decisão administrativa do Poder Executivo, como inclusive já é entendimento no Direito Administrativo, logo não poderia o Poder Judiciário, salvo quanto a parte formal e requisitos constitucionais manifestar-se sobre a decisão de outro Poder. 83 No entanto, para que o Poder Executivo não fosse soberano na questão, até mesmo porque seria no caso, apenas o Presidenta da República, é interessante a idéia de que o Congresso Nacional, como já dito, na função de autorizador do estado de sítio, e composto de inúmeros parlamentares em contra partida à única pessoa do Presidente, exerça este “controle” para evitar arbitrariedades. Da mesma forma que autorizou o estado de sítio, cessado as causas desses, e não cumprindo o Presidente da República com seu dever de fazer cessar o estado de exceção, nessa lógica, poderia “desautorizar”. Outrossim, qual seria o motivo do Congresso Nacional permanecer funcionando caso não houvesse esta idéia de “vigilância”. Poderia-se alegar que para fins de prorrogação, melhor que o Congresso Nacional se mantivesse funcionando a fim de evitar novo constrangimento de convocação extraordinária, no entanto, mesmo em caso de guerra ou ataque externo, que é em tese, pode durar até o fim da ameaça, este deveria permanecer funcionando. Tal funcionamento seria justamente para que o Legislativo pudesse manter-se atento as atividades do Executivo nesta situação tal delicada. No entanto, tais divagações são uma construção feita com base na idéia dos doutrinadores acima citados, não havendo posicionamento majoritário, jurisprudencial, nem mesmo fático dos fatos hipotéticos criados. 3.1.9 ARTIGO 139, “CAPUT”, DA CRFB/88 Transcreve-se: “Art. 138. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas”. O “caput” do Art. 138, traz limitações que devem ser respeitadas no caso de estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, 84 qual sejam, comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa. Novamente pode vir a tona, mas caso o estado de sítio seja decretado em razão do art. 137, II? Como já explanado, poderia-se entender, em tese, que todo direito constitucional poderia ser restringido. Em tese, pois não há limitação constitucional expressa, no entanto pelos próprios princípios constitucionais e de direito, deveria-se sopesar se a medida realmente é necessária a fazer cessar a ameaça. No entanto, como já dito, é uma linha tênue, vez que alguém mal intencionado poderia utilizar tais artifícios para um fim ditatorial, formando uma espécie de ditadura, que encontra fundamento na própria lei, logo com “falsos ares” de legitimidade, ao menos em sentido formal. Os incisos enumerados a seguir são tidos como taxativas, ou seja, no caso do art. 137, I, não poderão ser restringidos outros direitos se não aqueles ali expressamente taxados, na forma que ali está disposto. Igualmente não fica obrigado o Presidente da República durante a decretação do Estado de Sítio a usar-se de todas as restrições ali enumeradas, mas deveria sim, apenas aquelas estritamente necessárias ao cumprimento da função de exceção, devendo como já dito estar contido no corpo do decreto, sob pena de assim não o ser tais medidas serem ilegais e não puderem ser cumpridas. 3.1.10 ARTIGO 139, I, DA CRFB/88 Dispõe: “I – obrigação de permanência em localidade determinada”. O inciso primeiro trata da primeira possibilidade de restrição de direitos constitucionalmente admitida no caso de decretação do Estado de Sítio motivado pelo art. 137, I, da Constituição. 85 Trata-se de uma restrição ao direito de ir e vir, constitucionalmente consagrado no art. 5º, XV, que assim diz “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. É possível observar que já quando da disposição do direito há o adendo de que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, o que já por si poderia ser interpretado como a possibilidade de haver restrição a locomoção nos casos de guerra. Importante, no entanto, não confundir o tempo de paz ali escrito com a necessidade de guerra para sua mitigação, mesmo porque, o estado de sítio motivado por guerra se dá com fundamento no art. 137, II, e não no art. 137,I, do qual cuida-se as limitações a restrições de direito do art. 139. Assim, existe a possibilidade de restrição quanto ao direito de livre locomoção, com a obrigação de permanecer em determinada localidade. Os termos de tal restrição podem ser os mais diversos, como por exemplo a obrigação de permanecer no mesmo município, ou a obrigação seria de permanecer em casa após determinado horário do dia, ou qualquer outra cogitação. No entanto, pode-se ponderar duas situações, devendo lembrar que são poderão ser executadas medidas restritivas de direito referentes àquelas constantes no decreto do estado de sítio. As duas situações são, a de que o Presidente pediria a restrição total do direito de ir e vir, o que se aprovado pelo congresso nacional, poderia ser depois modulado os efeitos, como por exemplo, determinada região do país só poderá se circular até as 22h e em outra deveria até as 18h. Isto, pois, “quem pode o mais pode o menos”, portanto se o Congresso Nacional autorizou o Presidente da República a poder o “todo”, este poderia poder menos. 86 A segunda opção é de no decreto presidencial constar que a restrição seria de permanêcencia em residência após as 22h, logo, não poderia o Chefe do Executivo tomar outra medida, se não aquela, podendo no entanto, deixar de aplica-la em algumas regiões, no entanto. Entretanto, é necessário que o decreto seja claro o suficiente quanto a obrigação de que localidade está se falando, vez que por se tratar de uma restrição a direito constitucional, deve ser interpretado de forma restritiva. Outrossim, a determinação de permanência em determinado lugar pode-se dar apenas em determinadas localidades, apenas a determinado grupo social ou a todo população, sendo o parâmetro para tal a especificação no decreto presidencial. Poderia surgir a pergunta, e o remédio constitucional Hábeas Corpus poderia ser usado contra essa determinação? José Cretella Júnior afirma que “as pessoas podem ser atingidas na liberdade pública de ir e vir, sendo, nesse caso inócuo o uso do hábeas corpus para restabelecer-lhes o direito de locomoção”149 Na mesma idéia Pinto Ferreira leciona que “restrição a liberdade é a obrigação de permanência em localidade determinada. Tal restrição atinge o inciso XV do art. 5º, que permite a liberdade de locomoção em todo o território nacional. Torna-se inaplicável no caso o ‘habeas corpus’, pois a liberdade é limitada só quanto à locomoção, com o poder de escolha de um lugar de residência. Localidade é uma zona territorial delimitada urbana ou rural, de um município, cidade, vila, comarca. A localidade não deve ser insalubre e deve permitir à pessoa o exercício normal de sua profissão.” Vê-se que o doutrinador acima, sabiamente explica que, em homenagem aos princípios da vida e dignidade da pessoa humana, não poderiase determinar a obrigatoriedade de permanência em lugar insalubre, no entanto, em que pese sua lição, a restrição poderia se dar de forma que a pessoa não 149 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários a Constituição de 1988. 6º v. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, pág. 338. 87 conseguisse exercer normalmente sua profissão, desde que, a necessidade da medida assim o exija. Em um exemplo hipotético, visando a segurança dos moradores de determinada localidade o Poder Público obriga a permanência das pessoas em sua residência visto que o local tornou-se uma praça de guerra civil. A medida foi justificada, visto que caso não restringido o direito, poderiam as pessoas em tumulto e alvoroço tentar sair da localidade causando várias mortes civis, bem como até mesmo atrapalhando a ação das forças nacionais. Como garantir nestes caso que alguém mantenha seu exercício normal profissional? Certamente ficaria inviável.Porém, como já dito, a regra seria que a restrição possibilitasse o exercício profissional, no entanto, caso as medidas assim exigissem, poderia se ter tal restrição, haja vista não haver nenhuma ressalva na constituição. Até mesmo porque, o hábeas corpus serve como remédio a restrição de locomoção ilegal, o que não seria o caso, visto que tal possibilidade é previsto no ordenamento constitucional. 3.1.11 ARTIGO 139, II, DA CRFB/88 Assim diz ‘II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns”. Tal inciso traz não só a possibilidade, com a exigência150 de que, no caso de detenção a mando do executor das medidas, possibilidade inclusive já trazida desde o Estado de Defesa (vide art. 136, §3º, I, da CRFB/88), tal detenção se dê em lugares que não nos edifícios ou construções usadas para detentos comuns. 150 Nesse sentido “O estado de sítio, em segundo lugar, autoriza a detenção de pessoas em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns. A detenção deve ser em edifício não destinado ao preso comum” (grifei) – FERREIRA, Pinto. Ob Cit. pág. 216. Também “A constituição tem o cuidado de especificar que a detenção de pessoa colhidas meramente em razão do estado de sítio não deve ser em edifício destinado a presos comuns” - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 332. 88 Poderia-se dizer que seria uma “restrição” ao contido no art. 5º, XLVIII, e por hermenêutica de certos princípios do direito penal e constitucional. No entanto, como ressalta Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins “estou convencido de que, na realidade brasileira, o inciso II mais sugere um benefício do que uma pena”.151 Isto, pois, tendo em vista que a detenção no estado de sítio se dá, a princípio, como exceção a norma consagrada de que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”, já que há a possibilidade de prisão pela autoridade administrativa que seria o executor das medidas, seria até de melhor grado que tais detidos não fossem alojados junto com detentos e criminosos condenados, nos estabelecimentos normais para isto. Assim vê-se a intenção do constituinte em assegurar “teoricamente” melhores lugares para estes detentos, além de facilitar a detenção de pessoas, visto que o envio até as instalações competentes, poderia demandar gastos de tempo e pessoal que se poderia não se dispor no caso de crise. Em que pese a Constituição tenha ressaltado esta possibilidade de detenção em teoricamente “qualquer lugar”, há de se convir que os direitos a dignidade da pessoa humana, saúde e vida, hão de ser respeitados, portanto o lugar deve ser condizentes com condições necessárias de higiene e humanidade, sob pena de responsabilidade.152 Além disso, para que se compreenda que trata-se de uma exigência constitucional que a detenção se dê em lugares diversos dos normais 151 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 123. 152 “Teoricamente, deter pessoas em prédios preparados para albergar acusados e condenados é garantia do cidadão. O Poder Público deve oferecer prédios em condições de segurança, higiente e respeito à dignidade humana, capaz de receber pessoas, acusadas ou condenadas, pois o direito processual penal e penitenciário é, antes, um direito dessas pessoas de proteção contra a vingança da sociedade, que pode chegar à tortura ou linchamentos”. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 121. 89 destinados à detenção, é necessário a leitura conjunta com o art. 139, que transcreve-se aqui: Art. 139. Na vigência do estado de sítio, decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...) II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; (grifei) Assim, vê-se que só poderá, o Estado, deter pessoas, em edifícios não destinados a acusados ou condenados por crimes comuns. 3.1.12 ARTIGO 139, III, DA CRFB/88 Cita-se: “III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondências, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei”; Nota-se aqui novamente uma possibilidade já trazida pelo Estado de Defesa, que seria a quebra do sigilo de correspondências e comunicações, trazendo aqui de forma ampla, e não limitada como naquele, que trazia apenas “sigilo a correspondência (...) sigilo de comunicações telegráficas e telefônicas”.153, do qual desnecessária nova explanação sobre o tema, vez que largamente já analisado. No entanto traz também a possibilidade de restrições à prestação de informação e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, o que poderíamos chamas vulgarmente de uma possibilidade de censura “legal”. Ao final do inciso a expressão “na forma da lei”. No entendimento de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, haveria a necessidade de após decretado o estado de sítio, caso se desejasse se restringir tais liberdades, haveria de ser feito por uma lei, posterior ao decreto e criada para este fim. 153 Alíneas b e c do Art. 136, §1º, I, da CRFB/88. 90 Transcreve-se: “Todavia, o aspecto que torna tal elenco de restrições limitado é o de que também terá de ser determinado por lei posterior à decretação do estado de sítio. Em outras palavras, lei especial para o estado de sítio definirá de que forma as restrições mencionadas serão feitas”. Realmente o final do inciso traz dúvidas quanto a sua aplicação, vez que parece estranho que, no estado de defesa, haja a possibilidade de restringir-se correspondências e comunicação telegráfica ou telefônica, sem necessidade de regulamentação por lei posterior, e exija-se tal medida para o Estado de Sítio, que seria uma ocasião mais grave e necessitasse de maior celeridade. Existe a possibilidade de “nos termos da lei” fazer menção apenas as restrições referentes a liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, vez que tal conjunto vêm apartado pela partícula e, como se vê, “restrições relativas à inviolabilidade da correspondências, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei” No entanto, não se encontraram na doutrina e jurisprudência maiores esclarecimentos sobre o tema, até mesmo porque quanto a esta última não houve decretações de estado de sítio sob a égide do atual ordenamento constitucional para que houvesse manifestação dos tribunais. 3.1.13 ARTIGO 139, IV, DA CRFB/88 Determina: “IV – suspensão da liberdade de reunião”> Novamente há aqui a restrição a liberdade de reunião, direito consagrado no art. 5º, XVI, como também ocorre a possibilidade no Estado de Defesa, consoante art. 136, §1º, I, a. 91 No entanto, verifica-se que as redações são diferentes, vez que na do Estado de Defesa têm-se que as restrições se dão a “reunião, ainda que exercida no seio das associações” e no Estado de Sítio apenas diz “suspensão da liberdade de reunião”. Em que pese a diferença gramatical, não há a princípio diferença entre uma ou outra, até mesmo porque, a suspensão da liberdade de reunião abrange, por óbvio, também as que ocorram nos seios das associações, visto que nenhuma reunião, seja do modo quer, seria permitida. Sobre o tema, os já largamente citados Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins dissertam A pergunta a ser colocada é se se configurara restrição ao mesmo tipo de liberdade ou direito. Estou convencido de que sim, embora diferentes as ‘locuções’. É bem verdade, que no estado de defesa, pode haver restrição que não implique a suspensão absoluta, pois o constituinte refere-se à ‘restrição ao direito de reunião’, admitindo-o, pois dentro de determinadas circunstâncias, enquanto, no estado de sítio, há expressa referência à suspensa, sendo, portanto, expressão mais dura. Perguntase, todavia, se, no estado de defesa, a restrição ao direito de reunião for absoluta, com suspensão da liberdade de reunir, se haveria violência ao dispositivo constitucional. Não vejo como se pode visualizar, na suspensão da liberdade de reunião, violência superior à permitida pelo art. 137, §1º, c (acredita-se que tenha ocorrido um erro de digitação, visto que o artigo 137, sequer, possui parágrafos, provavelmente tratase de uma referência ao art. 136, §1, I, a), visto que tal suspensão é restrição de direito e as restrições de direitos podem ser relativas ou 154 absolutas, nada impedindo, que no estado de defesa, seja absoluta. Traz-se ainda a possibilidade de, ao invés de restringir por completo o direito à reunião, proibindo qualquer forma, o decreto presidencial contivesse restrições ou colocasse condições para o seu exercício, como comunicação a uma determinada autoridade, haveria afronta ao dispositivo constitucional? “Também entendo que não. ‘quem pode o mais pode o menos’ Quem pode suspender a liberdade de reunião pode apenas permiti-la 154 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 130. 92 dentro de determinados parâmetros, sem que tal limitação afronte a Constituição, que permite mais”.155 Parece acertada a posição supra dos doutrinadores, pois ora, se pode restringir por completo o direito á reunião, poderia permiti-lo de determinadas formas, porque não mitigadas, como reunião máxima de um número x de pessoas, até determinado horário, apenas em determinados lugares específicos, mediante comunicação prévia, ou outra qualquer. 3.1.14 ARTIGO 139, V, DA CRFB/88 Lê-se: “V – busca e apreensão em domicílio”. Regulamenta tal dispositivo a possibilidade de serem realizadas busca e apreensão em domicílio, o que pode ser interpretado como uma afronta ao art. 5º, XI, da constituição156, até podendo-se cogitar, se não trata-se deuma afronta impossível de acontecer, face ao termo inviolável constante em tal inciso e visto não constar nas exceções que ali comporta? Se pensarmos que a Constituição é una, e assim deve ser interpretada, nada impede que uma determinada disposição como esta possa se dar em parte diferente do texto constitucional157. Tal busca e apreensão descrita, diz respeito tanto a coisas, pessoa ou pessoas158, além do que poderia ocorrer sem a necessidade de ordem judicial, o que seria a regra159. 155 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. V. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 131. 156 “XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 157 “A expressão ‘garantia inviolável’ do art. 5º, XI, comporta, pois exceções colocadas no próprio corpo do artigo e nas hipóteses do estado de sítio”. - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 134. 158 “Esta permissibilidade, decorrente do estado de sítio, suspenda a garantia contida no inciso XI do artigo 5º. Pode-se violar o domicílio sem que ocorra infração constitucional. A busca e apreensão refere-se a coisas e pessoa ou pessoas” – FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. São Paulo: Ed. Julex, 1989, p. 827. 159 “A busca e apreensão no domicílio sem autorização judicial é, portanto, faculdade que se outorga ao Poder Público por 93 A provável intenção da Constituição foi autorizar a celeridade de medidas, vez que depender de autorização judicial para efetuar busca e apreensão de coisas ou pessoas em estado de sítio, poderia fazer a medida ineficaz, excepcional como é, urge de medidas urgentes. A busca é instituto que permite vasculharem-se lugares suspeitos para obter aquilo que se imagina lá esteja. As suspeitas poderão ser, inclusive, infundadas, não revelando, a busca, a existência de nada que se procurava. Nesse caso, não caberá ao que sofrer a busca, no caso de sítio, qualquer indenização, a não ser que comprovados abuso do poder, má-fé e intenção dolosa de prejudicar, hipótese em que caberá ao atingido indenização (...) na apreensão, as suspeitas se confirmam, e aquilo que se procura é encontrado. Não é difícil que, em face do estado de tensão que o combate à comoção intestina gera, abusos 160 possam ocorrer nas buscas e apreensões Como bem ressalta os doutrinadores em sua parte final, não seria difícil de se imaginar, que em tal autorização poderia ser usada arbitrariamente, e mesmo que, houvesse a possibilidade de indenização por eventuais danos sofridos, pelos agentes públicos gozarem de fé pública, ficaria numa situação difícil o atingido comprovar a má-fé, abuso de poder ou outra conduta que autorizaria aludida reparação. Manoel Gonçalves Ferreira Filho traz a explicação de que “com efeito, autoriza que, durante o estado de sítio, se efetuem buscar e apreensões domiciliares, fora dos casos admitidos pela lei ordinária e mesmo à noite e sem consentimento do morador”.161 Traz portanto a possibilidade de efetuar a busca e apreensão inclusive a noite, vez que se admissível efetuar a mesma sem autorização judicial, que é um dos direitos assegurados, igualmente poderia-se entender que a restrição poderia recair sobre o trecho final do art. 5º, XI, “durante o dia, por determinação judicial”. decorrência do estado de sítio”. - Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 134. 160 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 135/136. 161 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 73. 94 3.1.15 ARTIGO 139, VI, DA CRFB/88 Dispõe: “VI – intervenção nas empresas de serviços públicos”. Igualmente como no Estado de Defesa já era cabível a requisição e ocupação de serviços públicos, é admissível a intervenção nas empresas de serviços públicos. Tal medida acredita-se exista para que o Estado possa tomar as rédias de determinado serviço público, na sua maioria essencial, que venha a estar tendo sua execução má realizada. 3.1.16 ARTIGO 139, VI, DA CRFB/88 Determina: “VII – requisição de bens”. Repete-se aqui previsão já cabível no Estado de Defesa que diz respeito a requisição por parte do estado de determinados bens, no entanto o que antes recaía apenas sobre bens e serviços públicos, pode recair aqui à particulares. Não há muito a acrescentar do que já foi dito, complementando com o que dispõe Diógenes Gasparini a requisição pode ser definida como utilização, quase sempre transitória e autoexecutória, pela Administração Pública, de bens particulares, mediante determinação da autoridade competente, com ou sem indenização 162 posterior; em razão ou não de perigo público Logo, a Constituição autoriza, no caso por questão de eminente perigo público a requisição de bens particulares, desde que justificáveis para determinada ação estatal. 162 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 10 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p 680. 95 3.1.17 ARTIGO 139, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CRFB/88 Regulamenta: “Parágrafo único: Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamento de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa”. O parágrafo único traz uma ressalva para assegurar que, os pronunciamentos dos parlamentares, desde que liberados pela respectiva Mesa, não se incluem na possibilidade de restrição trazida pelo inciso III, que traz a possibilidade de restrição do à prestações de informações e liberdade de imprensa, radiodifusão ou televisão, vez que caso não houvesse tal ressalva, o executor da medida poderia, em tese, impedir pronunciamentos feito pelas Casas Legislativas. A fim de evitar tal possibilidade, há a ressalva de que é excluída tal possibilidade. Assim, basta a liberação por parte da Mesa da Casa Legislativa de que o assunto possa ser vinculado, para que assim o seja sem nenhuma possibilidade de restrição a não ser pela Mesa da Casa a que pertença o parlamentar. 3.2. DISPOSIÇÕES GERAIS Por fim, traz a Constituição do artigo 140 ao artigo 141, disposições gerais que devem ser seguidas tanto no caso de estado de defesa quanto em estado de sítio. Parte-se a análise dos dispositivos. 3.2.1 ARTIGO 140 DA CRFB/88 Dispõe: 96 Art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os lideres partidários, designará Comissão composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa e ao estado de sítio. Este artigo determina a criação de uma Comissão Especial para fins de acompanhamento e fiscalização das medidas que foram realizadas, devendo ser criada tanto por ocasião de decretação do Estado de Defesa quanto em Estado de Sítio. A Comissão será composta de cinco membros do Congresso Nacional, portanto existe a possibilidade de serem cinco membros do Senado ou do Câmera dos Deputados, apesar de que, em tese, o ideal será uma miscigenação de ambas as casas, sendo tais membros designados pela Mesa do Congresso Nacional, após a oitiva dos lideres partidários do Congresso Nacional. Em que pese seja a prori de todo o Congresso Nacional a função de monitorar as atividades executadas no Estado de Sítio, fiscalizando para fim de evitar abusos ou irregularidades, a criação da Comissão visa designar determinados parlamentares que ficarão especialmente encarregados de tal função, “é ela meramente uma comissão especial, a que é dada essa incumbência em particular”.163 Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho “na verdade, sempre atuará como antena do Congresso, que durante toda a vigência dos poderes extraordinários estará em reunião permanente”.164 Importante ressalvar que a comissão serve para manter atento o Congresso Nacional, que terá o poder final de deliberar as medidas que entender necessária, como uma possível revogação da aprovação, o que não poderia ser feito apenas pelos membros da Comissão165. 163 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 74. 164 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 74. 165 “A finalidade é não apenas supervisionar o desenvolvimento das medidas aprovadas como acompanha-las passo a passo, podendo, sempre que entender terem sido ultrapassados os limites autorizados, levar, de imediato, a questão ao Congresso Nacional, para que suste, se for o caso, aquelas ações excedentes. O seu poder de fiscalizar não é, todavia, o 97 3.2.2 ARTIGO 141, “CAPUT”, DA CRFB/88 Disciplina: “Art. 141. Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem prejuízo, da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes”. O “caput” do art. 141 regulamenta para não deixar dúvidas, cessado o estado de defesa ou estado de sítio, cessão também os seus efeitos, ou seja, findos o estado de defesa e de sítio, finda também as restrições aos direitos e “poderes excepcionais”. A disposição para ser a mesma acertada, vez que, as medidas restritivas de direito só são “autorizadas” pela própria crise e necessidade de resolve-la, logo, se cessado o estado de defesa ou estado de sítio está afirmando o Poder Público que a crise chegou ao seu fim, ou ainda, que embora não finda, não há mais necessidade do uso dos poderes de exceção que tais institutos conferem, a crise pode ser sanada pelos “meios ordinários” de combate do Estado. A parte final diz respeito que, em que pese os efeitos da medida de exceção cessem, isto não significa que as eventuais responsabilidades cometidas pelos executores ou agentes públicos durante tal período também irão cessar. Poderia-se dizer que até mesmo o contrário, visto que findo o estado excepcional, seria teoricamente mais fácil averiguar as possíveis irregularidades, afinal o “impasse” já teria passado. 3.2.3 ARTIGO 140, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CRFB/88 Dispõe: de intervir, cabendo exclusivamente ao Congresso Nacional, alertado pela comissão, deliberar da forma que a maioria absoluta entender melhor, sobre a atuação do Poder Executivo” – Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5 São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p.. 153. 98 Parágrafo único: Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos, e indicação das restrições aplicadas. De início, em uma primeira interpretação verifica-se a necessidade de que por ocasião da realização das medidas, seja feito um registro detalhado especificando as ações realizadas, o porque foram motivadas, relacionar nominalmente, ou seja, identificando corretamente o nome dos que foram diretamente atingidos por medidas executados166, indicando quais restrições estes sofreram. Após, cessado o estado de defesa ou estado de sítio, deverá o Presidenta de República, enviar relato com ao Congresso Nacional com tais especificações, daí a necessidade de cautela prévia em registro de tais ocorrências, visto que o estado de defesa ou sítio pode perdurar por semanas e ter várias medidas realizadas, o que tornaria praticamente impossível, sem o devido registro, de relatar-se corretamente as atividades. Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins “A justificação reside, fundamentalmente, no fato de que, nada obstante a convocação do Congresso, que deve fiscalizar as providências tomadas, a extensão e os pormenores, que são próprios à ação do Executivo, nem sempre são de possível e rígida fiscalização, quando não de difícil compreensão por parte dos legisladores. Encerrado o período de qualquer um dos dois estados, nada mais lógico que exigirse do Presidente que preste contas ao Congresso Nacional da forma como exerceu o mandato outorgado, para que o Parlamento avalie se 167 agiu nos limites da delegação ou se os ultrapassou” 166 Até mesmo porque se fossemos considerar de modo amplo, seriam atingidos pela medida todos aqueles que se encontrassem dentro da áreas abrangidas. 167 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 159. 99 Em que pese não haja um prazo para que apresente o relatório ao Congresso Nacional, “o texto magno (...) aplica a palavra ‘logo’, o que significa com rapidez”.168 O objetivo da Constituição parece ter sido dar freios ao Chefe do Executivo, vez que estará ciente que deverá relatar as atividades realizadas, sob pena de posterior responsabilidade169. Assim, em que pese atinja certos “poderes absolutos” durante a vigência dos dois estados, este “poder” não dura para sempre, portanto deve ser cometido nas suas medidas, utilizando-as somente quanto necessário. Além disso, o executor das medidas é escolhido pelo Presidente da República e, em que pese, a responsabilidade dos atos do executor a priori seja distinta da do Presidente da República, ante a possibilidade do primeiro em extrapolar os limites dados pelo segundo, é também possível que este último dê mais poderes ao executor da medida que deveria, ou cesse direitos que não justificadamente. Interessante ressaltar o rol dos crimes de responsabilidade do Presidente da República enumerados no artigo 85 da CRFB/88, que poderia no caso de má execução do estado de defesa ou de sítio se enquadrar como atos atentatórios contra a Constituição Federal ou ainda ao “exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”, “segurança interna do País”, “probidade na administração”170, dentre outros. 168 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p. 218. 169 “Assinale-se que a desaprovação do relatório deve resultar no mesmo instante em processo de responsabilidade contra os praticantes dos atos reprovados, se for o caso, e especialmente contra o Presidente da República, se não providenciou punição de seus autores. De fato, a omissão do Presidente da República, em exigir de seus subordinados, como executores do estado de sítio, o respeito à lei e à Constituição, configura crime de responsabilidade”. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins. Comentários à Constituição do Brasil. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 1997 , p. 159. 170 Respectivamente, os incisos III, IV e V do art. 85 da CRFB/88. 100 3.3 CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS Ainda existem algumas questões que entendeu-se necessário abordar, visto que, embora não contidas no texto constitucional analisado, fazem pertinência ao tema. 3.3.1 IMPOSSIBILIDADE DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Traz a Constituição, na Subceção relativa as disposições acerca das emendas à constituição, mais precisamente no art. 60, §1º, a impossibilidade de emendar-se nossa carta magna durante a vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou estado de sítio. Tem-se, portanto, uma vedação expressa a tal possibilidade, o que acarretaria caso mesmo assim efetuasse uma emenda à constituição, sua invalidade visto estar formalmente de desacordo com a disposição constitucional. Muitos podem ser as razões pelos quais a Constituição vedou expressamente tal possibilidade, no entanto, pode-se cogitar alguns como, evitar emendas realizadas pelo “calor da crise”, poderiam trazer mudanças desastrosas ao ordenamento jurídico. Ou até mesmo para evitar uma possibilidade nefasta como, abolição de direitos. Ora, se seria possível em estado de sítio, declarado pelo art. 137, II, suprimir, em tese, qualquer direito constitucional, poderia-se, também em tese, caso não tivesse tal expressa restrição, emendar-se à constituição para abolir de vez tal direito. Obviamente esta é uma interpretação forçada e tendenciosa, no entanto, a cautela do constituinte em dispor sobre a impossibilidade de emenda já afasta tais possibilidades de pensamento que de 101 certo não seriam descartadas em caso de utilização de tais institutos como meio de dominação política, ou “ditadura legal”. Ademais, não há como se pensar em emendar à constituição na ocorrência de tais estados excepcionais, visto que como eles próprios sugerem, está ocorrendo uma grave crise institucional, logo, estar-se-ia declarando que efetuou-se mudanças na carta política do país quando seus institutos fundamentais não estão em perfeita ordem. Fato é que, independente do motivo pelo qual à esta restrição, não é admita tal possibilidade. 3.3.1 ELEIÇÕES EM ESTADO EXCEPCIONAL Embora não haja restrição expressa na norma, encontrouse na doutrina determinadas restrições sobre a possibilidade de eleições em período de vigência do estado de sítio ou de defesa171. Fundamenta-se que por ocasião da possibilidade de várias suspensões de direitos, a válida das eleições poderia estar comprometida. Outrossim, estando o país passando por uma crise seria interessante trocar os agentes políticos, como Presidente da República ou os parlamentares do Congresso Nacional? Tal mudança acarretaria inúmeros possíveis problemas, como o novo Presidente da República desejar mudar o executor das medidas, ou mesmo entender não necessário o estado excepcional, ou a mudança na bancada de parlamentares do Congresso Nacional mudar a opinião sobre o estado decretado. 171 Sobre o tema vide FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32 Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 342, sendo tal subtítulo uma interpretação livre do ali contido, salvo determinação expressa em contrário no corpo do texto. 102 Além disso, o próprio problema de continuidade do trabalho já feito ficaria comprometido com a mudança do Chefe do Executivo, por exemplo. Sopesando isto, não seria de “boa prática” a ocorrência de eleição por ocasião de tais situações, no entanto caso o estado de sítio não trouxesse interferências a eleição, considera-se a possibilidade de sua validade. No entanto como já dito, não existe impeditivo expresso, logo, fugindo as hipóteses aqui elencadas, ao menos formalmente, não há restrição a tal possibilidade. 103 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a pesquisa realizada, pode-se de forma clara entender como se dá a decretação do Estado de Defesa e Estado de Sítio, bem como as regras que os regem, tanto em procedimento quanto vedações e possibilidades. Verificou-se que de fato, a hipótese cogitada de possibilidade de supressão de direitos e garantias de fundamentais existe, no entanto, não na forma inicialmente cogitada, qual seja, de restrição irrestrita, mas sim nos limites que a Constituição assim ditar. Pode-se entender que embora seja um Estado de Exceção, o que numa primeira análise poderia dar a entender que estaria fora de toda lógica e estruturação do Estado de Direito, mesmo ele, possui princípios e idéias norteadoras, as quais devem ser seguidas para fim de que a atitude seja encarada como legitima e válida e não uma tentativa de golpe ditatorial ou subversão da real intenção da norma. Verificou-se que o Estado de Defesa é uma forma mais branda de Estado de Exceção, restrito há algumas localidades e sendo cabível apenas a supressão de alguns direitos constitucionais, sendo ato privativo do Presidente da República sua decretação e com controle posterior do Congresso Nacional. Já o Estado de Sítio seria a ultima ratio em solução de crises prevista na constituição, com competência exclusiva do Presidente da República e controle prévio do Congresso Nacional, admitindo sua decretação em toda extensão do território brasileiro, bem como admissível, em tese, supressão de qualquer garantia constitucional. 104 E por fim fica o incentivo a uma futura pesquisa para em complemento a este trabalho poder-se compreender de forma ainda mais profunda os institutos de exceção. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20 Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2005. 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