Luto, Melancolia e Ressentimento na Maternidade
Janaína Sousa Bezerra da Silva[1]
RESUMO
Este artigo tem como intuito retratar o luto na maternidade, especificamente no período
anterior e posterior à gravidez, retratando a importância da maternidade para a
sexualidade, assim como para a subjetividade feminina. Tem como base a teoria
psicanalítica e o texto “Luto e Melancolia” de Freud, assim como autores
contemporâneos que abordam a temática. O luto na maternidade inicia-se a partir
da notícia da gravidez e prossegue com o trauma do nascimento, o parto. Há o luto
relacionado ao bebê, quando este filho não é aquele pertencente ao imaginário materno,
ocorrendo quando o bebê nasce prematuro, com alguma má-formação ou mesmo não é
aquele que a mãe idealizou, diferindo em características físicas ou não é do sexo
desejado. O luto pela morte da criança, acontecimento inominável para uma mãe, pois
não há uma palavra que descreva este sentimento. Há mães que perdem o bebê ainda em
seu útero. Como ocorre a elaboração do luto para essa mãe? O trabalho visa relacionar
estes casos aos estados afetivos de luto, melancolia e ressentimento, analisando em que
posição a mãe se encontra. A partir do exposto, serão traçadas as articulações
possíveis.
ABSTRACT
This article has as intention to portray the mourning it in the maternity, specifically in
the previous period and subsequent to the pregnancy, portraying the importance of the
maternity for the sexuality, as well as for the feminine subjectivity. The psychoanalysis
theory has as base and the text “The mourning and Melancholy” of Freud, as well as
authors contemporaries who approach the thematic one. The mourning it in the
maternity it is initiated from the notice of the pregnancy and continues with the trauma
of the birth, the childbirth. It has I fight it related the baby, when this son is not that
pertaining one to imaginary the maternal one, occurring when the baby is born
premature, with some harm-formation or exactly he is not that one who the mother
idealized, differing in physical characteristics or he is not of the desired sex. The
mourning it for the death of the child, without name to the event for a mother, therefore
it does not have a word that it describes this feeling. It has mothers that they still lose
the baby in its uterus. How occurs the elaboration of the mourning it for this mother?
The work aims at to relate these cases to the affective states of fights, melancholy and
resentment, analyzing where position the mother if finds. From the displayed one, the
possible joints will be traced.
Este tema surgiu a partir de uma experiência de estágio em uma maternidade
pública situada em Fortaleza. Diante desta experiência foi possível realizar atendimento
a mães cuja gravidez era considerada de risco, nas quais podem ser vivenciadas a perda
do bebê ou mesmo o filho nascer com seqüelas desta gravidez ou prematuro. Assim
como foram acompanhadas as mães com bebês internados em unidades de risco
neonatais.
Desta forma, podemos perceber mães que se encontram em estado de luto,
melancolia e ressentimento. No decorrer do artigo iremos abordar questões como os
conceitos luto, melancolia e ressentimento segundo a perspectiva psicanalítica; delinear
os aspectos da gravidez e maternidade relevantes para a pesquisa; articular os aspectos
relevantes e os conceitos de luto, melancolia e ressentimento e perceber como estes
estados aparecem neste período específico da vida da mulher.
Com base na teoria psicanalítica, a relevância do tema encontra-se em abordar
um tema muito discutido, a relação entre a mãe e o seu bebê.
1. A MATERNIDADE
1.1. A IMPORTÂNCIA DA MATERNIDADE PARA A SEXUALIDADE
FEMININA
Freud aborda em algumas de suas obras o tema do feminino. E essa é uma
questão que inicia desde a infância, a partir do Complexo de Castração. Freud aborda
primeiramente no texto Teorias Sexuais Infantis (1908) essa questão. Ele afirma que a
mãe é o primeiro objeto de amor, tanto da menina quanto do menino. É ela quem é
responsável pelos primeiros cuidados e que está ligada mais intimamente com a criança.
E a criança acha que é o único objeto de amor da mãe. A partir daí, há uma
diferenciação de como ocorre esse processo.
Eles começam a ter suas primeiras experiências de descobertas da
sexualidade a partir da manipulação dos órgãos genitais. No menino, isso é marcado
pela repressão do pai em realizar aqueles atos. O pai ameaça castrar o menino se ele
continuar com essa masturbação. O menino entende como sendo uma ameaça ao fato de
ele amar a mãe e querer ocupar o lugar do pai.
É citado o pediatra Lindner no texto “Algumas conseqüências psíquicas da
distinção anatômica entre os sexos” de Freud, escrito em 1925, que observa que a
criança descobre as zonas genitais como fonte de prazer enquanto se entrega ao sugar
sensual, podendo ser o sugar do polegar.
Na menina, não há esse tipo de ameaça, já que ela inicia esse processo
diferentemente. Ao ver o corpo de um menino, ela percebe que há algo de diferente. Ao
visualizar o pênis que ele possui e ela não, acha que o seu ainda vai crescer e não que é
desprovida deste órgão.
Logo após um tempo, percebe que o órgão do menino é correspondente ao
seu pequeno e imperceptível órgão. A partir deste momento, tornam-se vítimas da
inveja do pênis.
Em seu texto “A Organização Genital Infantil” de 1923, Freud aponta que a
criança do sexo feminino supõe que lhe falta o pênis por ter sido castrada por alguma
punição. Neste texto, ele cita também a questão da troca do pênis pelo bebê, ou seja,
uma das saídas para o Complexo de Édipo na menina é ter um filho.
A menina abandona o desejo de ter um pênis e coloca em seu lugar o desejo
de ter um filho, assim toma o pai como objeto de amor. De acordo com Farias e Lima
(2004), as considerações freudianas apontam que “desejar um filho é desejar ter aquilo
que falta, o pênis. Se o desejo de ter um filho é derivado da inveja do pênis, ser mãe
situa a mulher como fálica, portanto, numa posição masculina.” (Farias e Lima, 2004, p.
18-19)
1.2. RELAÇÃO ENTRE A MÃE E O SEU BEBÊ
Vale discorrer sobre o vínculo entre a mãe e o seu filho para que possamos
visualizar melhor a questão da importância da perda do bebê para a subjetividade da
mulher. Foi priorizada a relação mãe-criança nos períodos logo após o nascimento.
Ferraris (2005) traduz esta idéia em um artigo no qual afirma:
Que a mãe seja uma figura fundamental na vida de um filho é uma
convicção tão aceita e consolidada que podemos considerá-la um
axioma, ou seja, um princípio geral evidente, cuja demonstração é
totalmente supérflua. Todos sabemos que, sem uma figura de apego,
o recém-nascido terá dificuldades para crescer. A ponto de, por vezes,
não conseguir sequer, sobreviver (Ferraris, 2005, p. 45).
Ferraris expressa que há muitas divergências e muitas vezes dúvidas com
relação a como nasce e se desenvolve esse relacionamento fundamental entre a mãe e o
filho, caracterizado como “primário”. As dúvidas estão relacionadas a quais e quantas
funções esse vínculo desempenha nas primeiras fases da vida, como pode ser vivido e
quais as conseqüências que a criança que tem esse vínculo carente ou defeituoso sofre.
De acordo com Badinter (1987), até os fins do século XVIII, não havia um
vínculo da mãe em relação ao filho como existe hoje. Dadas as altas taxas de
mortalidade infantil, havia indiferença, recomendações de frieza e desinteresse pelo
bebê recém-nascido. Esta levanta a possibilidade de que isto seja uma couraça, uma
defesa contra o risco de vivenciar a perda do objeto de ternura. “Valia mais a pena não
se apegar para não sofrer depois.” (Badinter, 1987, p. 85)
Esta autora defende que o amor materno não é algo que existiu sempre, mas
que na nossa época, a maternidade é mais valorizada do que em certo período da
história, sendo considerado um fenômeno mundial.
A psicanalista Laznik (1996), que estudou psicopatologias infantis,
principalmente o autismo, incluindo essa relação entre mãe e bebê, expõe em suas obras
a importância do investimento do Outro. Esse investimento seria realizado através da
voz e do olhar maternos.
Deutsch (1925) apud Farias e Lima (2004) traz em sua teoria que a mãe tem
como tarefa estabelecer uma unidade com o seu filho primeiramente, e posteriormente
dissolvê-la de forma harmônica. Esses mesmo autores fazem um recorte na obra de
Melanie Klein (1937) e apresentam seu pensamento de que há um relacionamento
amoroso entre a mãe e seu bebê em uma mulher que atingiu uma personalidade
maternal.
A menina tem fantasias inconscientes que o corpo de sua mãe está
cheio de bebês colocados lá pelo pênis do pai. Os desejos
experimentados durante a infância persistem na idade adulta e
influenciam o amor que a mulher grávida tem pelo filho, o que a
restitui da frustração por não ter podido receber um filho de seu pai
na infância. Por ter realizado este desejo, a mulher intensifica sua
capacidade de amar o filho (FARIAS E LIMA, 2004, p. 17).
Os autores pós-freudianos consideram a relação mãe-criança, uma relação
dual. Estes vêem a criança como um ser em desenvolvimento que está pronto para a
satisfação com um objeto adequado e harmonioso, que no caso é a mãe, e esta deve
aprender a interagir com a onipotência da criança.
Winnicott aborda que os bebês são o desejo da mãe:
Os bebês são uma carga de trabalho e um embaraço positivo, a menos
que sejam desejados. Se uma mulher jovem não começou ainda a
querer o bebê que traz dentro de si, não pode evitar sentir-se infeliz
(...) Lenta, mas seguramente, acaba por acreditar que o centro do
mundo está situado em seu próprio corpo (WINNICOTT, 1982, p.
19).
Dolto (1991), assim como Lacan, acredita que esta relação mãe-bebê é uma
relação escópica, ou seja, que promove que o bebê constitua sua imagem através do
espelho. Embora suas teorias se diferenciem um pouco. Dolto acredita que quando a
criança se aproxima do espelho, vê surgir uma imagem refletida que até então não
observara. Ela vê um bebê e ela brinca, sem entender. É importante que, a mãe ou um
Outro que exerça essa função, esteja presente para simbolizar nomeando o que ocorre.
A mãe representa então alguém que dá a palavra essencial para simbolização da criança.
1.3. SER MÃE
Winnicott (1982) aborda questões inerentes a quanto a mãe é normalmente e
simplesmente dedicada ao seu bebê. De acordo com o autor, “O amor de mãe é algo
semelhante a uma força primitiva. Nele se conjugam o instinto de posse, o apetite e até
certo elemento de contrariedade, em momentos de exasperado humor; e há nele
generosidade, energia e humildade também” (Winnicott, 1982, p. 17)
Badinter (1985) coloca que a mãe é uma personagem que é relativa e
tridimensional; relativa porque só se concebe diante de um pai e um filho e
tridimensional porque a mãe é também uma mulher, ou seja, um ser dotado de
aspirações próprias, que geralmente não coincidem com as do esposo ou com os desejos
do filho.
Badinter acredita que nem sempre a sociedade valorizou a mulher como ela
está sendo valorizada de algum tempo até os dias atuais. Esta autora então realiza um
percurso histórico para delinear os traços dessa figura materna. “Segundo a sociedade
valorize ou deprecie a maternidade, a mulher será, em maior ou menor medida, uma boa
mãe.” (Badinter, 1985, p. 26)
Antigamente, havia tanto a indiferença em relação aos filhos, quanto a
diferenciação de amor entre um filho e outro. O menino era mais amado que a menina, e
o primogênito mais amado que o caçula. Badinter (1985) questionava se esta era uma
confissão de que o amor à criança ocorria mais pelo que esta podia proporcionar
socialmente aos pais e pelo fato de lisonjear o narcisismo.
Badinter afirma que algumas mulheres não estavam dispostas a abrir mão do
seu lugar e do posto na corte ou de sua vida social e mundana para criar os filhos. O
primeiro ato no qual as mães mostravam isso era na recusa do aleitamento. Esse gesto
era entregue às amas de leite, pois estava relacionado ao pudor e à sujeira. As mães
achavam que aquele cheiro de leite afastaria o marido.
A criança daquela época era um estorvo para a mãe na vida conjugal, nos
prazeres e na vida mundana. Os prazeres da mulher elegante da época estavam ligados à
vida mundana, como receber e fazer visitas, mostrar um vestido novo, freqüentar a
ópera e o teatro, segundo Badinter. As pequeno-burguesas, mulheres de negociantes ou
do juiz local, que eram pouco sujeitas à mundaneidade, apressavam-se a copiar suas
irmãs mais favorecidas. Pela falta de uma vida social brilhante, podiam adquirir um
primeiro sinal de distinção desembaraçando-se também dos filhos. “Mais valia não fazer
absolutamente nada do que dar mostras de se ocupar de coisas tão insignificantes.”
(Badinter, 1985, p. 99)
De acordo com um breve histórico encontrado no livro de Badinter,
podemos perceber as mudanças que houveram desde o período medieval até hoje. No
século XVI, os teólogos censuravam as mães pela ternura ilícita dos filhos. No século
XVIII, elas eram censuradas por não ter ternura pelas crianças.
2. LUTO, MELANCOLIA E RESSENTIMENTO
2.1. LUTO
Não há como negar a grande influência que Freud exerceu para o conceito
de luto em psicanálise. A sua obra Luto e Melancolia datada de 1917, é uma referência
para trabalhos que envolvem o tema.
Freud preocupa-se em diferenciar luto e melancolia, e quais os aspectos
presentes em cada um desses estados afetivos. Esses critérios são a partir da
reconstrução metapsicológica e dizem respeito à relação do sujeito com o objeto
perdido. Ele escreve:
O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda
de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o
país, a liberdade, ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em
algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em
vez de luto/ por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas
possuem uma disposição patológica (FREUD, 1917, p. 249).
Freud acredita que o luto poderá ser elaborado após certo tempo, sem haver
uma interferência sobre ele. No luto, podemos encontrar traços como desânimo
profundo, perda de interesse no mundo externo, perda da capacidade de amar e inibição
de atividades.
Segundo Freud, a perda de interesse no mundo externo é causada pelo fato
de o mundo externo não evocar mais o objeto perdido. Há a perda da capacidade de
adotar um novo objeto de amor para substituir o que foi perdido e o afastamento de
atividades que não estejam ligadas a pensamentos sobre esse objeto.
Kaufmann (1996) expressa essa mesma idéia quando escreve que o luto é
um estado de inércia libidinal, ou seja, não há movimento desta libido para nenhum
outro objeto. Freud coloca que é exigido que seja retirada a libido da ligação com esse
objeto. E diz no mesmo texto, que esta é uma oposição, pois as pessoas não abandonam
de forma tão simples uma posição libidinal, mesmo quando um substituto aparece.
Freud ainda observa que as pessoas tem um grande dispêndio de tempo e
energia catexial, prolongando-se psiquicamente a existência do objeto perdido. E esse
fato ainda é considerado por todos como algo natural, sendo este um penoso desprazer.
Há inibição e perda de interesse devido ao trabalho de luto no qual o ego está absorvido.
Mas quando o trabalho de luto cessa, o ego novamente está livre para investir em outros
objetos.
No luto, não existe nada de inconsciente em relação a perda que o sujeito sofreu.
Diferentemente da melancolia, no luto há uma perda relativa a um objeto. Lacan faz
referência à melancolia em algumas de suas obras principalmente ao tratar do
narcisismo. Ele não apresenta uma teoria da melancolia e transmite poucas observações
a respeito dela.
Lacan considera que o sujeito não é o mesmo após passar por uma situação de
luto. “A experiência do luto determinaria o surgimento de uma nova figura de relação
de objeto. Lacan não vê na identificação aos traços do objeto perdido uma função
reparadora.” (PERES, 1996, p. 54)
2.2. MELANCOLIA
Também utilizando o texto de Freud - Luto e Melancolia (1917) - como
referência, podemos pensar a melancolia como um estado em que o sujeito sofre a
perda, mas não sabe claramente o que foi perdido, logo não pode conscientemente
receber o que perdeu. Na inibição do melancólico não podemos ver o que o absorve tão
completamente. “Num conjunto de casos é evidente que a melancolia também pode
constituir reação à perda de um objeto amado. (...) Existe uma perda de natureza mais
ideal. O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto
objeto de amor.” (Freud, 1917, p. 251)
Na melancolia, além dos sintomas que estão presentes no luto, como o
desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda
da capacidade de amar, inibição de atividades, há diminuição da auto-estima e
empobrecimento do ego em grande escala. Surgindo assim, auto-recriminações e autoenvilecimento. No estado afetivo de luto, o mundo torna-se pobre e vazio. Na
melancolia, o ego torna-se vazio.
Outros aspectos do delírio de inferioridade da melancolia, é que este poderá
vir acompanhado de insônia e recusa a se alimentar e por uma superação do instinto que
compele todo ser vivo a se apegar à vida. O paciente melancólico mostra seu ego como
sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização, desprezível. Ele espera ser
punido.
Peres (1996) acredita que o paciente melancólico, ao assumir uma atitude
passiva, obtém prazer de seu sofrimento e permanece preso a pensar sobre si. “A
melancolia esconde uma fonte oculta de prazer.” (Peres, 1996, p. 39) Isso deve-se ao
fato de que há uma repressão do sadismo e isto provoca depressão, ansiedade, autoacusações e aumento de tendências masoquistas, segundo afirma a autora.
O melancólico não tem sentimento de vergonha diante de outras pessoas.
Pelo contrário, há nele uma intensa capacidade de comunicação e que poderá ser
satisfeita no desmascaramento de si mesmo.
De acordo com Freud, na melancolia há perda de amor-próprio e o
melancólico deve ter tido boas razões para isso, pois sofrera uma perda de um objeto
mas que o paciente aponta como tendo sido uma perda relativa ao seu próprio ego. O
paciente em sua auto-avaliação, se preocupa pouco com a enfermidade do corpo, feiúra
ou fraqueza, ou inferioridade social. Somente o medo da pobreza é relevante.
As auto-recriminações que o melancólico realiza são feitas a um objeto
amado, que foram deslocadas desse objeto para o próprio ego. “Eles não se
envergonham nem se ocultam, já que tudo de desairoso que dizem sobre eles próprios,
refere-se, no fundo, à outra pessoa.” (Freud, 1917, p. 254)
Ao invés de demonstrarem humildade e submissão, atitudes que caberiam à
pessoas que se acham desprezíveis, eles tornam-se pessoas mais maçantes, tentando
mostrar que sentem-se desconsideradas e que foram injustiçadas.
Lambotte (1996) relata que Freud classificou a melancolia em 1924 na
categoria de “neuroses narcísicas”, uma categoria que é diferente da neurose e da
psicose. E seu interesse neste tema foi devido aos tratados de psiquiatria e à atenção
dada ao discurso do doente. A excitação psíquica própria do doente melancólico acaba
por cavar uma espécie de furo no psiquismo, no qual a tensão ou libido, não pára de
escoar, segundo Lambotte.
Freud distingue a melancolia da neurastenia, pois que nesta há o escoamento
da energia sexual no somático. Na melancolia, há o desapontamento proveniente da
pessoa amada, a quem foi realizada a escolha objetal, ou seja, a ligação da libido a uma
pessoa. A partir desta desconsideração sofrida, a catexia objetal foi liquidada. A libido
não foi deslocada para outro objeto e sim foi retirada para o ego. Assim, pôde ser
estabelecida uma identificação do ego com o objeto que foi abandonado. Pode-se dizer
então que a sombra do objeto caiu sobre o ego e assim este pôde ser julgado como se
fosse o objeto abandonado. Daí, “uma perda objetal se transformou numa perda do ego,
e o conflito entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica do
ego e o ego enquanto alterado pela identificação.” (Freud, 1917, p. 255)
Acredita-se que uma forte fixação no objeto amado possa ter estado
presente. Freud lembra as observações de Otto Rank de que a escolha objetal é efetuada
em uma base narcisista, pois à medida que esta catexia depara-se com obstáculos, pode
retroceder para o narcisismo. Freud mostra que para a escolha objetal, é necessária certa
identificação primeiramente O ego deseja incorporar o objeto a si.
2.3. RESSENTIMENTO
Ramos (2006) afirma que o ressentimento está mais relacionado aos afetos
do que a uma estrutura clínica e que pode ser tomado como sintoma. Este serve aos
conflitos do homem contemporâneo, este que é dividido por exigências imaginárias que
são próprias ao individualismo e mecanismos de defesa do eu próprios que estão a
serviço do narcisismo. (p. 89)
O ressentido é alguém que não quer se esquecer o mal que o vitimou. Não
quer perdoar, mas sim ”não deixar barato”. Para Scheler (1912) apud Kehl (2004) o
ressentimento gera afetos como rancor, desejo de vingança, raiva, maldade, ciúmes,
inveja, malícia, e a esse conjunto o autor chamou de constelação afetiva. A palavra
ressentimento indica uma reação, mas se o ressentido tivesse reagido, o sentimento de
injúria ou agravo poderia ter sido tranqüilizado.
Segundo Kehl (2004), ressentir-se significa atribuir a um outro a
responsabilidade pelo que nos faz sofrer. Um outro a quem se delega o poder de decidir
por nós, de modo a poder culpá-lo pelo que venha a fracassar. O ressentido é aquele que
tem como característica a servidão inconsciente e a impossibilidade de implicar-se
como sujeito do desejo.
De acordo com Kehl, o ressentimento é um termo utilizado pelo senso
comum e a psicanálise está apropriando-se dele para realizar algumas articulações.
Esse re como prefixo da palavra ressentimento significa o retorno da mágoa, a
reiteração de um sentimento. Há uma repetição mantida por aquele sujeito que foi
ofendido.
A vingança, nesse caso, é considerada uma necessidade psíquica quando a
vítima não foi capaz de reagir. Decorre da falta de resposta imediata ao agravo. Ocorre
depois de um certo espaço de tempo, como se tivesse sido adiada, mas esse desejo
nunca é renunciado. É alimentado pela raiva ou impossibilidade de esquecimento de
uma raiva passada. Embora no ressentimento, esse tempo de vingança nunca chegue
pois o ressentido é incapaz de vingar-se.
Para que o ressentimento surja é necessário que o ressentido sinta-se
incapaz, fraco, inferior e não se sinta à altura de responder ao agressor.
3. LUTO NA MATERNIDADE
O
luto
materno
inicia-se
durante
a
própria
gravidez.
Riedmiller[2] afirma haver três momentos de perdas para a mulher que se torna mãe:
perda do estágio de filha, perda do status de casal, perda do statusde “boa mãe”.
Riedmiller coloca que, quando a mulher tem a notícia que está grávida e
anuncia ao marido, há a perda daquela relação na qual havia apenas dois. Com o
anúncio da chegada de um bebê, há uma ruptura. Algumas mulheres ficam receosas de o
marido não acostumar-se com as mudanças que essa gravidez acarreta no corpo e
surgem até fantasias de que o marido tem outra mulher. Soifer (1992) afirma que antes
mesmo do anúncio, os maridos percebem a gravidez de modo inconsciente e levam para
a análise sonhos típicos, nos quais apresentam-se elementos persecutórios referentes ao
futuro rival.
Há também a perda do status de filha. Toda mulher é primeiramente, filha.
E tem na própria mãe, uma referência protetora. Quando ocorre a gravidez, agora ela
tem que se colocar nesse lugar de ter que proteger alguém, que é o bebê, que depende
dela para sua sobrevivência.
A sociedade e a própria família lhe atribuem uma nova posição, que é a
posição materna e isso acarreta trabalhos despendidos para um bebê. Segundo Lacan,
este recém-nascido seria um “pedaço de carne vivo” que precisa de investimentos, de
atravessamento de significantes para tornar-se um ser-de-cultura, um ser humano. E isso
deverá ser realizado inicialmente pela mãe.
Riedmiller coloca ainda a perda do status de “boa mãe”. Isso quer dizer que,
toda mãe deseja ser uma boa mãe, e quando o bebê não nasce saudável, há uma série de
acusações que a sociedade faz a essa mãe: acusam que esta possa ter ingerido
substâncias tóxicas, de que não fez o pré-natal, não deu atenção suficiente a esta
gravidez, e isto remete à incapacidade de essa mulher gerar um filho.
Riedmiller coloca também os lutos que a mãe sofre neste momento, que são
o luto dos sonhos e o luto do imaginário.
O luto dos sonhos representa a perda do que aquela mulher imaginou para
ela, os ideais, os desejos, objetivos. O luto deve ser elaborado em relação a cada uma
destas perdas que ocorrem ao longo da vida.
Luto do imaginário, pois na verdade, existe um bebê real e um bebê
imaginário. As mães querem ter um bebê saudável, bonito, grande, com peso normal, de
9 meses. E nem sempre ocorre de a mãe ter o bebê que ela sonhou. Algumas vezes, o
bebê nasce com alguma má-formação, prematuro, com baixo peso. Isso representa uma
morte do bebê imaginário ao deparar-se com o seu bebê real. “Sendo assim, o
nascimento de um filho tanto encarna a realização de um ideal quanto reatualiza a falta
estrutural. – já que sem ela não haveria desejo de ter um filho.” (JAQUETTI E
MARIOTTO, 2004, p. 53).
O próprio parto significa um luto que a mulher deve elaborar, na medida em
que promove um corte na relação fusional, simbiótica entre a mãe e o seu bebê. Um
corte que muitas vezes ocorre no real através da cesariana.
Quando não há a elaboração desse luto, o que ocorre é o estado de
melancolização. Segundo Carneiro (2005), o estado de melancolização é indispensável
ao trabalho do luto e é o processo anterior a este.
Benhaim (2004) coloca que o nascimento do filho é não mais o ter e deve
haver a elaboração não apenas da criança no útero, mas daquela que acabara de nascer.
Ela coloca que é difícil acabar com essa fusão, com a ilusão de um corpo no corpo. E
ela supõe que na gravidez o princípio de prazer supera o princípio de realidade. Há uma
dupla perda, que seria a perda do estado de encantamento em relação ao Imaginário e o
Real e a perda do objeto, que é a criança.
3.1. LUTO PELA MORTE DA CRIANÇA
Stellin (1994) realiza um recorte histórico do significado da criança ao longo
dos séculos. Essa contribuição poderá ser útil para a visualização da questão da
mortalidade ao longo da história. Na família medieval, a criança é considerada um
“indivíduo adulto, em escala reduzida. Não há particularidade na infância, nenhuma
distinção adulto/criança.” (Stellin, 1994, p. 59) Ainda no seu artigo, ela continua: “Ao
pai proprietário interessa o filho adulto, capaz de substituí-lo e dar continuidade aos
seus bens.” (p. 60)
Badinter (1985) traz grandes contribuições a respeito do significado da
morte de crianças no decorrer dos séculos. Para a autora, há uma convicção profunda de
que a morte de um filho deixa uma marca indelével no coração da mãe. Mesmo a mãe
que perde prematuramente o seu feto conserva a lembrança dessa morte quando
desejava essa criança. Toda mulher recorda-se desse dia como o de uma perda
irreparável. O fato de poder ter outra gravidez e outros filhos mais tarde não a faz
esquecer. E esse fato não significa uma manifestação patológica do luto.
Isso mudou há apenas algum tempo atrás, pois na Idade Média e Moderna,
ou seja, até o século XVIII, a criança não era valorizada como é atualmente. “Na França
dos séculos XVII e XVIII, a morte da criança é coisa banal.” (Badinter, 1985, p. 137) A
morte era sentida como um acidente quase banal que um nascimento posterior virá
reparar. Nos diários de família, os falecimentos dos filhos vinham sem comentários.
Badinter também cita que algumas mães são com freqüência a causa da
morte de seus filhos, por sua negligência. Ela refere-se ao fato de que as mães
entregavam seus filhos recém-nascidos a amas-de-leite, que não tinham os cuidados
necessários com o bebê. “Em regra, as crianças que a mãe conserva e amamenta
morrem duas vezes menos do que as que ela própria entrega a uma ama-de-leite.”
(Badinter, 1985, p. 138)
Alguns pais nem compareciam ao enterro de seu filho menor de 5 anos. As
crianças que viviam com as amas, os pais só sabiam de sua morte, algum tempo depois.
Eles não se emprenhavam muito em ter informações sobre a saúde do filho.
Havia a anulação do filho enquanto sujeito, enquanto um indivíduo
desejante. A criança era um estorvo para essa família, segundo Stellin. A criança era
tratada com indiferença e em alguns casos, eram provocados atos de infanticídio, sendo
este tolerado até fins do século XVII, pois não haviam leis que o proibissem.
É apenas a partir do século XVIII que há uma mudança nessa mentalidade.
Segundo Stellin (1994), a partir do século XVII há uma mudança na estruturação
familiar, recodificando papéis e os lugares familiares. Nesta época foi possível pensar
na inserção da criança no contexto familiar. A criança deixa de ser Parvulo, palavra em
latim que significa criança, pequenino e idiota, para ser “sua majestade, o bebê”.
Essa mudança ocorre por conseqüência do capitalismo, pois o Estado
moderno preocupa-se com o aumento da população, que pode acarretar aumento das
riquezas, aumento do contingente militar e aumento populacional para povoamento das
colônias. A constituição da nova família tem como prioridade a criança e isto implicará
pais que a valorizam.
Podemos pensar também a respeito da morte in útero. Este conceito refere-se
aos fetos no qual o desenvolvimento foi interrompido antes mesmo do nascimento e isso
ocorre sem desencadear o parto. Szejer e Stewart (1997) trazem a idéia de que a morte
deste bebê pode ter relação com a história da família, com as mortes que ocorreram,
com a posição que a criança ocupa para o casal. E existem outras interpretações, que só
podem ser dadas pela mulher. O que a mulher pode fazer é verbalizar sobre esses não
ditos, pois estes estão aprisionados em seu inconsciente.
Na lei francesa, o feto natimorto com menos de 6 meses não recebe registro,
não há uma existência para a administração, é como um aborto. Não é possível dar um
nome a ele. Para a mãe que perde esse bebê, sem muitas vezes entender o porque, teve
uma vivência com esse bebê, no sentido de conversar com ele, dar um nome, montar o
seu enxoval e o sentiu mexer no seu útero. O procedimento médico utilizado para que
esse bebê seja retirado do útero da mãe é como se fosse um parto normal, fornecendolhe uma pílula que induz o parto.
Em relação ao enterro, as mães podem optar por enterrar seu filho e quando
não querem ou não tem condições financeiras, o hospital encarrega-se disso. Szejer e
Stewart se interrogam se o fato de não poder inscrever esse nome em algum lugar,
mesmo que seja no hospital declarando sua morte, não comprometeria o trabalho de
luto Algumas vezes acontece que o filho que nasce após essa morte, recebe o nome do
filho morto. “Nos tratamentos psicanalíticos de adultos, ouvem-se muitas histórias de
lutos não-feitos, porque o morto não foi nomeado.” (Szejer e Stewart, 1997, p. 178)
Pode-se pensar que, na história, essa ausência de nome deixará um buraco.
O importante a ser feito pelo analista é fazer com que os pais se impliquem
nessa morte, neste luto, que não aparece por acaso na vida dessa mulher.
Dolto (1988) coloca que a mãe pensa no feto como tendo algum defeito, não
sendo saudável. É possível encontrar no discurso da mãe a frase: “Contanto que nasça
com saúde....”. Winnicott (1982) relata que é importante para a mãe, em seus contatos
iniciais com o bebê, ter a tranqüilidade de que seu filho é normal. Ele traz que é natural
que a mãe queira conhecer o seu bebê logo após o nascimento. E não é só porque ela
quer conhecê-lo, mas sim certificar-se de que ele nasceu “perfeito.
Mannonni (1991) aborda que a criança retardada (sic) e sua mãe formam um
só corpo, quando o desejo de um confunde-se ao desejo do Outro, os dois parecem viver
a única e mesma história. O que na mãe não foi resolvido ao nível da castração, será
vivido pelo filho que muitas vezes irá fazer “falar” a angústia materna.
4. MELANCOLIA NA MATERNIDADE
Podemos articular a melancolia com a maternidade na medida em que a mãe
sente-se culpada por algum problema que ocorra a essa gravidez ou a esse filho. Em
alguns casos ocorre que a mãe atribui a morte do filho a um problema com ela.
Pode ocorrer também pela via do não poder ter mais filhos e daí então
pensar o que seria do seu futuro.
Riedmiller (2006) relata que toda mãe vivencia o estado de “Blues”. O
estado de “baby blues” é experienciado pela mãe no período puerperal. Segundo
Riedmiller, este é um estado melancólico, no qual a mulher puérpera vivencia, algumas
com maior intensidade, outras com menos. Em alguns casos, poderá até ser vivenciado
sem se perceber. As que percebem mais, ou seja, quando ocorre em maior intensidade,
deve-se à história de vida, ao momento, à dinâmica familiar. É possível que se torne
uma depressão puerperal ou até mesmo uma psicose puerperal, quando este é
vivenciado em maior intensidade.
Szejer e Stewart (1997) acreditam que o “baby blues” é o mesmo que
depressão puerperal e é um fenômeno tão comum que os obstetras integram no quadro
normal de um parto. Segundo os autores, os leigos dizem que isto se deve aos
hormônios.
Ainda que as explicações dadas a esse fenômeno continuem
sendo insatisfatórias, há muito tempo temos uma idéia precisa sobre
essa questão e podemos descrevê-la: trata-se de um estado depressivo
benigno, habitualmente transitório, que aparece na grande maioria
das mulheres que acabaram de ter um parto. As estatísticas oscilam
entre 70% e 90% das mulheres, e essa variação se explica pelo fato
de que nem todos falam exatamente da mesma coisa. Uns
contabilizam todos os estados depressivos, inclusive os mais leves,
enquanto outros destacam apenas os mais expressivos (SZEJER e
STEWART, 1997, p. 297).
Mesmo aquelas mulheres que permanecem com seus filhos dois meses na
incubadora, ao voltar para casa com o recém-nascido, deparam-se com esse sentimento.
É algo que lhe aflige pelo medo de não saber cuidar, achar que não vão conseguir. E
Szejer e Stewart descrevem melhor esse fenômeno:
São lágrimas abundantes, o sentimento de que jamais vai conseguir,
que ela não foi feita para ser mãe, que isso tudo é demais para ela –
enfim, é o “baby blues”. É uma designação muito boa: “blues” do
bebê. “Blues” quer dizer melancolia, depressão que vem através do
bebê, depressão aparentemente inexplicável provocada por sua
presença (SZEJER e STEWART, 1997, p. 300).
Segundo Benhaim (2004) o objeto perdido na melancolia implica uma
separação pois a perda faz parte do objeto, visto que o objeto não poderia ser constituído
sem antes se perder. Ou seja, quando há a separação entre a mãe e o filho, é que este
bebê pode se constituir como sujeito. De qualquer forma, haverá essa perda. É isso que
constitui uma queixa na mãe, e em cada um, sendo considerada uma melancolia
irredutível. Esta autora complementa colocando que mãe e filho devem realizar o luto
de um e de outro, pois para cada um, o objeto está perdido.
5. RESSENTIMENTO NA MATERNIDADE
Segundo Kehl (2004) “o ressentido reconhece seu sofrimento, mas atribui toda
responsabilidade a um outro, mais poderoso que ele, suposto agente do mal que o
vitimou.” (pág. 33)
“Quanto mais os motivos da queixa encontrem validação na realidade social a
que pertence o sujeito ressentido, mais difícil é fazer com que ele se desloque do lugar
de vítima para começar as indagar-se sobre sua responsabilidade quanto ao que o faz
sofrer.”
Em um processo de análise, as queixas ressentidas impedem a implicação do
analisando. Ele coloca-se como vítima e, na clínica, dirige ao analista um lamento de
quem sofreu uma injustiça, um agravo ou ofensa. Dessa forma, o analista percebe que
não é possível trabalhar em análise com um sujeito nesta posição.
Se o sujeito está convicto de que sofre porque não pode esquecer o
mal que lhe fizeram nem apagar as conseqüências do agravo, sua
implicação no processo analítico fica comprometida. Isto é o que o
ressentido quer, do ponto de vista das resistências próprias do
narcisismo do eu (KEHL, 2004, p. 34).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maternidade é um tema que interessa a população de forma geral e por
isso é muito discutido, tanto por estudiosos quanto pelo senso comum. Há alguns
séculos atrás, esta não era valorizada e a gravidez e o nascimento do filho era
considerado um empecilho para a mulher, que em certo momento da história, desejava
ter o poder, ter liberdade, ter influência política.
Atualmente, esse conceito a respeito da mãe mudou. E a sua relação com seu
filho e a importância que esse bebê tem para sua subjetividade também. A mãe passa a
sofrer com a perda desse filho, fato que antigamente era tratado com indiferença.
É possível pensar que hoje ainda existam mães que provocam abortos, que
tem uma gravidez indesejada, que não cuidam deste filho com os cuidados básicos que
o recém-nascido precisa. Há também aquelas mães que tem abortos espontâneos, que
não “seguram” a gravidez, que desejam mas não conseguem engravidar. É interessante
notar que nenhuma mulher vivencia uma situação dessas sem um registro no campo da
subjetividade, sem uma inscrição mnêmica. E, alguns autores afirmam que há uma
implicação do sujeito neste fato.
Por ser um tema bastante discutido, há uma vasta literatura tratando deste
assunto e, sem dificuldades, podemos encontrar referencial teórico suficiente para
realizar articulações entre a maternidade e os estados afetivos. Foi possível realizar a
articulação entre o tema maternidade e os conceitos propostos, sendo na prática possível
visualizar melhor essas questões na experiência de estágio já citada anteriormente.
O luto, que representa essa perda no real, promove uma série de aspectos que
o sujeito experiência e elabora o luto. A melancolia e o ressentimento irão depender de
como o sujeito reage a esta perda. Se ele se auto-recrimina e apresenta baixa autoestima, entre outros aspectos, este está passando possivelmente por um estado de
melancolização. Se, ao invés de recriminar-se, colocar a culpa pelo agravo que o faz
sofrer no outro, e um outro do qual ele não consegue vingar-se, provavelmente, estamos
diante de um ressentido.
O luto pode estar presente na mãe que não pode ter filhos, nas mães que por
algum motivo tem filhos mas não podem mais ter, nas mães que perderam seus filhos
ou perderam a imagem do filho ideal ao deparar-se com a realidade, quando o bebê
apresenta alguma má-formação, alguma doença ou até mesmo quando não nasce no
tempo planejado, luto com a perda da idealização de um parceiro, de uma gravidez ou
parto e puerpério. O próprio parto é um luto, pois há essa separação da fusão mãe-bebê
e a mãe tem que lidar com essa perda.
Vale ressaltar que o trabalho é apenas uma explanação sobre o assunto, um
delineamento. Há muitas questões que podem e merecem ser aprofundadas pela
psicanálise e comunidade acadêmica. Existem muitos pontos a serem ramificados, pois
não há um esgotamento sobre essas questões.
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_________________. A criança e o seu mundo. 6. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores,
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[1]
Acadêmica do 11° semestre do curso de psicologia na Universidade de Fortaleza, membro do LABIO –
Laboratório sobre as Novas Formas de Inscrição do Objeto. E-mail: [email protected] Rua
Abílio Martins, 314 – Parquelândia CEP: 60455-470 Fortaleza – CE Telefones:
(85) 32231049
res.Cel:
(85)8805-7386
[2]
Riedmiller, S. S. Perda e Enlutamento. II Curso de Atualizações em Obstetrícia e
Neonatologia. Fortaleza, 2006.
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Janaína Sousa Bezerra da Silva, Luto, melancolia e ressentimento