1 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MOBILIÁRIO E ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA: a contribuição da loja de móveis Branco & Preto (1952 a 1970) Bruno Silva Dias São Paulo 2013 2 Bruno Silva Dias MOBILIÁRIO E ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA: a contribuição da loja de móveis Branco & Preto (1952 a 1970) Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Profa. Dra. Eunice Helena Sguizzardi Abascal São Paulo 2013 0 D541m Dias, Bruno Silva. Mobiliário e arquitetura moderna brasileira : a contribuição da loja de móveis Branco & Preto (1952 a 1970). / Bruno Silva Dias – 2013. 224 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Referências bibliográficas: f. 149-152. 3 À minha mãe, Arlinda Sousa Silva. Ao meu avô, Joaquim Manuel da Silva, in memoriam. 4 AGRADECIMENTOS O presente trabalho contou com a contribuição de muitas pessoas, entre elas amigos e familiares, que nele se envolveram. Agradeço a todos que participaram de forma direta ou indireta. À minha orientadora, Professora Doutora Eunice Helena Sguizzardi Abascal, por sempre me ajudar, desde a escolha do tema até a definição dos caminhos que o trabalho deveria seguir, orientando-me constantemente a colocar o trabalho em uma linha de pesquisa objetiva. À minha mãe, Arlinda Sousa Silva, por acreditar e me incentivar a desenvolver projetos que, em um primeiro momento, parecem inalcançáveis. À minha avó, Arlinda Lourdes Sousa Silva, pela preocupação e por sempre me ajudar. Ao meu amigo, Neder Nagib, pela sua constante disponibilidade em me ajudar. Ao Professor Gerson Moura Duarte, meu orientador da graduação, que foi um grande incentivador quando externei minha ideia de ingressar em um programa de pós-graduação. Aos Professores Doutores Marta Silveira Peixoto e Rafael Antonio Cunha Perrone, integrantes da banca para o exame de qualificação, pelas valiosas considerações que foram de extrema importância para o desenvolvimento do trabalho. A Antonio Bioni, Romeu Castro de Souza e Sérgio Rodrigues, pela hospitalidade e pelas preciosas informações concedidas. À Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com seu programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Especialmente à FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, por acreditar e conceder apoio financeiro para o desenvolvimento deste trabalho. 5 RESUMO DIAS, Bruno Silva. Mobiliário e arquitetura moderna brasileira: a contribuição da loja de móveis Branco & Preto (1952 a 1970). 2012. 153 f. Dissertação (Mestrado) ‒ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. A presente pesquisa traça um panorama da arquitetura e do mobiliário produzido no Brasil desde o início do século XX, dando destaque para o móvel moderno brasileiro produzido entre as décadas de 1950 e 1970 e para a arquitetura residencial burguesa. Tem também como base analisar a produção articulada desse mesmo mobiliário e da arquitetura residencial moderna paulistana. Naquele período, a sociedade formada pelos arquitetos da loja Branco & Preto e o novo momento político que permeava o cenário nacional incentivaram a inserção e levaram à consolidação do ideário moderno em São Paulo. Essa produção significou, mediante a contribuição da loja de móveis Branco & Preto, um sinônimo de parceria e cooperação, ao atuar como mediadora da inter-relação entre o móvel e a arquitetura residencial propriamente dita. O objetivo geral é evidenciar e caracterizar a relação necessária entre a arquitetura moderna e o mobiliário produzido no período supracitado, que foi proporcionada pela disseminação e assimilação no Brasil do ideário e das práticas modernistas. O mobiliário projetado nesses anos vinha de uma linha produzida com requinte e excesso de ornamentos e consistia em elemento indissociável da expressão daquela arquitetura. Sendo assim, a pesquisa parte do pressuposto de que a relação entre os espaços internos e a casca arquitetônica encontrava no mobiliário um dos principais suportes de expressão de vanguarda. Ademais, é inevitável considerarmos o fato de que o mobiliário expressa valores culturais, estéticos, econômicos e sociais agregados, temas que o enriquecem e tornam complexas as suas características específicas e influências artísticas, bem como as técnicas de produção. As questões levantadas serão evidenciadas com a reconstituição, através de desenhos e maquetes da loja Branco & Preto localizada na Rua Vieira de Carvalho, nas reconstituições das salas da residência de Roberto Aflalo e da residência Pacaembu – projetos dos arquitetos Plínio Croce e Roberto Aflalo de 1955, nas reconstituições da sala de estar da residência Maria Luisa e Oscar Americano de 1952 e do primeiro pavimento da residência Jardim América de 1956 – ambos projetos do arquiteto Oswaldo Arthur Bratke, além do desenvolvimento de desenhos e maquetes de móveis inéditos de autoria dos membros da loja. Palavras-chave: Arquitetura moderna; design; designer brasileiro; interiores e mobiliário. 6 ABSTRACT DIAS, Bruno Silva. Furniture and Brazilian modern architecture: the contribution of the furniture store Branco & Preto (1952 to 1970). In 2012.153 f. Master dissertation Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. This research provides an overview of the architecture and the furniture produced in Brazil since the early twentieth century, giving prominence to the modern mobile Brazilian produced between the 1950s and 1970s and the bourgeois residential architecture. It also has as a basis to analyze production articulated this same furniture and modern residential architecture in São Paulo. At that time, the company formed by architects Store Branco & Preto and the new political moment that permeated the national scene encouraged the insertion and led to the consolidation of the modern ideas in São Paulo. This production meant by the contribution of the furniture store Branco & Preto, a synonym of partnership and cooperation, to act as a mediator of the interrelationship between the mobile and residential architecture itself. The overall goal is to demonstrate and characterize the necessary relationship between modern architecture and furniture produced during the stated period, which was provided by the dissemination and assimilation in Brazil's modernist ideas and practices. The furniture designed these years came from a line produced with refinement and excess ornaments and consisted of an inseparable element of the expression of that architecture. Thus, the research assumes that the relationship between the interior spaces and architectural shell found in the furniture of the main supports of expression forefront. Moreover, it is inevitable considering the fact that the furniture expresses cultural values, aesthetic, economic and social aggregates, themes that enrich and make it complex to its specific characteristics and artistic influences, as well as production techniques. The issues raised will be evidenced by reconstituting, through drawings and models Branco & Preto Store located in Rua Vieira de Carvalho, the reconstructions of the halls of residence and the residence of Roberto Aflalo Pacaembu designs of architects Plinio Croce and Roberto Aflalo 1955 in reconstructions of the living room of the house Maria Luisa and Oscar Americano 1952 and the first floor of the residence, 1956 Jardim America - both designs of architect Oswaldo Arthur Bratke, besides the development of drawings and models of mobile unpublished authored by members of store. Keywords: Modern architecture; design; Brazilian designer; interiors and furniture. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25 Figura 26 Figura 27 Figura 28 Figura 29 Figura 30 Figura 31 Figura 32 Figura 33 Figura 34 Figura 35 Figura 36 Figura 37 Figura 38 Figura 39 Figura 40 Edifício para escritórios na Rua 7 de Abril ..................................................... 18 Edifício para escritórios em Campinas ........................................................... 18 Edifício João Ramalho .................................................................................... 19 Galeria Duraplac ............................................................................................. 19 Poltrona e buffet do designer Paul McCobb ................................................... 23 Móveis desenhados por Gregori Warchavchik ............................................... 25 Cadeira Bratke (1948) – Oswaldo Arthur Bratke ........................................... 25 Cadeira Preguiça (1945) – Vilanova Artigas .................................................. 26 Cadeira Paulistano (1957) Paulo Mendes da Rocha ....................................... 26 Cadeira de balanço Oscar Niemeyer(1977) .................................................... 27 Cadeira Girafa (1987); cadeira Frei Egídio (1987) ........................................ 30 Ambientes com peças da Loja de Móveis Z ................................................... 31 Cadeira GB01(1954) – Designer Geraldo de Barros ...................................... 32 Ambientações Sérgio Rodrigues na década de 50 ................................................ 33 Poltrona Verônica – designer Jorge Zalszupin ............................................... 33 Logotipo Branco & Preto Jacob Ruchti (1952) ............................................. 39 Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: planta 1º pavimento .................... 43 Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: planta mezanino ........................ 44 Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: cortes AA e BB .......................... 45 Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: perspectiva.................................. 46 Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: desenho estante expositora ......... 47 Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: maquete – estante expositora...... 47 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista externa................. 48 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista superior ................ 49 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista frontal, primeiro e segundo pavimento ........................................................................................ 50 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 1, primeiro pavimento ......................................................................................................... 50 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 2, primeiro pavimento .......................................................................................................... 51 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 3, primeiro pavimento .......................................................................................................... 51 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: Vista 4, primeiro .......... 52 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 5, primeiro pavimento ......................................................................................................................... 52 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 6, primeiro pavimento ......................................................................................................................... 53 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 1, mezanino ......... 53 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 2, mezanino ......... 54 Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 3, mezanino ....... 54 Maquetes móveis Loja Branco & Preto .......................................................... 56 Maquetes mesas Loja Branco& Preto ............................................................ 57 Ferramentas utilizadas na marcenaria tradicional ........................................... 58 Maquete sistema de encaixe ½ esquadria ....................................................... 59 Jacarandá-da-Bahia, sendo: 1-2– Jacarandá em estado natural; 3-4 – Jacarandá com aplicação de selador .................................................................. 61 Caviúna, sendo: 1‒ Caviúna em estado natural; 2 ‒ Caviúna com aplicação de selador ........................................................................................... 61 8 Figura 41 Figura 42 Figura 43 Figura 44 Figura 45 Figura 46 Figura 47 Figura 48 Figura 49 Figura 50 Figura 51 Figura 52 Figura 53 Figura 54 Figura 55 Figura 56 Figura 57 Figura 58 Figura 59 Figura 60 Figura 61 Figura 62 Figura 63 Figura 64 Figura 65 Figura 66 Figura 67 Figura 68 Figura 69 Figura 70 Figura 71 Figura 72 Figura 73 Figura 74 Figura 75 Figura 76 Figura 77 Figura 78 Figura 79 Figura 80 Figura 81 Figura 82 Figura 83 Figura 84 Figura 85 Cabreúva, sendo: 1 ‒ Cabreúva em estado natural; 2 ‒ Cabreúva com aplicação de selador ............................................................................................ 62 Marfim, sendo: 1 ‒ Marfim em estado natural; 2 ‒ Marfim com aplicação de selador; 3 ‒ Marfim com aplicação de laca preta; 4 ‒ Marfim com aplicação de laca branca .................................................................................... 62 Maquete espiga ............................................................................................... 63 Maquete malhete ............................................................................................. 64 Maquete meia madeira .................................................................................... 65 Maquete talisca ............................................................................................... 66 Maquete cunha ................................................................................................ 67 Maquete alma .................................................................................................. 68 Desenho técnico Sofá Aflalo .......................................................................... 70 Maquete Sofá Aflalo ....................................................................................... 71 Desenho técnico Mesa de Centro Aflalo ........................................................ 72 Desenho detalhes construtivos Mesa de Centro Aflalo .................................. 73 Perspectiva Mesa de Centro Aflalo................................................................. 74 Maquete física Mesa de Centro Aflalo ........................................................... 74 Desenho técnico Mesa Escola Olivo Gomes (aprox. 1952) – Carlos Milan .. 75 Desenho técnico Poltrona 1 ‒ Jacob Ruchti .................................................... 76 Maquete Poltrona 1 ‒ Jacob Ruchti ............................................................... 77 Desenho técnico Poltrona 2 ‒ Jacob Ruchti .................................................... 78 Maquete Poltrona 2 ‒ Jacob Ruchti ................................................................ 79 Desenho técnico Poltrona Residência Oscar Americano ................................ 80 Maquete Poltrona Residência Oscar Americano ............................................ 81 Desenho Poltrona Bergère .............................................................................. 82 Maquete Poltrona Bergère .............................................................................. 84 Planta Residência Aflalo ................................................................................. 86 Fotos ResidênciaAflalo ................................................................................... 87 Planta com localização sala de estar/jantar Residêncian Aflalo ..................... 87 Layout sala de estar/jantar Residência Aflalo ................................................. 88 Vistas 1, 2 e 3 sala de estar/jantar Residência Aflalo .................................... 89 Sala de estar Residência Aflalo com a relação entre os móveis ...................... 90 Perspectiva sala de estar Residência Aflalo .................................................... 91 Vista 1 superior maquete Residência Aflalo ................................................... 92 Vista 2 superior maquete Residência Aflalo ................................................... 93 Vista 3 superior maquete Residência Aflalo ................................................... 94 Vista 1 interna maquete Residência Aflalo ..................................................... 95 Vista 2 interna maquete Residência Aflalo ..................................................... 95 Vista 3 interna maquete Residência Aflalo ..................................................... 96 Residência Pacaembu: planta pavimento térreo e superior............................. 97 Fotos Residência Pacaembu............................................................................ 98 Residência Pacaembu: localização espaço sala de estar, jantar e bar ............. 98 Residência Pacaembu: layout sala de estar, jantar e bar ................................. 99 Residência Pacaembu: layout com relação entre os móveis sala de estar, jantar e bar ........................................................................................................ 100 Residência Pacaembu: corte AA, BB e CC sala de estar, jantar e bar ........... 101 Residência Pacaembu: perspectiva sala de estar ............................................. 102 Desenhos sofás Residência Pacaembu ............................................................ 103 Maquete bar com banquetas............................................................................ 104 9 Figura 86 Figura 87 Figura 88 Figura 89 Figura 90 Figura 91 Figura 92 Figura 93 Figura 94 Figura 95 Figura 96 Figura 97 Figura 98 Figura 99 Figura 100 Figura 101 Figura 102 Figura 103 Figura 104 Figura 105 Figura 106 Figura 107 Figura 108 Figura 109 Figura 110 Figura 111 Figura 112 Figura 113 Figura 114 Figura 115 Figura 116 Figura 117 Figura 118 Figura 119 Figura 120 Figura 121 Figura 122 Figura 123 Figura 124 Figura 125 Maquete móvel sala de jantar ......................................................................... 105 Maquete Residência Pacaembu: vista 1 ........................................................ 106 Maquete Residência Pacaembu: vista 2 ........................................................ 107 Maquete Residência Pacaembu: vista 3 ........................................................ 108 Maquete Residência Pacaembu: vista 4 ........................................................ 109 Maquete Residência Pacaembu: vista 5 ........................................................ 109 Maquete Residência Pacaembu: vista 6 .......................................................... 110 Planta pavimento térreo e superior sala de estar da Residência Jardim América ............................................................................................................ 113 Fotos da Residência Jardim América .............................................................. 114 Localização área social residência Jardim América ....................................... 114 Residência Jardim América: layout área social .............................................. 115 Residência Jardim América: vista 1, 2, 3 e 4 área social ............................... 116 Residência Jardim América: layout área social com relação entre os móveis ......................................................................................................................... 117 Residência Jardim América: perspectiva sala de estar com o mobiliário da Branco & Preto ............................................................................................. 118 Residência Jardim América: perspectiva da sala lareira com o mobiliário da Branco & Preto ............................................................................................. 118 Residência Jardim América: desenho estante sala de estar ............................ 119 Residência Jardim América: maquete estante sala de estar ............................ 119 Residência Jardim América: vista 1 maquete área social ............................. 120 Residência Jardim América: vista 2 maquete área social ............................. 121 Residência Jardim América: vista 3 maquete área social ............................. 121 Residência Jardim América: vista 4 maquete área social ............................. 122 Residência Jardim América: vista 5 maquete área social ............................. 122 Residência Jardim América: vista 6 maquete área social ............................. 123 Residência Jardim América: vista 7 maquete área social ............................. 123 Residência Jardim América: vista 8 maquete área social ............................. 124 Residência Jardim América: vista 9 maquete área social ............................. 124 Residência Jardim América: vista 10 maquete área social ........................... 125 Residência Jardim América: vista 11 maquete área social ........................... 125 Residência Jardim América: vista 12 maquete área social ........................... 126 Residência Jardim América: maquetes móveis............................................... 127 Setorização Residência Maria Luísa e Oscar Americano ............................... 128 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: plantas térreo e nível .............. 129 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: cortes AA, corte BB, fachada 1 e fachada 2........................................................................................ 130 Fotos do mobiliário atual da Fundação Maria Luísa e Oscar Americano....... 131 Ambientes da Residência Oscar Americano mobiliados com os móveis da Branco& Preto .............................................................................................. 131 Fotos atuais da parte externa da Residência Maria Luísa e Oscar Americano ......................................................................................................... 132 Redesenho da sala de descanso Residência Maria Luisa e Oscar Americano ......................................................................................................... 133 Localização da sala de estar no pavimento térreo ........................................... 133 Residência Maria Luísa e Oscar Americano: layout sala de estar .................. 134 Residência Maria Luísa e Oscar Americano: cortes AA, BB, CC e DD . Sala de estar ........................................................................................................ 135 10 Figura 126 Figura 127 Figura 128 Figura 129 Figura 130 Figura 131 Figura 132 Figura 133 Figura 134 Figura 135 Figura 136 Residência Maria Luísa e Oscar Americano: layout sala de estar com Relação entre os móveis ................................................................................... 136 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: móveis sala de estar ................ 138 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: Layout da sala de estar com desenhos dos móveis ......................................................................................... 139 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: Perspectiva sala de estar......... 139 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 1 maquete sala de estar ... 140 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 2 maquete sala de estar ... 141 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 3 maquete sala de estar ... 142 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 4 maquete sala de estar ... 143 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 5 maquete sala de estar ... 143 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 6 maquete sala de estar ... 144 Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 7 maquete sala de estar ... 144 11 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CREA Conselho Regional de Engenharia e Agronomia EUA Estados Unidos da América FAU-USP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo IAB Instituto de Arquitetos do Brasil MES Ministério da Educação e Saúde MAM-SP Museu de Arte Moderna de São Paulo MASP Museu de Arte de São Paulo MoMa Museum of Modern Art MUBE Museu Brasileiro da Escultura SESC Serviço Social do Comércio 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 12 2 CULTURA E ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA NO PERÍODO ENTRE O INÍCIO DA DÉCADA DE 1920 E 1970 ............................................... 15 2.1 A INFLUÊNCIA DA ARQUITETURA E DA CULTURA NORTE- AMERICANA .................................................................................................................................... 20 2.2 O PROJETO DE INTERIORES E A PRODUÇÃO DO MÓVEL MODERNO NO BRASIL ...................................................................................................................... 24 3 LOJA BRANCO & PRETO ...................................................................................... 35 3.1 MEMBROS DA LOJA E A SUA FORMAÇÃO ....................................................... 35 3.2 A LOJA ....................................................................................................................... 39 4 O MOBILIÁRIO DA BRANCO & PRETO SUAS CARACTERÍSTICAS E A UTILIZAÇÃO........................................................................................................... 55 4.1 AS CARACTERÍSTICAS E OS MATERIAIS UTILIZADOS NOS MÓVEIS ....... 57 4.2 MÓVEIS INÉDITOS.................................................................................................. 69 4.3 RECONSTITUIÇÃO DOS INTERIORES ................................................................ 85 4.3.1 Sala de Estar Residência Roberto Aflalo ‒ 1955 ........................................................ 86 4.3.2 Residência Pacaembu ‒ 1955 ..................................................................................... 97 4.3.3 Residência Jardim América ‒ 1956 ............................................................................ 111 4.3.4 Residência Maria Luisa e Oscar Americano – 1952 .................................................. 128 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 145 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 149 ANEXOS ............................................................................................................................... 153 12 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho é uma contribuição às pesquisas que abordam o mobiliário moderno produzido no Brasil, ao investigar os móveis projetados pelos arquitetos da loja Branco & Preto entre as décadas de 1950 e 70 que abasteciam principalmente a arquitetura residencial burguesa paulistana. Tem como objeto a produção articulada desse mobiliário e da arquitetura residencial, representada pela reconstituição através de maquetes volumétricas dos móveis das salas de estar da residência do arquiteto Roberto Aflalo de 1955, da residência Pacaembu – projeto dos arquitetos Plínio Croce e Roberto Aflalo de 1955. Apresentaremos também a reconstituição da área social do primeiro pavimento da residência Jardim América de 1956 e da sala de estar da residência Maria Luisa e Oscar Americano de 1952 – ambos os projetos do arquiteto Oswaldo Arthur Bratke, além da reconstituição da loja da Branco & Preto localizada na Rua Vieira de Carvalho, de 1952, e das maquetes físicas de móveis inéditos, projetados pelos membros da loja que não chegaram a ser produzidos e a complementação do catalogo através do desenvolvimento de redesenhos e maquetes. No momento histórico assinalado, a sociedade formada pelos arquitetos que estiveram à frente da loja Branco & Preto e o momento político que permeava o cenário nacional naquele período incentivavam a inserção e levaram à consolidação do ideário moderno no Brasil e, particularmente, em São Paulo. A loja de móveis Branco & Preto foi sinônimo de parceria e cooperação entre vários atores históricos, arquitetos que estiveram à frente da arquitetura moderna, atuando como mediadores da relação entre o projeto do mobiliário e a arquitetura residencial propriamente dita. A reconstituição dos projetos destacados acima e que serão abordados com mais detalhes no decorrer trabalho demonstra os móveis da loja Branco & Preto integrados nos projetos de interiores e arquitetônico. O mobiliário projetado naquele período ainda apresentava resquícios de móveis com excesso de ornamentação, que consistia em elemento indissociável da expressão da arquitetura residencial paulistana moderna que se pretendia desenvolver, em especial pelos próprios arquitetos sócios da loja. A pesquisa parte do pressuposto de que a relação entre o projeto de interiores e o arquitetônico encontrava no mobiliário um dos principais suportes de integração do projeto. Partimos da hipótese de que a loja Branco & Preto vendia móveis desenhados conforme o ideário moderno, adequados com a capacidade de expressar o espaço fluido da planta moderna, ou seja, com desenhos e processos de fabricação simplificados. Devemos 13 destacar que o mobiliário, além de servir como elemento de continuação dos ideários propostos no projeto arquitetônico, expressa valores culturais, estéticos, econômicos e sociais agregados, temas que o enriquecem e tornam complexas as suas características específicas, bem como as técnicas de execução e as influências artísticas por ele recebidas. Neste sentido, uma problemática mais ampla permanece de fundo ao presente trabalho, que parte da identificação de técnicas, sistemas construtivos e materiais utilizados no móvel produzido no Brasil e de uma análise do cenário da produção de mobiliário iniciada no começo do século XX que caracterizaram marcantemente essa produção entre as décadas de 1950 e 70 e que continuam influenciando o desenho do móvel contemporâneo, porém, ultimamente, muitos processos e técnicas de fabricação vêm se perdendo influenciado pela automação industrial e devido à descontinuidade no processo de repasce do conhecimento das técnicas e processos de produção. Devemos destacar, neste cenário, o mobiliário feito com excelência e primor de qualidade formal e estética, pioneiro em projetos que buscavam uma linha projetual similar com a arquitetura nessas duas décadas supracitadas. Merecem destaque nomes como Sérgio Rodrigues, Joaquim Tenreiro e Zanine Caldas, entre outros, e, em especial a contribuição da loja de móveis Branco & Preto e de seus integrantes nesse processo de evolução e consolidação da arquitetura e do design de móveis modernos no Brasil. Ao longo das últimas décadas tivemos a contribuição de pesquisadores, com trabalhos que resgatam e valorizam a produção do móvel no Brasil e, para entendermos essa evolução de técnicas e de processos produtivos e estéticos, devemos destacar obras como O móvel da casa brasileira (BAYEUX, 1997), a vasta pesquisa da jornalista Adélia Borges na área do design, o trabalho da Professora Maria Cecília Loschiavo dos Santos em O móvel moderno no Brasil, de 1995, que, juntamente com a obra Cadeira: o mobiliário no Brasil, de 1998, e as recentes publicações Móvel brasileiro moderno da FGV Projetos e A arquitetura de Croce, Aflalo e Gasperini de Fernando Serapião, ambos de 2011, fazem menção ao trabalho da loja Branco & Preto, o que evidencia a importância de seus idealizadores para a história do mobiliário e da arquitetura brasileira e o desenvolvimento deste trabalho. Merece realce ainda o trabalho da arquiteta Marlene Milan Acayaba, Branco & Preto: uma história de design brasileiro nos anos 50, de 1994, desenvolvida para sua tese de doutorado, juntamente com a revista Acrópole. Todas essas obras são fontes documentais e históricas que destacam a produção da loja Branco & Preto cujos sócios eram arquitetos de grande participação arquitetônica, principalmente na cidade de São Paulo, e que contribuíram com o desenvolvimento de projetos de móveis dentro dos ideários modernos. Contamos ainda com 14 os depoimentos de Romeu Castro de Souza1, Sérgio Rodrigues2 e Antônio Bioni3. Do primeiro, arquiteto de formação e que trabalhou na loja Branco & Preto. Já o segundo, também arquiteto, foi colaborador da loja de móveis paulistana Forma e proprietário da loja Oca nos anos de 1950, e tem seus móveis produzidos e comercializados em diversas partes do mundo até hoje. Quanto a Antonio Bioni, artesão titulado como homem de bancada, por participar diretamente nos processos de fabricação de mobiliário, foi um dos sócios da loja de móveis Hobjeto entre os anos de 1950 e 80. Seus depoimentos foram de extrema importância para entendermos o processo evolutivo do móvel no Brasil e o cenário arquitetônico e político entre as décadas de 1950 e 70. No início deste trabalho, com o levantamento de projetos que utilizaram os móveis da loja Branco & Preto, observou-se uma forte relação entre o projeto de interiores e o arquitetônico, ficando evidenciada a adoção da mesma linguagem projetual na confecção de ambos. Podemos ainda destacar inovações na criação dos revestimentos, pesquisas de novos materiais, desenvolvimento e aprimoramento de técnicas construtivas. Além disso, foram também constatadas as inovações projetuais criadas pelo grupo, explicitando as características empregadas por seus integrantes, como encaixes, padrões de acabamento, métodos construtivos e estamparias, processos esses que estão se perdendo com o passar dos anos. Note-se que a loja é um produto da associação entre representantes da modernidade arquitetônica em São Paulo, os quais contribuíram para a sua consolidação, sendo seus integrantes arquitetos com expressiva produção residencial na cidade no período considerado. As residências são certamente a tipologia por excelência, evidenciando a articulação de arquitetura e design de mobiliário com os seus projetos e os de seus parceiros, que partilhavam dos mesmos ideários modernos. Identificamos diferenças entre o cenário arquitetônico e o do design da década de 1950-1970 e o que é hoje vivenciado pelo mercado de mobiliário no Brasil. É possível observar variações expressivas entre a produção de móveis no período atual e a que era feita no momento em que esteve plenamente vinculada à arquitetura moderna nos anos de 1950. Na atualidade, presenciam-se no Brasil ações isoladas de profissionais que projetam mobiliário de forma a respeitar aspectos ergonômicos, atendendo a condições e parâmetros estéticos. Neste trabalho poderão ser observadas, por meio dos projetos de móveis da loja Branco & 1 Depoimento de Romeu Castro de Souza ao autor concedido em 9 de outubro de 2012 (Anexo 2). Depoimento de Antônio Bioni ao autor concedido em 6 de outubro de 2012 (Anexo 3). 3 Depoimento de Sérgio Rodrigues ao autor concedido em 23 de novembro de 2012 (Anexo 4). 2 15 Preto, as características próprias dos móveis que foram mantidas durante toda a existência da loja, conforme relata o arquiteto Romeu Castro de Souza4que lá trabalhou: O interessante da Branco & Preto é que eles mantiveram a fidelidade, o valor ao material que era empregado, à concepção e de acordo com a arquitetura... Não ficou ultrapassada, porque era muita adiantada. Sempre contemporânea, é um clássico... São exemplos que podem nortear uma produção futura aproveitando a ideia da coisa, a filosofia, é muito interessante com o mobiliário já existente. Eles eram donos e os projetistas e além de tudo eram arquitetos que tinham uma relação com o mobiliário e a própria arquitetura, assim fechavam o elo (Anexo 2). Ao analisarmos os projetos que utilizaram os móveis da loja Branco & Preto vemos o forte indício de que o mobiliário serviu como elemento de articulação entre a arquitetura e os espaços de interiores nas décadas de 1950 e 1970. A problemática observada frente à incompletude documental e à perda dos conceitos qualitativos que eram aplicados pelo grupo. A fim de complementar o material existente, será apresentada reconstituições de ambientes, através de desenhos e maquetes. 2 CULTURA E ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA NO PERÍODO ENTRE O INÍCIO DA DÉCADA DE 1920 E 1970 O objetivo deste capítulo é apresentar breve panorama, pontuando contribuições e realizações culturais definidoras do ambiente moderno brasileiro e em especial, paulistano. Não se trata de tentativa de exaurir a matéria, mas assinalar eventos e realizações que marcaram o período em análise e sua caracterização moderna. Em 1922 realizou-se em São Paulo a Semana de Arte Moderna, que contou com a participação de nomes importantes como Cândido Portinari, destaque na pintura, poesia e política, bem como de outros atores históricos que puderam identificar aquele momento, tais como Di Cavalcanti, Brecheret, Ismael Nery e Tarsila do Amaral, além de intelectuais como Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Ricardo Severo e Cândido Mota. No final dos anos de 1940 Assis Chateaubriand criou o MASP (Museu de Arte de São Paulo) e, em 1948, o MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo), que foram fatores que colaboraram com a divulgação da arquitetura e artes que estavam sendo produzidas, pois atraíam um público formado por intelectuais e artistas. Em 1950 contou-se com a criação da revista Habitat, idealizada por Pietro Maria Bardi e por sua esposa, a arquiteta Lina Bo Bardi. No ano seguinte, ela faria o projeto de uma das obras de referência para a consolidação do 4 Romeu Castro de Souza foi professor de projeto na Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 16 ideário e da práxis moderna entre nós, a Casa de Vidro, situada no bairro do Morumbi, em São Paulo. Podemos observar, ainda nos anos de 1950, arquiteturas emergentes em São Paulo definidoras de uma expressão a que se denominou brutalista, a qual teve seu início marcado entre os anos de 1953 e 1958. Essa tendência arquitetônica está presente nas obras da arquiteta Lina Bo Bardi e em outras, como nas escolas estaduais projetadas para as cidades de Itanhaém (1959) e Guarulhos (1960) por Vilanova Artigas, com a participação de Carlos Cascaldi. Posteriormente, aparece também nos projetos de João Eduardo de Gennaro, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Carlos Millan, Fábio Penteado, Ruy Ohtake e João Toscano, entre outros (BASTOS; ZEIN, 2010). A difusão da arquitetura moderna no Brasil foi incentivada por múltiplos eventos e processos históricos, a exemplo da vinda de Le Corbusier ao Brasil por três vezes, nos anos de 1923, 1936 e 1962, ressaltando-se o ano de 1936, quando foi consultor para a elaboração do projeto do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro. Rino Levi e Gregori Warchavchik também foram personalidades de grande importância na propagação da arquitetura moderna em São Paulo. Pode-se mencionar ainda a construção de Brasília (19591960) e os projetos e obras de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. No plano cultural, a difusão da arquitetura moderna no Brasil se deu mediante fatores e processos diversos, mas foi fortemente estimulada pela Semana de 1922 – A Semana de Arte Moderna. A indicação de Lúcio Costa, em 1930, como diretor da Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro não só contribuiu como também foi um evento decisivo para a fomentação da modernidade, visto que, nesse período, acabara de ser admitida a arquitetura neocolonial. Em 1936, a equipe liderada por Lúcio Costa, assessorada por Le Corbusier e ainda integrada pelos arquitetos Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer, foi responsável pelo projeto para o Edifício Sede do MES – Ministério da Educação e Saúde (BRUAND, 1999). A obra obteve grande repercussão mundial e inaugurou um período de realizações importantes, como o Parque da Pampulha em Belo Horizonte entre 1942 e 1943 e, mais tarde, em 1954, é exemplar o projeto dos edifícios que integram o Parque do Ibirapuera em São Paulo, ambos de Oscar Niemeyer, com a colaboração de arquitetos paulistas, entre eles Eduardo Kneese de Mello (XAVIER; LEMOS; CORONA, 1983), além da construção de Brasília (SEGAWA, 1999). Em 1947, o MASP foi fundado e desde então seu acervo foi sendo ampliado. A sede, naquela época situada à Rua Sete de Abril, abrigava obras de arte distribuídas em quatro andares. Logo depois, em 1948, o MAM-SP foi criado, com o intuito de valorizar os artistas 17 brasileiros, com a contribuição de Ciccilo Matarazzo e sua esposa, que o haviam idealizado. Por isso, a organização de uma bienal, com base na anteriormente organizada em Veneza, incentivou esse processo. Em outubro de 1951, a abertura da Bienal foi pautada nos pilares da ousada proposta de elevar São Paulo à categoria de centro artístico mundial. O projeto para abrigar essa exposição foi concebido por Jacob Ruchti e Miguel Forte, arquitetos egressos do Mackenzie e que se tornariam sócios na loja de móveis Branco& Preto (CAMARGO,[19--]). No Rio de Janeiro, Lúcio Costa foi diretor por um ano da Escola de Belas Artes e, durante esse período, chamou o arquiteto Gregori Warchavchik para lecionar a disciplina de projeto. Quando falamos de arquitetura moderna devemos destacar a produção arquitetônica residencial que, por sua escala reduzida, pode ser um alvo mais fácil de experimentações, sejam elas tecnológicas ou do ponto de vista formal e conceitual. Trata-se de um período de fundamentação do racionalismo e do funcionalismo arquitetônicos, com a “máquina de morar” enunciada por Le Corbusier e apresentada no esquema da Maison Dom-Ino (1914), e reafirmada em obras como a Villa Savoye (1929-1931), com a utilização dos cinco pontos defendidos para uma nova arquitetura: pilotis, terraço-jardim, planta livre, fachada livre e janela em fita. Com princípios opostos à residência racionalista de Le Corbusier, e privilegiando o espaço fluido articulado à materialidade obtida pelo emprego de recursos locais, deve-se lembrar a Casa da Cascata (Fallingwater) projetada em 1935 por Frank Lloyd Wright, grande divulgador dos conceitos da arquitetura orgânica. No Brasil, especialmente em São Paulo, a contribuição de nomes como Rino Levi, Galiano Ciampaglia, Rodolfo Quintella, Salvador Candia entre outros foi responsável pelo desenvolvimento e difusão de uma arquitetura especialmente residencial que buscou a relação do interior com o exterior, o uso de luz natural propiciada por pátios internos destacados mais adiante nos estudos de caso. O arquiteto curitibano João Vila Nova Artigas projetou suas primeiras casas com influências organicistas (lembrando a Casa Paranhos no Pacaembu, São Paulo), porém por volta de 1945 é notável a influência racionalista de Le Corbusier (ACAYABA, 1986). Tudo isso influenciou uma geração de arquitetos, entre eles Oswaldo Arthur Bratke e aqueles que integraram a sociedade da loja de móveis Branco & Preto. Dentro desse cenário de modernidade, não podemos deixar de mencionar algumas obras e produções arquitetônicas realizadas pelos membros da loja Branco & Preto que, além de transitarem na área do design, eram também atuantes na produção arquitetônica, tanto de residências como edifícios, visto que no final dos anos de 1960 e início dos 70, sobressaiu o trabalho de arquitetura, conforme relata o arquiteto Romeu Castro de Souza, 18 Prevaleceram os escritórios de arquitetura, na profissão propriamente dita (...) Com o passar do tempo começaram a pegar bastante serviço. Millan pegou o Paineiras do Morumbi. Tinha ganhado já o Jockey Clube no Largo São Francisco, em frente da Faculdade de Direito. Não fizeram, mas era um belo projeto. A Peugeot em Buenos Aires também, mas acabou não sendo construída (Anexo 2). Em 1944 Galiano Ciampaglia, Jacob Ruchti e Miguel Forte desenvolveram em São Paulo projeto para prédios de apartamentos na Avenida Rebouças. O projeto para a sede do IAB, de 1948, foi desenvolvido por uma equipe formada por Rino Levi, Roberto Cerqueira Cesar, Zenon Lotufo, Abelardo de Souza, Hélio Duarte, Galiano Ciampaglia, Jacob Ruchti e Miguel Forte. O edifício era formado por um subsolo, térreo com pé direto alto, mezanino e seis andares para escritórios. Em 1949 Plínio Croce desenvolveu projeto do edifício para escritórios na Rua 7 de Abril e em 1960 o edifício de escritórios em Campinas para abrigar o Banco Hipotecário Lar Brasileiro e, em parceria com o arquiteto Roberto Aflalo, projetou o Edifício Biaça, de 1953 (ACAYABA, 1994). Figura 1 – Edifício para escritórios na Rua 7 de Abril Fonte: Revista Acrópole, n. 137, p. 141-143, set. 1949. Figura 2 – Edifício para escritórios em Campinas Fonte: Revista Acrópole, n. 263, p. 808-809, set. 1960. 19 Ainda no mesmo ano, Plínio Croce e Roberto Aflalo executaram um conjunto habitacional composto por 128 casas – um projeto cujos elementos marcantes são a adaptação à topografia e as lajes planas. Também em 1953, Plínio Croce, Roberto Aflalo e Salvador Candia elaboraram o projeto do Edifício João Ramalho, em São Paulo, que ganhou o primeiro prêmio internacional na categoria habitação coletiva na IV Bienal de São Paulo. Figura 3 – Edifício João Ramalho Fonte: Revista Acrópole, n. 242,p. 55-57, dez. 1958. Já em 1968, Jacob Ruchti desenvolveu projetos para a galeria Duraplac na Rua Augusta e o Banco Itaú na Rua Boa Vista, ambos em São Paulo (SERAPIÃO, 2011). Figura 4 – Galeria Duraplac Fonte: Revista Acrópole, n. 354, p. 27-29, set. 1968. 20 Podemos observar influências que definiram o caminho consistente para a consolidação da arquitetura moderna em São Paulo, era recorrente a formação de parcerias entre os arquitetos, desenvolvendo projetos de várias temáticas que definiram um caminho consistente para a consolidação da arquitetura moderna, não somente em moldes lecorbusierianos, mas acolhendo a influência de outros arquitetos como Frank Lloyd Wright. Esta influencia norte americana é decisiva para o entendimento da modernidade, sobretudo da arquitetura moderna residencial na cidade de São Paulo. Observamos no trabalho de arquitetos de grande produção em São Paulo como Salvador Candia, Rino Levi, Miguel Forte, entre outros, através da criação de construções com grandes planos de vidro, na especificação de matérias aparentes como pedras, com o desenvolvimento de uma planta mais fluida e espaços integrados, notamos também influencias culturais conforme será abordado no próximo capitulo. 2.1 A INFLUÊNCIA DA ARQUITETURA E DA CULTURA NORTEAMERICANA Esta parte do trabalho se destina a traçar um panorama de características da arquitetura norte-americana, sobretudo residencial de 1930 a 1970, com objetivo de identificar relações e influências desta na arquitetura e design de mobiliário paulistano. Trata-se de reforçar as possíveis vias de formas de comunicação entre essas expressões arquitetônicas e relações recíprocas. No final da década de 1930, com a Europa em crise, houve a migração de nomes como Walter Gropius e Marcel Breuer para os Estados Unidos, que passaram então a trabalhar na Universidade de Harvard. Outro expoente europeu que passou a viver e trabalhar na América foi Mies van der Rohe, que passou a dirigir a escola de arquitetura do Armour Institute of Technology. Outras personalidades de renome da arquitetura mundial como Lazlo Moholy Nagy, Hilberseimer e Albers, e artistas como Wassily Kandinsky e Paul Klee, além de cientistas do gabarito de Albert Einstein e Werner von Braun também mudaram de país, o que ocasionou a propagação de conceitos do ideário moderno de origem europeia, os quais passaram a prevalecer na produção arquitetônica em diversos locais do mundo. Os arquitetos formados a partir dos anos de 1940, apesar de muitos possuírem formação em moldes clássicos, mantinham paralelamente um contato com as obras dos precursores das obras modernas (BASTOS; ZEIN, 2010, p. 23-24). 21 Em seguida, verificam-se alguns nomes que estiveram no Brasil, e entre eles arquitetos que atuavam nos Estados Unidos: Também a partir de 1951, e como evento agregado e paralelo à Bienal de Arte, nasce a Bienal de Arquitetura, em cujas cinco primeiras edições, de 1951 a 1959, comparecem, fazem exposições e/ou são premiados arquitetos como Le Corbusier, Mies van der Rohe, Walter Gropius, Philip Johnson, Bruno Zevi, Max Bill, Craig Elwood, Paul Rudolph etc. (BASTOS; ZEIN, 2010, p. 37). Enquanto a arquitetura moderna na Europa priorizou a construção de habitações coletivas, os Estados Unidos, incentivados por políticas governamentais, despontavam com as moradias individuais. As tipologias tradicionais das casas americanas tinham como marca forte a sua fácil adaptabilidade − havia o layout bungalow que era simples, compacto, com a parte social e o setor de serviços lado a lado, favorecendo uma integração entre o interior e o exterior. Já no modelo de layout ranch podia-se observar três blocos principais: a área social, a área íntima e a garagem, em forma de L ou de U. Uma arquitetura em geral marcada pelos grandes beirais, janelas corridas, planta livre, cozinhas integradas à sala de jantar, em que muitas plantas se desenvolvem em torno de pátios e jardins relacionando as áreas internas com as externas. Nas casas projetadas entre 1940 e 1960 nos Estados Unidos podemos ver inovações funcionais, técnicas e formais, com certo regionalismo. Basicamente havia, na Califórnia, o programa de Case Study Houses patrocinado pela revista Arts & Architecture, em que nomes importantes da arquitetura da época como Richard Neutra, Charles Eames e Eero Saarinen. Na costa leste americana temos o trabalho mais intenso do arquiteto Marcel Breuer, que desenvolveu uma arquitetura com predominância do uso da madeira e de detalhes de carpintaria, associados, porém, a partes em alvenaria de pedras brutas aparentes ou tijolos, linhas marcadas pela horizontalidade, boa iluminação natural e aberturas amplas que permitiam a integração entre interior e exterior. É importante evidenciarmos também a influência wrightiana da casa japonesa, com sua leveza, espacialidade fluida incentivada pela forma específica de dividir o espaço, e a utilização de modulação e forte relação com a paisagem. (IRIGOYEN, 2008). Já na Flórida, a Escola de Sarasota destacou-se com o trabalho mais intensificado dos arquitetos Paul Rudolph e seu sócio Ralph Twitchell. Ocorreram influências da arquitetura e da cultura norte-americanas na arquitetura moderna residencial paulistana entre as décadas de 1940 e 1960. Sua forte característica era um traçado orgânico que possibilitava uma relação com o todo através da integração do projeto de interiores, do espaço arquitetônico e do seu entorno. Os projetos eram 22 desenvolvidos em grande parte por espaços fluidos marcados por uma horizontalidade (IRIGOYEN, 2008). Podemos também citar uma forte relação das residências de São Paulo com obras produzidas nos Estados Unidos, como a Casa da Cascata (Fallingwater House, Bear Run, Pensylvania, 1935-1939). Exemplo emblemático em relação à utilização da topografia original do terreno, seus interiores dispõem de móveis baixos integrados à arquitetura com o objetivo de não obstruir os visuais, fato que contribui com a fluidez da planta. Veremos mais adiante, na apresentação dos estudos de caso deste trabalho, que nos projetos de interiores, bem como nos móveis desenvolvidos pela loja de móveis Branco & Preto, havia uma forte relação com os projetos e na concepção dos espaços criados por Frank Lloyd Wright A influência do cinema americano em nosso país é tão preponderante que até os dias de hoje temos a imagem do “natal com neve” em um país tropical. Tínhamos intercâmbios culturais entre norte-americanos e brasileiros. Um exemplo é o contato do arquiteto Sérgio Rodrigues com o designer americano Jorge Nelson. Conforme relata Sérgio em seu depoimento ao autor: Foi interessantíssimo o contato com ele, que veio convidado para uma palestra no Museu de Arte Moderna. Eu conhecia esse pessoal, que era da Herman Miller (...) Fizemos amizade. Eu escrevia para ele e ele me escrevia em datas importantes, como no Natal. Ele foi na Oca, sentou e gostou muito da poltrona Mole. Isso foi em 1958/1959. A influência norte-americana na cultura brasileira passou a ser mais intensa por volta das décadas de 1940 e 50. A referência de modo de vida para a população brasileira era o American way of life – o estilo de vida americano, difundido através do cinema hollywoodiano, do rádio, da televisão e das campanhas publicitárias, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Os ideários disseminados no cinema, rádio e televisão que permeiam em nossa sociedade até hoje com as peculiaridades da sua arquitetura, que se torna notável na obra de nomes como Richard Neutra e Frank Lloyd Wright. Podemos observar influências da cultura e da arquitetura norte-americana disseminadas através de intercâmbios entre profissionais na cidade de São Paulo, como os arquitetos Oswaldo Bratke e Carlos Millan (IRIGOYEN, 2008). Pode-se observar nos projetos de alguns arquitetos da década de cinquenta – em especial, os com atuação predominante na cidade de São Paulo – o desenvolvimento de obras com características emprestadas da arquitetura norte-americana que permearam a arquitetura 23 residencial da época, estimuladas pela divulgação através de revistas internacionais como Architectural Record, Pencil Points e Arts and Architecture. As iniciativas de tais publicações possibilitavam uma difusão maior do ideário americano, além do que havia disponível nas revistas nacionais como a Pilotis e a Acrópole. A cultura norte-americana também se difundiu extensamente através da televisão e do cinema hollywoodiano. Outro fator relevante para esse fenômeno foi o intercâmbio entre os arquitetos brasileiros e norte-americanos. Como exemplo, pode-se citar as viagens internacionais de Miguel Forte e Jacob Ruchti, em 1947, e a de Arthur Oswaldo Bratke, em 1948, e a vinda de arquitetos estrangeiros estimulados pela crise na Europa após a Segunda Guerra Mundial e pela boa oferta de trabalho oferecida pelo mercado americano. Isso trouxe ao Brasil diversas personalidades importantes, como Richard Neutra, em 1945, enquanto visitava diversos países da América Latina, e Walter Gropius, em 1953, para participar da segunda Bienal de São Paulo. O designer Paul McCobb (1917-1969) teve seu trabalho fortemente divulgado em revistas de 1950. Podemos observar semelhanças entre a obra desse designer e a produção da loja Branco & Preto, através das inclinações, das poltronas cujos pés normalmente têm na sua base uma bitola mais fina e dos acabamentos com o uso recorrente de madeiras, lacas e transparências nas estantes. Figura 5‒ Poltrona e buffet do designer Paul McCobb Fonte: GUIDE, 2000, capa. A influência da arquitetura norte-americana na produção residencial brasileira é evidenciada nos estudos de caso que serão apresentados a seguir. Projetos que levavam em 24 grande consideração entre outras questões o conforto ambiental, a relação da casca arquitetônica com os espaços interiores, planta fluida além da integração com as áreas externas e móveis projetados, a fim de não se bloquear as visuais criadas pelos panos de vidro. 2.2 O PROJETO DE INTERIORES E A PRODUÇÃO DO MÓVEL MODERNO NO BRASIL Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808 e a consequente abertura dos portos, começou-se a se importar móveis da Europa para elaboração dos projetos de interiores. Em 1890 foi inaugurada a Companhia de Móveis Curvados, que fabricava réplicas das cadeiras austríacas Thonet, muito utilizadas nos projetos de Le Corbusier, não só pelo seu desenho, mas também pela sua solução formal (SANTOS, 1995). Os integrantes da loja Branco & Preto são arquitetos por formação e atuantes no campo da arquitetura, em especial no desenvolvimento da arquitetura moderna, mas também permearam pelo design de mobiliário. Assim como já era usual na obra de nomes como Frank Lloyd Wright, muitos arquitetos começaram a se dedicar ao desenvolvimento de projetos de mobiliário, em um primeiro momento, para compor seus projetos e que acabaram, de forma natural, se tornando uma continuação de suas obras de arquitetura. Ao longo do último século tivemos no Brasil nomes pioneiros no processo de criação desse mobiliário. Personalidades como Joaquim Tenreiro, Sérgio Rodrigues, Michel Arnoult, Lina Bo Bardi, Zanine Caldas e Geraldo de Barros, entre outros, juntamente com a Branco & Preto, contribuíram com o processo evolutivo do mobiliário produzido no Brasil. Muitos já foram alvos de pesquisas e publicações porém no presente trabalho, apesar de objetivar estudar de forma mais aprofundada os móveis e a composição dos espaços de interiores elaborados pelos membros da loja Branco & Preto, não podemos deixar de destacar essas personalidades, para entendermos o contexto geral da produção de mobiliário moderno no Brasil. Evidencia-se ainda que, apesar de na grande maioria dos projetos utilizarem materiais recorrentes como a madeira e a palhinha, eles transpassavam também conceitos formais, já presentes em suas obras de arquitetura, para o móvel. Sendo assim, é importante destacarmos essas características e esses profissionais que permearam no desenvolvimento de projetos de mobiliário, temos um grupo que tamanha qualidade projetual de seus móveis projetados em um primeiro momento para projetos específicos com o tempo muitos foram produzidos em escala comercial e um segundo grupo 25 que já desenvolveram os projetos dos moveis com o intuito de ser produzido em escala comercial. Esses profissionais se dedicaram com maior ênfase ao design de mobiliário, contribuindo com o desenvolvimento de técnicas e questões formais da produção de móvel no Brasil. Os arquitetos que estiveram à frente da loja Branco & Preto alcançaram o equilíbrio, pois eram atuantes de forma incisiva no campo do design e contavam também com uma produção arquitetônica considerável. Podemos evidenciar diversos arquitetos que permearam na área do design de mobiliário. Começamos destacando o trabalho do ucraniano Gregori Warchavchik: entre suas obras tivemos a construção em 1927 da Casa Modernista na Rua Santa Cruz, considerada a primeira obra moderna construída em São Paulo (SEGAWA, 1999). Warchavchik trabalhou também no desenvolvimento de peças de mobiliário, conforme podemos verificar a te, nas fotos do carrinho de chá, do revisteiro e de uma mesinha-revisteiro. Figura 6 – Móveis desenhados por Gregori Warchavchik Fonte: Etel Interiores. O arquiteto Oswaldo Arthur Bratke, cuja obra arquitetônica residencial é abordada com mais detalhes no decorrer deste trabalho, também transitou pelo campo do desenho de mobiliário e acabamentos para a construção civil, como maçanetas e esquadrias. Na década de 1940 fez uma sequência de estudos com compensado recortado, como o da cadeira de 1948 apresentada na sequência. Figura 7‒ Cadeira Bratke (1948) – Oswaldo Arthur Bratke Fonte: Etel Interiores. 26 Outra figura importante da arquitetura brasileira é João Vilanova Artigas. Nascido na cidade de Curitiba em 1915 e formado engenheiro-arquiteto pela Politécnica da Universidade de São Paulo, ele estagiou no escritório do arquiteto Bratke na época em que este ainda trabalhava com Botti. Em 1937 constituiu uma empresa de construção em parceria com Duílio Marone. Em 1944 decidiu abrir seu escritório próprio e participou do processo para a criação do IAB-SP. A seguir temos a foto da cadeira Preguiça desenhada por Artigas: Figura 8 ‒ Cadeira Preguiça (1945) – Vilanova Artigas Fonte: Arquivo pessoal do autor. Quem também incursionou na área do design foi o arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928), nome importante da arquitetura brasileira e reconhecido internacionalmente, sendo um egresso da Faculdade de Arquitetura Mackenzie, como muitos nomes destacados ao longo do trabalho. Entre seus projetos temos em destaque a loja Forma (1987), o Museu Brasileiro da Escultura – MUBE (1988) e o projeto da reforma da Pinacoteca do Estado (1998). Em 2006 ganhou o prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial, a cadeira Paulistano faz parte do acervo do Museum of Modern Art (MoMa) de Nova York. Figura 9 ‒ Cadeira Paulistano (1957) - Paulo Mendes da Rocha Fonte: Revista Acrópole, n. 219, p. 162, jan. 1957. 27 Já o arquiteto Oscar Niemeyer, que nasceu no Rio de Janeiro em 1907 e faleceu recentemente, no dia 5 de dezembro de 2012, faltando apenas 10 dias para completar 105 anos, lançou em 1971 na França, em parceria com a filha Anna Maria Niemeyer, a “Linha Onda” de móveis que, através das suas linhas sinuosas, representam a continuidade da sua arquitetura. Figura 10 ‒ Cadeira de balanço Oscar Niemeyer (1977) Fonte: Dpot. Podemos ressaltar ainda alguns representantes da geração de arquitetos contemporâneos que, assim como os nomes citados anteriormente, juntamente com o grupo da loja Branco & Preto, continuam contribuindo para o desenvolvimento do mobiliário brasileiro, figurando entre eles Arthur de Matos Casas, Isay Weinfeld, Marcelo Rosenbaum, entre outros. Os arquitetos e designers cuja obra se mencionou anteriormente compareceram para evidenciar uma geração de profissionais que, embora tenha sido responsável por peças relevantes e emblemáticas no cenário da produção de móvel no Brasil, não deixaram de se dedicar com maior intensidade a projetos arquitetônicos. No entanto, há que se mencionar um segundo grupo que, apesar de terem a formação em arquitetura, juntamente com alguns autodidatas se dedicaram com maior intensidade ao design de mobiliário, produzindo-o no mesmo período de formação e atividade da loja Branco & Preto. O apreço pelo design de mobiliário e a necessidade eminentemente mercadológica de se produzir móveis condizentes com a nova arquitetura e a industrialização incentivaram a especialização de arquitetos, designers e artistas na produção de mobiliário. Alguns profissionais, a fim de suprir as carências e caminhos singulares de sua trajetória profissional em muitos casos se dedicaram com maior intensidade ao desenho de mobiliário. Consequentemente, é possível enunciar transformações na concepção dos projetos dos móveis acompanhadas do desenvolvimento industrial, bem como do surgimento de lojas que vendiam móveis condizentes com os ideários modernos. Tudo isso possibilitou a concepção de projetos cujos interiores apresentavam um misto de peças ainda produzidas com uma linguagem clássica com excesso ornamentação, móveis importados com desenhos elaborados dentro dos 28 ideários da escola Bauhaus, mobiliário de personalidades que estão sendo destacados neste trabalho que empregavam a utilização da madeira tipicamente brasileira, a palhinha vinda principalmente da índia, mas com grande influência das técnicas construtivas portuguesas e que permanecem nos dias atuais, porém cada um com suas peculiaridades, reflexos de suas experiências profissionais e de seus conceitos, principalmente relacionados à forma de trabalhar com a matéria-prima que fica explícita no produto final. Para compor os projetos de interiores ainda se podia contar com peças desenhadas com exclusividade pelos autores dos projetos arquitetônicos. Os projetos de espaços de interiores, além suprir as necessidades funcionais, implicam também na inserção de valores culturais, eis que hoje vivemos uma preocupação para se considerar nos projetos as questões ambientais e sociais. Dessa forma, apesar do emprego de materiais muitas vezes recorrentes, percebe-se a singularidade do desenho com características próprias de cada arquiteto, designer ou grupo. Isso não se deu de forma linear ou acadêmica, até porque não existiam muitas instituições onde se pudessem aprender as técnicas e os processos produtivos de móveis. Um bom exemplo desse pioneirismo é o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, uma instituição de referência na qualificação de profissionais para a indústria. A partir do exposto, a pesquisa em questão se posiciona frente à relevância do design de móveis e o seu papel na concepção de espaço de interiores condizente com a arquitetura que estava sendo proposta, sendo possível mencionar inúmeros profissionais que no período abordado realizaram projetos que contribuíram expressivamente para essa afirmação. A atuação dos profissionais, os projetos por eles realizados e os próprios ao grupo de arquitetos designers da loja paulistana Branco & Preto seguem contribuindo para estimular a compreensão crítica da importância da articulação entre a produção do espaço arquitetônico e de interiores. As personalidades destacadas anteriormente permearam na área do design e contribuíram com os projetos de interiores, porém se dedicaram com maior ênfase aos projetos de arquitetura da edificação propriamente dita. Já os nomes que serão abordados a seguir possuem grande atuação nos projetos de mobiliário e assim contribuem com maior ênfase para a concepção de espaços de interiores dentro dos ideários modernos. Quando falamos de mobiliário brasileiro não podemos deixar de destacar o trabalho do português Joaquim Tenreiro (1906-1992), um dos precursores do desenho de móveis com uma linguagem moderna. A marcenaria, profissão herdada de seu pai e de seu avô, acompanhou-o por toda a vida, em conjunto com outras atividades paralelas, como a pintura. 29 A versatilidade desse designer contribuiu para o seu vasto conhecimento em relação aos tipos de madeira existentes, tais como a imbuia, o roxinho, o jacarandá, o pau-marfim e o vinhático, os quais comparecem em todos os seus trabalhos. Além disso, destaca-se o seu uso de tecidos rústicos e fibras naturais que, segundo Tenreiro, são materiais que representam a matériaprima nacional e que também contribuíram para promover a adequação do mobiliário por ele criado ao clima tropical. Tenreiro é reconhecido por nortear sua produção a partir dos princípios modernos, ao acreditar que um móvel deveria romper com o supérfluo e se destacar pela pureza e limpeza, estéticas especializadas na produção de móveis modernos de qualidade (MACEDO, 1985). Ele chegou a ter uma loja no Conjunto Nacional em São Paulo, praticamente vizinha da segunda loja da Branco & Preto que ficava na Rua Augusta, conforme relata o arquiteto Romeu Castro de Souza em depoimento anexo a este trabalho. Tenreiro, assim como a Branco & Preto, explorava ao máximo o material a ser empregado no móvel. Já a arquiteta Lina Bo Bardi, figura importante na produção arquitetônica conforme já destacado, também contribuiu com a produção de mobiliário. Ela nasceu na cidade de Roma (Itália) em 1914 e se formou em 1939 pela Faculdade de Arquitetura de Roma. Chegou ao Brasil em 1946 e aqui desenvolveu projetos arquitetônicos emblemáticos como já destacado. Ao elaborar o projeto para o auditório do Museu de Arte de São Paulo, ainda situado na Rua Sete de Abril, Lina enfrentou grande dificuldade em encontrar um mobiliário condizente com a proposta, o que fez com que ela desenhasse uma cadeira dobrável e empilhável. “Nós viramos São Paulo inteira e não achamos ninguém que tivesse uma cadeira moderna. Fomos obrigados a desenhá-las” (FERRAZ, 1997, p. 50). Lina, seu marido Pietro Bardi e Giancarlo Palanti criaram o Studio d’Arte Palma (1948) que funcionou durante dois anos, porém não teve muito sucesso, pois, apesar do desenho adequado à nova arquitetura, o principal material usado nos móveis era o compensado, diferente do tipo de madeira utilizada até então. Ainda existia uma grande clientela que dava preferência para os móveis de desenhos rebuscados e para a tradição dos móveis maciços, grande parte deles em madeira jacarandá. Outro fator relevante que levou ao fechamento da loja foi à falta de mão de obra qualificada. Dessa forma, a produção de móveis com a qualidade e o acabamento comprometido com a arquitetura de interiores ficou restrita ao antiquário e à arte. O arquiteto Sérgio Rodrigues relatou: “(...) ela foi a única designer estrangeira que vestiu a camisa brasileira porque tudo o que ela projetou poderia ser chamado de mobiliário brasileiro” (Anexo 4). 30 Com Palanti, Lina fundou também a Pau-Brasil, em busca de desenvolver um móvel de maior qualidade. A empresa foi depois transferida para os irmãos Hauner em 1951, que mudaram seu nome para Móveis Patente. Figura 11 – Cadeira Girafa (1987); cadeira Frei Egídio (1987) Fonte: Marcenaria Barauna. O nome do baiano Zanine Caldas não pode deixar de ser lembrado quando o assunto é projeto de mobiliário. Apesar de não possuir o título de arquiteto, ele foi pioneiro na construção de casas em madeira, tendo também atuado como maquetista. Caldas concebeu um design em que o aporte de materialidade de seus projetos propiciou que o custo do mobiliário fosse mais acessível, sobrepondo peças e lâminas de compensado. Como exemplo deve-se ressaltar a escassez de encaixes em grande parte das peças e a sobreposição estilizada do material laminado, formando explicitamente as letras “S” ou “Z”. Essa tecnologia e prática foram responsáveis pela diminuição do custo de produção dos móveis, com isso aumentando a possibilidade de atingir um numero maior de pessoas. 31 Figura 12 – Ambientes com peças da Loja de Móveis Z Fonte: Revista Acrópole, n. 183, p. 132-133, jan. 1954. Geraldo de Barros (1923-1998) é uma figura que também merece ser mencionada quando falamos da produção de mobiliário no Brasil. Nascido no interior de São Paulo, iniciou-se na arte depois de matricular-se no curso de pintura em 1945 e, posteriormente, ingressou na fotografia, passando a frequentar o Foto Cine Clube Bandeirantes. Seu interesse pela forma e função de um objeto, bem como a sua base intelectual surgiram por intermédio do crítico de arte Mário Pedrosa e seus estudos da Gestalt Theorie (teoria da forma). Tal teoria corresponde à tentativa de atribuir a um objeto a pureza da forma em harmonia com o ambiente que o cerca, visto que cada objeto é capaz de produzir um determinado estímulo, o qual é captado e interpretado pelo cérebro positiva ou negativamente. O estímulo é variável, o que nos leva a crer que um objeto com uma forma simétrica e aparentemente “agradável aos olhos” certamente possibilitará estímulos positivos ao cérebro. Geraldo de Barros pregava piamente que o investimento tecnológico deveria ser baixo para o desenvolvimento de um produto; assim tornava-o passível de ser produzido com um custo acessível ao maior número de pessoas. Dessa forma, foi dele a iniciativa da produção de mobiliário em série por meio da fábrica de móveis Unilabor (CLARO, 2004), que manteve suas atividades em São Paulo entre 1954 e 1967. Nesse período, o bairro do Ipiranga, local onde a fábrica foi instalada, caracterizava-se como um bairro operário e, por isso, se adequava ao conceito do que seria a Comunidade de Trabalho Unilabor. Posteriormente firmou parceria com o marceneiro Antonio Bioni e, juntos, abriram a fábrica Hobjeto, que posteriormente teria lojas no Brasil 32 inteiro e se tornaria referência no processo de industrialização do móvel brasileiro. Antonio Bioni, sócio de Geraldo na Hobjeto, relata: “O Geraldo pegava o lápis, desenhava o móvel de baixo para cima, os rabiscos diziam tudo, ele tinha uma facilidade monstro”(Anexo 3). Figura 13 ‒ Cadeira GB01(1954) – Designer Geraldo de Barros Fonte: Dpot. O arquiteto carioca Sérgio Rodrigues, nascido em 1927, é uma figura com grande produção projetual de mobiliário. Ele traduz toda a complexidade escondida na criação de um simples croqui por meio da escolha do tipo de madeira, tonalidade e a combinação com outras matérias-primas, as quais dão continuidade a essa complexidade. Sérgio Rodrigues optou por seguir, em meados dos anos de 1950, a linha de mobiliário com características já idealizadas por Joaquim Tenreiro a qual, assim como os móveis da loja Branco & Preto, possui características artesanais, apesar de que, naquela época, o Brasil já estava desenvolvendo uma arquitetura com bases modernas intimamente ligadas a personalidades como Lina Bardi, Oswaldo Bratke e Lúcio Costa, entre outros. Logo, o mobiliário continuava mantendo aspectos relacionados ao passado, com elementos que ainda faziam alusão aos móveis ditos clássicos. Na década de 1960 a sua loja, a Oca, chegou a ter uma unidade próxima à Branco & Preto da Rua Augusta. Como poucos, ele conseguiu aludir em suas peças a raízes culturais e, mesmo assim, transformá-las com linhas modernas. Seu trabalhou ficou marcado pela versatilidade, pois desenvolveu projetos desde estantes, mesas, cômodas e casas de madeira, até luminárias. Mas o reconhecimento e o destaque vieram pela notoriedade de suas cadeiras e poltronas. 33 Figura 14 ‒ Ambientações Sérgio Rodrigues na década de 50 Fonte: Revista Acrópole, n. 74, dez. 1955. O arquiteto polonês Jorge Zalszupin, nascido em 1922, veio para o Brasil em 1949 e dez anos depois abriu a loja L’Atelier no Conjunto Nacional em São Paulo, onde já estava estabelecida a loja de Joaquim Tenreiro. Nessa loja ele vendia peças de sua autoria e móveis licenciados pela italiana Kartel. No final da década de 1980 passou a se dedicar com maior intensidade à arquitetura e às artes plásticas. O arquiteto Romeu Castro de Souza fala sobre a relação de Zalszupin com os membros da loja Branco & Preto: “Jorge Zalszupin, arquiteto (...) ficaram amigos, iam pesquisar, trocar ideias; havia um relacionamento dos outros projetistas da loja Ambiente com o Jorge Zalszupin do L’Atelier” (Anexo 2). Figura 15 ‒ Poltrona Verônica – designer Jorge Zalszupin Fonte: Etel Interiores. Outro nome estrangeiro que contribuiu com o processo evolutivo da produção de móveis e com a composição dos espaços de interiores é o do francês Michel Arnoult. Nascido em 1922, ele chegou ao Brasil com 26 anos. Em 1951 formou-se arquiteto pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro. Trabalhou com Marcel Gascoin, nome forte na produção seriada e foi estagiário do arquiteto Oscar Niemeyer. Juntamente com Norman Westwater e Abel de Barros abriu em 1954 a Mobília Contemporânea, com a proposta de fazer móveis que podiam ser produzidos em série e que, com um desenho simples, 34 conseguiriam atingir todas as faixas econômicas. Em 1970 começou a vender móveis em supermercados com o conceito “peg-lev”. Ganhou o prêmio Roberto Simonsen com a poltrona Ouro Preto, por questões mercadológicas, fechou as portas da sua fábrica. Faleceu em 2005. O arquiteto Romeu Castro de Souza relata que: Em uma ocasião, entra um cidadão chamado Michel Arnoult na loja da Vieira de Carvalho, perto da praça da República. Ele falou: – Vou ser concorrente de vocês, nesta avenida, vindo para o largo do Arouche, no fim da Vieira de Carvalho, em frente à loja de tapetes. Estamos alugando esse local para fabricar móveis e vai se chamar Mobília Contemporânea. Vamos produzir móveis com uma característica: serão vendidos em supermercados (Anexo 2). Observamos assim que os nomes já citados anteriormente, juntamente com o grupo da Branco & Preto contribuíram de forma expressiva com o desenvolvimento do móvel no Brasil e com a articulação do projeto arquitetônico com seus interiores. Na atualidade, presenciam-se ações de profissionais que continuam pensando a arquitetura e seus espaços de interiores e, como consequência, o mobiliário a ser empregado de forma que se possua uma mesma linguagem. Contudo, vivemos também o processo do desenvolvimento de projetos pensados de forma isolada, ou seja, propostas destoantes de arquitetura e de interiores para a mesma obra, pensadas por profissionais com ideários e conceitos opostos. No mobiliário podemos observar neste trabalho a continuação do legado do uso da madeira e da produção evidenciada nos anos 1950. São nomes que contribuíram com o desenvolvimento da indústria e com o design, área em que podemos notar a atuação de profissionais que intrinsecamente acabam transpassando a linguagem adotada no projeto arquitetônico para o projeto do mobiliário. A produção de mobiliário nas décadas de 1950 a 70 merece destaque, pois influenciou uma geração que está dando continuidade à tradição de peças em madeira maciça, do uso da palhinha e do compensado, que continuam compondo os espaços de interiores no Brasil e em diversas partes do mundo. Vários são os nomes de profissionais que seguem a tradição da utilização desses materiais e que fazem parte de uma segunda geração de designers. Podemos citar entre eles os trabalhos da designer carioca Cláudia Moreira Salles, do arquiteto mackenzista Maurício Azeredo e do arquiteto paulistano Carlos Motta. Porém, podemos observar outras influências no móvel brasileiro, como o desenho industrial proposto pela Bauhaus, com uma produção pensada com influências industriais, que pode ser exemplificada com os trabalhos de Fernando Jaeger, Baba Vacaro e Guto Índio da Costa. Temos ainda uma influência mais ligada às artes, aos aspectos culturais e artesanais, exercida por nomes como os irmãos Fernando e Humberto Campana, Gerson de Oliveira e Luciana Martins, os quais 35 também possuem participação da indústria, e Domingos Tótora que, além das influências das artes, tem seu trabalho vinculado ao artesanato. As personalidades acima destacadas, juntamente com alguns outros nomes que, além de apresentarem produtos que cumprem suas funções, possuem identidade própria empregada em seus itens, contribuem com o desenvolvimento do mobiliário contemporâneo brasileiro e com a composição dos espaços de interiores. Perante esse cenário apresentado sobre o mobiliário produzido e comercializado no Brasil, tomamos conhecimento de ações de grupos e designers que ao longo do processo de difusão e prática da arquitetura moderna contribuíram para o desenvolvimento da indústria moveleira, e com a composição dos espaços de interiores entre as décadas de 1950 e 1970. 3 LOJA BRANCO & PRETO 3.1 MEMBROS DA LOJA E A SUA FORMAÇÃO Destaca-se em 1947 a fundação da primeira faculdade de Arquitetura de São Paulo, no Mackenzie, por iniciativa do arquiteto Christiano Stockler das Neves (1889-1982), formado em 1911 pela Graduate Schoolof Fine Arts, da Universidade da Pensilvânia (EUA), que aplicava os métodos de ensino baseados no programa da Escola de Belas Artes de Paris. Stockler das Neves, na condição de diretor e professor, exerceu papel ao mesmo tempo centralizador e polêmico, por inibir a realização entre os alunos daquela faculdade de projetos modernos, por sua vez, supriam muitas vezes o anseio pela modernidade, buscando o acesso a revistas estrangeiras consideradas progressistas. O arquiteto, tendo sido o responsável pela criação do curso de arquitetura da Escola de Engenharia Mackenzie em 1917, permaneceu à frente da direção da escola até 1956. Nesses 40 anos esteve sempre difundindo os conceitos clássicos e procurando desenvolver nos arquitetos ali formados esmerada competência para representação do espaço e composição, afirmando o pendor acadêmico da escola, sem conseguir inibir, no entanto, o avanço da arquitetura moderna intramuros mackenzistas (PEREIRA, 2005). Professor rigoroso e competente foi também defensor de uma arquitetura de moldes acadêmicos e estimulou a prática exaustiva do desenho no ambiente acadêmico (PEREIRA, 2005), formando arquitetos hábeis nessa instrumentação e que, sobretudo, se utilizaram dela para alcançar o patamar de propagadores da arquitetura moderna. Apesar do esforço de Stockler para manter o ensino nos moldes da arquitetura clássica, a repressão instigou os alunos a procurar novas informações acerca da arquitetura e das artes 36 modernas, o que acarretou o surgimento de diversos grupos que partilhavam ideários modernos, conforme nos relata Miguel Forte: Existia um grupo Jacob Ruchti, Galiano Ciampaglia, Igor Sresnewsky e outros poucos – que, escondidos do Christiano, estudava por conta própria os movimentos da arquitetura dessa época. Então nós ficávamos empolgados com Frank Lloyd Wright, Le Corbusier, Mies Van der Rohe, Gropius, Richard Neutra e, quase que escondidos dos nossos professores de projetos, ficávamos manuseando revistas e livros com a publicação desses arquitetos. E contávamos um para o outro: “Você viu? Olha, eu comprei um novo livro, você viu a residência do Frank Lloyd Wright publicada? Você viu aquela obra do Mies Van der Rohe?” E assim por conta própria éramos professores uns dos outros (FORTE, 2001, p. 15). Esses arquitetos integram uma geração que vivenciou a transição da arquitetura acadêmica à moderna, porém muitos se dedicaram ao estudo da arquitetura moderna estimulados por publicações estrangeiras que aqui chegavam. O interesse e o desenvolvimento de habilidades para a prática da projetação e construção modernas se viram reforçados ainda pelo ambiente urbano em modernização que se formava nas principais capitais brasileiras, o que contribuiu para a substancial modificação da paisagem e da vivência do espaço urbano (ABASCAL; BRUNA; ALVIM, 2009) na década de 1950. Uma educação fundamentada na crença da relevância da articulação entre arte e arquitetura acadêmica contribuiu para que os arquitetos formados nesse ambiente produzissem obras modernas com grande competência do ponto vista de nível de detalhamento projetual, complementando-se o fato a partir da vivência no Mackenzie de um ideário pragmático (PEREIRA, 2005). Este meio acadêmico, embora muitas vezes não estimulasse a uma referência pluralista de fontes arquitetônicas, não comprometia mentalidades frente a uma única vertente da arquitetura moderna, estimulando que se viesse beber de variadas referências e fontes, uma vez que não se constrangia à obediência do dogma funcionalista. Dentro desse espírito, de não haver qualquer compromisso exclusivo com o racionalismo de Le Corbusier, por exemplo, Miguel Forte e Jacob Ruchti buscaram outras fontes em contatos, estudos e viagens, tal como a que foi realizada aos Estados Unidos em 1947. Nessa ocasião, estreitaram laços com as arquiteturas de Richard Neutra, Philip Johnson, John Gaw Meen, Rudolf Mock, William Wurster e Frank Lloyd Wright, arquitetos representativos da prática de arquitetura moderna, tendo a grande maioria de suas obras espaços com mobiliário compatível às concepções arquitetônicas (ARGAN, 1997). Tudo isso possibilitou que esses arquitetos formados nesse meio híbrido pudessem se tornar arquitetos modernos de grande competência projetual e prática (PEREIRA, 2005). 37 Depois de formados, alguns destes profissionais, até mesmo trabalhando próximos uns dos outros, com escritórios à Rua Barão de Itapetininga (MATERA, 2005), reuniram-se em 1952 para criar a loja de móveis Branco & Preto, que funcionou até meados de 1970 contribuindo consideravelmente para a consolidação da utilização de um mobiliário com uma linguagem condizente com arquitetura que estava sendo produzida, e, sobretudo para a disseminação de conceitos e princípios modernos por meio de seus projetos de móveis. Roberto Aflalo um dos sócios da loja obteve experiência em desenho de mobiliário na loja Ambiente pioneira na fabricação e venda de móveis modernos. Jacob Ruchti era filho do arquiteto suíço Frederico Ruchti, que se formou na Technische Universität de Berlin, mas veio ao Brasil trabalhar para a família Klabin, em 1919. Vivendo no meio cultural de seu pai, teve a oportunidade de conhecer importantes personalidades, como o arquiteto Vilanova Artigas e outros artistas renomados, como Bonadei, Volpi e Di Cavalcante. Posteriormente, Aflalo trabalhou no escritório do arquiteto Warchavchik e, em 1951, lecionou na escola de design do Instituto de Arte Contemporânea do MASP. I Chen Hwa diplomou-se na Pennsylvania State University, nos Estados Unidos, e imigrou para o Brasil durante a revolução comunista. Trabalhou no escritório de Philip Johnson5 e, em 1952, veio ao Brasil para trabalhar no escritório de Plínio Croce e Roberto Aflalo, em São Paulo (ACAYABA, 1994, pag. 53). A seguir, o arquiteto Romeu Castro de Souza relata sobre a facilidade de Chen com o desenho: “Ele é o mais perfeito que eu vi até hoje, era um artista. Os arquitetos pediam para ele desenhar as perspectivas do exterior, os jardins, ele fazia as folhagens, as árvores tinham a aparência da estação do ano, secas no inverno” (Anexo 2). Carlos Millan (1927-1964) era membro de uma família espanhola, caçula de três irmãos. O mais velho, Roberto, era médico; Fernando era advogado de formação e proprietário de galeria de arte; Carlos tocava piano. Fernando foi proprietário do antiquário Ouro Preto na Rua Augusta, depois na Alameda Jaú, e da galeria Fernando Millan na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, que até hoje é endereço de galerias e lojas de design. Estudaram no Colégio São Luís. Casou-se com Ana Tereza Del Nero, formada em Línguas. Residiram na Rua Dona Veridiana, depois na região da Serra da Cantareira. Na sequência, mudou-se para o condomínio do Banco Lar Brasileiro na Rua Ministro Godói em Perdizes, em um prédio projetado por Salvador Candia, Plínio Croce e Roberto Aflalo. Teve seis filhos, porém um menino faleceu nos primeiros meses. Millan fumava muito. Estagiou nos 5 Arquiteto norte-americano referência na arquitetura moderna e ganhador do prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial. 38 escritórios de Abelardo de Souza, Arthur Oswaldo Bratke e Rino Levi (MATERA, 2005, p. 50). Millan foi membro da Câmara de Arquitetura do CREA, quando concorreu à presidência em 1963 e acabou perdendo para Alberto Botti. Foi diretor do IAB entre 1959 e 1961 e tesoureiro na gestão de 1962 a 1963. Em 1957 passou a ser professor da Universidade Mackenzie. É autor de projetos muito bem-elaborados, conforme podemos verificar na citação sobre arquitetura produzida na década de 1960: “Uma produção que atingiu alta qualidade arquitetônica, especialmente no programa de residências, cabe destacar o apuro das casas concebidas por Carlos Millan entre 1960 e 1964” (BASTOS; ZEIN, 2010, p. 141). Millan faleceu prematuramente em um acidente de automóvel em 5 de dezembro de 1964, quando voltava com a esposa Ana Tereza e três dos cinco filhos de uma fazenda em Joaquim Egídio, no interior paulista. Ele perdeu o controle do carro e caiu no rio Atibaia entre as cidades de Valinhos e Joaquim Egídio. A única sobrevivente foi à filha mais velha. O arquiteto Plínio Croce (1921-1984) trabalhou um ano na Regis & Augustinis, entre 1946 e 1947, quando era recém-formado. Em 1948 ingressou na filial paulista do renomado escritório do designer americano Raymond Lowey. Em 1949 abriu seu próprio escritório e em 1950 se filiou a Aflalo, que funcionou até 1962. Também lecionou na FAU–USP. Roberto Aflalo (1926-1992) ingressou na universidade em 1946 e já no primeiro ano estagiou no escritório do Plínio. Em 1950 formaram o escritório Plínio Croce & Roberto Aflalo, que funcionou até 1962. Aflalo conforme já citado obteve sua experiência iniciando com o desenho de mobiliário para a loja Ambiente, onde desenvolveu uma série de móveis. Em 1962, ele e Plínio Croce se juntaram a Gian Carlo Gasperini e participaram do concurso para a construção do Edifício da Peugeot, tendo essa parceria inicial evoluído para uma sociedade. Jacob Ruchti (1917-1974), conforme já destacado anteriormente, era filho do arquiteto suíço Frederico Ruchti, que se formou na Technische Universitätde Berlin, mas veio ao Brasil trabalhar para a família Klabin, em 1919. Convivendo no meio cultural de seu pai, teve a oportunidade de conhecer importantes personalidades, como o arquiteto Vilanova Artigas e outros artistas renomados, como Bonadei, Volpi e Di Cavalcante. Ele se formou arquiteto em 1940 e foi trabalhar com seu pai, que era voltado principalmente ao desenvolvimento de projetos e construções de residências. Em 1947 Jacob viajou com Miguel para os Estados Unidos durante seis meses onde manteve contato com a arquitetura que estava sendo produzida naquele país. Foi docente de composição decorativa no Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo da FAU-USP (1954-1961). No campo da arquitetura 39 desenvolvia projetos principalmente residenciais engajados no organicismo proposto por Frank Lloyd Wright. Miguel Forte (1915-2002), assim como Ruchti, formou-se engenheiro arquiteto pelo Mackenzie. Trabalhou no escritório do arquiteto Rino Levi de 1938 até 1942, ano em que abriu com seu cunhado Galiano Ciampaglia a firma de Projetos e Construções Forte e Ciampaglia. Fez parceria em 1946 com Jacob Ruchti para participar do concurso que visava à construção do edifício sede do Instituto de Arquitetura do Brasil, e conquistaram o primeiro lugar, em conjunto com a equipe de Rino Levi. Foi à paixão e a admiração de Miguel Forte pela arquitetura de Frank Lloyd Wright que o estimulou, juntamente com Jacob Ruchti, a fazer a viagem aos Estados Unidos. A partir de 1964 Miguel também passou a dar aulas de projeto na Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 3.2 A LOJA A fim de produzir moveis dentro dos ideários propostos na arquitetura moderna, em 1952, o grupo de arquitetos formados pela Faculdade de Arquitetura Mackenzie: Miguel Forte, Jacob Ruchti, Galiano Ciampaglia, Plínio Croce, Roberto Aflalo e Carlos Millan, mais o chinês I Chen Hwa (que destoava dessa formação naquela escola), abriram a loja de móveis e tecidos para decoração Branco & Preto. O grupo obteve grande participação no desenvolvimento da arquitetura moderna em São Paulo e no Brasil e contribuíram com uma significativa atuação no campo do design mobiliando espaços da arquitetura moderna, inclusive aqueles por eles produzidos (MATERA, 2005). Figura 16 – Logotipo Branco & Preto Jacob Ruchti (1952) Fonte: ACAYABA, 1994, p. 62. O arquiteto Roberto Aflalo, consultor da loja Ambiente, reunindo experiência como designer, propôs aos colegas do Mackenzie que montassem um estabelecimento comercial próprio, cuja ação deveria desenvolver a indicação de tecidos e concepção de móveis. Isso iria permitir que profissionais versados em arquitetura moderna fossem contratados para 40 desenvolver projetos de arquitetura de interiores adequados a residências, incluindo indicações de tecidos, tapetes e luminárias, o que consistia em São Paulo uma ideia original. Inicialmente, a Branco & Preto se instalou na Avenida Vieira de Carvalho e chegou a ter, nos anos de 1960, uma filial na Rua Augusta, que vendia tecidos para móveis que eram produzidos na indústria do sogro de Miguel Forte. Segundo Acayaba e Ficher (1982), o design do mobiliário da loja prescrevia como material-chave madeiras como jacarandá-dabahia, caviúna, cabreúva ou pau-marfim, associados ao mármore, vidro e ferro. Segundo Roberto Aflalo (CAMARGO, [19--]), uma grande influência para a concepção da loja e seus projetos foi a Bauhaus e o arquiteto Mies Van der Rohe. Isto porque ainda se produzia um desenho que oscilava entre móvel tradicional e moderno para as camadas sociais mais altas. Os móveis existentes eram criados para as mais altas camadas da sociedade para que se encaixassem a arquitetura dessas residências. Não alcançaram a produção em série, pois eram móveis ricos em detalhes oque encarecia a sua execução, embora fossem móveis modernos. A produção em escala comercial implicou jamais em perda de qualidade do acabamento artesanal e do requinte em articular aquela produção ao projeto de arquitetura de uma residência singular. A sociedade da Branco & Preto se desfez em 1970, principalmente devido à dificuldade em encontrar mão de obra especializada para garantir a qualidade que se tornou a marca da empresa e à grande demanda de trabalhos dos escritórios que os sócios mantinham paralelamente à loja. O mobiliário nacional acompanhou a marcha das diversas transformações ocorridas no setor da produção industrial no país ao longo dos anos, principalmente na década de 1950, com a industrialização e formação da metrópole (MORSE, 1970). De produtores de utensílios manufaturados artesanalmente, passamos à produção industrial. A experiência da Branco & Preto possibilitou a continuidade da qualidade projetual capaz de singularizar o espaço produzido à escolha do mobiliário, agregando técnicas tradicionais de marcenaria e os métodos e materiais brasileiros às possibilidade de reprodução em escala comercial das peças, com o uso de materiais como a madeira e a palhinha, entre outros. Cabe salientar que paralelamente a esse período se vislumbravam espaços ainda ocupados por mobiliários clássicos e ornamentados. Os arquitetos que comungavam o mesmo ideário moderno elaboravam projetos de móveis com características brasileiras que pudessem articular-se à nova arquitetura. A partir da perspectiva apresentada, torna-se evidente a impossibilidade de se separar o projeto de arquitetura do projeto de seu interior. Essa constatação justifica a relevância de 41 um estudo aprofundado da loja de móveis Branco & Preto, responsável pelo projeto de mobiliário de diversas casas e apartamentos nos anos de 1950 e 1970 contribuindo com a renovação do mobiliário brasileiro. Monica Junqueira de Camargo ([19--]) relata que a loja destacou-se por explorar a madeira e o desenho dos tecidos e por projetar móveis que passaram a fazer parte indissociável das casas modernas produzidas em São Paulo. A seguir podemos observar como ocorria o desenvolvimento dos projetos, no depoimento do arquiteto Romeu Castro de Souza ao autor, Quando um tinha uma ideia para fazer um móvel eles se reuniam, de preferência os seis, para ver se valia a pena continuar. Detalhavam até o produto final ou, se não, encostavam. Aquele móvel recebia o nome do criador, com as iniciais dos seus nomes. Os móveis em geral eram esmiuçados, iam ao detalhe total, explorando as características naturais da aparência, estruturas, durabilidade da madeira, dos tecidos, enfim, de tudo o que iria intervir naquele móvel em questão, e dos móveis em geral, porque essa era a intenção deles. Então eles exploravam ao máximo o material a ser empregado(Anexo 2). Para Santos (1995, p. 111), que elaborou vasta pesquisa sobre mobiliário moderno no Brasil, a loja Branco & Preto “foi um marco na história do mobiliário paulista”. Abaixo temos dois relatos importantes falando sobre os móveis da Branco & Preto. Primeiro, o arquiteto Sérgio Rodrigues, Os móveis da Branco & Preto eram extremamente artesanais mas muito bem feitos. Ficava na Vieira de Carvalho onde tinha também a L’Atelier, que usava muito metal, madeiras prensadas. Quando era possível não usar só os móveis da Forma eu usava uma coisa ou outra deles. (Anexo 4) Agora, Antonio Bioni, A Branco & Preto era sofisticação, era para atender cliente exclusivo, não era móvel de produção em série. O móvel muito bem feito, o desenho finíssimo, a qualidade era ótima. Marcenaria de alta qualidade com um desenho também muito bom. (Anexo 3) O alto custo de produção aliado ao sucesso dos escritórios pessoais dos sócios foram fatores determinantes para o fechamento da loja, conforme relata Romeu Castro de Souza: “Não foi uma quebra, fecharam naturalmente porque prevaleceram os escritórios de arquitetura” (Anexo 2). A sociedade formada pelo grupo de colegas se viu fragilizada com o passar dos anos, devido aos inconvenientes de, paulatinamente. A sociedade de seis pessoas durou pouco: Chen e Plínio saíram logo e depois de algum tempo, Jacob. Assim a loja passou a pertencer 42 apenas a Miguel Forte, Roberto Aflalo e Carlos Millan. O falecimento precoce de Carlos Millan, aos quarenta e oito anos, também desfalcou a sociedade. A seguir faremos a apresentação da reconstituição da loja localizada na rua Vieira de Carvalho (1953). Optou-se em desenvolver os redesenhos dos layouts e dos cortes da loja juntamente com a maquete volumétrica da arquitetura, que recebeu os móveis existentes no catálogo e expostos nos anexos deste trabalho, provavelmente por uma questão mercadológica, em que a mudança do layout da loja ocorria de acordo com a rotatividade de venda das peças e campanhas ou promoções. Porém a reconstituição será apresentada retratando o layout da loja no período da sua inauguração. 43 Figura 17 – Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: planta 1º pavimento Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 44 Figura 18 – Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: planta mezanino Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 45 Figura 19 – Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: cortes AA e BB Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 46 Figura 20 – Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: perspectiva Fonte: Elaborada pelo próprio autor. 47 Estante expositora Figura 21 – Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: desenho estante expositora Fonte: Redesenho elaborado pelo próprio autor. Figura 22 – Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: maquete – estante expositora Fonte: Elaborada pelo próprio autor. 48 Figura 23 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista externa. Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 49 Figura 24 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista superior. Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 50 Figura 25 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista frontal, primeiro e segundo pavimento. Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. Figura 26 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 1, primeiro pavimento Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 51 Figura 27 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 2, primeiro pavimento Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. Figura 28 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 3, primeiro pavimento Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 52 Figura 29 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: Vista 4, primeiro pavimento Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. Figura 30 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 5, primeiro pavimento Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 53 Figura 31 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 6, primeiro pavimento Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. Figura 32 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 1, mezanino Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 54 Figura 33 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 2, mezanino Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. Figura 34 – Maquete Loja Branco & Preto, Vieira de Carvalho: vista 3, mezanino Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 177, p. 330-331, ago. 1953. 55 4 O MOBILIÁRIO DA BRANCO & PRETO SUAS CARACTERÍSTICAS E A UTILIZAÇÃO Os móveis da loja Branco & Preto foram pensados dentro das técnicas e processos da marcenaria tradicional para itens como sofá, poltrona, cadeira, mesa, buffet, escrivaninha, etc. Eram também desenvolvidas peças especiais, como estantes e móveis de apoio, com o emprego das características peculiares da loja relativas ao tipo de madeira, aos sistemas construtivos e aos tecidos. Tais peças eram nomeadas de acordo com as iniciais dos seus criadores. Os móveis em geral eram esmiuçados ao detalhe total, explorando as características naturais da aparência, estrutura e durabilidade do material. Em geral, a madeira era utilizada junto com outros materiais como palhinha, ferro, laminados, mármores e tecidos criados pelo grupo, que eram acrescentados com a aplicação de técnicas artesanais da marcenaria tradicional. Enfim, tudo o que iria intervir no móvel em questão era pensado. Podemos observar nos móveis da loja que os elementos construtivos, além de suprir as questões estruturais, se tornavam elementos de valorização das peças. 56 Figura 35 ‒ Maquetes móveis Loja Branco & Preto Fonte: Elaborada pelo próprio autor. 57 4.1 AS CARACTERÍSTICAS E OS MATERIAIS UTILIZADOS NOS MÓVEIS Entre os arquitetos da loja, Plínio Croce, Roberto Aflalo e Carlos Millan possuíam maior afinidade com a arquitetura de Richard Neutra, Marcel Breuer e Mies van der Rohe; já Jacob Ruchti e Miguel Forte estavam vinculados à arquitetura de Frank Lloyd e à do designer Paul McCobb (1917-1969), que em 1950 teve seu trabalho fortemente divulgado em revistas. Figura 36‒ Maquetes mesas Loja Branco& Preto Fonte: Elaborada pelo próprio autor. Os móveis eram fabricados pelos Irmãos Pássaro, descendentes de italianos, os quais faziam mais a parte reta e os folheados. Tampo de mesa, estrutura de sofá e outros itens torneados eram repassados, na maioria das vezes, para os Irmãos Malmeister, descendentes de alemães (ACAYABA, 1994). Por coincidência, eram três irmãos tanto em uma quanto na outra fábrica. Os arquitetos da loja faziam questão de ir às oficinas para acompanhar os processos de fabricação dos protótipos. A seguir, temos algumas ferramentas utilizadas na fabricação dos móveis da loja Branco & Preto e dos móveis que utilizavam as técnicas de marcenaria tradicional. 58 1 2 3 5 4 5 6 8 7 11 9 10 Figura 37 ‒ Ferramentas utilizadas na marcenaria tradicional Fonte: Arquivo pessoal do autor. Legendas: 1 – Martelo; 2 ‒ Esquadro de madeira; 3 – Serrote; 4 – Formão; 5 – Arco de Pua; 6 – Plaina;7 ‒ Furadeira manual; 8 – Esfregador de folha; 9‒ Compasso;10 – Gramin; 11 –Suta. 59 O projeto do mobiliário da loja Branco & Preto tem peculiaridades, uma delas é que, quando utilizavam o ferro, na maioria das vezes era tubular. Normalmente, as mesas tinham um requadro com 3 cm, sempre meia-esquadria, nada de perpendicular. Figura 38 – Maquete sistema de encaixe ½ esquadria Fonte: Elaborada pelo próprio autor. 60 Eles não trabalhavam com laminado melaminico no topo dos móveis porque na junção da superfície com a espessura aparecia a linha preta de 0,8mm do laminado, então usavam o requadro que possibilitava um melhor acabamento. Quando o tampo era de compensado, usavam o folheado. O bom desenho, com elementos como o requadro a 45º adotado para dar melhor acabamento às mesas, se tornou a marca dos móveis produzidos pelo grupo. Eles eram, porém, móveis extremamente artesanais, o que os transformava em um produto com custo extremamente elevado. Geralmente os estofados eram produzidos com mola em almofadas com crina animal ou plumas no enchimento. Aí vinham com os tecidos. Surgiu a No-Sag, porém os arquitetos continuavam fiéis à mola horizontal, não queriam a mola helicoidal. Não saíam da filosofia inicial, mantinham os princípios técnicos de alinhamento ao produto. Recorrente no mobiliário produzido no Brasil, em especial entre as décadas de 1950 e 1970, também esteve presente nos móveis da loja a utilização da palhinha, herdada de nossos colonizadores e que havia sido introduzida em Portugal entre os séculos XVII e XVIII. No país, esse material era importado da Índia e da Áustria. Podemos evidenciar como sua grande vantagem a ventilação possibilitada pelas frestas entre as tramas, além do fácil manuseio e da disponibilidade de acesso ao material. Porém devemos também destacar os estofamentos utilizando a crina ou a pluma e os tecidos fabricados no Lanifício Fileppo, que pertencia à família da esposa de Miguel Forte. Lá se produziam tecidos exclusivos para a loja, que ficou conhecida pela gama de cores, pela qualidade e pelos desenhos das estampas produzidos pelos arquitetos. Ainda hoje, a grande maioria dos projetos de mobiliário no Brasil prevê a utilização de madeira, material bastante característico, entre nós, para a produção de móveis, devido principalmente à abundância e à diversidade de espécies existentes em nosso país. Sendo assim, a loja também adotou a madeira como material predominante em seus móveis. Percebe-se que as madeiras dos móveis da Branco & Preto foram escolhidas com base no conhecimento técnico dos arquitetos, pois fica evidente o conhecimento sobre questões como variações de densidade, resistência, porosidade, colorações e peso. A tradição do uso da madeira no móvel moderno brasileiro já tinha sido iniciada por Tenreiro e foi depois disseminada por nomes já mencionados nesse trabalho como Sérgio Rodrigues e, claro, pelo grupo da Branco & Preto, que contribuiu com o aprimoramento das diferentes técnicas dos acabamentos e das junções. A seguir, podemos observar as madeiras utilizadas nos móveis fabricados pela Branco & Preto em estado natural e com aplicação de selador. 61 1 2 4 3 Figura 39 ‒ Jacarandá-da-Bahia, sendo: 1-2– Jacarandá em estado natural; 3-4 –Jacarandá com aplicação de selador Fonte: Arquivo pessoal do autor. Nome científico: Dalbergia nigra (vell.) Allemao ex Benth Como é conhecida: Jacarandá-da-Bahia, jacarandá-preto, caviúna, cabiúna-rajada, cabiúnado-mato, graúna, caviúno, jacarandá, jacarandá-cabiúna, jacarandá-caviúna, jacarandá-uma, pau-preto, jacarandazinho. Descrição: Árvore com altura média de 15-25m com tronco de 40-80cm de diâmetro. Com ocorrência na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Características: Madeira moderadamente pesada com densidade 0,87 g/cm³. 1 2 Figura 40 ‒ Caviúna, sendo: 1‒ Caviúna em estado natural; 2 ‒ Caviúna com aplicação de selador Fonte: Arquivo pessoal do autor. Nome científico: Machaerium scleroxylon Tul Como é conhecida: Caviúna, pau-ferro, sabiúna, jacarandá-ferro (SP), jacarandá-violeta, caviúna-vermelha (PR), penanguba (MG), violeta (MG, ES), caviúna-rajada, candeia-dosertão, jacarandá-caviúna, suca (GO), candeia. Descrição: Árvore com altura média de 15-25m com tronco de 50-90cm. Com ocorrência em Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, e Norte do Paraná Características: Madeira moderadamente pesada (densidade 0,88g/cm³). 62 1 2 Figura 41 ‒ Cabreúva, sendo: 1 ‒ Cabreúva em estado natural; 2 ‒ Cabreúva com aplicação de selador Fonte: Arquivo pessoal do autor. Nome científico: Myrocarpus frondosus Allemão Como é conhecida: Cabreúva-parda, óleo-pardo, cabreúva, cabriúna, cabreúva-amarela, bálsamo, caburé, pau-bálsamo (PR), cabrué, quina-morada, caboriba, cabureíba, jataúba, paude-óleo-verdadeiro, caboreíba. Descrição: Altura de 20-30m com tronco de 60-90cm de diâmetro. Com ocorrência no Sul da Bahia ao Rio Grande do Sul. Características: Madeira pesada (densidade 0,91g/cm³). 1 2 3 4 Figura 42 ‒ Marfim, sendo: 1 ‒ Marfim em estado natural; 2 ‒ Marfim com aplicação de selador; 3 ‒ Marfim com aplicação de laca preta; 4 ‒ Marfim com aplicação de laca branca Fonte: Arquivo pessoal do autor. Nome científico: Balfourodendron riedelianun (Engl.) Engl. Como é conhecida: Pau-marfim, guatambu (SC), pequiá-mamão (SC), farinha-seca SP), marfim, gramixinga, pau-liso, pau-cetim, guataia, guarataia, gramuxinga. Descrição: Altura de 20-30m com tronco de 40-90cm de diâmetro. Com ocorrência em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul até o Rio Grande do Sul. 63 Os arquitetos membros da loja adotavam técnicas tradicionais de marcenaria para o desenvolvimento de seus móveis. Podemos verificar que alguns dos sistemas por eles empregados continuam sendo utilizados até hoje, inclusive pela indústria moveleira seriada, como a espiga. Figura 43 – Maquete espiga Fonte: Elaborada pelo autor. 64 Porém, outros métodos construtivos, como o malhete, são utilizados apenas por poucas fábricas de produção artesanal, devido à falta de ferramental e de mão de obra e ao alto tempo de produção, além de vivermos a invasão de placas industrializadas, como MDF e MDP. Figura 44 – Maquete malhete Fonte: Elaborada pelo autor. 65 Além disso, existem outros fatores que são de extrema importância para definir questões de estética e de durabilidade, como podemos observar a seguir, nos ensaios dos sistemas construtivos da marcenaria tradicional, muitos deles recorrentes nos projetos da Branco & Preto, o que demonstra o conhecimento técnico dos membros da loja. Figura 45 – Maquete meia madeira Fonte: Elaborada pelo autor. 66 Figura 46 – Maquete talisca Fonte: Elaborada pelo autor. 67 Figura 47 – Maquete cunha Fonte: Elaborada pelo autor. 68 Figura 48 – Maquete alma Fonte: Elaborada pelo autor. 69 Com base no levantamento documental feito na revista Acrópole, na obra de Marlene Millan Acayaba e no estudo feito em peças originais da Branco & Preto, buscou-se completar o catálogo através do desenvolvimento de desenhos e maquetes, a fim de se entender e documentar métodos e processos construtivos dos móveis da Branco & Preto. Deve-se salientar, entretanto, que existem projetos que poderiam ter adotado procedimentos diferentes dos apresentados neste trabalho, porém buscou-se resgatar técnicas e processos produtivos dentro dos ideários dos arquitetos da loja que pretendiam possibilitar uma durabilidade maior do produto, bem como uma melhor qualidade estética e formal do móvel; essa era a filosofia projetual do grupo que está evidente no catálogo da loja. Este trabalho conta com peças que foram reeditadas, as quais, conforme relata o arquiteto Sérgio Rodrigues, são chamadas de “vintage”(Anexo 4) nos Estados Unidos. Com o redesenho de peças que chegaram a ser produzidas, mas não foram reeditadas e do desenho de móveis que apenas existem em estudos, foram elaborados os respectivos desenhos e maquetes. 4.2 MÓVEIS INÉDITOS Podemos observar expostos nos anexos deste trabalho, projetos de móveis que foram produzidos e compõem o catálogo da loja, passaram por processos de criação através do desenvolvimento de croquis, de desenhos técnicos e do desenvolvimento de protótipos, os arquitetos acompanhavam todo o processo de fabricação para atestar que o projetos seriam seguidos de acordo com os parâmetros qualitativos exigidos pelo grupo. Como é recorrente, seja no campo da arquitetura ou do desenho industrial, projetos e estudos, por questões diversas, não chegam a ser produzidos. Porém fica evidente nas peças não produzidas dos membros da loja que o raciocínio projetual é o mesmo empregado nos móveis que fazem parte do catálogo, sendo assim de grande valor. A seguir, com o intuito de completar os arquivos existentes, foram elaborados os desenhos técnicos das peças inéditas que estavam restritos apenas a croquis ou desenhos incompletos. E dentro dos padrões de acabamento e técnicas construtivas foi preparada uma pequena descrição das peças com as possíveis características dos móveis inéditos projetados pelo grupo. De acordo com as características da loja e dos desenhos técnicos baseados nos esboços originais foram desenvolvidas as maquetes físicas que podem ser vistas adiante. 70 Sofá Aflalo 1956: com estrutura em madeira fixada através de espigas. Pés em madeira chanfrada e encosto modelado com fechamento através de madeiras torneadas. Assento preenchido com pluma ou crina e revestido possivelmente com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Roberto Aflalo. (Não chegou a ser produzido). Figura 49 Desenho técnico Sofá Aflalo Fonte: Elaborada pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 71 Figura 50 ‒ Maquete Sofá Aflalo Fonte: Maquete elaborada pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 72 Mesa de Centro Aflalo: em compensado revestido com lâmina de madeira natural unidos através do sistema macho e fêmea. Tampo com borda em lâmina a 45º, podendo ser de granito, de compensado revestido com laminado melamínico ou de lâmina de madeira natural. Designer: Roberto Aflalo. (Não chegou a ser produzido). Figura 51 ‒ Desenho técnico Mesa de Centro Aflalo Fonte: Elaborada pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 73 Figura 52 ‒ Desenho detalhes construtivos Mesa de Centro Aflalo Fonte: Elaborada pelo autorcom base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 74 Figura 53 ‒ Perspectiva Mesa de Centro Aflalo Fonte: Elaborada pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. Figura 54 ‒ Maquete física Mesa de Centro Aflalo Fonte: Maquete feita pelo autorcom base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 75 Figura 55 ‒ Desenho técnico Mesa Escola Olivo Gomes (aprox. 1952) – Carlos Milan Fonte: Elaborada pelo autor com base no desenho existente em MATERA, 2005, p. 135. 76 Poltronas Jacob Ruchti: com estrutura em madeira envolvida com pluma ou crina e revestida possivelmente com tecido ou couro. Base em madeira constituída por junções elaboradas através de espigas e pés chanfrados em grau, marca recorrente nos projetos dos arquitetos membros da loja. (Não chegou a ser produzida). Figura 56 ‒Desenho técnico Poltrona 1 ‒ Jacob Ruchti Fonte: Elaborada pelo autorcom base no desenho existente em RUCHTI, 2011, p. 99. 77 Figura 57 ‒Maquete Poltrona 1 ‒ Jacob Ruchti Fonte: Maquete elaborada pelo autorcom base no desenho existente em RUCHTI, 2011, p. 99. 78 Figura 58 ‒ Desenho técnico Poltrona 2 ‒ Jacob Ruchti Fonte:Desenho elaborado pelo autor com base no desenho existente em RUCHTI, 2011, p. 100. 79 Figura 59 ‒ Maquete Poltrona 2 ‒ Jacob Ruchti Fonte: Maquete elaborada pelo autor com base no desenho existente em RUCHTI, 2011, p. 100. 80 Poltrona Residência Oscar Americano: com estrutura em madeira envolvida com pluma ou crina e revestida com tecido. Recebe uma estrutura em madeira torneada constituída por junções elaboradas através de espigas. Figura 60 ‒ Desenho técnico Poltrona Residência Oscar Americano Fonte: Redesenho elaborado pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 68-69. 81 Figura 61 ‒Maquete Poltrona Residência Oscar Americano Fonte: Maquete elaborada pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 68-69. 82 Poltrona Bergère: com estrutura em madeira modelada fixada através de espigas. Assento e encosto preenchidos com pluma ou crina e revestidos tradicionalmente com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. (Não chegou a ser produzida). Figura 62 ‒Desenho Poltrona Bergère Fonte: Desenho elaborado pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 83 84 Figura 63 ‒ Maquete Poltrona Bergère Fonte: Maquete elaborada pelo autor, com base no desenho existente em ACAYABA, 1994, p. 79. 85 4.3 RECONSTITUIÇÕES DOS INTERIORES Os projetos que utilizaram os móveis da loja Branco & Preto, a exemplo da reconstituição feita da loja na Vieira de Carvalho, encontram-se documentados principalmente na revista Acrópole e na obra de Marlene Millan Acayaba (1994). O presente trabalho busca complementar o arquivo documental existente que, em alguns casos, encontra-se incompleto. A fim de suprir essa lacuna no arquivo documental, desenvolveu-se um redesenho das plantas originais das residências, se resgatou fotos dos projetos originais e se optou em desenvolver com mais detalhes a reconstituição dos layouts com as elevações de áreas sociais, juntamente com maquetes físicas que foram fotografadas em diversos ângulos, possibilitando assim entendermos as relações projetuais através do material desenvolvido. Os móveis da loja possuíam impregnada a mesma linguagem utilizada pelo grupo no desenvolvimento da arquitetura. Temos como característica marcante peças de mobiliário que se integravam à arquitetura, diferentemente do processo vivenciado atualmente, principalmente com móveis planejados havia a preocupação de se desenvolver projetos de móveis especiais, ou seja, feitas sobre medida para o espaço que era mesclado com peças já existentes no catálogo da loja e, assim, esse mobiliário especial se tornava um elemento de articulação. A consolidação da arquitetura moderna entre nós propiciou uma adequação e uma sintonia entre o mobiliário, seu processo de concepção e execução, e as características arquitetônicas, entre as quais a planta livre e a fluidez espacial (ARGAN,1997), e a utilização do mobiliário com desenho marcado pela tridimensionalidade facilitando a montagem do layout, móveis sendo utilizados como meio para a divisão dos ambientes e sua setorização, por exemplo, reforçando princípios da arquitetura moderna. Os móveis da loja Branco & Preto compunham os espaços de interiores de diversos projetos de arquitetura, em especial a residencial paulistana, muitos desses projetos elaborados pelos próprios membros da loja ou por outros nomes de destaque como Rodolfo Ortenblad, Galiano Ciampaglia, Rino Levi e Oswaldo Arthur Bratke, entre outros. A fim de compreender o conceito projetual de integração de forma mais aprofundada foram escolhidas as salas de estar, lareira e jantar das residências que serão apresentadas adiante. A definição por ambientes da área social foi determinada por se tratar dos espaços mais ricos da casa do ponto de vista projetual. Serão expostos os redesenhos das plantas e elevações de quatro ambientes juntamente com as suas maquetes que reconstituem a arquitetura existente, possibilitando melhor compreensão das relações entre arquitetura e seus interiores. A escolha dos ambientes reconstituídos ocorreu de forma pontual, cujo critério 86 principal foi determinar espaços de interiores que atrelaram os móveis da Branco & Preto como elemento de articulação. É diferente do processo que ocorre hoje, em que apenas uma pequena parte dos móveis da loja foi reeditada e é utilizada de forma pontual, ou seja, juntamente com móveis de outros designers, contrariando o que ocorria no início, quando na maioria dos projetos, os ambientes eram compostos por peças na grande maioria que pertenciam ao catálogo da loja e, sempre que necessário projetos especiais eram desenvolvidos. Dessa forma, executavam o projeto completo, sendo que muitas dessas peças foram exclusivas e na reconstituição serão evidenciadas juntamente com uma apresentação em ângulos inéditos dos projetos estudados. 4.3.1 Sala de Estar Residência Roberto Aflalo ‒ 1955 O arquiteto Roberto Aflalo, conforme já destacado anteriormente, foi membro da loja Branco & Preto. Para o projeto da sua residência localizada na Vila Elvira em São José do Rio Preto – SP ele optou por um programa de necessidades bem simplificado, composto pela sala de estar/jantar, três quartos, closet, banheiro, cozinha, lavanderia e garagem. Figura 64 – Planta Residência Aflalo Fonte: Redesenho elaborado pelo próprio autor com base na revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, jun. 1955. 87 Figura 65 – Fotos Residência Aflalo Fonte: Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, jun. 1955 A seguir, temos a localização da sala de estar e jantar com o redesenho do layout, no qual devemos destacar alguns pontos recorrentes na arquitetura residencial desenvolvida pelos membros da loja, quais sejam a opção pelo uso da lareira, pela transparência e a interligação com o exterior da obra propiciada pelas grandes aberturas. Figura 66 – Planta com localização sala de estar/jantar Residência Aflalo Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, jun. 1955. 88 Figura 67 – Layout sala de estar/jantar Residência Aflalo Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 351-358, jun. 1955. 89 Figura 68 – Vistas 1, 2 e 3 sala de estar/jantar Residência Aflalo Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 351-358, jun. 1955. Podemos notar no desenho a seguir a busca pelos eixos no layout do mobiliário em relação à arquitetura, uma coluna central alinhada ao eixo da lareira com a mesa de centro, poltrona e mesa de jantar com seis cadeiras, as quais poderiam ser dispostas com duas nas 90 cabeceiras da mesa ou três alinhadas em cada lateral; temos também o sofá no eixo da mesa de centro e do plano de vidro. Figura 69 – Sala de estar Residência Aflalo com a relação entre os móveis Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 351-358, jun. 1955. 91 Figura 70 – Perspectiva sala de estar Residência Aflalo Fonte: Desenho elaborado pelo autor. 92 Nas fotos das maquetes podemos observar com mais detalhes os pontos destacados anteriormente. Percebemos também que nesse projeto se optou por móveis do catálogo da loja. São eles a mesa de jantar, as cadeiras em palhinha, o sofá M1, a poltrona R3 e a mesa de centro com pé torneado. A estante foge da linha do catálogo, sendo composta por um desenho constituído por um único módulo reto, cortado e montado com duas peças na vertical, peça nomeada pelos marceneiros como “fianco”, e cinco peças na horizontal. Devemos destacar que a estante não possui fundo, nem base, nem fechamento superior, utilizando-se da própria arquitetura para cumprir essas funções. Essas observações ficam mais evidentes na apresentação da maquete. Figura 71 – Vista 1 superior maquete Residência Aflalo Fonte: Elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, ago. 1955. 93 Figura 72 – Vista 2 superior maquete Residência Aflalo Fonte: Elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, ago. 1955. 94 Figura 73 – Vista 3 superior maquete Residência Aflalo Fonte: Elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, ago. 1955. 95 Figura 74 – Vista 1 interna maquete Residência Aflalo Fonte: Elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, ago. 1955. Figura 75 – Vista 2 interna maquete Residência Aflalo Fonte: Elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, ago. 1955. 96 Figura 76 – Vista 3 interna maquete Residência Aflalo Fonte: Elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 200, p. 352-353, ago. 1955. Na reconstituição da sala de estar da residência do arquiteto Aflalo percebe-se a utilização de móveis de linha do catálogo original da loja, o que de certa forma diminuiu o custo de implantação do projeto exceto a estante na lateral da lareira. Era usual a criação de móveis sob medida, pois assim se conseguia aproveitar melhor o espaço arquitetônico, porém sempre mantendo as características projetuais e os materiais utilizados na loja. Podemos notar a poltrona disposta a 45º, uma das peças mais emblemática do catálogo da loja Branco & Preto que, do ponto de vista formal, conseguiu harmonizar a composição formada pelos móveis centralizados no eixo da lareira. Apesar de ter um volume menor em relação ao sofá de três lugares, localizado no lado oposto, a poltrona não prejudicou a simetria do conjunto. O arquiteto optou por um sofá de linhas retas com desenho simplificado e o colocou em oposição a uma poltrona que é uma peça menor, porém seu desenho mais elaborado possibilitou o equilíbrio do ambiente. 97 4.3.2 Residência Pacaembu ‒ 1955 Projeto: Plinio Croce e Roberto Aflalo As parcerias entre os arquitetos da loja Branco & Preto não ficavam restritas somente ao desenvolvimento dos móveis, mas se estendiam também para a arquitetura. Uma dessas parcerias foi o projeto da residência do engenheiro José Carlos Guimarães de Oliva, com paisagismo de Paulo Leibkuchler. O projeto da residência é composto por dois pavimentos, sendo que o primeiro, hall, escritório, copa, cozinha, despensa e lavanderia e no segundo temos três dormitórios, um deles suíte, hall de circulação, banheiro. Figura 77 – Residência Pacaembu: planta pavimento térreo e superior Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 98 Podemos observar a seguir fotos do projeto original e a demarcação do espaço da sala de estar/jantar na residência. Figura 78 – Fotos Residência Pacaembu Fonte: Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. Figura 79 – Residência Pacaembu: localização espaço sala de estar, jantar e bar Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 99 Podemos notar, através dos redesenhos da sala de estar, algumas peculiaridades. Assim como na residência apresentada anteriormente, esta também possui um grande plano de vidro, uma lareira como elementos de destaque da arquitetura e os móveis estão posicionados de forma simétrica e alinhados. Figura 80 – Residência Pacaembu: layout sala de estar, jantar e bar Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 100 Figura 81 – Residência Pacaembu: layout com relação entre os móveis sala de estar, jantar e bar Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 101 Figura 82 – Residência Pacaembu: corte AA, BB e CC sala de estar, jantar e bar Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. Ao analisarmos o layout e os cortes da sala de estar observamos a busca pelos eixos, o alinhamento entre os móveis e a transparência proporcionada pela estante na lateral da lareira e pelo biombo. Tais peças delimitam o espaço e possibilitam uma privacidade maior para os usuários, porém, ao mesmo tempo, por serem elementos vazados – a estante não possui fundo e o biombo é revestido com palhinha – contribuem com a ligação entre a sala de estar e a de jantar, mantendo uma identidade projetual, considerando a palhinha, a qual é utilizada no biombo, nas duas poltronas MR7 e nas cadeiras da mesa de jantar. 102 Figura 83 – Residência Pacaembu: perspectiva sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor. 103 A seguir temos o redesenho de dois sofás utilizados na residência, desenvolvidos dentro dos ideários projetuais da loja, com a utilização possivelmente dos tecidos criados pelo grupo, mesclados à madeira. Temos a maquete do bar móvel, recorrente em outros projetos criados pelo grupo, e a maquete da estante da sala de jantar, desenhada com exclusividade para a residência. Figura 84 – Desenhos sofás Residência Pacaembu Fonte: Elaborada pelo autor. 104 O bar é em laca, o que evidencia a busca pelo primor no acabamento dos móveis criados pelo grupo. A parte inferior destina-se ao armazenamento de utensílios e o tampo é para servir as bebidas. Acompanham-no quatro bancos. Fica nítido nesse projeto a influência da arquitetura no desenvolvimento do mobiliário, pois podemos notar uma semelhança a um projeto de arquitetura, através da estrutura independente que segura o volume principal e um tampo de vidro que coroa o móvel. Figura 85 – Maquete bar com banquetas Fonte: Elaborada pelo próprio autor. 105 A estante, desenvolvida com exclusividade para esta residência, possui a predominância das linhas retas, quebradas apenas pelos pés redondos, muito utilizados nas mesas de apoio da loja. Outra combinação recorrente nos móveis especiais é a mescla de dois materiais contrastantes, madeira e laminado melamínico. Figura 86 – Maquete móvel sala de jantar Fonte: Elaborada pelo próprio autor 106 Na sequência, nas fotos da maquete da sala de estar da residência, podemos observar que no desenvolvimento do projeto de interiores optou-se pela mescla de peças. Temos os sofás, cujos desenhos vimos anteriormente, e as peças clássicas do catálogo da loja, como duas poltronas MF3, uma poltrona MR7 e duas mesas de centro com tampo em granito; temos ainda o bar que serve de apoio para a área da sala de estar que, por sua vez, é composta pela mesa com quatro cadeiras em palhinha e a estante, utilizada como cristaleira e aparador, desenhada com exclusividade para a residência. Figura 87 – Maquete Residência Pacaembu: vista 1 Fonte: Maquete elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 107 Figura 88 – Maquete Residência Pacaembu: vista 2 Fonte: Maquete elaborada pelo próprio autor com base na revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 108 Outro elemento importante que devemos destacar é a estante na lateral da lareira e o biombo, os quais delimitam os espaços, porém ao mesmo tempo os interligam, através das transparências, característica que também está evidenciada na arquitetura, com os grandes planos de vidro. Figura 89 – Maquete Residência Pacaembu: vista 3 Fonte: Maquete elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 109 Figura 90 – Maquete Residência Pacaembu: vista 4 Fonte: Maquete elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. Figura 91 – Maquete Residência Pacaembu: vista 5 Fonte: Maquete elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. 110 Figura 92 – Maquete Residência Pacaembu: vista 6 Fonte: Maquete elaborada pelo próprio autor com base na Revista Acrópole, n. 216, p. 460-465, ago. 1956. No redesenho da sala de estar da residência Pacaembu, cujo projeto de arquitetura foi desenvolvido pelos arquitetos Plínio Croce e Roberto Aflalo, ambos sócios da loja, fica evidenciada a busca pela interação do projeto arquitetônico com a parte externa por meio do grande plano de vidro. Esse conceito de interligação é levado para o projeto de interiores, com os divisores de ambientes criados com transparência e demarcando os espaços, sem os isolar, proporcionando uma transparência que interliga os ambientes. Na reconstituição dos móveis destaca-se uma identidade projetual gerada pela linguagem dos materiais e pela mistura de elementos que dão continuidade ao conceito original da arquitetura propriamente dita, peças de linha do catálogo da Branco & Preto como poltronas, mesa, cadeira, etc. O desenvolvimento da estante sala de jantar, utilizada provavelmente para suprir o programa de necessidades. Fica evidenciado que o projeto de interiores não era pensado de forma isolada e sim dentro dos conceitos empregados na arquitetura. 111 4.3.3 Residência Jardim América ‒ 1956 A residência Jardim América, diferentemente dos dois estudos apresentados anteriormente, não foi projetada por arquitetos membros da loja Branco & Preto e sim pelo arquiteto Oswaldo Arthur Bratke (1907-1997), nome de grande produção arquitetônica, principalmente residencial, fruto de farta erudição documentada por profícuas conexões com os principais eventos que marcam a arquitetura moderna e seu ideário, difundido mundialmente. Ainda estudante, Bratke abriu um escritório de topografia com os amigos do Mackenzie, Eduardo Kneese de Mello, Oscar Americano e Clóvis Silveira. Fazia parte do sistema proposto pelo arquiteto Christiano Stockler das Neves, que seguia os padrões de ensino provindos da França conforme já destacado anteriormente. Junto com Botti projetou diversas residências na cidade de São Paulo. Entre 1933 e 1942 eles executaram mais de 400 obras, das quais cerca de 90% eram residências, a maioria ecléticas. Nesse período elaboravam projetos já com alguns resquícios de modernidade. Em 1942 Botti faleceu em um acidente de avião e Bratke sofreu muito emocionalmente com a falta do amigo e sócio, além das dificuldades para honrar todos os compromissos que ambos tinham assumido. Influenciado pelo colega de profissão, Rino Levi, foi entregando todos os trabalhos fechados e desvinculados da construtora e se dedicando totalmente apenas ao desenvolvimento dos projetos de arquitetura. Em 1948, em uma das suas viagens aos Estados Unidos, visitou as obras de vários arquitetos, dentre eles Wright, Neutra, Johnson e Mies Van der Rohe. Bratke trabalhou na urbanização do bairro Paineiras do Morumbi, em São Paulo. Nos anos 50 ele foi eleito presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB-SP para duas gestões, ou seja, de 1951 até 1954. Entre 1952 e 1959 elaborou o projeto para o Balneário de Águas de Lindoia. Nos anos de 1960 desenvolveu projetos para estações da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e foi presidente da comissão técnica da Cohab de São Paulo, de 1968 até 1970. A influência dos conceitos da arquitetura norte-americana é evidenciada nas transparências ocasionadas pelos vidros, possibilitando uma integração, a horizontalidade e a textura aparente de materiais como a madeira e a pedra adaptação, à topografia, com uma planta mais fluida, que facilitava uma integração entre a casca arquitetônica, o exterior da obra e seus espaços de interiores. Bratke dificilmente elaborava o design de interiores, portanto em alguns de seus projetos foram adotados os móveis da loja Branco & Preto, que acabavam servindo como 112 elemento de articulação entre a arquitetura e os espaços de interiores. Tais características podem ser vistas com maior ênfase no estudo de caso da residência Maria Luisa e Oscar, que será apresentada com mais detalhes adiante, que denota principalmente um desenho já mais articulado com os conceitos modernos. Os elementos construtivos desenvolvidos por Bratke possibilitavam uma transparência maior na obra, como muxarabis, esquadrias e elementos construtivos vazados. Na parte de interiores, chegou a desenvolver sistemas flexíveis de paredes que poderiam ser recolocadas. Bratke costumava deixar o projeto de interiores a cargo dos proprietários do imóvel, porém, conforme já relatamos, em algumas de suas obras emblemáticas foi utilizado o mobiliário da loja Branco & Preto, pois assim acabava conseguindo, no final, uma obra que se integrava com o exterior, através das transparências, e com o interior, através de móveis que não bloqueavam o campo de visão e possuíam, ao mesmo tempo, uma linguagem moderna. Um ponto forte que podemos destacar no térreo desse projeto do arquiteto Bratke é a existência de grandes aberturas em todos os ambientes, não ficando restritas somente à sala de estar e sim se estendendo à sala da lareira, ao escritório e à sala de jantar. (DOURADO; SEGAWA,2012). A seguir temos o redesenho das plantas da residência, com as fotos originais do projeto e a localização da área social da residência que será detalhada mais adiante. 113 Figura 93 - Planta pavimento térreo e superior sala de estar da Residência Jardim América Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 114 Figura 94 ‒ Fotos da Residência Jardim América Fonte: Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Figura 95 ‒ Localização área social residência Jardim América Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Um ponto forte que podemos destacar no térreo desse projeto do arquiteto Bratke é a existência de grandes aberturas em todos os ambientes, não ficando restritas somente à sala de estar e sim se estendendo à sala da lareira, ao escritório e à sala de jantar. Outro recurso projetual adotado pelo arquiteto foi incluir, nas aberturas da área interna, portas de correr que vão até o teto e deslizam para a parte interna da parede, possibilitando uma comunicação entre os ambientes. Podemos observar esses conceitos a seguir no redesenho do primeiro pavimento. 115 Figura 96 ‒ Residência Jardim América: layout área social Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 116 Figura 97 ‒ Residência Jardim América: vista 1, 2, 3 e 4 área social Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 117 A relação entre os móveis fica evidenciada layout e nas perspectivas a seguir através da busca pelos eixos. Figura 98 ‒ Residência Jardim América: layout área social com relação entre os móveis Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 118 Figura 99 ‒ Residência Jardim América: perspectiva sala de estar com o mobiliário da Branco & Preto Fonte: Elaborada pelo próprio autor. Podemos observar na perspectiva a seguir que a distribuição dos móveis da sala da lareira, o alinhamento das poltronas MR7 e das poltronas MF5 com a mesa e o sofá acompanhando o eixo da lareira que pode ser visto também no layout apresentado com a ligação dos móveis. Figura 100 ‒ Residência Jardim América: perspectiva da sala lareira com o mobiliário da Branco & Preto Fonte: Elaborada pelo autor. 119 A estante desenhada com exclusividade para esta residência evidencia a interligação das suas aberturas, não obstruindo o visual do corredor em relação à sala de estar. A utilização do laminado melamínico nas laterais foi mesclada com madeira, a qual serviu para esconder a linha preta do topo do laminado, possibilitando um melhor acabamento. Os volumes das portas e das gavetas são emoldurados com as laterais e prateleiras em madeira natural, além dos pés torneados que suspendem o bloco principal do chão. Figura 101 – Residência Jardim América: desenho estante sala de estar Fonte: Elaborado pelo autor. Figura 102 – Residência Jardim América: maquete estante sala de estar Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 120 Na maquete que reconstitui o térreo podemos notar quatro ambientes mobiliados com itens do catálogo da loja. Temos a sala da lareira, composta por duas poltronas MR7, mesa de centro com tampo em granito, três poltronas M1 e a mesinha lateral e, conforme já observado, destaca-se a busca pelos eixos. Na sala de jantar vemos a mesa com as cadeiras de palhinha, material utilizado em grande parte dos projetos que empregaram móveis da loja. O escritório é composto por três peças, sendo elas a cadeira de palhinha, a escrivaninha e duas poltronas M1. Já a sala de estar é composta por sete poltronas M1, duas mesas laterais e mesa de centro em duas cores; nesse projeto, apesar de já existir uma mesa na sala de jantar, optou-se por utilizar outra, quadrada, com quatro cadeiras Aflalo, e a estante apresentada anteriormente, desenhada com exclusividade para o projeto desta residência. Figura 103 – Residência Jardim América: vista 1 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 121 Figura 104 – Residência Jardim América: vista 2 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Figura 105 – Residência Jardim América: vista 3 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 122 Figura 106 – Residência Jardim América: vista 4 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Figura 107 – Residência Jardim América: vista 5 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 123 Figura 108 – Residência Jardim América: vista 6 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Figura 109 – Residência Jardim América: vista 7 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 124 Figura 110 – Residência Jardim América: vista 8 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Figura 111 – Residência Jardim América: vista 9 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 125 Figura 112 – Residência Jardim América: vista 10 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. Figura 113 – Residência Jardim América: vista 11 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 126 Figura 114 – Residência Jardim América: vista 12 maquete área social Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 127 Figura 115– Residência Jardim América: maquetes móveis Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 299-303, ago. 1957. 128 Observa-se, na escolha dos móveis, a predominância de peças já pertencentes ao catálogo da Branco & Preto e produzidas em série, ao contrário do que aconteceu na residência que será estudada na sequência, em que muitos móveis foram projetados com exclusividade. Isso possivelmente contribuiu para diminuir o custo da implantação do projeto, exceto quanto à estante que serviu como elemento de interligação entre o projeto arquitetônico e de interiores, pois, além cumprir sua função inicial, apresenta uma linguagem de desenho coerente com o todo e explicita a transparência da arquitetura e da interligação entre os ambientes observada nas aberturas em vidro da residência e nas grandes portas dos ambientes. Ao analisarmos o layout, com móveis que não broqueavam os visuais como no caso da estante já destacada e também com as poltronas e mesas de apoio que não chegam com um grande volume até o chão, assim aumentado à transparência e a busca pelos eixos, verificamos também que no projeto predominou a horizontalidade e a valorização dos visuais possibilitados pelos fechamentos em vidro e com os moveis condizentes com essas preocupações projetuais. 4.3.4 Residência Maria Luisa e Oscar Americano – 1952 Em 1952 Bratke foi convidado pelo amigo Oscar Americano para construir a residência da família. Elaborou um projeto adaptado às depressões naturais do terreno, além de seguir um extenso programa, com cinco quartos, salas de recreação e de projeção, etc. A setorização é claramente demarcada na obra, dividida em três partes básicas: a área íntima e a de serviços nas extremidades, e a área social, sendo que o programa principal está distribuído no piso mais alto, deixando o inferior para lazer e serviços. O pórtico contínuo da fachada torna o jardim interno parte integrante do volume. Figura 116 ‒ Setorização Residência Maria Luísa e Oscar Americano Fonte: Elaborada pelo autor. 129 O projeto adapta-se às depressões naturais do terreno, além de seguir um extenso programa, com cinco quartos, salas de recreação e de projeção etc., sendo que o programa principal está distribuído no piso mais alto, deixando o inferior para lazer e serviços. O pórtico contínuo da fachada, que torna o jardim interno parte integrante do volume. N N Figura 117 ‒ Residência Maria Luisa e Oscar Americano: plantas térreo e nível Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 130 Figura 118 ‒ Residência Maria Luisa e Oscar Americano: cortes AA, corte BB, fachada 1 e fachada 2 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 131 A residência hoje é ocupada pela Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, que recebe diariamente estudantes e apreciadores de arte e se tornou uma referência da arquitetura residencial moderna paulistana. Atualmente, a residência expõe obras de arte e seus interiores são ocupados por móveis que fazem parte do acervo da família, porém não condizem com os ideários modernos do projeto arquitetônico, conforme podemos observar nas fotos a seguir. Figura 119 - Fotos do mobiliário atual da Fundação Maria Luísa e Oscar Americano Fonte: Fundação Maria Luísa e Oscar Americano. Seus interiores, conforme o projeto original, foram mobiliados com móveis da Branco & Preto. A residência apresenta uma relação forte com as áreas externas através dos seus grandes planos de vidro. O projeto de interiores conseguiu desenvolver uma linguagem condizente e integrada entre o espaço interior e a casca arquitetônica. Pode-se começar essa análise com as fotos inseridas na sequência. Figura 120 - Ambientes da Residência Oscar Americano mobiliados com os móveis da Branco & Preto Fonte: Fotos Peter Scheier (Fundação Oscar Americano). 132 A obra é marcada por uma volumetria que não conflita com a natureza e se adapta ao perfil natural do terreno. Logo, o desenho é horizontalizado, a fim de usufruir da vegetação e dos jardins. A entrada da propriedade localiza-se na parte baixa do terreno, enquanto que a construção está na parte superior, para que assim possa propiciar maior privacidade. Foi construída uma estrutura metálica na lateral da residência, que pode ser montada para receber eventos como formaturas e casamentos. Figura 121 – Fotos atuais da parte externa da Residência Maria Luísa e Oscar Americano Fonte: Fotografias capturadas pelo autor. A Branco & Preto utilizou nesse projeto peças do seu catálogo que eram produzidas em série, mas algumas delas foram desenvolvidas exclusivamente para essa casa. Podemos notar, por exemplo, quartos com peças que se encaixam perfeitamente com as dimensões da 133 arquitetura, conforme pôde ser observado nas fotos apresentadas anteriormente e na maquete apresentada a seguir, que será estudada em detalhes, para que se possa verificar a existência de uma relação conceitual e sua explicitação. A seguir temos a perspectiva que reconstitui a sala de descanso e a planta com localização da sala de estar que será detalhada. Figura 122 ‒ Redesenho da sala de descanso Residência Maria Luisa e Oscar Americano Fonte: Elaborada pelo próprio autor. Figura 123 ‒ Localização da sala de estar no pavimento térreo Fonte: Elaborada pelo autor. 134 A sala de estar da residência tem os fechamentos laterais em vidro com vista para a área externa, composta pelos jardins e a fonte interna criada pelo arquiteto. Figura 124 – Residência Maria Luísa e Oscar Americano: layout sala de estar Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 135 Figura 125 – Residência Maria Luísa e Oscar Americano: cortes AA, BB, CC e DD ‒ sala de estar Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 136 Ao observarmos no layout a ligação entre os móveis através dos eixos e nos cortes ficou nítida a preocupação em não se bloquear os visuais. Figura 126 – Residência Maria Luísa e Oscar Americano: layout sala de estar com relação entre os móveis Fonte: Desenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 137 Na maioria dos projetos de interiores desenvolvidos pelos membros da loja predominava a utilização de móveis já pertencentes ao catálogo, mas também foram criadas peças pontuais, a fim de propiciar a interligação com a arquitetura ou suprir questões dos programas de necessidades. A sala de estar da residência Maria Luisa e Oscar Americano teve seus móveis desenvolvidos com exclusividade, ficando nítida nos desenhos apresentados a seguir a preocupação em não se obstruir os visuais criados pelos planos de vidro e, de forma mais sutil, nos sofás, nos bancos que têm seus volumes suspensos do chão pelos pés, e no desenho das estantes laterais, seguindo assim o conceito de interação da obra proposto por Bratke. 138 Figura 127 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: móveis sala de estar Fonte: Redesenho elaborado pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-362, ago. 1957. Na sequência encontram-se o layout e com as perspectivas dos móveis. Pode-se observar que, assim como no projeto arquitetônico, as linhas retas e a horizontalidade predominam também no projeto da mobília. Segundo o arquiteto Romeu Castro de Souza: O móvel era pensado para se relacionar com a arquitetura do local. Porque eles estavam inseridos nesse conceito. Quando foi criada, a Branco & Preto fazia os móveis de acordo com os projetos que estavam surgindo (...). Havia um relacionamento entre a estrutura do móvel em si e o desenho da casa (Anexo 2). 139 Figura 128 ‒ Residência Maria Luisa e Oscar Americano: Layout da sala de estar com desenhos dos móveis Fonte: Elaborada pelo autor a partir das fotos de Peter Scheier apresentadas anteriormente. Figura 129 - Residência Maria Luisa e Oscar Americano: Perspectiva sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor. 140 Pode-se observar nas fotos da maquete a seguir uma transparência possibilitada pelo grande fechamento em vidro e no mobiliário. As estantes nas extremidades evidenciam que seus núcleos principais não chegam até o teto, o que a princípio poderia ser a solução mais usual para uma estante. Os sofás e bancos não são totalmente fechados e a mesa de centro evidencia essa transparência com o uso do vidro, o que possibilita maior integração entre os espaços interno e externo da residência. Há simetria entre os móveis. As poltronas, por serem peças que possuem um desenho diferenciado na parte de trás, foram posicionadas de forma a se sobressaírem. Além disso, nota-se o cuidado de não encostar peças altas na parede envidraçada, valorizando assim a integração do interior da residência com o jardim. Figura 130 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 1 maquete sala de estar Fonte: Maquete elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 141 Figura 131 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 2 maquete sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 142 Figura 132 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 3 maquete sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 143 Figura 133 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 4 maquete sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole, n. 226, p. 358-262, ago. 1957. Figura 134 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 5 maquete sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole,n. 226, p. 358-262, ago. 1957. 144 Figura 135 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 6 maquete sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole. 226, p. 358-362, ago. 1957. Figura 136 – Residência Maria Luisa e Oscar Americano: vista 7 maquete sala de estar Fonte: Elaborada pelo autor com base na Revista Acrópole. 226, p. 358-362, ago. 1957. 145 Pôde-se constatar no estudo uma forte relação entre o projeto arquitetônico e seus interiores através de diversas opções projetuais, como a composição dos móveis a partir dos eixos dos ambientes, a predominância de um desenho que se desenvolve em linhas horizontais, assim como da própria residência. No projeto da residência Maria Luisa e Oscar Americano, fica mais evidente a relação da arquitetura com o projeto dos interiores pela criação de um mobiliário exclusivo que enfatizava a criação dos visuais através das transparências e fluidez. Constatou-se que os projetos dos interiores e do mobiliário apresentados estão relacionados e integrados ao projeto arquitetônico. 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciarmos o trabalho, partimos da hipótese de que a loja Branco & Preto produzia e comercializava móveis desenhados conforme o ideário moderno, adequados à capacidade de expressar o espaço fluido da planta moderna, ou seja, com formas de linhas retas e montagem adequada à sua expressão. Porém, no decorrer da pesquisa, observamos que as questões consideradas no desenvolvimento dos projetos eram mais abrangentes, o móvel não era pensado como produto isolado e sim como um componente integrante da arquitetura. Pudemos observar, no entanto, no decorrer da pesquisa e da realização das sucessivas modelagens do mobiliário e sua aplicação ao espaço arquitetônico das residências selecionadas fatores determinantes que podem ser atribuídos como causa ao desenho dos móveis projetados pelos membros da loja. Primeiramente, o apurado sentido de execução e projeto de detalhes podem ser atribuídos à formação dos membros da Loja: ao fato de todos os sócios serem arquitetos, o Chinês I Chen Hwa, formado na Pensilvânia e Miguel Forte, Jacob Ruchti, Plínio Croce, Roberto Aflalo e Carlos Millan formados pelo curso de Arquitetura da Universidade Mackenzie, em uma época (anos cinquenta do século XX) período em que a Instituição fundamentou o ensino de arquitetura em um ambiente de contradição entre moldes clássicos e a emergência da arquitetura moderna, o que preservou a habilidade de representação do espaço arquitetônico, exigindo um alto nível de detalhamento do ponto de vista construtivo dos projetos desenvolvidos. Posteriormente, essa exigência mostrou-se refletida em seus projetos de móveis, porém concebidos com parâmetros estéticos modernos, entre estes, a estreita relação entre mobiliário e espaço da arquitetura moderna, preceito chave bastante desenvolvido na Bauhaus. É possível sugerir também que essa mudança teve como origem vários fatores: a orientação variada das fontes referenciais consultadas e aceitas pelos arquitetos paulistas e mackenzistas, por conseguinte nesse período; a relação que Miguel Forte demonstrou, por 146 exemplo, com a arquitetura residencial norte-americana, exemplo da franca relação entre interior e exterior, marcada e definida pelo próprio mobiliário, que funcionava como divisão e setorização espaciais, como se pode observar em residências de Neutra, Frank Lloyd Wright, entre outros. Por exemplo, os membros da loja, ainda no período de sua formação, tiveram contato direto com obras de arquitetura moderna, em especial de tipo residencial, através de estágios, revistas e viagens, o que influenciaria diretamente a sua forma de pensar a arquitetura e o mobiliário propriamente dito. Deve ser destacado que os sócios da loja eram arquitetos atuantes e trabalhavam no desenvolvimento direto da arquitetura com base no ideário moderno que tinham como convicção. Observamos, ao analisar os estudos de caso, que a composição dos projetos de interiores acontecia não só com a utilização dos móveis do catálogo da loja Branco & Preto como também com o desenvolvimento de projetos especiais, muitas vezes com o intuito de demarcar os espaços, porém mantendo a ligação entre eles. Podemos citar como exemplo a residência Pacaembu, em que a sala de estar se liga ao bar e à sala de jantar por meio dos móveis. Tal setorização dos espaços era feita com peças pertencentes ao catálogo, como o biombo, ou com a criação de móveis como estantes e buffets, os quais, além de dividir os ambientes, mantinham a transparência presente na arquitetura. Havia a utilização de recursos projetuais por meio do desenho de móveis com pés torneados que suspendiam o bloco principal, dando a sensação de leveza, e da criação de móveis sem fundo, baixos, ou cujos blocos principais não encostavam no piso e nem no teto, como no caso das estantes da sala de estar da residência Maria Luisa e Oscar Americano. Devemos destacar que os móveis chamados de “especiais” eram desenhados de acordo com o programa de necessidades do projeto, porém sempre mantendo os sistemas construtivos e os padrões de acabamento dos artigos pertencentes ao catálogo. Devemos evidenciar que o desenho dos móveis especiais contribuía de forma direta com as questões explícitas no projeto arquitetônico através das transparências e da tridimensionalidade, ou seja, não se tornava necessária a construção de uma parede para servir de suporte à estruturação do móvel. Assim, as estantes e aparadores se adequavam perfeitamente a uma arquitetura marcada pelos grandes planos de vidro, evidenciando a interligação dos espaços, não obstruindo os visuais, e se encaixando perfeitamente na elaboração dos layouts. Nota-se portanto que, dependendo do partido arquitetônico, o mobiliário servia como elemento articulador ou setorizador, ou seja, eram peças desenvolvidas dentro dos padrões de acabamento do catálogo, mas que foram utilizadas para conectar o projeto de arquitetura ao projeto de interiores. Esses itens eram normalmente 147 combinados com as peças já pertencentes ao catálogo da loja. Podemos verificar esses exemplos nos estudos de caso, através das maquetes apresentadas neste trabalho. O estudo mais aprofundado dos móveis, mediante os redesenhos e o desenvolvimento das maquetes físicas, possibilitou o entendimento de uma forma mais ampla dos processos projetuais e dos sistemas construtivos utilizados nas peças e, assim, pôde-se amplificar a hipótese levantada no primeiro momento, de que a loja desenvolvia apenas móveis modernos com processos simplificados. Ao contrário, constatou-se a criação de um mobiliário que, além de se engajar dentro da estética moderna, se diferencia por meio da riqueza dos detalhes construtivos do ponto de vista qualitativo da escolha dos materiais e dos processos de fabricação. Outras características ficaram também evidenciadas, por exemplo, a criação de poltronas e cadeiras que se destacam, além do ponto de vista formal, pelo conforto proporcionado por projetos desenvolvidos dentro de parâmetros antropométricos adequados. Os móveis da Branco & Preto eram executados dentro das técnicas da marcenaria tradicional, com a utilização tanto de materiais como o laminado melamínico, o compensado e a palhinha como de madeiras nobres. Porém, inúmeras outras questões eram levadas em consideração na hora de se projetar os móveis. Com os estudos das residências apresentadas, a reconstituição dos desenhos e o desenvolvimento das maquetes, pudemos constatar uma forte relação, caracterizada pelo incentivo da fluidez espacial pelo mobiliário, cuja concepção tridimensional fez com que o próprio móvel consistisse em elemento definidor da arquitetura, marcando a relação entre o projeto arquitetônico e seus interiores possibilitada pelo desenho do mobiliário, através de diversas opções projetuais, como a composição dos móveis a partir dos eixos dos ambientes e a predominância de um desenho que se desenvolve em linhas horizontais, assim como as próprias residências. Outro fato já destacado foi o da criação de um mobiliário exclusivo que servia como elemento articulador do projeto de arquitetura com o projeto dos interiores, utilizando peças que enfatizavam os pontos fortes dos projetos arquitetônicos, como a criação dos visuais através das transparências e da fluidez. Sendo assim, constatou-se, por meio das reconstituições, que os projetos de interiores e do mobiliário eram pensados de forma a se relacionar e a se integrar com o projeto arquitetônico. No decorrer desta pesquisa observamos que a loja Branco & Preto ultrapassa o título de loja que vendia móveis modernos – o que já seria um grande feito nas décadas de 1950 a 70. Além de suprir a necessidade de projetar e vender móveis dentro dos ideários modernos da arquitetura que se estava produzindo naquele momento, os arquitetos membros da loja utilizaram seus conhecimentos para o desenvolvimento dos projetos de interiores, levando em 148 consideração a arquitetura que ali existia, e aproveitaram o mobiliário por eles projetado como um elemento articulador entre o projeto arquitetônico e o de interiores, possibilitando assim a integração entre ambos. Vimos assim que os móveis da loja eram pensados de forma global, ou seja, desde as questões técnicas de fabricação, estéticas e ergonômicas, até sua inserção na arquitetura. 149 REFERÊNCIAS ABASCAL, Eunice H. S.; MENDES, Marcel; PIMENTA, Célio. Arquitetura Mackenzie mestres da transformação. São Paulo: J. J. Carol, 2010. 41 p. ABASCAL, E. H. S.; BRUNA, G. C.; ALVIM, A. A. T. B. 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Designers: Carlos Millan e Miguel Forte Figura 1 ‒Desenho técnico/Perspectiva poltrona MF3 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 155 Figura 2 Poltrona MF3 Passado Composto Fonte: Passado Composto. Figura 3 – Poltrona MF3 Etel interiores Fonte: Etel Interiores. 156 Poltrona Branco & Preto– Com estrutura em madeira envolvida com pluma ou crina e revestida possivelmente com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Base em madeira constituída por junções elaboradas através de espigas e pés chanfrados em grau, marca recorrente nos móveis da loja. Designer: Loja Branco & Preto. Produzida: Década de 1950. Figura 4 Desenho poltrona Branco & Preto Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 157 Figura 5 ‒ Maquete poltrona Branco & Preto Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 158 Mesa de jantar quadrada Branco & Preto – Com estrutura e pés em madeira chanfrada. Tampo em compensado revestido com lâmina de madeira natural. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 6 Desenho técnico Mesa de Jantar quadrada Branco & Preto Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. Figura 7 ‒ Maquete Mesa de Jantar quadrada Branco & Preto Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 159 Bar – Estrutura em madeira maciça fixada através de espigas envolve o caixote confeccionado em compensado laqueado. Tampo superior em vidro com moldura em madeira maciça fixado a 45º. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 8 Desenho técnico Bar Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 160 Figura 9 ‒Maquete bar Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 161 Banqueta – Em madeira maciça sistema estrutural constituído por junções elaboradas através de espigas e assento de pluma ou crina e revestido com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 10 ‒ Desenho técnico Banqueta Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. Figura 11 ‒ Maquete banqueta Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 162 Biombo – Em madeira maciça junções elaboradas através de espigas e fechamento superior montado a 45. Com fechamento com palhinha. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 12 Desenho técnico biombo Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. Figura 13 ‒ Maquete biombo Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 163 Aparador 1 – Confeccionado em compensado revestido com lâmina de madeira natural. Tem quatro gavetas com as frentes recobertas por laminado melamínico e um segundo móvel de apoio, com tampo em compensado revestido com lâmina de madeira natural e pés em madeira maciça roliça. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950 Figura 14 Desenho técnico Aparador 1 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 164 Figura 15 ‒ Maquete Aparador Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 165 Aparador 2 – Produzido em compensado revestido com lâmina de madeira natural. Tem quatro gavetas com as frentes recobertas por laminado melamínico e pés em madeira maciça roliça. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 16 ‒ Desenho técnico Aparador 2 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 166 Figura 17 ‒ Maquete Aparador 2 Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 167 Mesas de centro – tampo em mármore branco Carrara e base em estrutura tubular com aplicação de pintura preta. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 18 – Desenho técnico Mesa de Centro Fonte: Desenho elaborado pelo autor. Figura 19 – Maquete mesa de centro Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 168 Mesas de apoio – Produzidas com tampos em compensado revestidas com lamina de madeira natural e pés em madeira maciça roliça. Confeccionada em diferentes dimensões e utilizadas como mesa de centro ou lateral. Designer: Loja Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Figura 20 ‒ Desenho técnico Mesas de Apoio Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 169 Figura 21 ‒ Maquete Mesas de Apoio Fonte: Maquetes elaboradas pelo autor. 170 Mesa quadrada – Com tampo em compensado, revestimento em lâmina de madeira natural e pés em madeira maciça com junções elaboradas através de espigas. Designer: Loja Branco &Preto. Produção: Década de 1950. Figura 22 ‒ Desenho técnico Mesa Quadrada Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. . Figura 23 ‒ Maquete Mesa Quadrada Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 171 Cadeira em Palhinha – 1952 em madeira, com encosto modelado a fim de propiciar maior conforto. Assento e encosto em palhinha com travas inferiores torneadas. Destaque para os travamentos laterais, que são mais baixos do que o frontal e o posterior, resultando em maior resistência para a peça. Sistema estrutural constituído por junções elaboradas através de espigas. Designer: Jacob Ruchti. Dimensões: Larg. 0,46 / Alt. 0,85 / Prof. 0,48m. Figura 24 ‒ Desenho técnico Cadeira em Palhinha Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 172 Figura 25 Cadeira de Palhinha Passado Composto Fonte: Passado Composto. Figura 26 – Cadeira de Palhinha Etel Interiores Fonte: Etel Interiores. 173 Mesa de Jantar Branco Preto com estrutura em madeira torneada. Trava central fixada através de espigas, inclusive o tampo constituído por quadro montado a 45º em compensado revestido com lâmina de madeira natural. Designer: Miguel Forte. Produção: Década de 1950. Dimensões: Larg. 3,25 / Alt. 0,76 / Prof. 1,20m Figura 27 ‒ Desenho técnico Mesa de Jantar Branco & Preto Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 174 Figura 28 ‒ Mesa de Jantar Branco & Preto Fonte: Passado Composto. Figura 29 ‒ Mesa de Jantar Branco & Preto Fonte: Etel Interiores. 175 Mesa Aranha – 1952 com estrutura em madeira modelada fixada através de taliscas e unida através do sistema a meia-madeira. Tampo superior em vidro e tampo inferior em compensado revestido com lâmina de madeira natural. Designer: Roberto Aflalo. Produção: Década de 1950. Dimensões: D = 1,20/ Alt. 0,40m Figura 30 ‒ Desenho técnico Mesa Aranha Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. Figura 30 ‒ Mesa Aranha (1952) ‒ Roberto Aflalo ‒ (D = 1,20 / Alt. 0,40m) Fonte: Etel Interiores. 176 Mesa de Ripas constituída por réguas de madeira. É composta por uma base com estrutura em madeiras fixadas por espigas e réguas superiores fixadas através de cavilhas. Designer: Equipe Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Dimensões: Larg. 1,50 / Alt. 0,30 / Prof. 0,75m Figura 31 ‒Desenho técnico Mesa de Ripas Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 177 Figura 32 ‒ Mesa de Ripas Fonte: Etel Interiores. 178 Mesa de duas cores – base composta por réguas de madeira. Desenho marcado pela sobreposição de retas. Tampo constituído por quadro montado a 45º que emoldura o vidro. Sua transparência valoriza o desenho da base. Designer: Equipe Branco & Preto. Produção: Década de 1950. Dimensões: Larg. 1,50 / Alt. 0,30 / Prof. 0,75m Figura 33 ‒Desenho técnico Poltrona R3 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 179 Figura 34 ‒ Mesa duas cores Fonte: Etel Interiores. 180 Poltrona/sofá M1 – 1952 com estrutura em madeiras fixadas através de espigas. Assento e encosto preenchidos com pluma ou crina e revestidos com tecidos criados pelo grupo. Designer: Carlos Millan. Poltrona Dimensões: Larg. 0,69 / Alt. 0,70 / Prof. 0,715m Figura 35 Desenho técnico Poltrona M1 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 181 Figura 36 ‒ Poltrona M1 Fonte: Etel Interiores 182 Sofá M1 - 1952 Dimensões: Larg. 2.00 / Alt. 0,70 / Prof. 0,75m Figura 37‒ Desenho técnico Sofá M1 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor, com base no desenho de ACAYABA, 1994, p. 78. 183 Sofá MR7 com estrutura em madeira. Pernas frontais fixadas aos braços através de talisca e as demais peças da estrutura fixadas através de espigas. Destaque para o detalhe da moldura interna do quadro principal que estrutura o sofá, tendo o assento e o encosto preenchidos com pluma ou crina e revestidos tradicionalmente com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Miguel Forte e Jacob Ruchti. Produção: Década de 1950. Dimensões: Larg. 0,72 / Alt. 0,77/ Prof. 0,79m Figura 38 ‒ Desenho técnico Poltrona MR7 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 184 Figura 39 ‒ Poltrona MR7 Fonte: Etel Interiores. 185 Sofá MR7 – estrutura em madeira fixada através de espigas formando um requadro montado a 45° e com moldura que recebe uma moldura menor, a qual, assim como a primeira, é também montada a 45°, criando um detalhe no desenho. É interessante notar que a peça apresenta um pé central que serve como reforço para equilibrar o peso e não selar a peça central da estrutura de madeira. Assento preenchido com pluma ou crina e revestido possivelmente com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Miguel Forte e Jacob Ruchti. Produção: Década de 1950. Dimensões: Larg. 2,44 / Alt. 0,77/ Prof. 0,79m Figura 40 ‒ Desenho técnico Sofá MR7 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 186 Figura 41 ‒ Sofá MR7 Fonte: Etel Interiores. 187 Sofá M3 – 1952 com estrutura em madeira, braços modelados, estrutura fixada através de espigas e pés torneados. Assento e encosto preenchidos com pluma ou crina e revestidos com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Miguel Forte e Jacob Ruchti. Dimensões: Larg. 2,77 / Alt. 0,72/ Prof. 0,77m Figura 42 ‒Desenho técnico Sofá M3 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 188 Figura 43 Sofá M3 Fonte: Etel Interiores. 189 Cadeira Aflalo 1953 com estrutura em ferro. Opção com assento e encosto com moldura em madeira e palhinha ou com assento preenchido com pluma ou crina e revestido com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Roberto Aflalo. Figura 44 Desenho técnico Cadeira Aflalo Fonte: Redesenho elaborado pelo autor, com base no desenho de ACAYABA, 1994, p. 74. 190 Figura 45 ‒ Maquete fisica Cadeira Aflalo Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 191 • Escrivaninha Millan 1952 – estrutura tubular com módulo individual de gavetas que pode ser duplicado; o tampo apresenta o requadro a 45° tradicional dos móveis da loja e é revestido com laminado melamínico. Designer: Carlos Millan. Dimensões: Larg. 1.20 / Alt. 0,71 / Prof. 0,65m Figura 46 Desenho técnico Escrivaninha Carlos Millan Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 192 Figura 47 ‒ Detalhes construtivos de gavetas e perspectiva Escrivaninha Millan Fonte: Redesenhos elaborado pelo autor. 193 Figura 48 ‒ Maquete fisica Escrivaninha Millan Fonte: Maquete elaborada pelo autor. 194 Poltrona R3- 1952 com estrutura em madeira maciça. Travas inferiores fixadas com espigas, junção dos braços com as pernas a 45°, fixados com taliscas. Destaque para a utilização de peças esbeltas na confecção da estrutura. Assento e encosto preenchidos com pluma ou crina e revestidos com tecidos criados pelos arquitetos sócios da loja. Designer: Jacob Ruchti. Dimensões: Larg. 0,62 / Alt. 0,725 / Prof. 0,77m Figura 49 ‒ Desenho técnico Poltrona R3 Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 195 Figura 50 Estrutura Poltrona R3 com detalhes construtivos Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 196 Figura 51 Estrutura Poltrona R3 com detalhes construtivos Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 197 Figura 52 ‒ Junta de topo na meia esquadria com talisca Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 198 Figura 53 ‒ Junções com espiga Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. Figura 54 – Espiga àmeia madeira Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. Figura 55 – Espiga tradicional Fonte: Redesenho elaborado pelo autor. 199 Figura 56 Poltrona R3 Fonte: Etel Interiores. 200 Anexo 2 Depoimento Arquiteto Romeu Castro de Souza 09/10/2012 Eu sempre quis ser arquiteto. Quando tinha menos de 10 anos e morava em Niterói eu vivia pegando argila, a tabatinga no rio, e ficava fazendo casinha. Sempre gostando da coisa da construção, a arquitetura está implícita aí, com a construção das maquetinhas de barro. Em 1940 viemos para São Paulo. Em 1949 eu tinha acabado de terminar o Científico. Com 18 anos prestei exame na Poli, só para ver como funcionava e nem foi para arquitetura. Arrumei um serviço no Tribunal Eleitoral e fiquei até o final de 1952. Em 1953 conheci Millan, recémformado, que tinha acabado de inaugurar a Branco & Preto. A loja abriu em 17 de dezembro. Em 1955 eles estavam precisando de um desenhista para os interiores. As decorações, os projetinhos e os móveis que eles bolavam tinham que ser em escala 1:1 para ir para a marcenaria, tapeçaria, serralheria, tudo o que estaria interferindo na produção dos móveis. Fui para a Branco & Preto em janeiro de 1955 e fiquei até 1962 (7 anos). Comecei com desenho. Eles pegavam os projetos das casas: um living, uma sala de jantar, um dormitório – fosse o cômodo que fosse. A Branco & Preto desenhava os móveis como fazem até hoje. Dificilmente trabalhavam com móveis especiais. Porque isso até hoje é complicado, é específico, perde-se um tempo e para as firmas onera muito o retorno, o custo/benefício não é bom. Eles começaram projetando para cada uso um desenho, por exemplo, uma escrivaninha simples ou dupla com dois gaveteiros diferentes, toda em madeira. Eles tinham elegido as características da madeira que seriam utilizadas na loja Branco & Preto: era compensado; quando não era maciço era revestido com lâmina de jacarandá-da-bahia, cabreúva, caviúna. Pau-marfim dificilmente era utilizado no seu estado naturalse Fazia a estrutura da cadeira ou da poltrona de madeira muito fechadinha, muito boa, que recebia laca preta ou branca. Todas as lacas eram no marfim, não eram no cedro e nem em outra, mas podia ser caviúna, que é dura também, mas o marfim era uma madeira gentil. Falava-se tanto em marfim que ele passou a ser usado por outros fabricantes que não tiveram cuidado. Agora, há um ano e meio, que voltou o móvel claro, tudo em marfim, porque ficou um bom tempo sem ter o estoque natural, que esgotou. É uma madeira muito boa para laquear ou encerar. Móveis como sofá, poltrona, cadeira, mesa, sala de jantar em geral, buffet, escrivaninha, cadeira de escrivaninha, poltroninha – isso eles não faziam especial, só quando era uma 201 estante de livros ou um dormitório com lambri. Os móveis totalmente especiais eram para um local com características da Branco & Preto, as madeiras e os estofados quando havia. O móvel era pensado para se relacionar com a arquitetura do local. Porque eles estavam inseridos nesse conceito. Quando foi criada, a Branco & Preto fazia os móveis de acordo com os projetos que estavam surgindo. Na década de 50 eles estavam com bastante serviço e o móvel que você encontrava no mercado era aquele famoso estofado com pezinho de madeira. Havia um relacionamento entre a estrutura do móvel em si e o desenho da casa. Quando o móvel era especial, era especial mesmo! Nada de aproveitar módulo. Mas eles tentavam; encaixavam os móveis da loja nos projetos – uma cadeirinha, complementos, poltrona… era feito assim. Dificilmente se mexia no projeto que vinha. Eles faziam ajustes, mas não mexiam na arquitetura, não derrubavam parede de parte construtiva, só aproveitavam o espaço existente e, em um ou outro caso, alteravam divisórias de escritórios ou de casas. Dificilmente se mexia na construção da arquitetura de interiores. O intuito mesmo era colocar o mobiliário da Branco & Preto, encaixando, harmonizando com o espaço existente. Às vezes as casas já vinham com armário embutido de cozinha. Não eram executados móveis com desenho de outros arquitetos, eram colocados somente os móveis da Branco & Preto, principalmente os já de produção. E eventualmente os especiais para dormitório, para divisória de um móvel ou de um ambiente. Eles tinham o que há de melhor de marceneiro e tapeceiro. Até hoje você vê peças de uma loja Forma e uma L’Atelier, que surgiu logo depois. Tinha o Tenreiro, português que começou no Rio de Janeiro. Ótimo! Ele era marceneiro, tinha jeito para decoração, para projeto, mas era homem de bancada. Existia uma relação amistosa com os outros designers. Em uma ocasião, entra um cidadão na loja da Vieira de Carvalho chamado Michel Arnoult, perto da praça da República. Ele falou: – Vou ser concorrente de vocês, nesta avenida, vindo para o largo do Arouche, no fim da Vieira de Carvalho, em frente à loja de tapetes. Estamos alugando esse local para fabricar móveis e vai se chamar Mobília Contemporânea. Vamos produzir móveis com uma característica: serão vendidos em supermercados. – Os supermercados estavam começando a surgir, nessa época eles vinham ainda engatinhando, havia só um ou outro. – Você pega o móvel na prateleira, leva para casa e monta. – Isso foi revolucionário para São Paulo e para o Brasil. Os móveis dele eram bem desenhados, combinavam com a arquitetura moderna. Usavam o pau-ferro, tubo encaixado com cavilha e aparafusado na parte estofada. Você chegava em casa com o pacote e com o prospecto e montava. Ficaram amigos, ele e os arquitetos. Era designer, conhecia muita marcenaria e muita serralheria. A Mobília 202 Contemporânea evoluiu tanto que, com o tempo, ele fechou a loja e montou a Móveis em Pacote. O Tenreiro virou amigo, fechou a loja em São Paulo e continuou no Rio de Janeiro. Havia também a Ambiente, de quem também eram amigos, como o arquiteto que fazia os projetos e o italiano, eles ficaram muito amigos do Aflalo e do Plínio Croce. A L’Atelier era do grupo Fundições Brasil, que fazia fechaduras com desenho especial, de designer mesmo. Fechou há pouco tempo e mudou de nome, virou Concept Fechaduras e Chaves. Eles montaram a loja, um atelier, e pegaram o Jorge Zalszupin, arquiteto nascido na França com origem judaica. Ficaram amigos e iam pesquisar, conversar, trocar ideias; havia um relacionamento dos outros projetistas da loja Ambiente com o Jorge Zalszupin do L’Atelier. Michel Arnoult da Mobília Contemporânea fez sucesso, participando de uma época em que a Branco & Preto acabou fechando. Porque a Branco & Preto, com o caminhar das coisas, dos seis arquitetos que tinha no início, três de cara saíram e, com um ano e pouco, saiu o Plínio Croce, sócio do Aflalo. O Jacob Ruchti já era antigo quando abriram a loja. Tinha o I Chen Hwa que se formou na China. Ele era de família industrial que veio para o Brasil, ficando no Rio Grande do Sul. Chen foi para Nova York recém-formado, trabalhou com Philip Johnson, que foi discípulo de Mies van Der Rohe, mas não ficou muito tempo. Veio para São Paulo e foi trabalhar com Aflalo, logo em seguida, em 1951. Ele tinha uma certa grana e foi convidado para ser sócio da Branco & Preto. Ele ficou pouco mais de um ano porque o chamaram de volta para dirigir a indústria da família e então ele se afastou temporariamente da arquitetura. Quando foi lançado o livro da Marlene no MASP, em 1993, o Miguel Forte estava na exposição, assinando os livros, e me deu o dele. Eu estava olhando os projetos da Branco & Preto, veio um chinês e eu pensei, eu conheço esse cara. Ele olhou para mim e foi quase que momentâneo, eu falei – Chen! E ele falou – Romeu! Porque tivemos bastante contato na Branco & Preto, por causa do desenho. Ele é o mais perfeito que eu vi até hoje, era um artista. Os arquitetos pediam para ele desenhar as perspectivas do exterior, os jardins, ele fazia as folhagens, as árvores tinham a aparência da estação do ano, secas no inverno. Não deu tempo para ele projetar os móveis. Ele participava das reuniões. Quando um tinha uma ideia para fazer um móvel eles se reuniam, de preferência os seis, para ver se valia à pena continuar. Detalhavam até o produto final ou, se não, encostavam. Aquele móvel recebia o nome do criador, com as iniciais dos seus nomes. Os móveis em geral eram esmiuçados, iam ao detalhe total, explorando as características naturais da aparência, estruturas, durabilidade da madeira, dos tecidos, enfim, de tudo o que iria intervir naquele móvel em questão, e dos móveis em geral, porque essa era a intenção deles. Então eles 203 exploravam ao máximo o material a ser empregado. O Tenreiro era um que fazia isso também. A Branco & Preto via encaixes, não se via parafuso e sim espiga, cavilha, andorinha nas gavetas. Os três arquitetos que citei no começo: o Chen, o Plínio Croce e o Jacob tinham como clientes o Banco Itaú, o Oscar Americano, a Eucatex que fez uma bela loja na Augusta. O Aflalo ganhou o projeto da Peugeot. Miguel Forte, grande conhecedor, de grande capacidade, de uma cultura tremenda, deu aula no Mackenzie; faleceu 5 ou 6 anos atrás. Millan, Miguel e Aflalo também já faleceram. Millan ia de manhã dar aula no Mackenzie e depois na FAU e à tarde ia para a Branco & Preto para ver como estavam as coisas. Miguel era o contrário – ia para a loja na parte da manhã e o Aflalo variava. Então os três estavam sempre presentes e atuantes. Tinha também a parte dos tecidos, que eram fabricados pelo sogro do Miguel, o Forte Fileppo. Os desenhos eram exclusivos e cada um tinha sua razão de ser e as cores também. Os tecidos eram desenhados por Miguel e Jacob. A mulher do Jacob fez Belas Artes, o curso de Artes Gráficas. Era aluna do Jacob e acabou casando com ele, que era muito ligado com desenho de tecido, tanto quanto confecções. O Millan era de projeto geral, a parte de interiores, “decorações”, e o Miguel também pegava a parte administrativa. O ponto de encontro com os outros arquitetos era o IAB, cujo projeto é do Miguel e do Jacob. As grandes coisas saíam dali. Na época do golpe militar, o Artigas e todo mundo iam para lá, as reuniões deles aconteciam lá. Com o passar do tempo começaram a pegar bastante serviço. Millan pegou o Paineiras do Morumbi. Tinha ganhado já o Jockey Clube no Largo São Francisco, em frente da Faculdade de Direito. Não fizeram, mas era um belo projeto. A Peugeot em Buenos Aires também, mas acabou não sendo construída. Em 1957 resolveram abrir uma loja na Rua Augusta pois, além de ter os móveis, o foco era os tecidos. A Augusta fervilhava, era a rua coqueluche da cidade. A Companhia Paulista de Estrada de Ferro tinha uma bitola de 1,60m enquanto os outros tinham 1,00 m a 1,20 m de largura. Os trens luxuosos tinham os carros pullman que iam de São Paulo até Campinas e levavam duas horas. A firma procurou a Branco & Preto para decorar os vagões, desde os dormitórios à parte cultural, ligada à livraria e à gastronomia, um negócio espetacular. O interessante é que eu estava desenhando nessa época e não tinha nem entrado na faculdade ainda. O Miguel queria que desenhasse o tapete persa na escala 1:20 e 1:50 com aquele esquema do verdadeiro tapete persa que eles tinham em mente e eu aqui, desenhando. Já tinha apreendido muita coisa. Você vê o detalhe, o requinte da coisa em si, quando pronta, que não fugia da ideia. A gente perdia no preço, porque mesmo com pouca produção eles não abriam mão da qualidade, principalmente o 204 Miguel. Não fazíamos industrializado, como a Mobília Contemporânea fazia. Esse projeto ficou todo pronto mas o orçamento não saiu. Eram três ou quatro vagões, todos com características da Branco & Preto. Ficou famoso mas na hora do orçamento não vingou. Outro projeto, mas esse foi feito, foi a Casa do Oscar Americano, projeto do Bratke. A ideia era fazer móveis contemporâneos modernos, porém eles nunca deixaram de lado a fidelidade ao passado, aos móveis clássicos. Tanto é que tem a poltrona do Miguel Forte – o Jacob participou, mas o projeto levou o nome do Miguel. A poltrona foi executada em jacarandá-da-bahia com o encosto de palhinha indiana, era toda torneada, o estofamento era de um veludo especial que a Fileppo fazia, nada de outro tecido. De vez em quando aparecia um louco que queria um estofado com listras. A Branco & Preto tinha um tecido, por exemplo, que era branco, preto e verde-pistache, outro era preto e laranja com listras verticais. Eles tinham treze gamas de cores – as lisas; as listradas que eles utilizam agora para essa poltroninha não podia, só podia ser o veludo específico para aquela poltrona. Eles tinham refletores, materiais cerâmicos, a palhinha era importada da Índia e da Áustria e prevalecendo o detalhe típico de madeira deles. Os ferros, eles não utilizavam barras maciças, eram tubulares. Normalmente as mesas tinham um requadro com 3 cm, sempre meia-esquadria, nada de perpendicular. Eles não trabalhavam com fórmica porque na junção da superfície com a espessura aparecia a linha da espessura da fórmica e eles não gostavam disso, então usavam o requadro. Quando era tampo compensado, era o folheado. Então sempre que tinha um requadro já se sabia que era Branco & Preto na época. As outras lojas tinham outro tipo de desenho. Geralmente, o estofado era com mola. As almofadas com crina animal, ou plumas para o enchimento. Aí vinham com os tecidos. Começou a surgir a No-Sag e eles não queriam trabalhar com ela, eram fiéis à mola horizontal, não queriam a mola helicoidal. Eles tinham coisas muito interessantes. Não saíam da filosofia inicial, mantinham os princípios técnicos de se manter alinhado ao produto. Eles faziam questão, quando o protótipo estava quase pronto, de ir à oficina. Os irmãos Malmeister, descendentes de alemães, no Bom Retiro, faziam a parte mais torneada. Os irmãos Pássaro, descendentes de italianos – coincidência, eram três irmãos tanto em uma quanto na outra – faziam mais a parte reta de folheado. Tampo de mesa, estrutura de sofá, o que era torneado era dos irmãos Malmeister. Eles tinham os particulares deles. Tudo era pensado, até o estoque. E também a parte intelectual, de não popularizar muito, eram sabidos, queriam manter o melhor. Aflalo, querendo abrir mais o leque, numa boa, mas o Miguel restringiu mais a produção. Eles 205 começaram a pegar muito serviço nos escritórios de arquitetura, o qual predominava mais sobre a loja, onde faltava uma injeção. Mesmo assim, no final, fecharam a loja de tecidos em 1970. Ficaram durante 20 anos dos quais eu fiz parte até 1962. Saí e fui trabalhar em outro lugar. A minha turma é de 1963. Colamos grau em 1964 no Teatro Municipal, o paraninfo foi João Goulart, Presidente da República. Foi quando teve a Revolução. Millan foi nosso patrono e fez um belo discurso. Millan morreu 1964 com a família. Estava discutindo um projeto para a IBM, a implantação, o estudo preliminar. Tinha ido trabalhar e aproveitou para passear com a família. Fizeram escola, houve muita cópia. O Zanine, o Sérgio Rodrigues, os Irmãos Campana, são móveis especulativos, no bom sentido, como o próprio Le Corbusier com a poltrona dele. Nada muito industrializado. No último contato que tive com o Michel Arnault ele estava fazendo móveis em pacote, era em Pinheiros a fábrica. Fui com a minha mulher e ele falou: – Vai se chamar Móveis em Pacote. A Mobília Contemporânea tinha fechado. – Que tal o móvel? – Bacana, falei. Então ele falou: – Parando isso vou para a Ilha Grande. E lá foi ele, se afastou e depois morreu. Foi um cara muito bacana. A Hobjeto tinha muita coisa assim, geralmente tem um marceneiro por trás. Com o Tenreiro era assim; fechou, não porque foi obrigado, mas porque ele quis. Na faculdade dávamos a matéria de interiores. Tinha visita às fábricas e ainda pegamos a L’Atelier na Mooca, na Rua dos Trilhos. Enorme a produção, mas era mais ligada a escritórios. A Mobília Contemporânea do Michel abriu, fechou, abriu, fechou com uma proposta mais industrial, a Hobjeto era idêntica. Eu me lembro de um acontecimento específico: a Bienal de São Paulo, com Philip Johnson, Frank Lloyd Wright (muito conhecido de Miguel), Salvador Candia, Miguel, Aflalo, Jacob e outros. No IAB aconteciam conferências, palestras, exposições de arquitetura. Sérgio Bernardo trabalhava com arquitetura, era muito bom arquiteto. Vira e mexe estava em São Paulo. Ele tinha uma arquitetura que tendia para o colonial português. Quando era móvel moderno, era Branco & Preto. Ele, Niemeyer, Miguel Pereira comandavam, os irmãos Roberto, M&M Roberto. O Rino Levi teve Miguel Forte, Millan e Aflalo como seus funcionários. Muita coisa foi aprendida, casas que ele indicava. Nessa época os arquitetos paulistas eram da arquitetura moderna – ou Mies, limpo racional e claro, ou então Frank Lloyd Wright. Não tinham uma coisa programada de mídia, era boca a boca e mala-direta. Dificilmente um móvel, fosse ele qual fosse, voltava de cliente, mesmo por acidente, porque bateu e quebrou, ou mesmo porque estava mal colado, mal executado, para conserto. Eu 206 colocaria até como possibilidade nula. Em qualquer alteração que precisasse fazer na fabricação estrutural ou estética eles acompanhavam todo o processo. Dificilmente faziam pernas de sofá e poltronas retinhas, havia a ilusão de ótica. A elegância do produto final, a visão combinando o material do ferro para mesinhas, estofados. Para o nome para a loja, Leonardo da Vinci surgiu como opção optaram por Branco & Preto que são cores clássicas, uma completa a outra, interessante. Eles pensavam em ampliar, mas o custo… eram todos trabalhadores, nada de fortuna herdada, ganhavam dinheiro trabalhando. Eram trabalhadores normais, com diploma. O interessante é que não tinha discórdia e nem vaidade, era amizade e sinceridade, respeitavam as opiniões. O que aconteceu foram as coisas extraloja, os escritórios que tinham que olhar também. Havia uma estrutura montada, funcionários, a própria loja em si. Levavam muito a sério, dependiam exclusivamente de trabalho, incluindo a parte de magistério que o Aflalo não quis. O Jacob deu aula, depois largou, o Millan ia, depois faleceu. O Miguel ficou no Mackenzie, o Plínio na FAU e o Chen ganhando dinheiro no Sul e depois foi para Salvador na Bahia, não sei como ele está agora. Foi esvaziando, e com a tendência, a loja da Augusta com menos trabalho com a venda de tecidos que já existiam, só aumentavam um pouco a gama de cores e passaram a funcionar assim, e foram fechando. Mas mantiveram o nome de qualidade. Não foi uma quebra, fecharam naturalmente porque prevaleceram os escritórios de arquitetura, na profissão propriamente dita, como arquitetos. Não ampliavam, não contratavam mais gente para tocar. Meio romântica, a parte comercial. Engraçado que com os próprios concorrentes aconteceram as mesmas coisas, como já citei anteriormente. A Ambiente, a Hobjeto, todas participaram da mesma época do mesmo tipo de atuação da fabricação dos móveis modernos. O interessante da Branco & Preto é que eles mantiveram a fidelidade, o valor ao material que era empregado, à concepção e de acordo com a arquitetura, eles conseguiram. Andaram copiando as poltronas mas havia a qualidade da mão de obra do profissional. Não houve herança, como com os japoneses, os espanhóis e os italianos. A Branco& Preto começou e terminou da mesma forma. Não ficou ultrapassada, porque era muita adiantada. Sempre contemporânea, é um clássico. Miguel teve dois filhos homens, o Millan teve 5 filhos, 3 mulheres ficaram – a Marta que é arquiteta e o caçulinha filho do Aflalo. O Roberto é engenheiro e o Marcelo é arquiteto, nasceu quando ele tinha acabado de entrar na Branco & Preto. O detalhe construtivo era o centro da coisa. A preocupação com os materiais que compunham os móveis, a madeira com o tecido, com estofamento, como é construído o espaço que é ocupado, tudo isso havia. A preocupação atual na casa com o mobiliário não existe mais, não se tem preocupação com o 207 espaço arquitetônico, como alvo. São exemplos que podem nortear uma produção futura aproveitando a ideia da coisa, a filosofia, é muito interessante com o mobiliário já existente. Eles eram donos e os projetistas e além de tudo eram arquitetos que tinham uma relação com o mobiliário e a própria arquitetura, assim fechavam o elo. 208 Anexo 3 Depoimento de Antônio Bioni 06/10/2012 Eu fiz escola de marcenaria, tinha vocação. Estudei durante 4 anos em período integral no Instituto Dom Bosco e, saindo, comecei a trabalhar de empregado, como meio-oficial. Isso em 1944. Eu mudava de emprego à medida em que ia esgotando os conhecimentos a serem aprendidos. Um dos meus mestres me deu um conselho: eu não deveria ficar mais de três anos em uma mesma firma. Trabalhei em uma empresa que fazia vitrines, localizada no Paraíso. Em uma das greves da marcenaria eu comecei a fazer alguns “bicos” e percebi que ganhava mais do que trabalhando como empregado. Mesmo tendo um emprego com um salário razoável resolvi montar a minha marcenaria. Comecei no quintal da minha casa. Fiz um 6x4 m (24 m²) e assim comecei. Ficava sozinho mas meu cunhado, que trabalhava fora, me ajudava nas horas de folga e meu compadre, que também trabalhava fora, também vinha ajudar nas horas de folga dele, aos domingos. Montamos uma sociedade em três. Um ano e meio depois mudamos para um espaço maior, porque 24 m² era um quarto e cozinha. Isso foi em 1955. Nessa altura, fazíamos tudo o que aparecia, mas só de encomenda. O fato de ter mudado muito de empresa me dava um gabarito. Descobrimos então que era mais negócio trabalhar em série, enquanto que por encomenda ficávamos limitados. O pagamento era de 30% na entrega. Quando tínhamos muito serviço, não dava para pegar mais nada e se estávamos sem serviço tínhamos que abaixar o preço para pegar o que aparecesse e otimizar o pessoal. Fazia-se muito armário embutido e de cozinha. O Geraldo de Barros estava na Unilabor e desenhou um carrinho de chá e um joguinho de mesinhas. Começamos a produzir com material de resto de exportação. Havia uma serraria que cortava as peças para exportação, eu pegava as sobras e convertia em móvel. Foi assim que começou a nascer o interesse para trabalhar em série, com o carrinho de chá. Depois vieram os beliches, que inclusive foram premiados. Começamos a produzir só o beliche para o Brasil inteiro, um pouco antes de 1964. Nesse período a fábrica tinha quinze pessoas e se chamava Bioni Companhia Ltda., só depois apareceu a marca Hobjeto. Quando surgiu a crise de 1964 as empresas começaram a fechar as portas, ninguém comprava nada. Havia uma empresa em Santa Catarina que me fornecia direto para fazer o beliche. Usinavam lá e os cavacos de madeira ruim no mato, eles deixavam no mato, para servir como adubo. Eles me mandavam as peças aparelhadas, eu só completava a operação. 209 A linha do Geraldo, na Unilabor, era bem reta, quadradinha mesmo. Faltava um toque, que eu coloquei, para fazer que ela ficasse mais suave. Quando a Unilabor surgiu, eu era empregado, ganhava um salário muito bom. Eu tinha algumas máquinas serra de fita que vinham dos Estados Unidos. O Geraldo eu não conhecia mas ele tinha um amigo, que depois virou padre dominicano, que era marceneiro e muito amigo meu, de infância. Eles me convidaram para participar. Eu não aceitei, mas cedi a máquina para eles começarem a trabalhar e acompanhei a empresa desde o início. Vi o crescimento dela e o desastre final também. Eles perderam o sentido de cooperação. Enquanto eles não tinham nada, estavam ganhando, mas a história diz que o estômago de marceneiro é igual ao do faxineiro, há igualdade. O economista comunista, que era o Cláudio, também sentiu a impossibilidade de continuar trabalhando lá. Ele tinha automóvel, uma vida mais cara, não dava para sobreviver lá. O Geraldo tinha o Banco do Brasil, podia se dar ao luxo de ganhar um salário mínimo ou meio salário, era mais o prazer de socializar a coisa e de ajudar o frei. A Unilabor resolveu dispensar o Geraldo, por sugestão de um economista, que achou que estava pesado o salário que ele ganhava. Ele ficou disponível para tocar algum outro negócio. Nessas alturas ele fazia projetos para algumas encomendas altamente sofisticadas, nós executávamos e dávamos uma comissão para ele. Depois ele virou meu sócio. Arrumamos um dinheiro emprestado com o dono da Gessy Lever e compramos o galpão dos fundos da minha marcenaria. A empresa disparou e começou a crescer. A marca Hobjeto começou a ser utilizada antes de 1964. Com a entrada do Geraldo de Barros sentimos a crise e quase fomos. Perdi um dos sócios que também era funcionário do Banco do Brasil, ele fugiu da briga. Nós tivemos que arcar com todos os problemas da crise de 1964. A grande sacada é que eu falei para aquele fornecedor de Santa Catarina que eu não tinha condição de pagar porque estava sem receber. Ele falou que confiava em nós porque éramos gente honesta e que quando passasse a crise a gente ia sentar e acertar. Reduzi as horas extras para diminuir os nossos gastos e me limitava a produzir só o necessário para não ter que dispensar operário. Isso era contra os meus princípios, para mim era a morte, não era do meu feitio. Então conseguimos sobreviver esse tempo. Quando a crise passou percebemos que era melhor o beliche ser anunciado para venda direta ao consumidor. Aparecia no jornal Folha de São Paulo um anúncio de meia-página com o beliche Hobjeto de 120 por 60 cm e começamos a entregar direto ao consumidor, porque antes era somente para o atacado, eram empresas que compravam o nosso móvel para revender. Nós tínhamos entre 15 e 20 funcionários e já vendíamos para os grandes magazines: 210 Mappin e Mesbla. Mas não era um bom negócio. Quando se pensava em fazer um reajuste eles vinham com a história de que a gente ia aparecer no jornais como fornecedor deles na feira do móvel e então eles pediam um desconto. Faturávamos para o Mappin a 120 dias. No caixa eles descontavam o cheque deles mesmos a juros de ladrão e a gente era obrigado a perder dinheiro. Chegamos à conclusão que a venda direta era a solução. Aí o Geraldo desenhou uma linha de móveis, fizemos os protótipos das primeiras peças e oferecemos para a Unilabor. Para salvá-la, fizemos um contrato – eles nos davam uma participação de 5% em cima do faturamento, o que era um bom negócio. Eu queria gerenciar o projeto, queria acompanhar, mas eles me falaram que eu não ia gerenciar nada, só iria receber a minha comissão. Eu queria que tivesse sucesso e queria acompanhar porque havia uma série de soluções técnicas. Eu era o pai da criança, sabia como tudo tinha que ser feito mas eles não entenderam e eu simplesmente rasguei um contrato milionário. Falei com o Geraldo para pegarmos os protótipos e procurarmos uma loja. Abrimos uma loja em frente ao Clube Pinheiros, perto do Shopping Iguatemi. Quando o shopping foi para lá eu li a pesquisa e comprei cotas. O poder aquisitivo era fantástico então fomos procurar uma loja. Encontramos um tapeceiro querendo fechar e o Geraldo falou que aquele era um ponto bom, que era para eu negociar porque ele tinha que ir para o banco. Geraldo trabalhava na mecanizada, antes de chegar a computação, então era uma barulheira lá. Ele era chefe de seção e várias vezes usamos o balcão do Banco do Brasil para solucionar problemas de encomenda. A Unilabor me mandava para vender na minha lojinha coisas que eu não produzia. Eu vendia mesinha de chá, carrinho de chá, e eles me davam em troca outros produtos, até faziam algumas críticas construtivas. A Hobjeto começou com uma linha mais quadradinha, teve um período que comecei a descobrir a madeira aglomerada e eu desenvolvi algumas coisas. Quando a Feneberg chegou no Brasil com alguns pedaços, eu comecei a pesquisar e testar. Então o que eu fazia era arredondar os cantos, fazia cadeira com curvas. Eu com o Geraldo começamos a mexer com o desenho, ele fazia os traços e eu arredondava, isso é permitido, isso não é permitido, isso dá para fazer na máquina ou não dá. Até a parte de desenho limitávamos. Tínhamos uma tupia e uma fresa com o raio, trabalhávamos em cima das máquinas que tínhamos. Isso hoje não é problema, a máquina opera sozinha, mas naquele tempo tinha limites, eram máquinas convencionais. O mobiliário era moderno. No início sentimos um pouco mais, tinha gente com tendência que já estava insatisfeita. Os mais novos aceitavam melhor. Quando fizemos a 211 linha, fomos negociar. Falamos para o tapeceiro que estávamos com deficiência na tapeçaria da empresa e se ele queria entrar de sócio. Ele levaria a tapeçaria dele lá para o Jabaquara, eu montaria uma loja na Faria Lima e ele ficava sócio da empresa. Não aceitou. Fizemos uma proposta para comprar o ponto – ele emprestava o dinheiro, eu comprava o ponto e pagaria juros de 4%. Ele topou. Compramos o ponto sem dinheiro e alugamos o telefone dele. Fizemos uma reforma muito simples na loja. Colocamos lajota de produção em série, fizemos alguns arcos, tinha um forro caipira, colocamos tijolo aparente pintado de branco, passamos um betume no chão e enceramos. Demos para a loja uma cara bem colonial mas com móveis modernos. A loja estourou porque o Geraldo começou a utilizar muito o local para fazer promoção. Ele fazia galeria com pintores e marcava uma exposição lá. Não fazia mais nada sob medida. Tínhamos uma dificuldade a associação dos arquitetos do Rio de Janeiro nós dávamos 10% e eles queriam 15 ou 20%. Eu não podia dar, porque tínhamos propaganda nas revistas nacionais Casa Cláudia e Casa & Jardim, e às vezes mencionamos o preço e que não havia margem. Então ameaçaram dizer para todo mundo que o nosso móvel era de produção em série de carregação. Tivemos três lojas no Leblon, na rua Raimundo Correia, em Copacabana que fomos obrigados a fechar. Fui o primeiro cara no Brasil a fazer franquia porque usavam a minha marca e a minha publicidade, que era nacional. Eu diluía muito o custo, eles só vendiam e em cada pedido ganhavam 20% de comissão e mais 4% se eles assumissem que o cliente pagava, porque se não ele pagava, a opção era dele. Quando iniciamos, ainda não tinha a facilidade para entregar em outros estados. Tivemos que investir. Mandávamos um caminhão quase vazio para atender um ou dois clientes até que gerou uma quantidade de um ou dois caminhões por semana. O Geraldo conhecia todo mundo, o Tenreiro, o Randy Muller, quando ele veio ao Brasil. Ele era nascido na Alemanha, era o papa do desenho industriall, claro que ele precisava de algum estilista que desse uma arredondada nos cantinhos. Ia complicar um pouco a produção mais ia dar outra graça para o móvel. Como solução para descobrir meio e formas até hoje não conheci outro. Quando ele chegou ao Brasil ele foi na Unilabor mas eles não tinham condição de atender e indicaram um marceneiro que chamava Bioni, que tinha uma marcenaria pequena. Com desenho a gente se entende, então ficou fácil falar a linguagem universal do desenho porque ele não falava uma palavra em português. Ele trouxe algumas peças e ele operava as máquinas como um profissional de primeira linha. 212 Eu sempre tive em mente que o balanço social é melhor do que o balanço financeiro. Para mim não justificava nada ganhar muito dinheiro e ver gente passando fome. Eu gostava de ser o patrão que eu gostaria de ter tido quando eu era empregado. Essa filosofia eu mantive enquanto estive na Hobjeto. A gente se misturava. Quando era primeiro de maio eu ia desfilar. Eu era o presidente mas colocava o agasalho da empresa e jogava bola com meus empregados. Eu convivi com eles, que não eram meus empregados, eram meus amigos. Uma vez eu trouxe como sócio um amigo de infância que era diretor do Matarazzo. A Hobjeto estava crescendo e ele veio para organizar. Tínhamos ajudantes 1, 2 e 3 e marceneiro 1, 2 e 3. A Hobjeto não precisava muito de marceneiro, com seis meses fazia um profissional ficar top para trabalhar. Ele era treinado, colocava em escolas se fosse o caso. Ele ainda tinha eu como marceneiro, o meu sócio era marceneiro e tinha também um espanhol, excelente marceneiro, todos profissionais dispostos a ensinar. Podíamos pegar um cara do Nordeste com um pouco de vontade e inteligência e querendo ganhar dinheiro e em seis meses ele estava profissional. A Branco & Preto era sofisticação, era para atender cliente exclusivo, não era móvel de produção em série. O móvel muito bem feito, o desenho finíssimo, a qualidade era ótima. Marcenaria de alta qualidade com um desenho também muito bom. Havia uma razão para o crescimento da Hobjeto: começamos pequenos, concorrendo com os gigantes. Quando fomos para a primeira feira tínhamos um stand de 4x4 m e a Mobilínea era o centro do pavilhão. Começamos a encarar os grandes, a criar dificuldades para eles, porque tínhamos uma filosofia diferente da deles. Eles tinham que vender muito e achavam que aumentando o preço eles ganhavam mais. A nossa filosofia era aumentar a clientela, aumentar a capacidade de produção e, reduzindo os custos do nosso produto, crescemos na sombra deles. Eles pensavam na vaidade e nós investíamos na Hobjeto. A loja começou em 1955 com 15 funcionários e eu fiquei lá durante 30 anos. Fechou 15 anos depois que eu saí, com 600 funcionários. Eu tinha uma empresa que fazia hotéis, que fez o New Palace no Rio de Janeiro e parte do Maksoud Plaza em São Paulo. Tinha também a que fazia 20% de peças para a Yamaha e a indústria automobilística e 70% para a Hobjeto, os móveis e as estruturas em tubo. Eu tinha um marceneiro que era um prototipista. Ele era um libanês que foi marceneiro da rainha da Inglaterra e fez todas as miniaturas da Hobjeto. Chamava Elias Asfour, era o melhor profissional que passou na minha frente. Eu viajava com o Geraldo que conhecia muitas línguas. A gente visitava as feiras de Milão, Paris, visitamos quase todas as fábricas da Alemanha. O Geraldo foi ao consulado alemão, disse que era designer e pegou uma carta de apresentação que abriu as portas para nós. Trouxe 65 quilos de catálogos. Tinha sempre na gaveta um produto novo. Quando 213 fizemos a linha de aglomerado com cantos arredondados, uma linha fantástica, os alemães falavam que tínhamos chegado a resultados que eles que inventaram não chegaram. Nós tínhamos até ferragens próprias. A linha era quase completa, só não tinha cozinha. Mas tinha algumas peças que entravam na cozinha. O aglomerado foi adotado. A Duratex foi me fazer uma visita na fábrica e tinha feito um encosto da cadeira que tinha os pezinhos quadradinhos. Com as sobras da exportação fazia o encosto: colava de forma alternada uma lâmina de Duratex com outra lâmina de Duratex e depois revestia com jacarandá. Todos juravam que era jacarandá maciço – éramos muito criativos. O sucesso do negócio é ter pessoas criativas. O aglomerado tinha algumas camadas: uma fofa, cascalho, 2 médias e 2 finas para acabamento. Eu colava duas placas para ter o centro duro. Para massear testamos tudo até descobrirmos a massa plástica. Conseguimos patente na Itália e nos Estados Unidos de processos para o acabamento do topo. Depois a Sayerlack desenvolveu uma massa para nós. A Mobília Contemporânea usava a madeira maciça. A Oca tinha muita coisa em jacarandá, inclusive algumas poltronas. O Zanine tinha um desenho fantástico que talvez não soube explorar comercialmente, mas a ideia era interessante. Para alguns clientes que estavam começando nós falávamos para primeiro comprar Tok&Stok e depois comprar Hobjeto para que eles tivessem a ideia comercial. O Geraldo pegava o lápis, desenhava o móvel de baixo para cima, os rabiscos diziam tudo, ele tinha uma facilidade monstro. Tínhamos como concorrentes diretos a Mobília Contemporânea e a Mobilínea. Nosso piso salarial era de 3 salários mínimos enquanto que o por lei era de 2. E ainda tinha o prêmio de produtividade, assistência médica, essas regalias todas e um bom salário. Nós pensávamos no lucro sem esquecer do balanço social. Tínhamos até psicólogos que iam às casas para ver como os nossos funcionários viviam. Quando acontecia uma chuva que descobria a casa deles eu tinha uma caixinha de socorro. Eles não esqueciam e vestiam a camisa. Quem era ruim no emprego e que também ficava no prejuízo no prêmio de produtividade, eles tratavam de gelar. Não precisava mandar ninguém embora, eles iam sozinhos, os próprios funcionários se encarregavam de fiscalizar, de forma natural. Tínhamos 10 a 12 lojas e a nossa em São Paulo. Antes de eu sair eu tinha uma proposta para me aposentar, arrumar uma sala para os aposentados, com mesa de snooker, geladeira farta e jogo de xadrez e deixar a administração por conta deles (dos mais jovens). Tinha outra proposta para fazer a divisão de lucro, perguntava quanto eles queriam de lucro livre depois do imposto de renda – 10% está bom? Que era o que tínhamos e o que sobrava era deles. Ia dar por cota, não por salário. Explicava 214 para eles que quando eles jogavam uma lixa fora ia doer no bolso deles. Quando eu saí estávamos com 600 funcionários na organização toda. A minha saída da Hobjeto foi uma questão de saúde. Semanalmente eu ia ao cardiologista no INCOR. Todos os dias eu fazia uma dieta e o colesterol não baixava. Uma vez eu fui na padaria tomar um café, junto com um primo que tinha uma banca de jornal. Parei minha Mercedes quase zero, importada. Entrei e pedi uma média e um pão sem manteiga e o rapaz que me atendeu falou para o meu primo, mas eu ouvi, que eu era miserável. Que eu andava de Mercedes e, para economizar trinta centavos, comia pão sem manteiga. Meu primo começou a rir e eu idem. Fui para a fábrica e comecei a pensar: eu tenho um apartamento no Guarujá com cinco suítes, ando de Mercedes, ganho mais de cem mil por mês, e não posso comer pão com manteiga! Eu lembro que estava fazendo um serviço para o Ribas Marinho, que era o secretário da Ordem dos Advogados do Brasil e ele me disse que virava dia e noite na máquina de escrever, ganhava muito dinheiro mas não tinha tempo para gastar. Um dia falei para o meu sócio que estava indo embora e ele falou – está louco? E eu respondi: – agora que estou são pode aprontar as minhas contas. Ele falou para eu ir para a Europa que ele mandava o salário para mim, um ano, dois anos depois eu voltava. Falei que não era justo, ele trabalhando e eu passeando. Pedi para ele falar quanto queria pagar porque eu ia embora mesmo. Levei 10% do que valia a empresa, eu recebi 1,600 mil dólares em trinta e seis meses sem entrada. Recebi também uma floresta de eucaliptos em Uberaba, que era uma encrenca, e um galpão industrial. Muito pouco, pois só a marca tinha sido avaliada em 10 milhões de dólares. 215 Anexo 4 Depoimento de Sérgio Rodrigues 23/11/2012 Eu fui educado em uma casa que era cenográfica porque não tinha nada a ver com o Brasil. Desde garoto eu achava aquela casa muito interessante mas eu não tinha definido em mim que viria a ser arquiteto ou alguma coisa parecida. Vivia desenhando, se pudesse ficaria só desenhando. Mas chegou uma época em que fui levado a um escritório de arquitetura. Eu imaginava que o arquiteto só fazia fachada, não tinha ideia do que seria na realidade uma arquitetura, então isso mexeu comigo. Com o tempo fui saber o que era na verdade. Só no terceiro ano de estudo que eu percebi o que era arquitetura. Eu adorava desenhar qualquer coisa. Eu tinha um tio bisavô que era dono de um “castelo”, tinha aquelas ameias todas. Ele era coronel, não tinha nada a ver com a arquitetura, com designer, porém gostava muito de madeira. Então, como ele tinha aquele casarão e iria colocar abaixo uma parte para fazer uma coisa nova, tinha muita madeira que foi aproveitada – peças de peroba fora de série. Havia lá um quarto com uma pequena oficina com dois operários de alto nível que entendiam os rabiscos que ele fazia. Eu ainda garoto, com seis ou sete anos, ficava nesse quarto vendo os operários, os marceneiros, trabalhando. Fui me interessando e me apaixonei pela madeira. Eles não tinham nenhum aparelho elétrico, tudo era feito manualmente. Faziam trabalhos com grande precisão, sem ter nada elétrico. Eu fazia os meus brinquedos com canivete, isso então meu deu a paixão pela madeira e pelo móvel. A casa era antiga e tinha o mobiliário de toda espécie, da década de 1850. Os móveis dos quartos e da sala eram todos antigos. A maioria deles era de importados. Então eu me interessei por duas coisas: pela arquitetura, muito logicamente, e mais por mobiliário. Mas não queria fazer móvel mas sim fazer o que se chamava na época de “decoração”. Na realidade era o que chamam hoje de designer de interiores. A palavra design quer dizer criação, não tem maiores explicações, pode ser de arquitetura, pode ser de literatura, cinema, fotografia, porque designer é aquele que cria com determinada matéria. Eu procurei já na faculdade uma escola sobre interiores, mobiliário, mas não tinha nada. Tinha coisas estrangeiras com preços astronômicos e coisas que não tinham nada a ver diretamente com o Brasil. Achei um professor jamaicano que havia chegado recentemente dos Estados Unidos e tinha diploma. Chamava-se Louis F. James. Uma dessas 216 coisas engraçadas da vida é que o meu tio se chamava James também e encontrar outra pessoa com esse nome… foi engraçado essa coincidência. No terceiro ano eu já estava bastante adiantado com aquilo que era americano mas eu sabia bastante diferençar as coisas que eram brasileiras, nacionais, das coisas que eram estrangeiras. Aprendi os mobiliários todos, os chamados clássicos do final do século XVIII comecinho do XIX. Depois entramos na fase eclética, que é uma mistura. Acompanhei tudo aquilo e no terceiro ano de faculdade eu tinha uma matéria que se chamava “composição decorativa”. É um nome que não tinha nada a ver com o que eu estava imaginando. Fiz esse curso e um catedrático me chamou para ser monitor na Faculdade de Arquitetura. Meus colegas todos não se interessavam por isso, porque tinham preconceito. Eu não me importava, eu queria era aprender. Eu fui também auxiliar do professor James, que não era americano mas falava somente inglês. Ele ficou muito empolgado comigo e me disse: “Sérgio, você faz um tipo de arquitetura moderna que nós não aprendemos nem nos Estados Unidos!” Ele pensava que eu fazia aquilo na faculdade, mas não, eu aprendi por minha conta. Fui auxiliar dele nos trabalhos em São Paulo. No Rio eu era ainda estudante e para mim era uma maravilha. O catedrático da faculdade começou a gostar muito do meu trabalho. Estava fazendo coisas que depois iria estudar na faculdade mas que eu já sabia porque havia feito os interiores com o James. Quando eu me formei, percebi realmente o que era a arquitetura. Tinha-se a ideia que arquitetura era saber projetar uma casa, com tantos quartos e tantas salas, mas isso não é arquitetura, é quase um joguinho de armar. Para fazer o projeto você tem de conhecer o proprietário da casa, saber o que ele curte, porque é ele que vai morar na casa, não o arquiteto. Naquela época isso era pouco compreendido. Quando eu era chamado para fazer um trabalho, falavam: “Eu quero meu quarto Luiz XV, quero a minha sala Luiz XVI…” Eu acabei não fazendo mais esse tipo de trabalho, deixava mais para o americano fazer. Eu continuei com esse catedrático que me chamou para ser auxiliar de ensino e também para auxiliá-lo no trabalho dele. Ele fazia muita coisa em arquitetura. Foi então que eu comecei a aprender mesmo os interiores, o que era na realidade a arquitetura. Seriam as coisas de que o proprietário estaria precisando, a parte interna e a parte externa. O que chamávamos de arquitetura mesmo era basicamente a casca daquilo que nós estávamos sugerindo. Eu lia revistas estrangeiras de qualidade, que pouca gente comprava porque eram muito caras, francesa, inglesa, dinamarquesa, italiana, etc. Isso foi fazendo com que eu tivesse uma interpretação de várias e diferentes maneiras, o que foi muito útil para mim. 217 Fui para Curitiba em 1953 porque o catedrático David Azambuja foi chamado para fazer um trabalho para o governo do Paraná, o Centro Cívico de Curitiba, e me levou junto. Fiquei dois anos lá enquanto estava sendo construído o prédio, que tinha trinta andares e era interessantíssimo. As chamadas Secretarias de Estado eram onze. Cada uma tinha seu programa e iam fazendo os desenhos, não de arquitetura, mas os interiores. Elas faziam a localização, explicando onde ficaria a mesa de reunião, a mesa do ministro, etc., mas sem definir especificamente os modelos do mobiliário. Esse trabalho no Centro Cívico era para celebrar o quarto centenário da cidade. Havia uma equipe monumental para a construção dos edifícios, com uma parte de engenharia e outra de auxiliares de desenho. Eu percebi que o dinheiro para esse projeto vinha das sacas de café. Na época das geadas, a produção de café foi a zero e eu já estava vendo que aquilo iria acabar sendo suspenso e eu iria ficar sem serviço. O meu trabalho era só aquele, eu não tinha começado como os outros, fazendo trabalhos normais, para casas. Eu sabia fazer, tinha consciência da história, mas não tinha a prática. Eu estaria chegando a uma obra de arquitetura, vendo os operários trabalharem, mas não saberia exatamente como se colocava um tijolo, e isso seria importante. Eu percebi esse problema com o Centro Cívico, que iria acabar faltando dinheiro e que iríamos ser expulsos de lá. Então resolvi abrir uma loja de mobiliário. Eu me associei ao designer Carlo Hauner, italiano de altíssimo nível, garoto da minha idade. Na época ele tinha uma loja grande em São Paulo, que depois virou a Forma, da qual ele foi um dos fundadores. Assim, eu teria móveis contemporâneos em Curitiba. Apesar de a cidade ter grandes indústrias de mobiliário, eram só móveis clássicos, não tinha coisas modernas. Os que se ariscavam a fazer algo diferente, não sabiam e acabavam produzindo coisas trágicas, desenhos horrorosos, que não tinham nada a ver. Algumas eram cópias de móveis estrangeiros, mas eles não tinham ideia das proporções certas. Eu não tinha tino comercial por isso tive que chamar uma pessoa para fazer essa parte. Eu fiz a loja e comecei a usar o mobiliário todo novo, que o Hauner tinha em São Paulo. Mas os curitibanos vinham a São Paulo, compravam aquele mesmo mobiliário que eu estava vendendo lá, às vezes com vantagens porque nós tínhamos o interesse em agilizar a venda de móveis modernos. Mas o pessoal não queria os nossos, queriam ir comprar em São Paulo para ter o prazer de ver o caminhão com a placa de São Paulo parado em frente à casa deles, descarregando os móveis. Isso era a mentalidade naquela época. Eu comecei a vender aqueles móveis, mas não era exatamente o que eu queria. Então eu comecei a desenhar peças que não tinham nada a ver com o que vinha de São Paulo. Mas surgiu o problema do dinheiro, que começou a faltar. E só tinha móveis de carregação, tipo 218 Teodoro Sampaio – que melhorou um pouco, diga-se. Então, quando eu precisava de alguma coisa, me falavam para ir lá; eu ia mas não achava nada que servisse, então passei a desenhar e depois eu fiz a Oca. Em 1955 já tinha um certo pessoal que me procurava querendo só fazer obras modernas. A Oca começou e eu fiquei trabalhando em São Paulo por uma razão. Esse meu amigo que era o criador da Forma e era designer, gostava muito do meu trabalho. Eu o encontrei em Curitiba tentando vender para o Centro Cívico, mas não conseguiu porque lá ninguém queria móvel moderno. Então, quando ele me viu naquela situação de não ter trabalho, ele me convidou para ir para São Paulo. Disse que tinha um trabalho numa fábrica que era maravilhosa e que seria um caminho bom para mim. Eu fui para lá e acabei morando do lado da fábrica, no Itaim. Depois, passei a trabalhar na loja da Barão de Itapetininga, onde peguei prática de venda e de contato com o cliente. Eu fazia os interiores usando os móveis deles. Chegou uma época em que houve um desentendimento entre os sócios e, como eu tinha sido chamado por um dos sócios que saiu, ele achava que eu deveria sair também. Ele disse: “Vai para o Rio que é a sua terra, você deve ter muitos amigos e lá você vai ter sucesso!” Passei um mês na casa do sogro, completamente desambientado, sem trabalho, querendo fazer alguma coisa e sem clientes. Então resolvi fazer uma loja e o pessoal dizia: “Você fez uma loja em Curitiba e foi aquele fracasso, em seis meses só vendeu dois sofás e ainda assim vendeu com o preço errado!” Lá pelos anos sessenta eu consegui um contrato com o edifício Mofarrej, para completar o hotel. Eles não disseram se deveria ser uma obra moderna ou antiga, então aproveitei para colocar o móvel moderno. Eu já fazia interiores nessa época. Nos grandes palácios como o de Versalhes, o mobiliário era continuação da arquitetura. As paredes dos grandes salões eram todas trabalhadas. Havia as falsas colunas, os móveis eram colocados exatamente entre as colunas, as cadeiras e as poltronas sempre encostadas na parede como se fossem continuação da arquitetura; faziam parte da arquitetura. Sempre achei que deveríamos bater o pé para fazer o que era certo. Deixei de fazer muita coisa por causa disso. Uma vez uma fulana falou: “Sérgio, eu queria que você fizesse o meu quarto em Luís XV ou Luís XVI”. Perguntei: “Você é artista de teatro?” Quando ela quis saber por que, eu respondi que fazer um ambiente Luís XVI é uma cenografia, ela então deveria ter saia balão, carruagem lá fora… e caí na gargalhada para descontrair. Ela percebeu e saiu. Em São Paulo havia bons arquitetos como o Vilanova Artigas, o Bratke, o Paulo Mendes da Rocha que fez a poltrona Paulistano, muito boa e o Warchavchic que estava 219 fazendo o Clube Paulistano. Entraram em contato e ele pediu para fazer alguns desenhos de móveis porém não foram aceitos. Eu não tinha fábrica e precisava mandar fazer fora, só que para fazer móveis especiais, todos cobravam um preço muito alto. Havia também a própria Lina Bardi, que era ligada ao Carlo – os dois vieram da Itália logo depois da guerra, por isso eu chamo de “missão italiana” (uma porção de gente veio para o Brasil: a Lina Bo Bardi, o Giancarlo Palanti,o Dominici e diversos outros arquitetos fazendo coisas e trazendo coisas de lá). No princípio eu pensei: “O que é que uma italiana vai fazer de mobiliário aqui no Brasil?” Mas ela foi a única designer estrangeira que vestiu a camisa brasileira porque tudo o que ela projetou poderia ser chamado de mobiliário brasileiro. Tivemos só um contato rápido porque eu estava fazendo outras coisas. Quando estava em São Paulo eu ficava o dia inteiro na fábrica e ia direto para casa. Conheci o austríaco Martin Eisler, que desenhava móveis para a Forma e também foi um dos diretores da loja. Um dia fui fazer um sofá diferente, com estrutura de madeira aparente, e o Martin disse: “Você é arquiteto, não se meta a fazer móvel, que é uma coisa muito difícil. Não dá para você fazer isso, você não vai ter futuro nenhum!” Ele já era arquiteto, tinha experiência, já era uma pessoa conceituada; fiquei um pouco chateado. Já o italiano falou: “Sérgio, eu não faria nada disso que você faz porque não é a minha área. Você tem coisas maravilhosas, eu não vejo isso na Europa: móveis com gabarito internacional para serem disputados”. E já que eles estavam brigando eu aproveitei e fui embora para o Rio. A Mobília Contemporânea estava fazendo móveis mais próximos do que eu queria fazer, móveis muito simples, para atender um público com menos dinheiro mas com muito bom gosto. Os móveis da Branco&Preto eram extremamente artesanais mas muito bem feitos. Ficava na Vieira de Carvalho onde tinha também a L’Atelier, que usava muito metal, madeiras prensadas. Quando era possível não usar só os móveis da Forma eu usava uma coisa ou outra deles. Quando eu comecei a desenhar os móveis e dizia que iria abrir uma loja, falavam para mim: “Você vai ser um fracasso, você não tem ideia nenhuma, você não vai vender seus móveis porque o pessoal só quer comprar móveis de firmas conhecidas!”. Aqui no Rio, o Tenreiro tinha móveis, o Laubisch Hirth uma fábrica monumental, havia o Leandro Martins também. A Laubisch começou a fazer algumas coisas modernas. Eu fui colega de faculdade do filho do Laubisch, que era um arquiteto moderno e estava começando a fazer coisas modernas dentro de um estilo “modernoso”, vamos dizer assim, com boas proporções, bons acabamentos. 220 Eu resolvi fazer uma loja, que era a Oca, no terceiro mês que tinha voltado de São Paulo. Foi uma coisa muito interessante. Comecei a fazer desenhos e, para minha decepção, quando eu mandei fabricar o banquinho Mocho em uma firma, não levei nem o desenho, levei a peça e me falaram que eu podia pegar antes do final da semana. Antes do final da semana passei pela rua Barata Ribeiro no Rio que, antigamente, era como se fosse a rua Gabriel Monteiro da Silva hoje em São Paulo, todos que faziam móveis modernos tinham uma loja naquela rua. Pois bem, antes do final da semana passei por lá e vi que todas as lojas tinham um banquinho meu e perguntei como eles tinham comprado. Eles me falaram que tinha sido de um vendedor. Fui até a fábrica e descobri que tinham feito uma dezena deles e vendido. Fiquei muito chateado. Então resolvi ter uma fábrica, foi quando dois anjos italianos excepcionais caíram do céu. Eles foram nos procurar na loja da Oca para ver se precisávamos de alguma coisa, então os convidei para serem meus sócios e na semana seguinte não só já tínhamos um local como já estávamos trabalhando. Isso foi em 1955. Os meus sócios não faziam desenho. Eles tinham vindo naquela “missão italiana” e entre eles Carlo Hauner, figura importantíssima lá no desenho paulista. Era um estrangeiro que fez coisa boa, a Ambiente vendia coisas dele, o Leo era o dono da Ambiente. Eu gostava muito do filho dele. Passei a desenhar e tínhamos uma fábrica em Bom Sucesso, perto da Avenida Brasil. O negócio começou a aumentar de verdade e de repente pegamos outra fábrica em Bom Sucesso também, porque a que tínhamos tinha 1000 m² e essa outra tinha 3000 m2 e era do outro lado da Av. Brasil, ainda em Bom Sucesso; chegamos a ter quase 150 operários. Tínhamos a loja em Ipanema, na Praça General Osório, a primeira loja em Ipanema de móveis modernos. Numa rua que dava para a praça tinha a Mobília Contemporânea do Michel Arnoult, grande amigo, figura importantíssima. Oscar Niemeyer apareceu uma vez na loja e disse: “Gostei dessa poltrona para dar para a minha filha que vai casar amanhã” e, em homenagem a ele, passei a chamá-la de Oscar. Na realidade era uma poltrona que havia sido encomendada pelo Jóquei Clube para a sala de jogos. Eu fiz e levei lá para jogadores que seriam os juízes que usavam a sala, eles queriam ver a poltroninha. O Jóquei era todo neoclássico então eles acharam que a poltrona era muito moderna e a chamavam de Brasília, devido ao desenho da peça que fica na parte de trás. Não quiseram ficar com ela. Então eu a levei para a loja e imaginei que havia perdido um bom negócio, mas o Oscar veio e levou as duas que tinham sido produzidas, sendo que uma delas era o protótipo. A Oca passou a ser ponto de referência moderna. Lá fazíamos exposições de quadros feitos por especialistas, para fazer a coisa de alto nível. O Lúcio Costa já me conhecia, do 221 Centro Cívico que foi em 1951/52 em Curitiba. Tive um contato rápido com Le Corbusier. Ele foi à casa do Burle Max que, nos finais de semana, dava um almoço em que ele mesmo cozinhava. Lúcio Costa também foi. Eu estive com Charlotte Perriand, que trabalhava com ele. Diversos móveis que ele colocava como dele eu dizia que eram da Charlotte, porque ele era meio durão. Eu dizia que as cadeiras e os móveis bons eram feitos por ela porque era uma designer excepcional. Um outro estrangeiro com quem eu estive foi o americano Jorge Nelson. Foi interessantíssimo o contato com ele, que veio convidado para uma palestra no Museu de Arte Moderna. Eu conhecia esse pessoal, que era da Herman Miller. Na palestra, sentei na primeira fila, fiz tietagem mesmo. Chegou o Jorge Nelson, puxou um papelzinho e falou: “Eu queria conhecer um arquiteto chamado Sérgio Rodrigues!” E eu estava ali e dei um berro: “Sou eu! Sou eu!” Fizemos amizade. Eu escrevia para ele e ele me escrevia em datas importantes, como no Natal. Ele foi na Oca, sentou e gostou muito da poltrona Mole. Isso foi em 1958/59. A poltrona mole tinha sido criada em 1957 e lançada ao público em 1958 mas ficou anos sem vender. O pessoal passava e falava: “Olha o ovo estralado” e você via as dondocas falando que parecia cama de cachorro. Depois do contato com o Jorge Nelson eu tive uma loja na Califórnia, com dois sócios americanos que estavam querendo uma loja com os meus móveis, em cidades pequenas mas de alto luxo, com diretores de cinema, etc. Mas isso já era 1967. Antes disso, o Oscar Niemeyer me chamou para fazer os móveis do vice-presidente. Na hora de assinar o contrato o gerente geral disse que para fornecer para Brasília a pessoa teria que morar lá. Eu tinha acabado de fazer a Oca, tinha clientes no Rio e disse que não ia dar. Então ele falou que ia deixar para uma segunda oportunidade. Foi muito gentil, dizendo que não podia ser. Eu tinha ido aos Estados Unidos, na ONU, para ver se tinha alguma semelhança com o Palácio do Congresso deles. Eu queria saber como eram os grandes salões lá. Não peguei esse trabalho, mas o Oscar me pediu diversas outras coisas, como o Cine Brasília. Ele pediu as poltronas e as cadeiras para o lobby que foram produzidas em Brasília mesmo. Depois copiou e fez outros cinemas com as mesmas cadeiras. Essa história de copiar é lamentável. Fiz o estudo todo da casa para o vice-presidente; uma casa muito grande, e não me chamaram. Um ano depois eu estava em Brasília e perguntei: “Eu fiz um trabalho, o Oscar aprovou, e vocês não me chamaram – teve algum problema?” Então me falaram que já estava tudo pronto. Tinham entregado para outra pessoa fazer. Mas isso não tinha desculpa, porque o Oscar tinha aprovado o meu trabalho! Foi uma grande decepção, porque já estava pronto. O Oscar me chamou para fazer as cadeiras, as poltronas do cine do Teatro Nacional. Eram três auditórios, eu fiz três poltronas diferentes. O 222 próprio Itamaraty me chamou para fazer estudos para os embaixadores e ministros. Eu fiz uma grande parte, assim como outros, arquitetos de primeira linha. Um deles era um grande amigo meu, o Bernardo Figueiredo, grande arquiteto, que faleceu recentemente, fez cadeiras maravilhosas, figura importantíssima. Ele trabalhou comigo também quando eu tinha a Oca. Eu fiz todos os móveis do Itamaraty, a sede mesmo, fiz as mesas. Jacarandá, tinha para valer, não havia se pensava ainda em ecologia. A gente tinha jacarandá à vontade, mas agora praticamente não tem mais. Estão crescendo novas árvores, mas demora muito. Fiz o Itamaraty e depois teve um anexo para o qual fiz os móveis também. Eu fiz casas de madeira também. A primeira foi feita na Oca. Para ter preço bom tem que ter uma indústria acompanhando, se não ela passa a ser artesanal e cara. Então fizemos as primeiras casas na nossa própria Oca. Um grupo de operários fazia, era muito simples. Fizemos o Iate Clube de Brasília, para a Universidade de Brasília fizemos o prédio do restaurante de 3000 m², uma coisa grande! Fizemos ainda dois pavilhões que seriam hospedarias para professores da própria universidade. A pedido do Darcy Ribeiro fiz os móveis para o auditório dos Candangos. Foi interessante porque foi uma fase de industrialização excepcional. O Darcy Ribeiro foi me mostrar um lugar onde não tinha nada e ele disse que o auditório seria feito em dois meses e que queria que eu fizesse os móveis. Eu concordei e falei que iria para São Paulo, numa firma grande de móveis para escritório e cadeiras de cinema para escolher umas peças, mas ele disse: “De jeito nenhum, quero que você mesmo faça, queremos ter seu nome ligado ao auditório!” Então eu bolei o projeto, de um dia para o outro. Era uma coisa que acontece uma vez só na vida. Bolei uma estrutura de metal com tubos de ferro. O piso ainda não tinha sido feito então eu fiz os pés encaixados no concreto. Foi um período maravilhoso! Tínhamos que colocar 250 cadeiras na Semana Santa porque no Sábado de Aleluia seria a inauguração, com os secretários e o Ministro da Educação. E não tinha ninguém para colocar… operário meu mesmo, só tinha um, para me auxiliar. A questão é que eram 250 cadeiras! Pegamos um caminhão na cidade e colocamos uma faixa com um letreiro que dizia “a Universidade precisa de você”. Encheu de gente que queria colaborar e colocamos as 250 cadeiras. As cadeiras do Anhembi também foram feitas todas por mim. Todo arquiteto deveria fazer o interior. Normalmente um arquiteto faz a casa e o proprietário entrega o interior ao decorador da moda para poder dizer depois quem foi o decorador dele. Quando eu estava fazendo os ministérios em 1958/59 o Itamaraty me chamou outra vez para fazer as mesas dos ministros, porque todas as mesas de ministro estavam num estilo 223 que não condizia com uma obra do Oscar Niemeyer. Eu fiz o desenho de uma mesa que foi aprovada imediatamente, tanto que o protótipo serviu de mesa para o ministroHorácio Lafer. Quando o embaixador designado para a Itália viu aquela mesa na Oca, ainda em protótipo, falou que quem tinha desenhado aquela mesa iria com ele para a Itália, para fazer os móveis da embaixada do Brasil lá. Quando eu disse que tinha sido eu, ele falou: “Prepara o seu passaporte, que você vai comigo!” Em um mês fomos para lá e depois de 3 ou 4 meses estava terminada a reforma e fizeram a inauguração. Eu fiz os estudos todos mas a fábrica da Oca, que era a Taba, disse que eles não tinham condições de fazer porque estavam cheios de encomendas e para fazer aquilo tudo, além da execução, tem o transporte até o porto, depois tem o navio, a alfândega, etc., eles não davam conta. Então aquele Carlo Hauner disse que fazia. Ele já estava por lá, tinha feito no norte da Itália uma fábrica espetacular e semanas antes tinha me convidado para conhecer. Ele me contou sobre o jacarandá que vinha da Índia, que era excepcional, de cair o queixo. Sabendo que ele tinha jacarandá, perguntei se ele toparia fazer os móveis para a embaixada e ele topou. Fez o orçamento e assinou o contrato. Acharam o preço extremamente razoável e fizemos as embaixadas do Brasil em Roma e no Vaticano. Tudo feito lá. Daí um escandinavo que tinha uma loja no centro de Roma ficou entusiasmado com os móveis e pegou o lote que tinha sobrado e deixou expostos na loja dele. Isso foi em 1960. Em 1961 recebi uma carta pedindo para eu fazer um móvel para participar de um concurso lá. Eu inscrevi a poltrona Mole, que tinha praticamente acabado de ser feita, mas eles me mandaram um telegrama dizendo que a peça era muito bonita mas que infelizmente não podia ser apresentada porque não aceitavam inscrições de peças já conhecidas. Essa peça já era conhecida na Itália e eu não sabia! A palhinha, que não é brasileira, é indiana, ficou bastante ligada ao nosso móvel. Os Irmãos Campanas têm coisas interessantíssimas, por exemplo, uma poltrona de urso de pelúcia, muito gozada, para colocar em um canto. São designers criadores. Eu não sou crítico de arte, eu falo de coisas que me agradam, sobre o que é perfeito para mim. Não fui eu quem disse, foi um crítico de arte, que depois de mim nasceram uma porção de “oquinhas” e variações sobre a madeira. Fernando Mendes inclusive tem coisas diferentes, criadas por ele, mas a maneira de fazer a apresentação na madeira com os torneados com o tipo de madeira é um tipo de “oquinha”. Tem ainda o Arthur Casas que é bom, a Baba Vacaro, o Zanininho filho do Zanini Caldas, o Pedro Useche os móveis deles são excepcionais e a Lia Siqueira e a Claudia Moreira Salles são as mulheres que estão no primeiro escalão do design brasileiro. 224 Em 1993 eu, o Zanine e o Lúcio Costa fomos convidados para fazer umas palestras na Universidade no norte da Itália. O Lúcio não pôde ir, mas foi a filha dele, uma pessoa muito capaz, com grandes conhecimentos. Eram papos só de arquitetura, entre os arquitetos de lá e os arquitetos brasileiros que foram, uma coisa muito simpática. Nos Estados Unidos chamam de “vintage” a reedição de móveis que foram feitos antigamente, móveis reeditados que são valorizados. Em Nova Iorque tem uma exposição só com móveis meus antigos. Abriram uma loja de dois andares e o andar de baixo é todo meu. Tenho também meus móveis na Suíça e na Noruega.