ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA PAULO CABRAL FILHO DESAFIOS DA CIBERNÉTICA BRASILEIRA: vulnerabilidades dos sistemas informacionais e alternativas para minimizá-las Rio de Janeiro 2012 PAULO CABRAL FILHO DESAFIOS DA CIBERNÉTICA BRASILEIRA: vulnerabilidades dos sistemas informacionais e alternativas para minimizá-las Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Eng R1 Carlos Alberto Gonçalves de Araújo. Rio de Janeiro 2012 C2012 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________ Paulo Cabral Filho Biblioteca General Cordeiro de Farias Cabral Filho, Paulo Desafios da cibernética brasileira: vulnerabilidades dos sistemas informacionais e alternativas para minimizá-las / Professor Paulo Cabral Filho. Rio de Janeiro: ESG, 2012. 89 f.: il. Orientador: Cel Eng R1 Carlos Alberto Gonçalves de Araújo. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012. 1. Vulnerabilidades. 2. Tecnologias. 3. Cibernética. I.Título. A Carolina e Eveline, que me motivam a seguir em frente. AGRADECIMENTOS Ao Corpo Permanente da ESG. Em especial ao orientador Cel Eng R1 Carlos Alberto Gonçalves de Araújo pelas orientações e pela paciência durante a elaboração desta monografia. Ao amigo Dr. Eugenio JF Neiva pela preciosa contribuição na revisão e refinamento do trabalho. Aos amigos (em ordem alfabética): Doutorando Augusto C. Raupp – FIOCRUZ, Dr. Claudio Amorim – LCP/COPPE/UFRJ; Dr. Marcelo Albuquerque – CBPF/MCTI; Dr. Marcos Arouche Nunes – ON/MCTI; Dr. Pedro Dias – Diretor LNCC/MCTI; Que entusiasticamente colaboraram com as entrevistas para elaboração desta monografia. Aos amigos do Departamento de Educação e Cultura do Exército – DECEx. Em especial ao Cel. Antônio Carlos Guelfi e Cel. Mauro Macedo Machado que me incentivaram a cursar o CAEPE da ESG. Aos amigos Prof. Dr. Pedro Leite da Silva Dias, Diretor do LNCC e Prof. Wagner Vieira Léo, Coordenador CSR/LNCC, que me apoiaram durante o curso. Aos amigos da Turma Programa Antártico Brasileiro – PROANTAR, pelos bons momentos ao longo de 2012. RESUMO O término da reserva de mercado de informática (1992) sem transição negociada para um novo modelo produtivo praticamente parou a indústria computacional brasileira. O país passou de produtor a importador das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Com o uso da Internet em todos os segmentos da sociedade, nos anos seguintes, a dependência tecnológica gerou um quadro de vulnerabilidades para o desenvolvimento, segurança e soberania nacionais. O governo tem tomado muitas providências – políticas, estratégias, planos, investimentos. O país continua, contudo, com vulnerabilidades globais e pontuais. A carência de engenheiros tem sido alvo de novas medidas, mas formação demanda tempo e há um déficit corrente, sem solução. Paralelamente, persiste a deficiência da educação básica, problema de fundo que restringe a formação de engenheiros e demais interessados nas tecnologias de ponta. Na inovação e geração de patentes, o governo tem agido junto à academia e empresas. Persiste, porém, a falta de investimento pelas próprias empresas, sem razões identificadas. Quanto ao desenvolvimento de hardware e componentes eletrônicos, a dependência é quase total. Como vulnerabilidades pontuais, discute-se o Sistema de Nomes de Domínio (DNS) e o sistema da Hora Legal Brasileira (HLB). Propõe-se garantir o funcionamento do DNS no âmbito nacional, em qualquer panorama global, por meio de uma estratégia de contingência por parte do CGI.br. Quanto à HLB, propõe-se a criação de um comitê externo para controle e respaldo na procura de solução das restrições e a busca de sustentabilidade, pelo pagamento dos serviços. Em suma, entende-se que estratégias adequadas podem minimizar os desafios cibernéticos nacionais. Há aspectos, porém, que transcendem mandatos governamentais. São questões de Estado, só resolvíveis com políticas duradouras e planejamento de longa duração. Palavras chave: Vulnerabilidades. Tecnologias. Cibernética. ABSTRACT The end of the commercial protection measures for the computer Brazilian industry (1992) without a negotiated transition to a new production model virtually halted Brazilian computer industry. The country went from a position of producer to one of importer of Information and Communication Technologies (ICT). With the spread of Internet through all segments of life, in the subsequent years, the technological dependence generated a framework of vulnerability to national development, security and national sovereignty. Government has taken many steps – new policies, strategies, plans, investments. However, global and punctual vulnerabilities remain. The shortage of engineers has been subject of new measures, but education and training takes time and there is a current deficit, unsolved. At the same time, there is still a deficiency in basic education, a paramount problem that restricts the formation of engineers and others interested in advanced technologies. Regarding innovation and patent generation, government has taken many measures regarding universities and companies. There remains, however, a lack of investment by the companies themselves, for unidentified reasons. Regarding hardware and electronic components development, dependence is almost total. With respect to local vulnerabilities, the Domain Name System (DNS) and the Brazilian Legal System Time (HLB) are discussed. It is proposed to guarantee the operation of the DNS nationally in any global scenario, by means of a contingency strategy to be adopted by the CGI.br. As for HLB, it is proposed the creation of an external committee to control the system and support in finding solution for the constraints and the pursuit of sustainability, by means of the payment for the services provided. In short, the understanding is that appropriate strategies can minimize the cyber challenges faced by Brazil. There are aspects, however, that transcend governmental mandates. They are matters of state, only resolvable with long standing policies and long-term planning. Keywords: Vulnerability. Technology. Cybernetics. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 Imagem do NCP I ............................................................................... 18 QUADRO 1 Brasil: Alunos matriculados e titulados nos cursos de mestrado e doutorado, ao final do ano, 1998-2011 ............................................... 31 QUADRO 2 Brasil: Alunos matriculados e titulados nos cursos de mestrado e doutorado, ao final do ano, por grande área, 2011 ............................ 32 QUADRO 3 Brasil: Distribuição dos programas de pós-graduação, por grande área, 2011 .......................................................................................... 33 QUADRO 4 Dispêndios com CT&I ........................................................................ 34 QUADRO 5 Gastos em P&D em países selecionados .......................................... 42 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC Academia Brasileira de Ciências ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas AC Autoridade Certificadora ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento BR Brasil C Linguagem de programação C C&T Ciência e Tecnologia CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBM Comitê Brasileiro de Metrologia CDTS Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde CEITEC Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada CENADEM Centro Nacional de Desenvolvimento do Informação CENAPAD Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho CGI-BR Comitê Gestor da Internet Brasileira CISB Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro CITC-ON Comitê Interno Técnico Científico do Observatório Nacional CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico COMUT Programa de Comutação Bibliográfica CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia CPqD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da antiga Telebrás (atual Fundação CPqD). CPTEC Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos CPU Unidade Central de Processamento CREA Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura Gerenciamento de CSR Coordenação de Sistemas e Redes do LNCC CT&I Ciência Tecnologia e Inovação CTA Centro Tecnologia Aeroespacial DECEx Departamento de Ensino e Cultura do Exército Brasileiro DEP-EB Departamento de Ensino e Pesquisa – Exército Brasileiro DNS Domain Name System DSHO Divisão do Serviço da Hora DT Desenvolvimento Tecnológico EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A ENCTI Estratégia Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação EUA Estados Unidos da América FAP Fundação de Amparo a Pesquisa FAPESP Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz FORTRAN IBM Mathematical FORmula TRANslating HLB Hora Legal Brasileira IBM Internacional Business Machine ICP-BRASIL Infraestrutura de Chaves Pública Brasileira ICT Institutos de Ciência e Tecnologia INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacional INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IP Internet Protocol ISBN Numeração Internacional Normalizada para a Identificação de Livros ISO Organização Internacional de Normalização ITC Infraestrutura de Tempo e Certificado LNCC Laboratório Nacional de Computação Científica LPTF Laboratório Primário de Tempo e Frequência MCT Ministério da Ciência e Tecnologia MCTI Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MEC Ministério da Educação MTE Ministério do Trabalho e Emprego NEC NIppon Denki Kabushiki Gaisha (multinacional da área de TI) NIC-BR Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR NIT Núcleo de Inovação Tecnológica NIT-RIO Núcleo de Inovação Tecnológica do Rio de Janeiro NTP Network Time Protocol ON Observatório Nacional P&D Pesquisa e Desenvolvimento PACTI Programa de Ação em Ciência e Tecnologia e Inovação PAD Processamento de Alto Desempenho PADIS Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores PADTEC Marca da Empresa de equipamentos de transmissão do CPqD. PDP Programa de Desenvolvimento Produtivo PNM Programa Nacional de Microeletrônica PROEX Programa de Excelência acadêmica PTICE Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro RAM Random Access Memory RHAE Recursos Humanos em Áreas Estratégicas RNP Rede Nacional de Ensino e Pesquisa SBMicro Sociedade Brasileira de Microeletrônica SEPIN/MCT Secretaria de Política de Informática do MCTI SIM Sistema Interamericano de Metrologia SINAPAD Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho 12 T&F Tempo e Frequência TI Tecnologia da Informação TIC Tecnologia da Informação e Comunicação UFC Universidade Federal do Ceará UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura UNICAMP Universidade de Campinas SUMÁRIO 1 1.1 1.2 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13 A ORIGEM DOS DESAFIOS ........................................................................ 13 OS OBJETIVOS E AS DIVISÕES DO TRABALHO ...................................... 14 2 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 2.3 2.4 O DESENVOLVIMENTISMO E SEU LEGADO ............................................ 15 A RESERVA DE MERCADO DOS ANOS 1980 E 1990 ................................ 15 OS LEGADOS DE UMA POLÍTICA .............................................................. 17 O supercomputador brasileiro NCP I ........................................................ 17 O sistema nacional de processamento de alto desempenho – SINAPAD ..................................................................................................... 19 A INTERNET BRASILEIRA........................................................................... 21 O SERVIÇO DA HORA LEGAL BRASILEIRA .............................................. 23 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 A ESTAGNAÇÃO DO SETOR TECNOLÓGICO .......................................... 29 A CARÊNCIA DE ENGENHEIROS ............................................................... 29 AS NOVAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS ............................................. 34 OS NÚCLEOS DE INOVACAO TECNOLOGICA .......................................... 37 A PRODUÇÃO DE PATENTES .................................................................... 38 O CICLO DE DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO ................................. 41 O FOMENTO A INDÚSTRIA ELETRÔNICA NO BRASIL ............................. 45 O FOMENTO A INDÚSTRIA DE SOFTWARE ............................................. 47 4 CONCLUSÃO............................................................................................... 50 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 54 ANEXO A – ANEXO B – ANEXO C – ANEXO D – ANEXO E – MATÉRIAS SOBRE NCP I ...................................................... 58 E-MAIL SEPIN/MCTI ............................................................... 63 ENTREVISTA AUGUSTO DA CUNHA RAUPP ...................... 64 ENTEVISTA CLAUDIO AMORIM – LCP/COPPE/UFRJ ......... 68 ENTREVISTA MARCELO PORTES DE ALBUQUERQUE – CBPF/MCTI ............................................................................. 72 ANEXO F – ENTREVISTA MARCOS AROUCHE NUNES - ON/MCTI ....... 73 ANEXO G – ENTEVISTA PEDRO LEITE DA SILVA DIAS – DIRETOR LNCC....................................................................................... 86 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 A ORIGEM DOS DESAFIOS Com o término da reserva de mercado de informática (em outubro de 1992), a indústria brasileira – que até então projetava e fabricava equipamentos e software, ainda que com as dificuldades inerentes a pouca experiência – praticamente interrompeu o desenvolvimento dos projetos computacionais de todos os portes. O País passou da condição de potencial produtor e fabricante à de importador e de mero consumidor das denominadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Com o advento da Internet, a condição desfavorável acentuou-se ainda mais, por duas razões principais. A primeira, a dependência que o país passou a ter em relação aos detentores e proprietários das TIC. A segunda, a virtual obrigatoriedade do uso da rede mundial, que interconecta a maioria dos sistemas do mundo e é controlada por poucos, para a disponibilização dos novos serviços. No bojo desses novos serviços, a par dos inegáveis benefícios, ocorrem fragilidades, identificadas como “vulnerabilidades” dos sistemas computacionais e informacionais, tanto quanto aos meios físicos (redes e equipamentos - hardware), como quanto aos programas (software), que compõem a Internet Global. Esse contexto, então, bem expõe a vulnerabilidade do Brasil decorrente do precário domínio e controle das TIC. Num quadro de maciça utilização dessas tecnologias em todos os segmentos da vida nacional, a defasagem tecnológica constitui uma ameaça ao bem estar da sociedade, ao desenvolvimento, à soberania e à segurança nacionais. Daí, a importância de se apontar e discutir as deficiências e vulnerabilidades da cibernética brasileira, bem como de se indicar possíveis medidas para corrigir as não conformidades identificadas. Assim, vem a pergunta – a hipótese do trabalho – que se coloca, há condições plenas para o Brasil desenvolver alta tecnologia própria e minimizar os desafios cibernéticos a partir da adoção de estratégias, políticas e práticas adequadas? 14 1.2 OS OBJETIVOS E AS DIVISÕES DO TRABALHO Preliminarmente, ressalta-se que esse trabalho não tem o propósito de redefinir ou reconceituar o que já foi definido ou conceituado. Não se pretende, também, discutir ou explicar conceitos já consagrados, mas apenas indicar alguns aspectos inerentes à cibernética brasileira e apresentá-los à reflexão do leitor. Nesses termos, o objetivo geral do trabalho é avaliar alguns desafios cibernéticos a partir dos aspectos referentes aos recursos humanos, à infraestrutura tecnológica e às condições para desenvolver as tecnologias cibernéticas essenciais à Soberania Nacional. O trabalho está dividido em quatro partes. Este Capítulo 1, introdutório, contextualiza o trabalho e apresenta a sua organização. O Capítulo 2 trata dos efeitos do período de reserva de mercado de informática e das consequências da forma como foi encerrado, sem nenhuma política que substituísse as que foram literalmente abandonadas. O Capítulo 31 versa sobre o quadro de estagnação do setor tecnológico brasileiro e as iniciativas governamentais para a superação dessa condição. O Capítulo 4 consolida as conclusões do estudo e apresenta recomendações, enfatizando a existência de condições para o domínio das tecnologias necessárias ao desenvolvimento e à manutenção da soberania nacional no contexto cibernético, em consonância com a hipótese do trabalho. 1 Para compreensão mais ampla sobre o papel e a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação no processo de desenvolvimento do Brasil, recomenda-se a leitura de Merquior (2011). 15 2 O DESENVOLVIMENTISMO E SEU LEGADO 2.1 A RESERVA DE MERCADO DE INFORMÁTICA Durante os governos militares (1964 – 1980), o Brasil assumiu uma postura desenvolvimentista, criando leis, programas, órgãos de governo, empresas, entre outras iniciativas que garantissem as condições para que o desenvolvimento do país ocorresse. E de fato diversas áreas se desenvolveram, como a agricultura, através da Embrapa, o setor aeroespacial, com o CTA, o INPE e a EMBRAER, o ensino e a pesquisa, com a ampliação de universidades existentes e criação de novas e com a criação de centros nacionais de pesquisa, entre outras tantas medidas bem sucedidas, que estão nas bases do Brasil de hoje. Sem dúvida que a continuidade nas políticas estratégicas durante os governos militares impulsionaram a ciência e a tecnologia do Brasil com uma sólida ação nas áreas de capacitação tecnológica e de formação de recursos humanos, conduzida pelas agências de fomento CNPq e FINEP (MCT) e CAPES (MEC). No plano nacional, diversas novas universidades foram criadas e estruturadas de forma a suportar um aumento expressivo do número de alunos, e atender as diversas demandas para dar continuidade ao seu desenvolvimento. Na mesma dinâmica, à época as universidades formavam engenheiros, físicos, matemáticos, químicos, em números compatíveis com a demanda do mercado, empresas e academia. O sistema de ensino oferecia incentivos na forma de bolsas de estudos para pós-graduação no exterior, com intuito de formar massa crítica capaz de responder às expectativas tecnológicas nacionais. Concomitantemente, novos centros de pós-graduação foram criados em universidades brasileiras, tanto públicas quanto privadas, financiados com recursos do governo federal. Exemplos são o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), que, com o apoio recebido, criaram e/ou estruturaram seus programas de pós-graduação de mestrado e doutorado em áreas tecnológicas. Ao longo da década de 1980, inúmeros mestres e doutores retornaram de renomadas universidades e laboratórios de pesquisas do exterior, trazendo consigo conhecimento científico e treinamento em pesquisa e desenvolvimento científico e 16 tecnológico de ponta, adquiridos durante sua participação em grupos e áreas de pesquisas avançadas. No contexto dessas políticas, o Brasil investiu na implantação do segmento de eletrônica e informática, para dar sustentação aos setores de base tecnológica, e estabeleceu a reserva de mercado como forma de proteger as empresas nacionais, ainda frágeis, da concorrência das grandes empresas internacionais. Durante a conhecida Reserva de Mercado de Informática, o país investiu em pesquisa e desenvolvimento das tecnologias computacionais e acumulou conhecimentos para o seu progresso. Nesse cenário – embora a qualidade e a modernidade dos equipamentos quando comparados aos similares dos países avançados, inegavelmente superiores, fosse questionável – a indústria brasileira, por um lado, aumentava gradativamente o domínio tecnológico e a nacionalização dos componentes utilizados. Em outra vertente, o mercado e as empresas se estruturavam e mantinham seus quadros de pessoal – engenheiros, técnicos e outros profissionais dos mais variados níveis e especialidades – projetando, fabricando ou melhorando os produtos desenvolvidos e/ou transferidos. Em 1992, contudo, cessaram as medidas protetoras e os incentivos e a abertura do mercado para os produtos importados foi feita sem que tenha havido uma política de transição que reorientasse o mercado nacional de base tecnológica para a concorrência internacional. Paralelamente, vinculou-se uma imagem negativa aos produtos nacionais, por comparação com os mais evoluídos produtos similares estrangeiros. O resultado dessa ausência de política materializou-se nos anos subsequentes: as empresas nacionais de base tecnológica foram dizimadas e foram perdidas as poucas tecnologias que haviam sido desenvolvidas. Sem qualquer tipo de apoio e de financiamento, sem continuidade, nem encomendas de novas versões, fosse com objetivo científico e tecnológico, acadêmico ou comercial, inúmeras empresas fecharam ou se transformaram em meras montadoras ou representantes de empresas estrangeiras. As equipes de engenharia foram dissolvidas e foi interrompido o desenvolvimento de produtos com alto valor agregado. Os projetos foram indiscriminadamente atingidos, inclusive aqueles de ponta, com grande potencial inovador. Além do investimento desperdiçado nas pesquisas e nos pesquisadores, portanto, restaram à tradição de manter o Brasil na condição de comprador ou 17 revendedor de tecnologias, a vulnerabilidade aumentada e o fosso tecnológico cada vez maior em relação aos países desenvolvidos. Em linguagem popular, jogou-se fora o bebê junto com a água do banho. Não obstante, alguns projetos sobreviveram como importantes legados daquele período, com maiores ou menores sucesso e continuidade, mas com suas deficiências e vulnerabilidades, como veremos. 2.2 OS LEGADOS DE UMA POLÍTICA 2.2.1 O supercomputador brasileiro Um dos resultados significativos da política de desenvolvimento foi registrado no dia 22 de março de 1990. Nesse dia, o jornal “O Estado de São Paulo” publicou uma notícia intitulada: “UFRJ desenvolve computador paralelo”. Nessa matéria a jornalista Tânia Malheiros (MALHEIROS,1990) escreveu: RIO – Engenheiros brasileiros acabaram de concluir um dos mais importantes projetos nacionais da área tecnológica: o protótipo de um computador de processamento paralelo, capaz de realizar uma série de operações numéricas de grande porte até hoje dominada apenas por supercomputadores. O projeto ... (continua) A partir dessa data, várias outras notícias (ANEXO A) foram sendo publicadas nos principais jornais e revista especializadas do país. O importante desse período é que estava nascendo nos países mais desenvolvidos o conceito do computador de “arquitetura paralela”, em contraposição aos supercomputadores “sequenciais” fabricados pelas grandes industriais multinacionais do ramo, como a IBM americana e a NEC japonesa. A notícia do computador brasileiro foi matéria do “The New York Times”, em 21 de agosto de 1990, sobre falhas nas restrições para conter a disseminação dos supercomputadores (Restrictions Fail to Halt Supercomputers´ Spread). O jornal apresentava um quadro intitulado “New Competion in Supercomputers”, em que o Brasil estava colocado em sétimo lugar do ranking, fora dos EUA e Japão, com a “Federal University of Rio de Janeiro (Brazil)”. Outra notícia publicada nos EUA pelo “The Times Higher Education Supplement”, em 15 de fevereiro de 1991, informava o 18 sucesso da UFRJ na pesquisa realizada pela pós-graduação na construção de supercomputadores. Esse projeto nacional teve início em 1986, três anos antes de vir à luz o protótipo batizado de NCP I (FIGURA 1), denominação decorrente da criação, pela COPPE, do Núcleo de Computação Paralela, em janeiro de 1989, um ano antes da sua divulgação. A equipe do projeto financiado pela FINEP/MCT era coordenada pelo Prof. Cláudio Amorim e contava com treze pesquisadores com idade média de trinta anos, sete técnicos e aproximadamente cinquenta bolsistas de diversos níveis. O projeto do computador era nacional e seus componentes, na maioria, importados. Sua concepção foi baseada numa arquitetura que lembra um cubo, conhecida pela denominação de “hipercubo”, onde os processadores com memória local funcionam em paralelo e são interligados entre si por quatro canais ponto-aponto de alta velocidade. O sistema era composto pelo hardware descrito e por um software composto de compiladores para linguagens de programação Fortran, C e Occam, projetadas para suportar processos “sequenciais”, bem como “paralelos”, com sistema operacional Unix. FIGURA 1: Imagem do NCP I Fonte: Acervo pessoal do coordenador do projeto Dr. Cláudio Amorim. 19 Com essa arquitetura, o custo de produção versus desempenho era inversamente proporcional ao dos supercomputadores estrangeiros, tornando os computadores muito mais atraentes e adequados (alto desempenho a baixo custo), sobretudo para a realidade dos países em desenvolvimento, como era o caso do Brasil, que carecia dessa classe de computadores para poder desenvolver os diversos segmentos produtivos da economia brasileira (atualmente, desde os supercomputadores até os computadores desktops são baseados em chips multicore (de múltiplos processadores) e utilizam computação paralela – ou seja, foi uma janela de oportunidade tecnológica perdida pelo País). O trabalho inovador e pioneiro desse grupo de pesquisadores inseriu o Brasil, por um curto período, no rol dos países capazes de desenvolver tecnologia de ponta. Teria faltado, talvez, a escala de demanda necessária para justificar o projeto e alavancá-lo à posição de transformação de um desenvolvimento acadêmico em um produto comercial de alto valor tecnológico agregado. 2.2.2 O sistema nacional de processamento de alto desempenho - SINAPAD Outro legado do período de reserva de mercado de informática foi o Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho (SINAPAD), criado no início da década de 1990. Reproduzindo o histórico do SINAPAD constante da sua página internet (2012): A FINEP, preocupada com a insuficiência de recursos econômicos e financeiros e com as dificuldades de administração dos centros de computação nas universidades, desenvolveu uma proposta para a racionalização dos investimentos e do uso dos recursos. Propôs um modelo organizacional baseado em alguns poucos centros de porte grande, com alta capacidade de computação e infraestrutura correspondente e com o acesso via rede, vantajoso mesmo considerando os baixos níveis de conectividade e de velocidade de transmissão de dados da ocasião. Por questões estratégicas, optou pela estruturação da iniciativa em dois programas distintos e inter-relacionados: o PAD, de tecnologia de construção de sistemas de PAD, e o SINAPAD, de serviços de PAD. Na ocasião, estava em curso um movimento para estabelecer um primeiro centro de supercomputação. Diversas iniciativas foram propostas – CENPES/Petrobrás, iniciativa privada, USP –, mas nenhuma concretizada. No início da década de 1990, o MCT optou por apoiar a criação de um centro de supercomputação na UFRGS. Por sugestão da FINEP – mesmo reconhecendo a pouca maturidade das próprias ideias sobre o tema e a falta de consenso na comunidade de C&T sobre os caminhos futuros –, foi aceito que o centro a ser instalado na UFRGS seria o embrião de uma rede 20 nacional, aberta a empresas, governo e academia, para prestação de serviços sob demanda, treinamento e desenvolvimento de aplicações. Entre 1992 e 1998, foram instaladas cinco unidades – os CENAPADs –, nas universidades federais do Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e na UNICAMP, com o apoio do CNPq, na forma de bolsas. No decurso desse processo, o MCT decidiu agregar o LNCC e o CPTEC/INPE ao sistema. Nesse mesmo período e nos anos subsequentes, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) ganhou marcante evolução, que permitiu aos usuários dos CENAPADs acessarem o sistema a taxas de comunicação da ordem de Gigabits por segundo. Em 2007, mais um centro foi criado, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O SINAPAD tem por missão “Fomentar e apoiar o avanço do conhecimento científico e tecnológico por meio da oferta de serviços de Processamento de Alto Desempenho ao Sistema Nacional de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação, ao governo e às empresas”. Coordenado pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), o sistema congrega atualmente oito CENAPADs, distribuídos por algumas universidades e centros de pesquisas (COPPE, CPTEC, LNCC, UFC, UFMG, UFPE, UFRGS e UNICAMP). Totaliza mais de 15 mil núcleos de processamento distribuídos em duas classes de processadores (CPUs e GPUs), que podem ser utilizados tanto para processamento paralelo quanto sequencial. Dispõe de grande capacidade de memória RAM por núcleo ou agregado e de mais de um Petabyte2 para armazenamento. Os números de hoje são expressivos: 8.860 núcleos de processamento de CPUs e 13.568 de GPUs (unidades de processamento gráfico), que fornecem uma capacidade de processamento total de 167,412 Teraflops3, intensamente utilizados, conforme as estatísticas apresentadas na página Internet do SINAPAD (2012). Um caso de sucesso, portanto. Não obstante, constata-se que todo esse aparato tecnológico é importado. Essa é a vulnerabilidade (ou frustração), porquanto, retornando à última parte do segundo parágrafo do histórico do SINAPAD, lemos que: “Por questões estratégicas, optou [a FINEP] pela estruturação da iniciativa em dois programas distintos e interrelacionados: o PAD, de tecnologia de construção de sistemas de PAD, e o SINAPAD, de serviços de PAD”. 2 50 Petabyte é uma unidade de medida para representar 2 bytes = 1 125 899 906 842 624 bytes; e um (1) byte (Binary Term), é um dos tipos de dados integrais em computação e é definida como sendo de 8 bits. 3 12 Teraflops é uma unidade de medida para representar 10 operações de ponto flutuante por segundo, isto é, FLoating-points Operation Per Second. (Esta relacionado à velocidade de processamento de um computador). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ em 20 nov. 2012. 21 Ora, tivesse o desenvolvimento do supercomputador nacional pela COPPE sido integrado ao programa de construção de sistemas de alto desempenho – já que ambos contavam com o apoio da FINEP –, teríamos tido a escala que faltou para a produção do hardware nacional de alto desempenho, do qual hoje dependemos. 2.3 A INTERNET BRASILEIRA Fruto de algumas iniciativas pioneiras conduzidas ao final da década de 1970 e início dos anos 1980, a Internet brasileira tem como marco histórico relevante a criação da (então denominada) Rede Nacional de Pesquisa (RNP), em setembro de 1989, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O objetivo estabelecido para a RNP, inicialmente um projeto, foi o de construir uma infraestrutura de rede Internet nacional de âmbito acadêmico, bem como disseminar o uso de redes no país. A esse evento seguiu-se a abertura da Internet comercial no país, em maio de 1995. Na ocasião, a RNP, com um papel redefinido, estendeu seus serviços de acesso a todos os setores da sociedade, o que constituiu importante apoio à consolidação da Internet comercial no Brasil. Em outubro de 1999, dez anos depois do lançamento do Projeto RNP, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação estabeleceram um novo objetivo, o de levar a rede acadêmica a um patamar muito mais elevado de desempenho. Mediante investimentos da ordem de R$ 215 milhões na implantação de uma infraestrutura de rede avançada, capaz de atender às novas necessidades de largura de banda e de serviços para ensino e pesquisa, o objetivo foi alcançado. Paralelamente, a governança da rede foi consolidada, através da criação dos mecanismos organizacionais que hoje dirigem a RNP 4 (uma organização social, sem fins econômicos)4. Temos, portanto, esse como um caso de autêntico sucesso dos esforços de desenvolvimento tecnológico das décadas anteriores. A Internet brasileira é uma realidade, tanto na sua vertente acadêmica, quanto na comercial, a ponto de não podermos mais prescindir do seu uso, tal a capilaridade da disseminação do seu uso em todos os setores da vida do país, inclusive na área governamental. 4 Maiores detalhes em http://www.rnp.br/rnp/historico.html. Acesso em: 19 set. 2012. 22 Não obstante, um ponto focal da Internet brasileira merece atenção na ótica dos desafios aos interesses da sociedade, da soberania e da defesa – a sua vulnerabilidade em relação aos Servidores Raiz do DNS 5 (sigla em inglês de Sistema de Nomes de Domínio - Domain Name System). Cabe aqui esclarecer, para melhor entendimento. O endereçamento na Internet é baseado em “números IPs” (IP - acrônimo de Internet Protocol). Cada computador conectado na Internet tem um número único (IP) para identificá-lo. Entretanto, memorizar uma quantidade enorme de números é muito mais difícil do que guardar os nomes que identificam o local ou endereço que o usuário deseja acessar. Normalmente, esses endereços estão associados aos assuntos ou tipo de serviço que se está procurando, tais como lojas, bancos, órgãos de governo, etc. Originalmente, eram poucos os computadores conectados via Internet, pelo que bastava manter uma tabela estática, rotineiramente atualizada com os números e nomes de cada um. O crescimento exponencial da rede, contudo, tornou impraticável manter esse método. Desenvolveu-se então o Sistema de Nomes de Domínio, pelo qual são automaticamente “traduzidos” os nomes ou endereços em um número IP (por exemplo, www.lncc.br – IP 146.134.9.171). O DNS, por sua vez, foi desenvolvido para funcionar em uma grande hierarquia. Assim, se um DNS não conseguir traduzir o endereço (nome) em número IP, ele “interroga” outro DNS acima na hierarquia, até chegar a um dos “Servidores Raiz” (Root Servers) da Internet. A partir da “resposta” informando o número correspondente ao nome consultado, inicia-se o encaminhamento da informação através de mecanismos de roteamento. Os poucos Servidores Raiz existentes estão localizados exclusivamente em países do hemisfério norte, notadamente os EUA. Aos demais países resta depender desses servidores ou com eles negociar a criação de “espelhos” (mirrors). No Brasil, o assunto é afeto ao Comitê Gestor da Internet (CGI.br)6, colegiado instituído pelos Ministério das Comunicações e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços de Internet no país. O CGI.br tem a si subordinado, entre outros órgãos, o Núcleo de 5 6 Para maior entendimento sobre o assunto DNS, recomenda-se a leitura de (LARRY L. 2004). Maiores detalhes em http://www.cgi.br. Acesso em 20.set.2012. 23 Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)7, uma entidade civil sem fins lucrativos que implementa as decisões e projetos do Comitê Gestor. Na sua competência, portanto, o NIC.br tem espelhado diversos servidores raiz dentro da rede brasileira, de modo a melhorar o seu desempenho e diminuir a vulnerabilidade da rede nacional. O problema, entretanto, é que o Brasil não tem nenhum controle sobre os servidores externos, ficando totalmente dependente dos países instituidores. Embora a possibilidade de haver um confronto cibernético ou mesmo convencional com os EUA ou com um de seus aliados do hemisfério norte seja muito baixa ou quase remota, pelo menos por enquanto o Brasil poderá ficar praticamente desligado da Internet em pouco tempo. Basta um eventual oponente controlador atuar sobre esses servidores que imediatamente terá início um processo de degradação e os milhões de sistemas espalhados pelo mundo não conseguirão traduzir os endereços brasileiros e assim começará o isolamento, interrompendo as comunicações via Internet – o comércio eletrônico, o acesso aos bancos, aos órgãos de governo, aos serviços em geral e a tudo mais que estiver conectado à Internet no Brasil. O fato de que as diversas estruturas brasileiras (econômicas, comerciais, governamentais) estarem hoje baseadas na internet, nas condições vigentes, constitui, portanto, uma grande vulnerabilidade para o país e configura um dos grandes desafios cibernéticos a ser resolvido. 2.4 O SERVIÇO DA HORA LEGAL BRASILEIRA Com o uso massivo da Internet em todas as instâncias do cotidiano – serviços públicos, serviços bancários, serviços de transporte, sistemas de telefonia, serviços de informação, etc. –, a utilização da hora exata ganhou importância antes insuspeitada, pela necessidade de absoluto sincronismo entre ações realizadas em todas as partes do planeta. No Brasil, o chamado “serviço da hora” é de responsabilidade da Divisão do Serviço da Hora (DSHO) do Observatório Nacional (ON)8, unidade de pesquisa do MCTI. 7 8 Maiores detalhes em http://www.nic.br. Acesso em: 20 set. 2012. Maiores detalhes em http://www.on.br. Acesso em: 19 set. 2012. 24 O ON data de 1827. Foi criado por D. Pedro I, com os objetivos estratégicos de atender às necessidades da navegação (dominar os conhecimentos referentes à determinação da declinação magnética, hora média e longitude – para aferição dos cronômetros para navegação), contribuindo também com a Academia de GuardasMarinhas, na formação dos alunos. Uma instituição centenária, de sólida reputação, construída ao longo dos muitos anos de pesquisas e serviços de relevância para a sociedade, a partir de 1913 (Lei n° 2.784) tornou-se oficialmente responsável pela geração, conservação e disseminação da Hora Legal Brasileira (HLB). Posteriormente (1983), o Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO) credenciou o ON como órgão de referência nacional das grandezas fundamentais de Tempo e Frequência (T&F). Pela sua responsabilidade por gerar, manter e disseminar a HLB, o ON dispõe de uma infraestrutura composta por sete padrões atômicos de feixe de césio e um padrão atômico de MASER de hidrogênio, este com altíssima alta precisão – um segundo de tempo, para mais ou para menos, a cada dez milhões de anos. Essa infraestrutura de padrões de Tempo e Frequência forma a base nacional da Rastreabilidade Metrológica Brasileira de Tempo e Frequência, bem como, através do “Bureau International des Poids et Mesures” (BIPM), mantém a HLB intercomparada com todos os padrões de tempo e frequência internacionais. A rastreabilidade da HLB também se faz em tempo real, por meio do Sistema Interamericano de Metrologia – SIM, acessível via enlace “SIM Time Scale Comparisons” através do “GPS Common-View”. No início de 2002, o ON concluiu a implantação de uma “Infraestrutura de Tempo Certificado” - ITC, constituída por uma “Rede de Carimbo de Tempo Certificado à Hora Legal Brasileira”. Por essa rede, os documentos ou transações digitais (sistema financeiro nacional, troca de documentos eletrônicos) podem ter a HLB “carimbada” digitalmente, de forma segura, autêntica e auditável, assim garantindo a inviolabilidade do registro cronológico. Essa rede é composta pelos padrões de tempo e frequência antes descritos, equipamentos de informática (servidores, ativos de rede, etc.), sistemas de certificação utilizando técnicas de criptografia e os sistemas de autenticação e sincronismo vinculados à HLB. Assim, agrega-se valor jurídico, por lei, a qualquer documento, transação, operação eletrônica ou inserção de assinatura digital que contemple o Carimbo do Tempo vinculado à HLB. 25 À vista desse panorama, fácil concluir que o domínio das tecnologias envolvidas nesse segmento é crítica, no interesse direto da sociedade brasileira. Mas não apenas isso: uma nova realidade global é a possibilidade de ocorrer o que se chama guerra cibernética, que pode ser assim definida, entre muitas outras possíveis formulações9: Uma modalidade de guerra onde a conflitualidade não ocorre com armas físicas, mas através da confrontação com meios eletrônicos e informáticos no chamado ciberespaço. No seu uso mais comum e livre, o termo é usado para designar ataques, represálias ou intrusão ilícita num computador ou numa rede. ... Estas ações poderão ter origem diretamente em estados, ou, então, ser protagonizadas por atores não estaduais atuando de forma autónoma. A possibilidade de ciberguerra resulta da existência de redes de computadores essenciais para o funcionamento de um país. Potenciais alvos são as infraestruturas críticas, nomeadamente as redes de energia elétrica, de gás e de água, os serviços de transportes, os serviços de saúde e financeiros. Pelas suas possíveis consequências econômicas e danos que podem provocar ao normal funcionamento de um país, os ciberataques são motivo de crescente preocupação internacional. Existem exemplos concretos do que poderão ser essas situações ...- Estônia em 2007, Ossétia do Sul em 2008, danos ao programa nuclear iraniano tornados públicos em 2010, devido ao vírus Stuxnet. Deficiências e vulnerabilidades no serviço da Hora Legal Brasileira, por conseguinte, são preocupantes. O Dr. Marcos Nunes, Engenheiro Eletrônico, Tecnologista Sênior aposentado e chefe da Divisão de Tecnologia da Informação do ON no período 2000 a 2009, em entrevista (ANEXO F), comenta: Diante de tamanha responsabilidade institucional, a DSHO/ON se vê diante de alguns desafios, dos quais podemos citar a dificuldade de reforçar seu quadro com novos Pesquisadores e Tecnologistas com qualificação nas áreas afins de T&F, bem como repor as vagas geradas por aposentadorias de parcela considerável do quadro de pessoal do ON ao longo dos últimos anos, agravada pela perspectiva de aposentadorias futuras como mostrada na Tabela 2 (*5) do Plano Diretor do Observatório Nacional, havendo uma previsão de que até 2015 mais de 40% do corpo de Pesquisadores e Tecnologistas venha se aposentar. A falta de pessoal qualificado nas diversas áreas do conhecimento que permitam o desenvolvimento de qualquer atividade de P&D em Tempo e Frequência é creditada à restrição crônica ao chamamento de pesquisadores e engenheiros pelas autoridades brasileiras, que ao longo de décadas, não criaram condições para a contratação destes profissionais através de concursos públicos. Com isso, o envelhecimento da massa crítica de pessoal qualificado fez com que atualmente a idade média do quadro técnico-científico do ON seja maior que 50 anos, não considerando a diminuição acentuada na última década, devido aos processos de aposentadoria ... 9 A definição adotada é encontrada em http://pt.wikipedia.org/wiki/ciberguerra (acesso em 20 set 2012). 26 A baixa regularidade da aplicação de Concursos Públicos, com a adequada alocação de vagas para admissão de pessoal concorre para o agravamento desta situação. ... O aumento do quadro de pessoal qualificado em T&F permitiria a elaboração de um Plano Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento em longo prazo, com o objetivo de criar os fundamentos básicos para o desenvolvimento de tecnologia nacional, permitindo a criação de condições técnico-científicas para gradativamente substituir a dependência externa das tecnologias fechadas e proprietárias, principalmente no que se referem aos equipamentos principais para sua operação, tais como, os Padrões Primários de Frequência, os Sistemas de Autenticação e Sincronismo e os sistemas de Autoridade de Carimbo do Tempo, bem como seus equipamentos periféricos. ... passa necessariamente pela contratação de um quadro de doutores qualificados na área de T&F, capaz de propor um Plano Diretor de Metrologia em Tempo e Frequência (PDMTF) para os próximos cinco anos, permitindo a criação de condições logísticas através de laboratórios capacitados a realizar P&D na área de T&F, diminuindo a dependência tecnológica brasileira nesta área. ... Sem investimento na formação de doutores nas áreas afins de Metrologia de Tempo e Frequência, principalmente em Física e Engenharia, de aporte de recursos financeiros para construção de laboratórios adequados à pesquisa nesta área e da vontade política de fazer a DSHO/ON um centro de pesquisa de excelência, estaremos fadados a uma dependência extremante perigosa de tecnologia de ponta estrangeira. Isto impacta profundamente na soberania e na estratégia de defesa do país. Como se vê, algumas atribuições institucionais da Divisão do Serviço da Hora (DSHO/ON) são estratégicas sob o ponto de vista da soberania nacional. Dificuldades referentes à alocação de recursos financeiros para a correta manutenção de suas atividades podem potencializar as vulnerabilidades e, sob esta ótica, merecem ser analisadas, com o objetivo de prover o adequado aporte de recursos financeiros, tanto orçamentários quanto aqueles oriundos das entidades de fomento à P&D. Nesse sentido, Marcos Nunes ressalta: Entretanto, o desenvolvimento tecnológico na DSHO/ON acaba sendo prejudicado pelas restrições de caráter orçamentário e pela dificuldade de se aumentar o quadro de Pesquisadores e Tecnologistas habilitados em Metrologia de Tempo e Frequência ... E complementa: ... restrição orçamentária para cobrir gastos com diárias e passagens, já que grande parte da atuação da área de Metrologia de Tempo e Frequência está focada no intercâmbio científico e nas missões de campo que abrangem diversas instituições de pesquisa em todo território nacional e algumas no exterior ... O PDTMF (Plano Diretor de Metrologia em Tempo e Frequência) deve também focar na imperiosa necessidade de alocação de recursos 27 condizente com as metas propostas, onde se espera fazer da DSHO/ON um centro de excelência capaz de suprir as carências existentes e adequá-lo para permitir a elaboração e execução de projetos em T&F que atendam as necessidades estratégicas que passam necessariamente pelos aspectos das áreas estratégicas para o país e da soberania nacional, como mencionado nos capítulos 6 e 6.2 das Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira, 2008 – 2012. Grande parte das atividades desenvolvidas pela DSHO/ON se dá através de instrumentação e equipamentos dotados de tecnologias fechadas, proprietárias e desenvolvidas no exterior. Por se tratar de atividade estratégica, essa dependência tecnológica é crítica e preocupante, pois a Metrologia em Tempo e Frequência sob a responsabilidade da DSHO/ON, com todas as suas atividades, serviços e projetos de desenvolvimento, não podem depender indefinidamente de tecnologias proprietárias, o que seria severa vulnerabilidade, como bem aponta Marcos Nunes: A grande dependência da tecnologia importada e proprietária na área de T&F pode refletir negativamente na área Metrologia de Tempo e Frequência, área esta que envolve alguns aspectos da soberania nacional, uma vez que a HLB faz parte de diversas atividades, passando principalmente pelo sistema financeiro, atividades militares estratégicas, segurança em TI, sistemas de posicionamento, e a continuidade do desenvolvimento de alguns segmentos da pesquisa aplicada, fundamental para o crescimento sólido do país em termos de independência tecnológica. Marcos Nunes diz ainda que nas Metas incluídas nas Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira 2008-2012 pode-se ver claramente a preocupação do Comitê Brasileiro de Metrologia em relação à necessidade de investimento na DSHO/ON, para ampliação de suas ações para todo o território nacional, capacitação de pessoal, aumento da interação com instituições internacionais de T&F e garantia de continuidade nas atividades. Outro aspecto diretamente vinculado às Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira 2008-2012 (Metrologia para Áreas Estratégicas) é Segurança da Informação, que também não pode ser desprezado. A constante evolução tecnológica dos sofisticados meios e equipamentos empregados nas atividades de defesa e de segurança, associada ao crescimento e consolidação das indústrias de defesa nacional, requer o desenvolvimento de ações positivas na área da metrologia, voltadas para a busca da soberania do País, por meio, entre outros, da garantia da confiabilidade metrológica demandada pelos mais diversos processos tecnológicos de interesse das Forças Armadas. Dentre as necessidades detectadas, destacam-se aquelas relacionadas com o controle do espaço aéreo e a segurança de vôo, civil e militar, a vigilância, o controle e a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais e da plataforma continental brasileira, a produção e a manutenção de materiais e 28 sistemas de defesa, bem como os demais procedimentos técnicooperacionais relacionados com a segurança e a defesa do País. ... por exemplo, nas questões referentes à rastreabilidade das medições de alta frequência, acima de 18 GHz, e na rastreabilidade das medições hipersônicas, entre outras. Neste contexto, cumpre destacar a iniciativa do Comando da Aeronáutica que, preocupado com a confiabilidade dos processos inerentes à sua atividade, implementou o Sistema de Metrologia Aeroespacial (SISMETRA), diminuindo a dependência metrológica do País, relativa às atividades tecnológicas de interesse da defesa e da sociedade em geral. ... Com isso, a importância de Tempo e Frequência para a Segurança e a Defesa nacionais amplia a responsabilidade da DSHO, que se traduz na necessidade de pessoal altamente qualificado e recursos financeiros compatíveis e direcionados, sem os quais o Brasil não alcançará a independência tecnológica em P&D em Tempo e Frequência, necessárias à soberania do Brasil, em consonância com as Metas propostas pelo Comitê Brasileiro de Metrologia (CBM), como ressalta Marcos Nunes. 29 3 A ESTAGNAÇÃO E AS MEDIDAS CORRETIVAS 3.1 A CARÊNCIA DE ENGENHEIROS O Brasil desse início de século é uma das dez maiores economias do mundo. Até meados do século XX, as exportações brasileiras eram essencialmente de matérias-primas e de alimentos, enquanto hoje um grande percentual são de produtos manufaturados e semimanufaturados. No último decênio, a produção interna aumentou mais significativamente, em grande parte a reboque do agronegócio, o setor mais dinâmico da economia nacional. Vivemos uma era de desenvolvimento sustentado. Desse quadro decorre muito naturalmente uma crescente demanda por mão de obra qualificada, em todos os setores produtivos, o que é igualmente verdadeiro na área tecnológica em geral e, em particular, no setor das tecnologias de informação e comunicação. Segundo matéria no sítio da FINEP (TELLES, 2012) o país tem hoje 600 mil engenheiros registrados no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e seus Conselhos Regionais (CREAs). Isso equivale a 6 (seis) profissionais por grupo de 1.000 pessoas economicamente ativas. Esses números são claramente insuficientes – em países avançados, como EUA e Japão, essa proporção sobe para 25 profissionais por grupo de 1.000 pessoas. Para ANDIFES, Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (2012), as estimativas do CONFEA, apontam para um déficit anual da ordem de 20 mil engenheiros, em decorrência das demandas dos grandes projetos e eventos da agenda nacional, em andamento. Ainda para ANDIFES, no mesmo artigo, o Brasil forma hoje cerca de 40 mil engenheiros/ano. Ainda para FINEP (TELLES, 2012), os dados do sistema da federação das indústrias mostram que 8,8% do total de cursos oferecidos são das engenharias e 76% das áreas de ciências humanas e sociais. Segundo ANDIFES, das 302 mil vagas oferecidas para as engenharias, somente 120 mil estão preenchidas. Ainda para ANDIFES (2012), essa realidade decorre da falta de interesse pela profissão e pelo despreparo dos vestibulandos (estudantes do ensino médio) nas disciplinas de matemática, física e química. Outro dado representativo no mesmo artigo é que mais 30 da metade dos engenheiros que são diplomados no país por ano, opta pela engenharia civil. Segundo o Guia do estudante (2010) existem hoje no Brasil 34 modalidades de cursos de engenharia. Assim, numa conta rápida, pode-se deduzir que 20 mil desses engenheiros estão divididos pelas 33 outras modalidades, isto é, algo em torno de 600 engenheiros/ano para cada modalidade/ano. Se considerarmos os dados da FINEP, 26 mil engenheiros/ano (TELLES, 2012), teremos algo em torno de 13 mil engenheiros civis, e menos de 400 engenheiros/ano, em média, para as outras as outras 33 engenharias. Em ambos os casos, o déficit profissional persiste. Comparativamente, mais da metade dos formados em Engenharia na China, (450 mil engenheiros/ano), na Índia (200 mil) e na Coréia do Sul (80 mil) optam pelas modalidades de alta tecnologia (TELLES, 2012). Além do pequeno número de estudantes de engenharia no Brasil, para o INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (TELLES, 2012) há um elevado percentual de evasão nos dois primeiros anos da graduação, com cerca de 50% dos alunos que ingressam nos cursos de engenharia, no universo das aproximadamente 300 mil vagas oferecidas, de acordo com a ANDIFES (2012). Além disso, com a crise econômica nos países da Europa e nos EUA, parte do excesso de mão de obra desses países tem emigrado para o Brasil. Segundo dados da Coordenação de Imigrantes do Ministério do Trabalho e Emprego, no período 2008 e 2009, ocorreu um salto de 2.712 para 3.542 autorizações concedidas a engenheiros estrangeiros para trabalhar no país – um aumento de 27% no percentual do período, passando para algo em torno de 39% ou 4.800 engenheiros no final do ano de 2010 (PORTELA, 2010). Outro aspecto pertinente é que, estando o Brasil bem classificado na produção científica mundial no 13º lugar (MOTA, 2011), a participação da pesquisa em engenharia no Brasil é de apenas 1,4%, contra 28,1% dos EUA, 10,3% do Japão e 8,6% da China, no período de 2001 a 2005, conforme levantamento da FINEP (TELLES, 2012). Segundo os indicadores do MCTI, quadros a seguir, o Brasil formou em 2011, 39.220 Mestres e 12.217 Doutores, além de 3.610 Mestres Profissionais, para todas as áreas do conhecimento. Entretanto, algo em torno de 10% foi das engenharias, distribuídos pelos seus 349 programas, que é baixo. Outro dado que chama a atenção e deve ser analisado em outro contexto é a diferença dos alunos 31 “matriculados” para os “titulados”, no QUADRO 1, a seguir, onde observa-se uma diferença expressiva sem a elevação do número de “titulados” nos anos subsequentes. Ano Doutorado Doutorado Mestrado Mestrado matriculado Titulado Matriculado titulado Mestrado Mestrado profissional profissional matriculado titulado 1998 26.697 3.915 49.387 12.351 - - 1999 29.895 4.831 54.792 14.938 589 43 2000 32.900 5.318 60.425 17.611 1.131 210 2001 35.134 6.040 62.353 19.651 2.956 362 2002 37.728 6.894 63.990 23.457 4.350 987 2003 40.213 8.094 66.951 25.997 5.065 1.652 2004 41.261 8.093 69.190 24.755 5.809 1.903 2005 43.942 8.989 73.805 28.605 6.301 2.029 2006 46.572 9.366 79.050 29.742 6.798 2.519 2007 49.667 9.915 84.356 30.559 7.638 2.331 2008 52.750 10.711 88.295 33.360 9.073 2.654 2009 57.917 11.368 93.016 35.686 10.135 3.102 2010 64.588 11.314 98.607 36.247 10.213 3.343 2011 71.387 12.217 104.178 39.220 12.195 3.610 Fonte(s): geocapes.capes.gov.br/geocapesds, extraído em 12.07.12 às 15:00 hs. Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores (CGIN) - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Atualizada em: 12/07/2012 QUADRO 1: Brasil: Alunos matriculados e titulados nos cursos de mestrado e doutorado, ao final do ano, 1998-2011 Fonte: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/6629.html, em 20.08.2012às 18h45. 32 Ano Grande área Total Ciências agrárias Ciências biológicas Ciências da saúde Doutorado Doutorado matriculado titulado Mestrado Mestrado matriculado titulado Mestrado Mestrado profissional profissional matriculado titulado 71.387 12.217 104.178 39.220 12.195 3.610 8.318 1.493 10.844 4.407 527 108 7.438 1.293 7.430 2.914 273 89 11.469 2.379 14.489 6.020 1.650 515 7.932 1.221 9.816 3.460 398 106 11.800 2.089 17.643 6.897 680 125 5.995 980 13.821 5.255 2.674 1.001 9.432 1.346 14.504 4.701 2.585 623 4.370 752 7.160 2.667 15 - 4.633 664 8.471 2.899 3.393 1.043 Ciências exatas e da 2011 terra Ciências humanas Ciências sociais aplicadas Engenharias Linguística, letras e artes Multidisciplinar Fonte(s): geocapes.capes.gov.br/geocapesds, extraído em 12.07.12 às 15:00 hs. Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores (CGIN) - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Atualizada em: 17/07/2012 QUADRO 2: Brasil: Alunos matriculados e titulados nos cursos de mestrado e doutorado, ao final do ano, por grande área, 2011. Fonte: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/7755.html em 20.08.12 às 18h52 33 Mestrado Ano Grande área Doutorado Mestrado / Doutorado Total Mestrado / doutorado / mestrado profissional Mestrado / mestrado profissional Mestrado profissional 52 1.161 1.554 - - 329 Ciências agrárias 2 117 198 - - 19 Ciências biológicas 2 65 188 - - 12 16 132 293 - - 58 8 102 156 - - 10 3 189 230 - - 15 2 181 140 - - 58 3 141 150 - - 55 1 81 91 - - 1 15 153 108 - - 101 Ciências da saúde Ciências exatas e da terra 2011 Ciências humanas Ciências sociais aplicadas Engenharias Línguistica, letras e artes Multidisciplinar Fonte(s): geocapes.capes.gov.br/geocapesds, extraído em 12.07.12 às 16:20 hs. Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores (CGIN) - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação(MCTI). Atualizada em: 17/07/2012 QUADRO 3: Brasil: Distribuição dos programas de pós-graduação, por grande área, 2011. Fonte: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/340707.html em 20.08.2012 às 19h20. Esses quantitativos, baixos e insuficientes para a necessidade do país, resultam da migração das carreiras de engenharia para outras áreas mais atraentes sob a ótica da empregabilidade, sobretudo após a abertura do mercado de informática. Somados a esse fato, a falta de investimentos públicos e privados e de políticas durante o período pós-reserva de mercado que estimulassem o mercado para as empresas de tecnologias e mantivessem atraente para as carreiras das engenharias tornaram o esvaziamento inevitável. Enfim, para sustentar o crescimento econômico, é necessário aumentar significativamente a quantidade de profissionais especializados, no caso engenheiros, no setor produtivo do país. As vagas para graduação e pós-graduação no país são decisivas, mas o incremento na pós-graduação é vital para o desenvolvimento de novas tecnologias. 34 3.2 AS NOVAS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS Após quase 20 anos de estagnação, o governo tenta reverter o quadro, com a criação de novos programas, estratégias e políticas. Se tomarmos como indicador dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação as liberações de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), constataremos que o quadro brasileiro não poderia ser mais promissor. Os investimentos saltaram de 100 milhões de reais em 1999 para mais de 2,5 bilhões em 2010. Por outro lado, observa-se um quadro de estagnação dos investimentos entre o final da década de 1980 até o inicio da de 2000, com valores bem inferiores a 500 milhões de Reais, conforme quadro abaixo. QUADRO 4: Dispêndios com CT&I Fonte: Palestra do Dr. Rogério de Medeiros (FINEP), na ESG, em 24 de setembro de 2012. A Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE, 2003) foi a primeira. Seguiram-se a Lei da Inovação, em 2004, e a Política de Desenvolvimento Produtivo de Áreas Prioritárias (PDP, 2008) que foca as “tecnologias portadoras de 35 futuro”10. Seguiu-se uma terceira política, o Plano Brasil Maior (2011) que trata da continuidade das políticas anteriores e dá outros incentivos. Como desdobramento dessas políticas, o MCTI, na gestão Sérgio Resende, editou o PACTI, Plano de Ação Ciência Tecnologia e Inovação (2007). Posteriormente, na gestão Aloísio Mercadante, editou a ENCTI, Estratégia Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação (2011), para o período 2011-2015. Mais recentemente, o Ministro Marco Antônio Raupp, lançou em agosto de 2012 o TI Maior, Programa Estratégico de Software e Serviço de Tecnologia da Informação (2012), para o período 2012-2015. No bojo dessas iniciativas, o governo tem ainda investido na capacitação de estudantes, profissionais e pesquisadores, para a inovação. Nessa linha, o CNPq criou a Bolsa DT, oriunda do Programa de Bolsas de Desenvolvimento Tecnológico (2006), com intuito de incentivar a produção de patentes. Embora esse programa esteja focado na produção de patente, ressalta o Prof. Augusto Raupp – Coordenador de Relações Institucionais do CDTS/FIOCRUZ e ex-gerente da Incubadora do LNCC e ex-Coordenador do NIT-Rio pelo LNCC – em entrevista (ANEXO C), que, em que pese haver tendência de mudança, os avaliadores ainda mantêm a cultura da pesquisa tradicional, julgando os proponentes, em muitos casos, pelos mesmos critérios científicos a que estão acostumados. Além dessa iniciativa, foi criado pela CAPES (MEC) e pelo MCTI, o Programa Ciência sem Fronteira (2011), que é um “Programa do Governo Federal que busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio de alunos de graduação e pós-graduação e da mobilidade internacional”. O programa é voltado para a graduação, educação profissional e tecnológica e pós-graduação, bem como para orientadores e pesquisadores atuando nas áreas prioritárias. Visa também a atrair cientistas e lideranças científicas de expressão internacional para o Brasil, como pesquisadores visitantes especiais, condição em que o cientista assume os compromissos de vir para o país cumprir um plano de trabalho previamente estabelecido e de receber estudantes e cientistas brasileiros no seu laboratório, no país de origem. 10 Segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI 2011), a chave do desenvolvimento econômico mundial está em três grandes grupos de tecnologia: as TIC, bio- e nanotecnologia, pelo que essas áreas são consideradas estratégicas e concentram ações específicas da ABDI. 36 O programa tem despertado interesse de outros países. Por exemplo, o conselheiro de Ciência e Inovação da Embaixada da Suécia, Mikael Román, explica, no Boletim CISB, do Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro (2012) por que é interessante para a Suécia investir no Programa Ciência sem Fronteira. Para ele, o interesse é mercadológico – dado que o Brasil está se tornando uma das maiores economias do mundo, com um mercado interno em expansão, e que a Suécia e o Brasil já têm uma sólida relação decorrente da presença de inúmeras empresas suecas no Brasil há algumas décadas, investimentos dessa natureza são importantes para os países exportadores estabelecerem novas parcerias. Em função disso, investir na capacitação das novas gerações e na cooperação entre pesquisadores dos dois países irá solidificar as relações comerciais, políticas e científicas entre os dois países. Visão semelhante é registrada no mesmo boletim pelo Coordenador Geral de Cooperação Internacional da CAPES, Luís Filipe de Miranda Grochocki. Ele assinala que a qualidade do aluno brasileiro é reconhecida na Suécia, em função do desempenho de alunos que estudaram e ainda estudam de forma independente naquele país. Ressaltou ainda que, com a formação Sueca, esses alunos ao retornarem para o Brasil será benéfica para os dois países, posto que eles gozarão do referencial da formação Sueca, podendo assim trabalhar nas organizações e empresas suecas, em decorrência dessa formação e experiência adquirida. Ainda no contexto das iniciativas do governo, para Augusto Raupp, em entrevista (ANEXO C) o marco mais importante foi a promulgação da Lei de Inovação (2004), que foi concebida em três pilares: o primeiro, o estímulo à inovação nas empresas; o segundo, o compartilhamento dos espaços do governo (de institutos de ciência e tecnologia (ICTs), universidades, incubadoras, parques tecnológicos) com empresas privadas; e, terceiro, o compartilhamento dos recursos humanos, que passam a poder trabalhar junto às empresas em projetos de inovação. Essa política é implementada pelo Programa de Bolsas, Recursos Humanos em Áreas Estratégicas - Programa RHAE (2007), em que o governo incentiva a criação de equipes de P&D dentro das empresas, através da concessão de bolsas para mestres e doutores, que podem ser acompanhados por graduados, graduandos, pesquisadores/consultores, visitantes e técnicos de apoio, por até dois anos. A ideia desse programa é que, durante a vigência dos projetos, ocorra uma mudança, por parte das empresas, na concepção de que “pesquisa é ônus” para 37 “pesquisa é investimento”, de modo que a cultura da inovação possa se consolidar nas empresas. Outra iniciativa do governo para incrementar o desenvolvimento e inovação dentro das empresas é o Programa de Subvenção Econômica (2006) da FINEP. Essa modalidade de apoio financeiro consiste na aplicação de recursos públicos não reembolsáveis diretamente em empresas privadas, para compartilhar com elas os custos e riscos inerentes às atividades de P&D. No segundo pilar, ressaltado por Augusto Raupp (ibid.), o resultado do compartilhamento é verificado pela criação de diversos parques tecnológicos em espaços públicos, com grandes áreas cedidas pelos governos (municipal, estadual e federal) para a implantação de empresas, universidades públicas e privadas, centros tecnológicos e fábricas. Encontram-se também nesse conceito, as Incubadoras de Empresas e os Núcleos de Inovação Tecnológica junto às universidades e ICTs, entre outras iniciativas que também foram facilitadas pela lei (as incubadoras de empresa, naturalmente, já carreiam projetos inovadores de empreendedores de dentro e de fora do meio acadêmico). 3.3 OS NÚCLEOS DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA Os Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT), segundo o Coordenador do NITRio11, Dr. Marcelo Albuquerque, em entrevista (ANEXO E), cumprem um papel catalisador, fundamental no processo de interação entre os ICTs e as empresas. Para ele, o modelo “virtual” no qual funcionam, entretanto, possui fraquezas inerentes, que levam à instabilidade no cumprimento de sua missão. Destaca ainda que os entraves burocráticos para a realização de parcerias com o setor privado, a falta de continuidade operacional do núcleo e a alta rotatividade de pessoal (consequência de o modelo não ser capaz de oferecer um horizonte de carreira e de as equipes serem formadas por bolsistas) fazem que um novo posicionamento estratégico e tático para os NITs seja urgente. Conclui que essa necessidade decorre da falta de personalidade jurídica e de um sistema de gestão que ofereça continuidade, estabilidade e sustentabilidade nos médio e longo prazos. Com opinião análoga, Augusto Raupp, em entrevista (ANEXO C) ressalta que, no caso dos NITs criados nas unidades do MCTI, o governo, se por um lado, a 11 http://www.nitrio.org.br. 38 partir da Lei de Inovação, incentivou a criação dos núcleos, por outro não ofereceu condições para que eles se desenvolvam. Não há institucionalização, nem orçamento, nem quadro permanente de pessoal. Para sua manutenção, são dependentes dos projetos FINEP e não há nenhum incentivo para a incorporação do NITs na estrutura funcional dos institutos que os abrigam. O que se observa é que os NITs vinculados às ICTs, diferentemente dos núcleos criados por outras organizações, como as fundações de apoio das universidades, as fundações estaduais de apoio à pesquisa (FAPs) e outros organismos setoriais, padecem dos mesmos problemas administrativos das suas instituidoras. O fato é que, embora a iniciativa da criação dos NITs seja importante, ainda é muito incipiente quando comparado com os EUA, onde os escritórios de transferência de tecnologia são muito mais estruturados, tanto em pessoal (quantidade e qualidade, com experiência), quanto em fundos de reserva e de investimentos, e têm forte relacionamento com empresas e indústria, entre outras atividades que nem aparecem no rol de intenções dos núcleos brasileiros. Para não passar uma visão totalmente pessimista, a FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, tem atuado junto aos escritórios das universidades paulistas, analogamente ao que fazem os escritórios de transferência das universidades americanas (MARQUES, 2012). 3.4 A PRODUÇÃO DE PATENTES De acordo com Marcelo Albuquerque, em entrevista (ANEXO E), as patentes produzidas através do NIT-Rio, embora em pouca quantidade, têm tecnologias relevantes, que podem ser mais bem exploradas pelo mercado. Para ele, a dificuldade está na transferência dessas tecnologias, principalmente pela falta de personalidade jurídica do NIT, o que é essencial para interação com as empresas. Para Augusto Raupp, em entrevista (ANEXO C), a baixa produção de tecnologias e patentes por parte da comunidade acadêmica está em descompasso com a produção científica e, para equilibrar essa situação, novas medidas se fazem necessárias. De fato, como antes citado, enquanto o Brasil é o décimo terceiro (13º) na produção científica, ocupa a quadragésima sétima (47º) posição na produção de 39 inovação ou patentes (MOTA, 2011). Esse grande descompasso entre a produção científica e a de patentes tem boas razões. O modelo estabelecido para C&T e incrementado no Brasil há pouco mais de 30 anos, pelos governos militares, tirou o país da obscuridade e o colocou na décima terceira posição, demonstrando assim que a resposta da comunidade científica foi espetacular. Ora, acusar agora essa mesma comunidade de uma baixa produção de patentes é uma injustiça, dado que a métrica estabelecida para avaliação dos professores e pesquisadores, durante todos esses anos, foi calcada na produção científica e não na produção de patentes. Do mesmo modo, a CAPES, na avaliação dos programas de pós-graduação das Instituições de Pesquisas e de Ensino (IPEs) também adota a métrica de produção acadêmica. O mesmo se dá com o sistema de avaliação das agências de fomento, que ainda aponta para produção do indivíduo, isto é, da quantidade de publicações, conforme relata o Dr. Pedro Dias, em entrevista (ANEXO G), Diretor do LNCC. Em decorrência dessa cultura, a relação das empresas com as universidades e institutos de pesquisa acabou se tornando “pecaminosa” pela comunidade acadêmica, em que pese a tendência ser de mudança, dado que importantes ações foram tomadas nesses últimos anos para dar mais valor à produção não acadêmica, Associação Brasileira de Ciências (2011) e Pedro Dias, em entrevista (ANEXO G). Para o Coordenador do LCP/COPPE/UFRJ, Dr. Cláudio Amorim, em entrevista (ANEXO D): A política nacional de pesquisa e desenvolvimento científico, tecnológico e industrial é relativamente recente. O CNPq foi criado há pouco mais de 50 anos, se comparado aos países ou grupos de países mais avançados, como EUA e Europa que já acumulam mais de dois séculos de experiência, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Um aspecto importante decorrente dessa experiência acumulada é que nesses países por serem mais ricos, os investimentos dos Estados vinculados aos projetos prioritários são permanentes. Entretanto, não bastam apenas os investimentos, pois o sucesso dessas políticas depende de uma educação de qualidade e em quantidade, que no Brasil também não é uma prioridade. Por conta dessas diferenças, observam-se as tentativas das áreas de CTI em fazer o melhor possível, mas sem uma estratégia conjunta. 40 Pedro Dias concorda e ressalta: O que falta para o Brasil é gestão estratégica na C&T brasileira, em que grandes projetos, cujo desenvolvimento não possa ser obtido através de soluções de “prateleira”, são necessários para as grandes estratégias, além de [ser necessária] muita persistência por parte das agências de fomentos. Prossegue Cláudio Amorim: Assim é o caso da área de Tecnologia da Informação e Computação, que, em descompasso com os países avançados, não consegue se antecipar ou acompanhar as oportunidades de inovação, desde a frustrada reserva de mercado de informática. Ocorre que os bens e serviços para a sociedade na área de computação, são resultado dos avanços tecnológicos produzidos por empresas como Intel, Motorola, IBM, Microsoft entre outras. Essas empresas são alicerçadas em tecnologias protegidas por patentes. Muitas delas, como SUN, CISCO e GOOGLE, tiveram sua origem na comercialização de produtos baseados em patentes desenvolvidas em Universidades dos EUA, país que representa o estado-da-arte das tecnologias da informação e computação, ... Nesse ponto cabe uma observação: se o leitor considerar que algo em torno de 75% dos cientistas do planeta estão concentrados nos EUA, União Europeia, China, Rússia e Japão, que representam apenas 35% da população mundial, há um diferencial expressivo decorrente de Políticas Estratégicas de Estado existentes nesses países com longa experiência em C&T, conforme defende Merquior (2011). Ainda para Cláudio Amorim: A limitada concepção de pesquisa e desenvolvimento em CTI no Brasil contribui para o não surgimento de empresas nacionais de projeção internacional na área de TIC. Entretanto, observam-se algumas tímidas mudanças, como a Lei da Inovação, já mencionada anteriormente. E complementa: Nesse sentido, o sucesso dessa política é desafiador pela falta de referência empresarial em desenvolvimento e venda de produtos inovadores, a própria inexperiência em política de inovação bem sucedida, somada à limitação de recursos humanos de qualidade com prática inovadora em TIC. Neste cenário, as parcerias entre empresas, universidades e governo se tornam criticamente estratégicas. 41 3.5 O CICLO DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO O Dr. Carlos H. de Brito Cruz, Pró-reitor de pesquisa da UNICAMP, apresentou, em artigo (CRUZ, 1996), diversos gráficos mostrando “quem paga” pelas atividades de C&T e de “quem as realiza”. Ressalta que nos EUA adota-se uma divisão da atividade em três categorias: desenvolvimento de produto ou serviço visando adequá-lo à produção seriada e ao consumo em larga escala; pesquisa aplicada, que é a etapa anterior ao desenvolvimento, quando se utiliza resultados da pesquisa básica para testar uma ideia inovadora que pode resultar num produto; e a pesquisa básica, na qual se busca conhecimento sobre as leis fundamentais da pesquisa em questão (grifos do autor). E agrupa os atores em: governo, indústria, universidade e outras entidades sem fins lucrativos. A partir dessas definições, os gráficos relativos aos EUA indicam que o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa aplicada são custeados pelo governo e pela indústria, essa última com pequena margem de gasto acima daquele do governo. Isso porque a indústria precisa ganhar competitividade e o governo tem interesse de manter a indústria competitiva. Por outro lado, quem realiza as atividades de desenvolvimento (80%) e de pesquisa aplicada (70%) é indiscutivelmente a indústria, o que também faz sentido, pois está investindo nela mesma, inclusive criando e melhorando suas instalações de P&D. A contribuição da universidade nesse processo se dá pela pesquisa básica, pela formação de pessoal altamente qualificado e pelo estímulo ao exercício da atividade intelectual. Por último, quem financia a pesquisa básica nos EUA é o próprio governo, pois a experiência demonstra, ao longo da história, que o investimento em ciência básica é necessário para não só formar os melhores cientistas e engenheiros, como também formar um repositório de ideias que garantam a existência e a qualidade da pesquisa aplicada e do desenvolvimento. Outros quadros, no mesmo artigo, mostram que os investimentos da indústria são maiores do que os do Estado, enquanto que no Brasil o governo desembolsa muito mais, quando comparado com os países avançados, detentores das altas tecnologias. Na realidade americana, a relação entre indústria e governo era equilibrada, com um pequeno gasto a mais para a primeira. A conclusão de Brito Cruz, já naquela época, é de que existem alguns mitos no Brasil. Achar que o desenvolvimento tecnológico será realizado pelas 42 universidades é um deles. O outro é que as pesquisas nas universidades serão financiadas pela indústria. Nos EUA, os financiamentos das indústrias para a pesquisa básica nas universidades foram muito baixos. Para ele, o problema brasileiro consiste em fazer com que as empresas invistam em inovação e registrem suas patentes. Atualmente, nos países avançados, a tendência se acentuou: as empresas e as indústrias passaram a investir várias vezes mais do que o governo. Enquanto isso permanece no Brasil o mesmo quadro anterior: o governo continua a investir mais que a indústria, exceto algumas empresas que investem muito em CT&I. A condição, que confirma a percepção de 1996 do Dr. Brito Cruz, é ilustrada no quadro abaixo, apresentado pelo Dr. Rogério de Medeiros, da Área de Planejamento da FINEP, em palestra na ESG em 24 de setembro de 2012. QUADRO 5: Gastos em P&D em países selecionados Fonte: Palestra Ciência, Tecnologia e Inovação Estratégia para o Desenvolvimento do Brasil, proferida por Dr. Rogério de Medeiros (FINEP) na ESG, em 24 de setembro de 2012. 43 Na matéria “Muito além das patentes”, publicada na revista de pesquisa da FAPESP, edição de julho de 2012, Fabrício Marques (MARQUES, 2012) apresenta uma análise das iniciativas das principais universidades americanas para reverter o problema dos baixos índices de transferência12 tecnologia para as empresas e indústrias naquelas organizações e detalha os incentivos que dá a FAPESP, como já mencionado. Augusto Raupp, em entrevista (ANEXO C) acrescenta que, no Brasil, quem deveria ter interesse na produção de patentes seriam as empresas, uma vez que a patente é como uma reserva de mercado de 20 anos para a empresa explorar o produto sem concorrência. Em princípio, a academia não explora o resultado da pesquisa, pelo que se torna pouco relevante o gasto com o registro das patentes, para a grande maioria dos pesquisadores. Para Cláudio Amorim, em entrevista (ANEXO D): O objetivo das empresas, das universidades e dos institutos é distinto e refletem as avaliações de desempenho a que são submetidos. As empresas nacionais não têm a tradição de inovação, porque elas são majoritariamente prestadoras de serviços e revendedoras de produtos baseados em sistemas e hardwares protegidos, desenvolvidos por empresas estrangeiras. Se considerar que a avaliação da empresa é feita exclusivamente pela sua lucratividade, ela não precisa investir em inovação, porque essa ação ou investimento compete à empresa licenciadora do produto que ela representa. Por outro lado, as universidades são formadoras de mão de obra para esse mercado e, portanto, os requisitos de qualificação da mão de obra que as universidades formam restringem-se apenas de serem capazes de aplicar e vender os referidos produtos e não em inovar. Por sua vez, os professores universitários são avaliados pela quantidade e qualidade de alunos de graduação formados para atender esse mercado. Na pós-graduação, é feita P&D e os seus professores são avaliados pelo número e qualidade de dissertações, teses e trabalhos publicados. Os institutos de pesquisa também são avaliados pelos trabalhos publicados. Portanto, não só as empresas não tem interesse em investir em inovação como também os pesquisadores em universidades e institutos não têm estímulos e não encontram motivação para a geração de patentes. A razão dessa cultura de indiferença a patentes é que elas não são avaliadas pelos financiadores de P&D e nem o mercado nacional se mobiliza pelos produtos e serviços que elas possam potencialmente gerar. Portanto, fica a critério do pesquisador se interessar e conseguir recursos para o processo de patenteamento. A dificuldade do pesquisador é decidir se publica seus resultados de pesquisa em um periódico, cujo retorno é imediato, mais simples, mais rápido e garantido pelo número de periódicos e editoras existentes. Por outro lado, o patenteamento é mais arriscado e ainda requer trabalho extra junto a um escritório ou departamento de 12 Harvard em 2011: 351 invention disclosures - 60 patentes sendo 45 tecnologias licenciadas. “Invention disclousures, documento com a descrição de resultados de pesquisas para avaliar a possibilidade de proteção por meio de direito de propriedade intelectual”. 44 patenteamento. Geralmente um patenteamento leva de 3 a 5 anos (a publicação em periódico de 1 a 2 anos) e não há garantia de concessão da patente, e há apenas uma chance por país (diferentemente dos periódicos e editoras). O resultado é o pequeno número de registros de patentes e, ainda menor, o de patentes internacionais em TIC. No último pilar, os cientistas e pesquisadores das organizações de P&D governamentais agora podem trabalhar em inovação junto às empresas. A intenção do governo é confirmada, por exemplo, no fato de que a Plataforma Lattes13 foi atualizada para suportar informações sobre a interação do pesquisador com o setor produtivo. Isso indica, embora não esteja explícito, que a mudança vai contar ponto para o pesquisador ou tecnologista na ocasião da avaliação na carreira. Entretanto, essa medida ainda não atinge o âmago da questão, pois se limita à pessoa física, e não à instituição ou grupo de pesquisa, mais fundamentais para o desenvolvimento coletivo de patentes do que os pesquisadores nas suas capacidades individuais. Retomando as falas do Dr. Brito Cruz (CRUZ, 1996), de um lado, e do Dr. Marcelo Albuquerque, em entrevista (ANEXO E), observam-se que são duas correntes de pensamento distintas. A primeira defende que a produção de patentes deve ser do setor produtivo, enquanto a outra atribui essa responsabilidade à academia. O fato é que não se observa disposição por parte das empresas brasileiras de base tecnológica em investir em inovação. As raras exceções são as do setor de Petróleo e Gás, onde a Petrobrás detém a primeira posição na classificação das empresas que mais registram patentes no país. Provavelmente as iniciativas do governo estejam calcadas na seguinte estatística: das 10 organizações que mais registraram patentes no Brasil no período 2000 a 2008, somente 3 não são ligadas diretamente ao governo (Whirlpool, Semeato e Vale). Nos demais casos: a UNICAMP está na segunda posição, a USP na terceira, UFMG na quarta, a FAPESP na quinta, a UFRJ na oitava e a CNEN na décima (MOTA, 2011). Contudo, o fato de uma patente ter sido registrada não implica necessariamente em que o desenvolvimento tenha se transformado em um produto, em uma inovação, afinal. No fundo, o que está se discutindo é se essa quantidade de iniciativas (leis, programas, estratégias) do governo vai dar certo ou não. 13 http://lattes.cnpq.br 45 3.6 O FOMENTO À INDÚSTRIA ELETRÔNICA NO BRASIL A necessidade de se fomentar e investir na implantação de indústrias de eletrônica de ponta no Brasil justifica-se porque, sem uma base instalada, o país ficará sempre à margem do estado da arte das tecnologias e dependente dos países avançados. Como consequência, o resultado do sucesso de uma política de incentivo para implantação de indústrias de microeletrônica induzirá a criação e manutenção de projetos de alta tecnologia, de média e longa duração, com foco no desenvolvimento e fabricação de sistemas computadorizados para usos diversos, dado que, praticamente todas as demais tecnologias dependem de algum sistema de controle computadorizado. Dessa forma, a partir de uma base industrial instalada, e considerando a experiência acumulada no passado recente (20 anos), o Brasil poderá, num horizonte próximo (10 anos), produzir sistemas e arquiteturas computacionais para diversos fins – processamento de alto desempenho, processamento massivo de dados, sistemas embarcados de controle em geral (como o aeroespacial, de mineração, de exploração de petróleo, entre outros dispositivos eletrônicos específicos, como para o setor cibernético, com a fabricação de servidores, roteadores, firewalls etc.). Nesse sentido, o MCTI14, através da sua Secretaria de Politica de Informática (SEPIN)15, anuncia incentivos para atrair e implantar indústrias de base tecnológica, como o estabelecimento da PDP, Política de Desenvolvimento Produtivo (2008) que foi dividida em três níveis: “programas mobilizadores em áreas estratégicas”, “programas para fortalecer a competitividade” e “programas para consolidar e expandir lideranças”. A Política de Desenvolvimento Produtivo prioriza diversos programas, como TIC, energia nuclear, nanotecnologia, indústria de defesa, aeronáutica e outros. Vale-se de alguns instrumentos: incentivos através do BNDES16 e da FINEP, poder de compra do estado, regulação e apoio técnico, a exemplo do programa de certificação do Inmetro. 14 Maiores detalhes em http://www.mcti.gov.br. Maiores detalhes em http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/78952.html. 16 Maiores detalhes em http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes//bndes_pt. 15 46 No caso específico da microeletrônica, a estratégia focalizou a conquista de mercado, com o objetivo de ampliar a produção local e criar um mercado para exportação de componentes de microeletrônica através do PADIS (2007), BNDES16, PROEX (2012), entre outras iniciativas. O segmento apresentou, em 2007, um déficit de 11,45 bilhões de dólares na balança comercial, sendo 5,5 bilhões de dólares em componentes eletrônicos, dos quais 3,25 bilhões em semicondutores. A meta da política foi de implantar duas empresas de circuitos integrados e elevar de 7 para 14 o número de “Design Houses”, através do Programa CI Brasil (2012). O programa CI Brasil é um esforço do governo federal, empresas e academia para desenvolver o setor de microeletrônica, convertendo dessa forma o país em plataforma de exportação para os grandes participantes internacionais. É parte integrante do Programa Nacional de Microeletrônica, PNM Design (2002), prioritário para as áreas de informática e automação através do oferecimento de Bolsas para o Programa de Capacitação em Projetos de Circuitos Integrados (2002). A situação do país em 2012, segundo levantamento fornecido pelo Coordenador Geral de Microeletrônica da SEPIN/MCTI, Henrique de Oliveira Miguel, é de que existem 33 empresas atuando no ramo da microeletrônica (ANEXO B), das quais: 20 são associadas ao Programa CI Brasil; 3 não são associadas; 7 são empresas com operação industrial no Brasil e 3 também realizam atividades produtivas no País, mas atuam em nichos específicos. Como exemplos, o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, CEITEC (2000), foi uma das primeiras iniciativas do governo para reestruturar o setor de microeletrônica. Iniciado em 2000 com assinatura de um protocolo de intenção entre as três esferas governamentais e uma parceria com a empresa Motorola, objetivou a doação de um conjunto de equipamentos para viabilizar a implantação da fábrica. Durante esse período, foram diversos os marcos importantes: em 2007, a fabricação do primeiro chip e, em 2008, a criação empresa pública CEITEC S/A. Após a criação, foi produzido o “chip do boi”, que consistiu na fabricação de lâminas com seis polegadas de diâmetro, cada lâmina contendo 7 mil semicondutores, empregado para rastreabilidade bovina. Outro exemplo das iniciativas fomentadas pelo Governo Federal foi a implantação no campus da Universidade Vale dos Sinos (UNISINOS)17, localizada 17 Maiores detalhes em http://www.unisinos.br. Acesso em 25.08.2012. 47 no município de São Leopoldo, RS, da empresa HT Micron (2012), formada por uma joint venture entre a sul-coreana Hana Micron18 e o grupo Parit Participações em Inovação e Tecnologias S/A. A HT Micron se instalou com uma fábrica que atua no back-end de semicondutores para indústria eletrônica e iniciou a sua produção com a fabricação de chips para o mercado de telecomunicação. Nitidamente trata-se de uma associação para o compartilhamento de tecnologia entre dois grupos empresariais através da criação e controle acionário de uma terceira empresa, que visa ao mercado brasileiro de alta tecnologia. A sinergia entre as controladoras é perfeita, pois a sul-coreana Hana Micron atua no mercado mundial de semicondutores, enquanto o grupo Parit19 é uma holding que participa do controle acionário de empresas de tecnologias no Brasil, como Teikon Tecnologia Industrial, Altus Sistemas de Informática (empresa brasileira do ramo de automação industrial com tecnologia própria), e que procura investir nos setores de TI, manufatura eletrônica e de semicondutores (2012). A implantação de indústrias de componentes eletrônicos no Brasil, necessária à implantação dos projetos com alto valor agregado, começa, portanto, a apresentar sinais positivos, a exemplo também da recente fabricação do chip brasileiro com proteção antirradiação espacial, para foguetes e satélites, mas que também poderá ser usado em outros projetos, como os de computadores (Inovação Tecnológica, 2012). O site da SBMicro - Sociedade Brasileira de Microeletrônica20 dá testemunho disso, pela publicação de notícias do setor, promoção de cursos de formação de projetistas de circuito integrados e ligação entre dez grupos de pesquisa espalhados pelo Brasil. 3.7 O FOMENTO À INDÚSTRIA DE SOFTWARE Nesse setor, nos últimos 20 anos o Brasil acompanhou as tendências internacionais de desenvolvimento de sistemas, com bom nível de excelência e de qualidade, e mesmo sobressaiu-se em alguns setores, como o bancário e o fiscal. Do ponto de vista da formação de mão de obra em todos os níveis, embora em pouca quantidade, o país se manteve atualizado. 18 Maiores detalhes em http://hanamicron.co.kr/eng. Acesso em 25.08.2012. Maiores detalhes em http://www.parit.com.br/site_prbr/. Acesso em 25.08.2012. 20 Maiores detalhes em http://www.sbmicro.org.br/index.php. Acesso em 19.9.2012 19 48 Como esse mercado já tem uma base instalada, composta por muitas empresas, o governo pôde dar um passo importante, que foi o lançamento do Programa TI Maior (2012), em agosto de 2012. O objetivo do programa é “posicionar o Brasil com protagonista global do setor de TI a partir do desenvolvimento econômico social, posicionamento internacional, inovação e empreendedorismo, produção científica e tecnológica, inovação e competitividade”. O programa se propõe a organizar o setor, com informações estratégicas, orientação de investimento, pesquisa, desenvolvimento e inovação, mercado da cadeia de software e serviço de TI. Pelo documento da política, os temas de cibersegurança, segurança da informação, criptografia, defesa cibernética, cibercrimes e outros entraram na agenda do governo, estabelecendo também como emergencial o desenvolvimento de soluções que permitam garantir a segurança no tráfego das informações pela Internet. O documento apresenta as principais linhas estratégicas, como ensino, defesa, saúde, petróleo e gás, energia, aeroespacial, grandes eventos (como oportunidade), agricultura e meio ambiente, finanças, telecomunicações, mineração (modelagem, exploração e visualização), tecnologias estratégicas (computação em nuvens, criação do Centro Nacional em Nuvem articulado em rede, com a presença de universidades, empresas e governo, três projetos pilotos em nuvem de uso governamental, programa de capacitação de profissionais em subáreas como virtualização, dentre outros), entretenimento (jogos) e proteção de dados pessoais. No ensino, pretende-se construir uma grande plataforma de relacionamento digital com estudantes e profissionais do setor de TI, oferecendo intermediação de vagas, cursos, literatura para linguagem proprietárias (altamente demandada) e conteúdo para plataformas livres. Em consonância com outros ministérios, pretende formar 900 mil profissionais até 2022, em cursos básicos e avançados em TI. Pretende também fomentar projetos para a internet do futuro, redes avançadas, Internet das coisas, computação de alto desempenho (dotando o SINAPAD com capacidade petaflópica, em nuvem, para atendimento das demandas públicas e privadas) e a produção de Software Livre. Tem como meta apoiar a fixação de quatro centros globais de P&D no Brasil, na área de software e serviços de TI, articulados com a “Sala de Inovação” instituída pela portaria interministerial MCTI-MDIC No 930/2010, como ponto focal de avaliação de política de investimentos internacionais em P&D. Pretende, além disso, implantar 49 pontos de presença internacional em mercados alvo, centros de negócios e representações diplomáticas, como forma de dar suporte às empresas brasileiras no exterior ou empresas estrangeiras com interesse comercial ou investimento no Brasil. 50 4 CONCLUSÃO Discutimos neste trabalho as condições para o domínio das tecnologias necessárias ao desenvolvimento e à manutenção da soberania nacional no contexto cibernético. Vimos que os investimentos saltaram de 100 milhões de reais em 1999 para mais de 2,5 bilhões em 2010 (MEDEIROS, 2012). O país continua, contudo, refém de algumas dependências globais específicas e de várias outras, pontuais. A carência de mão de obra qualificada na área das engenharias é a primeira delas, e mais urgente. Conforme assinalado, inúmeras medidas a esse respeito já estão implantadas. Entretanto, como obviamente a formação de pessoal demanda tempo, haverá forçosamente um período de déficit, que é exatamente o momento atual. Como lidar com essa fase? Importar mão de obra? Contratar, por importação, serviços que substituam a mão de obra faltante? Fica também sem solução o problema de fundo, que, pela sua magnitude, em muito transcende o escopo do presente texto. É a deficiência da educação básica, que, entre outros, tem o efeito de restringir drasticamente a formação de engenheiros, notadamente a formação de alunos interessados nas áreas de ponta, pela inerente complexidade relativa. Uma segunda discussão em aberto é a da inovação e geração de patentes. O governo está apostando nas pressões que faz sobre a academia, nos incentivos que dá às empresas e na adoção de iniciativas próprias, como no caso da microeletrônica. Não obstante, o cenário de falta de investimento por parte das próprias empresas, comparativamente ao investimento governamental, continua o mesmo. Qual seria a causa disso? Em princípio, os investimentos em inovação são feitos pelas empresas por que elas, na realidade, estão investindo em si mesmas. Mas, e no caso das empresas que são meras montadoras ou revendedoras de produtos, que é o da maioria das empresas no Brasil? Veja-se o exemplo do SINAPAD. Até hoje, os seus usuários são da academia. Nenhum esforço anterior para atrair empresas deu resultado, ao longo da sua história. As empresas que precisam de processamento de alto desempenho desenvolvem soluções próprias (Vale Energia, Embraer, Petrobrás – que inclusive 51 consta da TOP 50021). Cabe, então, o governo dar soluções próprias, investir e arcar com o custeio de serviços do interesse das empresas sem que tenha se configurado uma demanda específica? Urge, portanto, entender todos esses aspectos com muito maior profundidade. É fato que as empresas não se interessam em investir por que são meras montadoras ou revendedoras dos produtos originados no exterior? Então, quais seriam as categorias de empresas instaladas em território nacional interessadas em inovar, em seus produtos e processos, e que, por esse motivo, seriam merecedoras dos incentivos governamentais? Os investimentos deveriam ser apenas do governo, sem contrapartida das empresas? São questões em aberto, para exame das altas instâncias e elevadas competências que lidam com o tema, no MCTI, MDIC, MC, BNDES, FINEP. Uma terceira carência específica é a da ausência de desenvolvimento de hardware e software. Essa situação decorre, dentre outros fatores, da adoção da reserva de mercado em décadas anteriores e da saída não planejada dessa condição (falta de uma politica de transição). A indústria de software é exceção, pois sobreviveu e cresceu, notadamente em algumas áreas (bancária, por exemplo). Mesmo assim, há outras vertentes da indústria de software, nas áreas da computação mais complexa, como a de controle, que também não evoluíram. Enfim, a indústria de hardware não se consolidou e hoje a dependência externa é quase total. Essa condição se estende também aos componentes eletrônicos em geral e afeta diretamente outras área da TIC (modems, roteadores, firewalls, equipamentos de transmissão – com raras exceções, como a dos equipamentos PADTEC do CPqD22). Uma possibilidade de solução é a da associação de empresas que queiram entrar no mercado brasileiro com parceiros nacionais. Uma experiência de sucesso, que pode servir como modelo para outras iniciativas, é a da associação entre a Hana Micron (coreana) e a brasileira Parit, dentro do parque tecnológico da Unisinos – RS para a implantação da HT Micron. Quanto a vulnerabilidades específicas, registramos as questões do Sistema de Nomes de Domínio (DNS) e do sistema da Hora Legal Brasileira. 21 22 http://www.top500.org - Lista internacional dos 500 maiores sistemas computacionais do mundo inteiro. CPqD - fundação de direito privado criada em 1976 como Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, empresa estatal que detinha o monopólio dos serviços públicos de telecomunicações no Brasil. Em 1998, com a privatização do sistema Telebrás, o CPqD tornou-se uma fundação de direito privado. 52 Sobre o DNS, embora não seja factível imaginar alternativa para interrupção do serviço por conta de um ataque cibernético oriundo dos EUA ou de seus aliados, pode-se em qualquer caso pensar em garantir que o subsistema nacional, interno ao Brasil, continue em funcionamento, traduzindo os nomes, em qualquer circunstância do panorama global. Para tanto, parece razoável esperar que o CGI.br tenha uma estratégia de contingência – simulada, exercitada e treinada –, para a eventualidade de interrupção do tráfego Internet com o exterior. E como a defesa do espaço cibernético brasileiro, conforme previsto na Estratégia Nacional de Defesa (END), é no frigir dos ovos, do Ministério da Defesa, este deve estar bem representado no CGI.br, por óbvio. Quanto à Hora Legal Brasileira, embora exista um marco legal que define todas as responsabilidades, a elevadíssima relevância do serviço da hora para uma enorme gama de atividades pelo país afora – relacionamentos internacionais, serviços bancários, serviços de transporte, Forças Armadas – exige que o serviço da hora seja blindado das intempéries internas e externas que atingem os órgãos responsáveis. Uma solução poderia ser a criação de um comitê gestor externo, composto por representantes dos segmentos diretamente interessados – MD, MCTI, MDIC, MC, INMETRO, entre outros. Esse comitê, a exemplo de outros existentes, faria o acompanhamento e a avaliação das atividades e daria o respaldo necessário, inclusive político, para garantir e manter recursos orçamentários e financeiros para a DSHO. Seria prudente a elaboração de um plano de negócios, visando à justa cobrança pelos serviços prestados, a exemplo também de tantos outros que são cobrados, como a taxa pelo registro dos domínios que o CGI.br controla. Medida tão simples permitiria a sustentabilidade do DSHO/ON e sua independência orçamentária e financeira, que muito provavelmente levaria a muita discussão dentro da instituição. Tomamos emprestadas as palavras do Dr. Marcos Nunes: ... imperiosa necessidade de alocação de recursos condizente com as metas propostas, onde se espera fazer da DSHO/ON um centro de excelência capaz de suprir as carências existentes e adequá-lo para permitir a elaboração e execução de projetos em T&F que atendam as necessidades estratégicas que passam necessariamente pelos aspectos das áreas estratégicas para o país e da soberania nacional, como mencionado nos capítulos das Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira, 2008 – 2012. 53 Em síntese, entendemos que o Brasil está vivendo um quadro auspicioso em relação ao trato das questões pertinentes ao desenvolvimento tecnológico e que há plenas condições para o país desenvolver alta tecnologia própria e minimizar os desafios cibernéticos, a partir da adoção de estratégias, políticas e práticas adequadas. Não obstante, há aspectos que em muito transcendem o meramente técnico – sendo o mais relevante a educação básica – e que levam a questões que, pelo seu longo período de maturação, poderíamos classificar como realmente sendo de Estado, muito além de visão de governos individuais, cuja natureza é naturalmente limitada aos períodos dos respectivos mandatos. Para finalizar, recomenda-se a leitura das entrevistas nos anexos, pois representam importante material com opiniões de pesquisadores experientes no cenário brasileiro de CT&I. Paulo Cabral Filho [email protected] 54 REFERÊNCIAS ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Raízes do atraso brasileiro. Noticias. S.I. 16 ago 2011. Disponível em: <www.abc.org.br/article.php3?id_article=1354>. Acesso em: 20 ago. 2012. AGÊNCIA BRASLEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Ações áreas estratégicas. Disponível em: <http://www.abdi.com.br/Paginas/macro_programa.aspx?mp=Areas%20Estrategicas >. Acesso em: 21 set. 2012. 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Disponível em: <http://www.unisinos.br>. Acesso em: 25 ago. 2012. 58 ANEXO A: MATÉRIAS SOBRE O NCP I O ESTADO DE SÃO PAULO – 22.03.1990 59 THE NEW YORK TIMES - 21.08.1990 60 THE TIMES HIGHER EDUCATION SUPPLEMENT – 15.02.1991 61 JORNAL DO COMERCIO – 06.04.1990 62 REVISTA DATANEWS – 16.04.1990 63 ANEXO B: E-MAIL SEPIN/MCTI 64 ANEXO C: ENTREVISTA AUGUSTO DA CUNHA RAUPP – CDTS/FIOCRUZ Veja abaixo. ______________________________ Augusto C. Raupp Incubadora LNCC +55 24 2233-6103 +55 21 8771-8189 -----Mensagem original----De: cabral [mailto:[email protected]] Enviada em: quinta-feira, 16 de agosto de 2012 23:07 Para: [email protected] Assunto: Fwd: Questionário Prezado Augusto Raupp, Abaixo, as transcrições da entrevista realizada em 16.08.2012, para sua apreciação e aprovação. Peço a gentileza preencher a sua qualificação para constar do documento. Atenciosamente, Paulo Cabral Filho Estagiário ESG LNCC/MCTI ---------------------------------------------- Prezado Senhor, Conforme contato anterior, segue abaixo um conjunto de perguntas com objetivo de subsidiar a elaboração de uma monografia (cujo assunto são os "Desafios Tecnológicos"), visando a conclusão do Curso de Altos Estudos em Política e Estratégia - CAEPE/2012, da Escola Superior de Guerra ESG/MD. Caso seja necessário, gostaria de pedir sua autorização para suscitar novas perguntas? Obrigado, Paulo Cabral Filho ------------------------------------------------------------------------ Qualificação do entrevistado (breve resumo): nome, titulação cargo etc... 65 Augusto da Cunha Raupp, Mestre, Doutorando/UFRJ Coordenador de Relações Institucionais Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde/FIOCRUZ Ex gerente da Incubadora do LNCC e Coordenador do NIT-Rio a. Como o Sr. avalia o fomento e o apoio por parte do Governo Federal para criação e manutenção dos Núcleos de Inovação Tecnológico – NIT? No caso do MCTI é muito deficiente, o governo criou a Lei de Inovação, incentivou os NITs, mas ao mesmo tempo não da condição para que eles se desenvolvam! Os NITs ficam dependendo de projetos FINEP para a sua manutenção, não deu condição de se criar um quadro minimo de pessoal qualificado (o quadro de pessoal e composto de bolsistas, que vão embora depois de capacitados), não institucionaliza nem aumenta o orçamento das Unidades de Pesquisas e nem da qualquer incentivo para a incorporação do NIT em seus quadros. Essa situação persiste desde a criação do NIT em 2006 (projeto NIT em 2005). b. A que o Sr. atribui os baixos ou altos índices de procura para registro de patentes por parte da comunidade cientifica brasileira? Índices baixíssimos, totalmente desconectados da produção científica! O Brasil e o decimo terceiro na produção de cientifica (artigos) em contra partida na produção de patentes disputa com os países subdesenvolvidos. O motivo para esse contraste esta na forma de avaliação do pesquisador ou tecnologista, que esta baseada na produção científica (artigos). A tendência é mudar, o CNPq em 2010 criou o Programa de bolsa de Desenvolvimento Tecnológico (DT) com intuito de incentivar a produção de patentes no mesmo nível da de Produtividade e Pesquisa (Pq). Esse programa embora esteja focado para produção de patentes, os avaliadores ainda mantem a cultura dos pesquisadores tradicionais, isto é, julgam os proponentes por critérios científicos. c. Com relação a esses índices (quantidade baixa ou alta), como o Sr. avalia a relevância das tecnologias apresentadas? Quem tem interesse em patente é a empresa e não a acadêmia, que não explora comercialmente e assim se torna pouco relevante (salvo algumas exceções). 66 Se você considerar que a patente é uma reserva de mercado de 20 anos, para a empresa explorar o produto, o interesse só pode ser da empresa. O problema é que as empresas brasileiras não inovam, logo não geram patentes. Como exemplo a Petrobras é a primeira no rank brasileiro de registro de patente com inovação, pois tem interesse comercial no no negocio. A segunda é a UNICAMP, mas com o Estado de São Paulo demandando alguma coisa. d. Do ponto de vista institucional, como o Sr. avalia o apoio aos pesquisadores por parte das agências de fomentos (CNPq, FAPs, entre outras). Elas privilegiam ou direcionam o pesquisador para a produção de artigos ou registro de patentes. O modelo atual é benéfico para a instituição ou para carreira do cientista do ponto de vista individual? O modelo atual, desde 2010, privilegia, incentiva a produção de patentes, gestão de inovação, registro de software e de uma forma geral a propriedade intelectual, que é bom para a instituição. Por outro lado, ainda persiste na comunidade cientifica uma cultura forte baseada no modelo tradicional, anterior a 2010, que não precisa dar continuidade na geração de uma inovação a partir de um artigo. e. Como o Sr. avalia o sistema de progressão dos pesquisadores brasileiros sob a ótica da geração de patentes e consequentemente a produção de produtos de alto teor tecnológico? Existe uma tendência de redirecionar a situação atual em função dessas novas modalidade de bolsa (DT). Um exemplo, foi a modificação do curriculum Lattes, que reestruturou o banco de informação, inserindo campos que tratam do relacionamento com as empresas, consultorias para as empresas entre outras informações nessa linha. f. Na sua opinião o que falta para o setor de CT&I reverter (caso seja baixa) ou aumentar (caso seja alta) a quantidade de registro de patentes de tecnologias relevantes? Basta implementar a Lei de Inovação. Embora já exista a forma de avaliação do novo modelo, a cultura existente ainda é forte e só o tempo vai resolver. g. O senhor gostaria de comentar algum aspecto relevante, assunto que não foi abordados nas perguntas acima? Você observa forte movimento para estimular o empreendedorismo e os centros de pesquisas para a inovação. 67 Se considerar que inovação é "empreendedorismo e capital de risco", o governo esta criando mecanismos (cursos de empreendedorismo, capacitação, incubadoras de empresas, entre outros) focados em desenvolver o espirito empreendedor, permitindo o uso de laboratórios dos centros de pesquisas por empresas privadas, cedendo espaço público para criação de parques tecnológicos. O capital de risco, vem com os programas de subvenção através da FINEP, BNDES, SEBRAE para empresas, em geral as pequenas que fazem inovação e se arriscam. Obs: Caso o Sr. tenha algum texto ou artigo disponível para anexar a esse e-mail sobre o assunto será importante para o trabalho. Sugiro as seguintes leituras: Primeira Política Industrial Tecnológica e Comercio Exterior (PITCE) - 2003, a primeira depois dos governos militares no Brasil. Segunda Política de Desenvolvimento Produtivo de Áreas Prioritárias (Tecnologias portadoras de futuro) Terceira Política - Brasil Maior (continuidade das anteriores) Política de Ciência e Tecnologia integrada a Política Industrial do Governo (Primeira vez na História) - PACTI até 2011 - Plano de Ação Ciência Tecnologia e Inovação - Ministro Sergio Resende - ENCTI após 2011 - Estratégia Nacional em Ciência Tecnologia e Inovação. Lei de Inovação (2004) - Baseada em Três pilares: 1 - Estimulo a inovação na empresa 2 - Permite o compartilhamento do Governo com empresas. 3 - Recursos humanos (públicos) possam trabalhar junto com empresas em inovação. 68 ANEXO D: ENTREVISTA CLÁUDIO AMORIM – LCP/COPPE/UFRJ Prezado Dr. Cláudio Amorim Coordenador do Laboratório de Computação Paralela - LCP/COPPE?UFRJ Conforme contato anterior com VSa. a sua opinião é muito importante para o meu Trabalho de Conclusão de Curso - TCC na ESG - Escola Superior de Guerra. Vale ressaltar que a ESG é uma Escola do Ministério da Defesa e tem como objetivo preparar civis e militares para exercerem cargos de assessoria e direção no Serviço Público ou privado em Política e Estratégia. Nesse sentido, o tema da minha monografia são os "Desafios Tecnológicos" do Brasil para os próximos anos. Como o senhor além de ser um cientista renomado na área de Computação, exerce o cargo de coordenador do referido laboratório, participando assim, do processo de gestão e evolução da Ciência e Tecnologia no Brasil. Nesse sentido, gostaria de passar um breve questionário (abaixo) para as suas considerações. Atenciosamente, Paulo Cabral Filho, MSc. Tecnologista Senior/LNCC Estagiário ESG Após o término da reserva de mercado de informática, o Brasil praticamente interrompeu o desenvolvimento dos projetos computacionais de todos os portes, passando, então, à condição de comprador/consumidor das mesmas tecnologias, no mercado internacional, que até então projetava e fabricava. Com o advento da Internet, a situação agravou-se ainda mais por duas razões principais. A primeira, em decorrência da dependência do Brasil dos países detentores e donos dessas tecnologias (computadores de diversos portes, ativos de redes entre outras tantas). A segunda, devido aos novos serviços, oriundos dessa nova realidade, serem disponibilizados obrigatoriamente através da rede mundial (maioria dos sistemas existentes no mundo interconectados através da mesma rede, sob controle de um único país). No bojo desses novos serviços, além dos benefícios que as novas tecnologias propiciam, ocorrem também as fragilidades inerentes a esse novo meio. O mesmo contexto expõe, também, a vulnerabilidade do Brasil, em decorrência da ausência do domínio e controle dessas tecnologias. Com essa defasagem tecnológica que o Brasil alcançou em relação aos países detentores dessas tecnologias, é notório que o alto grau de utilização e dependência em todos os segmentos brasileiros constitui uma ameaça à soberania nacional. Outro aspecto que se observa é a baixa produção de tecnologia por parte do Brasil diante dessa defasagem. 69 Perguntas: a. A que fatores o Sr. atribui a enorme diferença entre a proteção da propriedade intelectual (produção de patentes) e a produção científica no Brasil? CLA: A política nacional de pesquisa e desenvolvimento científico, tecnológico e industrial (CTI) é relativamente recente, e.x., o CNPq foi criado em 1951, em comparação com as dos países avançados (Europa, EUA e Japão) com mais de 2 séculos de experiências acumuladas().E mais importante, elas tem se beneficiado da prioridade de Estado com alto investimento permanente. O sucesso dessas políticas de CTI também depende de educação de qualidade e quantidade que no nosso país também não é uma prioridade de Estado. Nos países avançados os recursos humanos altamente qualificados nas áreas de CTI, é de 1-2 ou mais ordens de grandeza maior. Por conta dessas diferenças, assistimos cada área de CTI tentar fazer o melhor possível, mas sem estratégias CTI conjuntas. Assim é o caso da área de Tecnologia da Informação e Computação, que em descompasso com a dos países avançados, não consegue se antecipar às oportunidades de inovação em TIC, desde a frustrada tentativa de reserva de mercado. Por exemplo, a política do CNP/MCTI sempre valorizou exclusivamente a produção de artigos científicos, o que explica o nosso atraso em produção de patentes. Somente recentemente incluiu acanhadamente a produção de patentes como importante para o desenvolvimento em CTI, dividindo os pesquisadores da Instituição em duas categorias separadas, a de produção em pesquisa e a de produção em tecnologia. b. Como o Sr. analisa, em termos quantitativos e qualitativos, a parceria no Brasil entre os Institutos de pesquisa, as Universidades públicas, o governo e as empresas privadas, na área de P&D, que possam criar produtos com potencial de geração de patentes? CLA: Os bens e serviços para a sociedade na área da computação, são resultados dos avanços tecnológicos majoritariamente produzidos por empresas tais como Intel, Motorola, IBM, HP, Microsoft, Cisco, EMC, Google. Todas são empresas baseadas em tecnologias protegidas por patentes, muitas delas, como a Cisco e a Google, tiveram sua origem na comercialização de produtos baseados em patentes desenvolvidas em Universidades dos EUA, país que representa o estado-da-arte das tecnologias da informação e computação. No Brasil, a limitada concepção de P&D em CTI contribuiu para não surgir empresa nacional de projeção internacional na área de TIC. Nesta década, entretanto, observa-se mudanças em políticas de CTI que superam timidamente essa concepção e os primeiros passos foram dados (e.x., lei de inovação de 2004). Entretanto, o sucesso dessa política é desafiador pela falta de referência empresarial em desenvolvimento e venda de produtos inovadores, a própria inexperiência em política de inovação bem sucedida e ainda a limitação de recursos humanos de qualidade e com prática inovadora em TIC. Nesse cenário, as parcerias no Brasil entre empresas, universidades e governo se tornam criticamente estratégicas. 70 c. Considerando que na maioria dos países, a produção de patentes é resultado das atividades de P&D e inovação tecnológica praticadas nas empresas privadas, qual a sua avaliação para o fato de que no Brasil esse processo ocorra de maneira inversa, e quase na sua totalidade, através das Universidades públicas e dos Institutos de pesquisas do governo? CLA: O objetivo das empresas e o das Universidades e Institutos são distintos e refletem as avaliações de desempenho a que são submetidos. Especificamente, as empresas nacionais não tem tradição de inovação, elas são majoritoriamente revendedoras e prestadoras de serviços e produtos de software, baseados em sistemas e hardware protegidos desenvolvidos por empresas estrangeiras. Dado que a avaliação da empresa é exclusivamente pela sua lucratividade, portanto ela não precisa investir em inovação porque essa ação compete a empresa licenciadora do produto. Já as universidades são formadoras de mão de obra para esse mercado, e portanto o requisito de qualificação da mão de obra que as universidades forma é de ser capaz de aplicar e vender os referidos produtos e não inovar. Os professores universitários são avaliados pela quantidade e qualidade de alunos de graduação formados para atender esse mercado. Na pós-graduação é feita P&D e os seus professores são avaliados pelo numero e qualidade de dissertações, teses e trabalhos publicados. Os Institutos de pesquisa são avaliados pelos trabalhos publicados. Portanto, não só as empresas não tem interesse em investir em inovação como os pesquisadores em Universidades e Institutos não tem estímulos e não encontram motivação para a geração de patentes. A razão dessa cultura de indiferença a patentes é que as patentes não são avaliadas pelos financiadores de P&D e nem o mercado nacional se mobiliza pelos produtos e serviços que elas possam potencialmente gerar. Portanto, fica a critério do pesquisador se interessar e conseguir recursos para o processo de patenteamento. A dificuldade do pesquisador é enquanto publicar seus resultados de pesquisa em um periodico tem retorno imediao pois é mais simples, rápido e garantido pelo numero de periódicos/editoras existentes, o patenteamento é mais arriscado e ainda requer trabalho extra junto a um escritório/departamento de patenteamento. Geralmente um patenteamento leva de 3 a 5 anos (a publicação em periódico 1-2 anos) e não há garantia de concessão da patente, e há apenas uma chance por país (diferente de periódicos/editoras). O resultado é o pequeno numero de registros de patente e ainda menor o de patentes internacionais em TIC. d. Do ponto de vista institucional, qual a sua percepção do aporte de recursos aos pesquisadores e Institutos de pesquisa por parte das agências de fomentos - FINEP, CNPq, FAPs, entre outras? CLA: O aporte de recursos cresceu significantemente para P&D em TIC nos últimos 5 anos. e. Como coordenador de pesquisa com forte atuação na área de Computação, dotada de enorme potencial de inovação tecnológica, qual a sua opinião, para que o segmento de CT&I possa reverter a baixa produção de tecnologias de alto valor agregado? CLA: O cenário acima mostra que é preciso atuar no modelo de P&D em CTI para criar uma cultura de inovação na formação de recursos humanos em TIC nas Universidades, Institutos e empresas; 71 f. Como o Sr. avalia o sistema de progressão dos pesquisadores brasileiros? CLA: O sistema precisa estimular fortemente a inovação em TIC. Caso o Sr. tenha algum comentário, texto ou artigo que entenda serem relevantes para uma melhor compreensão dos temas abordados, sua inclusão será bastante importante para a elaboração deste trabalho. CLA: http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/07/16/muito-alem-das-patentes/ # Qualificação do entrevistado (breve resumo): nome, titulação cargo etc. Nome:Claudio Luis de Amorim, PhD (Professor Associado, Engenharia de Sistemas e Computação, COPPE/UFRJ) ---------------------------------------------- 72 ANEXO E: ENTREVISTA MARCELO PORTES ALBUQUERQUE – CBPF/MCTI 73 ANEXO F: ENTREVISTA MARCOS AROUCHE NUNES - ON/MCTI Marcos Arouche Nunes Vínculo: Tecnologista Sênior III - Aposentado - ON/MCTI a. Como o Sr. avalia a vulnerabilidade atual, em seus diferentes aspectos, da Divisão do Serviço da Hora (DSHO/ON) e do Laboratório de Tempo e Frequência (LTF/ON) do Observatório Nacional (ON)? Antes se faz necessário expor as atividades da Divisão do Serviço da Hora (DSHO/ON) do Observatório Nacional (ON). A Divisão do Serviço da Hora DSHO/ON é o órgão responsável por imposição legal de gerar, disseminar e manter a Hora Legal Brasileira, bem como credenciado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que lhe atribuiu responsabilidade pela padronização da referência nacional das grandezas fundamentais de Tempo e Frequência, através da disseminação de suas unidades de medida, inclusive com autoridade para conferir crédito a laboratórios e empresa nacionais. Este credenciamento criou a necessidade de se implantar o Laboratório Primário de Tempo e Frequência (LPTF). Desta forma, tanto a DSHO/ON como o LPTF podem ser encarados, mesmo com atribuições distintas, como organismos complementares e consequentemente dotados das mesmas facilidades bem como com as mesmas carências. Para tal, a DSHO/ON possui uma infraestrutura dotada de padrões de Tempo e Frequência que formam a base nacional da Rastreabilidade Metrológica Brasileira de Tempo e Frequência, bem como, através do “Bureau International des Poids et Mesures (BIPM)” mantém a Hora Legal Brasileira (HLB) intercomparada com todos os padrões de Tempo e Frequência internacionais. A rastreabilidade da HLB também se faz em tempo real por meio do Sistema Interamericano de Metrologia – SIM, acessível via enlace SIM Time Scale Comparisons através do GPS Common-View. Diante de suas competências institucionais, quais sejam gerar, conservar, manter e operar o Laboratório Primário de Tempo e Frequência (LPTF) e difundir a Hora Legal Brasileira (HLB), nos termos da Lei nº 2.784, de 18 de junho de 1913 e legislação posterior, percebe- 74 se que a vocação da DSHO/ON é a de prestação de serviços únicos e em qualidade na área de Metrologia de Tempo e Frequência (T&F), destacando-se a Geração e Disseminação da HLB, através da transmissão de sinais horários por diversos meios, tais como, Internet, linhas telefônicas, rádio nas faixas de HF e VHF, concessionárias de telefonia (Embratel 130 e outras operadoras) e emissoras de rádio e TV. Destaca-se também, pela excelência dos serviços prestados pela DSHO/ON, a Geração e a Disseminação do Sincronismo de Tempo Público, do Sincronismo Certificado (ReSinc), bem como a Rede de Carimbo do Tempo Certificado a Hora Legal Brasileira (ReTemp/HLB). Particularmente, a ReTemp/HLB é essencial na autenticação e consequente auditagem de diversas atividades da vida pública civil e militar do Brasil, levando aos documentos digitais a Hora Legal Brasileira, de forma segura, autêntica, rastreável e auditável. Cabe ressaltar que a ReTemp/HLB é no momento a única solução nacional existente que garante a inviolabilidade do registro cronológico da emissão de um documento, ou da realização de uma transação financeira, ou de qualquer atividade que envolva troca de informações digitais envolvendo entidades civis ou militares e que estejam interconectadas através do meio eletrônico. Cabe ressaltar que qualquer documento, transação, operação eletrônica ou inserção de assinatura digital que contemple um Carimbo do Tempo, agrega valor jurídico conforme legislação vigente. Incidentes de segurança e até crimes cibernéticos só podem ser investigados se os logs dos dispositivos envolvidos estiverem em sincronismo. Além da autenticação do tempo em qualquer operação realizada por meio eletrônico através do ReTemp/HLB, outras atividades desenvolvidas pela SHO/ON se destacam, como aquela que provê a segurança da informação na Internet e de seus dispositivos ativos e servidores, através dos servidores NTP do DSHO/ON, único com respaldo legal e por aqueles praticados por organismos credenciados pela DSHO/ON, como o ntp.br prestado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Desta forma, Incidentes de segurança e até crimes cibernéticos podem ser rastreados se os registros dos computadores e dispositivos ativos envolvidos estiverem sincronizados pela DSHO/ON ou seus credenciados. 75 Para garantir a continuidade operacional, redundância geográfica e rastreabilidade da Hora Legal Brasileira, a ReTemp/HLB possui três Entidades de Auditoria do Tempo localizadas em ambiente seguro e em regiões geograficamente distribuídas, tais como: Brasília, no STF - Supremo Tribunal Federal; São Paulo, no NIC - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR e Rio de Janeiro, na Global Crossing, além é claro, da principal instalação na sede do ON. Diante de tamanha responsabilidade institucional, a DSHO/ON se vê diante de alguns desafios, dos quais podemos citar a dificuldade de reforçar seu quadro com novos Pesquisadores e Tecnologistas com qualificação nas áreas afins de T&F, bem como repor as vagas geradas por aposentadorias de parcela considerável do quadro de pessoal do ON ao longo dos últimos anos, agravada pela perspectiva de aposentadorias futuras como mostrada na Tabela 2 (*5) do Plano Diretor do Observatório Nacional, havendo uma previsão de que até 2015 mais de 40% do corpo de Pesquisadores e Tecnologistas venha se aposentar. A baixa regularidade da aplicação de Concursos Públicos, com a adequada alocação de vagas para admissão de pessoal concorre para o agravamento desta situação. O aumento do quadro de pessoal qualificado em T&F permitiria a elaboração de um Plano Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento em longo prazo, com o objetivo de criar os fundamentos básicos para o desenvolvimento de tecnologia nacional, permitindo a criação de condições técnico-científicas para gradativamente substituir a dependência externa das tecnologias fechadas e proprietárias, principalmente no que se referem aos equipamentos principais para sua operação, tais como, os Padrões Primários de Frequência, os Sistemas de Autenticação e Sincronismo e os sistemas de Autoridade de Carimbo do Tempo, bem como seus equipamentos periféricos. A grande dependência da tecnologia importada e proprietária na área de T&F pode refletir negativamente na área Metrologia de Tempo e Frequência, área esta que envolve alguns aspectos da soberania nacional, uma vez que a HLB faz parte de diversas atividades, passando principalmente pelo sistema financeiro, atividades militares estratégicas, segurança em TI, sistemas de posicionamento, e a continuidade do desenvolvimento de alguns segmentos da pesquisa aplicada, fundamental para o crescimento sólido do país em termos de independência tecnológica. Alguns exemplos de qualidade e produção científica em Tempo e Frequência e que merecem ser citados podem ser encontrados no Instituto de Física de São Carlos – USP, que já há algum tempo investe em pesquisa aplicada no segmento de padrões de frequência. (*1), (*2), (*3) e (*4). 76 Conclusão: Cabe ressaltar que a DSHO/ON, dentre suas atribuições legais e institucionais, e sob as restrições de pessoal e orçamentária, cumpre rigorosamente suas funções, que por vocação, tem na prestação de serviços na área de T&F sua atividade maior. Entretanto, pelo exposto, a capacidade da DSHO/ON de superar possíveis vulnerabilidades indicadas no que trata de Pesquisa e Desenvolvimento em Metrologia de Tempo e Frequência, passa necessariamente pela contratação de um quadro de doutores qualificados na área de T&F, capaz de propor um Plano Diretor de Metrologia em Tempo e Frequência (PDMTF) para os próximos cinco anos, permitindo a criação de condições logísticas através de laboratórios capacitados a realizar P&D na área de T&F, diminuindo a dependência tecnológica brasileira nesta área. O PDTMF deve também focar na imperiosa necessidade de alocação de recursos condizente com as metas propostas, onde se espera fazer da DSHO/ON um centro de excelência capaz de suprir as carências existentes e adequá-lo para permitir a elaboração e execução de projetos em T&F que atendam as necessidades estratégicas que passam necessariamente pelos aspectos das áreas estratégicas para o país e da soberania nacional, como mencionado nos capítulos 6 e 6.2 das Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira, 2008 – 2012 (*6). Referências: *1- www.teses.usp.br/teses/disponiveis/76/76132/tde-11052010-154900/pt-br.php *2- www.teses.usp.br/teses/disponiveis/76/76132/tde-17012008-161241/pt-br.php *3- www.teses.usp.br/teses/disponiveis/76/76132/tde-24062008-090738/pt-br.php *4- www.bv.fapesp.br/pt/projetos-regulares/46916/atomic-references-time-frequencyfapesp/ *5- Plano Diretor do ON 2011 – 2015 – Recursos Humanos – páginas 14 e 15 http://www.on.br/conteudo/institucional/plano_diretor_2011-2015.pdf *6- Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira 2008 – 2012 www.inmetro.gov.br/noticias/conteudo/diretrizesEstrategicas.pdf b. Como o Sr. avalia a evolução do desenvolvimento de tecnologias de Tempo e Frequência na DSHO/ON? 77 As atividades da DSHO/ON remontam a primeira década do século 20 e foram tomando a forma atual através da adequação da legislação que tratava da grandeza Tempo, adequando e concedendo-lhe novas missões, de tal maneira que algumas das suas atuais atividades, acompanharam a evolução tecnológica daquela época até os dias atuais, além de abrir diversas alternativas de áreas de atuação em P&D na área de T&F. Como mencionado no item anterior, a vocação maior da Divisão do Serviço da Hora (DSHO/ON) do Observatório Nacional (ON) é notadamente voltada para a prestação de serviços condizentes com suas competências institucionais, bem como aquelas por designação legal. Essa vocação pode ser sentida através do Relatório de Gestão do Exercício de 2011 do ON (*11) em seu item 1.1 - Metrologia de Tempo e Frequência, onde dos três projetos citados, somente um, “Desenvolvimento e implantação de um novo sistema automatizado para medição dos relógios atômicos da Divisão do Serviço da Hora” contempla a área e P&D. Entretanto, outras atividades de Pesquisa e Desenvolvimento estão em andamento na DSHO/ON e encontram-se citadas no Relatório de Gestão do ON 2011 (*11) em sua página 15, e cujos principais itens são abaixo citados. “Infraestrutura e Fomento da Pesquisa Científica e Tecnológica”. a) Disseminação da Grandeza Tempo e Frequência. - Aperfeiçoar a Rede de Auditoria de Carimbo de Tempo e a Rede de Sincronismo (ReTemp/Resinc) através da compra de novos equipamentos e da pesquisa e desenvolvimento de novas metodologias de auditoria e sincronismo. - Aperfeiçoar a disseminação de sinais horários e frequência padrão para todo o território nacional por radiodifusão através de transmissão em baixa frequência e aumento da potência de transmissão. - Implantar sincronização à Hora Legal Brasileira de computadores via internet com resolução de microssegundos. - Ampliar a disseminação da hora pela Internet elevando para 10 o número de servidores de tempo. 78 b) Aperfeiçoamento da Rastreabilidade Nacional e Internacional em Tempo e Frequência. - Estabelecer acordo de cooperação com instituições nacionais para transferência de frequência via sistema de posicionamento por satélite, por rádio difusão e rede de fibras óticas. – Desenvolver método de Transferência de Tempo e Frequência via Sistemas de Satélites e participar do aperfeiçoamento da Rede de Tempo do SIM. – Iniciar a implantação da Rede Nacional de Estações de Referência de Tempo e Frequência (RENETEF) via sistemas globais GPS e GALILEO, utilizando novos métodos de transferência de tempo e frequência e receptores do tipo geodésico. c) Ampliação das atividades da metrologia de tempo e frequência, de acordo com a designação do INMETRO. - Aperfeiçoar os métodos de calibração, realizando medida de intervalo de tempo com resolução de tempo-segundo e expandindo a capacidade de medição de ruído de fase até 110GHz. - Modernizar o Sistema de Geração da Escala de Tempo Atômico Brasileira, duplicando o número de geradores do UTC(ONRJ) com resolução de 10-19 e do sistema de medidas de resolução de 10 femtosegundos. - Aumentar o número de relógios a maser de hidrogênio em operação na DSHO com o acréscimo de dois relógios. – Realizar cinco workshops para a elaboração e acompanhamento da política de P&D para a área de Tempo e Frequência. d) Realizar estudos metrológicos empregando Pente de Frequência ótico. – Desenvolver métodos e técnicas para estabilizar a frequência do pente de frequência e caracterizar o ruído de fase do mesmo. - Realizar a rastreabilidade da frequência óptica ao UTC (BIPM) determinando a incerteza da frequência óptica gerada. - Iniciar a pesquisa para o desenvolvimento de relógio baseado em transições ópticas. Por outro lado, a DSHO/ON desenvolve atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em outras áreas afins a T&F como abaixo transcritas: - Desenvolvimento de Relógios, - Escala de Tempo Atômico Brasileiro, - Sistemas de Sincronização, - Automação de Medidas, - Automação de Operações, 79 - Padrões Primários, - Instrumentos Internos, - Otimização de Processos para Melhoria da Qualidade, - Melhoria da Incerteza de Medição, - Calibração Remota de Relógios Atômicos, - Rastreabilidade de Nacional e Internacional de Tempo e Frequência. Percebe-se que a atuação em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) pela DSHO/ON está focada nas áreas voltadas à implantação de novas tecnologias e desenvolvimento de aplicações que venham criar facilidades e mecanismos de automação e controle com o objetivo de melhorar os processos envolvidos nas execuções de suas atividades fim. Por esta razão, há alguns anos foi implantada uma nova área de P&D que veio agregar considerável valor aos resultados finais dos produtos ofertados pelos serviços em T&F da DSHO/ON, através da Otimização de Processos e Melhoria da Qualidade. Entretanto, o desenvolvimento tecnológico na DSHO/ON acaba sendo prejudicado pelas restrições de caráter orçamentário e pela dificuldade de se aumentar o quadro de Pesquisadores e Tecnologistas habilitados em Metrologia de Tempo e Frequência, como já mencionada no item “a” deste levantamento. Parte desta restrição de recursos advém da priorização da alocação de verbas orçamentárias àquelas áreas ou grupos de pesquisa do ON que apresentam historicamente uma maior produção científica e que já estejam consolidados dentro do cenário científico nacional e internacional, entretanto, sem prejuízo das atividades da DSHO/ON que estejam contempladas em suas competências institucionais, bem como aquelas delegadas por legislação própria. Outro fator que impactou o desenvolvimento em P&D da DSHO/ON, foi a grande restrição orçamentária para cobrir gastos com diárias e passagens, já que grande parte da atuação da área de Metrologia de Tempo e Frequência está focada no intercâmbio científico e nas missões de campo que abrangem diversas instituições de pesquisa em todo território nacional e algumas no exterior (*11) Item 1.1. Entretanto houve um expressivo aporte de recursos extraorçamentários recebidos pelo ON oriundos de diversos organismos que tratam da C&T no país, tais como a Subsecretaria de Coordenação das Unidades de Pesquisas – SCUP, SETEC do MCTI e de outras UPs do 80 MCTI. Esses recursos atenderam despesas relevantes, como a aquisição de um padrão ótico de maser para Metrologia de Tempo e Frequência que viabilizará novas ações em P&D. Diante do exposto, creio que há possibilidade da DSHO/ON aumentar sua atuação em P&D, caso haja a percepção dos gestores de C&T da importância estratégica e da influência sobre alguns aspectos de segurança nacional, da área de Metrologia de Tempo e Frequência, com a consequente diminuição da dependência externa ao desenvolvimento de novas tecnologias, como descrito no documento "Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira (*8). A interação e cooperação tecnológica com instituições de pesquisa e com a Academia, sabidamente detentoras de expertise em P&D de tecnologia de ponta nas áreas de Tempo e Frequência, devem ser aumentadas e incentivadas para que a DSHO/ON possa gerar produtos merecedores de proteção da propriedade intelectual (geração de patentes). A atuação mediana em Desenvolvimento Tecnológico na área de Tempo e Frequência da DSHO/ON se deve a sua vocação, atribuição institucional e imposição legal, mais voltada à prestação de serviços tecnológicos em T&F, do que atuar em P&D. Este quadro poderia ser revertido através da elaboração de um Planejamento Estratégico de longo prazo, atendendo aos Editais de Projetos Estruturantes, que gerariam os necessários aportes de recursos, uma vez a relevância estratégica da grandeza fundamental Tempo. A importância estratégica de P&D em Tempo e Frequência (T&F) desenvolvida na DSHO/ON, sob a ótica da Soberania, Segurança e Defesa Nacional em todos os seus aspectos não deve ser desprezada e sim incentivada através de investimentos, criação de laboratórios voltados para P&D e a contratação de Pesquisadores e Tecnologistas por concursos públicos. Caso não se reverta este quadro, continuaremos dependentes de tecnologias fechadas, proprietárias e desenvolvidas no exterior, como se pode constatar no que se segue abaixo. Apesar das “Diretrizes Estratégicas Para a Metrologia Brasileira” do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO terem previsto aporte de investimentos através do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) (*1), (*2) e (*3) para suprir deficiências e aumentar a capacidade laboratorial da DSHO/ON, aliado ao credenciamento da DSHO/ON (*5), garantindo a execução de todas as atividades 81 de metrologia científica e industrial na área de Tempo e Frequência e referência metrológica através do LPTF (*4), a DSHO/ON continua carecendo de aporte de recursos suficientes para o integral exercício de suas finalidades institucionais. A necessidade de se adequar os atuais padrões de Tempo e Frequência à modernidade das pesquisas nesta área da Metrologia faz com que esses padrões venham a se posicionar no limiar da obsolescência, em função da necessidade de se aumentar a precisão das medidas de Tempo e Frequência com o advento da Metrologia de Frequências Ópticas, que demandará um maior investimento nos futuros padrões de Tempo e Frequência (*6). Com isso, pode-se perceber a importância da determinação da grandeza Tempo, que cada vez mais demanda investimentos de ponta e é uma das variáveis a ser considerada em todos os sistemas Cibernéticos, principalmente com relação à segurança da informação. Importante ressaltar que a Metrologia de Tempo e Frequência, está cada vez mais presente nos aspectos de Segurança da Informação, Segurança, Soberania e da Defesa Nacional, como mencionado nas Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira 2008 – 2012 (*8) e em seu Capítulo 6 - A Metrologia para Áreas Estratégicas (*9). A Metrologia nas Atividades de Segurança e Defesa (*7) cita a importância da Metrologia de Tempo e Frequência para as Forças Armadas, através da transcrição parcial de segmentos considerados pertinentes ao tema em questão: “A constante evolução tecnológica dos sofisticados meios e equipamentos empregados nas atividades de defesa e de segurança, associada ao crescimento e consolidação das indústrias de defesa nacional, requer o desenvolvimento de ações positivas na área da metrologia, voltadas para a busca da soberania do País, por meio, entre outros, da garantia da confiabilidade metrológica demandada pelos mais diversos processos tecnológicos de interesse das Forças Armadas.”. Ainda dentro deste mesmo capítulo, aspectos relacionados à Soberania e Defesa Nacional, são abordados dentro do contexto Metrológico, onde o segmento de Tempo e Frequência tem papel impar, como se segue: “Dentre as necessidades detectadas, destacam-se aquelas relacionadas com o controle do espaço aéreo e a segurança de voo, civil e militar, a vigilância, o controle e a defesa das 82 fronteiras, das águas jurisdicionais e da plataforma continental brasileira, a produção e a manutenção de materiais e sistemas de defesa, bem como os demais procedimentos técnico-operacionais relacionados com a segurança e a defesa do País. Assim sendo, tornase imprescindível a efetiva participação do Inmetro na implementação e na melhoria da sua capacidade de medição nas grandezas metrológicas relacionadas, visando a suportar as necessidades evidenciadas por esse segmento estratégico, por exemplo, nas questões referentes à rastreabilidade das medições de alta frequência, acima de 18 GHz, e na rastreabilidade das medições hipersônicas, entre outras.”. Vê-se claramente o papel da Metrologia em Tempo e Frequência sob o ponto de vista de Segurança e Defesa Nacional, logo a responsabilidade da DSHO/ON tem seus horizontes aumentados, com a consequente necessidade de insumos financeiros e de recursos humanos qualificados com a contratação de novos Doutores com qualificação em Metrologia de T&F, para alcançar a soberania desejada em P&D em Tempo e Frequência. De acordo com o que propaga as Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira 2008 – 2012 (*8) em seus Capítulos 6.8 (*7) e 6.8.1 (*10), os aspectos da Defesa e Soberania Nacional, vistos pelo lado do desenvolvimento Tecnológico na área de Tempo e Frequência, ressalta dentre outros: – “incentivar a implementação de novos sistemas metrológicos e a expansão dos existentes nas organizações públicas;”. – “fomentar o desenvolvimento de fornecedores de serviços metrológicos para as atividades tecnológicas de defesa, visando à soberania do País;”. – “apoiar e estimular o desenvolvimento tecnológico para o controle do espaço aéreo no tocante a novas tecnologias.”. A Cibernética é uma das áreas mais dependentes da grandeza Tempo, cujos incidentes de segurança e vulnerabilidades só podem se rastreados a partir da detecção do evento que está atrelada ao instante da violação. Caso não haja rastreabilidade confiável em termos temporais, provavelmente a fonte geradora da violação não será identificada nem localizada. Logo, somente com a criação de um Plano Estratégico de Segurança Cibernética, com o aporte continuado de investimentos com o objetivo de nacionalização e inovação tecnológica de ponta nas áreas de Tempo e Frequência, criação de laboratórios em parceria com os institutos de pesquisa e a Academia, fortalecimento dos organismos detentores por lei pela geração, manutenção e disseminação da grandeza fundamental Tempo e 83 Frequência e na formação de pessoal altamente qualificado (pesquisadores e engenheiros) é que poderá ser revertida a dependência brasileira, desta tecnologia fechada, proprietária e desenvolvida no exterior. Conclusão: Por tudo exposto, acredito que seja um tema para profunda reflexão pelas autoridades competentes do Governo Federal e pelo Ministério da Defesa para participarem como parceiros ativos, respeitando a hierarquia institucional, no apoio e desenvolvimento das atividades do órgão legalmente constituído como gestor da Metrologia de Tempo e Frequência no Brasil. Referências: Diretrizes Estratégicas Para a Metrologia Brasileira - CONMETRO www.inmetro.gov.br/noticias/conteudo/diretrizesEstrategicas.pdf (*1) Capitulo 6.2.1 Metas - item 1 (*2) Capitulo 6.2.1 Metas - item 3 (*3) Capitulo 6.2.1 Metas - item 4 (*4) Capítulo 5.2.1 Instituição que concentra e supervisiona o conjunto das funções básicas de metrologia fundamental do País, provendo referências metrológicas confiáveis e de alta qualidade (*5) Capítulo 6.2 - Metrologia de Tempo e Frequência (*6) Capítulo 6.7 – Metrologia de Frequências Ópticas (*7) Capítulo 6.8 - Metrologia nas Atividades de Segurança e Defesa (*8) www.inmetro.gov.br/noticias/conteudo/diretrizesEstrategicas.pdf (*9) Capítulo 6 - A Metrologia para Áreas Estratégicas (*10) Capítulo 6.8.1 – Metas (*11) Relatório de Gestão do ON 2011 http://www.on.br/conteudo/institucional/processos_contas/relatorios_gestao/Relatorio_Gesta o_2011.pdf c. Na sua avaliação, existem Recursos Humanos (pesquisadores e engenheiros) disponíveis e qualificados para desenvolver projetos empregando tecnologias nacionais de Tempo e Frequência para uso na DSHO/ON? Supondo que existam, quais seriam o espaço temporal e as medidas por parte do governo federal, para atingir esses objetivos (independência tecnológica)? 84 Os institutos de pesquisa e as universidades brasileiras possuem todo potencial necessário para formar pessoal qualificado nas áreas de P&D em T&F. Entretanto, é necessário se definir metas e atentar para o fato de que, apesar das universidades e institutos de pesquisa apresentarem boa atividade e qualidade científica, as mesmas não necessariamente se traduzem em Inovação Tecnológica, Propriedade Intelectual ou em Patentes. Ou seja, não há transferência de tecnologia entre as universidades e centros de pesquisa para a iniciativa privada. No artigo publicado pelo Pró-Reitor de Pesquisa da UNICAMP e Presidente do Conselho Superior da FAPESP, Dr. Carlos H. de Brito Cruz “Investimentos em C&T: uma comparação da situação brasileira com a de outros países desenvolvidos e em desenvolvimento” (*1), no item Financiamento de C&T nos Estados Unidos e Europa onde transcreve a participação da iniciativa privada versus as universidades no financiamento de Desenvolvimento, Pesquisa Aplicada e Pesquisa Básica, percebe-se claramente, no caso específico dos Estado Unidos, que a participação das empresas privadas é majoritária em relação às universidades nos dois primeiro itens, ficando atrás da iniciativa privada somente no que se refere à pesquisa básica. Mais surpreendente ainda é quando se compara o investimento em C&T das empresas privadas versus governo entre os países desenvolvidos e o Brasil, demonstrando a excessiva participação do Estado na produção científica, sem que isso, acarrete a geração de Propriedade Intelectual. O modelo de P&D dos países desenvolvidos se mostra vitorioso no Brasil através do grande investimento realizado pelas empresas de economia mistas e privadas nas áreas de Gás e Petróleo, com o aporte massivo de recursos na formação do quadro de técnicos altamente qualificados, aparelhamento das empresas, das universidades e de alguns institutos de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) envolvidas nestes projetos. Se este modelo fosse utilizado na área estratégica de Tempo e Frequência, onde se levaria em consideração a elaboração de um Plano Diretor, o tempo necessário para a formação de pessoal qualificado, identificação das instituições de pesquisa, universidades, empresas com notória vocação para P&D e inovação, busca de parceiros na iniciativa privada que teriam como missão a produção em escala industrial dos produtos advindos destas pesquisas, eleger, por tratar-se de produtos considerados estratégicos para a soberania nacional, quais organismos dentro da estrutura do governo teriam ascendência, supervisão 85 e função normativa sobre todas as instituições envolvidas no processo, acredito que a escala de tempo a ser considerada para obtenção de autonomia seria de uma década. Referência: (*1) - www.ifi.unicamp.br/~brito/artigos/publpriv/c&t05.html d. O Sr. teria algo mais a acrescentar que não tenha sido abordado nos itens anteriores e que no seu entendimento sejam relevantes para o levantamento em questão? Creio que esgotei o escopo deste levantamento. 86 ANEXO G: ENTREVISTA PEDRO LEITE DA SILVA DIAS – DIRETOR LNCC 87 # Qualificação do entrevistado (breve resumo): nome, titulação, cargo etc... Pedro Leite da Silva Dias PhD Diretor Laboratório Nacional de Computação Científica. a. A que o Sr. atribui a diferença (muitos artigos, poucas patentes) entre a produção cientifica brasileira (artigos) versus produção de patentes? Algumas razões: 1. Nosso sistema de incentivo à pesquisa sempre foi enviesado para a produção acadêmica. O sistema de bolsas de produtividade em pesquisa (CNPq) ditou, por décadas, a métrica de avaliação dos professores e pesquisadores. Na mesma direção apontou a CAPES na avaliação dos programas de pósgraduação. Em consequência da métrica CNPq/CAPES, as próprias instituições de pesquisa e ensino adotaram a métrica da produção acadêmica, inclusive nos programas de engenharia, agronomia e demais áreas aplicadas. 2. A produção de patentes está intimamente associada à inovação no setor produtivo. Nossas indústrias estiveram, tradicionalmente, focadas na importação de técnicas e processos, salvo raras exceções (e.g., indústria do petróleo, agroindústria, ou seja, em áreas onde existe um nível mais alto de produção de patentes). 3. A relação empresa/universidade ou institutos de pesquisa sempre foi considerada como “pecaminosa” pela comunidade acadêmica. Vem mudando lentamente. Algumas ações importantes foram tomadas nos últimos anos, visando dar mais valor à produção não acadêmica. 4. Noto uma excessiva preocupação , por parte dos pesquisadores e tecnologistas, com a produção de resultados imediatos. Esta preocupação leva à busca de soluções clássicas, baseadas em simples adaptações, processos que não levam à inovação , condição necessária para a produção de patentes. 88 5. Sistema de educação básica muito pobre. Acredito que nossa produção de patentes, registros de software etc., seria muito maior se tivéssemos mais gente bem preparada para entrar na educação superior. b. Como o Sr. avalia o sistema de progressão dos pesquisadores brasileiros sob a ótica da geração de patentes e consequentemente a produção de produtos de alto teor tecnológico? Vide item 1 acima. c. Do ponto de vista institucional, na qualidade de diretor de um Laboratório do Governo, como o Sr. avalia o apoio aos pesquisadores por parte das agências de fomentos (CNPq, FAPs, entre outras). Elas privilegiam ou direcionam o pesquisador para a produção de artigos ou registro de patentes. O modelo atual é benéfico para a instituição ou para carreira do cientista do ponto de vista individual? O sistema de fomento ainda aponta para a avaliação pela produção de artigos (e do ponto de vista quantitativo). A métrica que atualmente prevalece no sistema de avaliação das agências de fomento incentiva a produção do indivíduo. Como a quantidade é mais importante, incentiva-se a formação de redes e o resultado é a produção de uma grande número de artigos com muitos autores. d. Na sua opinião o que falta para o segmento de CT&I reverter a baixa produção de tecnológica de alto valor agregado? 1. Uma indústria mais motivada para entrar em atividades de risco. Naturalmente, a indústria vai procurar um diferencial para atingir resultados e procurará a academia; 2. Valorização do professor/pesquisador que dedica tempo à interação com o setor produtivo. 3. Programas estratégicos de longa duração. 4. Melhoria da educação básica, com incentivos à criatividade quer seja na forma individual ou em grupo. 89 e. O senhor gostaria de comentar algum aspecto relevante, assunto que não foi abordados nas perguntas acima? Falta gestão estratégica na C&T brasileira. Sempre foi muito acadêmica e com visão de curto prazo. Precisamos de grandes projetos cujo desenvolvimento não possa ser obtido através de soluções “de prateleira”. Precisamos somente de alguns grandes projetos estratégicos e muita persistência por parte das agências de fomento. Obs: Caso o Sr. tenha algum documento, texto ou artigo disponível para anexar a esse e-mail sobre o assunto será importante para o trabalho. ****