Percepção de discentes de fisioterapia sobre a integralidade nas ações de cuidado em saúde. Talita Leite Ladeira* & Aluísio Gomes da Silva Júnior** * Doutoranda e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (UFRJ/FIOCRUZ/UERJ/UFF). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Integrante do Grupo de Estudos de Gerência e Educação em Saúde GEGES do ISC-PROPi-UFF/CNPq. ** Professor Associado IV do Instituto de Saúde da Comunidade da UFF e da Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (UFRJ/FIOCRUZ/UERJ/UFF). Lider do GEGES -ISC-UFF (GP-CNPq) e Pesquisador Associado do LAPPIS-IMS-UERJ. Palavras-chave: assistência integral à saúde, formação, cuidado em saúde. Resumo Este trabalho trata-se de investigação empírica, com objetivos de conhecer a percepção dos discentes de fisioterapia sobre o preparo para cuidar do paciente de forma integral; investigar se os conteúdos e práticas pedagógicas utilizados ao longo do curso favorecem a visão integral do paciente e investigar a preparação dos discentes para lidar com questões emocionais e socioculturais dos pacientes. Para isso exploramos as concepções de integralidade, no campo da saúde coletiva brasileira, correlacionando-as com as características da formação em fisioterapia, a fim de contribuir para o debate acerca do cuidado fisioterapêutico. Através de uma abordagem qualitativa, realizamos entrevistas semiestruturadas individuais, com 13 discentes, do 9º e 10ª períodos, da Faculdade de Fisioterapia de uma Universidade Federal brasileira. Introdução Atualmente, os avanços biotecnocientíficos têm proporcionado progressos na área de saúde. Muito discute-se sobre o aparato tecnológico em prol da saúde humana e grandes são os investimentos em pesquisa que propõem intervenções na biologia da vida, inclusive humana. Por outro lado, parece ter sido relegada à segundo plano, a preocupação com o que há de mais básico nas profissões de saúde: o cuidado ofertado aos cidadãos. Ao pensarmos no campo da saúde, o cuidado é sua própria razão de ser, já que é “o meio e o fim das ações desenvolvidas pelos profissionais que atuam no campo” (Silva Junior, Alves & Alves, 2005:78). Ainda podemos perceber fragilidade no que se refere ao cuidado ofertado pelos profissionais de saúde, segundo a proposta da integralidade. “Num contexto de crescente ‘tecnologização do cuidado’, é urgente o resgate de uma visão antropológica holística, do ser humano nas suas várias dimensões, ou seja, física, social, psíquica, emocional e espiritual” (Pessini, 2003, sem paginação). A integralidade como valor para o cuidado em saúde No Brasil, na década de setenta, a Reforma Sanitária surgiu como movimento de luta política, trazendo a pauta da necessidade de estratégias de reordenação do sistema de saúde brasileiro e de modificação das práticas hegemônicas de saúde. O movimento sanitário defendia a redemocratização do país e a construção de uma sociedade mais justa, trazendo a ideia de saúde como direito de todos. Como expressão institucional da Reforma Sanitária, o Sistema Único de Saúde (SUS), definido na Constituição Federal de 1988, consagra os princípios da Universalidade, Equidade e Integralidade da atenção à saúde. Segundo a Lei Orgânica de Saúde (Lei n° 8.080/1990), em seu capítulo II, o princípio da integralidade é descrito como um “conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema”. Para além do caráter constitucional, alguns autores advindos da Saúde Coletiva foram fundamentando os diversos sentidos e concepções que hoje podemos destacar sobre integralidade. Na tentativa de sistematizar os diversos aspectos que dão sentido à palavra, Mattos (2001) destacou três conjuntos de sentidos: a integralidade como modo de organizar as práticas, como respostas governamentais à problemas específicos de saúde e como sinônimo de medicina integral (traço da boa medicina). A integralidade emerge como um princípio de organização continua do processo de trabalho nos serviços de saúde, que se caracterizaria pela busca também contínua de ampliar as possibilidades de apreensão das necessidades de saúde de um grupo populacional (Mattos, 2001:151). A integralidade se manifesta aqui na postura de não aceitar a redução da necessidade de ações e serviços de saúde à necessidade de identificar e dar resposta para a doença que suscita o sofrimento manifesto (Mattos, 2004). “O problema ocorre quando este Ser da Doença substitui completamente o Ser realmente existente e perde-se a capacidade de se operar com a singularidade de cada caso” (Campos, 2003:64). Assim, o princípio da integralidade é exercido por meio de um olhar atento, capaz de apreender as necessidades de ações de saúde e serviços no contexto individual do encontro. Os profissionais de saúde utilizam conhecimentos para identificar as necessidades de cada sujeito para, então, reconhecer amplamente os conjuntos de ações que devem por em prática na tentativa de responder as necessidades que identificaram. Como campo de disputa política, a integralidade é assim concebida como uma construção coletiva, que ganha forma e expressão no espaço de encontro dos diferentes sujeitos implicados na produção do cuidado em saúde (Pinheiro, 2008). Dessa forma, devemos pensar na recusa ao reducionismo, à “coisificação” do sujeito e ampliar nosso foco de olhares na abertura para o diálogo. Diálogo este, que crie relações sujeito-sujeito (Mattos, 2001), e não, sujeito-objeto-doença. A integralidade deve ser reconhecida nas práticas que valorizam o cuidado, e que consideram o usuário como sujeito a ser atendido e respeitado em suas demandas e necessidades (Pinheiro, 2008). Portanto, pode ser vista como “recusa em reduzir o paciente ao aparelho ou sistema biológico”, relacionando dessa forma com a “boa medicina”, com a “boa prática médica”, ou melhor, com a visão de clínica ampliada e integral (Mattos, 2001). Um grande desafio para a efetividade da integralidade na prática do fisioterapeuta é a sensibilização e preparação destes profissionais, que têm uma formação acadêmica que privilegia conhecimentos técnicos e o despreparo dos mesmos para lidar com a dimensão subjetiva das práticas de saúde. Preocupados com sinais e sintomas, os profissionais reduzem o paciente à doença e focam na fragmentação desse indivíduo, desconsiderando a percepção ampliada sobre o sujeito (Silva Junior et al., 2005). Fisioterapia: contextos, cenários e práticas A Fisioterapia, no Brasil, assim como no restante do mundo, teve suas bases na Medicina, sofrendo grandes influências pelo modelo da Biomedicina, como racionalidade médica vinculada a um “imaginário científico” correspondente à racionalidade da mecânica clássica. No país, a fisioterapia foi se constituindo, ao longo dos anos, voltada para a reabilitação e esse caráter influenciou a forma com que os cursos de formação foram priorizando a transmissão de conhecimento. A Fisioterapia foi regulamentada no Brasil através do Decreto-Lei 938/69, em 13 de outubro de 1969. O Decreto reconheceu as profissões de fisioterapeuta e de terapeuta ocupacional, considerando-os como profissionais de nível superior. É “atividade privativa do fisioterapeuta executar métodos e técnicas fisioterápicos com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do paciente” (Brasil, 1969, sem paginação). Atualmente fica evidente “o distanciamento dos fisioterapeutas dos serviços públicos de saúde e a confirmação do lugar social do fisioterapeuta identificado com o ideário liberal-privatista” (Almeida, 2008:102). Esse fato pode ser explicado pelo modelo de formação com perfil curativo-reabilitador privatista, originário da época de criação da profissão, com o objetivo de reabilitar indivíduos com sequelas de traumas e lesões no sistema musculoesquelético (Bispo Junior, 2009; Rodrigues, 2008). Almeida (2008) coloca que o maior desafio da nossa profissão atualmente é o processo de organização do trabalho do fisioterapeuta, que ainda mostra uma visão fragmentada do conhecimento, tendendo a formar profissionais também fragmentados. Esse fato impossibilita consolidar o modelo de atenção integral à saúde buscado pelo sistema de saúde, o que não condiz com as necessidades do setor saúde do nosso país. Para Almeida e Guimarães (2009), existem dois modelos que representam a prática profissional do fisioterapeuta (Figura 1). São concepções distintas caracterizadas por ações, muitas vezes, opostas e presentes na prática destes profissionais. No modelo contra-hegemônico o fisioterapeuta consegue observar o processo pelo qual está submetido o objeto de intervenção, preservando sua totalidade. Há preocupação com o sujeito singular, lidando com pessoas e não apenas com a enfermidade. Por outro lado, o método hegemônico distancia a prática da realidade, uma vez que fragmentando o conhecimento e o corpo humano, define os seres e as ideias separadas de suas relações e de suas interações (Almeida & Guimarães, 2009). Ainda segundo os autores: [...] são duas grandes linhas em disputa em torno da política de saúde: uma vinculada ao projeto empresarial neoliberal médico hegemônico, que vê a saúde como uma mercadoria, e outro, que defende o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), regulado pelo Estado e compromissado com a saúde como direito de todos, não como bem de mercado (Almeida & Guimarães, 2009:86). Há evidências de uma prática profissional fragmentada e reducionista, resultante de um processo de alienação dos fisioterapeutas, entretanto coexistem marcas de superação, mostrando tanto as potencialidades, como os limites para a construção de outro modelo de atuação (Almeida, 2008). O que se vê atualmente é uma profissão com pouco mais de quarenta anos de reconhecimento, que saltou de uma condição pouco significante, de técnicos, para trabalhadores liberais, com uma posição social de respeito e credibilidade, tanto nos meios acadêmicos, quanto nos meios clínicos e também junto à população, em que ainda predomina a concepção assistencial/individual/uniprofissional para o enfrentamento das questões relativas ao processo saúde-enfermidade, sendo necessária a busca de um paradigma mais abrangente e explicativo que promova uma série de mudanças no campo político, econômico, social e ético (Silva & Silveira, 2011). Influências na formação do fisioterapeuta A história do ensino em saúde é fortemente marcada pelo modelo biomédico, organizando os conhecimentos de maneira compartimentada e fragmentada, dicotomizando os indivíduos por especialidades clínicas. Somado a isso está o fato da abordagem está centrada na transmissão de informação e treinamento prático em procedimentos diagnósticos e terapêuticos (Araújo, Miranda & Brasil, 2007; Pinheiro & Ceccim, 2011). “O que vemos na prática médica é a intenção de se aproximar do modelo de ciência em que o cientista é imparcial e foca seu olhar única e exclusivamente para o seu objeto de estudo – a objetividade da doença” (Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2006:1102). Assim, o ser que sofre passa a ser considerado em segundo plano, na medida em que o “observador” está focado na doença e nas técnicas. O excesso de técnica e objetividade clínica “cega” o cuidado integral e ético e pode, ainda, transformar o profissional de saúde em um mero repetidor de técnicas, diagnósticos e prescrições. A nosso ver, isso leva a um cuidado deturpado, pois cuidado significa zelo por outra pessoa e não por doenças. Com isso, o objeto da medicina sofre o processo de naturalização e objetivação, o que não considera a subjetividade e a construção de generalidades (Guedes et al., 2006). Esse contrassenso nos coloca diante de uma série de consequências indesejáveis: limitamos a concepção de saúde à mera ausência de doenças, enfatizando o uso de tecnologia “dura” na produção de diagnósticos; a terapêutica é baseada na prescrição medicamentosa e à ênfase numa perspectiva dita curativa, ou no máximo contemplando a prevenção das ditas doenças, embora sempre se esquivando de toda a dinâmica social e subjetiva que dá de fato sentido à existência humana (Camargo Jr., 2007:64). Porto (1994:20) amplia ainda mais essa visão contraposta ao defender que: [...] a incorporação tecnológica passou a produzir, em graus variáveis, efeitos colaterais, como interferência na relação médicopaciente, novos riscos; iatrogenia; níveis exagerados de especialização; institucionalização dos cuidados de saúde; aumento nos custos dos serviços; distorção na alocação de recursos no sistema de saúde etc. O modelo biomédico influenciou não só a formação médica, mas de igual maneira, todas as outras formações em saúde, a nível mundial. Para Gallo (2005) a formação do fisioterapeuta ainda é mais voltada para a doença do que os outros profissionais de saúde, haja vista que é visto como “o profissional da reabilitação”, ou seja, aquele que atua exclusivamente quando a doença, lesão ou disfunção já foi estabelecida. No Brasil, há três fatores que influenciaram o vínculo da fisioterapia com o modelo biomédico: um fator histórico ligado a sua origem; um fator legal, que, obedecendo à origem, limitou áreas e campos de atuação, e um terceiro que foi a formação acadêmica determinada pelas ciências biomédicas (Andrade, Lemos & Dall’ago, 2006). Aspectos Metodológicos Optou-se por uma pesquisa empírica de abordagem qualitativa, desenvolvida na Faculdade de Fisioterapia de uma Universidade Federal brasileira. A escolha da instituição foi realizada por se tratar de uma instituição federal que oferece o curso de fisioterapia e tem grande representatividade para a região em que está localizada, bem como para o estado. Participaram do estudo 13 discentes que cursavam o 9º e 10º período do curso de fisioterapia. Como caráter de inclusão, destacamos a necessidade de estarem cursando estágio supervisionado e como caráter de exclusão, a não experiencia prévia em outro local de estágio. A inclusão foi realizada sem qualquer tipo de controle por parte da pesquisadora. Embora tenhamos obtido um perfil de participantes do sexo feminino, gostaríamos de ressaltar a não intencionalidade dessa delineação amostral. A população estudada já era caracterizada por uma maior participação feminina nos períodos estudados. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense/FM/UFF/HU Antônio Pedro e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para coleta dos dados, realizamos entrevistas semiestruturadas individuais, no período de dezembro de 2013 à março de 2014. Os depoimentos foram gravados e, posteriormente, utilizamos a análise de conteúdo de Bardin (Bardin, 2011), para análise dos dados e apreensão dos resultados. Anteriormente à aplicação dos instrumentos com os sujeitos de pesquisa foram realizadas duas entrevistas pilotos, com alunos do mesmo curso e instituição, que não participaram da amostragem, no intuito de averiguar a melhor formulação das perguntas, assegurando-se clareza e objetividade. Resultados e Discussões Segundo objetivo de conhecer a percepção dos discentes de fisioterapia sobre o preparo para cuidar do paciente de forma integral, oferecido durante a graduação, apreendemos que para 6 dentre os 13 discentes entrevistados, a formação/universidade não os prepara ou prepara com deficiências. Identificar que os discentes atribuem à isso a existencia da fragmentação das disciplinas por especialidades e a falta de acesso ao estágio em todas as especialidades da fisioterapia, o que demonstra o caráter analítico de que para perceber o todo é necessário integrar a soma das partes. A nosso ver é uma visão deturpada da integralidade no cuidado em saúde. A fala de D9 exemplifica essa fragmentação do conhecimento como responsável pela falha visão integral do ser humano. Não tanto quanto deveria, mas eu acho que dá um pouco. Porque a gente vê muito assim, as partes. É tudo dividido né: cinesio, cardio, pediatria... Então tipo assim, você acaba vendo em partes. O tratamento é dividido em partes. (D9) Em conformidade com Silva e Silveira (2011:1537), “essa especialização do conhecimento, ao invés de possibilitar avanço, pode gerar fragmentação e alienação, pois, quando não há integração [...], o atendimento ao usuário ocorre de forma segmentada e tecnicista, sem levar em consideração o aspecto humano e a integralidade do mesmo”. Essa visão é um equívoco na formação em saúde, o que demonstra-nos como os valores biomédicos ainda estão presentes na realidade atual do cenário de formação. Tal fato contraria as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia (2002). Também procuramos investigar se os conteúdos e práticas pedagógicas utilizados ao longo do curso favorecem a visão integral do paciente. Dos 13 discentes, 5 responderam que não, 4 disseram que depende do professor e da disciplina e 4 acham que sim. Além de correlacionarem essa visão não integral do paciente à especialização e segmentação dos conteúdos abordados, também mencionam a falta de correlação entre teoria e prática pedagógica. Não! Porque as disciplinas são específicas né. [...] Eh... elas são divididas né, então... acho que quando você chega no nono período né, ou no oitavo, que é quando você já passou por todas as disciplinas, até que você começa a encaixar isso mais na sua cabeça... [...] E aí é um pouco fragmentado […] Às vezes fica muito fragmentado o pensamento na nossa cabeça, assim. (D5) Segundo Morin (2003) essa segmentação e compartimentação é característica da cultura técnica e científica, que, por seu caráter disciplinar especializado, torna cada vez mais difícil a contextualização do conhecimento. O autor critica essa visão fracionada dos problemas, que, de forma reducionista e mecanicista, separa o que está unido, unidimensionaliza o multidimensional. A especialização abstrai, isto é, retira um objeto do seu contexto e da sua totalidade, rejeitando suas ligações e intercomunicações com o seu ambiente, o insere no compartimento da disciplina, cujas fronteiras destroem arbitrariamente a sistematicidade (a relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos [...] (Morin, 2003: 69). O autor propõe um olhar sistêmico ao compreender que o todo é mais do que a soma das partes. Segundo esse pensamento complexo seremos capazes de “reunir, contextualizar, globalizar, mas ao mesmo tempo de reconhecer o singular, o individual, o concreto” (Morin, 2003:77). De acordo com o mencionado por D8, a desvinculação entre teoria e prática também impede a visão integral do paciente. Então... eu acho que não, porque assim... eh... tem hora que a gente fica... a teoria é completamente diferente da prática. [...] Na hora que a gente pega na prática, é se vira ali. Você tem que pensar e às vezes... você tem que mudar... não é totalmente assim... é.... não casa... a prática... não casa realmente com a teoria. [...] Falta esse vínculo teoria-prática. (D8) Na busca de superação da dicotomia entre teoria e prática, considerando a concepção ampliada de saúde, as políticas propõem mudanças de modelos metodológicos, abandonando a ênfase nos conteúdos para adotar movimentos que estimulam a aprendizagem ativa (Oliveira & Koifman, 2013). Se o objetivo for a formação de futuros profissionais mais críticos e compromissados com as questões profissionais e sociais, o modelo curricular deve oferecer um processo de formação articulado com o mundo do trabalho, que rompa com essa dicotomia (Chirelle, 2002). Em outro ponto de vista apresentado pelos discentes, podemos observar que a visão integral não é bem favorecida através das práticas pedagógicas, devido ao fato de que muitos professores não são bem preparados para os cargos que assumem e isso compromete a metodologia pedagógica. Acreditamos que para uma abordagem pedagógica responsável e eficiente, a formação dos profissionais docentes deve ser constituída de aspectos técnicos somados à capacitação para docência, para que sejam capazes de refletir e aprimorar as práticas educativas utilizadas. Os debates sobre educação ajudam a analisar criticamente sua ação e experiências docentes, para que eles consigam encontrar novos e melhores caminhos para seu trabalho. É preciso repensar e ressignificar a formação pedagógica dos professores que atuam no ensino universitário em saúde (Costa, 2010). Ao investigarmos a preparação dos discentes para lidar com questões emocionais e socioculturais dos pacientes, percebemos unanimidade ao reconhecerem que a formação atual em fisioterapia não capacita para lidar com tais questões. Esse despreparo quanto às questões subjetivas da clínica parecem correlacionar-se com a valorização dos conhecimentos técnicos da profissão e a descontextualização dos conteúdos sociohumanísticos ofertados durante o curso de fisioterapia, como podemos perceber nas falas seguintes: Ah, eu acho que não! A gente vê muito pouco isso. A gente só vê na psicologia, lá atrás e que acaba que... nem se aplica. Eu acho que muito pouco, não ajuda muito não. Eu, por exemplo, tenho muita dificuldade de lidar com essa parte emocional do paciente. (D9) Eu acho que isso ainda não... porque eu acho que vai muito além da nossa graduação aqui. Porque a gente não é apto... assim... como um psicólogo, de lidar com essas questões emocionais. Então eu acho que a gente ainda deixa a desejar nessa parte de situações emocionais. Que eu não sei lidar com todas... as situações. (D8) Os conteúdos curriculares desconsideram fatores psíquicos, afetivos, históricos e culturais do adoecer humano (Araújo et al., 2007), comprometendo o estabelecimento de vínculo entre o fisioterapeuta e o paciente. Para haver o fortalecimento dessa relação afetiva, é extremamente importante a inclusão de conhecimentos e práticas relacionados ao saber conviver ou saber se relacionar (Condrade, Aprile, Paulino, Karsch, Bataglia, 2010), frutos das éticas interativas e comunicacionais (Schraiber, 1996). Esse achado corrobora com Silva e Silveira (2011), que apontam o despreparo do fisioterapeuta para lidar com a dimensão subjetiva nas práticas de atenção. Há tendência dos cursos de graduação em preparar os futuros profissionais para tratar de um determinado órgão ou tecido - supervalorizando o corpo biológico -, subestimando os aspectos sociais e psicológicos do paciente (Condrade et al., 2010). “Contraditoriamente, na busca de conhecer os mecanismos produtores de doenças, os profissionais de saúde distanciaram-se das relações com os seres humanos em sofrimento” (Silva Junior et al., 2005:79). “Na maioria das vezes, os sintomas subjetivos não são levados em conta, ou mesmo, não se sabe como ‘dar conta’ deles” (Guedes et al., 2006:1095). Considerações Finais Em meio à tantas inovações biotecnocientíficas, podemos observar que, na instituição participante do pesquisa, o cuidado fisioterapêutico ainda está fortemente atrelado ao saber-fazer técnico, em detrimento dos aspectos humanísticos e integral à saúde. A formação em fisioterapia ainda valoriza, sobremaneira, os conhecimentos técnicos, o que interfere diretamente na capacitação dos futuros profissionais para a integralidade nas ações de cuidado em saúde. Desta forma, acreditamos ser preciso repensarmos a formação, de forma a atender o nosso sistema de saúde brasileiro. É preciso construir caminhos que possibilitem uma percepção cada vez menos segmentada da realidade e do saber em Fisioterapia, que produzam conhecimentos e ações mais contextualizados, portanto, mais próximos da realidade das pessoas que atendemos e mais próximos de capacitarmos essas pessoas a estabelecer co-responsabilidade pela manutenção de sua saúde e qualidade de vida. As ações em saúde serão mais efetivas tanto quanto conseguirem depreender da realidade apresentada pelo paciente, todo o seu contexto mais amplo, que interfere diretamente em sua condição de saúde. Para isso, devemos pensar em ações que estimulem o olhar integral desse paciente e de seu contexto, com apropriação de conhecimentos éticos e humanísticos durante a formação dos profissionais. Vendo a saúde como um bem social e a atuação em saúde como ação social, devemos pensar ações de cuidado em saúde que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa, respeitando o ser humano e assumindo uma postura ética de compromisso com o processo de transformação social. Referências Bibliográficas Almeida, A.L.J. O lugar social do fisioterapeuta. (2008). (Tese de Doutorado em Geografia), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, Brasil. Almeida, A.L.J. & Guimarães, R.B. (2009). brasileiro. Fisioterapia e Pesquisa, 16(1), 82-88. O lugar social do fisioterapeuta Andrade, A.D.; Lemos, J.C. & Dall’ago, P. (2006). Fisioterapia. In: Haddad AE, et al. A trajetória dos cursos de graduação na saúde: 1991-2004 (pp. 201-355). 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