ATLAS DA DIVERSIDADE
PRODUÇÃO DE MAPEAMENTOS DO BAIRRO JARDIM CANADÁ
Antonio YEMAIL1 , Juliana TORRES2 , Francisca CAPORALI3 e Natacha RENA4
1
Universidad Javeriana de Bogotá
2
Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais
3
JA.CA – Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia
4
Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e JA.CA – Jardim Canadá Centro de
Arte e Tecnologia
SUMÁRIO
Trata-se aqui de uma apresentação resumida das atividades de mapeamento que fizeram parte de um
workshop - ATLAS DA DIVERSIDADE - oferecido pelo arquiteto e designer colombiano Antonio Yemail,
integrante do grupo OFICINA INFORMAL e que fez parte das ações de consolidação das idéias debatidas
durante o SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DESIGN E POLÍTICA, pertencente à programação da Mostra de
Design 2011 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Este workshop também esteve integrado ao Programa de
Extensão Universitária DESEJA.CA_DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPREENDEDORSIMO SOLIDÁRIO
NO JARDIM CANADÁ, resultado de uma parceria entre o JA.CA_CENTRO DE ARTE E TECNOLOGIA DO JARDIM
CANADÁ e a Escola de Arquitetura da UFMG. Aglutinando trabalhos transdisciplinares, nas fronteiras entre
a arte, a arquitetura, o urbanismo e o design, a construção destes mapeamentos compuseram um atlas
eclético como parte do objetivo principal do Programa que é a realização de um leque de ações continuadas
com foco no desenvolvimento sustentável em um bairro pertencente à Região Metropolitana de Belo
Horizonte, Minas Gerais denominado Jardim Canadá.
PALAVRAS-CHAVE
Design, Arquitetura, Desenvolvimento Sustentável, Inteligências Coletivas, Cartografias
Emergentes
1. INTRODUÇÃO
Apresenta-se aqui parte do processo de construção de mapeamentos realizados em maio de 2011, durante
as atividades da Mostra de Design (que incluem Seminário Internacional de Design e Política e também
workshops realizados durante cinco dias). Estas ações fazem parte originalmente de um Programa
Extensionista da Universidade Federal de Minas Gerais DESEJA.CA_DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E
EMPREENDEDORISMO SOCIAL NO BAIRRO JARDIM CANADÁ, que possui o objetivo geral de desenvolver
propostas de empoderamento social através de atividades de ensino, pesquisa e extensão, envolvendo
áreas complementares: arte, arquitetura, urbanismo e design. A parceria entre o programa de extensão e o
JA.CA teve início em Janeiro de 2011, culminando no workshop ATLAS DA DIVERSIDADE que gerou este
artigo. É importante ressaltar também que o JA.CA vem atuando no bairro desde o início de 2010,
incentivando projetos artísticos que utilizem abordagens e tecnologias variadas para atuar especificamente
frente à realidade local, seja através de estímulos educacionais ou ativamentos de práticas colaborativas. A
proposta do workshop foi, portanto, o desenvolvimento de um diagnóstico criativo do bairro, através de
mapeamentos realizados por meio de pesquisas históricas e de campo, para compreender as dinâmicas: do
lugar, de suas origens históricas e étnicas, da formação de uma identidade local, das atividades econômicas
e culturais, dos fluxos de deslocamento, das tipologias de construções ou das inteligências coletivas
aplicadas à resolução de problemas cotidianos. Para o aprofundamento dessas questões, o arquiteto e
designer colombiano Antonio Yemail coordenou o workshop paralelamente a outros dois workshops
realizados no mesmo período (maio de 2011): o vídeo-artista colombiano Alejandro Araque e o artista
plástico argentino Javier Barilaro (do grupo ELOISA CARTONERA). Participaram deste trabalho alunos de
diversas escola de arquitetura e design da Região Metropolitana de Belo Horizonte, além de outros
profissionais, que realizaram as pesquisas de campo e o trabalho coletivo da construção de propostas
visuais destas cartografias emergentes.
Como o objetivo geral deste Programa de Extensão Universitária é realizar inclusão produtiva através de
processos envolvendo economia criativa e desenvolvendo a criação e a produção de artefatos
manufaturados com resíduos coletados no próprio bairro, o intuito do workshop ATLAS DA DIVERSIDADE, foi
explorar metodologias de trabalho coletivo entre estudantes, professores, profissionais e público
beneficiário, no sentido de promover o intercâmbio de idéias e levantamento de informações, estimulando
o debate e o compartilhamento de experiências e a construção de um atlas contendo uma multiplicidade
de informações importantes para o entendimento das lógicas ordinárias do lugar. Para isto, houve um
trabalho de imersão durante uma semana, no qual os participantes do workshop experimentaram novos
processos de diagnóstico local com intuito de possibilitar a criação de redes emocionais e subjetivas em um
percurso composto por diferentes atuações, que não se reconhecem através de uma escala homogênea ou
de um formato pré-determinado, mas sim, pelo interesse em trabalhar com a energia disponível e trazer
vínculos entre diversas formas de vida.
2. TERRITÓRIO E DESIGN: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPODERAMENTO SOCIAL
Acredita-se que os processos de criação, quando bem estruturados, possam incentivar a coletividade,
possibilitando a união dos grupos e a capacidade de trabalho colaborativo (RENA, 2010). Neste Programa de
Extensão, pretende-se gerar ações que propiciem o desenvolvimento de projetos com objetivo de
empoderamento da comunidade em diversos níveis. A estratégia central do DESEJA.CA é a construção de
meios para consolidar tecnologias sociais através da implantação de um núcleo produtivo de
empreendedorismo solidário em 2012, objetivando a criação e a produção de artigos manufaturados com
resíduos coletados no próprio bairro. As três oficinas que se encontram em fase de montagem são projetos
de extensão vinculados ao Programa DESEJA.CA e pretendem trabalhar com resíduos encontrados no
bairro: MAR.CA – Oficina de Marcenaria; TE.CA – Oficina de Tecelagem; ESTAM.CA – Oficina de Estamparia.
Existe uma enorme necessidade de desenvolvimento de parâmetros teóricos que possam nortear ações
extensionistas no sentido de valorizar, para além do empoderamento econômico da comunidade por si só, a
identidade cultural de grupos locais, promovendo a melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas e
potencializando a construção de uma identidade cultural compatível com o território em que vivem. Estas
potencialidades de ações solidárias, em territórios determinados, fazem parte das diretrizes para atuação
criativa dos planos de capacitação e projetos de empreendedorismo social através do artesanato e do
design mais contemporâneos. Entender o território como lugar de troca e configuração de rede e, ao
mesmo tempo, agregar valor aos produtos desenvolvidos coletivamente através da coleta de informações
que possam potencializar uma estética que incorpora aos produtos, a localidade e a cultura de
comunidades específicas. Além da utilização dos resíduos abandonados nos lotes vagos do bairro faz parte
do eixo metodológico adotado compreender a lógica construtiva das inteligências coletivas adotada pelos
moradores ao construírem suas habitações e intervenções urbanas despregadas do controle do poder
público. Adota-se um processo criativo de objetos aliando o movimento estético ao contexto ético:
valorização de uma identidade híbrida, mas específica, da comunidade local ao produto desenvolvido para
ser comercializado e isto faz com que os beneficiários possam ter uma relação de pertinência com os
objetos produzidos.
Gerar aproximações com o lugar, seja através de associações do bairro, seja através de levantamentos
cuidadosos e atentos à realidade local, são ações fundamentais para o início destes projetos de
empreendedorismos solidário através do design. Desta forma, o ATLAS DA DIVERSIDADE foi um fator de
agenciamento inicial das atividades extensionistas e de pesquisa. Atrelando-se o design e a arquitetura
(micropolíticas) à um pensamento urbanístico (macropolíticas) voltado para geração de futuras políticas
públicas de desenvolvimento regional.
3. ATLAS DA DIVERSIDADE
A grande questão lançada foi: como a emergência das novas crises planetárias de ordem climática,
energética e política, ou de valores pós-materialistas como a igualdade de gênero, a preservação do meio
ambiente e o respeito à diversidade étnica, sexual e social como um todo, estão impactando a prática da
arquitetura, da arte, do urbanismo e do design a nível continental?
Como forma alternativa de se observar e se aproximar dos eventos urbanos contemporâneos, Stefano
BOERI (2010: 183) levanta a possibilidade da realização de ‘atlas ecléticos’, que seriam modos de
representação do espaço e do cotidiano da cidade atual, não somente como uma estratificação de níveis de
realidade, mas também como um modo coletivo de se pensar o espaço. Seriam representações com
múltiplos pontos de vista e que fazem um contraponto ao paradigma dominante, atacando-o lateralmente.
Seriam formas de observação dos territórios habitados em busca de códigos individuais, locais e múltiplos
que aproximam o observador do observado. Segundo o pensador, os atlas ecléticos:
“(...) propõem novas maneiras de examinar as correspondências entre o espaço e a sociedade. São textos
heterogêneos – informes, estudos fotográficos, descrições geográficas e literárias, classificações, informes de
investigação, investigações qualitativas, ensaios e artigos, antologias e monografias, memórias de planejamentos
e projetos, etc. – porém similares em sua aproximação visual. Tendem a assumir a forma de um ‘atlas’ porque
buscam novas correspondências lógicas entre os objetos que ocupam o espaço, as palavras que utilizamos para
nomina-los e as imagens mentais que projetamos sobre eles; e tendem a ser ecléticos porque os critérios nos
quais se baseiam estas correspondências são multidimensionais, espúrios e experimentais.” (BOERI, 2010,
p.183)
Figura 01: FOTOMONTAGEM DO BAIRRO JARDIM CANADÁ_ REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE
Seguindo a lógica dos atlas ecléticos citados por Boeri, a proposta do Oficina Informal para o Workshop da
Mostra de Design 2011 adotou quatro eixos conceituais norteadores: 1) cartografia de coleta
(reconhecimento do bairro para a gestão de material local); 2) baixa resolução e imperfeição (trabalhar em
um marco de restrições e limitações assumindo-as como um dado mais à trabalhar); 3) inteligência coletiva
(reaplicação e evolução de técnicas de soluções construtivas populares); 4) urbanismo dos acontecimentos
(ações reversíveis no espaço público com um tempo de duração determinado).
Os mapeamentos realizados no ATLAS DA DIVERSIDADE seguiram as diretrizes da construção coletiva de um
modelo analítico para a visualização da complexidade, da mestiçagem e da energia social, das quais
extraíram-se as oportunidades de desenho, entendendo-se mapemanto como layers, resultantes sintéticos
de uma realidade extremamente heterogênea. Alguns dos mapas que foram realizados durante o workshop
(e que estão em constante construção dentro do DESEJA.CA devido à parceria permanente estabalecida
entre: Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Javeriana de Bogotá e JA.CA) foram:
Mapeamento da Diversidade Ecológica _ Inventário botânico de espécies medicinais, de frutas ou
aromáticas. Presença da fauna como aves, animais, árvores nativas (e suas relações com o uso), zonas
verdes, ciclos climáticos, chuvas, ameaças ambientais; Mapeamento da Diversidade Étnica e Micropolítica
_ Origens da população, interesses, grupos étnicos, localizaçãoe spacial por g6enero e idade. lideranças,
redes de vizinhança, fronteiras e conflitos internos; Mapemaneto da Diversidade Material e das
Inteligências Coletivas _ Sistemas construtivos, porcentagens dos materiais utilizados, procedências, tipos
de revestimento, tecnologias comunitárias para a gestão da água ou da energia, técnicas artesanais,
materiais não convencionais, soluções construtivas para o manejo da sombra e da chuva, crescimento das
habitações com o tempo, tipologias espaciais singulares; Mapeamento da Diversidade Produtiva e dos
Ofícios Emergentes _ Pequenas economias locais, negócios tradicionais, habiatações mistas, comércio
formal e informal, sistemas de marketing local, artefatos móveis, produtos temporários, mercados e
abastecimento local, fábricas e negócios em grande escala, cooperativas produtivas, informalidade,
mercado negro e contrabando, escritorios de ofícios tradicionais, depósitos de materiais de construção;
Mapeamento da Diversidade Cultural e dos Acontecimentos Cotidianos _ Gastronomia local, pratos
típicos, festas, grupos e bandas musicais típicas, tribos urbanas, mecanismos de sociabilização, formas de
celebração, festividades importantes, santos e ícones religiosos relevantes, feiras, mestiçagens e
transculturalização, uso cotidiano da rua, paisagens sonoras, esportes populares, manifestações artísticas;
Mapeamento da Diversidade Gráfica e das Redes de Comunicação _ Tipografias, cores das fachadas,
letreiros, grafiti e stencil, formas e estilos de senalização, presenta do bairro na Internet (Google, Factbook,
Flickr, Youtube, Wikipedia), lanhouses e correiros eletrônicos, redes wifi, rádios comunitárias, páginas da
web; Mapeamento da Diversidade Urbana e dos Espaços Públicos _ Tipos e intensidade de fluxos, manejo
de lixos, pontos de reciclagem, inventário do mobiliário público oficial e espontâneo, usos programados e
não programados do espaço público, zonas de permanência e segurança, relação do bairro com o município
e a região metropolitana; dentre outros. A seguir alguns exemplos dos mapeamentos desenvolvidos.
Figura 02: MAPEMAMENTO DAS TIPOLOGIA DE FACHADAS_ATLAS DA DIVERSIDADE
Figura 03: MAPEMAMENTO DAS INTELIGÊNCIAS COLETIVAS_ATLAS DA DIVERSIDADE
Figura 04: MAPEMAMENTO DA DIVERSIDADE PRODUTIVA_ATLAS DA DIVERSIDADE
Figura 05: MAPEMAMENTO DOS SALÕES DE BELEZA DA RUA NATAL_ATLAS DA DIVERSIDADE
Figura 06: MAPEMAMENTO DA DIVERSIDADE GRÁFICA_ ATLAS DA DIVERSIDADE
Figura 07: CALENDÁRIO DAS ATIVIDADES CULTURAIS DO BAIRRO_ATLAS DA DIVERSIDADE
Figura 08: TAPETE CONFECCIONADO A PARTIR DA LÓGICA URBANA LOCAL
“Estes atlas utilizam uma variedade de ângulos de visão simultaneamente: desde o alto, porém também através
dos olhos de quem habita o espaço, ou experimentando novas e despretensiosas perspectivas imparciais. Em
particular, se preocupam por manter uma clara distinção entre a subjetividade do observador real (de quem
olhamos a paisagem e observamos suas representações) e os simulacros de subjetividade que incorporam as
tecnologias da representação, convencidos de que nossa identidade se configura no ato fundante da visão,
dentro do ato de observar (...)” (BOERI, 2010, p.184)
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos: à Universidade Federal de Minas Gerais pelas bolsas de extensão e logística de apoio à
pesquisa; à Bruna Di Gioia e ao Marcelo XY, que auxiliaram na coordenação do workshop; aos alunos e que
realizaram os mapeamentos que compõe o ATLAS DA DIVERSIDADE: Ana Infante (UFMG), Bianca Ribeiro
(UFMG), Cecília Reis (UFMG), Danilo Caporalli (UFMG), Felipe Carnevalli (UFMG), Fernando Borges (UEMG),
Luiza Magalhães (UFMG), Luiz Gustavo Pataro (UFMG), Karine Marçal (UFMG), Marcela Figueiredo (UFMG),
Mateus da Matta Machado (UFMG), Natália Freitas (UFMG), Paulinisia Braga (UFMG), Pedro Henrique Silva
(UFMG), Ulisses Machado (UFMG), Vítor Lagoeiro (UFMG).
REFERÊNCIAS:
BOERI, S. Atlas eclécticos. In: WALKER, E. (ed.). Lo ordinario. Barcelona: Gustavo Gili, 2010. P.177-204.
OLIVEIRA, B.; RENA, N. S. A. Territórios aglomerados: design e extensão universitária. In: Natacha Rena.
(Org.). Territórios aglomerados. 1 ed. Belo Horizonte: Universidade FUMEC, 2010, v. 1000, p. 12-23.
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