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Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 665-670
IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014
ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X
Estado químico das massas de água subterrânea nas ilhas do
Grupo Central do arquipélago dos Açores (Portugal)
Chemical status of groundwater bodies in the islands from the
Central Group (Azores, Portugal)
J. V. Cruz1*, C. Andrade1, R. Coutinho1
Artigo Curto
Short Article
.
© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP
Resumo: O presente trabalho caracteriza o estado químico das
massas de água subterrânea nas ilhas do Grupo Central do
arquipélago dos Açores (Terceira, São Jorge, Graciosa, Pico, Faial),
determinado em função dos dados obtidos na rede de monitorização.
Na generalidade dos casos, as massas de água subterrânea nestas
ilhas encontram-se em Bom Estado químico. Contudo, ocorrem
massas de água em Estado Medíocre nas ilhas do Pico (Madalena –
São Roque e Piedade) e da Graciosa (Plataforma Santa Cruz Guadalupe), por efeito da salinização da água subterrânea que
implica excedências em parâmetros associados a este processo como
a condutividade elétrica e o teor em cloretos.
Palavras-chave:
Água
subterrânea,
Estado
químico,
Hidrogeoquímica, Açores.
qualificativo Bom ou Medíocre. Esta determinação deve
resultar da interpretação das análises periódicas resultantes
da operacionalização das redes de monitorização.
No presente trabalho caracteriza-se o estado químico
das massas de água subterrânea nas ilhas do Grupo Central
do arquipélago dos Açores (Terceira, São Jorge, Graciosa,
Pico, Faial), determinado de acordo com os dados obtidos
na rede de monitorização operacionalizada nos Açores na
última década. A metodologia adotada no presente
trabalho encontra-se descrita em pormenor num trabalho
publicado neste mesmo volume (Cruz et al., 2014).
Abstract: The present study addresses the chemical status of
groundwater bodies in the islands from the Central Group of the
Azores archipelago (Terceira, São Jorge, Graciosa, Pico, Faial),
determined according data gathered with the ongoing monitoring
operations.
In the majority of the islands groundwater bodies are in Good status.
However, some groundwater bodies are in Poor status is Pico
(Madalena – São Roque e Piedade) and Graciosa (Plataforma Santa
Cruz - Guadalupe) islands, due to groundwater salinization, as shown
by exceedances in parameters associated to this process (electrical
conductivity and chloride content).
Keywords: Groundwater, Chemical status, Hydrogeochemistry,
Azores.
2. Resultados e discussão
1
CVARG - Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos,
Departamento de Geociências, Universidade dos Açores, Apartado 1422,
9501-801 Ponta Delgada, Portugal.
*
Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]
1. Introdução
O arquipélago dos Açores corresponde à designada Região
Hidrográfica 9 (RH9), que agrega todas as bacias
hidrográficas das nove ilhas que compõe o arquipélago,
incluindo as respetivas águas subterrâneas e as águas
costeiras adjacentes. Na RH9 foram designadas 54 massas
de água subterrânea, e como decorre da Directiva-Quadro
da Água, e internamente da designada Lei da Água, a
determinação do respetivo estado químico é um dos pilares
basilares em que se sustenta a gestão dos recursos hídricos
numa dada Região Hidrográfica, traduzida pelo
2.1. Ilha Terceira
As amostras recolhidas no âmbito da rede de vigilância do
estado químico apresentam um pH ligeiramente ácido a
alcalino, com medianas a variar entre 5,95 e 8,14, e
correspondem a águas predominantemente frias a
ortotermais (12,5ºC a 22,0ºC). A mineralização das águas
é variável, embora os valores de condutividade elétrica
sugiram que o conteúdo em sais dissolvidos é
relativamente reduzido (72,5 – 1155 μS/cm).
As fácies hidrogeoquímicas predominantes são as
cloretada bicarbonatada sódica, cloretada sódica,
bicarbonatada cloretada sódica e bicarbonatada sódica
(Fig. 1A).
Face aos dados existentes, foi possível estimar o valor
de CL95 para as massas de água Caldeira Guilherme Moniz
– São Sebastião, Labaçal – Quatro Ribeiras e Santa
Bárbara Inferior, considerando-se, face ao exposto
anteriormente, que todas se podem designar como em Bom
Estado químico, na medida que os valores critério não são
ultrapassados (Tabela 1).
Os valores critério (VC) referidos na tabela 1 foram
estabelecidos com base nos valores regulamentares e
limiares, adotados no primeiro caso a partir da legislação
em vigor (Decreto-Lei 208/2008, de 28 de Outubro), e no
segundo caso segundo a proposta do Instituto da Água
(INAG, 2009), considerando uma excedência máxima de
20% (CEC, 2009).
666
O limite de excedência é calculado sobre 75% do valor
regulamentar/limiar de referência, na medida que esta
proporção corresponde ao valor a partir do qual uma massa
de água está em risco de não atingir os objetivos
ambientais (Grath et al., 2001). Aliás, no próprio DecretoLei 208/2008, de 28 de Outubro, considera-se que 75%
dos valores regulamentares/limiares corresponde ao ponto
de partida para a reversão de eventuais tendências. Como
resultante, o VC resulta da multiplicação dos valores
limiares/regulamentares por 0,9 (i.e. igual a VL x 0,75 x
1,2).
2.2. Ilha de S. Jorge
As amostras recolhidas no âmbito da rede de vigilância do
estado químico apresentam um pH ligeiramente ácido a
alcalino, com medianas a variar entre 6,45 e 7,59, e
correspondem a águas predominantemente frias (13,9ºC a
16,8°C). A mineralização das águas é variável, sendo o
valor de mediana da condutividade elétrica mais elevado
observado na massa de água Central (799 μS/cm),
enquanto as restantes amostras apresentam leituras na
gama, indiciadoras de um menor conteúdo em sais
dissolvidos.
As fácies dominantes correspondem aos tipos cloretada
bicarbonatada sódica e bicarbonatada cloretada sódica,
embora ocorram pontos em que a tendência magnesiana é
mais acentuada (Fig. 1B).
Face aos dados existentes, na ilha de São Jorge foi
possível estimar o valor de CL95 para a massa de água
Oriental, considerando-se, face ao exposto anteriormente,
que esta se pode designar como em Bom Estado químico
na medida que os valores critério não são ultrapassados
(Tabela 1).
2.3. Ilha Graciosa
Os fluidos recolhidos no âmbito da rede de vigilância do
estado químico apresentam um pH alcalino, com medianas
a variar entre 7,10 e 8,07, e correspondem a águas
predominantemente frias a ortotermais (16,0ºC a 23,7°C).
A mineralização das águas é variável, sendo os valores de
mediana da condutividade elétrica mais elevados na massa
de água Plataforma de Santa Cruz – Guadalupe (1149 2800 μS/cm), comparativamente às restantes massas
monitorizadas, o que resulta do facto de na primeira as
águas serem amostradas em furos em que a composição
química é influenciada pela mistura com sais marinhos.
A influência deste fenómeno modificador é também
demonstrada pelo facto das amostras na massa Plataforma
Santa Cruz - Guadalupe patentearem uma tendência
cloretada bem marcada, com fácies dominante do tipo
cloretada sódica a cloretada sódica magnesiana (Fig. 1C).
As amostras recolhidas em nascentes localizadas na Serra
das Fontes são da mesma fácies, o que no caso resultará da
influência de sais marinhos transportados por fenómenos
atmosféricos, o que será facilitado pelo efeito barreira que
o relevo com o mesmo nome pode provocar. Por seu turno,
as amostras recolhidas na Serra Dormida, onde as
mineralizações são mais baixas, são dos tipos cloretada
J. V. Cruz et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 665-670
bicarbonatada sódica magnesiana a bicarbonatada
cloretada sódico magnesiana.
Face aos dados existentes, na ilha Graciosa foi possível
estimar o valor de CL95 apenas para a massa de água
Plataforma Santa Cruz - Guadalupe, verificando-se que
ocorre a ultrapassagem do valor critério relativo à
condutividade elétrica e ao cloreto, sendo patente, face aos
valores listados na tabela 1, que o próprio MA50 dos vários
pontos monitorizados também excede o limite. Esta
situação denota a captação de água com maior fração de
sais marinhos, e optou-se por atribuir a classificação de
Estado Medíocre a esta massa de água. Não se procedeu à
subdivisão da massa de água, pois a informação geológica
e hidrogeológica não se revelou suficiente. Salienta-se,
ainda, que esta questão da salinização da água subterrânea
nesta massa de água já tinha sido identificada em outros
trabalhos (Cruz et al., 2010, 2011).
2.4. Ilha do Pico
As amostras recolhidas no âmbito da rede de vigilância do
estado químico apresentam um pH alcalino, com medianas
a variar entre 6,50 e 8,00, e correspondem a águas
predominantemente frias (12,2ºC a 17,0°C). A
mineralização das águas é variável, sendo os valores de
mediana da condutividade elétrica mais elevadas na massa
de água Madalena – São Roque do Pico (1094 - 2105
μS/cm) e nos pontos PIC.50 (1025,5 μS/cm) e PIC.48
(1987 μS/cm), ambos localizados na massa Piedade, o que
resulta do facto de corresponderem a águas amostradas em
furos em que a composição química é influenciada pela
mistura com sais marinhos. Nesta última massa de água, a
mineralização menor evidenciada nas amostras PIC.1,
PIC.35 e PIC.3, resulta do facto de corresponderem a
nascentes que emergem em aquíferos de altitude.
As fácies dominantes nos pontos monitorizados nas
massas Madalena – São Roque do Pico e Montanha
correspondem a águas cloretadas sódicas a cloretadas
bicarbonatadas sódicas magnesianas (Fig. 1D). A
influência do fenómeno modificador relativo à mistura
com sais marinhos, anteriormente referido, é também
demonstrada pelo facto das amostras PIC.50 e PIC.48 na
massa Piedade patentearem uma tendência cloretada bem
marcada, com fácies dominante do tipo cloretada sódica,
em contraste com a fácies bicarbonatada sódica
magnesiana típica das nascentes integradas na mesma
massa.
Face aos dados existentes, na ilha do Pico foi possível
estimar o valor de CL95 apenas para as massas de água
Montanha, Madalena – São Roque e Piedade, verificandose que nas duas últimas ocorre a ultrapassagem do valor
critério relativo ao cloreto, e relativamente à condutividade
elétrica na massa de água Madalena – São Roque (Tabela
1). É patente, face aos valores listados na referida tabela,
que o próprio MA50 dos vários pontos monitorizados
também excede o limite nas massas de água Madalena –
São Roque e Piedade. Esta situação denota a captação de
água com maior fração de sais marinhos, e optou-se por
atribuir a classificação de Estado Medíocre a esta massa de
Estado químico das massas de água subterrânea nas ilhas do Grupo Central dos Açores
água. Não se procedeu, igualmente, à subdivisão da massa
de água, pois a informação geológica e hidrogeológica
existente não se revelava suficientemente robusta.
O problema da salinização da água subterrânea nesta
ilha á tinha sido identificada noutros trabalhos, que
evidenciaram o impacte sobre a qualidade e os
constrangimentos observados ao nível do abastecimento
para consumo humano (Cruz & Silva, 2000, 2001; Cruz et
al., 2010, 2011).
2.5. Ilha do Faial
As amostras recolhidas no âmbito da rede de vigilância do
estado químico apresentam um pH predominantemente
alcalino, com medianas a variar entre 6,70 e 8,00, e
correspondem a águas predominantemente frias (12,0ºC a
18,0°C). A mineralização das águas é variável, embora os
valores de condutividade elétrica sugiram que o conteúdo
em sais dissolvidos é relativamente reduzido (78 – 1236
μS/cm). O valor mais elevado é observado no ponto de
água FAY.67, que corresponde a um furo em que a
composição química é influenciada pela mistura com sais
marinhos.
As fácies hidrogeoquímicas predominantes nas várias
massas de água monitorizadas são bastante homogéneas,
predominando
os
tipos
intermédios
cloretada
bicarbonatada sódica a bicarbonatada cloretada sódica,
embora
alguns
pontos
demonstrem
tendências
magnesianas, bicarbonatadas e cloretadas mais acentuadas
(Fig. 1E). O terceiro caso denota a influência do fenómeno
modificador associado à salinização da água subterrânea,
enquanto no primeiro caso resulta de processos de troca
catiónica entre metais alcalinos e alcalino-terrosos.
Com base nos resultados obtidos, na ilha do Faial foi
possível estimar o valor de CL95 apenas para as massas de
água Flamengos - Horta e Cedros - Castelo Branco,
verificando-se que, nesta última, ocorre a ultrapassagem
do valor critério relativo ao cloreto, sendo patente, face aos
667
valores listados na tabela 1, que a grande diferença de
mineralização da água no ponto FAY.67 face aos restantes
implica que o valor de CL95 se afasta muito de MA, e
provoca a excedência. Na medida que se julga que esta
questão resulta essencialmente de dificuldades construtivas
e de gestão do furo FAY.67, que provocou a captação de
água com maior fração de sais marinhos, optou-se por
manter a classificação de Bom Estado a esta massa de
água, em detrimento de tentar a subdivisão da massa de
água, para a qual a informação geológica e hidrogeológica
poderia não ser suficiente.
Realça-se, ainda, que a captação de água no sistema
aquífero basal coloca exigência técnicas nem sempre
alcançáveis nalgumas ilhas, com impactes referenciados
sobre a qualidade da água (Cruz & Silva, 2000; Cruz et al.,
2010, 2011).
3. Resultados e discussão
Um aspeto fundamental da gestão dos recursos hídricos
subterrâneos, como decorre dos desafios exigentes
colocados pela Diretiva-Quadro da Água da União
Europeia, corporiza-se na determinação do estado químico
das massas ou grupos de massas de água subterrânea.
Esta tarefa foi empreendida no arquipélago dos Açores,
nomeadamente nas ilhas do Grupo Central do arquipélago
dos Açores (Terceira, São Jorge, Graciosa, Pico, Faial), e
permitiu demonstrar que a principal pressão colocada
sobre as massas de água subterrânea era a salinização de
aquíferos, traduzida por valores elevados em indicadores
deste processo, como a condutividade elétrica e o teor em
cloretos. Em resultado, verifica-se que na Graciosa e no
Pico ocorrem massas de água subterrânea em Estado
medíocre, o que tem colocado constrangimentos ao
abastecimento de água naquelas ilhas e exige a realização
de estudos hidrogeológicos de pormenor para que se
possam definir estratégias tendentes a atingir o Bom
Estado num futuro a médio prazo.
668
J. V. Cruz et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 665-670
Tabela 1. Avaliação do estado químico em massas de água subterrânea das ilhas Terceira (TER), São Jorge (SJ), Graciosa (GRA), Pico (PIC) e Faial (FAI).
Table 1. Chemical status assessment in groundwater bodies from Terceira (TER), São Jorge (SJ), Graciosa (GRA), Pico (PIC) and Faial (FAI) islands.
Estado químico das massas de água subterrânea nas ilhas do Grupo Central dos Açores
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Fig. 1. Composição relativa em iões principais da água subterrânea nos pontos da rede de monitorização nas ilhas Terceira (A), São Jorge (B), Graciosa
(C), Pico (D) e Faial (E) representada de acordo com um diagrama de Piper.
Fig. 1. Major-ion relative composition represented by means of a Piper-type diagram for the monitored groundwater sampling point in Terceira (A), São
Jorge (B), Graciosa (C), Pico (D) and Faial (E) islands.
670
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