CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local CÍNTIA ALVES ARAÚJO CONSTRUINDO A GESTÃO SOCIAL EM CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE: espaço para o exercício do saber e participação Belo Horizonte 2014 CÍNTIA ALVES ARAÚJO CONSTRUINDO A GESTÃO SOCIAL EM CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE: espaço para o exercício do saber e participação Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Gestão Social e Desenvolvimento Local. Orientadora: Profa. Dra. Matilde Meire Miranda Cadete. Belo Horizonte 2014 Ao meu filho, Thiago; que ele cresça em uma sociedade na qual os direitos sejam respeitados, as vozes ouvidas e a justiça social não seja mera utopia. AGRADECIMENTOS A Deus, por abençoar minha caminhada todos os dias, concedendo-me a força necessária para não desanimar diante das dificuldades. De maneira especial, à educadora Matilde Meire Miranda Cadete, que com sua sabedoria sublime me fez caminhar nos trilhos certos, possibilitando que eu alcançasse esse sonho. Aos conselheiros municipais de saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo, que colaboraram para a construção desse conhecimento, em especial à conselheira Kelly Cristina Soares, que com sua dedicação muito contribuiu para o andamento da pesquisa. À gestora municipal de saúde do municíoio de São Gonçalo do Rio Abaixo, por possibilitar a realização deste trabalho. Aos mestres e amigos do curso de Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, pelo ganho pessoal adquirido com tantas experiências e compartilhamento de saberes. Ao Rogério, pela companhia nas estradas da vida, por ter sempre uma palavra de estímulo. Aos meus pais, que nunca mediram esforços e que me deram a maior herança que se pode receber: a educação. A minha irmã Renata e sobrinhos, vocês são as alegrias da minha vida. Ao Thiago, que chegou para fazer com que eu entendesse o sentido da vida, fez surgir em mim forças jamais imaginadas e me transformou em um ser humano melhor. Eu te amo, meu filho. A todos, muito obrigada! “Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor fosse feito. Não somos o que deveríamos ser, não somos o que iremos ser... Mas Graças a Deus, não somos o que éramos.” Martin Luther King. RESUMO Os Conselhos Municipais de Saúde representam, na atualidade, um importante instrumento de participação social na construção das políticas públicas e fiscalização das ações dos órgãos gestores do Sistema Único de Saúde. Entretanto, apesar de instituídos legalmente, os conselhos enfrentam diversas dificuldades para o seu pleno funcionamento. Nesse contexto, esta pesquisa objetivou analisar as dificuldades enfrentadas pelo Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo-MG e a efetividade desse canal de participação no acompanhamento, controle e fiscalização das políticas públicas para o exercício do controle social. Trata-se de uma investigação de cunho qualitativo, realizada por meio de análise documental, entrevista semiestruturada e observação participante. O estudo proposto buscou compreender o processo que envolve esse canal de participação. Foram analisadas 31 atas de reuniões do Conselho realizadas no período de 2010 a 2012, configurando esse período dois anos de exercício do referido Conselho. Assim, foi observada a capacidade de vocalização dos conselheiros, relativas a cada segmento representativo, no qual se constatou a predominância de vocalização do segmento governamental. No que diz respeito às entrevistas, participaram do estudo 10 membros titulares, representando os segmentos dos usuários, governo e trabalhadores de saúde. Para fundamentar a análise e organizar os dados de natureza verbal, recorreu-se à técnica de categorização proposta por Bardin (2011). Os conselheiros identificam como entraves a dificuldade no acesso à informação, falta de preparo para a função, falta de tempo para se dedicar às funções do Conselho, dificuldades na infraestrutura, horário incompatível com as atribuições cotidianas dos conselheiros e acesso prévio aos documentos. O estudo indica que os representantes dos segmentos da sociedade não estão conseguindo traduzir em ações as suas reais demandas e as da base que representam. Os resultados obtidos possibilitaram a elaboração de uma proposta de intervenção que poderá contribuir para o empoderamento dos atores sociais e fortalecimento da participação cidadã. Palavras-chave: Conselhos de Saúde. Controle social. Participação cidadã. Gestão social. ABSTRACT The municipal health Councils represent today an important instrument of social participation in the construction of public policies and monitoring of the actions of the managers of the unified Health System. However, although legally established, the Councils are facing several difficulties for their full operation. In this context, this study aimed to analyze the difficulties faced by the Municipal Council of health of São Gonçalo do Rio Abaixo, Minas Gerais and the effectiveness of this participation channel in monitoring, control and surveillance of public policies for the exercise of social control. This is a qualitative oriented research, performed by means of document analysis, participant observation and semi-structured interview. The proposed study sought to understand the process that involves the participation channel. Were analyzed 31 minutes of Board meetings held during the period from 2010 to 2012, setting this period, two years of exercise of that Council. Thus, it was observed the ability of vocalization of Councillors, for each representative segment, where they found the predominance of vocalization of the governmental segment. With regard to interviews, participated in this study ten full members, representing the segments of users, Government and health workers. To support and organize the data analysis of verbal nature, resorted to the categorization technique proposed by Bardin (2011). The counselors point out how difficult barriers in access to information, lack of preparation for the role, lack of time to devote to the functions of the Council, difficulties in the infrastructure, time incompatible with daily assignments of Directors and prior access to documents. The study indicates that representatives of segments of society are not able to translate into action their real demands and base charges they represent. The results obtained made it possible to draw up a proposal for intervention that could contribute to the empowerment of the social actors and strengthening of citizen participation. Key words: Health Management. advice. Social Control. Citizen participation. Social LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAPS Centro de Atenção Psicossocial CF Constituição Federal CMS Conselho Municipal de Saúde CNS Conselho Nacional de Saúde CS Conferência de Saúde EC29 Emenda Constitucional 29 EP Educação Permanente ES Estratégia de Saúde da Família MS Ministério da Saúde ONG Organização Não Governamental PIB Produto Interno Bruto PMS Plano Municipal de Saúde PNI Programa Nacional de Imunização PSF Programa Saúde da Família RAG Relatório Anual de Gestão SGRA São Gonçalo do Rio Abaixo SUS Sistema Único de Saúde TIC Tecnologias de Informação e Comunicação VISA Vigilância Sanitária LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura FIGURA 1 - Layout do blog do Conselho de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo...................................................................................... 99 GRÁFICO 1 - Evolução da população, 1991, 2000 e 2010........................... 18 Gráfico Quadros QUADRO 1 - Dificuldades apresentadas pelo CMS e os autores correlacionados........................................................................ 36 QUADRO 2 - Participação nas eleições municipais....................................... 74 QUADRO 3 - Significado do Conselho de Saúde.......................................... 76 QUADRO 4 - Papel dos conselheiros de saúde............................................ 77 QUADRO 5 - Competências dos CMS.......................................................... 79 QUADRO 6 - Participação nas decisões do Conselho.................................. 81 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Vocalizações por segmento no CMS de SGRA, nas reuniões de 2010 a 2012......................................................................... 58 TABELA 2 - Tipos de manifestação por segmento de representação no CMS de SGRA.......................................................................... 61 TABELA 3 - Interesse por política................................................................ 73 SUMÁRIO1 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 1.1 Objeto da pesquisa ............................................................................................. 13 1.2 Contextualizando o problema.............................................................................. 17 2 REFERENCIAL TEÓRICO- CONCEITUAL............................................................ 21 2.1 Democracia, participação e representação ......................................................... 21 2.2 Participação na sua concepção conceitual ......................................................... 24 2.3 Participação social no campo da saúde .............................................................. 26 2.4 O Sistema Único de Saúde e suas perspectivas ................................................ 29 2.5 Arcabouço Legal dos Conselhos de Saúde no Brasil ........................................ 32 2.5.1 Conselhos Municipais de Saúde: a institucionalização da participação social . 32 2.5.2 Retrato dos conselhos de saúde no Brasil ...................................................... 34 2.5.3 Conselhos: entre a paridade e a representatividade ........................................ 37 2.6 A gestão social nos conselhos: possibilidade de exercício do controle social .... 39 2.7 O empoderamento social e o poder local como instrumentalizadores da gestão social nas políticas de saúde .................................................................................... 43 2.8 Considerações .................................................................................................... 45 3 OBJETIVOS ........................................................................................................... 47 3.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 47 3.2 Objetivos específicos .......................................................................................... 47 4 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO ............................... 48 4.1 Caminho metodológico........................................................................................ 48 4.2 Caracterização do cenário da pesquisa .............................................................. 48 4.3 Os sujeitos da pesquisa ...................................................................................... 49 4.4 Procedimentos de coleta e análise de dados ...................................................... 50 4.5. Técnica e procedimentos para a coleta dos dados ............................................ 51 1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2011. 4.5.1 Pesquisa documental ....................................................................................... 51 4.5.2 Entrevistas ....................................................................................................... 51 4.5.3 Observação participante .................................................................................. 52 4. 6 Procedimentos adotados para a análise dos dados ........................................... 52 4.7 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................... 53 5 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS ............................................................ 54 5.1 Análise documental ............................................................................................. 54 5.2 Entrevistas com os conselheiros do CMS de São Gonçalo do Rio Abaixo ......... 66 5.2.1 Perfil dos sujeitos ............................................................................................. 68 5.2.2 Análise dos dados coletados nas entrevistas................................................... 70 5.3 Observação participante .................................................................................... 88 6 CONTRIBUIÇÕES TÉCNICAS: PROJETO DE INTERVENÇÃO BLOG CONSELHO DE SAÚDE DE SÃO GONÇALO DO RIO ABAIXOErro! Indicador não definido 6.1 Introdução ........................................................................................................... 90 6.2 Resultados da pesquisa e análise ....................................................................... 92 6.3 Problema ............................................................................................................. 94 6.4 Justificativa.......................................................................................................... 94 6.5 Objetivos ............................................................................................................. 97 6.5.1 Objetivo geral ................................................................................................... 97 6.5.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 97 6.6 Metodologia......................................................................................................... 97 6.7 Considerações finais do projeto de intervenção.................................................. 98 Referências ............................................................................................................... 99 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 101 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 109 APÊNDICES E ANEXOS ........................................................................................ 116 13 1 INTRODUÇÃO A pesquisa realizada para o mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local abordou a participação social no âmbito dos Conselhos Municipais de Saúde. A ideia foi possibilitar reflexão e diálogo sobre a participação da sociedade brasileira nos espaços de negociação e deliberação das políticas públicas no campo da saúde. Como contribuição, buscou-se a construção de intervenções que favorecessem o desenvolvimento local dessas instâncias deliberativas. Seu objetivo principal foi avaliar as dificuldades enfrentadas pelo Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo e a efetividade desse canal de participação no exercício do controle social. Para alcançar esse propósito, a investigação foi construída em quatro momentos: a) Conhecer os processos vivenciados para a formação do atual Conselho em São Gonçalo do Rio Abaixo. b) Verificar o sentido atribuído pelos conselheiros quanto à sua participação nesses espaços e à parceria com a comunidade que representam. c) Discutir o discursar político e a dimensão técnica vinculada à participação nos conselhos. d) Elaborar uma proposta de intervenção visando contribuir para a participação social consciente desses conselheiros. Nos dois subitens que se seguem, serão apresentados o objeto e o contexto da pesquisa, como tentativa de legitimar a abordagem da temática escolhida para ser desvelada. 1.1 Objeto da pesquisa O fim do regime ditatorial e o retorno das eleições diretas na década de 80 marcaram o processo de redemocratização do Brasil. A escolha dos seus 14 governantes fez revigorar o sentimento de democracia na população. Dessa forma, ocorreu no país uma busca pela ruptura de um Estado centralizador, autoritário e detentor exclusivo do poder. Ressaltam-se as iniciativas e esforços associados aos movimentos populares pela democratização do país. Assim: O povo, os excluídos dos círculos do poder dominante, eram os agentes e os atores básicos da participação popular. Foi um período de luta nacional pelo acesso e reconhecimento dos direitos sociais, econômicos e políticos dos setores populares... tratava-se de mudar as regras do controle social e de alterar a forma de fazer política no país (GOHN, 2007, p. 50). As lutas da sociedade civil pela conquista dos direitos sociais culminaram com a Constituição Federal (CF) de 1988. Por meio dessa Constituição, os brasileiros obtiveram diversas conquistas, entre elas o avanço nos direitos sociais e políticos, quando dispositivos da democracia representativa foram combinados com dispositivos da democracia participativa, entre os quais a diretriz da participação da comunidade na organização do Sistema Único de Saúde (SUS) (OLIVEIRA; PINHEIRO, 2010, p. 2456). A saúde passa a ser considerada direito de todos e dever do Estado, dever este garantido mediante políticas sociais e econômicas, com vistas não só à redução de agravos, mas também ao acesso universal e igualitário às ações e serviços. O SUS é constituído pelo conjunto dessas ações e serviços prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais e, complementarmente, pela iniciativa privada que se vincule a ele (LANDERDHAL et al., 2010, p. 2432). Criado pela CF de 1988, foi regulamentado pelas Leis nº 8.080/90 (BRASIL, 1990a) e nº 8.142/90 (BRASIL, 1990b). Além da participação da comunidade, outras duas diretrizes organizaram esse sistema público, sendo elas: a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, e o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (BRASIL, 1988, art. 198). A sociedade passa a ter garantido um canal de participação direto com a formulação e execução das políticas públicas. A Lei Orgânica nº 8.142/90 15 estabelece como instâncias colegiadas os Conselhos Municipais de Saúde (CMS) e as Conferências de Saúde (CS), em cada esfera de governo (BRASIL, 1990b). As conferências têm por finalidade avaliar a situação de saúde e propor diretrizes para a formulação da política de saúde; já os conselhos atuam na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. Tanto nas conferências como nos conselhos de saúde, foco deste estudo, a participação do cidadão em todas as etapas do processo é requisito fundamental para o exercício do controle social. Os conselhos de saúde atuam, portanto, na consolidação do controle social, entendido como a forma da sociedade participar e dialogar com o Estado, de maneira a possibilitar ações voltadas para o interesse da comunidade. Para Landerdhal et al. (2010, p. 2432), o controle social permite à população o direito de fiscalizar as ações do Estado em relação à elaboração, controle e fiscalização das políticas de saúde, dentro de cada esfera de atuação. A participação pode provocar nos indivíduos a necessidade de busca constante para o alcance de mais autonomia e liberdade de decisão. Apesar de vários avanços nessas discussões, muito ainda tem que ser feito para garantir aos cidadãos a existência de espaços efetivamente democráticos. Retomando a discussão sobre os CMS, por meio da Lei nº 8.142/90, a participação da comunidade ganha sentido de participação política a partir do momento em que passa a deliberar sobre os caminhos das políticas de saúde. No tocante à participação em saúde, ela é definida por Machado (1986 apud BRAVO; CORREIA, 2012, p. 128) como o “conjunto de intervenções que as diferentes forças sociais realizam para influenciar a formulação, a execução e a avaliação das políticas públicas para o setor saúde”. 16 Pela primeira vez, no campo da saúde, a população passa a ter garantido o direito de questionar e decidir sobre os caminhos das políticas públicas na instância local. Porém, mesmo tendo o direito garantido em lei, diversas dificuldades foram e continuam sendo enfrentadas pelos conselhos em todo o país. Atuando em conselhos de saúde, é instigador o fato de que a população tem nas mãos um poderoso instrumento de gestão, que é a garantia de participação na composição dos CMS e o caráter deliberativo desses conselhos. Porém, diversos estudos trazem como realidade a dificuldade do efetivo exercício do controle social e da participação popular. Grande parte das discussões é superficial, os pontos mais críticos e relevantes não são aprofundados, existe pouca participação da população e a maior parte das informações não chega até a comunidade. Como consequência, inúmeras decisões, projetos e propostas são aprovados sem o devido questionamento ou discussão por parte dos conselheiros. De acordo com Duarte e Machado (2012), em referência à realidade dos conselhos de saúde no Brasil, alguns nós críticos podem ser identificados como a dificuldade dos conselhos de saúde em deliberar conscientemente sobre os assuntos em pauta; a baixa influência dos colegiados na condução dos sistemas municipais de saúde; a existência de conselhos apenas cumprindo seu papel na legislação; a pouca cultura sobre controle social nas práticas municipais; o afastamento dos conselhos diante da comunidade que representam e o desconhecimento por parte da população da própria existência dos conselhos. Dessa forma, surgem os seguintes questionamentos: serão hoje os CMS efetivos canais de participação, controle e fiscalização da população sobre as políticas públicas? Que dificuldades seus representantes enfrentam para o exercício e participação no processo de controle e deliberação das políticas públicas? Os conselheiros de saúde sentem-se corresponsáveis e atuam em conjunto com as comunidades que representam? O acesso aos CMS tem sido exercido de maneira democrática? 17 Atuando na área da saúde, especialmente na saúde, percebe-se que existe distanciamento nos processos de decisão. Esse distanciamento se dá pelos gestores de saúde e governantes, que acabam sendo os detentores da informação. A principal consequência é a baixa participação e atuação tanto de trabalhadores como de usuários nos processos de decisão. 1.2 Contextualizando o problema O povoado de Rio Abaixo do Mato Dentro surgiu aos pés da Serra do Catungui e às margens do Ribeirão Santa Bárbara, aproximadamente em 1720. Suas terras pertenciam ao município de Santa Bárbara do Mato Dentro, conforme explicitado no Plano Municipal de Saúde (PMS) (SÃO GONÇALO DO RIO ABAIXO - SGRA, 2013). A ocupação do território deu-se, em grande parte, pela afoita procura de terras férteis, para a prática da agricultura às margens do Rio Una e à procura de ouro no Rio Santa Bárbara. Alguns anos depois já existia a Capela de São Gonçalo, erguida em homenagem ao santo português. Em 1733 José de Olanda Braga doou o terreno para a construção de uma capela maior de São Gonçalo, em Rio Abaixo, daí o nome de São Gonçalo do Rio Abaixo (SGRA, 2013). A pequena e tranquila São Gonçalo do Rio Abaixo guarda em suas ruas e avenidas resquícios dos tempos áureos em que desbravadores corriam pelas terras brasileiras em busca de riquezas há cerca de 300 anos. Hoje casarões e igrejas centenárias dividem espaços, com construções modernas revelando o desenvolvimento sustentável, com respeito ao patrimônio histórico e ao meio ambiente. Situado a 84 km da capital Belo Horizonte, São Gonçalo possui posicionamento geográfico privilegiado. Seu território, 364 km², abriga uma das maiores e mais produtivas minas de minério de ferro em capacidade inicial de exploração do mundo, administrada pela VALE. 18 Em seus mais de 360 km2, 52% da população residem na zona rural, totalizando uma população de 9.777 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, 2010). Em toda a extensão do município existem aproximadamente 500 propriedades. A estrutura fundiária é constituída, basicamente, de pequenas propriedades (áreas inferiores a 100 ha), com mais de 95% nas mãos de agricultores familiares. O GRÁF. 1 confirma as informações citadas anteriormente: GRÁFICO 1 – Evolução da população, 1991, 2000 e 2010 Fonte: SGRA (2013). Os crescentes investimentos, principalmente no setor de mineração, fazem do município uma pérola no estado de Minas Gerais, cujo aumento constante do Produto Interno Bruto (PIB) e da arrecadação municipal eleva sensivelmente a qualidade de vida da população e atrai investidores de todas as regiões do país. São Gonçalo do Rio Abaixo é hoje, devido à expansão do mercado minerador e da arrecadação de tributos, um polo promissor de desenvolvimento. A cidade passa por mudanças históricas e culturais, o que influencia diretamente no cotidiano dos moradores. Crescimento econômico associado ao aumento populacional tem gerado impacto até mesmo na aceitação dos moradores mais antigos, daqueles que possuem 19 raízes na cidade. A cobrança dos órgãos públicos quanto à preservação dos valores e tradições tem sido grande. É interessante investigar se essas cobranças têm realmente sido trazidas para um dos espaços possíveis de discussão e negociação que são os conselhos gestores. A hipótese que orientou esta investigação é a ocorrência de uma baixa participação e atuação dos trabalhadores e usuários nos processos de decisão no Conselho devido à existência de um distanciamento entre estes e o segmento governamental. Apesar da garantia da participação da sociedade na formulação das políticas públicas, acredita-se na existência de mecanismos de manipulação e de diferentes escalas de poder dentro desses espaços de deliberação, dificultando a efetiva representação da sociedade civil. Considerando o tempo de existência do CMS de SGRA, é instigante saber como tem sido a atuação desse órgão, quais são os segmentos da sociedade que estão representados no espaço desse Conselho. Existem vinculações políticas e partidárias associadas? O processo de escolha dos participantes tem sido democrático? As políticas de saúde estão respondendo aos anseios da população? O CMS é um importante instrumento de mobilização social e participação nas políticas de saúde do país. Torna-se um grande desafio fazer com que os órgãos de controle social, como os CMS, ampliem o debate em conjunto com a comunidade que representam e com os gestores para que os princípios do SUS, entre eles a participação social, sejam fortalecidos. Nesse sentido, a questão central deste estudo é a identificação das principais dificuldades enfrentadas para o exercício do controle social e participação na formulação e acompanhamento das políticas públicas no âmbito do CMS de uma cidade do interior de Minas Gerais. 20 Acredita-se ser relevante contribuir nesse movimento para a participação cidadã, seja por meio dos resultados da pesquisa que poderão subsidiar outras pesquisas e trabalhos na temática ou pelo projeto de intervenção que poderá ultrapassar o espaço do Conselho em estudo. 21 2 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL 2.1 Democracia, participação e representação A democracia é o regime político mais adotado no mundo contemporâneo. Defensores afirmam ser a democracia o regime em que os cidadãos participam. Porém, é interessante observar que muitas vezes a prática democrática distanciase muito da sua concepção teórica. Nem sempre em um regime dito democrático existe participação dos cidadãos nas decisões dos governantes. O debate sobre o sistema democrático começou a ser travado por grandes filósofos e pensadores dos séculos XVII, XVIII e XIX. De um lado estariam os chamados “neorrepublicanos”, pensadores que de modo ou de outro defendiam um novo sistema político que estava sendo construído e que, em linhas gerais, caracterizava-se por seu poder representativo. Exemplos desses pensadores seriam Montesquieu, Edmund Burke e Immanuel Kant. Do outro lado estaria Jean Jacques Rousseau com seu discurso que ganhou grande repercussão em todo o mundo (LATTMAN-WELTMAN, 2008). Para Sipioni e Zorzal e Silva (2013, p. 148), “esses diversos teóricos abordaram o tema com bastante propriedade, ao tratarem da questão de como uma ordem política poderia ser constituída de forma a postar-se legítima aos cidadãos, os quais, por isso mesmo, prestariam obediência à autoridade constituída”. Os questionamentos fundavam-se na busca de um meio legítimo que conseguisse atender aos interesses coletivos. A partir da segunda metade do século XX, “as relações entre Estado e sociedade mudaram profundamente e a dinâmica social impôs novos comportamentos e posturas aos atores individuais e coletivos” (BISPO JÚNIOR; GERSCHMAN, 2013, p. 8). 22 Surge, então, outro grupo de teóricos da democracia, sendo os principais Jürgen Habermas e Joshua Cohen, que voltaram suas discussões na busca da recuperação de tradições participativas no processo de construção de identidades nacionais homogêneas (AVRITZER, 2002 apud SIPIONI; ZORZAL e SILVA, 2013, p. 149). Em suma, se o grupo de autores da primeira metade do século XX defende o abandono do papel da mobilização social e da ação coletiva na construção democrática, com a consequente supervalorização do papel dos mecanismos de representação, o grupo que emerge na segunda metade do século XX centra suas reflexões nos mecanismos restritivos à participação e à soberania ampliada, propondo como solução a combinação dos mecanismos de representação com os mecanismos societários de participação. A década de 80 foi marcada por inúmeras lutas e protestos de diversos setores da sociedade contra um regime autoritário. A busca pelos direitos e pelo atendimento às demandas reprimidas da população fortalecia os movimentos sociais que se espalhavam pelo país. Almejava-se expandir o processo democrático para além do voto. Com a inserção de novos atores nos espaços deliberativos, surgiram novas formas de representação ligadas à sociedade civil, diferentes da representação parlamentar que se tornou pouco eficaz e deslegitimada. Essas formas alternativas de participação buscam substituir a representação e a criação de instrumentos que favoreçam a accountability ou prestação de contas (SIPIONI; ZORZAL e SILVA, 2013). Esses autores ainda explanam acerca do conflito que residia na aceitação e/ou negação da democracia como forma de governo. Houve, então, intensa disputa entre diversas concepções de democracia, condensadas em dois campos politicamente distintos: a democracia representativa e a democracia participativa. Para Sipioni e Zorzal e Silva (2013, p. 149), “as críticas atuais da democracia participativa em relação è democracia representativa problematizam o fato desta se referir a indivíduos isolados como sujeitos políticos”. Na concepção participativa, seria impossível um indivíduo apenas produzir um debate plural, amplo, que promova mudanças significativas políticas e institucional; defende a participação coletiva nos processos decisórios. Já a democracia representativa 23 reduz a soberania popular a um procedimento de opção por governos, ao enfatizar a participação como o ato do voto. Bispo Júnior e Gerschman (2013) consideram a democracia sob dois pontos de vista. Do ponto de vista macroestrutural, tem como características as eleições periódicas, concorrência entre partidos, direito de associação, separação dos poderes, respeito e garantia dos direitos individuais. Já a concepção minimalista considera a democracia “como procedimento e como forma” (BISPO JÚNIOR; GERSCHMAN, 2013, p. 9). Nesse sentido, ela é entendida como atividade-meio para se alcançar o processo decisório. Para os autores, o voto é de ordem pessoal, de caráter individual e não representa as reais demandas da sociedade. Ter como direito garantido a participação no processo eleitoral não representa por si só a participação democrática. Tanto é verdade que, na época atual, a população volta para as ruas como forma de protestar, por não conseguir fazer valer os seus direitos e pelo não atendimento às demandas da sociedade como um todo. Para que as decisões estejam de acordo com os anseios dos cidadãos, torna-se primordial a participação ativa e consciente durante os processos deliberativos. Oliveira e Pinheiro (2010, p. 2463) afirmam que “a democracia pressupõe não só a liberdade, mas também a igualdade e justiça social, ainda longe de se concretizar na nossa realidade”. Guiados pelos ideais participacionistas, os movimentos sociais buscavam espaços legítimos para a participação nos processos decisórios, que representassem canais de comunicação direta com o Estado. Os conselhos gestores de políticas públicas surgem, então, como possibilidades de atendimento às demandas da população nas áreas de saúde, assistência social, educação, segurança pública, entre outros. Para Avritzer (2010), os conselhos representam uma democracia “híbrida”, na qual a democracia participativa estaria em concomitância com democracia eleitoral, havendo uma complementaridade entre a democracia participativa e a representativa. Porém, para Ferraz (2009), nesse espaço existem práticas clientelistas como o distanciamento entre os representantes e os representados, o que ocasiona uma 24 tensão entre a democracia representativa e a participativa. Para a autora, a participação nos conselhos não é direta, como o idealizado quando foram instituídos os conselhos. A representação continua a se fazer presente, pois é atribuída a alguém (no caso, o conselheiro) a função de representar os anseios e necessidades dos representados. Young (2006) enfatiza a necessidade de se entender a representação de maneira menos utópica e perceber que existirão interesses diferentes entre representantes e representados e a partir daí é que se poderá estabelecer um diálogo democrático comunicativo. Dessa forma, a consolidação dos conselhos gestores é um avanço no processo democrático, mas, como toda prática democrática, são necessários critérios e cuidado para que não se tornem espaços burocratizados e clientelistas, deixando de exercer o papel que lhes foi confiado pela sociedade. 2.2 Participação na sua concepção conceitual A palavra participação está vinculada ao sentido de “ter parte”, “tomar parte” ou “fazer parte” de algum grupo ou associação (VALDIVINO E SILVA; SILVA; SOUZA, 2013, p. 255). Todavia, sabe-se que fazer parte de um grupo não significa propriamente participação nas decisões desse grupo. Fundamental no processo participativo também é a qualidade dessa participação. Foi no final da década de 60 que o termo participação começou a ganhar força nas arenas políticas. Segundo Paterman (1992), na Europa e nos Estados Unidos políticos recorriam ao termo “participação” como forma de sensibilizar a população excluída. Segundo Gohn (2007, p. 14), participação é uma das palavras mais utilizadas no vocabulário político, científico e popular da modernidade. Considerando o período histórico ao qual se refere, pode estar associada a outros termos como democracia, representação, organização, solidariedade e exclusão, entre outros. conscientização, cidadania, 25 Ainda segundo essa autora, é possível analisar a participação segundo três níveis básicos: o conceitual, o político e o da prática social. O conceitual é ambíguo, variando de acordo com o paradigma teórico em que se baseia. Já o nível político está relacionado não somente aos processos de democratização, mas também como um discurso mistificador que resulta em políticas sociais de controle social. As práticas seriam as ações concretas engendradas nas lutas, movimentos e organizações em busca de um objetivo, ou seja, o processo social propriamente dito (GOHN, 2007, p. 14). Paterman (1992) discute a participação distinguindo-a em: pseudoparticipação, participação parcial e participação total. Quando se fala em pseudoparticipação, percebe-se a ocorrência de apenas uma consulta ao público acerca de algum assunto, as decisões são apenas informadas ao grupo. No concernente à participação parcial, vários sujeitos participam do processo, mas somente uma parte realmente decide; já na participação total ou plena, todos os grupos participam das discussões e possuem igual poder decisório. No Brasil, foi no final da década de 1970 que a sociedade civil começou a experimentar as iniciativas de participação movidas pelo movimento de redemocratização do país. Carvalho (1995 apud VALDIVINO E SILVA; SILVA; SOUZA, 2013) define três tipos de participação: comunitária, popular e cidadã. A participação comunitária é a atuação da sociedade complementando as políticas propostas pelo Estado; a participação popular representa uma reação dos movimentos sociais às políticas do Estado e traz consigo uma crítica ao sistema dominante. Já a participação cidadã representa a luta e esforço da sociedade civil na busca do controle social. Demo (2009), estudioso brasileiro sobre esse tema, analisa a participação dos cidadãos relacionada à política social sob duas perspectivas: a do Estado, que pode ser considerada uma estratégia de redistribuição de renda e de legitimação, e a dos sujeitos, como conquista de autopromoção. Esse mesmo autor afirma que existe um contexto histórico de dominação e desigualdades e a participação é resultado de uma ação coletiva que vai ao 26 contrário desse histórico dominador: “Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir” (DEMO, 2009, p. 18). Por essa vertente, a participação pode ser relacionada também ao conceito de poder político. De acordo com Teixeira (2001, p. 27): Participação significa “fazer parte”, “tomar parte”, “ser parte” de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas. Referir “à parte” implica pesar o todo, a sociedade, o Estado, a relação das partes entre si e destas com o todo, e como este não é homogêneo, diferenciam-se os interesses, aspirações, valores e recursos de poder. Teixeira (2001) ressalta que não se deve confundir poder político com poder de Estado. Relacionar participação com poder político é considerar que ambos partem do princípio das relações entre os atores sociais nos espaços públicos na construção de suas identidades. Apesar dos esforços para a consolidação da visão de participação social, nota-se que o quadro de reordenação social e política proposto ainda não experimentou progresso sequencial dos direitos civis, políticos e sociais. A construção da cidadania como um valor coletivo é um processo de construção lento, ainda em amadurecimento (MARTINS et al., 2008 apud COTTA, 2011, p. 1122). 2.3 Participação social no campo da saúde Historicamente, no campo da saúde pública, os movimentos sociais buscaram conquistar espaços legítimos para a oferta de serviços públicos de qualidade. Durante o movimento operário, na década de 60 observaram-se algumas conquistas como programas de atenção médica e de auxílio para alguns setores populares (CRUZ et al., 2012). Entretanto, tanto a estrutura como a oferta de serviços ainda eram bastante limitadas. A Medicina comunitária, com suas origens nos movimentos norte-americanos, encontra no Brasil campo para sua experimentação, especialmente devido a dois fatores: altos índices de exclusão social e pobreza e grandes desigualdades 27 sociais em saúde. De acordo com Valdivino e Silva, Silva e Souza (2013), a Medicina comunitária ampara-se na extensão da cobertura da assistência médica e no estímulo à formação organizada e autônoma da população. No período ditatorial, a repressão se fez presente e os movimentos sociais encontraram diversos obstáculos na luta pela liberdade de expressão e pelos direitos sociais. Nesse contexto de crises, as condições precárias e a insatisfação popular se intensificaram e a população passou a reivindicar melhorias de infraestrutura e de oferta de serviços públicos, especialmente no âmbito da saúde. A participação popular ganha força aliada aos movimentos sociais urbanos, sindicais, dos trabalhadores e de estudantes. Nesse cenário, segundo Valdivino e Silva, Silva e Souza (2013, p. 256), “ocorre um deslocamento da dimensão técnico-sanitária típica da Medicina Comunitária para uma dimensão política”. O modelo médico sanitarista já não conseguia mais atender às reivindicações de uma população que almejava por melhoria nos serviços de saúde e no acesso da população a essa assistência. Foi então que, nas décadas de 1970 e 1980, foram surgindo os processos que culminaram com o movimento conhecido como Reforma Sanitária (BRASIL, 1997). Dessa forma: O Projeto da Reforma Sanitária Brasileira foi ancorado por um conceito ampliado de saúde que a compreende como um fenômeno também social e um exercício de cidadania e, portanto, é dever do Estado assegurar melhores condições de vida e saúde e prevenir os agravos que possam ameaçar a população (VALDIVINO e SILVA; SILVA; SOUZA, 2013, p. 257). As propostas da reforma foram definidas na VIII Conferência Nacional de Saúde, que contou com a participação de profissionais de saúde, usuários, técnicos, políticos, lideranças populares e sindicais. Tais propostas subsidiaram o conteúdo do capítulo da ordem social na Constituição de 1988 (BAHIA, 2013). Surge, por conseguinte, um novo sistema de saúde, baseado nos princípios da integralidade, universalidade e descentralização. Com a institucionalização do 28 Sistema Único de Saúde (SUS), a participação da comunidade na gestão dos sistemas de saúde tornou-se assegurada, por meio do art. 198 da CF de 1988 (BRASIL, 1988) e da Lei nº 8.142 (BRASIL, 1990b). Esta última define, ainda, as conferências de saúde e conselhos como espaços democráticos de discussão, formulação e deliberação de políticas de saúde. Do mesmo modo, as conferências e os conselhos se afirmaram como espaços de democratização das informações em saúde, em que a sociedade passou a participar das decisões, contribuindo para a construção das políticas públicas de saúde. Contudo, conforme discutido por Fleury e Lobato (2009), algumas ponderações são necessárias quando são avaliadas as principais características e os impasses da participação social em saúde. Um aspecto a ser considerado são as diferenças que existem entre os próprios conselhos, por exemplo, entre uma esfera governamental e outra e até mesmo entre conselhos da mesma esfera governamental. Outro aspecto relevante é que foram criados mecanismos e instâncias de participação, mas a cultura política não se transformou; ainda se encontram traços de autoritarismo, elitismo, práticas clientelistas e os corporativismos. A participação política ocorre de maneira desigual. A história de vida, os valores, o interesse de participação e os próprios conhecimentos adquiridos individual ou coletivamente são fatores que influenciam na forma de participação dos sujeitos nas políticas públicas. A distribuição desigual de recursos cívicos em uma população poderia explicar o seu comportamento também desigual em relação à participação. Em países com histórico de desigualdades como o Brasil, o desenvolvimento da cidadania é um processo gradual que vai sendo construído aos poucos, um caminho que o país já começou a traçar. “Implantar um método de construção de Conselho, com negociação e ampla participação social, tem se tornado desafiador, requerendo o permanente estímulo da atuação dos cidadãos no processo de tomada de decisão e controle das ações” (STOTZ, 2005 apud CRUZ et al., 2012). 29 2.4 O Sistema Único de Saúde e suas perspectivas A CF de 1988 estabeleceu a saúde como um direito de todos e dever do Estado. Esse direito é exercido por meio de políticas públicas e pelo SUS, sistema implantado em todo o país para assegurar esse direito. Para cumprir esse papel, o SUS é organizado por doutrinas e diretrizes. Os princípios doutrinários são universalidade, equidade e a integralidade. A universalidade é entendida como a garantia de atenção a todo e qualquer cidadão, a todos os serviços públicos de saúde e também atendimento em serviços contratados pelo poder público. Integralidade é tratar os indivíduos de maneira integral, assitindo-os como o todo. Já equidade compreende assegurar aos indivíduos as ações e serviços de acordo com os níveis de complexidade de cada caso (BRASIL, 1990a). Entre as diretrizes estão a descentralização político-administrativa, atendimento igualitário e participação da comunidade (BRASIL, 1990 a). Amplia-se, dessa forma, o conceito de saúde, visto anteriormente apenas como ausência de doença. A saúde passa a considerar as dimensões psico, físico e social dos indivíduos, prevendo também o acesso da população aos bens e serviços voltados para a promoção da saúde, proteção e reabilitação. Essa definição formal não garante que esses princípios sejam cumpridos, pois a realidade vivenciada em grande parte do Brasil é a dificuldade para a efetivação de um SUS real e alcançável. Para Menicucci (2009), o cenário nacional e internacional era desfavorável à implantação de um sistema tão amplo quanto o SUS. O país estava atravessando um período de transição democrática, pela redefinição do papel do Estado, em sintonia com o ambiente internacional. O período foi marcado também por tentativas de ajuste e estabilização econômica e a crise fiscal impôs limites à implantação de um sistema de saúde integral e universal. Outro ponto merecedor de destaque é que se acirraram as disputas de interesses partidários e o corporativismo médico distanciou-se das propostas advindas do projeto da reforma sanitária. 30 Apesar de clamar pela oferta de serviços de qualidade e acessíveis a todos, a população ainda estava fracamente mobilizada para conseguir pressionar os órgãos gestores e até mesmo para entender essa nova configuração do sistema de saúde. A falta de identificação dos segmentos organizados da população com uma assistência pública e igualitária contribuiu para o enfraquecimento da proposta de caráter publicista e universalista e para o fortalecimento da segmentação, reforçando a perspectiva de que ao SUS cabe a cobertura da população mais pobre e em condições desfavoráveis de inserção no mercado de trabalho (MENICCUCI, 2009, p. 1622). A rede pública ainda dependia muito da rede privada, conforme o próprio texto constitucional previa. A rede estruturada de serviços públicos era deficiente para atender à demanda (MENICCUCI, 2009). Até hoje essa é uma realidade no país, a dependência da rede privada conveniada aos SUS. Contudo, mesmo com diversas dificuldades, muitos avanços já foram conquistados (TEIXEIRA, 2011). A rede básica foi ampliada por meio da Estratégia de Saúde da Família (ESF). O Programa Nacional de Imunização (PNI) oferece um leque de vacinas cada dia maior à população; a assistência farmacêutica possibilita ao usuário mais controle das doenças crônicas e degenerativas; a rede assistencial e a cobertura da população foram ampliadas. Diversos programas direcionam as ações dos profissionais e padronizam a assistência em todo o país (BRASIL, 2010). Os problemas que cercam o SUS vão além do aumento da demanda. O subfinanciamento do sistema é um dos maiores desafios enfrentados pelos seus gestores. A Emenda Constitucional 29 (EC29) fixa os percentuais mínimos sob responsabilidade de cada esfera de gestão (federal, estadual e municipal). Porém, as dificuldades na regulamentação dessa emenda fizeram com que o governo federal investisse menos do que o necessário para a organização de um sistema que busca a integralidade e a universalidade da atenção. Outro ponto importante e que se encontra fora das agendas públicas de discussão é o financiamento indireto do setor privado, por meio dos incentivos fiscais, que acaba interferindo no financiamento do setor público (MENICUCCI, 2009). 31 O maior desafio para uma construção institucional do sistema de saúde do Brasil que garanta maior efetividade e sustentabilidade parece estar relacionado à definição das formas de articulação do mix privado/público que se constituiu ao longo do tempo. Dada a institucionalização de um sistema dual, isso demanda a construção social de uma agenda radicalmente inovadora que supere a discussão focada apenas no sistema “único” e possa levar a uma reconstrução do arcabouço regulatório do sistema de saúde (MENICUCCI, 2009, p. 1624). Paim (2012), ao avaliar o futuro do SUS, faz importantes reflexões acerca de sua sustentabilidade econômica, política e institucional. A sustentabilidade econômica encontra-se ameaçada, considerando-se a desaprovação do projeto que obrigava à destinação mínima de 10% dos recursos federais para aplicação na saúde. Hoje, o Estado brasileiro cobre 41% do gasto em saúde, enquanto em outros países que também são regidos por sistemas universais de saúde o custeio é de 80% das despesas. No tocante à sustentabilidade política, o que se observa é uma mobilização social ainda insuficiente para pressionar partidos, parlamentares e governantes. Consequentemente, o que se contata é a existência de um sistema público subfinanciado e um setor público sub-regulado (PAIM, 2012). Já a sustentabilidade institucional do SUS está ameaçada sempre que são modificados os governos e os quadros técnicos e gerenciais alterados. Para o autor, “diante do refluxo ou cooptação de movimentos sociais os canais de participação cidadã têm sido colonizados por interesses privados, partidários e corporativos, enquanto os milhares de cargos de confiança são utilizados nas transações políticas” (PAIM, 2012, p. 612). Para os que vivenciam o SUS no seu cotidiano, seja como usuário ou como trabalhador, essas mudanças influenciadas pelas alterações de governo são reais e trazem consigo uma série de atrasos para o sistema. Portanto, torna-se um desafio romper com as lógicas pessimistas que acercam o SUS e acreditar em uma reestruturação do sistema condizente com as atuais mudanças vivenciadas pelo país, corrigindo as iniquidades e promovendo novas ações políticas que promovam uma saúde de qualidade para toda a sociedade. 32 2.5 Arcabouço legal dos conselhos de saúde no Brasil 2.5.1 Conselhos Municipais de Saúde: a institucionalização da participação social Decidir sobre o caminho da saúde pública do município... parece impossível pensar nessa realidade? Mas esse é um direito adquirido por lei e já é realidade em diversos municípios brasileiros. Cidadãos engajados politicamente são peçaschave para se alcançar uma política pública voltada para as necessidades reais da comunidade. A institucionalização da participação social no SUS foi feita por meio de vários dispositivos legais, a começar pelo texto constitucional (BRASIL, 1988), que democratiza a gestão administrativa por meio da participação da comunidade. Por serem democráticos, tanto os gestores, prestadores de serviços, trabalhadores e usuários devem ter assegurada a sua participação no processo decisório. Além desse direito adquirido, é de responsabilidade de todos esses atores o controle sobre as ações e serviços de saúde. O termo controle social, utilizado na Sociologia, pode ser entendido como a articulação, a mobilização e a interferência da sociedade civil sobre o planejamento, a execução, a avaliação e o controle das ações do Estado (SANTOS et al., 2012, p. 124). Os conselhos consolidam o controle social, uma vez que se constituem espaços de participação social na administração do sistema público. Considerando-se a possibilidade de um novo modelo de fazer saúde, os conselhos não podem deixar de assumir uma postura dinâmica, ativa e renovadora para se tornar mero cumpridor de resoluções formais. Muito se tem questionado sobre a efetividade desses conselhos. Fatores que vão desde a capacidade de formulação até a negociação de propostas interferem nesse âmbito. O que se apura é que foram desconcentradas responsabilidades e não democratizado o poder (KLEBA et al., 2010). 33 O que fazer para fortalecer os conselhos e interferir no cenário em que se desenvolvem? [...] a operacionalização não plena dessas novas instâncias democratizantes se dá devido à falta de tradição participativa da sociedade civil em canais de gestão dos negócios públicos; a curta trajetória de vida desses conselhos e, portanto, a falta de exercício prático (ou até inexistência); e ao desconhecimento - por parte da maioria da população, de suas possibilidades (deixando-se espaço livre para que eles sejam ocupados e utilizados como mais um mecanismo da política das velhas elites, e não como um canal de expressão dos setores organizados da sociedade) (GOHN, 2007, p. 90). Na realidade vivida como partícipe de um Conselho, são perceptíveis as necessidades e as lacunas existentes. Dentre elas, destaca-se a capacitação dos conselheiros, que ainda é deficitária (COTTA; CAZAL; RODRIGUES, 2009). As capacitações existentes propagadas pelo Estado ou por iniciativas de instituições como universidades existem (BRASIL, 2002), mas dificilmente chegam até a ponta, principalmente nos conselhos das cidades pequenas. Em 1999, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) instituiu um grupo de trabalho para tratar do tema capacitação de conselheiros. Esse grupo era formado por representantes de universidades, das Organizações Não Governamentais (ONGs), das Secretarias de Saúde, de trabalhadores e dos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, entre outros. Com base nas propostas do grupo foi formulado e publicado, em 2003, o documento “Diretrizes Nacionais para Capacitação de Conselheiros de Saúde”. Em 2005 houve atualização do texto com título “Diretrizes Nacionais para o Processo de Educação Permanente no Controle Social no SUS” (BRASIL, 2006). De acordo com esse documento, o processo de Educação Permanente (EP) no controle social do SUS tem como pressupostos que a capacitação de conselheiros de saúde integra o processo de educação permanente para o controle social no SUS e que cada cidadão e os diversos segmentos da sociedade e o governo têm o direito de conhecer, propor, fiscalizar e contribuir com o fortalecimento do SUS (BRASIL, 2006). Por meio dessas diretrizes nacionais, o CNS definiu a responsabilidade de cada esfera governamental no processo formativo; porém, estabelece como 34 responsabilidade intransferível dos próprios conselhos de saúde a EP para o controle social no SUS de seus conselheiros. Caberia ao Ministério da Saúde (MS), por intermédio do CNS, um papel mais consultivo e de acompanhamento. As Secretarias Estaduais e Municipais estariam incumbidas de viabilizar recursos financeiros, materiais e humanos para o exercício das atividades e para participações dos conselheiros em eventos sobre o controle social. Dessa forma, aos CMS caberia a realização propriamente dita das capacitações e estabelecimento das parcerias necessárias (BRASIL, 2006). Muitos conselheiros adentram nesse espaço sem saber ao certo as responsabilidades que estão assumindo. Infelizmente, existem realidades nas quais os participantes que compõem os conselhos são “escolhidos” e indicados (TATAGIBA, 2002). Os conselhos, para atuar como espaços participativos, devem garantir o exercício do diálogo, da contestação e da negociação em busca constante pela efetivação da democracia e da cidadania (COTTA; CAZAL; RODRIGUES, 2009). Dessa forma, é visível a existência de conselheiros que desconhecem tanto as atribuições inerentes aos conselhos como também o seu papel como representante de um segmento. Consequentemente, os conselhos apresentam baixo desempenho no sentido de articular as bases sociais, de transformar os direitos e necessidades de seus segmentos em projetos de interesse público. Deixam de estabelecer uma ponte com o restante da sociedade (GOHN, 2002). 2.5.2 Retrato dos conselhos de saúde no Brasil O arcabouço jurídico para a participação da população está ancorado no texto da CF de 1988, na Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90 (BRASIL, 1990a) e na Lei 8.142/90, que conferiu às conferências e aos conselhos de saúde poder deliberativo (BRASIL 1990b). A partir de 1991, o MS editou Normas Operacionais que potencializaram o processo de instalação dos conselhos de saúde em todo o país, pois 35 condicionavam a existência dos conselhos ao repasse de transferências financeiras federais (CARVALHO, 1995). Para Escorel e Moreira (2009, p. 796), os CMS criados nos 5.564 municípios brasileiros “representam a mais ampla iniciativa de descentralização políticoadministrativa implementada no país”. Os conselhos representam a conquista da população em participar das arenas decisórias, mas representa também uma ameaça à elite dominante do país. Dessa forma, inúmeras são as dificuldades e empecilhos que se apresentam aos conselhos, na tentativa de enfraquecer esse movimento. As primeiras dificuldades surgem ao compreender que, subitamente, extraíram-se da sociedade novos atores sociais para participar dessas arenas de decisão. Importante considerar também é que a experiência brasileira nos espaços participativos era baixa, considerando-se o passado opressor e dominador a que o país foi submetido. Outra experiência inovadora foi a participação desses órgãos no cenário de decisão política. Um espaço que era de domínio governamental passa a ser dividido com segmentos da sociedade (GONH, 2002). Com início em 2003, foi realizado um estudo censitário inédito no Brasil, que possibilitou traçar características encontradas na quase totalidade dos Conselhos Municipais de Saúde do país (98% dos CMS). Os resultados dessa pesquisa foram apresentados no artigo “Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos 20 anos do SUS”, escrito por pelo Dr. Marcelo Rasga Moreira e pela Dra. Sarah Escorel, que participaram como pesquisadores da pesquisa (ESCOREL; MOREIRA, 2009). Esse artigo tornou-se referência para os pesquisadores sobre Conselhos Municipais de Saúde, pois traça um retrato das configurações desses conselhos no país. Alguns dados dessa pesquisa serão apresentados a seguir. No que diz respeito ao ano de criação dos conselhos, constatou-se que no período de 1991-1997 é que foi instituída a maioria dos CMS. Os 5.463 CMS contam com 72.184 conselheiros titulares, sendo que 36.638 representam o segmento dos usuários do SUS. Sobre a representação dos trabalhadores da 36 saúde, destacam-se trabalhadores de nível médio e superior e representam na maior parte sindicatos e associações de trabalhadores. O segmento dos prestadores de serviços está ligado, na grande maioria, a hospitais e estabelecimentos privados contratados pelo SUS (ESCOREL; MOREIRA, 2009). Avaliando as condições de funcionamento dos conselhos, detectaram-se grandes limitações relacionadas aos recursos materiais e de apoio administrativo, inexistência de sede, dotação orçamentária própria. Dos 5.463 conselhos, apenas 265 possuem orçamento próprio (apenas nos municípios com mais de 2 milhões de habitantes), No tocante às capacitações de conselheiros, os resultados mostraram índices baixos. Em 2004, 90% dos conselhos responderam negativamente quando questionados se receberam algum tipo de capacitação (ESCOREL; MOREIRA, 2009). Ainda de acordo com Escorel e Moreira (2009), aqueles que vivenciam o cotidiano dos conselhos sabem que é recorrente o adiamento de reuniões por falta de quórum. Porém, nesse sentido, o estudo revela que 82% dos conselhos afirmaram realizar suas reuniões mensalmente e em 66% dos casos não ocorreram cancelamentos por falta de quórum. Apesar de instituídos, os conselhos encontram diversas dificuldades para o seu pleno funcionamento. Estudo realizado por Vieira e Calvo (2011) apresentou algumas dessas dificuldades que, devido à sua importância, foram organizadas no QUADRO 1: QUADRO 1 - Dificuldades apresentadas pelo CMS e os autores correlacionados DIFICULDADES Clientelismo Rompimento da autonomia AUTORES CORRELACIONADOS Carvalho (2004) Pestana, Vargas e Cunha (2007), Moreira e Escorel (2009) Condições inadequadas de funcionamento Pestana, Vargas e Cunha (2007) Mínima existência de comissões Moreira e Escorel (2009) Elitização da representação Labra e Figueiredo (2002) Legitimidade comprometida/ representatividade Wendhausen e Cardoso (2007) desarticulada da base Desequilíbrio entre estrutura e mobilização Coelho, Ferraz e Fanti (2010) Pouca decisão no encaminhamento das Grissoti e Patrício (2006) deliberações Ingerência da gestão sobre a pauta Oliveira e Almeida (2009) 37 Fonte: elaboração própria com base no estudo realizado por Vieira e Calvo (2011). Dessa forma, conclui-se que o caminho percorrido pelos conselhos ao longo de sua trajetória não tem sido fácil, diversos obstáculos são levantados pelos estudos nessa área de pesquisa. Cabe aos pesquisadores, também, buscar alternativas que busquem contribuir para o fortalecimento desses órgãos que representam uma conquista da sociedade brasileira e que são meios legítimos para a população tentar melhorias no acesso e na qualidade dos serviços públicos (VIEIRA; CALVO, 2011).. 2.5.3 Conselhos: entre a paridade e a representatividade O CMS é um órgão colegiado, de caráter permanente e deliberativo, composto de representantes do governo, dos prestadores de serviços, de trabalhadores da saúde e dos usuários. Os conselhos de saúde têm como característica a paridade, ou seja, 50% dos representantes são usuários e os demais 50% dividem-se entre os outros segmentos, sendo 25% representantes do governo e prestadores de serviços e 25% por representantes dos trabalhadores de saúde. Essa paridade foi sugerida pela Resolução nº 33/92 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e regulamentada pela Resolução nº 333/2003 do CNS (BRASIL, 2003). Além da paridade, a Resolução nº 33/92 estabelece ainda as competências, ações e possíveis intervenções dos Conselhos de Saúde, sintetizados, de acordo com Fleury e Lobato (2009, p.185-6), nos seguintes objetivos: a) Atuar na formulação e no controle da execução da política de saúde, incluídos seus aspectos econômicos, financeiros e de gerência técnicoadministrativa. b) Estabelecer estratégias e mecanismos de coordenação e gestão do SUS, articulando-se aos demais colegiados em nível nacional, estadual e municipal. 38 c) Traçar diretrizes de elaboração e aprovar os planos de saúde, adequandoos às diversas realidades epidemiológicas e à capacidade organizacional dos serviços. d) Propor a adoção de critérios que definam qualidade e melhor resolutividade, verificando-se o processo de incorporação dos avanços científicos e tecnológicos na área. e) Propor medidas para o aperfeiçoamento da organização e do funcionamento do SUS. f) Examinar propostas e denúncias, responder a consultas sobre assuntos pertinentes a ações e serviços de saúde, bem como apreciar recursos a respeito de deliberações do colegiado. g) Fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e serviços de saúde. h) Propor a convocação e estruturar comissão organizadora das conferências estaduais e municipais de saúde. i) Fiscalizar a movimentação de recursos repassados à Secretaria de Saúde e/ou ao Fundo de Saúde. j) Estimular a participação comunitária no controle da administração do SUS. k) Propor critérios para a programação e para as execuções financeiras e orçamentárias dos Fundos de Saúde, acompanhando a movimentação e destinação dos recursos. l) Estabelecer critérios e diretrizes quanto à localização e ao tipo de unidades prestadoras de serviços de saúde públicos e privados, no âmbito do SUS. m) Elaborar o regimento interno do conselho e suas normas de funcionamento. n) Estimular, apoiar ou prover estudos e pesquisas sobre assuntos e temas na área da saúde de interesse para o desenvolvimento do SUS. o) Outras atribuições estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde e pela 9ª Conferência Nacional de Saúde. Recentemente, em maio de 2012, foi homologada a Resolução CNS nº 453/2012 (BRASIL, 2012), que além de reafirmar a paridade nos conselhos, acrescenta alguns pontos importantes, que são a exigência de um quórum mínimo dos integrantes para deliberação nas plenárias e que as pautas das reuniões e o 39 material de apoio devam ser encaminhados aos conselheiros com antecedência mínima de 10 dias (Resoluções CNS nº 333/2003 e nº 453/2012). Tais medidas evitam que decisões importantes sejam aprovadas sem o prévio conhecimento e aprovação por um número mínimo de conselheiros. Apesar das inúmeras competências, a fiscalização é considerada por muitos a principal competência dos conselhos gestores. Observa-se que os conselhos atuam no intuito de evitar transgressões do Estado e na maior parte das vezes são mais reativos do que propositivos. Apesar da importância da fiscalização, quando se pensa na democratização das políticas públicas, o caráter deliberativo assume caráter mais radical (TATAGIBA 2002) . Os conselhos representam uma importante conquista, pela possibilidade de intervenção nas políticas de saúde. Podem atuar também como ponte entre o Estado e a sociedade. O processo de democratização na saúde acompanha o processo de democratização da própria sociedade e nesse aspecto a sociedade brasileira ainda está bem distante. A burocracia e os governos elitistas dificultam a participação e ainda insistem na concentração do poder nas mãos de poucos. O exercício da participação e do controle social é dificultado por fatores como o autoritarismo presente na sociedade e nas instituições brasileiras e pela assimetria de saber e de poder dos conselheiros (OLIVEIRA; PINHEIRO, 2010). Por conseguinte, apesar de garantida a paridade, a representatividade torna-se prejudicada e, consequentemente, os espaços “vazios” de voz acabam por ser ocupados por aqueles que detêm a informação e o poder. 2.6 A gestão social nos conselhos: possibilidade de exercício do controle social A gestão democrática do SUS, exercida principalmente por meio das conferências e dos conselhos de saúde em cada esfera de governo, é um importante modelo de exercício da cidadania, que ocorre mediante a organização da sociedade civil e a efetivação do processo de controle social. O caráter propositivo, assim como o poder deliberativo desses órgãos de gestão do SUS, são elementos importantes no processo de gestão (BRAVO; CORREIA, 2012). 40 Para ampliar essa discussão, torna-se imperativo refletir acerca dos conceitos de gestão social, visando articular a atuação nos conselhos de saúde, objeto desta pesquisa, com as possibilidades de exercício da gestão social. Adentrando nessa temática, Schommer e França Filho (2006) consideram que a gestão social corresponde ao modo de gestão próprio das organizações que atuam num circuito que não é, originariamente, aquele do mercado e do Estado. Afirmam, ainda, que a gestão social relaciona-se à gestão das demandas e necessidades do social. Por essa vertente, o conceito de gestão social sai do foco prioritariamente economicista das principais formas de gestão e volta-se para implicações mais sociais e políticas. Não que a gestão social desconsidere os aspectos econômicos, mas seu foco de atuação amplia-se, nesse sentido (SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2006). Segundo Pasche (2009), o objetivo da gestão social é a formação de personagens sociais com mais autonomia, participantes do processo de trabalho e se sentindo corresponsáveis com o processo de trabalho. Pensando em autonomia, esta surge como ferramenta necessária no processo de gestão e de desenvolvimento. Nesse sentido: [...] a autonomia constitui a base do desenvolvimento, este encarado como o processo de autoinstituição da sociedade rumo a mais liberdade e menos desigualdade; um processo não raro doloroso, mas fértil, de discussão livre e “racional” por parte de cada um dos membros da coletividade acerca do sentido e dos fins do viver em sociedade, dos erros e acertos do passado, das metas materiais e espirituais, da verdade e da justiça (SOUZA, 2009, p. 105-106). Assim, as pessoas, para atuarem como cidadãs ativas, é importante que tenham informações e, para isso, a formação deve iniciar-se desde cedo, com as crianças, e estender-se ao bairro, à comunidade, ao município, e assim por diante. A educação não deve ser vista apenas como promoção individual; os cidadãos devem utilizar o conhecimento para ajudar a transformar a realidade que vivem (SOUZA, 2009). 41 Para essa transformação da realidade é imperativa a inserção dos cidadãos no processo de gestão, no conhecimento e participação sobre os caminhos traçados para aquela localidade, pelo poder público. Participar ativamente desse processo é um dos caminhos para o alcance da gestão social (PASCHE, 2009). Na concepção de Oliveira (2001), embora o bem-estar e uma alta qualidade de vida devam ser direitos dos cidadãos, não se devem colocar tais direitos como sinônimos de cidadania, pois esse economicismo pagaria o preço de desconsiderar como cidadãos os que não têm meios materiais de bem-estar e qualidade de vida. A noção de cidadania que deve nortear a tentativa de mensurar os processos e estoques de bem-estar e qualidade de vida refere-se ao indivíduo autônomo, crítico e reflexivo, longe, portanto, do indivíduo-massa. Os conselhos de saúde, nesse sentido, poderiam representar polos de qualificação de cidadãos para o controle social no âmbito do SUS, considerando que são espaços para a discussão e articulação entre diversos atores sociais, com diferentes interesses (COTTA et al., 2010). De acordo com Dowbor (2007), a ideia de educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada à compreensão de que desenvolvimento não se espera, mas se faz e que podemos ser donos da nossa própria transformação econômica e social. É necessário, também, que se formem pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Em Sen (2000), o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento. Assim, as oportunidades econômicas, as liberdades políticas, os poderes sociais e as condições habilitadoras influenciam no que as pessoas conseguem realizar. No caso dos CMS, o desenvolvimento de todas essas condições influencia diretamente no poder de deliberação e de gestão desses órgãos. 42 Retomando o conceito de gestão social, Tenório (2002) menciona que, para exercê-la, há a necessidade de um gerenciamento mais participativo, em que o processo decisório é compartilhado entre os diferentes sujeitos sociais. Inclui, também, a participação dos cidadãos em todas as fases do processo de gestão, incluindo o planejamento, a execução e a avaliação. Entre as diversas competências dos conselhos de saúde estão a definição das diretrizes para a elaboração dos planos de saúde, dos programas de saúde locais, da elaboração dos convênios, além da aprovação das propostas orçamentárias. Cabem aos conselhos, ainda, a fiscalização e o acompanhamento do desenvolvimento das ações e serviços de saúde (BRASIL, 2003). Dessa forma, o espaço dos conselhos torna-se uma proposta alcançável para a gestão social, desde que seja exercida de maneira participativa e igualitária. Para Dowbor (1999), gestão social remete-se à transformação da sociedade, na qual há a necessidade da construção de um novo paradigma organizacional a partir da redefinição da relação entre o político, o econômico e o social. Para que essa participação se concretize de maneira efetiva, torna-se imprescindível a integração entre os diversos segmentos da sociedade, sejam eles população, administradores, empresários, gestores e representantes do poder público (DOWBOR, 1999). Assim sendo, a gestão social pode ser entendida: [...] como um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do desenvolvimento societário, emancipatório e transformador. É fundada nos valores, práticas e formação da democracia e da cidadania, em vista do enfrentamento às expressões da questão social, da garantia dos direitos humanos universais e da afirmação dos interesses e espaços públicos como padrões de uma nova civilidade. Construção realizada em pactuação democrática, nos âmbitos local, nacional e municipal; entre os agentes das esferas da sociedade civil, sociedade política e da economia, com efetiva participação dos cidadãos historicamente excluídos dos processos de distribuição das riquezas e do poder (MAIA, 2005, p. 78). Dessa forma, de modo geral, a gestão social pode ser vista como um conjunto de processos sociais capazes de transformar a realidade, proporcionando 43 desenvolvimento local. Ao cidadão cabe instrumentalizar-se por meio do exercício da democracia e da cidadania para que essa participação seja exercida de maneira consciente e efetiva, atuando como sujeito no processo de gestão social (MAIA, 2005, p. 78). 2.7 O empoderamento social e o poder local como instrumentalizadores da gestão social nas políticas de saúde No âmbito dos conselhos, a gestão social pode acontecer por meio de discussões voltadas para as necessidades reais de determinado grupo ou comunidade. Nesse sentido, os gestores sociais não podem ser considerados apenas como meros participantes, e sim devem atuar como sujeitos ativos nos processos de planejamento, acompanhamento, monitoramento, avaliação e fiscalização das políticas públicas (PASCHE, 2009). Na atualidade, os conselhos de saúde tornaram-se espaços possíveis para a articulação e mobilização da sociedade, especialmente no tocante aos direitos constitucionais que fundamentam o SUS (COTTA; CAZAL; RODRIGUES, 2009). De acordo com Carvalho (1995, p. 104): Nada há, na história do Estado brasileiro, que se assemelhe aos Conselhos de Saúde da atualidade, seja pela representatividade social que expressam, seja pela gama de atribuições e poderes legais de que são investidos, seja pela extensão em que estão implantados por todo o país, nas três esferas governamentais. Essa participação efetiva do povo se dá pelo exercício da democracia, que pode ser exercida de maneira direta ou indireta. Na democracia direta, o povo controla diretamente a gestão da sociedade; o poder do povo é exercido de maneira mais efetiva do que na democracia indireta, quando o povo governa por intermédio dos seus representantes eleitos (CARVALHO, 1995). Sobre esse assunto, Dallari (1990, p. 31) afirma que: 44 Primeiramente a democracia surge como um processo de democratização entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular directa, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática). De acordo com Mattei (2009), a melhor participação cidadã na democracia não é a que se manifesta sempre e em todas as partes, porém a que se mantém alerta, aquela que está presente quando há a necessidade de impedir desvios dos governantes e também no atendimento a demandas que não são atendidas com a devida importância. Contudo, sabe-se que há um longo caminho a ser seguido por aqueles que realmente desejam alcançar a participação democrática e a gestão social. Em primeira instância, há que se considerar a necessidade de desenvolvimento de uma cultura política e consciência popular de participação (BISPO JÚNIOR; GERSCHMAN, 2013). É indispensável modificar a postura de “consumidor” de serviços públicos para agente provocador de mudanças. A sociedade precisa instrumentalizar-se para exercer um controle efetivo sobre o Estado. Para Campos (1990), a emergência e o desenvolvimento de instituições na sociedade é que favorecem a recuperação da cidadania e, portanto, a verdadeira vida democrática. Dessa forma, torna-se real a possibilidade de canalização das demandas e identificação das necessidades reais, assim como a cobrança de melhor desempenho dos serviços públicos. Em segunda instância, mas não menos importante, é a necessidade de empoderamento do cidadão para uma participação mais efetiva. O poder é onipresente nas relações sociais. Ele corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O 45 poder não é propriedade de um indivíduo; ele pertence a um grupo e coexiste apenas enquanto esse grupo se mantiver unido. Quando se diz que alguém está “no poder”, na realidade está se referindo ao fato dessa pessoa encontrar-se investida de poder, que lhe foi dado por um grupo de pessoas, para representálos. “No momento em que o grupo, de onde se originara o poder (potestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu poder’ também desaparece” (ARENDT, 1985 apud SOUZA, 2009, p. 80). Essa conquista individual e social - o empoderamento - é a qualificação do cidadão para uma participação efetiva nas decisões que envolvem o bem coletivo. Envolve consciência social a partir do momento em que o cidadão sai de uma situação particular para o envolvimento de uma questão mais abrangente, social (BENKENSTEIN, 2010). Apesar de todas as dificuldades, os conselhos assinalam para possibilidades concretas de desenvolvimento de um espaço público, que não se resume e não se confunde com o espaço governamental (GOHN, 2002). Considerando que nos conselhos de saúde existem diferentes escalas de poder e interesses das partes, é instigante refletir sobre como essas relações de poder podem ser trabalhadas dentro desses conselhos e como esses canais de participação podem ser efetivos para o controle social das políticas públicas (COTTA; CAZAL; RODRIGUES, 2009). 2.8 Considerações Os assuntos abordados foram didaticamente separados para facilitar a compreensão do caminho traçado para a conquista do processo democrático no país e as configurações estabelecidas de um dos possíveis canais de participação conquistados pela população: os Conselhos Municipais de Saúde. A participação cidadã foi um avanço na sociedade brasileira, mas, como todo processo de conquista de direitos, traz consigo uma série de dificuldades, que são colocadas por grupos que aspiram à concentração do poder. 46 Assim, compreender toda essa trajetória possibilitou melhor compreensão do que se pretendia alcançar com este estudo. 47 3 OBJETIVOS 3.1 Objetivo geral Analisar as dificuldades enfrentadas pelo CMS de São Gonçalo do Rio Abaixo (SGRA) e a efetividade desse canal de participação no acompanhamento, controle e fiscalização das políticas públicas para o exercício do controle social no âmbito municipal. 3.2 Objetivos específicos a) Conhecer os processos vivenciados para a formação do atual CMS de SGRA. b) Verificar o sentido atribuído pelos conselheiros quanto à sua participação nos conselhos e à parceria com a comunidade que representam. c) Discutir o discursar político e a dimensão técnica vinculada à participação nos conselhos. d) Elaborar uma proposta de intervenção visando contribuir para a participação social consciente desses conselheiros. 48 4 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO 4.1 Caminho metodológico Considerando-se que o estudo irá investigar as opiniões, pensamentos e até sentimentos das pessoas relativos à participação no conselho, a pesquisa qualitativa se mostrou como uma abordagem adequada e em consonância com o objetivo que se pretendeu alcançar. De acordo com Minayo (2010, p. 57), o método qualitativo “é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, sentem e pensam”. Oliveira (2007) relata que a pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como sendo um estudo detalhado de um determinado fato, objeto, grupo de pessoas ou ator social e fenômenos da realidade. Essa concepção, portanto, de investigação permitiu-nos uma aproximação densa do fenômeno pesquisado, possibilitando agregar conhecimentos e compreensão da realidade vivida pelos conselheiros de saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo. Nessa realidade de conflitos, de construção e desconstrução, de legitimação de interesses e de participação ativa e passiva, o sujeito conselheiro teve voz, opinou e mostrou-se. 4.2 Caracterização do cenário da pesquisa O CMS de SGRA foi instituído pela Lei Municipal nº 401 de 21 de agosto de 1992 (SGRA, 1992) (ANEXO A) e alterado pelas leis 466/1995, 543/2002 e 552/2002, sendo que nesta última ficou assim definida a composição do CMS: 49 I- Do Governo Municipal a) Representante da Divisão de Saúde ou órgão equivalente; b) Representante (s) da Divisão de Finanças; c) Representante (s) da Divisão de Educação. II- Dos Prestadores de Serviços Públicos e Privados a) Representante (s) dos Prestadores Privados contratados pelo SUS. III- Dos Trabalhadores do SUS a) Representante (s) das Entidades de Trabalhadores do SUS. IV- Dos Usuários a) Representante (s) de Entidade ou Associação Comunitárias; b) Representante (s) de Sindicatos e Entidades de Trabalhadores; c) Representante (s) de Associações de Portadores de Deficiência e Patologias; d) Representante (s) de Instituições Culturais; e) Representante (s) de Instituições Religiosas” (SGRA, 2002) Cada representante possui o seu suplente, que é da mesma categoria do titular. Atualmente, o CMS se reúne mensalmente e também em caráter extraordinário quando solicitado pelo seu presidente. O conselho não possui sede própria, mas se reúne em uma casa locada pela prefeitura para utilização de todos os conselhos municipais. Apesar de já existir um calendário predefinido, os conselheiros são comunicados das reuniões por meio de e-mails enviados pelo presidente. Na gestão atual, a presidente do conselho é representante do governo. A escolha foi exercida por meio de votação em plenária. 4.3 Os sujeitos da pesquisa 50 Inicialmente seriam sujeitos do estudo todos os conselheiros titulares e os suplentes (total de 20 pessoas) do CMS do município de São Gonçalo do Rio Abaixo que aceitassem espontaneamente, a partir do convite que lhes seria feito. A escolha também se pautou no seguinte critério: que o conselheiro exercesse atividade no conselho há pelo menos um ano. Dessa forma, evitar-se-ia o risco de não se sentirem confortáveis e aptos para responder à entrevista, considerando que durante o período de 12 meses já teriam participado de alguma reunião e, assim, poderiam contribuir para o estudo em questão. Porém, já na etapa inicial da pesquisa, revelou-se uma situação desconcertante. Na lista repassada pela presidente do conselho constava o nome dos 20 conselheiros. E dos 10 conselheiros titulares, constatou-se que a categoria dos prestadores de serviços estava sem representação (a conselheira não reside mais no município nem a sua suplente) e a categoria dos trabalhadores estava com dois representantes titulares. Em relação aos suplentes, apurou-se que apenas três pessoas compareceram em mais de 20% das reuniões do conselho. Destes, apenas o suplente do representante do segmento governo (suplente do gestor) era presença constante nas reuniões (presença em 22 das 31 reuniões realizadas). Todavia, ao ser convidado para a entrevista, este relatou que não fazia mais parte do conselho e optou por não participar da pesquisa. Por conseguinte, ao serem procurados pelo pesquisador, ocorreram relatos de conselheiros que não se sentiam à vontade para as entrevistas e até mesmo relato de suplente que não sabia que era integrante do conselho. Três conselheiros também não residiam mais no município. Dessa forma, respeitados os critérios de inclusão do estudo, foram realizadas as entrevistas com os 10 conselheiros titulares que compõem o atual CMS do município de SGRA. 4.4 Procedimentos de coleta e análise de dados Considerando o interesse na busca de compreensão não somente das dificuldades vivenciadas pelos conselheiros no conselho, mas também como se 51 efetiva a participação deles nas reuniões, procurou-se investigar e analisar dados que revelassem a realidade dessa participação. Para tanto, foram eleitos como instrumentos de coleta de dados: a pesquisa documental, a realização de entrevistas com os membros do conselho em estudo e a observação participante, conforme descrito nos tópicos a seguir. 4.5 Técnica e procedimentos para a coleta dos dados 4.5.1 Pesquisa documental A pesquisa documental foi realizada por meio da análise das atas das reuniões dos dois primeiros anos de funcionamento do respectivo conselho. Com a leitura das atas, almejou-se avaliar a presença dos conselheiros por categoria de representação e também analisar e discutir sobre o grau de interferência dos conselheiros nas decisões deliberadas por esse órgão. Para Oliveira (2007, p. 69), semelhante à pesquisa bibliográfica, a documental “caracteriza-se pelas informações contidas em documentos onde não ocorreu nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, cartas, filmes, gravações, dentre outros”. 4.5.2 Entrevistas Utilizou-se a entrevista semiestruturada (APÊNDICE B), realizada com os membros titulares do CMS, individualmente, em ambiente reservado. Todas foram gravadas com o consentimento prévio dos sujeitos e, posteriormente, transcritas literalmente. A entrevista semiestruturada possibilitou ao pesquisador avançar além do que estava determinado no roteiro de entrevista, uma vez que permitiu flexibilidade nos diálogos e consequente surgimento de novos temas e novas questões. No processo das entrevistas, o pesquisador atuou como mediador com vistas a possibilitar reflexões dos sujeitos sobre sua participação e atuação. 52 Para Duarte (2004, p. 219), tomar depoimentos como fonte de investigação implica extrair daquilo que é subjetivo e pessoal neles, o que permite pensar a dimensão coletiva. 4.5.3 Observação participante Para analisar como o CMS se articula e quais seriam as principais dificuldades vivenciadas pelos conselheiros, tornou-se necessário ao pesquisador inserir-se e trabalhar diretamente com os sujeitos, como um integrante do grupo. Pelo fato de o pesquisador ser também conselheiro, tal processo foi facilitado pela familiaridade com os membros do grupo. A observação constitui elemento importante para a pesquisa, especialmente para a pesquisa qualitativa. O ato de observar permite atribuir sentidos a fim de conhecer determinadas realidades. Para Oliveira, Ianni e Dallari (2013, p. 2331), a “técnica da observação participante traz consigo a dualidade do pesquisador estar, ao mesmo tempo, distante e próximo do objeto de observação, facilitando o conhecimento e a compreensão da realidade”. A observação participante ocorreu por meio da presença do pesquisador em uma das reuniões realizadas pelo conselho em estudo, quando o observador pôde vivenciar o contexto da participação dos conselheiros. O conteúdo da observação foi anotado em um diário de campo. A observação torna-se uma científica a partir do momento em que passa por sistematização, planejamento e controle da objetividade. Assim, pela associação das informações das atas, pela observação da prática e pelo relato dos próprios conselheiros, aspirou-se a elucidar os pontos questionados na pesquisa. 4. 6 Procedimentos adotados para a análise dos dados 53 As entrevistas foram transcritas literalmente, preservando-se a fala dos sujeitos, para posterior tratamento dos dados. Estes foram decompostos, codificados e ordenados em categorias. Esse procedimento de categorização fundamentou-se na técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). A codificação é o processo pelo qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem a exata descrição exata das características pertinentes do conteúdo (BARDIN, 2011). As categorias foram estabelecidas durante o processo de análise, não sendo determinadas a priori. As atas foram lidas várias vezes e passaram por decomposição e pinçamento das frases que respondiam ao objetivo desta pesquisa e desveladoras da participação dos conselheiros nas reuniões. Os trechos da observação enriqueceram dados oriundos das entrevistas e, pode-se inferir, corroboram dados retirados das atas. 4.7 Aspectos éticos da pesquisa A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNA (ANEXO B), de acordo com as normas do Conselho Nacional de Saúde – Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996 – que regulamentam a pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1996). Foi solicitada mediante documento autorização do presidente do CMS de SGRA para a realização da pesquisa. Cada participante (conselheiro), após ter sido devidamente orientado e esclarecido, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A), autorizando a participação como sujeito da pesquisa e posterior divulgação dos resultados. 54 5 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS A participação social materializada a partir dos espaços deliberativos conquistados na nossa sociedade é um caminho o qual muitos conselhos gestores têm buscado alcançar. Muitos avanços já foram atingidos, mas também muitas dificuldades ainda são vivenciadas no cotidiano desses órgãos. Essas dificuldades podem perpassar por entraves institucionais e políticos para a efetivação das funções inerentes aos conselhos até chegar ao conselheiro, que também se torna responsável pela concretização do controle social, dependendo de sua vontade e consciência participativa. Nessa perspectiva, este trabalho teve a pretensão de conhecer e analisar essas dificuldades, a partir de estudo no CMS de São Gonçalo do Rio Abaixo. Buscou também avaliar a efetividade desse canal de participação no acompanhamento, controle e fiscalização das políticas públicas para o exercício do controle social. 5.1 Análise documental Compuseram o universo de análise documental todas as 31 atas das reuniões do Conselho Municipal de São Gonçalo do Rio Abaixo realizadas no período de agosto de 2010 a setembro de 2012. Esse período compreende o primeiro e o segundo anos de atuação do atual CMS de SGRA. Das 37 reuniões planejadas para ocorrer nesse período anteriormente citado, seis não se concretizaram por falta de quórum. Por conseguinte, das 31 que efetivamente aconteceram, 25 foram ordinárias e seis extraordinárias. Nesse sentido, reafirma-se que 31 atas foram lidas, analisadas e discutidas neste estudo. 55 As reuniões ordinárias são aquelas reuniões que já estão programadas, definidas em um calendário preestabelecido. No caso do referido Conselho, as reuniões ordinárias são realizadas toda última quarta-feira do mês. Essa definição já é repassada aos conselheiros desde a primeira reunião. As reuniões extraordinárias são realizadas quando existe alguma pauta a ser deliberada pelo Conselho em um prazo mais urgente. Para que a deliberação do Conselho seja válida, é necessário um quórum mínimo para que possa ocorrer a votação da pauta programada. Este deve ser no mínimo de seis conselheiros com direito a voto. A leitura minuciosa de cada ata e respectiva análise permitiram abstrair que no primeiro ano de funcionamento do Conselho, apenas duas reuniões não se realizaram por falta de quórum. Entretanto, já no segundo ano esse número subiu para quatro reuniões não realizadas. Pela participação durante as reuniões, percebe-se que ao longo de dois anos existiram conselheiros que estiveram presentes somente na primeira reunião. Acrescenta-se ainda o fato de que a média de participação no primeiro ano foi de 14 conselheiros por reunião (exemplo ata de reunião ocorrida na data de 25 de agosto de 2010); já no segundo ano, a média foi de oito conselheiros por reunião (exemplo ata de reunião ocorrida na data de 28 de novembro de 2012). Tal fato faz insurgir o questionamento: é possível que no primeiro ano de atuação os conselheiros se sintam mais dispostos a participar e esse “entusiasmo” vai se alterando no decorrer do mandato como conselheiro? Suas vocalizações durante as discussões ocorridas em plenário se fazem ouvir e têm ressonância nas tomadas de decisão? Santos, Vargas e Lucas (2011, p. 488) consideram que existem motivos coletivos e individuais que incentivam a participação. Os motivos coletivos são aqueles que “são capazes de sensibilizar o sujeito em prol de uma ação que beneficiará a 56 todos”; já os motivos pessoais, ao estimular o envolvimento de determinado sujeito, acabam beneficiando os demais. Os conselheiros podem ter deixado de participar por verem enfraquecidos os motivos iniciais que levaram à sua participação, sejam eles pessoais ou coletivos. Carvalho, estudioso sobre os conselhos de saúde no Brasil, considera que: Diante da inefetividade desses órgãos em satisfazer as demandas finalísticas a eles submetidas, os representantes de segmentos podem reduzir suas expectativas, gerando seja o esvaziamento dos conselhos, seja uma adaptação conformada aos seus limites como arenas decisórias (burocratização) (CARVALHO, 1997, p. 97). Nesse sentido, torna-se primordial destacar que, apesar da Lei 8.142/90 garantir aos conselhos competência deliberativa, cabem ao Executivo a decisão final e a implementação das políticas públicas. Se as deliberações a aprovações do Conselho não são de fato homologadas e cumpridas, o descrédito pode gerar insatisfação e descrença dos conselheiros. Com isso, a motivação inicial pode ir se modificando ao longo do mandato. Para Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 14), “as deliberações do Conselho são parte de um processo muito maior, complexo, demorado e incerto. As resoluções dos conselhos não constituem um ciclo completo nem se pretendem finalísticas”. Na visão de Pedrini, Adams e Silva (2007, p. 35), “a participação e o controle social são estratégias fundamentais para a construção das políticas públicas”. Entretanto, mesmo que sejam conquistas importantes da sociedade civil organizada, os conselhos, por si só, se não estiverem articulados com fóruns e processos mobilizadores de lutas mais amplas, podem burocratizar-se e não alcançar as metas para as quais foram criados. Outro ponto merecedor de destaque é que das seis reuniões extraordinárias solicitadas, 67% delas foram instadas por representantes do governo para apreciação dos seguintes assuntos: apresentação do Termo de Compromisso de Gestão, do Pacto pela Saúde, do Plano Anual de Vigilância em Saúde, do Plano 57 Anual de Saúde Mental, prestação de contas (sobre construção de unidades básicas de saúde, construção da Farmácia de Minas, Programa Saúde em Casa), apresentação da programação anual de saúde, avaliação do Relatório Anual de Gestão (RAG) e votação do orçamento fiscal. Este último item requer uma consideração especial. A votação do orçamento fiscal é de elevada relevância e requer criteriosa análise pelos conselheiros, pois é por meio dele que se torna possível o cumprimento pelos municípios da aplicação mínima de 15% da receita total municipal no setor da saúde. Constatase, com a leitura das atas, que não houve questionamento por parte dos conselheiros sobre o orçamento utilizado pelo município. Em São Gonçalo do Rio Abaixo, segundo relato do gestor (constado em ata e confirmado pelo presidente do Conselho), a receita aplicada no setor da saúde ultrapassa sempre os 15%. Porém, mesmo o valor investido sendo mais alto do que o obrigatório, seria relevante que ocorresse uma discussão mais aprofundada sobre quais setores receberam mais investimento, se houve resultados satisfatórios, se a demanda da população está sendo atendida, se existem “vazios” assistenciais a serem preenchidos, enfim, discussões que não foram levantadas, como se constatou pela análise das atas. Para todos os assuntos listados e comentados anteriormente, é exigida dos gestores a ata de aprovação pelo CMS local, ou seja, é uma obrigação dos gestores que esses assuntos sejam apresentados e discutidos nos conselhos. Emerge, então, mais uma dúvida: se não se tratasse de obrigação formal, estariam esses assuntos sendo tratados nos CMS? A população teria acesso a esse tipo de informação? Para Lüchmann (2009), há uma ambiguidade no quesito da obrigatoriedade legal da participação da sociedade civil no âmbito dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas, pois ao mesmo tempo em que essa obrigatoriedade torna os conselhos espaços com caráter meramente formal-legal, permite, por outro lado, mais explicitação dos conflitos sociais, na medida em que não depende única e exclusivamente do projeto político do governo. 58 Os conselhos, quando consolidados para tal fim, poderiam provocar constantes inquietações e romper com as estruturas tradicionais dos governos ditos democráticos, buscando realmente modificar as condições limitantes e promovendo mudanças nas suas realidades locais. Porém, estudo realizado por Vieira e Calvo (2011) ressalta que há uma grande limitação na autonomia dos conselhos. Observa-se que, na prática, segundo os autores, muitos representantes do governo ou do sistema privado agem buscando reduzir o papel fiscalizador ou deliberativo do Conselho a meros rituais de legitimação de políticas e decisões supostamente democráticas. Rocha et al. (2013, p. 108) ponderam que: [...] o controle social do SUS tem função de acompanhar e fiscalizar as despesas públicas relacionadas à saúde no Brasil. No entanto, para que os conselhos possam cumprir adequadamente as suas funções, é necessário que conheçam como funciona o orçamento da saúde, para que se efetivem como órgãos de controle e de transparência nas decisões e ações do poder público. Considerando as vocalizações por segmento representado, ocorreram durante as 31 reuniões 28 vocalizações de representantes do governo, 22 do segmento dos usuários e quatro de outros participantes, externos ao Conselho, conforme a TAB. 1. TABELA 1 - Vocalizações por segmento no CMS de SGRA, nas reuniões de 2010 a 2012 Segmento de representação Número de vocalizações Governo 28 Prestador de Serviço 0 Usuários 22 Trabalhadores 0 Participantes externos 04 TOTAL 54 Fonte: elaboração própria, com base na análise das atas. Percentual de vocalizações por segmento % 52 0,00 41 0,00 7 100 Os dados dessa tabela são expressivos e encontram eco em estudo realizado por Avritzer (2010) com conselhos de cinco capitais brasileiras (Belo Horizonte, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo), onde o segmento representante do governo se manifestava de maneira mais efetiva. 59 Para Santos, Vargas e Lucas (2011, p. 490), “quem detém o poder de construir a informação e divulgá-la também tem o poder de considerá-la verdade, à revelia das demandas para quem foram construídas”. Cotta, Cazal e Martins (2010) questionam o grau de democratização interno das organizações de saúde, pois em muitas situações o fluxo do processo decisório é manipulado pelos interesses do governo municipal sobre os demais segmentos. Para as autoras: Essa relação assimétrica de poder, em que o espaço de deliberação política se faz inacessível e fragilizado, pode ter um efeito de burocratização dos conselhos, que deve ser insistentemente combatida para que o conselho seja um espaço efetivamente democrático, legitimando os direitos conquistados pelos cidadãos (COTTA; CAZAL; MARTINS, 2010, p. 2444). Outro ponto levantado na análise do quadro é que não sobreveio vocalização dos representantes dos trabalhadores e dos prestadores de serviço. Percebe-se total mutismo, um silêncio promovido por eles mesmos, pela conjunta, pelo desconhecimento dos assuntos tratados ou pelo receio de expressar seus sentimentos e pensamentos? Afinal, a participação dos trabalhadores é condição imprescindível para a discussão de assuntos pertinentes às condições de trabalho e dificuldades vivenciadas pelas classes representadas. A não participação desses segmentos revela, então, uma pequena e incipiente representatividade na discussão das pautas apresentadas e/ou sugeridas pelo Conselho. Cruz et al. (2012) avaliam que o conflito entre trabalhadores e conselhos de saúde pode ser explicado sob duas óticas. A primeira é que em muitas situações a população seria convidada apenas para legitimar decisões técnicas já tomadas pela equipe. O outro ponto está no fato de que usuários e usuários-conselheiros apresentam críticas ou sugestões para a organização do trabalho da equipe que são percebidas pelos trabalhadores fiscalização do seu trabalho. e trabalhadores-conselheiros como 60 A baixa vocalização dos trabalhadores deixa vazio um espaço que poderia ser utilizado para reivindicação de melhorias nas condições de trabalho, para apoio técnico nas deliberações relativas às ações de saúde e também momento de diálogo com os usuários. No âmbito dos conselhos, observa-se muito a ocorrência do poder condicionado. Para Pedrini, Adams e Silva (2007), esse poder caracteriza-se por obter submissão do outro por meio do sistema de crenças estabelecido, seja pela persuasão pessoal, seja pela própria cultura. As leituras e releituras de cada ata desvelaram a ocorrência do exercício desse tipo de poder, pelo convencimento eficaz de tomada de decisões que favorecem o órgão gestor. Das 31 reuniões realizadas, em apenas uma o assunto colocado em pauta não foi aprovado (ata de reunião ocorrida em 10/05/11). Nesse dia, debateu-se acerca da aprovação de uma casa para acolhimento de usuários de álcool e outras drogas, porém a pauta não foi aprovada após argumentação do gestor de que muitos pontos sobre esse assunto deveriam ser considerados antes da aprovação, o que acabou sendo consenso entre os demais conselheiros. Pedrini, Adams e Silva (2007, p. 79) consideram, ainda, que: [...] a gestão político-democrática, o controle social e a promoção da cidadania se efetivam a partir de representações, práticas sociais e relações de poder exercidas. Mas se efetivam também pelas identidades sociais construídas num contexto sociocultural de valores e crenças sobre as formas centralizadas e clientelistas do fazer político. Esses dizeres corroboram, na sua grande maioria, a concepção e o exercício de participação como simples presença de representantes de entidades da sociedade civil no espaço dos conselhos. A participação não é exercida como simples presença corporal nas reuniões. Participar convoca ser ativo, dizer o seu pensar, discutir ideias e fazeres, tomar posição, acatar ou discordar, entre outros, em prol da comunidade, do município e do país. Torna-se, portanto, imprescindível quebrar o mito da participação popular, como presença passiva, ouvinte e de aceitação nos conselhos. 61 Na TAB. 2 foram estabelecidas categorias de acordo com o tipo de manifestação observada durante a leitura das atas do CMS de SGRA. TABELA 2 - Tipos de manifestação por segmento de representação no CMS de SGRA Segmento Questio- Proposição Informação Demanda Consulta DenúnciaContestação TOTAL namento Part.externo 0 01 0 0 02 0 01 04 Seg. gov. 0 0 24 0 04 0 0 28 Seg.usuário 13 04 0 03 0 01 01 22 Seg. trab. 0 0 0 0 0 0 0 0 Seg.prest. 0 0 0 0 0 0 0 0 TOTAL 13 05 24 03 06 01 02 54 Fonte: elaboração própria, com base na análise das atas. Os dados da TAB. 2 revelam que 24 vocalizações foram de cunho informativo, sendo que o segmento do governo foi responsável por 100% dos esclarecimentos, indicando centralização e autocracia em um espaço que é democrático, político e de discussões fundamentadas no bem-estar coletivo e não de cunho pessoal e clientelista. Luchmann (2009) reforça que a paridade numérica não representa paridade política, pois o segmento governamental consegue produzir consensos com mais facilidade do que a sociedade civil, que precisa convencer para tentar gerar concordância junto aos demais representantes. Para Silva, Cruz e Melo (2007), é necessário que sejam democratizados o acesso às informações, pois o aparato que envolve a informação em saúde deve estar a serviço dos sujeitos políticos. Considera, ainda, que a informação possui uma dimensão política e estratégica para pautar as decisões dentro do Conselho. No campo do controle social, conforme afirmam Cotta, Cazal e Rodrigues (2009), o acesso à informação expande a capacidade de argumentação dos conselheiros nos processos decisórios. Dessa forma, poderiam os conselhos intervir e deliberar sobre as políticas de saúde. Os assuntos abordados em pauta foram questionados em 13 participações apenas, oriundos do segmento dos usuários. Os conselheiros deveriam aproveitar 62 melhor esse espaço de discussão e socialização das informações, buscando efetivar o exercício do seu poder como conselheiro a partir de proposições e questionamentos. Como afirma Machado (2004, p. 7): [...] o exercício do controle social ultrapassa a dimensão da questão financeira. Além de fiscalizar, o controle social significa propor, monitorar, acompanhar, participar conjuntamente dos critérios de formulação das políticas públicas, as estratégias de viabilização dessas políticas, enfim, ter acesso à construção desse processo. Apesar de a informação ser um ponto extremamente positivo da atuação do Conselho, ou seja, possibilitar que os conselheiros sejam informados sobre os diversos assuntos abordados, é preocupante o fato de que o segmento do governo tenha sido o mais atuante nesse sentido. Ou seja, o esclarecimento pode ir somente até onde o gestor desejar, até o ponto que seja de interesse que sejam informados. Para Guizardi e Pinheiro (2006 apud LANDERDHAL et al., 2010, p. 2434), “a relação assimétrica de poder no Conselho pode levar à burocratização dos mesmos, tornando-os meramente informativos e dificultando a elaboração comum de políticas públicas”. Ainda nesse sentido, como asseveram Pedrini, Adams e Silva (2007, p. 103), “esse espaço pode tornar-se contraditório, pois os conselheiros(as) podem tornarse burocratas da máquina estatal, confundindo o seu papel com o do gestor”. Para driblar essa situação, os conselheiros deveriam sair do espaço interno e burocrático dos conselhos, ampliando a discussão com os segmentos que representam. Em consonância com essa afirmação, Lüchmann (2009) considera que os fatores impeditivos para os processos participativos envolvem questões de natureza política, econômica, social e cultural e que dizem respeito a uma sociedade 63 estruturalmente com base no clientelismo, no autoritarismo e nas desigualdades sociais. Do total das 31 atas, encontramos apenas cinco vocalizações propositivas, ou seja, em apenas cinco momentos advieram discussões baseadas na proposição de ideias, o que remete às ponderações de Cotta, Cazal e Rodrigues (2009) de que a dificuldade para uma participação mais dinâmica entre os representantes do governo e da sociedade civil está na desigualdade de poder e de acesso à informação. Para que o exercício do controle social aconteça efetivamente no âmbito dos conselhos gestores, é importante que se faça, realmente, discussão para a construção de políticas que estejam verdadeiramente a serviço da população e condizentes com as suas necessidades e aspirações. Das 31 reuniões realizadas, em apenas sete (23%) houve a fala de representantes dos usuários sobre assuntos relacionados à sua comunidade, conforme os trechos destacados a seguir, transcritos literalmente como descrito nas atas. a) [...] membro do Conselho relatou sobre um encaminhamento à fisioterapia; procurou o ACS para acompanhamento no município... como não teve retorno procurou tratamento em João Monlevade mesmo [...](trecho da ata nº 126). b) [...] “conselheiro” questionou sobre o [Programa Saúde da Família] PSF Recreio e “gestor” explicou que no serviço público a burocracia emperra o andamento das obras, mas que a licitação já está em andamento [...] (ata sem numeração, ocorrida 17/09/2010). c) [...] “conselheiro” questionou a construção do PSF em Santa Efigênia e a dificuldade de encontrar lote para a futura construção. “Conselheira” questionou a distância do PSF Guanabara. “Conselheira” ressaltou a importância do Peixe Vivo que, além das dificuldades, também funciona como [Centro de Atenção Psicossocial] CAPS. “Conselheiro” ressaltou a 64 importância das agentes comunitárias de saúde que trabalham muito bem, são bem instruídas, falam a mesma língua [...] (trecho da ata nº 127). d) [...] “conselheiro” aproveitou para questionar a respeito da vacinação contra raiva e foi explicado pela responsável da [Vigilância Sanitária] VISA que a falta de vacina pelo Estado deverá ser concluída até janeiro [...] (trecho da ata nº 129). e) [...] foram apresentadas diversas críticas sobre o atendimento da farmácia municipal - críticas que foram trazidas pelos conselheiros devido a reclamações de usuários [...] (trecho da ata da reunião extraordinária ocorrida em 30/05/2011). f) [...] questionada pelo “conselheiro” sobre o assunto da criação de uma casa de passagem para acolhimento de usuários de álcool e drogas no município [...] (trecho da ata nº 107ª). g) [...] devido à reclamação de alguns usuários do serviço de fisioterapia em relação ao não cumprimento do horário do profissional, em que esse deveria estar à disposição do município para a realização de suas atividades... nós do Conselho Municipal de Saúde solicitamos que averigue os fatos e que nos informe se está ocorrendo o descumprimento da carga horária pelo profissional [...] (trecho da ata da reunião extraordinária realizada em 14/10/2011). Essa incipiente e quase nula vocalização é preocupante, considerando que os conselheiros representantes dos usuários deveriam atuar como ponte entre a gestão e a comunidade. Por outra, percebe-se que as falas direcionam muito mais para uma “queixa, informação” que se perde no vazio do que gera discussões e conscientização de todos os presentes a respeito da situação de saúde do município. Kleba et al. (2010) referem que os atores sociais trazem a esses espaços uma visão fragmentada de reivindicação e setorizada, voltada para interesses específicos e corporativos, dificultando uma visão que contemple a complexidade da realidade e dos problemas sociais. 65 Alguns estudos que buscaram avaliar a relação entre representantes e representados nos conselhos gestores constataram a existência de baixo grau de prestação de contas e/ou retorno entre eles (CORREIA, 2000; GUIZARDI; PINHEIRO, 2006; LABRA, 2002; LUCHMANN, 2009). Santos, Vargas e Lucas (2011, p. 489-490) afirmam ser desejável “que a relação do Conselho com a sua base seja o mais próxima possível, que o representante conheça e conviva com seu grupo, caso contrário pode correr o risco de ser um representante de si mesmo”. A partir do momento em que se tornam representantes de um grupo, o conselheiro assume a responsabilidade de buscar resolver situações voltadas para o bem comum. Tão importante quanto trazer as demandas da sociedade seria também a divulgação, a publicidade das deliberações do Conselho, ou seja, o conselheiro deveria informar também aos seus pares sobre os acontecimentos e decisões do Conselho; seria dar visibilidade ao órgão do qual ele é participante e representante. Para Cotta, Cazal e Martins (2010, p. 2441), “a visibilidade dos conselhos é um ponto crucial para o exercício do controle social, caracterizando-se pela transparência das ações, na criação de canais de comunicação com a população”. Duarte e Machado (2012, p.136) afirmam que o controle social sem o conhecimento e aval da própria sociedade pode tornar-se apenas uma falácia. Neste sentido, devem surgir, nos próprios conselhos, iniciativas de aproximação com a população. Por conseguinte, ocorreria a difusão de informações acerca de sua atuação. Tais achados levam ao questionamento sobre a existência de diferentes escalas de poder dentro dos conselhos. Aqueles que detêm mais conhecimento acabam dominando e direcionando os diálogos. Com isso, a falta de participação e 66 envolvimento nas reuniões pode suscitar desmotivação nos conselheiros representantes de outros segmentos que não seja o do governo. De acordo com a análise de Simionatto e Nogueira (1997, p. 31) em estudo sobre o Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis: Observa-se, assim, que certos atores vão se projetando em relação aos demais. Essa projeção parece ocorrer, por um lado, pela dominância de um saber científico, e, por outro, pela autoridade conferida à representatividade política. Isso pode ser observado na prevalência das posições dos representantes dos sindicatos, profissionais de saúde e governo [...] os representantes das entidades populares, não possuindo o mesmo saber, abstêm-se das discussões, permanecendo em uma posição de passividade e desmotivação no acompanhamento do processo [...] ocorre mais a presença física do que a capacidade de influir na formação de consensos [...] enquanto protagonistas. A realidade desvelada por meio das atas no Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo, no momento atual, é a fotografia apresentada por Simionatto e Nogueira em 1997. Ou seja, passados mais de 15 anos a história se repete, mostrando não um dinamismo, um avanço, mas um retrocesso quando se pensa nas mudanças velozes operadas em todos os setores da sociedade. Verifica-se, portanto, que a participação dos conselheiros no Conselho estudado ainda pode ser considerada incipiente, reprodutiva do status quo, considerandose a necessidade de busca pela criação de espaços democráticos e para a discussão de políticas públicas condizentes com as necessidades locais. 5.2 Entrevistas com os conselheiros do CMS de São Gonçalo do Rio Abaixo Antes de iniciar propriamente a análise das entrevistas realizadas, cabe enfatizar neste estudo o desencontro de informações acerca dos conselheiros que compõem o CMS de SGRA. Conforme relatado anteriormente, ao serem procurados pelo entrevistador, surgiram relatos de conselheiros que não sabiam sequer que estavam compondo o Conselho. Outros declararam que já não eram mais conselheiros e havia também conselheiros que já não residiam mais no município. 67 Ao associar essa informação dada pelos conselheiros com as informações contidas nas atas, verificou-se que existiam participantes do Conselho que compareceram somente à primeira reunião, de formação do Conselho, e não participaram mais. Apesar de instigadora, tal situação conflitante não foi aprofundada neste estudo, tendo-se que o seu objetivo principal foi analisar as dificuldades vivenciadas pelos conselheiros e, para isso, esses conselheiros deveriam ser considerados partícipes desse Conselho. Concluiu-se também nessa fase inicial que o segmento dos prestadores de serviço está sem representação no Conselho e o segmento dos trabalhadores está com dois representantes titulares, mostrando o descumprimento da legislação vigente (Lei Municipal nº 552/2002 – SGRA, 2002). Essa distribuição irregular da paridade deveria ser objeto de questionamento por parte dos conselheiros e da sociedade, pois a atual distribuição está com um membro a mais da gestão, o que pode favorecer o processo de deliberação do Conselho. Ao que se pôde averiguar, a falta de representatividade no segmento dos prestadores de serviço foi substituída por representantes dos trabalhadores em saúde. Dessa forma, a distribuição atual no Conselho está sendo de: 50% de representantes dos usuários, 30% do governo e 20% representantes dos trabalhadores. Observar essa distribuição paritária é importante para se avaliar o nível de democratização e autonomia dos conselhos. Ao investigar esse formato institucional, Carvalho (1995), observou que a paridade discrimina positivamente segmentos que possuem mais dificuldades de vocalização, de exposição de suas demandas. 68 5.2.1 Perfil dos sujeitos Dos 10 conselheiros, membros titulares, que compõem o CMS de SGRA, três são do sexo masculino e sete do sexo feminino. Em relação à idade, seis conselheiros estão na faixa etária entre 25 e 45 anos e quatro estão na faixa etária acima de 45 anos. No quesito escolaridade, dois conselheiros possuem o ensino fundamental, quatro o ensino médio e quatro o ensino superior. Sobre possuir escolaridade mais elevada no Conselho, Labra (2008, p. 114), considera: se, por uma parte, em muito favoreça o bom desempenho no Conselho, por outra, apontaria para outro fenômeno, qual seja, a “elitização” dos representantes dos usuários no Conselho. No Conselho em estudo, apurou-se distribuição regular da escolaridade. Para o conselheiro compreender e participar conscientemente, algumas aptidões mínimas são necessárias. Para Duarte e Machado (2012, p. 132), essas aptidões envolvem desde a capacidade mínima de compreensão textual e conhecimento básico dos princípios e funcionamento do SUS, até a postura democrática necessária às discussões coletivas. Discorrendo acerca da ocupação, sete deles são servidores públicos e três são aposentados. Em relação ao mandato no Conselho, cinco encontram-se no primeiro mandato no CMS, os outros cinco já estão há dois ou mais mandatos. Essa realidade pode apresentar um lado positivo e outro negativo O aspecto positivo dos mandatos subsequentes é de adquirir familiaridade com os assuntos discutidos no Conselho, pois isso leva tempo e requer dedicação do 69 conselheiro (LABRA, 2008). Dessa forma, aqueles conselheiros que já participaram em outros mandatos já estariam mais “preparados” para a discussão desses assuntos. Alguns autores mencionam a “profissionalização” do conselheiro, o que pode comprometer a democratização do Conselho, devido à falta de rotatividade (DELGADO; ESCOREL, 2008; LABRA, 2008). Nesse sentido, Santos, Vargas e Lucas (2011, p. 493) assinalam algumas hipóteses que poderiam justificar a permanência dos conselheiros por vários mandatos: A dificuldade com a informação, o fato de o conselheiro aprimorar sua linguagem e distanciar-se da base, a dificuldade quanto à sensibilização para o voluntariado, o pouco engajamento político, resultado de um passado de pouca abertura política, podem não formar uma reserva de sujeitos para proporcionar o rodízio. Assim, corre-se o risco de que esses conselheiros se “profissionalizem” e fiquem cada dia mais distantes de sua base. A permanência prolongada no Conselho pode levar a certa “comodidade”. A rotatividade dos conselheiros abre espaço para o novo, para a apresentação de novas demandas, a busca de novos desafios e a formação de novos atores sociais. Dos 10 conselheiros entrevistados, sete participam de alguma outra associação ou Conselho no município. Pode-se inferir, a partir dessa informação, que muitos desses conselheiros estão presentes também em outros espaços participativos e deliberativos. Deve-se considerar que esses conselheiros são pessoas engajadas e voltadas para a busca de soluções para suas comunidades, mas, também, considerando o tamanho do município, percebe-se que são as mesmas pessoas que acabam participando das associações e grupos gestores na cidade. Sobre esse aspecto, Labra (2008, p. 115) afirma que existem algumas tendências concomitantes, que se reforçariam mutuamente. 70 Uma delas tem a ver com a “oligarquização” das associações, deduzida da prolongada permanência das lideranças na direção da associação, do controle da cúpula sobre a escolha dos dirigentes, da simbiose entre estes e os conselheiros e a “profissionalização” e “elitização” desse grupo, sendo, o mais relevante, a mínima participação da sociedade nessas escolhas. Depreende-se desse “círculo vicioso” que os cidadãos comuns, além de serem pouco ouvidos, praticamente não têm oportunidade de serem indicados pelas associações para representá-las nos conselhos. Há que se destacar, então, a necessidade de se buscar espaços para a escuta da população, buscar também formas de associação não centralizadas, baseadas em novas relações sociais, em formas de participação efetivas voltadas para o conhecimento das demandas sociais. 5.2.2 Análise dos dados coletados nas entrevistas Após delinear o perfil dos conselheiros de saúde do CMS, passa-se à abordagem, a partir desse momento, das informações colhidas durante as entrevistas, com extração dos diálogos, pontos que podem facilitar a compreensão do objeto deste estudo, tal seja, a efetividade da participação cidadã e o exercício do controle social. Visando à preservação da identidade dos sujeitos da pesquisa, as entrevistas foram enumeradas aleatoriamente de um a 10, seguidos da letra C quando houver referência à fala de algum conselheiro. Questionados sobre a frequência das reuniões, os conselheiros foram unânimes nas respostas: todos (100%) responderam corretamente que a frequência das reuniões do Conselho é mensal. A legislação determina a realização de reuniões ordinárias no mínimo uma vez ao mês e extraordinariamente conforme disposto no Regimento Interno (BRASIL, 2003). Dessa forma, o referido Conselho cumpre a norma e sinaliza para um bom grau de comprometimento dos seus integrantes, que estão cientes da frequência dessas reuniões. 71 Para Zambon e Ogata (2011, p. 896), “uma forma simples de verificar se um Conselho de Saúde funciona é identificar a ocorrência de reunião de forma regular e averiguar se possui alguma estrutura administrativa”. Em relação à forma de comunicação sobre as reuniões, as informações foram variadas: cinco conselheiros informaram que são comunicados das reuniões por e-mail (50%), três relataram serem informados de maneira informal (30%) e dois por comunicado (20%). Dessa forma, entende-se que são utilizadas maneiras diversificadas de comunicação entre os conselheiros. Tal situação pode ser considerada positiva, pois apesar da informatização estar acessível a uma grande parcela da população, ela não pode ser considerada a única opção, pois podem existir conselheiros que não têm acesso ou conhecimento de fontes virtuais. A utilização de formas variadas de comunicação pode favorecer a participação de todos os conselheiros nas reuniões. Sobre o encaminhamento das pautas, três (30%) conselheiros reportaram que a pauta é encaminhada com uma semana de antecedência, porém sete (70%) citaran que as pautas das reuniões do Conselho não são encaminhadas previamente. Essa situação está em desacordo com a atual legislação vigente. A Resolução do CNS nº 453/2012 determina que o material de apoio para as deliberações do Conselho deva ser encaminhado aos conselheiros com antecedência mínima de 10 dias (BRASIL, 2012). O desconhecimento prévio dos assuntos que serão discutidos e analisados pode resultar em uma avaliação precipitada pelos conselheiros. Dessa forma, assuntos relevantes podem estar sendo deliberados sem avaliação criteriosa, minuciosa. Essa situação pode estar sendo propositalmente planejada, pois, dessa forma, os assuntos acabam sendo deliberados pelo Conselho, favorecendo a gestão. 72 Sobre a forma de inserção no Conselho, três (30%) dos conselheiros foram convidados pela gestão da Secretaria de Saúde para compor o Conselho; três (30%) mencionaram terem sido indicados pelo governo e quatro (40%) informaram que foram convidados por outros conselheiros. Ressalta-se que as organizações que compõem o Conselho já estão definidas em lei municipal. Na ausência de normatização nacional, cada Conselho pode definir as entidades de usuários que o irão compor. Alguns conselhos buscam escolher entidades voltadas para o movimento social local ou engajadas em alguma causa social. Shimizu et al. (2013) sugerem que para garantir legitimidade das instituições que compõem esse espaço público, a escolha dessas organizações deveria ocorrer em fóruns organizados pela sociedade civil. Porém, são poucos os municípios que elegem seus representantes dos conselhos em conferências municipais. A maior parte das eleições dos membros ocorre em assembleias, das quais muitas vezes a população não tem conhecimento sequer de sua ocorrência e em muitos casos capta-se interferência de prefeitos e secretários municipais. Registrou-se, dessa forma, que 60% dos conselheiros foram indicados ou pela gestão da Secretaria de Saúde ou pelo governo. Nenhum dos conselheiros alegou ter procurado participar do Conselho por iniciativa própria. Em muitos locais existe desconhecimento da população local acerca da existência dos conselhos gestores. A população, que vivencia a maior parte dos problemas existentes, muitas vezes não sabe nem como ingressar nessas instituições. A indicação pela gestão e governo leva a questionar se já não ocorre um favorecimento já no processo de escolha dos conselheiros. Indivíduos simpatizantes ao governo, provavelmente, serão menos questionadores acerca dos assuntos abordados e deliberados pelo Conselho. Coelho e Veríssimo (2004 apud SIPIONI; ZORZAL e SILVA, 2013) notaram que a existência de vínculo prévio com os setores governamentais é crucial para a 73 escolha das instituições que serão convidadas a compor o Conselho. Outras instituições, mesmo que mais ativas e representativas, ficam de fora. Para Shimizu et al. (2013, p. 2281), “um conselho só é representativo quando agrega uma diversidade de segmentos da sociedade civil e, portanto, uma série de distintas entidades a serem representadas no CS”. A não variedade de representações pode levar à saturação das demandas apresentadas pelo grupo, o que provavelmente vai ao desencontro dos anseios da população. Pretendendo identificar o engajamento dos conselheiros na política, serão analisados três pontos abordados durante as entrevistas: grau de interesse por política, participação nas eleições municipais e filiação partidária. Indagados sobre o seu grau de interesse por política, conforme observado na TAB. 3, encontra-se reduzido grau de interesse por política, como mostra o relato dos conselheiros. TABELA 3 - Interesse por política Respostas Muito interesse Pouco interesse Nenhum interesse TOTAL N 4 5 1 10 % 40 50 10 100 Cabe ressaltar que alguns conselheiros, ao manifestarem seu interesse por política, diferenciaram a política partidária da política não partidária, para justificar suas opções, como desvelado nas unidades de registro a seguir: [...] eu sou a favor do que politicamente o povo possa se beneficiar, então, é a política não partidária, é a política pra fazer melhorias pra comunidade, já que vão ser representantes do povo [...] (C10). [...] porque ser um político hoje é estar junto do povo, trabalhando pelo interesse do povo e ajudando o povo [...] (C2). 74 [...] se a gente pegar política no sentido que ela foi criada, né, que veio do grego... do cuidar da polis... do cuidado coletivo da cidade, eu sou extremamente interessado... nesse sentido, eu sou muito dedicado à política sim, a fazer o bem comum, a estar sempre zelando pelas pessoas... no sentido agora de política governamental... é melhor você estar perto dela e conhecê-la e poder estar interpretando e usufruindo dela, do que você ficar alheio [...] (C7). [...] dependemos da política o tempo todo, porque através da política que é decidido os investimentos, então se as pessoas desinteressam dela, ne, para ver como estão caminhando as coisas... aí não resolve...aí para que a democracia? [...] (C8). Ao ponderarem sobre participação nas eleições municipais, seis (60%) dos conselheiros consideraram-se não participantes. O QUADRO 2 ilustra como se deu a distribuição de opiniões nesse item. QUADRO 2 - Participação nas eleições municipais Tipo de Participação Participante Não participante Participação razoável Característica Apoiador Boa atuação Formador de opinião Observador Somente votando Auxiliando sem envolvimento partidário N 1 1 1 4 2 1 A leitura desses dados realça que apenas um conselheiro afirmou ter participado como formador de opinião durante as últimas eleições municipais: [...] busquei estar na linha de frente, até porque justamente quando você é formador de opinião, você enxerga o que vai ser um bom caminho para o município, [...] acho que a gente tem que demonstrar para os outros aquela vivência também... então, fui linha de frente nas eleições municipais... nas últimas que tiveram (C7). Contudo, nesse componente, a grande maioria não admitiu estar envolvida nas eleições municipais: “[...] fui uma observadora do que estava acontecendo, observando e avaliando, mas sem participação” (C10). À inquisição sobre filiação partidária, tão somente três (30%) dos conselheiros relataram serem filiados a algum partido político. Dessa forma, as informações colhidas comprovam que a grande maioria dos conselheiros não está diretamente envolvida com política. Em contrapartida, aqueles que estão envolvidos exibiramse como agentes ativos no contexto político. 75 Os dados revelam que a maioria dos conselheiros que compõem o Conselho em estudo possui baixo engajamento político, pois possui pouco ou nenhum interesse por política, não se envolveu nas eleições municipais e apenas pequena parte é filiada a algum partido político. Esse dado contradiz o estudo realizado por Fuks, Perissinotto e Ribeiro (2003) em conselhos municipais de Curitiba, onde se encontrou alto grau de interesse e participação dos indivíduos em relação aos assuntos políticos. Para os autores: Se, de um lado, parece evidente que a participação nos conselhos amplia aquela presente nas instituições políticas tradicionais, por outro as pesquisas existentes indicam a emergência dos conselhos gestores de políticas públicas, que não superou a distinção entre uma minoria de cidadãos politicamente ativos e a maioria passiva (FUKS; PERISSINOTTO; RIBEIRO, 2003, p. 129-130). Carvalho (1995) avalia que a passividade constatada no campo da ação política é uma avaliação negativa no contexto da participação. Em seu estudo, Fuks, Perissinotto e Ribeiro (2003) enfatizam que mais importante do que verificar a congruência ou discrepância entre o interesse por política e o engajamento eleitoral é ressaltar que vistos como recursos, ambos os fatores podem potencializar positivamente a ação política nos conselhos. Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 13) explicitam que a “frágil mobilização social e a apatia política têm se constituído em grandes entraves ao funcionamento dos conselhos”. Apesar da expansão das instituições participativas, nota-se considerável apatia e resignação dos cidadãos brasileiros, geradas pela inércia e corrupção dos governantes. Tal situação leva ao ceticismo ao considerar política como instrumento de transformação. Perguntados sobre o que representava o Conselho para eles, qual o seu significado, foram obtidas diversas opiniões, listadas no QUADRO 3. 76 QUADRO 3 - Significado do Conselho de Saúde CATEGORIAS Pilar da saúde pública (C7) Formulação e avaliação das políticas públicas vigentes (C7) Mecanismo de empoderamento social (C7) SUBCATEGORIAS Decidir sobre os problemas de saúde (C2) Acompanhar os processos da saúde (C10) Controlar as políticas de saúde (C3) Compromisso e interesse pela saúde (C9) Formular estratégias (C3) Aprovar leis (C4) Órgão fiscalizador (C10) Diversificar as leis (C4) Papel de reivindicação (C2) Espaço democrático (C3) Ferramenta a favor da população (C5) Meio de informação (C6) Controle social da saúde (C8) Constata-se, por conseguinte, que os conselheiros sabem da importância e significado desse órgão para a formulação e acompanhamento das políticas públicas. Essa consciência é necessária a partir do momento em que essas pessoas passam a compor o Conselho. Algumas falas reafirmam os dizeres: [...] seu principal significado para mim é de uma grande ferramenta, que se for composta por pessoas interessadas, preocupadas e responsáveis, se utilizará dele para manter a saúde no padrão desejado para qualquer população (C5). [...] um Conselho bem direcionado e que trabalhe, que sabe do seu papel, ele consegue melhorar significativamente as condições de saúde de uma população... Então o Conselho, para mim, ele é um mecanismo de empoderamento social dentro do processo de saúde (C7). Cruz et al. (2012) consideram que a participação social na gestão das políticas públicas deve representar uma oportunidade de assumir uma postura crítica, ativa e criativa dos sujeitos no conjunto da atenção e promoção da saúde. Ressaltam também que “a mobilização da população demonstra a sua força no exercício do controle social, refletindo nos avanços da democratização relacionada à saúde e no remanejamento efetivo do poder e do saber” (CRUZ et al., 2012, p. 1097). Nesse sentido, cabe aos conselheiros serem interlocutores junto à sociedade, para que ocorra a luta por conquistas que vão ao encontro dos interesses da 77 comunidade, tornando o usuário corresponsável pelo processo de tomada de decisão. Questionados então sobre o seu papel como conselheiros, podem-se classificar as respostas da seguinte maneira: QUADRO 4 – Papel dos conselheiros de saúde CATEGORIAS Papel formal dos conselheiros (C7) Elo entre a gestão e a população (C7) Auxílio no planejamento e gestão das ações de saúde (C7) Formulação de políticas públicas coerentes com a realidade municipal (C3), (C7) SUBCATEGORIAS Aconselhar (C8) Votar (C4) Estar atento ao que acontece no Conselho (C1) Frequentar as reuniões (C1) Conhecer os anseios da população (C7) Vivenciar a realidade (C7) Reivindicar (C2) Fiscalizar a saúde (C2), (C5), (C6), (C8), (C9) Analisar os atos da administração (C7), (C8) Acompanhar o trabalho realizado na saúde (C10) Sugerir melhorias (C2), (C10) Colaborar com a gestão do sistema (C7) Avaliar projetos importantes para a saúde (C9) Discutir as políticas públicas vigentes (C3) Diversificar as leis (C4) Para Rocha et al. (2013, p. 107): [...] é fundamental que os conselheiros tenham consciência da importância e da responsabilidade dos seus papéis perante a sociedade e busquem aperfeiçoar as suas atuações pautadas na ética e na cidadania. É necessário que os mesmos saibam agir de forma direcionada, com ações eficazes e eficientes, conhecendo os limites para o exercício de suas funções a fim de não exercerem ações arbitrárias e sem respaldo ético e legal. É interessante observar que, entre tantos papéis atribuídos ao conselheiro, aquele que mais foi citado foi o de fiscalização, citado por 50% dos conselheiros, como se segue: [...] meu papel é acompanhar...”probremas” de despesa [...] (C2). [...] meu papel é ajudar na fiscalização da saúde [...] (C9). [...] enquanto conselheira eu analiso todos os atos da administração com relação à parte referente à saúde... Então o meu papel, além de fiscalizador, é de aconselhar como se faz (C8). [...] o principal é fiscalizar [...] (C6). [...] o fundamental é fiscalizar [...] (C5). 78 Moreira (2008, p. 16), analisando os conselhos de saúde, pondera que é preciso reforçar o papel de controle fiscal dos conselhos ao mesmo tempo em que é preciso efetivar a participação social como bem político. Para Rocha et al. (2013, p. 110), “essa consciência de fiscalizar o orçamento público na saúde, primando pela participação popular, ajuda para que se prevaleçam práticas que tenham como essência a democratização”. Para exercer essa fiscalização de fato, é necessário que o conselheiro esteja acompanhando e discutindo sobre os assuntos deliberados nas reuniões para que esse papel não seja cumprido às cegas. O questionamento, a argumentação e a discussão deveriam ser constância nas reuniões do conselho. Cruzando essas informações com a análise documental, observou-se que existe muito esclarecimento e informação por parte da gestão, mas há também pouco questionamento e contestação por parte dos outros segmentos dos conselheiros. Apesar da consciência e definição do seu papel como conselheiros, a prática revelou-se diferente do discurso apresentado. Os documentos comprovaram que é baixa a interferência na gestão e há pouca proposição advinda dos segmentos representados. Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 13) revelam que “estudos convergem na constatação da insuficiente participação de atores sociais, frágil relação dos representantes com a base representada e relações de poder marcadamente assimétricas no interior dos conselhos de saúde”. A Resolução 333/03 traçou as competências dos conselhos de saúde, principalmente na mobilização e articulação contínua da sociedade, na defesa dos princípios que regem o SUS e no controle social da saúde. A Resolução define, ainda, como competência dos conselhos a definição de diretrizes para a elaboração dos planos de saúde, considerando a capacidade organizacional dos serviços. Cabe aos conselhos, também, discutir, elaborar e aprovar propostas de concretização das demandas advindas das Conferências Municipais de Saúde e o 79 desenvolvimento de ações para acompanhamento da gestão do SUS no âmbito de atuação do conselho (municipal, estadual ou nacional) (BRASIL, 2003). Ao discorrerem acerca das competências do Conselho Municipal de Saúde, as seguintes menções foram feitas: QUADRO 5 – Competências dos CMS CATEGORIAS Fiscalização (C3), (C5), (C6), (C8), (C10) Atuar como ponte junto à comunidade (C2) Ser parceiro da Secretaria de Saúde (C9) Avaliação das políticas públicas vigentes (C7) SUBCATEGORIAS Aprovar ou não as despesas (C2), (C8) Fiscalizar o trabalho realizado (C10) Atender às reivindicações (C2) Promover melhorias para o usuário (C10) Busca de alternativas para a melhoria da saúde da população (C7) Complementar a Secretaria de Saúde (C9) Discussão, proposição e formulação de propostas (C3), (C7) Aprovação das leis (C4) Controle social (C7), (C8) Verifica-se então, que os conselheiros do CMS de SGRA têm conhecimento acerca das competências que estão estabelecidas em lei para serem cumpridas no Conselho. [...] é onde a gente tem a junção dos segmentos que compõem esse processo... Tem os usuários, a gestão, os prestadores de serviço, os profissionais, em prol de uma solução, de alternativas viáveis para a melhoria da qualidade de vida, da saúde da população [...] (C7). Um dos conselheiros, apesar de pontuar qual seria a principal competência do conselho, expôs a sua opinião sobre a realidade observada por ele: [...] a fiscalização é a principal competência do Conselho, mas ela deve ser realmente feita da maneira correta. Particularmente eu acho que nosso Conselho peca muito em relação a isso. Eu tenho a sensação que se não todos, mas a maioria dos membros, se lembram que são conselheiros municipais de saúde somente quando são convocados para as reuniões ordinárias e extraordinárias (C5). Percebe-se, dessa forma, que muitas vezes não ocorre o envolvimento necessário para que se promova efetivamente uma mudança nos paradigmas existentes. A função do conselheiro acaba sendo meramente formal. 80 Outro ponto a ser considerado é que as competências do Conselho são inúmeras e variadas, o que impede uma dedicação específica para determinado tema e até mesmo limitações para uma atuação mais crítica de determinados pontos discutidos. Tal afirmativa condiz com o pensamento de Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 13): Aos conselhos competem numerosas tarefas internas e externas que sobrecarregam demasiadamente o trabalho dos conselheiros. Atividades como deliberar sobre a política de saúde, acompanhar sua implementação e fiscalizar os aspectos econômicos e financeiros do setor requerem conhecimentos específicos e uma disponibilidade de tempo incompatível para a maioria dos conselheiros. Kleba et al. (2010) atestam que o elevado número de atribuições dos conselhos, que vão desde a aprovação até à fiscalização de ações e serviços, sobrecarrega os atores e inviabiliza a realização de debates mais aprofundados. Outro ponto a considerar seria que, diante das condições previstas para a participação (caráter voluntário, tempo restrito para os encontros, falta de estrutura física e operacional, entre outras), as atribuições são por demais complexas para estarem sendo deliberadas de maneira legítima. Sobre a categoria “ser parceiro da Secretaria de Saúde”, é necessário ressalvar que para que surjam resultados efetivos dos conselhos de saúde, essa parceria com a Secretaria é fundamental. Do contrário, as resoluções do Conselho podem não ser homologadas pelo Executivo. Apesar da Lei 8.142/90 garantir poder deliberativo aos conselhos, a legislação falha ao não aplicar alguma punição aos municípios que não cumprem essas deliberações (BRASIL, 1990b). Criar um ambiente favorável que possibilite a troca de opiniões, aspirações e demandas pode favorecer a atuação do Conselho. Deve-se, contudo, ter cuidado para que tal parceria não seja transformada em meio de manipulação. 81 Como afirmam Duarte e Machado (2012), o amadurecimento na relação de parceria entre conselhos de saúde e os gestores do SUS já é vivenciado em algumas realidades. Assim, “o gestor sábio e comprometido será diligente em viabilizar meios de fortalecer o Conselho de Saúde, para, inclusive, tê-lo como parceiro, não no sentido de mascarar suas falhas, mas para legitimar e consolidar sua gestão” (DUARTE; MACHADO, 2012, p. 137). Buscando avaliar a autonomia dos conselheiros, questionou-se então, como se dá a participação dos mesmos nas decisões emanadas pelo órgão, incluindo-se as proposições para plenária, controle e avaliação das atividades do conselho. Para Afonso (2011, p. 459), “a autonomia é um trabalho intersubjetivo, coletivo e social que resulta da possibilidade de construção de instituições que favoreçam a autonomia da própria sociedade”. Nesse quesito, as opiniões ficaram assim divididas: QUADRO 6 - Participação nas decisões do Conselho CATEGORIAS Participação efetiva (C3), (C7) Participação incipiente (C10) SUBCATEGORIAS Atuação nas decisões do conselho (C2), (C5), (C8) Atuação como formador de opinião (C7) Atuação com sugestões e opiniões (C2), (C4), (C5), (C6), (C9) Atuação como esclarecedor (C8) Ausência nas decisões (C10) Apenas com o voto (C1) A maior parte dos conselheiros relatou ter as suas opiniões e sugestões respeitadas no Conselho. Os discursos permitiram concluir que o Conselho abre espaço para a participação dos seus integrantes. [...] todas as sugestões são ouvidas, aceitas ou não aceitas, mas geralmente o que a gente conversa lá dentro “tá” dentro do contexto e é realmente aceita (C2). [...] sempre quando necessário eu sou ouvida e tenho, junto com os demais membros, a oportunidade de votar, deliberando ou não quando for necessário e benéfico para a população (C5). 82 [...] eu vejo a minha participação nas decisões... ela é bem incisiva... a minha opinião, ela ajuda os demais a formarem a opinião deles... então eu sou criterioso justamente porque eu sei que essa questão de formador de opinião... muitas vezes, você está induzindo as pessoas a te acompanharem no voto sem ter uma análise mais detalhada do assunto, mas tenho consciência desse papel que eu tenho [...] (C7). [...] eles respeitam a minha opinião e de todas as pessoas que participam do Conselho... tudo é feito com o consentimento das pessoas e nós devemos mesmo participar porque é através dessa participação, dessa fala, que nós temos voz no Conselho (C9). As falas de C2, C5, C7 e C9 representam exatamente o sentido do controle social, que é fazer se escutar nos espaços de discussão e negociação dos interesses públicos, nas deliberações que envolvem a sociedade. A presença sem voz não configura a participação social. Cruz et al. (2012, p. 1095) consideram que a relevância do controle social está em estabelecer-se como uma oportunidade para democratização da gestão, por meio da interlocução dos saberes e no estímulo à compreensão da saúde como direito humano. A liberdade de expressão e a possibilidade de diálogo dentro do Conselho podem ser consideradas um fator positivo, pois em muitos conselhos não existe abertura para as discussões. Pela fala dos conselheiros, pôde-se notar que existe um respeito mútuo, as relações são harmoniosas dentro do CMS de SGRA. Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 14) afirmam que “os conselhos só conseguem exercer eficazmente o papel de instância democrática, participativa e deliberativa em ambientes onde os valores democráticos são respeitados e valorizados”. Perguntados, então, se os conselheiros teriam alguma dificuldade em participar do Conselho, foi obtida uma divisão sistemática das opiniões: 50% dos conselheiros encontram dificuldades e 50% responderam que não possuem alguma dificuldade em participar do Conselho, que são ouvidos e têm suas opiniões respeitadas. As dificuldades relatadas foram: 83 A) Dificuldade no acesso à informação Segundo C7, “[...] por a gente estar numa cidade de interior, a gente tem uma maior dificuldade de acesso à informação e a uma série de outras coisas [...]”. O acesso aos documentos, às informações deveria estar à disposição de todos os membros do Conselho, independentemente de ser uma cidade de interior ou uma grande metrópole. Iniciativas como os portais de transparência têm possibilitado consultas diversas a toda a população, porém são soluções que demoram a chegar ao conhecimento da sociedade. Sendo um órgão deliberativo, o Conselho tem o poder de exigir todos os documentos necessários para avaliação e aprovação dos assuntos deliberados em pauta. Cabe ao gestor e demais setores da administração providenciar para que tais documentos estejam acessíveis aos conselheiros. O Brasil ainda está atrelado às práticas dominadoras dos detentores do poder e da informação. Para Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 13), “práticas clientelistas, nepotismo, oligarquização das cúpulas, autoritarismo, pouca transparência nas decisões e na prestação de contas não são realidades distantes de boa parte dos conselhos”. A necessidade de reafirmação do poder é um dos fatores que dificultam a relação de cooperação e transparência na geração de dados relevantes ao processo de decisão dos conselheiros. Para Kleba et al. (2010, p. 801), “os conselheiros devem ampliar sua atuação no campo da comunicação, qualificando sua capacidade de acessar e processar informações, criando e fortalecendo canais e processos de diálogo com diferentes atores sociais”. 84 B) Falta de preparo Como entende C1, “[...] a gente não tem um preparo, assim... um bom preparo, ‘né’, mas a gente vai participando assim mesmo”. Para Santos, Vargas e Lucas (2011, p. 490), “os conceitos são sempre carregados de noções técnicas e há uma dificuldade muito grande na apropriação do conteúdo das políticas públicas”. Os temas discutidos nos conselhos são diversos e muitas vezes carregados de informações de Contabilidade, termos técnicos, termos políticos, entre outros. A familiaridade com esses temas requer tempo e capacitação. Os autores consideram, ainda, que “no caso da saúde, as políticas acabam sendo criadas PARA e não COM os sujeitos, comprometendo todo o processo” (SANTOS; VARGAS; LUCAS, 2011, p. 490). Ao considerar-se despreparado, o conselheiro pode deixar de se envolver em discussões e de emitir opiniões acerca dos assuntos deliberados nas reuniões. Dessa forma, deixam de exercer a participação cidadã no espaço dos conselhos. Existem algumas iniciativas de capacitação para conselheiros oferecidas pelo Conselho Nacional de Saúde e até mesmo iniciativas de grupos específicos como ONGs e universidades. A dificuldade, porém, é tornar acessível a todos os municípios e conselheiros essas capacitações. No Conselho em estudo, por exemplo, averiguou-se nas atas que nos dois anos de funcionamento foi oferecida pelo Estado uma única oportunidade de curso. Mesmo assim, o Conselho pôde encaminhar apenas dois conselheiros. Shimizu et al. (2013) acreditam que a carência das capacitações é um dos pontos que dificultam o exercício das funções dos conselheiros, entre elas a fiscalização das ações de saúde, a deliberação sobre a definição de políticas e prioridades no 85 setor da saúde e também a função consultiva, que seria a avaliação dos convênios ou outras questões de saúde. Seria importante que esses conselheiros se sentissem bem orientados e capacitados para o exercício de suas funções. A educação seria um caminho para o empoderamento desses sujeitos. A capacitação poderia incitar nos sujeitos o desejo de participar, atuando como estímulo ao exercício do controle social. Oliveira, Ianni e Dallari (2013, p. 2335) indicam que “essa participação só será possível quando a sociedade, em sua diversidade, tiver o aporte de conhecimentos que promovam não só a sua efetiva participação, mas, principalmente, o gosto em participar”. C) Falta de tempo [...] a minha maior dificuldade em participar do Conselho é muito em relação à vida profissional que eu “tô” tendo atualmente... bem apertada... então eu não consigo dedicar suficientemente o que eu gostaria de dedicar ao Conselho, para ser um bom conselheiro [...] (C7). Para exercer a função de conselheiro, mais do que o tempo propriamente dito, é necessário envolvimento. Quando a causa que é defendida está bem incorporada pelo sujeito, a participação é exercida de maneira espontânea. Para Bispo Júnior e Gerschman (2013, p. 13): Ampliar a democracia em direção à sua natureza substantiva está condicionado ao compromisso ético e cidadão de representantes populares e tomadores de decisão, na garantia dos resultados das políticas e manutenção de direitos fundamentais para toda a sociedade. Ao assumir a posição de conselheiro de saúde, deve-se assumir também o compromisso com a sociedade na busca de soluções que garantam melhorias nas condições e ofertas de serviços à população. Para isso, é de suma importância a efetiva ocupação desses espaços deliberativos. 86 Rocha et al. (2013) avaliam que é necessário que os conselheiros tenham convicção de suas responsabilidades para que possam exercer suas funções de controle e fiscalização e resolução de conflitos em busca de um SUS fortalecido e que atenda às necessidades da sociedade. D) Estrutura física [...] dificuldade estrutura física que o Conselho tem... Às vezes como conselheiro a gente tem que estar perto, conhecer a rede, a estrutura e a gente tem dificuldade... O Conselho não dispõe de certos recursos, de certas estruturas que seriam interessantes para o bom funcionamento do Conselho [...] (C7). A Resolução nº 333 (BRASIL, 2003) prevê que os governos garantam autonomia aos conselhos conferindo-lhes estrutura administrativa e dotação orçamentária, cabendo aos próprios conselhos de saúde definir a estrutura administrativa necessária para a realização de suas atividades. A falta ou deficiência de estrutura física e recursos nos conselhos pode levar a certa dependência da Secretaria de Saúde para a efetivação das ações operacionais do órgão (realização de comunicados, espaço para receber a população, atividades de fiscalização, entre outros). Zambon e Ogata (2011, p. 895) consideram que “a precariedade nas garantias de infraestrutura administrativa e financeira aos CMS demonstra o não reconhecimento dessas instâncias por parte dos governos locais”. E) Horário das reuniões [...] o horário para mim é uma grande dificuldade, pois é sempre no meu horário de serviço [...] (C5). [...] dificuldade pelo horário, por ser no horário de trabalho... Às vezes estou ocupada no meu trabalho e não consigo participar [...] (C10). Se o horário das reuniões é impeditivo para mais de um conselheiro poder participar, deveria ocorrer um envolvimento no sentido de viabilizar horários mais flexíveis e adaptáveis à realidade dos envolvidos. 87 Segundo Oliveira, Ianni e Dallari (2013), existe ainda imaturidade nos conselhos para sua autorregulação, para o estabelecimento de suas próprias regras. Kleba et al. (2010, p. 801) avaliam que “os conselheiros devem ser liberados para dedicar maior tempo ao debate sobre questões políticas; para estudar, propor e deliberar sobre prioridades que superem as demandas da rotina de ‘apagar incêndios’”. F) Leitura prévia dos documentos Na visão de C4, “[...] em certos momentos, a gente precisa ler mais as coisas ‘pra’ gente aprovar, só que a gente às vezes não tem tanto prazo ‘pra’ responder”. Essa fala revela que há pouco prazo para o conselheiro entender sobre o que está em votação; os prazos são curtos diante do volume de informações. Esse curto espaço de reflexão associado à baixa experiência participativa podem levar à ocorrência de decisões que vão ao desencontro dos reais anseios e necessidades da população, que fica alheia às decisões do Conselho. Shimizu et al. (2013, p. 2280) consideram que [...] não considerar a população como sujeito político é uma forma de organização centralizada e burocrática, pois impede que os sujeitos dialoguem com sua experiência e com os desejos nele implicados, revelando-se pouco porosos à produção de novas possibilidades de construção de projetos coletivos. Essa “pressa” necessária para as deliberações é forçosamente gerada pela elite dominante, que precisa do documento formal de aprovação, mas que não quer dar espaço à reflexão e ao pensamento crítico. Escorel (2013, p. 1939) afirma que: [...] fica evidente nos estudos a assimetria de poder que mantém a dominação dos gestores que detêm o poder de agenda, exercem a chantagem da pressa da decisão para evitar o debate ou mascaram os verdadeiros interesses e as consequências das ações sob uma linguagem técnica, apolítica. 88 Para uma mudança efetiva nessas práticas clientelistas e dominantes, deveria ocorrer mudança na postura dos gestores. Na perspectiva de Cotta, Cazal e Martins (2010), para a garantia de intervenções justas e éticas para a sociedade, os gestores deveriam atuar no sentido de deslocamento de regiões verticais para regiões horizontais. Ou seja, deveriam democratizar as informações de maneira equânime. Apesar das dificuldades apresentadas, a experiência no Conselho pareceu ser enriquecedora para os entrevistados. Questionados sobre o interesse em participar novamente de alguma Associação ou Conselho, apenas dois (20%) responderam que não, mas justificaram suas negativas pelo fato de já participarem de outras associações. Outros dois (20%) responderam que dependeria dos objetivos da instituição e seis (60%) dos conselheiros responderam que sim, que se interessava em participar, pois ser conselheiro é uma forma de se tornar útil para a sociedade, por meio da sugestão de melhorias. Escorel (2013, p. 1940) refere que “é nas instâncias de participação social que ainda pulsam a utopia e o desejo de justiça social”. 5.3 Observação participante A observação participante foi realizada na reunião do CMS de SGRA ocorrida na data de 6 de abril de 2013. O fato de o pesquisador ser também conselheiro não causou desconforto aos sujeitos da pesquisa, o que facilitou o processo de observação. Estavam presentes à reunião dois conselheiros representantes do governo, dois representantes do segmento dos usuários e dois representantes do segmento dos trabalhadores. A reunião ocorreu em caráter extraordinário e a pauta em questão era a apresentação do Plano Municipal de Vigilância Sanitária para a vigência em 2013. 89 Apesar de o encontro estar agendado para as 13.00 horas, houve atraso no início das atividades, pois não havia o quórum necessário para a aprovação da pauta. Tal situação fez alguns participantes entrarem em contato com outros conselheiros para que viessem à reunião, pois o assunto precisava ser deliberado naquela data. Com a chegada de mais um conselheiro (representando o segmento dos usuários), a reunião foi iniciada e o assunto apresentado. Registrou-se que os conselheiros tinham o primeiro contato com o documento em questão, em virtude das dúvidas levantadas. Por se tratar de um plano tão importante que interfere diretamente no cotidiano das pessoas, o conteúdo poderia ter sido encaminhado com antecedência para apreciação cuidadosa dos conselheiros. Apesar dessa situação, havia um representante do setor da Vigilância em Saúde que estava à disposição para esclarecer as dúvidas que foram sendo levantadas durante a apresentação. Ocorreram vocalizações dos representantes dos usuários e do governo. Observou-se também que existiram espaço e liberdade para a discussão. Dois conselheiros, representantes do segmento de usuários, fizeram várias considerações ao plano, o que foi válido, pois traziam dúvidas comuns aos demais membros (DIÁRIO DE CAMPO, 06 DE ABRIL DE 2013). Outro ponto a ser abordado é que o assunto tratado em pauta era demasiadamente longo, com muitos pontos importantes. Dessa forma, seria mais prudente que houvesse mais tempo para a discussão e negociação ou até mesmo a divisão do assunto em duas reuniões. Após a leitura e esclarecimento das dúvidas, o plano foi submetido à votação e aprovado. O envolvimento dos participantes do Conselho deveria ser espontâneo, essa “convocação” às pressas vai contra o processo participativo. O primeiro passo para a participação deveria ser o interesse próprio em participar, até mesmo por serem representantes dos segmentos da sociedade. 90 6 CONTRIBUIÇÕES TÉCNICAS: PROJETO DE INTERVENÇÃO BLOG CONSELHO DE SAÚDE DE SÃO GONÇALO DO RIO ABAIXO 6.1 Introdução Os anos de 1980 e 1990 marcaram no Brasil uma época de mudanças nos canais de participação da sociedade. A Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.142/90 possibilitaram importantes mudanças no cenário nacional no tocante à participação social em diversos setores, especialmente no setor da saúde (BRASIL, 1990). Os CMS foram instituídos como espaços para a discussão das políticas públicas de saúde e para a democratização das decisões. A participação da comunidade em cada esfera de governo é um dos requisitos para o pleno funcionamento dos conselhos. A respeito dos CMS, a Lei 8.142 regulamenta: O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo (art. 1º, inc. 2º). “[...] a representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos” (art. 1º, inc. 4º) (BRASIL, 1990). Diante do exposto, a condição do conselheiro é considerada de relevância pública, visto não somente a paridade de sua participação, mas também o poder decisório que compartilha com os representantes dos demais segmentos. Contudo, para participar desses espaços, a sociedade precisa mobilizar-se. A mobilização social é muitas vezes confundida com manifestações públicas, com grupos de pessoas reunidos em passeatas, concentrações em praças e caminhadas de conscientização, entre outras formas. Mas isso por si só não caracteriza uma mobilização. Uma verdadeira mobilização social requer o 91 estabelecimento de objetivos e necessidades que vão além dos interesses individuais; é necessário o envolvimento com o coletivo. Participação e mobilização são atos de escolha. Todos podem ser convidados a participar de um movimento ou grupo, mas cabe ao indivíduo a decisão de estar ou não realmente inserido nesse espaço. É importante a identificação com a causa e a vontade de produzir mudanças. Voltando aos CMS, o segmento de usuários é composto, na sua grande parte, por representantes de associações de moradores ou outras organizações. Em muitos conselhos, esses representantes chegam sem saberem sequer sobre os assuntos dos quais passarão a discutir ou deliberar. Os representantes muitas vezes acabam sendo direcionados pelos gestores. Os conselheiros de saúde assumem importante papel em nossa sociedade à medida que tomam ciência, antes da grande maioria da sociedade, sobre o destino da saúde pública na sua cidade, no estado e no país, por intermédio das diretrizes traçadas por essas respectivas instâncias. Diversas são as dificuldades vivenciadas pelos conselheiros em todo o país, mas a confiança na evolução desse importante canal de participação deve continuar sendo objeto de diversos estudos e iniciativas. Nesse sentido, como forma de contribuir para o exercício da participação cidadã e fortalecimento do controle social exercido nos CMS, esse projeto de intervenção visa a subsidiar os conselheiros de saúde para uma atuação mais reflexiva, crítica e consciente. Tal projeto resultou da pesquisa realizada junto aos atores sociais do Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo, complementada por pesquisa documental na forma de leitura e análise das atas de reuniões realizadas pelo órgão nos dois primeiros anos de mandatos dos referidos conselheiros. 92 Por projeto de intervenção será considerado o conceito apresentado por Deslandes e Lourenço: Um conjunto articulado de ações e pessoas motivadas para o enfrentamento de determinado problema ou contexto gerador que se pretende alterar e/ou aprimorar, por meio de estratégias previstas, num tempo determinado (início, meio e fim), com recursos limitados e sob constante avaliação (DESLANDES; LOURENÇO, 2012, p. 103). Almeja-se, com a implantação do projeto, facilitar o estabelecimento de parcerias que possam perpetuar os laços de cooperação, mesmo após o findar da pesquisa realizada no âmbito deste Conselho. Espera-se, também, que as experiências realizadas no município possam servir de exemplos a serem seguidos por outros conselhos, principalmente a partir da divulgação dos resultados e das ações. 6.2 Resultados da pesquisa e análise Na análise dos dados obtidos na pesquisa junto ao Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo (SGRA), por meio de entrevistas realizadas com os conselheiros, da análise documental das atas de dois anos de funcionamento do atual Conselho e da observação participante, ficou demonstrada a baixa efetividade participativa dos segmentos representantes dos usuários e dos trabalhadores de saúde nas deliberações do Conselho. A presença dos conselheiros foi diminuindo ao longo do mandato, sugerindo uma desmotivação quanto à participação nesse espaço. Outro ponto levantado na pesquisa é que das seis reuniões extraordinárias solicitadas, 67% delas foram instadas por representantes do governo, para apreciação de assuntos ligados à gestão e que necessitavam de aprovação em ata do Conselho. Questionou-se então se o espaço dos conselhos não tem sido utilizado apenas como um cumprimento legal, formal. O levantamento das vocalizações nas 31 atas analisadas possibilitou medir o percentual de vocalizações dos atores sociais que compõem o CMS, por meio do 93 registro das falas dos segmentos representativos. O segmento que apresentou o mais alto número de vocalizações foi o governamental, seguido dos usuários. Não sobreveio vocalização dos representantes dos trabalhadores e dos prestadores de serviço, indicando uma pequena e incipiente representatividade desses segmentos. Tais descobertas levaram ao questionamento sobre o grau de democratização dentro do espaço dos conselhos gestores. Foram categorizados os tipos de manifestação realizada por cada segmento. Apurou-se que a maioria das vocalizações do segmento governamental foi informativa e que somente esse segmento foi responsável por esse tipo de manifestação. O segmento dos usuários manifestou-se de forma mais questionadora. Obteve-se, também, que somente em cinco momentos ocorreram vocalizações propositivas. Estes dados mostram centralização e autocracia em um espaço que é democrático, político e de discussões fundamentadas no bem-estar coletivo, e não de cunho pessoal e clientelista. Questionou-se, então, a existência de assimetria de poder dentro dos conselhos. Do total das 31 atas, foram encontradas apenas sete vocalizações sobre assuntos relacionados à comunidade, sendo esse dado preocupante, pois se acredita que os conselhos deveriam atuar como elo entre a gestão e a comunidade. A realidade contida nas atas contrastou com o relato dos conselheiros. Apesar de considerarem-se pouco engajados no campo político, esses sujeitos mostraramse conscientes de seus papéis, conhecem as competências inerentes aos conselhos e consideram-se participantes efetivos nas decisões do Conselho. Contudo, os conselheiros entrevistados afirmaram encontrar dificuldades para o exercício da participação no Conselho, como: dificuldade no acesso à informação, falta de preparo para exercer a função, falta de tempo para se dedicar às funções inerentes aos conselhos, pouca estrutura operacional para o exercício das 94 funções, horário incompatível com as atribuições cotidianas dos conselheiros e acesso prévio aos documentos, dificultando o processo de deliberação consciente. Verificou-se, portanto, que a participação dos conselheiros no Conselho estudado ainda pode ser considerada incipiente, reprodutiva do status quo, tendo-se a necessidade de busca pela criação de espaços democráticos e para a discussão de políticas públicas condizentes com as necessidades locais. 6.3 Problema O problema que este projeto visa a minimizar consiste na verificação de que os conselheiros de saúde do município de São Gonçalo do Rio Abaixo se sentem despreparados para o exercício da função. Esse despreparo tem gerado diversas dificuldades no exercício dos papéis dos conselheiros e das competências do Conselho de Saúde, especialmente na formulação de políticas públicas que sejam condizentes com os anseios da coletividade. 6.4 Justificativa O diagnóstico proporcionado pela pesquisa apresentou diversos problemas que poderiam gerar vários projetos de intervenção. Porém, optou-se por atacar o problema de falta de preparo dos conselheiros, por considerar que essa dificuldade é a principal causa geradora dos demais problemas encontrados. Ao se sentir despreparado, o conselheiro pode deixar de exercer suas funções por se sentir desmotivado e pode participar do Conselho apenas para executar o voto. Essa situação favorece o convencimento e a manipulação por parte do segmento governamental, que por serem os detentores do poder da informação, acabam por “convencer” o grupo a apoiar as propostas sugeridas. 95 Vieira e Calvo (2011, p. 2324) realçam que “a autonomia de atuação dos conselhos ainda é um processo em desenvolvimento”. O empoderamento dos cidadãos é o caminho proposto para fortalecer as arenas de discussão das políticas públicas. O conhecimento empodera, estimula a autonomia e permite o debate justo dentro dos conselhos gestores. Nesse sentido, após avaliação de todo o material, optou-se por trabalhar em uma demanda que foi apresentada em uma das reuniões do Conselho, registrada em uma das atas avaliadas para a análise documental. Definir a priori uma intervenção sem considerar a real necessidade do grupo poderia gerar uma ação fragmentada, em divergência com as reais necessidades existentes. A exclusão dos envolvidos com a pesquisa poderia gerar insatisfação e até mesmo pouco comprometimento com o projeto idealizado. Matthaus (2010) considera que no processo de democratização do planejamento voltado para os cidadãos é necessário que os atores sociais saibam o que está sendo planejado para eles. Na ata da reunião ocorrida no dia 28 de julho de 2011, a presidente do Conselho sugeriu a criação de um blog do Conselho no intuito de aproximá-lo da comunidade. A pauta foi aprovada por todos os conselheiros presentes, porém isso ainda não foi efetivado, apesar de registrado e aprovado em ata. Dessa forma, a criação do blog possibilitaria a troca de informações entre os próprios conselheiros, criaria uma ponte entre o Conselho e a comunidade por meio da divulgação das ações realizadas e poderia ser um instrumento de formação e capacitação dos conselheiros pelo conteúdo das informações contidas na página. Na era da tecnologia, os meios virtuais têm ocupado espaço na formação dos indivíduos. O blog possibilitaria a troca de informações com outros conselhos de saúde do país, construindo uma rede interligada de cidadania. 96 Para Braga (2010, p. 374): [...] o aumento e a diminuição de custos envolvidos no acesso à informação e à interação a distância viabilizados pela Internet ampliam, ou mesmo criam, novos espaços para a participação social, os quais carregam em si um potencial transformador. A autora enfatiza, ainda, que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) não modificam os modos de participação social, mas “potencializam novas alternativas” (BRAGA, 2010, p. 389). O blog irá possibilitar um processo contínuo de informação e capacitação, porque mesmo ao findar dessa gestão atual do conselho, esse instrumento estará disponível com todas as informações necessárias para a continuidade do processo democrático. Cotta et al. (2010, p. 869) informam que: A capacitação permanente e continuada dos conselheiros ainda é um desafio a ser trabalhado, para que eles possam intervir efetivamente no fortalecimento do controle social, de forma coerente com os princípios e diretrizes do SUS, melhorando a qualidade dos serviços e a vida de todos os cidadãos. Além dos conselheiros de saúde e do pesquisador, diversos outros segmentos ou organizações podem ser parceiros desse projeto de intervenção. É importante considerar também as reais possibilidades de ação, para não criar expectativas difíceis de serem alcançadas. Uma maneira de se evitar tais situações é criar ações que dependam mais dos outros do que dos próprios participantes do grupo. Dessa forma, criado o blog, esse instrumento será entregue ao Conselho, para que eles deem continuidade ao projeto intermediado pelo pesquisador. 97 6.5 Objetivos 6.5.1 Objetivo geral Contribuir para o fortalecimento da participação cidadã no Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo, para que esse canal de participação seja decisivo no processo de elaboração, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas no campo da saúde. 6.5.2 Objetivos específicos a) Desenvolver um blog que possibilite aos conselheiros atuar como um canal direto com a comunidade e que se constituam em agentes de mudança junto à comunidade/organização que representam. b) Possibilitar, por meio do blog, que os conselheiros tenham acesso às informações necessárias para o exercício do seu papel fiscalizador e deliberativo. c) Despertar na sociedade o desejo da participação cidadã e consciente. d) Fornecer um instrumento de continuidade às ações do Conselho para que não ocorra um retrocesso no momento da troca de mandatos. 6.6 Metodologia O blog é um espaço na web, no mundo virtual, que permite de maneira simples o registro cronológico, frequente e imediato de opiniões, imagens, documentos, entre outros. O blog foi criado com linguagem simples, de maneira a facilitar a compreensão por qualquer cidadão que deseje acessar. Foram introduzidos documentos, leis e registros com o intuito de divulgar as informações acerca da legalidade do Conselho de Saúde e das possibilidades de atuação desses órgãos. 98 Como o blog é um processo de construção coletiva, as informações atuais, como a composição do Conselho, telefones de contato e atualidades, ficarão a cargo de complementação pelo presidente e/ou outros conselheiros. 6.7 Considerações finais do projeto de intervenção Esperar o pontapé dos governantes e gestores para dar início ao processo de mudança na construção de políticas públicas mais condizentes com as reais necessidades da população é acomodar-se diante de um grande desafio. A participação social é condição essencial para que os cidadãos tenham representatividade e voz nos espaços de decisão. Em um espaço democrático, torna-se necessária a valorização dos diversos saberes. Os ditos “técnicos” devem saber dialogar com os saberes daqueles que vivenciam os problemas. A união do saber teórico com o prático tende a produzir mais resolutividade diante das situações conflituosas. Para Cordioli (2010), “participar vai muito além de estar presente”. Significa contribuir, fazer parte do processo, respeitar a diversidade de opiniões, valorizar as discussões e, principalmente, envolver-se. Ainda segundo Cordioli, é um processo que requer treino e também envolve mudança de comportamento e de atitude. Instrumentalizar-se para atuar como sujeitos ativos é responsabilidade de todos e a contribuição para esse processo de construção, de formação de gestores sociais é um caminho a ser percorrido por aqueles que desejam deixar sua marca na sociedade. A democracia só se faz com a participação dos cidadãos e estes devem ocupar todos os espaços e canais que lhes foram garantidos por direito. Que este trabalho sirva não somente como uma contribuição ao Conselho Municipal de Saúde local, mas que ele sirva de exemplo para outros conselhos do 99 município, do estado, do país; e que fomente em diversos cidadãos o desejo de mudança, de engajamento social e da participação cidadã. E que a saúde pública não seja ofertada apenas como dever do Estado, mas que garanta à população ações e serviços de qualidade, acessíveis a todos os cidadãos. FIGURA 1 - Layout do blog do Conselho de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo REFERÊNCIAS BRAGA, D.B. Tecnologia e participação social no processo de produção e consumo de bens culturais: novas possibilidades trazidas pelas práticas letradas digitais mediadas pela Internet. Trab Linguist Apl. [online], v. 49, n. 2, pp. 373-391, 2010. ISSN 0103-1813. BRASIL. Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990. 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Os conselhos e conferências de saúde são, sem dúvida, um marco de conquista da sociedade brasileira, que passou a ocupar os espaços antes vazios de voz popular. Contudo, constata-se que a cultura política em desenvolvimento no país ainda é um processo que está se desenvolvendo lentamente. Ainda existem traços das práticas autoritárias e clientelistas que permearam o cenário dos governos brasileiros. Diversos são os entraves encontrados nas práticas cotidianas dos conselhos e essa foi a mola propulsora que instigou a realização deste trabalho. A busca pela compreensão do processo que envolve esse canal de participação elegeu como cenário o Conselho Municipal de Saúde de São Gonçalo do Rio Abaixo. O objetivo geral proposto neste estudo contempla a análise das dificuldades enfrentadas pelo CMS de SGRA e a efetividade desse canal de participação no acompanhamento, controle e fiscalização das políticas públicas para o exercício do controle social. Para o alcance desse objetivo, este trabalho, apoiado no referencial teórico consultado: a) conhece os processos vivenciados para a formação do atual CMS; 102 b) verifica o sentido atribuído pelos conselheiros à sua participação nos conselhos e à parceria com a comunidade que representam; c) discute o discursar político e a dimensão técnica vinculada à participação nos conselhos. A hipótese que orientou esta investigação foi a ocorrência da baixa participação e atuação dos trabalhadores e usuários nos processos de decisão nos conselhos devido à existência de distanciamento entre estes e o segmento governamental. Apesar da garantia da participação da sociedade na formulação das políticas públicas, acreditava-se na existência de mecanismos de manipulação e de diferentes escalas de poder nesses espaços de deliberação, dificultando a efetiva representação da sociedade civil. No intuito de estabelecer um paralelo entre o relato dos próprios conselheiros e o exercício de sua prática, procurou-se conhecer a percepção desses atores sociais por meio de entrevistas semiestruturadas e também avaliar o desempenho desses atores na realidade vivida, pela análise de atas de reuniões ocorridas na vigência de dois anos de exercício dessa função (período de 2010 a 2012). A observação participante também foi utilizada como instrumento para avaliar a realidade a ser estudada. As entrevistas permitiram traçar um perfil dos conselheiros, mas acima de tudo captaram a visão dos envolvidos nesse sistema de participação. A análise das atas possibilitou visualizar as vocalizações desses atores sociais por segmentos de representação e conhecer os tipos de manifestações que estão surgindo nesse espaço. A observação participante permitiu vivenciar a experiência da participação desenvolvida nesse espaço de discussão e negociação. A organização dos dados foi baseada no processo de categorização proposto por Bardin (2011). A amostra selecionada contou com a participação de 100% dos conselheiros titulares. No referido Conselho, é respeitada a paridade numérica no segmento 103 dos usuários; detectou-se também que após a saída de um membro o segmento dos prestadores de serviço está sem representação no Conselho. Já no processo de escolha dos segmentos que irão participar desses órgãos, existe a definição prévia de quais associações irão indicar representantes para compor os órgãos, sugerindo interferência da gestão nessa etapa. No estudo foi confirmada a hipótese de que os integrantes são convidados pela gestão, indicando um processo de elitização, que é comum em muitos conselhos gestores. A indicação dos integrantes indica uma tendência à manipulação, evitando o surgimento de grandes conflitos no momento das deliberações. A indicação no processo de formação dos mandatos nos conselhos pode gerar uma realidade encontrada no estudo: participação incipiente. Inferiu-se a existência de conselheiros que compareceram somente à reunião de formação do conselho e não retornaram em outros encontros; havia conselheiros que não sabiam que eram integrantes do grupo. Consequentemente, a frequência nas reuniões foi decaindo ao longo do mandato. Quando a participação é exercida sem o envolvimento necessário e os objetivos a serem conquistados não estão bem definidos, existe a probabilidade de esvaziamento desses espaços, por não existir uma razão suficiente que evoque no indivíduo o desejo em participar. Considerando a reincidência de mandatos, metade dos conselheiros já estava no Conselho há mais de um mandato, confirmando o que estudos exibem como a “profissionalização” do conselheiro. Dessa forma, o mesmo grupo acaba por se fixar nos espaços deliberativos, o que pode comprometer o processo democrático. As demandas passam a ser daquele grupo e corre-se o risco de que a representatividade perca o sentido de trazer para o espaço de discussão os anseios dos representados. A frequência das reuniões é regular e a realização de reuniões extraordinárias não foi uma constância no Conselho. Tal situação reflete que existe um 104 compromisso de realização dos encontros e que o Conselho não é acionado somente nos casos de “urgência” de aprovação. Apesar disso, os assuntos em pauta foram na maior parte ligados à aprovação de orçamentos, de prestação de contas, apresentação de relatório de gestão, entre outros assuntos intimamente ligados à gestão e para os quais é exigida a aprovação em Conselho. Dessa forma, a realidade é que, nos dois anos avaliados, em poucos momentos as falas foram direcionadas para contestações, denúncias, proposições ou demandas. A reflexão que se faz, em diálogo com autores que também abordaram o assunto, é que o espaço dos conselhos pode ter se tornado mero instrumento burocrático nas mãos dos gestores. Analisando as vocalizações dos sujeitos da pesquisa, o segmento governamental foi o que apresentou maior número de vocalizações, seguido dos usuários. Os trabalhadores não se manifestaram, deixando de aproveitar um espaço que poderia gerar retornos positivos para suas condições de trabalho. Apesar do relato dos conselheiros sinalizar para a existência de liberdade de manifestação no Conselho estudado, verificou-se um protagonismo governamental, considerando que a concentração da informação e do direcionamento das discussões está nas mãos dos representantes da gestão. A existência de assimetria de poder nos conselhos foi confirmada, tendo-se que o segmento governamental arcou com 100% das manifestações informativas ocorridas. Somente esse segmento foi responsável pelo caráter de explicação e esclarecimento no Conselho. Isso sugere a hierarquização desses espaços. A atual forma de organização e as regras definidas para o seu funcionamento têm levado a essa burocratização e hierarquização no espaço dos conselhos gestores. E as decisões sobre as necessidades de saúde, que deveriam ser o 105 foco de atuação do Conselho, cedem espaço para assuntos que vão de encontro aos anseios dos governantes. A realidade contida nas atas contrasta com o relato dos conselheiros. Apesar de se considerarem pouco engajados no campo político, esses sujeitos mostraramse conscientes de seus papéis, conhecem as competências inerentes aos conselhos e consideram-se participantes efetivos nas decisões do Conselho. Esse paradoxo corresponde à realidade encontrada e confirmada pela literatura: mesmo bem intencionados, os representantes de segmentos da sociedade não estão conseguindo traduzir em ações as suas reais demandas e principalmente as demandas da base que representam dentro do espaço dos conselhos gestores. As causas para a ocorrência desse fenômeno estão nas dificuldades enfrentadas pelos conselheiros, a saber: dificuldade no acesso à informação, falta de preparo para exercer a função, falta de tempo para se dedicarem às funções inerentes aos conselhos, pouca estrutura operacional para o exercício das funções, horário incompatível com as atribuições cotidianas dos conselheiros e acesso prévio aos documentos, dificultando o processo de deliberação consciente. As dificuldades encontradas no CMS de SGRA são condizentes com as dificuldades vivenciadas em diversos conselhos do país, conforme verificado na literatura que subsidiou esta pesquisa. Tanto na parte operacional como nas questões conceituais, a fragilidade dessas instituições ainda se faz presente. Questões que vão desde a seleção de entidades para a composição dos conselhos até decisões mais rotineiras, como a definição dos horários das reuniões, acabam sendo definidas sem a participação dos conselheiros. 106 Ressalta-se que a questão política foi avaliada por considerar que o engajamento político pode potencializar a ação dentro dos conselhos, reduzindo a passividade no campo da ação política. As experiências de participação ainda estão sujeitas à cooptação e dominação por aqueles que se sentem ameaçados pelo poder de interferência que esses órgãos podem exercer quando munidos de armas como o conhecimento, vontade política, envolvimento, engajamento cívico e desejo coletivo. Torna-se mister fortalecer esses canais de participação conquistados pela sociedade. A construção de valores democráticos é um processo gradual que a sociedade brasileira está aprimorando aos poucos, exigindo ainda aperfeiçoamento. As manifestações ocorridas no ano de 2013 em todo o país indicam que a necessidade de reivindicação é grande e em diversos campos sociais. A população clama para que suas necessidades sejam ouvidas pelas autoridades. Quantos desses manifestantes estão presentes nos espaços de discussão e deliberação de políticas públicas? Será que a grande maioria da população sabe da existência desses espaços? Os conselhos constituem espaços legítimos onde a sociedade pode participar e pressionar os governos para a formulação de políticas condizentes com as necessidades reais da população. Para serem de fato representativos da sociedade, precisam utilizar processos democráticos já no seu processo de composição, promovendo a troca de experiência e respeitando as diferenças. Os conselhos devem atuar como elo entre a sociedade e o governo, trazendo para o espaço de discussão os interesses coletivos. Cria-se, dessa forma, um reconhecimento desses espaços para a representação social. As deliberações aprovadas nesses órgãos devem ir ao encontro dos anseios da sociedade e não apenas de um grupo. Todos os segmentos devem se fazer 107 representativos dentro desses espaços, ocupando os “vazios” políticos e sociais existentes. A participação da sociedade nos conselhos torna-se um desafio, no sentido de que é necessário romper com a cultura política tradicional, clientelista e excludente. A gestão social no ambiente dos conselhos de saúde é exercida a partir do momento em que todos os interessados participam do processo de elaboração, no estabelecimento das prioridades e na busca de soluções voltadas para a melhoria dos serviços prestados. O empoderamento dos cidadãos é o caminho proposto para fortalecer as arenas de discussão das políticas públicas. O conhecimento empodera, estimula a autonomia e permite o debate justo dentro dos conselhos gestores. Dessa forma, acredita-se que a simetria de poder interno nos conselhos gestores, e em especial nos conselhos de saúde, será consolidada com a participação de atores sociais capacitados, conscientes de sua responsabilidade, munidos de conhecimento e de desejo de mudança, lutando pela construção de políticas que promovam uma saúde pública de qualidade. Assim, com base nos objetivos que originaram este trabalho, os principais questionamentos iniciais que motivaram o estudo foram respondidos, especialmente o conhecimento acerca das dificuldades enfrentadas pelos conselheiros de saúde e a efetividade desse canal no direcionamento das políticas públicas. A hipótese inicial foi confirmada pela constatação de baixa atuação dos usuários e trabalhadores no processo participativo. Em contrapartida, a participação do segmento dos gestores é acentuada, reforçando o distanciamento existente entre eles. As respostas encontradas possibilitaram, ainda, perceber que mesmo com a ampliação dos debates e das arenas de discussão introduzidos pela Constituição de 1988 ainda existem “vazios” a serem ocupados pela população brasileira, no sentido de criar condições para que a 108 democracia seja exercida em sua plenitude. Nesse ponto, sugerem-se a possibilidade e a necessidade de realização de novas pesquisas. Contudo, no campo da saúde pública, os conselhos representam a melhor alternativa para a participação da sociedade civil no processo de definição das políticas públicas de saúde. A participação social é condição essencial para que os cidadãos tenham representatividade e voz nos espaços de decisão. Acredita-se que os resultados desta pesquisa poderão contribuir para ampliar o debate no município de São Gonçalo do Rio Abaixo, no sentido de fortalecer o controle social exercido pelo Conselho de Saúde, por meio de iniciativas voltadas para a qualificação do exercício participativo, incluindo toda a sociedade nesse processo. Instrumentalizar-se para atuar como cidadãos ativos é responsabilidade de todos e a contribuição para esse processo de construção, de formação de gestores sociais é um caminho a ser percorrido por aqueles que desejam deixar sua marca na sociedade. Nesse sentido, almeja-se, também, contribuir para a promoção de debates que fortaleçam a formação de sujeitos políticos, na luta contínua por uma nova realidade social, mais justa. 109 REFERÊNCIAS AFONSO, M.L.M. Notas sobre sujeito e autonomia na intervenção psicossocial. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 17, n. 3, p. 445-464, dez. 2011. AVRITZER, L. A dinâmica da participação local no Brasil. 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Matilde Meire Miranda Cadete. O objetivo desta pesquisa é analisar a efetividade dos canais de participação, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas para o exercício do controle social no âmbito dos Conselhos Municipais de Saúde. Sua participação é de fundamental importância para a realização deste trabalho e seu consentimento em participar deve considerar as seguintes informações: 1- Sua participação é voluntária e você pode desistir a qualquer momento, caso deseje, sem risco de qualquer natureza. 2- Seu nome será mantido em anonimato, ou seja, não será revelado a ninguém, bem como o sigilo de todos os dados prestados. 3- Sua entrevista, se concordar, será gravada para não perdermos suas informações. 4- Você não terá qualquer tipo de despesa e não receberá gratificação alguma para participação na pesquisa. 5- Não há qualquer benefício direto pela sua participação, mas o conhecimento da sua opinião a respeito deste tema é muito importante para a discussão sobre as possibilidades futuras para programas de capacitação para Conselhos Municipais de Saúde. Suas respostas serão usadas exclusivamente para este estudo. 6- Este termo de consentimento ficará sob minha guarda até finalização da pesquisa e após será incinerado/queimado. Os fragmentos/frases de suas respostas, sem a sua identificação, serão reproduzidos nos trabalhos para publicação e/ou apresentação em reuniões científicas. 7-Você poderá entrar em contato com os pesquisadores a qualquer momento que lhe convier ou com o Comitê de Ética em Pesquisa da UNA. 117 TERMO DE CONSENTIMENTO Eu, ________________________________, após ter lido este termo de consentimento e esclarecido minhas dúvidas, concordo em participar da pesquisa “Construindo a Gestão Social em Conselhos de Saúde”, uma vez que fui devidamente orientado(a) sobre a finalidade e objetivo do estudo, bem como da utilização dos dados exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, sendo que meu nome será mantido em sigilo. Assinatura do profissional Assinatura do pesquisador mestrando Cíntia Alves Araújo Telefones: (31)8623-4005 / (31)3833-5397 /(31)3833-5408 Matilde Meire Miranda Cadete Telefones: 3262-0861 / (31)9972-8033 São Gonçalo do Rio Abaixo, MG. Data: ___/___/____ Centro Universitário UNA. Rua Guajajaras, 175, 4º andar, Centro, Belo Horizonte, MG, telefone: 3508-9110 118 APÊNDICE B - Instrumento de coleta de dados Número de Identificação:__________________ Data:____/____/____ Local:_________________________________ Horário de início:____________ Horário do término:_______________ Identificação/Nome:_________________________________________________ Idade:___________Sexo:_____________Escolaridade________________ olaridade________________ Ocupação:________________ Categoria que representa no Conselho:_________ Primeiro mandato? ( ) sim ( ) não ___ mandato É integrante de algum partido político? ( ) sim ( ) não Qual:______________ Participa de alguma outra associação ou conselho? ( ) sim ( ) não Qual:_____ 1- Qual a frequência das reuniões do conselho? ( ) semanal ( ) quinzenal ( ) mensal ( ) não sei 2- Como você é comunicado das reuniões extraordinárias, ou seja, aquelas que não estavam agendadas previamente? ( ) e-mail ( ) comunicado ( ) aviso informal ( ) não sou comunicado 3- A pauta da reunião é encaminhada a você com quanto tempo de antecedência? ( ) 01 mês ( ) 15 dias ( ) 01 semana ( ) não é encaminhada com antecedência 4- Como você foi convidado a participar do Conselho Municipal de Saúde? 5- Qual o significado do Conselho Municipal de Saúde para você? 6- Qual o seu papel como conselheiro de saúde? 7- Para você, quais são as competências do Conselho Municipal de Saúde? 8- Você encontra alguma dificuldade em participar do conselho? Se sim, quais? 119 9- Como você avalia a sua participação nas decisões determinadas pelo Conselho (incluem-se as proposições para plenária, controle e avaliação das atividades do Conselho)? 10- Como você avalia o seu grau de interesse por política (muito, pouco ou nenhum)? Comente por favor. 11- Nas eleições municipais, como você avalia a seu grau de participação? 12- Após participar do Conselho Municipal de Saúde, você se interessa em participar de alguma outra associação ou Conselho? Qual? 120 ANEXO A - Lei nº 401 de 21 de agosto de 1992, que “institui o Conselho Municipal de Saúde e dá outras providências” 121 122 123 124 ANEXO B - Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa 125 126 127