DA INTERPRETAÇÃO DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS AO
RECONHECIMENTO DAS DEMANDAS DA POPULAÇÃO LGBT
Bruno Silva Kauss1
RESUMO
A discussão sobre direitos sexuais e princípios jurídicos no âmbito da sexualidade em
suas diferentes expressões visa problematizar um tema pouco debatido no currículo das
faculdades do Direito. O exame de políticas públicas, da jurisprudência e da legalidade
voltadas para a população LGBT permite um estudo aprofundado sobre a forma como o
Estado brasileiro vem se comportando perante a garantia dos Direitos Humanos dessa
considerável parcela da população. Neste ensaio, objetiva-se problematizar os princípios
jurídicos fundamentais da Constituição Federal de 1988 em relação aos direitos sexuais de
pessoas LGBT. Tomando como marco teórico a “luta por reconhecimento” de
multiculturalistas como Iris Marion Young (1995), Charles Taylor (1997) e Nancy Fraser
(2006), como paradigma de conflito político do final do século XX, pretende-se uma
abordagem crítica a respeito dos princípios jurídicos, a fim de construir uma interpretação dos
direitos sexuais sob a ótica do reconhecimento e da não-discriminação às diferentes
expressões da sexualidade humana.
Palavras-chave: sexualidade, direitos sexuais, princípios jurídicos.
INTRODUÇÃO
1
Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Bolsista do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande
do Sul (FAPERGS). Participa do projeto “Pluralismo Jurídico, Multiculturalismo e Democracia LatinoAmericanos: seus reflexos na legalidade, nas políticas públicas e na jurisprudência superior do Estado brasileiro
atual (2006-2011)”, coordenado pela Profª. Drª. Renata Ovenhausen Albernaz.
Garantir o livre exercício de direitos e liberdades fundamentais à população de gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transsexuais e transgêneros (LGBT)2, apresenta-se como
desafio ao Estado Democrático de Direito brasileiro, perante o cenário díspare e injusto vivido
por esses indivíduos. A discriminação contra a população LGBT ainda é uma constante na
sociedade brasileira, engendrada por diversos atores e, também, de várias formas, a exemplo
da violência homofóbica3.
A Constituição Federal brasileira de 1988 (CF/88) expressamente proíbe
discriminações odiosas através de seu Art. 5°, segundo o qual: “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no
País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]”. Além
disso, a lei se propõe a punir toda “discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais” (Art. 5°, inciso XLI, CF/88)4.
A discussão sobre os direitos e liberdades fundamentais à população LGBT, relacionase à interpretação de princípios jurídicos fundamentais, os quais integram o rol de normas
constitucionais. Nesse sentido, a interpretação principiológica contribui também para o debate
sobre direitos sexuais e o livre exercício responsável da sexualidade5. Segundo Ingo
Wolfgang Sarlet (2009), a Constituição vigente foi a primeira no constitucionalismo pátrio a
prever um título próprio aos princípios fundamentais. Na elaboração da Constituição de 1988,
outorgou-se aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas
de toda a ordem constitucional, inclusive das normas sobre direitos e garantias fundamentais,
as quais também integram os princípios fundamentais.
2
Durante o ensaio, gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais, travestis e transgêneros serão referidos pela sigla
LGBT.
3
Segundo Borillo (2010) a homofobia é caracterizada pela hostilidade contra pessoas LGBT. “Do mesmo modo
que a xenofobia, o racismo ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em
designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado a distância,
fora do universo comum dos humanos” (BORILLO, 2010, p. 13).
4
Conforme:
BRASIL:
Constituição
Federal
de
1988.
Fonte:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 16 de outubro de 2012.
5
Segundo a Declaração e Programa de Ação do Cairo, a sexualidade consistiria na “[...] a capacidade de homens
e mulheres de realizar e manter a saúde sexual e administrar sua vida reprodutiva. A igualdade nas relações entre
homens e mulheres, em matérias de relações sexuais e de reprodução, inclui o pleno respeito pela integridade
física do corpo humano, exige respeito mútuo e disposição de aceitar a responsabilidade pelas conseqüências de
um comportamento sexual (CIPD, 1994, p. 68). Assembleia Geral da ONU. Programa de Ação do Cairo.
Disponível em: <http://www.sepm.gov.br/Articulacao/articulacao-internacional/onu>. Acesso em 18 de outubro
de 2012.
No ordenamento jurídico brasileiro, a discussão sobre os direitos sexuais e a proteção
aos direitos humanos à população LGBT é recente. Os direitos sexuais constituem categoria
jurídica que busca problematizar fenômenos e relações sociais dos indivíduos no âmbito da
sexualidade em suas diferentes expressões: heterossexualidade, homossexualidade,
bissexualidade, transexualidade, travestialidade, entre outras (RIOS, 2006). Assim, questões
como discriminação e reconhecimento para população LGBT são centrais para os direitos
sexuais, além da sua garantia através dos direitos fundamentais.
Dessa forma, a partir da Constituição de 1988, este artigo objetiva problematizar os
princípios jurídicos da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III), da proibição de
discriminações odiosas (art. 3°, inciso IV), da igualdade (art. 5°, caput), da liberdade (art. 5°,
caput), e da proteção à segurança jurídica em relação aos direitos sexuais à população LGBT.
Tomando como marco teórico a “luta por reconhecimento” de multiculturalistas como Iris
Marion Young (1995), Charles Taylor (1997) e Nancy Fraser (2006), como um paradigma de
conflito político do final do século XX, pretende-se uma abordagem crítica a respeito dos
princípios jurídicos, a fim de construir uma interpretação dos direitos sexuais sob a ótica do
reconhecimento e da não-discriminação às diferentes expressões da sexualidade humana.
A metodologia de pesquisa será a revisão bibliográfica, atravessada por um viés
metodológico dedutivo-crítico sobre os princípios jurídicos relacionados à proteção e
reconhecimento da população LGBT. Através do marco teórico, a investigação abordará os
mecanismos legais (na forma de princípios) e retórico-judiciais atualmente disponíveis para
combater discriminações odiosas contra LGBT num Estado que se propõe justo, pluralista e
de acordo com os direitos da pessoa humana. Além disso, o enfoque adotado será
interdisciplinar, a fim de verificar as dimensões e amplitudes da problemática, sopejando
esses princípios com estudos sociológicos e filosóficos sobre este grupo LGBT.
Esse ensaio nasceu a partir do projeto: “Pluralismo Jurídico, Multiculturalismo e
Democracia Latino-Americanos: seus reflexos na legalidade, nas políticas públicas e na
jurisprudência superior do Estado brasileiro atual (2006-2011)”, o qual objetiva investigar os
efeitos já alcançados na legalidade, no teor das decisões judiciais, e nas políticas públicas das
propostas teóricas e práticas multiculturalistas e pluralistas no ordenamento jurídico
brasileiro. Dessa forma, esse artigo constitui uma preparação teórica para o trabalho de análise
a ser desenvolvido durante os anos de 2012 e 2013.
A discussão sobre direitos sexuais e princípios jurídicos no âmbito da sexualidade em
suas diferentes expressões, visa problematizar um tema pouco debatido no currículo das
faculdades do Direito. O exame de políticas públicas, da jurisprudência e da legalidade
voltadas para a população LGBT permite um estudo aprofundado sobre a forma como o
Estado brasileiro vem se comportando perante a garantia dos Direitos Humanos dessa
considerável parcela da população.
Na primeira parte do ensaio serão problematizadas as intersecções entre justiça,
reconhecimento e sexualidade, a partir do marco analítico desenvolvido por Nancy Fraser
(2006) sobre justiça redistributiva e de reconhecimento. A segunda parte abordará a questão
dos princípios jurídicos no âmbito constitucional positivo, a fim de verificar o alcance da
interpretação dos mesmos para o reconhecimento e combate às discriminações contra a
população LGBT.
Numa época na qual os fundamentalismos religiosos tomam força e que as chamadas
“curas” para as diferentes expressões da sexualidade surgem como solução às “sexualidades
desviantes” (LOURO, 2009), discutir o reconhecimento e proteção à população LGBT no
âmbito jurídico, torna-se pauta de absoluta relevância social. A sexualidade em geral, costuma
ser tratada como questão de saúde, raramente é colocada no debate sobre desenvolvimento
(CORNWALL; JOLLY, 2008). No entanto, o tema possui desdobramentos que não se
restringem ao direito à saúde de qualidade, mas também ao direito de exercer de maneira livre
e responsável, autonomia sobre o próprio corpo.
INTERSECÇÕES ENTRE JUSTIÇA, RECONHECIMENTO E SEXUALIDADE
As intersecções entre justiça, reconhecimento e sexualidade podem ser analisadas de
acordo com o marco analítico desenvolvido por Nancy Fraser. A luta por reconhecimento de
grupos representados pelo movimento negro, de mulheres, LGBT, entre outros, tornou-se
fundamental nos dias de hoje. Dessa forma, o “reconhecimento da diferença” emerge como o
principal conflito do século XXI contra a dominação cultural. Nesse novo cenário, Fraser
(2006) concebe duas formas para compreender a injustiça. A primeira, a injustiça econômica,
radicada na estrutura econômico-política da sociedade; e a segunda, a injustiça cultural ou
simbólica, radicada nos padrões sociais de representação6, interpretação e comunicação, a
exemplo da dominação cultural. O remédio para a injustiça econômica estaria na
reestruturação político-econômica, através de mecanismos igualitários e universalistas, como
redistribuição de renda, controle democrático do investimento etc. Doravante, a autora se
refere a esse grupo pelo termo genérico “redistribuição”. Já o remédio para a injustiça cultural
seria alguma espécie de mudança cultural ou simbólica, envolvendo o reconhecimento e a
valorização da diversidade cultural – a esse grupo, refere-se pelo termo genérico
“reconhecimento” (FRASER, 2006).
6
Para a discussão sobre a representação política de grupos de grupos estruturalmente desfavorecidos ver Young
(2006, p. 139-190).
Redistribuição e reconhecimento são categorias fundamentais para a compreensão dos
paradigmas de justiça socioeconômica e justiça cultural ou simbólica, segundo Fraser (2006).
Enquanto que a injustiça econômica reclamaria a redistribuição de bens materiais, apontando
para esquemas igualitários e universalistas; a injustiça cultural ou simbólica exigiria o
reconhecimento de grupos estigmatizados numa dinâmica diferenciadora. Surge, então, o
dilema e a complementaridade entre reconhecimento e redistribuição, enquanto o primeiro
tende a dissolver diferenciações, o segundo tende a produzi-las.
Quando se trata de uma população como a LGBT, a injustiça mais incidente se dá no
campo cultural ou simbólico, o qual demanda reconhecimento. Todavia, não se pode ignorar
de todo matérias envolvendo a injustiça socioeconômica que recai sobre LGBT. No contexto
de injustiça socioeconômica, Cornwall e Jolly (2008) argumentam que a sexualidade e as
regras sociais que a cercam possuem impacto sobre áreas centrais para o desenvolvimento,
como a pobreza e o bem-estar. Dessa forma, a sexualidade pode ser um recurso econômico,
por meio da prostituição, ou inclusive pela formação da família, a qual também constitui uma
unidade econômica. Além disso, romper com as regras sociais que envolvem a sexualidade,
também pode levar à pobreza, à exclusão social, e consequentemente, ao não-reconhecimento,
O direito a controlar o próprio corpo – seja para proteger sua integridade ou
para desfrutar seus prazeres – não é algo “supérfluo” [...]. É um dos mais
básicos de todos os direitos, pois se não temos a possibilidade de evitar que
nossos corpos sejam violados por outras pessoas, se nos negam a
oportunidade de nos proteger da gravidez e da doença, como poderemos
participar dos outros benefícios do desenvolvimento ou mesmo exigi-los?
(CORNWALL; JOLLY, 2008, p. 34).
Dessa forma, evidencia-se que o debate a respeito dos direitos sexuais em relação à
população LGBT atravessa as duas áreas que permeiam o tema injustiça. Apesar da injustiça
cultural ou simbólica ser mais latente, é inegável a incidência sobre pessoas LGBT de
questões relacionadas à pobreza e à má distribuição de recursos. A partir da problemática
envolvendo redistribuição e reconhecimento, como garantir que pessoas LGBT possam
expressar sua sexualidade de forma livre e responsável sem que venham a sofrer quaisquer
tipos de discriminações?
Roger Raupp Rios (2006) aponta como sendo os princípios básicos da declaração de
direitos humanos e do constitucionalismo clássico, a liberdade e igualdade, “cuja afirmação
implica o reconhecimento da dignidade de cada ser humano de orientar-se, de modo livre e
merecedor de igual respeito, na esfera de sua sexualidade” (RIOS, 2006, p. 83). Além disso,
aponta para o princípio democrático da sexualidade, o qual reclama a participação dos
indivíduos em políticas públicas a serem desenvolvidas. Participação que envolve desde a
identificação de problemas até o planejamento, a eleição de prioridades e de estratégias de
ação.
Rios (2006) argumenta que na perspectiva do direito internacional dos direitos
humanos, o direito à igualdade abarcou a proteção às diferenças dos sujeitos de direito,
tomados em suas singularidades e particularidades, as quais demandam proteções
diferenciadas, respeitando, dessa forma, o princípio da diversidade. Devido ao fato da
sexualidade alcançar a esfera jurídica alheia, exige-se um exercício responsável da
sexualidade, informado pelos princípios da liberdade, igualdade e dignidade, conclui o citado
autor.
Com isso, a interpretação principiológica justifica-se pela capacidade de reconhecer os
sujeitos que compõem a população LGBT em suas particularidades e singularidades, além de
chamar atenção para as demandas desse grupo, as quais se encontram tanto no campo
econômico, no acesso a bens materiais, e no campo cultural envolvendo questões de
reconhecimento das diferenças e singularidades de pessoas LGBT. Que medidas são
necessárias para além de reconhecer a população LGBT, transformar a realidade de opressão
que vivem esses indivíduos?
RECONHECIMENTO PARA AUTONOMIA
Guacira Lopes Louro (2009) argumenta que as práticas discriminatórias contra pessoas
LGBT surgiriam a partir da produção e reiteração compulsória da norma heterossexual
desconsiderando as diversas expressões da sexualidade e manifestações de gênero. Dessa
forma, a imposição da heterossexualidade como a única expressão sexual e afetiva legítima,
engendraria práticas individuais, comportamentos, influindo nas diversas relações entre os
indivíduos e também sobre o campo jurídico. Práticas discriminatórias que ocorrem na escola
quando transexuais são impedidas de serem chamadas pelo nome social, nas relações de
trabalho quando travestis sujeitam-se involuntariamente ao mercado de sexo, no acesso à
justiça, quando casais homoafetivos são impedidos de se habilitar em listas de adoção, entre
outros casos em que a violação aos direitos e liberdades fundamentais de pessoas LGBT é
clara e recorrente.
Discriminações e violências motivadas pela orientação sexual e identidade de gênero7
são denunciadas no Discriminatory Laws and Practices and Acts of Violence Against
7
Gênero pode ser conceituado como construção social e histórica do ser masculino e do ser feminino. O gênero
relaciona-se às características, atitudes ou comportamentos atribuídos seja ao masculino ou ao feminino em
Individuals Based on their Sexual Orientation and Gender Identity8, relatório da Organização
das Nações Unidas (ONU), divulgado no final de 2011, no qual se constatou que,
globalmente, em função da orientação sexual e identidade de gênero, pessoas LGBT são alvo
de discriminações no trabalho, na escola, no ambiente familiar e comunitário, sofrendo
punições em função da condição que assumem, sendo condenados em certos países à prisão, à
tortura ou até a morte. O relatório apontou como causa à discriminação e violência, a ação de
extremistas religiosos, militares, neonazistas, e de intolerantes à diversidade sexual e de
gênero. Segundo o relatório, predomina no pensamento global a visão de que as diferentes
expressões das sexualidades e manifestações de gênero representam uma ameaça à estrutura
social sedimentada na norma heterossexual, no machismo e na homofobia.
Nesse debate, a relevância em invocar os princípios jurídicos no âmbito constitucional
positivo é verificar o alcance da interpretação dos mesmos para o reconhecimento e para o
combate às discriminações ocorridas contra a população LGBT. A fim de tratar sobre os
direitos fundamentais presentes na Constituição de 1988 relacionados aos direitos sexuais de
pessoas LGBT, faz-se necessário abordar a natureza desses direitos segundo uma perspectiva
neoconstitucionalista, esta que afirme a capacidade real e vinculante desses direitos e
princípios serem invocados e aplicados para suprimir os fatos e causas da opressão
diuturnamente sofrida pelo grupo LGBT.
Para Robert Alexy (2011), normas de direitos fundamentais subdividem-se em regras e
princípios. A partir desse pressuposto, o autor formula três teses: na primeira, sustenta a
impossibilidade em diferenciar taxativamente princípios e regras em duas classes distintas,
porque ambos podem apresentar semelhanças entre si, o que permitiria apenas diferenças
gradativas entre eles. A segunda tese remete àqueles autores que colocam o grau de
generalidade como o principal fator de diferenciação entre regras e princípios. E a terceira,
com a qual o autor concorda, sustenta que, ao invés de existir uma distinção gradual entre
princípios e regras, haveria uma distinção qualitativa,
[...] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são
determinada sociedade, que poderá ou não corresponder com o sexo biológico (YOGYAKARTA, 2007). Ver:
Princípios de Yogyakarta. Disponível em: <http://www.yogyakartaprinciples.org/principles_sp.pdf>. Acesso em
04 de junho de 2012.
8
UNITED STATES. Discriminatory Laws and Practices and Acts of Violence Against Individuals Based on
their
Sexual
Orientation
and
Gender
Identity,
2011,
p.
1-4.
Disponível
em:
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/19session/A.HRC.19.41_English.pdf>. Acesso em 15 de
março de 2012.
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de
que a medida devida de sua satisfação não depende somente das
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito
das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
colidentes. Já as regras são normas que são sempre satisfeitas ou não
satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela
exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no
âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a
distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma
distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio (ALEXY,
2011, p. 90-91).
Com isso, princípios são normas que, apesar de possuir maior alcance em relação às
regras, sua efetivação depende do contexto em que serão aplicados. Como mandamentos de
otimização, refere-se à possibilidade de serem efetivados em diferentes graus, e de seu
cumprimento depender, não somente de possibilidades materiais existentes, mas também de
possibilidades jurídicas – âmbito que envolve regras e princípios. Segundo Humberto Ávila
(2009), os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de
um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado pela
adoção de comportamentos necessários.
Considerando a historicidade dos direitos à constituição de família por pessoas LGBT,
até a primeira década dos anos 2000, as uniões homoafetivas eram tratadas pelo ordenamento
jurídico apenas como sociedade de fato, ou seja, como um contrato no qual os sujeitos
envolvidos se obrigavam a contribuir com bens ou serviços, para o exercício de atividade
econômica e a partilha, entre si, de resultados (Art. 981, CC/02). Essa concepção puramente
patrimonial ignorava elementos tais como o afeto, a solidariedade, a assistência mútua e a
convivência pública, entre outros, presentes nas uniões de mesmo sexo.
O reconhecimento das uniões homoafetivas como família teve início na migração da
competência dessas ações dos juizados cíveis, para os juizados especializados em Direito de
Família, inicialmente do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. A partir disso, diversas
decisões se apoiaram em princípios constitucionais na tentativa de estender tanto a união civil
quanto o casamento civil aos casais homoafetivos.
O marco do reconhecimento das uniões homoafetivas como família, no entanto, fora
em maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal estendeu o instituto da união civil a
essas uniões, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 277 (ADI 4277) e Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental n° 132 (ADPF 132). A ADI 4277 e a ADPF 132 se
fundamentaram em princípios constitucionais a fim de estender o instituto da união civil às
pessoas de mesmo sexo,
A tese de mérito desta ADPF é a de que o não-reconhecimento da união
entre pessoas do mesmo sexo implica em violação dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III), da
proibição de discriminações odiosas (art. 3°, inciso IV), da igualdade (art. 5°,
caput), da liberdade (art. 5°, caput), e da proteção à segurança jurídica. (ADI
n° 4277 e APPF n° 132, 2011, p. 6).
As discriminações odiosas são vedadas no texto constitucional pelo art. 3°, inciso IV,
o qual estabelece, dentre os objetivos fundamentais da República, “promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação” (CF/88). Em relação ao sexo9, o artigo englobou tanto as discriminações em
função do gênero quanto da expressão sexual. Além disso, o Estado tem o compromisso
social de promover o bem de todos, seja através da não ingerência sobre a liberdade
individual, seja na promoção da igualdade. Erradicar discriminações odiosas contra pessoas
LGBT numa sociedade majoritariamente racista, machista e homofóbica é um grande desafio.
Segundo o art. 5°, caput. “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza” (CF/88). Reconhecer10 é declarar a existência verdadeira de algo. Não se trata de
simplesmente aceitar, e muito menos de tolerar. Reconhecer exige a consciência sobre
determinada realidade. Reconhecer os negros, os indígenas, mulheres, os LGBT, e a todos os
sujeitos que compõem e transpõem essa sigla, entre outros. Perceber a riqueza das culturas e
identidades que integram esses grupos, a fim de criar mecanismos afirmativos para que os
sujeitos possam viver suas vidas tranquilamente, sem restrições ou coerções. Porém, diante da
realidade opressora contra a diversidade étnica, racial, de gênero e sexual, necessita-se de
mecanismos que procurem transformar a realidade.
Erradicar discriminações odiosas contra a população LGBT é um grande desafio, pois
ao mesmo tempo em que busca a igualdade entre os indivíduos, clama por respeito às suas
diferenças e particularidades dos mesmos. Como resolver esse dilema entre igualdade e
respeito às diferenças? Uma possível resposta é encontrada na área do multiculturalismo e da
cidadania multicultural. Para o multiculturalismo avultam a questão da diferença; a
problemática dos direitos das minorias em relação à maioria; e a questão da identidade e do
reconhecimento. Estes figuram como problemas centrais de sua discussão (SEMPRINI,
9
Apesar de haver diferenças conceituais entre gênero, sexo e sexualidade, a Constituição não faz quaisquer
distinções, sendo majoritário o entendimento de que sexo engloba essas categorias. Cumpre salientar que o fato
da norma trazer em seu texto a proibição a outros tipos de discriminação é determinante na extensão do artigo 3°,
inciso IV (CF/88) a quaisquer outros casos.
10
Cf. TAYLOR, 1997.
1999). Andrea Semprini (1999) alerta para a dificuldade em compreender a questão
multicultural sem considerar a relevância e a legitimidade da noção de diferença na cultura
ocidental. Segundo esse autor, a ideologia universalista do “todos são iguais”, levou a
diferença a um estado transitório, rumo a uma ordem do plural. Assim, fundamentada na
ideologia da igualdade, a diferença representaria uma ameaça à política ocidental liberal, cuja
ênfase é a liberdade e livre iniciativa (que, geralmente, causam desigualdades). Nessa
perspectiva, o multiculturalismo pode ser o revelador da profunda crise que sacode o cenário
político ocidental, pois:
O caráter paradoxal – não sem uma certa ironia – do multiculturalismo é o
de fazer a modernidade cair em sua própria armadilha ao reclamar dela,
realmente, o que lhe é devido, ao pretender que ela coloque esse
universalismo, essa igualdade, essa justiça, esse reconhecimento que ela
sempre pretendeu ter na própria base do projeto civilizatório. A modernidade
fica, assim, refém de si mesma. Pede-se somente que se creia nela, mas desta
vez com base em fatos concretos e não em promessas para o futuro
(SEMPRINI, 1999, p. 161).
A igualdade, nesse caso, atenta para o reconhecimento das particularidades e
singularidades individuais - é a “igualdade na diferença”. Reconhecimento este que reclama
mecanismos afirmativos e transformativos da realidade social no sentido de soerguer
diferenças historicamente colocadas em posições sociais muito desiguais (no sentido de
desvantajosas) em relação aos grupos mais uniformes aos padrões hegemônicos. Dessa forma,
a questão de combate às discriminações odiosas contra a população LGBT não se esgota no
discurso precário de que “todos são iguais” e por isso “merecem” respeito. A questão envolve
a liberdade de indivíduos em autogerir seus próprios projetos de vida sem sofrer quaisquer
violências e opressões, sejam essas de caráter sexual ou de gênero.
Essa discussão remete a outro princípio invocado pela ADI 4277 e ADPF 132: o
princípio da liberdade, contido no art. 5°, caput, da Constituição de 1988. Como já
salientado, a liberdade individual permite aos indivíduos escolherem a forma de gerir seus
planos de vida, ou seja, o direito à autodeterminação. Contudo a liberdade dentro do seu
campo de atuação possui certas restrições. Esse paradoxo tem uma explicação. Ao mesmo
tempo em que os indivíduos possuem a liberdade para conduzir seus projetos de vida, estes
estão condicionados aos projetos dos demais. Isso se denomina livre exercício responsável da
sexualidade, mais ligado ao comportamento e à maneira em como gerir as relações pessoais.
O princípio da segurança jurídica, também chamado de princípio da proteção à
confiança11, confere a possibilidade de usufruir de direitos e garantias constitucionais com
tranquilidade e estabilidade. Dessa forma, procura-se proteger a segurança jurídica como
princípio basilar no estabelecimento e exercício das relações jurídicas. No momento em que
os indivíduos que compõem uma união homossexual procuram o reconhecimento desta pelo
instituto do casamento civil eles perseguem a segurança quanto a direitos patrimoniais como
partilha de bens; direitos sucessórios como herança; direitos alimentícios; de assistência
mútua; adoção; ente outros.
Além disso, há flagrante violação do princípio da segurança jurídica no caso das
decisões judiciais conflitantes envolvendo o casamento civil para homossexuais. Após a
decisão da ADIN n° 4277 e ADPF n° 132, vários cartórios do Brasil passaram a regulamentar
a lavratura de escritura pública de declaração de união civil entre pessoas de mesmo sexo,
inclusive após pareceres das Corregedorias-gerais de Justiça dos Estados. A habilitação para o
casamento civil, no entanto tem tido outra realidade. São inúmeras as decisões que negam
sistematicamente a habilitação para o casamento civil às uniões de mesmo sexo, colidindo
com o art. 226, §3° da Constituição, o qual propugna que a lei deve facilitar a conversão da
união civil em casamento civil. Contudo, em outubro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça
(STJ) reconheceu a habilitação do casamento civil para um casal de mulheres gaúchas.
Argumentando que a dignidade da pessoa humana não é aumentada nem diminuída em
função da orientação sexual, o STJ concluiu que não havia motivos para excluir famílias da
proteção jurídica conferida através do casamento civil12.
No âmbito do direito constitucional positivo, o princípio da dignidade da pessoa
humana - elencado no art. 1°, inciso III, da Constituição de 1988 -, impõe-se como
fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, o qual coloca o indivíduo como
fundamento e fim da sociedade e do Estado13.
Esse princípio tem a capacidade de atrair o conteúdo dos demais princípios,
pressupondo o reconhecimento e a proteção aos direitos fundamentais em todo alcance e
dimensões. Para Sarlet (2009), a dignidade da pessoa humana repousa na “autonomia pessoal,
isto é, na liberdade [...] que o ser humano possui de, ao menos, potencialmente, formatar a sua
própria existência e ser, portanto, sujeito de direitos [...] (SARLET, 2009, p. 94).
Com isso, o princípio da dignidade humana implica em proteção e o respeito à
autonomia individual da população LGBT. A fim de garantir que isso ocorra, é necessário
trabalhar, segundo Fraser (2006), nos campos da redistribuição e do reconhecimento. No
11
RE 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-8-2011, Plenário, DJE de 3-10-2011, com
repercussão geral.
12
STJ. Recurso Especial 2010/0036663-8, Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Julgamento em 25/10/2011.
13
Para a discussão a respeito do princípio da dignidade humana ver Sarlet (2009, p. 85-129).
campo da redistribuição trata-se de corrigir as desigualdades econômicas decorrentes de uma
divisão não equitativa dos recursos existentes na sociedade. Já no campo do reconhecimento é
necessário combater as injustiças culturais as quais marginalizam e diminuem os grupos
formados pela população LGBT.
A autora (2006) examina duas concepções alternativas de redistribuição e
reconhecimento com o objetivo de corrigir a injustiça que atravessa o tema redistribuiçãoreconhecimento: “afirmação” e “reconhecimento”. Remédios afirmativos para a injustiça
procurariam “corrigir efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar a estrutura subjacente
que os engendra” (FRASER, 2006, p. 237). Os remédios transformativos, ao contrário,
estariam voltados à correção de efeitos desiguais justamente através da remodelação da
estrutura que os engendra.
Como sinaliza Fraser (2006), as discriminações contra a população LGBT necessitam
de mudanças culturais estruturais a fim de transformar a realidade. Nesse sentido, destaca-se o
trabalho da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). A partir
lançamento do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-1)14, em 1996, a SDH/PR
assumiu a defesa dos Direitos Humanos em relação a diversos grupos na sociedade.
Atualmente a SDH/PR é o órgão da Presidência da República que trata da articulação e da
implementação de políticas publicas voltadas à promoção e à proteção dos direitos Humanos.
Em 2004, a partir de uma série de discussões entre a SDH/PR e sociedade civil foi
lançado o Programa “Brasil sem Homofobia”15, com o intuito de promover a cidadania e os
direitos humanos da população LGBT, a partir da equiparação em direitos e do combate à
homofobia. O Programa “Brasil Sem Homofobia” busca o reconhecimento da cidadania
LGBT através do combate às discriminações por orientação sexual ou identidade de gênero,
além de outros motivos como raça, etnia, religião, opinião política etc.
O Programa é constituído de diversas ações, dentre elas as voltadas para o apoio em
projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais que atuam na
promoção da cidadania LGBT; combate à homofobia, à capacitação em Direitos Humanos
para profissionais e representantes do movimento social que atuam nessa esfera, à
disseminação de informações sobre direitos, o incentivo à denúncia de violações dos Direitos
Humanos da população LGBT, entre outros.
14
O Decreto 1904, de 13 de maio de 1996 (Revogado). Atualmente, o Decreto 7.037 de 21 de dezembro de 2009
instituiu o PNDH-3, ainda em vigor, o qual tem como diretrizes a garantia da igualdade na diversidade, o
combate às desigualdades estruturas, a valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de
desenvolvimento, entre outras diretrizes. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Decreto/D7037.htm#art7>. Acesso em 05/11/12.
15
Informações obtidas na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Disponível
em < http://www.direitoshumanos.gov.br/>. Acesso em 11 de novembro de 2012.
A partir do Programa “Brasil sem Homofobia” surgiu o Projeto “Escola Sem
Homofobia”. Segundo informações do Ministério Público Federal16,
O Projeto Escola Sem Homofobia, apoiado pelo Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(MEC/SECAD), tem como objetivo “contribuir para a implementação do
Programa Brasil sem Homofobia pelo Ministério da Educação, através de
ações que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos
direitos humanos e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade
de gênero no âmbito escolar brasileiro”.
O material educativo do Projeto “Escola sem Homofobia” se destinava à formação de
professores, dando a estes subsídios para trabalharem com o tema diversidade sexual e de
gênero no ensino médio. Trata-se de um conjunto de instrumentos pedagógicos que visam à
desconstrução da imagem estereotipada de gays, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros
a fim de contribuir para o convívio democrático da diferença.
O Programa cumpre com um dos objetivos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação17 (Resolução n° 16, FNDE) em adotar práticas pedagógicas e conteúdos
curriculares que contemplem e respeitem as diversidades relativas ao gênero e à sexualidade.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), a discriminação contra LGBT restringe-lhes desde
os mais básicos direitos de cidadania até a livre expressão afetivo-sexual e de gênero18.
No entanto, em maio de 2011, após pressões da bancada religiosa, o Programa Escola
sem Homofobia foi vetado pela Presidente Dilma Roussef. Segundo Rebeca Ontero,
representante oficial de educação preventiva da UNESCO, quando uma política pública está
ancorada em bases científicas evita que seja questionada. No entanto, no caso do “Escola sem
Homofobia” o veto se deu por motivos políticos, desconsiderando o problema que a
16
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Oficial sobre o Projeto Escola sem Homofobia. Disponível em
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/informacao-e-comunicacao/eventos/direitos-sexuais-e-reprodutivos/audienciapublica-avaliacao-programas-federais-respeito-diversidade-sexual-nas-escolas/projeto-escola-semhomofobia/pg/?searchterm=escola%20sem%20homofobia. Acesso em 13/11/12.
17
Fundo Nacional de Desenvolvimento da educação (FNDE). Resolução n° 16. Disponível em: <
ftp://ftp.fnde.gov.br/web/resolucoes_2009/res016_08042009.pdf>. Acesso em 13 de novembro de 2012.
18
MINISTÉRIO
DA
EDUCAÇÃO.
Disponível
em
<
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=871&id=13901&option=com_content&view=article>. Acesso em 13
de novembro de 2012.
homofobia desencadeia nas escolas19. Nem o amparo de estudos qualitativos sobre
discriminação sexual e de gênero nas escolas, nem apoio de organizações como a UNESCO20
foram suficientes para permitir a concretização do projeto em mais de seis mil escolas pelo
Brasil.
O veto da Presidente do Brasil em 2011 constitui um atraso em relação às iniciativas
inovadoras e transformadoras como a do STF e do STJ, de reconhecimento à união civil e ao
casamento civil, respectivamente, às uniões de mesmo sexo. Sem sombra de dúvida, a
maneira mais eficaz de, a médio e longo prazo, desconstruir uma cultura sedimentada no
preconceito e na discriminação é a de intervenções na educação pública. Enquanto países
como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra possuem estudos sobre os impactos da homofobia
na educação e planejam políticas públicas no combate da mesma, o Estado brasileiro assume
a inércia e a ineficácia ao tratar do tema, além de permitir a invasão do conservadorismo
religioso na direção das políticas estatais, ferindo o princípio da laicidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de análise jurisprudencial, constatou-se que a interpretação judicial dos
princípios constitucionais nos últimos anos estendeu à população LGBT a possibilidade de
reconhecimento de suas unidades familiares, como se observa na decisão do Supremo
Tribunal Federal, em maio de 2011, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 277
(ADIN 2277) e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 132 (ADPF 132), as
quais estenderam o instituto da união civil às pessoas de mesmo sexo. Alegando que o nãoreconhecimento da união entre pessoas de mesmo sexo violava os seguintes princípios
constitucionais: “dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III), da proibição de
discriminações odiosas (art. 3°, inciso IV), da igualdade (art. 5°, caput), da liberdade (art. 5°,
caput), e da proteção à segurança jurídica” (ADI n° 4277 e APPF n° 132, 2011, p. 6). Além
disso, em outubro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade
do casamento civil para uma união homoafetiva. Ao corroborar a tese de que dignidade da
pessoa humana não é aumentada nem diminuída em função da orientação sexual, o STJ
19
Entrevista disponível em: < http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5768493-EI8266,00Unesco+e+dever+do+MEC+criar+politica+contra+homofobia+na+escola.html>. Acesso em 13 de novembro de
2012.
20
UNESCO.
Carta
sobre
o
Projeto
Escola
sem
Homofobia.
Disponível
em
<
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/informacao-e-comunicacao/eventos/direitos-sexuais-e-reprodutivos/audienciapublica-avaliacao-programas-federais-respeito-diversidade-sexual-nas-escolas/projeto-escola-semhomofobia/carta-unesco>. Acesso em 13 de novembro de 2012.
concluiu que não havia motivos para excluir famílias da proteção jurídica conferida através do
casamento civil. Dessa forma, o processo hermenêutico de interpretação dos princípios
jurídicos além de possibilitar a coerência entre as normas constitucionais, é capaz de garantir
aos sujeitos o direito à preservação da autonomia individual para gerir desejos, afetos, além
do exercício responsável sobre o próprio corpo.
Além disso, constatou-se a importância de órgãos criados pelo Estado em parceria
com a sociedade civil a fim de garantir o acesso à cidadania e o combate às discriminações
odiosas contra a população LGBT, como a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH/PR). No entanto, evidencia-se que sem a promoção de medidas afirmativas e
transformativas da realidade social é impossível se falar em acesso à cidadania à população
LGBT. Acredita-se que a transformação da cultura opressora contra as diferentes expressões
da sexualidade está na efetivação de políticas públicas como o Programa “Brasil sem
Homofobia” e o “Escola Sem Homofobia”, as quais visam modificar a realidade social. Com
destaque especial ao Projeto “Escola sem Homofobia”, argumenta-se que políticas efetivas no
campo da educação são fundamentais para mudanças na estrutura que engendra a homofobia e
as discriminações de gênero na sociedade.
Diante do cenário nacional e internacional de busca pela efetivação de direitos sexuais
para a população LGBT, e diante de normas constitucionais às quais rechaçam discriminações
odiosas, clamando por maior respeito e dignidade a esses indivíduos, cabe ao Estado,
juntamente com a sociedade civil organizada, criar ou fomentar mecanismos já existentes para
que os direitos sexuais da população LGBT não tenham como óbice a discriminação em
função da expressão sexual e identidade gênero.
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YOUNG, Iris Marion. Representação Política, Identidade e Minorias; trad. Alexandre
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