PARCERIAS ESTRATÉGICAS
PARCERIAS ESTRATÉGICAS é uma publicação do Centro de Estudos Estratégicos do
Ministério da Ciência e Tecnologia
__________________________________________________________
ISSN 1413-9375
EDITOR:
Carlos Henrique Cardim
EDITORIA:
Eiiti Sato
Tatiana Carvalho Pires
EXPEDIENTE:
Administração e distribuição: Raimundo Aroldo Silva Queiroz
__________________________________________________________
Endereço para correspondência:
PARCERIAS ESTRATÉGICAS
Centro de Estudos Estratégicos - CEE
SPO Área 5, Quadra 3, Bloco A
70610-200 Brasília, DF
Tel: (061) 411-5148 Fax: (061) 411-5198
E-mail: [email protected]
URL: http://www.mct.gov.br/cee
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA
CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS (CEE)
CE E
Parcerias Estratégicas, no 1 (maio 1996)
Brasília : [Ministério da Ciência e Tecnologia.
Centro de Estudos Estratégicos] ,maio. 2000.
Periodicidade irregular.
1. Brasil - Política e governo. 2. Brasil - Planejamento estratégico. 3.
Política internacional. I. Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de
Estudos Estratégicos.
CDU 327 (05)
323 (81) (05)
Sumário
Política e Organização da Inovação Tecnológica
A universidade, a empresa e a pesquisa que o país precisa. Carlos Henrique
Brito Cruz ............................................................................................................ 5
Incubadoras de empresas e inovação tecnológica: o caso de Brasília. Luiz
Afonso Bermudez ............................................................................................... 31
A inovação tecnológica e a indústria nacional. Dante Alário Jr. & Nelson B.
de Oliveira .......................................................................................................... 45
As empresas de pesquisa sob contrato: um exemplo de integração pesquisa - indústria. Paulo César Siqueira ................................................................. 55
Instituições públicas de pesquisa e o setor empresarial: o papel da inovação e da propriedade intelectual. Simone Scholze & Cláudia Chamas ........ 85
As plataformas tecnológicas e a promoção de parcerias para a inovação.
Marileusa Chiarello ............................................................................................ 93
Tecnologia industrial básica como fator de competitividade. Reinaldo Dias
Ferraz de Souza ................................................................................................ 103
Gestão empresarial inovadora como questão estratégica. Carlos Artur
Krüger Passos ................................................................................................... 127
Ciência, Tecnologia & Sociedade
Inovação na era do conhecimento. Cristina Lemos ................................... 157
Internacional
Perspectivas da América Latina em ciência e tecnologia. Fábio S. Erber 181
As novas políticas de competitividade na OCDE: lições para o Brasil e a
ação do BNDES. Ana Cláudia Além .............................................................. 201
Sistemas de Inovação: políticas e perspectivas. José Eduardo Cassiolato &
Helena Maria Martins Lastres ......................................................................... 237
Documentos
Por que e como os governos apoiam atividades de pesquisa e desenvolvimento. Department of Finance and Revenue (Canadá)Department of Finance and
Revenue (Canadá) ............................................................................................ 257
A lei sobre inovação e pesquisa para promover a criação de empresas inovadoras de tecnologia. Ministère de l’Éducation Nationale, de la Recherche et
de la Technologie (França) ................................................................................ 295
Reflexão
O estabelecimento de prioridades num novo contexto sócio-econômico, a
visão de um industrialista. J.R. Rostrup-Nielsen ........................................ 301
Levantamento: a inovação na indústria. Nicholas Valéry ........................ 307
Memória
Einstein no Rio de Janeiro: impressões de viagem. Alfredo Tiomno
Tolmasquim ...................................................................................................... 313
Política e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
5
A Universidade, a Empresa e a
Pesquisa que o país precisa1
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
“A ciência está destinada a desempenhar um papel
cada vez mais preponderante na produção industrial.
E as nações que deixarem de entender essa lição hão
inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações
escravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água
para os povos mais esclarecidos” (Lord Rutherford,
citado no documento “Ciência e Pesquisa –
Contribuição de Homens do Laboratório e da Cátedra
à Magna Assembléia Constituinte de Sâo Paulo”, que
propôs a criação da Fapesp em 1947)2
O conhecimento, que sempre foi um dos principais insumos para a
geração de riqueza e bem estar social, passou a ser reconhecido como tal
a partir da revolução da informação trazida pela Internet. Alan
Greenspan, presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, tem
destacado que “os avanços tecnológicos dos últimos anos, que permitiram
às indústrias norte-americanas operar com maior produtividade,
contribuindo para a maior prosperidade já experimentada pelo
mundo”3 . David Landes, o autor de “A Riqueza e a Pobreza das Nações”,
destaca o valor do conhecimento mais contundentemente em entrevista
à Veja 4 , referindo-se à necessidade de um país ter criadores de
conhecimento para se desenvolver: “Se você não tiver cérebros, está
acabado”.
A capacidade de uma nação de gerar conhecimento e converter
conhecimento em riqueza e desenvolvimento social depende da ação de
alguns agentes institucionais geradores e aplicadores de conhecimento.
Os principais agentes que compõem um sistema nacional de geração e
apropriação de conhecimento são empresas, universidades e o governo.
Qual o papel que se deve esperar de cada um, e qual é o papel
Este artigo é uma versão atualizada e ampliada do artigo com mesmo título publicado na
Revista Humanidades, 45 pp.15-29 (UnB, 1999).
1
S. Motoyama, A.I. Hamburguer e M. Nagamini, “Para uma História da Fapesp – Marcos
Documentais”, p. 26(Fapesp, Sâo Paulo, 1999).
2
Notícia publicada em O Estado de Sâo Paulo em 9/9/99. O texto completo do discursos etá
em http://www.bog.frb.fed.us/boarddocs/speeches/1999/19990908.htm.
3
D. Landes, “A Ética da Riqueza”, Entrevista nas Páginas Amarelas, Veja, 22 de Março de
2000.
4
6
Carlos H. de Brito Cruz
desempenhado por eles no Brasil, são as perguntas para as quais tento,
neste artigo, contribuir respostas, mesmo que parciais.
No Brasil o debate em torno da importância das atividades de
pesquisa científica e tecnológica tem, historicamente, ficado restrito ao
ambiente acadêmico. Este fato, por si só, já é um indicador da principal
distorção que os dados abaixo evidenciam, qual seja: em nosso país a
quase totalidade da atividade de pesquisa e desenvolvimento ocorre em
ambiente acadêmico ou instituições governamentais. Ao focalizar-se a
atenção quase que exclusivamente no componente acadêmico do sistema,
deixa-se de lado aquele que é o componente capaz de transformar ciência
em riqueza, que é o setor empresarial. Recentemente iniciativas como as
da ANPEI (Associação Nacional para Pesquisa em Empresas), da
ANPROTEC e da CNI, através do Instituto Euvaldo Lodi, tem alargado
o horizonte da discussão incorporando progressivamente agentes ligados
ao setor empresarial.
Neste artigo analisamos alguns componentes do Sistema Brasileiro
de Ciência e Tecnologia, buscando determinar:
· a quantidade de pessoas efetivamente envolvidas em atividades de P&D
e a natureza das instituições onde estas pessoas desenvolvem suas
atividades de P&D, classificadas como universidades, institutos de
pesquisa e empresas e as conseqüências da distribuição de pessoal
existente;
co perfil de investimentos nacionais em P&D, de acordo com a natureza
da instituição que cobre o dispêndio;
· que papel deve-se esperar da universidade e da empresa na realização
do desenvolvimento tecnológico.
Para auxiliar a avaliação dos dados apresentados, apresentamos
sempre que possível comparações com dados internacionais, através das
quais podemos avaliar e aferir a situação relativa do Brasil em termos de
competitividade e inserção internacional.
QUANTOS CIENTISTAS E ENGENHEIROS HÁ NO BRASIL
Internacionalmente a categoria “cientistas e engenheiros” é usada
para descrever as pessoas que desenvolvem atividade de Pesquisa e
Desenvolvimento.
Para obter uma estimativa do número de cientistas e engenheiros
atuantes em P&D no Brasil determinamos o número de pessoas envolvidas
em cada instituição brasileira que realiza atividade de pesquisa científica
ou desenvolvimento tecnológico. Estas instituições são universidades ou
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
7
escolas de ensino superior, empresas ou então laboratórios ou institutos
de pesquisa governamentais, discriminadas na Tabela 1. Esta maneira
de fazer o levantamento de pessoal parte das informações institucionais,
e por isso acreditamos que possa ter um bom grau de confiabilidade.
Para a contagem nas instituições de ensino superior consideramos os
docentes em regime de Dedicação Exclusiva, ou em Dedicação Integral
à Docência e à Pesquisa, conforme reportado por S. Brisolla5 em estudo
realizado para o MCT em 1994. Este regime de trabalho pressupõe a
realização de projetos de pesquisa, e orientação de estudantes de pósgraduação. Para os Institutos de Pesquisa Governamentais a fonte dos
dados é um levantamento realizado pelo IBICT6 para os institutos
federais e estaduais, exceto para o Estado de São Paulo para o qual a
fonte foi um estudo recentemente feito pela Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Para
o caso das empresas os dados são os disponíveis no Relatório sobre a
Base de Dados da ANPEI para o ano de 19957.
Tabela 1. Instituições com atividades de pesquisa científica e
desenvolvimento tecnológico.
Ensino Superior
(893 instituições)
19
Universidades Estaduais
37
Universidades Federais
04
Universidades Municipais
46
Universidades Privadas
03
Federações Municipais
81
Fac. Integradas Privadas
20
Estab. Isolados Fedarais
63
Estab. Isolados Estaduais
81
Estab. Isolados Munic.
539
Institutos
de
Governamentais
Pesquisa
Federais
Estaduais
24 Institutos
31 Institutos
Centros
P&D
Estatais
48 Centros
de
P&D em Empresas
Privadas
651 empresas
estudadas pela
ANPEI (49,73%
do PIB
industrial)
Estab. Isolados Privados
OS CIENTISTAS E ENGENHEIROS QUE FAZEM P&D NO BRASIL
A Tabela 2 descreve a distribuição institucional dos C&E profissionais
(excluem-se estudantes de pós-graduação) observada no Brasil, e ao
mesmo tempo demonstra, para fins de referência, a mesma distribuição
nos Estados Unidos. Além dos 77.861 C&E contados na Tabela 2, há no
5
S.N. Brisolla et al., Indicadores Quantitativos de C&T no Brasil in Estudo Atual e Papel Futuro da
Ciência e Tecnologia no Brasil (coord. S. Schwartzmann), MCT (1994). Disponível no Web em:
http://www.mct.gov.br/mcthome/estudos/Html/EAPF.htm.
6
Sistema de C&T no Brasil, IBICT, MCT (1993).
7
Resultados da Base de Dados da ANPEI, 1995 estão em http://eu.ansp.br/~anpei/Link3.htm
8
Carlos H. de Brito Cruz
Brasil 62.613 são estudantes de pós-graduação, os quais efetivamente
não se dedicam em tempo integral à atividade de P&D por estarem ainda
em formação. O número total de profissionais ativos em P&D no Brasil
pode ser considerado muito pequeno quando comparado com os valores
de outros países, constituindo apenas 0,11% do total da Força de
Trabalho (FT) brasileira.
Tabela 2. Distribuição institucional dos C&E profissionais
no Brasil e nos Estados Unidos8 .
Brasil
Docentes em universidades
56.760
73%
128.000
13%
12.336
16%
70.200
7%
8.765
11%
764.500
79%
77.861
100%
962.700
100%
Universidades Federais
32.652
Universidades Estaduais
17.062
Universidades Privadas
Centros e Inst. de Pesquisa (sem lucro)
Centros de Pq. Empresas Privadas
Total
USA
7.046
A Figura 1 ilustra esta comparação internacional, onde vemos que
nos EUA e Japão quase 0,8% da FT atua em P&D. Na Coréia do Sul, um
dos nossos competidores por mercados de produtos de alta tecnologia,
0,4%, quase o quádruplo do que no Brasil.
Figura 1. Porcentagem da Força de Trabalho ativa em P&D,
Para países selecionados9 ,10 .
EUA
Japão
MÉDIA
França
Alemanha
Coréia do Sul
Itália
Espanha
Brasil
0,00%
0,20%
0,40%
0,60%
0,80%
Porcentagem da Força de Trabalho ativa em P&D
National Patterns of R&D Resources: 1996, NSF 96-333, Special Report (Table C-18)
8
Human Resources for Science and Technology: The European Region, NSF 96-316, Special
Report (Arlington, Va, 1996).
9
Human Resources for Science and Technology: The Asian Region, NSF 96-303, Special
Report (Washington, DC, 1993).
10
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
9
Na média dos países citados na Figura 1, o número de Cientistas e
Engenheiros (C&E) é 0,54% da FT, praticamente o quíntuplo do que se
observa no Brasil. A baixa quantidade de C&E no Brasil, destaca a
importância de se dar continuidade à ênfase nas políticas de formação
de C&E. Além desta deficiência na quantidade de cientistas e
engenheiros, é importante analisarmos a distribuição institucional destas
pessoas – onde trabalham os C&E brasileiros.
No Brasil 73% dos C&E trabalham para instituições de ensino
superior, como docentes em regime de dedicação exclusiva ou tempo
integral, enquanto que apenas 11% trabalham para empresas. Ao
contrário do que acontece no Brasil, nos Estados Unidos a enorme maioria
dos C&E trabalha para empresas, atingindo a espantosa cifra de 764.500
C&E industriais. A distribuição como a americana, com a maioria dos
C&E trabalhando na empresa é aquela que se verifica em todos os países
industrializados, com pequenas variações. A Figura 2 mostra um resumo
das distribuições institucionais dos C&E ativos em P&D, para vários
países, mais o Brasil, para referência.
Figura 2. Distribuição dos C&E ativos em P&D em vários países e no Brasil. O
destaque é para o predomínio da presença de C&E nas empresas, para todos
menos o Brasil.
100
Indústria
Realização de P&D
Governo
80
Univ. e outros
60
40
20
0
USA
Jap
Ger
Fra
UK
It
Can
Brasil
A baixa quantidade de C&E na empresa no Brasil acarreta uma
série de dificuldades ao desenvolvimento econômico brasileiro, como por
exemplo a baixa competitividade tecnológica da empresa brasileira e a
reduzida capacidade do país em transformar ciência em tecnologia e
em riqueza.
Pode ser argumentado que comparar o Brasil com estes países de
industrialização consolidada seria inadequado. Entretanto, mesmo na
10
Carlos H. de Brito Cruz
comparação com países de industrialização recente a situação brasileira
é extremamente desfavorável, como mostrado na Figura 3 em relação à
Coréia do Sul. Enquanto os coreanos tem quase 75.000 C&E gerando
inovação na empresa, no Brasil há menos de 9.000. Esta deficiência causa
profundos danos à capacidade de competir da empresa brasileira. É
preciso destacar que, ao contrário do que imagina o senso comum
predominante no Brasil, a inovação tecnológica é criada muito mais na
empresa do que na universidade. No Brasil tem havido ultimamente
uma tendência de se atribuir à universidade a responsabilidade pela
inovação que fará a empresa competitiva. Trata-se de um grave equívoco,
o qual, se levado a cabo poderá causar dano profundo ao sistema
universitário brasileiro, desviando-o de sua missão específica que é educar
profissionais e gerar conhecimentos fundamentais. Como mostrado
acima, em todo o mundo o lugar privilegiado da inovação é a empresa,
e isto tem razão de ser.
Figura 3. Distribuição dos C&E em P&D no Brasil (dados de 1996) e
na Coréia do Sul (dados de 1997)11 .
Cientistas e Engenheiros .
80.000
74.565
Universidades
Institutos
56.760
60.000
Empresas
48.588
40.000
20.000
15.186
12.336
8.765
0
Brasil
Coréia
PESQUISA NA UNIVERSIDADE E NA EMPRESA
Já em 1776 Adam Smith observava que as principais fontes de
inovação e aprimoramento tecnológico eram “os homens que trabalhavam
com as máquinas e que descobriam maneiras engenhosas de melhorá-las, bem
como os fabricantes de máquinas, que desenvolviam melhoramentos em seus
produtos”12 . Desde então o mundo mudou muito, mas vejamos o que
nos diz o Vice-Presidente de Pesquisa da DuPont, Joseph Miller, (quantas
Home Page do Ministério da Ciência e Tecnologia da Coréia, em http://134.75.163.2/policye4.html
Adam Smith, “A Riqueza das Nações”, (1776).
11
12
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
11
empresas no Brasil tem um Vice-Presidente de Pesquisa?): “.. a DuPont
investe mais de um bilhão de dólares por ano em pesquisa e desenvolvimento
e emprega mais de 3.000 engenheiros e cientistas e 2.000 técnicos de suporte.
Dois terços deles trabalham em nossa Estação Experimental em Willmington,
Delaware. Este é o local de quase todas as nossas principais descobertas. Este
incrível registro de realizações é um tributo à vontade política da companhia
de apoiar um empreendimento que é inerentemente imprevisível e
inevitavelmente de alto risco”13 . O investimento da DuPont em Pesquisa e
Desenvolvimento corresponde a 3% do faturamento (faturamento
mesmo, e não lucro líquido) da companhia.
Edwin Mansfield, da Universidade da Pensilvânia realizou um
estudo sobre as fontes de idéias para inovação tecnológica14 . Verificou
que menos de 10% dos novos produtos ou processos introduzidos por
empresas nos Estados Unidos tiveram contribuição essencial e imediata
de pesquisas acadêmicas. Portanto 9 em cada 10 inovações nasce na
empresa. Diz ele: “.. a maioria dos novos produtos ou processos que não
poderiam ter sido desenvolvidos sem o apoio de pesquisa acadêmica não foram
inventados em universidades; ao contrário, a pesquisa acadêmica forneceu novas
descobertas teóricas ou empíricas e novos tipos de instrumentação que foram
usados no desenvolvimento, mas nunca a invenção específica ela mesma. Isto
dificilmente vai mudar. O desenvolvimento bem sucedido de produtos ou
processos exige um conhecimento íntimo de detalhes de mercado e técnicas de
produção, bem como a habilidade para reconhecer e pesar riscos técnicos e
comerciais que só vem com a experiência direta na empresa. Universidades
não tem esta expertise e é irrealista esperar que possam obtê-la”15 .
O entendimento de que a pesquisa aplicada e o desenvolvimento
necessários à criação de inovação tecnológica e competitividade deve
ocorrer na empresa é um conceito ainda incipiente no Brasil. Acontece
que, como a quase totalidade da atividade de pesquisa que ocorre no
Brasil se dá em ambiente acadêmico, o senso comum tende à conclusão
de que seria normal apenas universidades fazerem Pesquisa e
Desenvolvimento. Ao mesmo tempo este equívoco tende a desviar as
universidades da tarefa que só elas podem fazer, que é educar os
profissionais que farão tecnologia na empresa, se esta lhes der uma chance
para isto.
J. Miller, “Upset the natural equilibrium”, in Innovation – breaktrough thinking at 3M, DuPont,
GE, Pfizer and Rubbermaid, ed. Rosabeth Kanter, J. Kao e F. Wiersema (Harper Business,
New Yoprk (1997).
14
E. Mansfield, “Contributions of new technology to the economy”, in Technology, R&D and
the Economy, ed. Bruce Smith e Claude Barfield. P. 125 (The Brookings Institutions, Washington, DC (1996).
15
E. Mansfield, “Contributions of new technology to the economy”, in Technology, R&D and
the Economy, ed. Bruce Smith e Claude Barfield, p. 132 (The Brookings Institutions, Washington, DC (1996).
13
12
Carlos H. de Brito Cruz
Muita ênfase tem sido posta no Brasil na questão da interação
universidade – empresa, como um deus ex-machina, que viria a sanar as
deficiências tecnológicas da empresa. Além disto, mitificou-se esta
interação como sendo uma fonte de recursos para as universidades, em
substituição aos recursos do governo, invocando-se a “experiência de
universidades americanas”. Os dados mostrados na Tabela 3 desafiam
estes dois conceitos que fazem parte dos mitos e lendas brasileiros sobre
C&T.
Observa-se nesta tabela que dos 21 bilhões de dólares contratados
para pesquisa em todas as universidades americanas em 1994, 1,4 bilhões,
ou seja, menos do que 7% foram provenientes de contratos com empresas.
O MIT, que é uma das instituições campeãs de interação com empresas,
captou 15% de seu orçamento de pesquisa através de contratos deste
tipo. Do outro lado, estes 1,4 bilhões contratados por empresas com
universidades, são menos de 1,4% dos quase 100 bilhões investidos em
P&D nas empresas nos Estados Unidos naquele ano. Este pequeno
percentual confirma que a pesquisa de que a empresa precisa é feita na
empresa, por seus próprios cientistas e engenheiros.
Tabela 3. Valor dos contratos de pesquisa de universidades americanas em 1994, e
valor contratado com empresas (Fonte: Science and Engineering Indicators, 1996).
Total das universidades americanas
Johns Hopkins University
University of Michigan
University of Wisconsin, Madison
Massachussets Institute of Technology (MIT)
Texas A&M University
University of Washington
University of Califirnia, San Diego
Stanford University
University of Minnesotta
Cornell University
University of California, Berkeley
Harvard University
Columbia University
California Technology Institute (CalTech)
University of New Mexico
Investimento
total
(US$ milhões)
21.081
784
431
393
364
356
344
332
319
318
313
290
279
236
128
90
Investimento
pela indústria
(US$ milhões)
1.430
10
27
14
56
29
33
10
15
24
17
13
10
2
5
4
% investida
pela
indústria
6,8%
1,3%
6,2%
3,5%
15,3%
8,0%
9,7%
3,0%
4,6%
7,5%
5,5%
4,3%
3,4%
0,7%
3,9%
4,5%
O pequeno percentual de financiamento obtido da indústria pela
universidade americana parece estar relacionado com as diferenças
institucionais intrínsecas à natureza da universidade e da empresa.
Enquanto a missão fundamental da empresa na sociedade é a
produção e a geração direta de riqueza, a missão fundamental e singular
da universidade é formar pessoal qualificado. Um projeto de pesquisa
só será adequado a esta missão quando ele contribuir ao treinamento de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
13
estudantes, o que restringe o número de projetos que sejam atraentes
por parte das universidades. E. Mansfield destaca16 : “Como vários líderes
de indústria tem enfatizado repetidamente, um dos principais papéis
da universidade no processo de mudança tecnológica é o de prover
estudantes bem preparados”. Um destes líderes de empresa, ex-pró-reitor
de pesquisa da Universidade de Stanford e cientista de renome na área
de lasers e óptica não linear, ao ser questionado sobre o papel da
Universidade de Stanford no sucesso do Silicon Valley afirmou17 : “O
mito é que a tecnologia de Stanford foi o que criou o sucesso do Silicon
Valley. Entretanto um levantamento cobrindo 3.000 pequenas empresas
encontrou apenas 20 companhias que usaram tecnologia vinda, direta
ou indiretamente, de Stanford. O que Stanford contribuiu para o Silicon
Valley foram estudantes talentosos e muito bem educados.”
Outras diferenças importantes e naturais entre o ambiente
acadêmico e a empresa são:
· realizar um projeto treinando estudantes muda completamente a escala
de tempo de conclusão do projeto. Por outro lado a rapidez de conclusão
é uma variável essencial do ponto de vista empresarial;
· o sigilo é essencial num projeto empresarial, enquanto que num projeto
acadêmico o livre debate dos resultados é, e precisa ser, a norma;
· a motivação para a busca do conhecimento na universidade é muito
mais desinteressada do que na empresa. Por isso a Pesquisa Fundamental
acontece mais freqüentemente no ambiente acadêmico, enquanto que a
Pesquisa Aplicada e o Desenvolvimento Tecnológico ocorrem mais
freqüentemente na empresa.
Ainda assim deve-se notar que a interação universidade-empresa é
importante para a universidade na medida em que contribui para a
melhor formação dos estudantes, e isto é razão suficiente para buscar
sua intensificação. Do outro lado, esta interação pode contribuir para
levar a cultura de valorização do conhecimento para a empresa. Mas é
essencial evitar a ilusão de que esta interação será a solução para os
problemas de financiamento da universidade e de tecnologia da empresa.
A verdade é que o principal mecanismo para a interação entre a
universidade e a empresa é a contratação dos profissionais formados
nas universidades pelas empresas.
16
E. Mansfield, “Contributions of new technology to the economy”, in Technology, R&D and
the Economy, ed. Bruce Smith e Claude Barfield, p. 132 (The Brookings Institutions, Washington, DC (1996)
17
Photonics Spectra, p. 24-25,April 1999
14
Carlos H. de Brito Cruz
Mesmo que os dados acima indiquem limitações intrínsecas na
intensidade da contratação de projetos de pesquisa empresariais por
universidades, é preciso destacar que há várias outras modalidades de
interação que podem e precisam ser mais exploradas no Brasil. Tem
especial relevância as atividades de consultoria, nas quais o professor
(ou a universidade) vende parte de seu tempo à empresa, freqüentemente
realizando as atividades na própria empresa. Mesmo que muitas
universidades brasileiras tenham provisões legais para este tipo de
atividade, ela não tem sido muito intensa, tanto porque a cultura
acadêmica muitas vezes impõe obstáculos tanto porque a demanda pela
empresa tem sido reduzida. É claro que a atividade de consultoria só
pode fazer sentido para a empresa quando esta tiver suas atividades de
P&D e necessitar de complementação ou conhecimentos específicos –
quando não existe P&D na empresa a consultoria tende a ser inefetiva.
A CIÊNCIA BRASILEIRA AVANÇA MAS A COMPETITIVIDADE NÃO
Um resultado da distorção na distribuição institucional de C&E no
Brasil é que ao passo que a ciência feita no Brasil tem ocupado
progressivamente mais espaço no panorama mundial, a competitividade
da empresa e sua capacidade de gerar riqueza não tem avançado da
mesma maneira. O avanço da ciência brasileira já foi bem documentado
no livro de Leopoldo de Meis e Jaqueline Lehta18 .
Figura 4. Número de publicações em revistas do Science Citation Index, cujo
endereço institucional é no Brasil, Coréia, Argentina ou México.
Figura 5. Número de patentes registradas anualmente nos Estados Unidos e
Artigos publicados (Sci. Cit. Index)
9.000
8.000
7.000
Brasil
Coréia
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
18
L. De Meis e J. Lehta, “O perfil da ciência brasileira” (Editora da UFRJ, 1996).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
15
1600
10,000
B ras il: patentes nos E UA
Coréia: patentes nos E UA
7,500
Coréia: inves t. P & D em pres as
95
94
93
92
91
90
89
88
87
86
96
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
85
0,000
84
0
83
2,500
82
400
81
5,000
80
800
19
P atent es nos E U A
B ras il: inves t. P & D em pres as
1200
Investim. P . empr esas (U S $ bilhões)
dispêndio empresarial em P&D para Brasil e Coréia do Sul19
A Figura 4 ilustra este avanço, usando dados obtidos no Science
Citation Index em CD-Rom, da Biblioteca do Instituto de Física da
Unicamp, corroborando os dados de De Meis e Lehta.
Observa-se claramente o efeito da política brasileira de formação
de recursos humanos para C&T, e da colocação destas pessoas
principalmente em universidades: o número de publicações cresceu de
um patamar histórico em torno de 2.000 por ano na década de 80, para
quase 7.000 trabalhos publicados em 1998, valor muito superior ao dos
vizinhos latino americanos. Outro ponto a ser notado na Figura 4 é o
excepcional crescimento da produção científica da Coréia do Sul,
chegando a suplantar o Brasil em 1996. É notável que mesmo que naquele
país a maior parte dos C&E trabalhem para empresas, a produção
científica em revistas indexadas tenha experimentado crescimento
intenso.
Na produção de inovação tecnológica a história já é bem outra.
Uma maneira internacionalmente reconhecida para se medir a
intensidade da inovação, é a contagem do número de patentes registradas
em mercados competitivos. A Figura 5 mostra o número de patentes
com origem no Brasil e na Coréia do Sul, registradas nos Estados Unidos
ano a ano, desde 1980. No início da década de 80, os dois países
Fontes: para as patentes, Science and Engineering Indicators, 1996; para os dispêndios
brasileiros, S.N. Brisolla et. Al., “Indicadores quantitativos de C&T no Brasil” in Estado
atual e Papel Futuro da C&T no Brasil, org. S. Schwartzmann, (1994) – disponível em http:/
/www.mct.gov.br/mcthome/estudos/Html/EAPF.htm ; para os dispêndios coreanos:
Human Resources for Science and Technology: The Asian Region, NSF 96-303, Special
Report (Washington, DC, 1993).
19
16
Carlos H. de Brito Cruz
registravam perto de uma dezena de patentes anualmente nos Estados
Unidos. A partir de 1985 o crescimento do número de patentes coreano
cresce exponencialmente, de maneira fortemente correlacionada com o
investimento empresarial em P&D, também mostrado na mesma figura.
Sendo a maior parte do investimento em P&D a parcela correspondente
ao pagamento de salários dos C&E, a curva crescente de investimento
empresarial em P&D descreve o aumento no número de C&E
trabalhando para empresas na Coréia do Sul. É fácil imaginar que mais
pesquisadores terão mais idéias e portanto gerarão mais patentes. Por
outro lado, as curvas correspondentes ao Brasil demonstram como o
reduzido número de C&E empresariais resulta num pequeno número
de patentes.
Na Figura 5 é notável a correlação entre o número de patentes e o
dispêndio em P&D pela empresa em ambos os países. Uma visão mais
geral é mostrada na Figura 6 onde se mostra o número de patentes
registradas nos EUA em função do investimento anual em P&D realizado
pelas empresas para uma coleção de 24 países. A curva de tendência é
bem nítida, e observa-se que o caso brasileiro se afasta da tendência
para menos, sendo que o Brasil registra quase 3 vezes menos patentes
do que seria de se esperar para o investimento reportado pelas empresas.
Figura 6. Número de patentes registradas nos EUA em função do investimento em
P&D realizado pelas empresas em cada país (Fontes: número de patentes: Patent
counts by country, USPTO, Aug. 1997; Investimento empresarial em P&D:
referências 8 e 9).
100.000
EUA
Japão
Alemanha
Patentes registradas nos EUA
10.000
França
Suíssa
Itália
Taiwan Holanda
1.000
Austria
Finlândia
Dinamarca
Bélgica
Irlanda
Grécia
10
Coréia
Espanha
Noruega
100
UK
Suécia
China
Brasil
Singapura
Portugal
India
1
10
100
1.000
10.000
100.000
Investimento pela indústria (Milhões de dólares PPP de 1987)
Patentes são um produto típico do ambiente de P&D empresarial, e
não do ambiente acadêmico. Em 1994, das 53.236 patentes registradas
nos EUA, 1.604 foram originadas em universidades – 3% do total. A
Figura 7 mostra o número de patentes que universidades americanas
registram anualmente. O pico da curva mostra que 25 universidades
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
17
registraram entre 20 e 30 patentes no ano em questão. Apenas 6
universidades registraram mais de 100 patentes. Mesmo que as
universidades busquem ampliar seus registros de propriedade intelectual,
ainda assim a natureza da instituição universitária exige a abertura e
ampla divulgação dos resultados. Estas 6 universidades americanas que
registram 100 ou mais patentes publicam anualmente milhares de artigos
científicos divulgando seus resultados.
30
Figura 7. Histograma do número de patentes registradas
no ano de 1994 por universidades nos EUA.
1 0 0 ,%
9 0 ,%
25
8 0 ,%
N ú m e r o d e U n iv e r s id a
F re q u e n c y
C u m u l a t i ve %
7 0 ,%
20
6 0 ,%
15
5 0 ,%
4 0 ,%
10
3 0 ,%
2 0 ,%
5
1 0 ,%
0
,%
0
2
5
10
20
40
100
200
M o re
N ú m e r o d e P a te n te s
A Figura 8 resume o quadro geral da produção de Ciência e de
Tecnologia segundo os dois indicadores usados aqui. O Brasil aparece
no mapa da ciência mundial, mas é quase inexistente no mapa da
tecnologia mundial – resultado direto do pequeno número de C&E ativos
em P&D nas empresas.
Figura 8. Participação mundial em artigos publicados em revistas do Science
Citation Index e patentes registradas nos Estados Unidos.
% dos Artigos ou Patentes nos EUA .
8%
% dos artigos publicados
% patentes reg. nos EUA
6%
4%
2%
0%
Brasil
UK
Alem.
França
Itália
Israel
Coréia
18
Carlos H. de Brito Cruz
O INVESTIMENTO EM P&D NO BRASIL – FINANCIADORES
E EXECUTORES
O primeiro cuidado neste ponto é o de identificar corretamente o
investimento em P&D, o qual é diferente do investimento em C&T,
tradicionalmente divulgado no Brasil. Os manuais editados pela OCDE20
tratam de estabelecer as definições das categorias de interesse
relacionadas às estatísticas sobre insumos e resultados em Ciência e
Tecnologia (C&T) e também em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Para
se estabelecer referências internacionais adequadas, é essencial cuidar
da compatibilidade das definições das categorias que estão sendo
medidas.
A categoria C&T é definida de maneira bem mais ampla do que a
categoria P&D – na verdade a categoria C&T compreende completamente
a categoria P&D, mas a excede. Simplificadamente, podemos atribuir à
categoria P&D as atividades criativas relativas à C&T: o investimento
para criar conhecimento e tecnologia pertence à categoria P&D e também
à categoria C&T, enquanto que o investimento para comprar tecnologia
pronta pertence à categoria C&T mas não à categoria P&D. Muita
confusão tem sido feita no Brasil entre estas duas categorias e
freqüentemente tem sido comparados dados relativos à C&T brasileiros
com dados relativos a P&D de outros países. Somente recentemente o
Ministério da Ciência e Tecnologia passou a divulgar os dados de
investimento em P&D brasileiros21
Além do cuidado com as categorias, o levantamento dos indicadores
relativos a investimentos nacionais em P&D deve buscar a identificação
das fontes e dos executores do investimento. É fácil entender que em
geral, governos são fortes investidores, mas fracos executores, a execução
dos recursos investidos pelos governos ocorrendo freqüentemente por
universidades e empresas. O mapeamento correto destas funções é
essencial quando se pretende conhecer em detalhe um sistema nacional
de C&T e também quando se realizam comparações internacionais.
Como ilustração mostramos na Tabela 4 os dados sobre setor financiador
e setor executor para o caso dos Estados Unidos.
Um demonstrativo como a Tabela 4 permite aprender vários fatos
interessantes sobre o Sistema de C&T norte-americano:
cDo valor total empregado para P&D nos Estados Unidos, 36,3% são
recursos provenientes do governo federal e 51,9% de empresas.
20
Medición de las Actividades Científicas e Tecnológicas - Manual de Frascatti, OCDE (1993).
21
Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia, 1990-1996, MCT, 1998.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
19
Tabela 4. Fontes financiadoras e Executores de recursos de C&T nos Estados
Unidos em 1993 (Fonte: Science and Engineering Indicators, National Science
Board, Washington, DC, 1996).
o
Financiado por
Valor financiado
Governo
Empresas
Universidades
Outros
Governo
60.224
16.556
22.813
17.255
3.600
Empresas Universidades
86.052
5.111
0
0
83.928
0
1.374
5.111
750
0
Outros
2.869
0
0
1.469
1.400
Exterior
11.593
0
11.593
0
0
Total
165.849
16.556
118.334
25.209
5.750
Valores em milhões de dólares de 1995
· Do valor financiado pelo governo, 37,9% se destina à execução em
empresas e 28,7% a universidades. O valor financiado pelo governo para
execução em empresas refere-se principalmente à compra de
desenvolvimento tecnológico pelo governo americano. Este tipo de
compra se constitui num importante subsídio ao desenvolvimento
tecnológico na empresa nos Estados Unidos.
· Do valor financiado pelas empresas, 97,5% é executado pelas próprias
empresas e 1,6% por universidades. Estes percentuais são especialmente
importantes, pois indicam claramente que a pesquisa de interesse da
empresa é realizada na própria empresa e não por contrato com
universidades ou centros de pesquisa.
· Do valor executado por empresas, 70,9% provém de recursos próprios,
19,3% de recursos financiados pelo governo e 9,8% de recursos captados
no exterior. Portanto, mesmo que haja recursos do governo financiando
a pesquisa em empresas, a maior parte dos recursos para isto provém da
própria empresa.
· Dos recursos executados por universidades, 68,4% provém do governo
federal e 20,3% das próprias universidades (em vários casos de
universidades estaduais, recursos estaduais). Apenas 5,5% (neste ano
de 1993) foram provenientes de empresas.
Em 1998 pela primeira vez o governo brasileiro publicou um
demonstrativo de executores e financiadores de P&D22 . Estes dados,
levantados pela equipe de indicadores do CNPq, permitem conhecer a
maior parte do demonstrativo de financiadores e executores, análogo
àquele demonstrado na Tabela 4 para o caso dos EUA. Os dados relativos
ao ano de 1996 para os dispêndios na categoria P&D (e não C&T) são
mostrados na Tabela 5.
22
Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia, 1990-1996, MCT, 1998.
20
Carlos H. de Brito Cruz
Tabela 5. Fontes Financiadoras e Executores de recursos de P&D no Brasil em 1996
(Fonte: Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia, 1990-1996, MCT, 1998).
Financiado por
Valor financiado
Governo
Executado Empresas
por
Universidades
Outros
Governo
3.166,75
722,67
481,33
1.962,75
n.d.
Empresas Universidades
1.874,30
151,55
1.874,30
151,55
n.d
n.d
Outros
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
Exterior
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
Total
5.192,59
722,67
2.355,63
2.114,29
n.d.
Valores em US$ milhões de 1995
Na Tabela 5 destacamos:
· Valor total financiado pelo governo: 3,166,75 milhões de dólares
constantes de 1995. Inclui-se aqui a soma dos recursos federais e estaduais
(fap´s, institutos de pesquisa, ..), sempre para a categoria P&D (da mesma
fonte se obtém que o valor total financiado para C&T pelo governo foi
de 5.753,66 milhões de dólares constantes de 1995).
· Do valor financiado pelo governo, 15% foi executado por empresas,
23% foi executado por órgãos do governo e 62% por universidades. Estes
15% correspondem exclusivamente à renúncia fiscal, indicando que o
governo brasileiro não é um comprador de desenvolvimento tecnológico
como ocorre com o governo dos Estados Unidos (v. Tabela 4).
· Valor executado por empresas: foi, em 1996, 2.355,63 milhões de dólares
de 1995, sendo 80% financiado com recursos próprios e 20% com
financiado pelo governo via renúncia fiscal. (Deve-se destacar aqui que
há muita dúvida quanto à validade e precisão deste dado, até porque os
sistemas para sua determinação ainda são bastante precários.)
· Valor executado por universidades: o valor de 2.114,29 milhões de
dólares de 1995, corresponde à soma dos recursos para o pagamento de
adicional de tempo integral aos docentes universitários, supondo-se que
este adicional implique a atuação do docente em P&D, mais os recursos
captados através de contratos de pesquisa estabelecidos com agências
governamentais ou entidades privadas. Esta metodologia é a
recomendada pela OECD no Manual Frascatti23, e pela primeira vez
está sendo adotada pelo MCT na determinação destes indicadores. Nesta
linha o levantamento certamente demonstra deficiência, visto que a célula
correspondente a valores financiados por empresas para realização em
universidades não deveria ser nula já que, mesmo que no Brasil não
haja uma intensa contratação de projetos de P&D por empresas em
universidades, este valor não é certamente nulo. Em universidades como
a Unicamp e a USP o percentual contratado com empresas pode chegar
a 4% dos contratos de pesquisa. Se o percentual financiado por empresas
para ser executado por universidades fosse igual àquele praticado nos
23
Vide referência 19.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
21
EUA (1,6% do total financiado pelas empresas, v. Tabela 4 e comentários
que a seguem) os contratos com universidades chegariam a 30 milhões.
· O levantamento não inclui valores eventualmente captados do exterior.
1QUANDO A EMPRESA TEM SEUS CIENTISTAS E ENGENHEIROS E INVESTE EM
P&D
É importante mencionarmos alguns exemplos que ilustram que
quando a empresa tem uma política de valorizar as atividades de P&D,
contratando seus próprios C&E, há ganhos a serem obtidos. Há vários
destes casos no Brasil – basta lembrar a tecnologia da Petrobrás em
extração de petróleo em águas profundas, as empresas de base tecnológica
em São Carlos e Campinas, nascidas em torno e das universidades ali
existentes, várias empresas do setor de alimentos, e muitas outras que
incorporam conhecimento diariamente a seus produtos e processos. Três
exemplos com informações mais específicas são ilustrativos.
Figura 9. Custo por terminal telefônico instalado pelas empresas do Sistema
Telebrás antes e após o licenciamento da tecnologia Trópico,
desenvolvida pelo CPqD.
O primeiro exemplo é o do antigo Centro de Pesquisas e
Desenvolvimento da Telebrás, hoje Fundação CPqD. Ali se desenvolvem
produtos e processos relacionados aos objetivos da companhia, desde
Custo por Terminal (US$)
1200
1000
800
600
400
200
D
ez
/8
A 7
br
/
A 88
go
/8
D 8
ez
/8
A 8
br
/
A 89
go
/8
D 9
ez
/8
A 9
br
/
A 90
go
/9
D 0
ez
/9
A 0
br
/9
A 1
go
/9
D 1
ez
/9
A 1
br
/
A 92
go
/9
D 2
ez
/9
A 2
br
/
A 93
go
/9
D 3
ez
/9
3
0
fibras ópticas e antenas até software para tarifação e gerenciamento de
sistemas telefônicos. Um dos projetos mais bem sucedidos e de impacto
facilmente mensurável vem sendo a Central Telefônica Trópico,
desenvolvida por engenheiros formados principalmente pela Escola
Politécnica da USP, pela Unicamp e pelo ITA. Trata-se de uma central
telefônica de processamento armazenado (CPA) muito moderna e capaz
de vencer em concorrências competidores internacionais tradicionais
22
Carlos H. de Brito Cruz
deste mercado, como Ericsson, NEC, Philips e outros. A Telebrás não é
um fabricante de equipamentos, portanto licenciou a fabricação da
Trópico a empresas no Brasil (Promon e Alcatel, por exemplo). Este
licenciamento começou em Julho de 1990. A Figura 9 mostra o que
aconteceu com o custo de cada terminal telefônico instalado pelas
empresas do Sistema Telebrás (Telesp, Telerj, …) após o licenciamento. A
economia em cada terminal chega a 1.000 dólares. Anualmente são
instalados no Brasil mais de 700.000 terminais – portanto um projeto do
CPqD, feito por engenheiros bem educados em nossas universidades
economiza para as operadoras de telecomunicações no Brasil mais de
700 milhões de dólares por ano, mais do que dez vezes mais do que o
custo anual de todo o CPqD.
O segundo exemplo é o avião a jato EMB145, desenvolvido pela
Embraer, em Sâo José dos Campos. Trata-se de um avião a jato para 50
passageiros, destinado ao promissor mercado de vôos regionais24 .
Lançado no início de 1997 tornou-se imediatamente um sucesso de
vendas – dezenas de unidades vendidas para empresas em todo o mundo,
mais centenas em opções para compra futura. Engenheiros bem formados
pelo ITA, trabalhando numa empresa que valoriza P&D, gerando riqueza
para o país e para a empresa.
Figura 10. Jato regional EMB145 desenvolvido e fabricado pela Embraer.
O terceiro exemplo é o da tecnologia de fabricação de fibras ópticas.
Este envolve a participação da universidade, pois o projeto nasceu na
Unicamp, através de um convênio estabelecido em 1974 coma Telebrás.
Veja, 19 de Março de 1997 e A. Pascual, “Dogfight at the Gates”, Time Magazine, p. 28,
November 17, 1997.
24
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
23
Este projeto foi descrito por Krieger e Galembeck como “um dos poucos e
talvez o melhor exemplo de programa de P&D bem sucedido, no País”25 .
Iniciado na universidade, passou para um centro de pesquisa de empresa
estatal e depois a tecnologia foi licenciada para empresas privadas que
passaram a cuidar dos futuros desenvolvimentos.
A peculiaridade importante aqui foi que a transferência de
tecnologia se deu com a transferência de pessoas. Hoje, altos dirigentes
da ABC Xtal, a primeira empresa a fabricar fibras ópticas no Brasil, são
pesquisadores que lideraram o projeto na Unicamp nos anos setenta,
como professores universitários. Além destes, técnicos e alunos formados
migraram da universidade para a empresa, num processo enriquecedor
para ambas as instituições (mesmo que na época houvesse sempre a voz
dos arautos do “desastre engendrado pelo esvaziamento da
universidade”). Hoje a ABC Xtal e outras empresas continuam fabricando
fibras ópticas e desenvolvendo seus produtos e processos, e para isto,
empregando egressos de nossas universidades.
Figura 11. Uma das características técnicas das fibras ópticas fabricadas pela
ABCXtal, mostrando como o esforço contínuo de desenvolvimento da tecnologia
levou a empresa a um patamar competitivo.
A Figura 11 mostra como uma característica técnica
importantíssima, a atenuação da fibra, evoluiu desde 1987, quando a
ABC começou a produzir fibras até hoje. Pode-se ver que a produção da
ATENUAÇÃO dB /km
1,3
Média da Produção XTAL
1,1
0,9
Máx. e Min. do
Mercado
0,7
0,5
0,3
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
ANO
ABC chegou a um patamar bastante competitivo como resultado de um
esforço continuado de P&D. Da mesma maneira, a Figura 12 mostra
25
E. Krieger e F. Galembeck, “Sintese setorial: Capacitação para as Atividades de Pesquisa e
Desenvolvimento Científico e Tecnológico”, in Estado Atual e Papel Futuro da Ciência e Tecnologia
no Brasil (EAPF), org. S. Schwartzmann (MCT, 1994) – disponível em http://
www.mct.gov.br/mcthome/estudos/Html/EAPF.htm
24
Carlos H. de Brito Cruz
como o preço de venda da fibra fabricada foi reduzido até chegar a um
valor competitivo.
Figura 12. Preço da fibra fabricada pela ABCXtal em comparação com o preço
internacionalmente praticado, e curva da evolução da produção de fibra pela ABC.
OS PROGRAMAS DA FAPESP PARA O INCENTIVO À PESQUISA NA
EMPRESA
400
PREÇO US$/m
0,7
XTAL
350
0,6
300
0,5
250
0,4
200
0,3
150
INTERNACIONAL
0,2
100
0,1
50
0
1984
1986
1988
1990
ANO
1992
1994
1996
PRODUÇÃO kKm/ano
450
0,8
0
1998
Desde 1995, em São Paulo, a FAPESP vem se preocupando em criar
mecanismos para intensificar a disseminação do conhecimento,
tornando- o mais acessível a empresas e, mais recentemente, à
administração pública. Dois programas foram criados voltados à área
empresarial: o Programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)
e o Programa de Inovação Tecnológica na Pequena Empresa (PIPE).
PROGRAMA DE PARCERIAS PARA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA26
O primeiro programa instituído pela FAPESP na direção de facilitar
a disseminação do conhecimento gerado em universidades e institutos
de pesquisa foi o Programa de Parceria para Inovação Tecnológica. O
PITE apoia projetos de pesquisa para o desenvolvimento de novos
produtos com alto conteúdo tecnológico ou novos processos produtivos,
propostos conjuntamente por uma empresa de qualquer porte e uma
instituição de pesquisa do Estado de São Paulo. A FAPESP financia a
parte do projeto a cargo da instituição universitária ou de pesquisa,
enquanto a empresa parceira deve oferecer uma contrapartida financeira
para custear a parte da pesquisa que lhe cabe desenvolver. Três
modalidades de parceria são consideradas.
MODALIDADE 1: Projeto conjunto, proposto por pesquisador ou
grupo de pesquisadores ligados a Universidades/Instituições de Pesquisa
Para mais detalhes sobre o programa, consulte a Home Page da FAPESP em http://
www.fapesp.br .
26
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
25
e Desenvolvimento em parceria com empresa ou grupo de empresas,
visando a desenvolver inovação cuja fase exploratória esteja praticamente
completada. Enquadram-se nesta modalidade os projetos cuja fase
exploratória já foi completada pelo pesquisador ou pelo grupo de
pesquisadores com recursos próprios ou de agências de fomento. Os
investimentos adicionais no desenvolvimento da inovação devem ser
justificados por meio de uma análise preliminar de custo-benefício, que
será considerada como um elemento de priorização. A FAPESP financiará
até 20% do custo do Projeto, devendo a(s) empresa(s) envolvida(s)
aportar(em) o restante dos recursos.
MODALIDADE 2: Projeto conjunto, proposto por pesquisador ou
grupo de pesquisadores ligados a Universidades/Instituições de Pesquisa
e Desenvolvimento em parceria com empresa ou grupo de empresas,
visando a desenvolver inovação associada a baixos riscos tecnológicos e
de comercialização. Enquadram-se nesta modalidade tipicamente os
projetos de inovação incremental, forçada pelo mercado, envolvendo
normalmente as etapas de exploração e de certificação. Como elemento
de priorização, será considerada a demonstração dos benefícios sócioeconômicos que o êxito do Projeto terá sobre o setor de produção ou de
serviços em que está inserido. A FAPESP financiará até 50% do custo do
Projeto, devendo a(s) empresa(s) envolvida(s) aportar(em) o restante dos
recursos.
MODALIDADE 3: Projeto conjunto, proposto por pesquisador ou
grupo de pesquisadores ligados a Universidades/Instituições de Pesquisa
e Desenvolvimento em parceria com empresa ou grupo de empresas,
visando a desenvolver inovação associada a altos riscos tecnológicos e
baixos riscos de comercialização, mas com alto poder “fertilizante ou
germinativo”. Enquadram-se nesta modalidade os Projetos tipicamente
de caráter revolucionário, cuja inovação resultante poderá causar um
impacto significativo em todo um setor de atividades. Podem ser
enquadrados nesta modalidade também Projetos de inovação
incremental quando a empresa envolvida for de médio ou pequeno porte
e quando da inovação resultar uma significativa contribuição sócioeconômica para o País. A FAPESP financiará até 70% do custo do Projeto,
devendo a(s) empresa(s) envolvida(s) aportar(em) o restante dos recursos.
Desde a sua implantação, já foram aprovados 48 projetos. É
importante destacar que para este programa a FAPESP desenvolveu toda
uma nova série de critérios de análise, voltada à natureza específica
destes projetos, nos quais a relevância tecnológica, a aplicabilidade e o
interesse da empresa parceira são itens novos de qualificação, que não
existiam na análise dos projetos de natureza acadêmica.
26
Carlos H. de Brito Cruz
Nos 48 projetos contratados, a FAPESP está investindo quase dez
milhões de reais, valor semelhante ao comprometido pelas empresas
parceiras, implicando numa contrapartida empresarial média em torno
de 50%. Este percentual varia de projeto a projeto, em função da análise
feita pela FAPESP sobre o risco intrínseco da pesquisa a ser desenvolvida.
A contrapartida empresarial varia de 84% do total até 25% do total. O
valor médio de cada projeto é de 400 mil reais e os projetos envolvem 12
instituições acadêmicas ou institutos de pesquisa, as principais sendo:
USP (21 projetos), Unicamp (9 projetos), e Unesp (6 projetos).
Num dos projetos já concluídos, uma equipe do IPT desenvolveu
para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) um processo de produção
e caracterização de aços elétricos (aços destinados a aplicações em
motores e máquinas elétricas), que permitiu à empresa entrar num novo
nicho de mercado com substancial faturamento anual. A descrição
completa de todos os projetos contratados até Agosto de 1999 pode ser
encontrada no Suplemento da publicação Notícias Fapesp27
PROGRAMA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA PEQUENA EMPRESA28
Iniciado em 1997, o PIPE é o primeiro programa da FAPESP que
apoia a pesquisa para inovação tecnológica diretamente na empresa,
através da concessão de financiamento ao pesquisador a ela vinculado
ou associado. O alvo do PIPE são empresas com até 100 empregados,
dispostas a investir na pesquisa de novos produtos de alto conteúdo
tecnológico ou processos produtivos inovadores, capazes de aumentar
sua competitividade e sua contribuição sócio-econômica para o país. O
programa se destina a apoiar o desenvolvimento de pesquisas inovadoras
a serem executadas por pequenas empresas sobre importantes problemas
em ciência, engenharia ou em educação científica e tecnológica que, em
caso de sucesso, tenham alto potencial de retorno comercial ou social.
Os projetos podem ser desenvolvidos por pesquisadores vinculados às
empresas ou que a elas tenham de algum modo se associado para a
realização do projeto.
O programa se justifica por ser a inovação tecnológica um
instrumento reconhecido para o aumento da competitividade das
empresas, condição para o desenvolvimento econômico e social do Estado
de São Paulo. Trata-se de criar condições para incrementar a contribuição
do sistema estadual de pesquisa para esse desenvolvimento. Dispensando
contrapartida e, por isso, dirigido exclusivamente a pequenas empresas,
o programa é complementar ao de financiamento de projetos de pesquisa
27
Notícias Fapesp nº 46, Suplemento Especial: Inovação Tecnológica (Setembro, 1999).
28
Vide Referência 25
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
27
em parceria entre a universidade e empresa. Por meio deste conjunto de
programas, a FAPESP busca induzir um aumento significativo do
investimento privado em pesquisa tecnológica.
Os projetos devem ser apresentados por pesquisador vinculado a
empresa com menos de 100 empregados, e devem ser organizados
contendo três fases:
FASE I: é uma fase inicial com duração de 6 (seis) meses e que visa
a realização de pesquisas sobre a viabilidade técnica das idéias propostas
e cujos resultados serão o critério principal de qualificação para a Fase
II. Pelo menos dois terços das atividades desta fase deverão ser
desenvolvidas pela pequena empresa proponente que poderá, assim, subcontratar até um terço dos trabalhos de outras empresas, consultores ou
instituições de pesquisa. Serão feitas, por ano, aproximadamente 20
concessões nesta fase com valor limite de R$50 mil para cada concessão.
FASE II: é a fase de desenvolvimento da parte principal da pesquisa
e terá duração de vinte e quatro meses. Pelo menos metade das atividades
de pesquisa deverão ser desenvolvidas pela pequena empresa proponente
que poderá, assim, sub-contratar até a metade dos trabalhos de outras
empresas, consultores ou instituições de pesquisa. O valor máximo
financiável nesta fase é de R$200 mil para cada projeto, sendo as
concessões feitas aos projetos de maior sucesso na FASE I. A previsão é
de que cerca de um terço dos projetos apoiados na FASE I receberão
apoio para a realização da FASE II. Serão priorizadas para apoio nesta
fase, as propostas que documentem compromisso de apoio financeiro
de alguma fonte para a realização da FASE III do projeto, caso a FASE II
seja bem sucedida.
FASE III: é uma fase a ser realizada pela pequena empresa ou sob
sua coordenação e que tem como objetivo desenvolver novos produtos
comerciais baseados nos resultados obtidos na FASE I e na FASE II. A
FAPESP não dará apoio financeiro de qualquer natureza a projetos nesta
fase, mas poderá colaborar na obtenção de apoio de outras fontes caso
os resultados da pesquisa comprovem a viabilidade técnica das idéias,
bem como o seu potencial de retorno comercial ou social.
A resposta a este programa foi excepcional: lançado em 1997, após
6 editais já há 101 projetos contratados (41 destes já na Fase II).
É interessante observar que há uma concentração notável das
localidades onde se sediam as empresas com projetos contratados em
torno de universidades, consistente com a discussão feita acima sobre o
papel da universidade como formadora de pessoal e por isso habilitadora
do desenvolvimento tecnológico. A Tabela 6 mostra que dos 101 projetos,
28
Carlos H. de Brito Cruz
84 estão em municípios onde há tradicionais instituições públicas de
ensino superior bem conhecidas por sua qualidade.
O papel da universidade pública na formação do pessoal líder destes
projetos também é facilmente verificável. A Tabela 7 mostra onde foram
formados os líderes dos 101 contratos do PIPE. Destes, 79 (79%) obtiveram
a graduação em universidades públicas. Observe-se também que neste
programa a FAPESP não exigiu titulação de doutor para os líderes de
projeto, exigindo sim demonstrada capacidade e experiência no tema
do projeto.
Tabela 6. Distribuição das localidades sede das pequenas empresas com projetos
contratados no programa PIPE da FAPESP.
Município
São Paulo
Campinas e região
S. J. dos Campos e região
São Carlos e região
R. Preto e região
Outras
Total
Quantidade
29
26
20
9
3
14
101
Tabela 7. Formação dos líderes dos projetos do PIPE Fapesp.
USP
Unicamp
Unesp
IFES e outras estaduais
Univ. Particulares
Univ. Exterior
Outras
Total
Graduação
44
10
5
20
16
5
1
101
Mestrado
32
16
2
18
0
6
0
74
Doutorado
28
6
3
8
0
16
0
61
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
29
CONCLUSÃO
A análise apresentada sobre as atividades e investimentos em
Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil permite concluir que além de haver
poucos Cientistas e Engenheiros atuantes em P&D, há um percentual
muito reduzido destes que trabalham, para empresas. Esta é uma das
razões porque a competitividade tecnológica da empresa no Brasil é
pequena, o que pode ser verificado através da contagem do número de
patentes registradas com origem no Brasil nos Estados Unidos. O pequeno
número de C&E empresariais no Brasil se correlaciona com o reduzido
investimento empresarial em P&D. Nesta conjuntura, o esforço feito pelo
poder público para a formação de recursos humanos qualificados, que
mesmo sofrendo descontinuidades não pode ser considerado pequeno,
acaba por ter pouca efetividade em trazer benefícios econômicos e sociais.
Ao mesmo tempo que a ciência brasileira tem avançado e obtido mais
destaque internacional, a tecnologia não tem acompanhado esta
evolução. Criticamos a concepção simplista de que a interação
universidade-empresa poderá resolver a necessidade de tecnologia da
empresa e a necessidade de financiamento da universidade, destacando
que cada uma destas instituições tem culturas e missões que devem ser
respeitadas. Mesmo assim a interação deve ser buscada pela contribuição
que pode trazer à melhor educação dada pela universidade a seus
estudantes, bem como para levar a cultura de valorização do
conhecimento para a empresa.
Programas de apoio à pesquisa na empresa tem sido bem aceitos
por estas. A forte demanda pelo PIPE da Fapesp demonstra que a
pequena empresa tem necessidade de desenvolver tecnologia e está
pronta a utilizar os mecanismos de apoio postos à sua disposição.
Finalmente, o grande desafio em P&D no Brasil de hoje é como
criar um ambiente que estimule a empresa ao investimento no
Conhecimento para aumentar sua competitividade. O Estado brasileiro
já realiza vultuosos investimentos na formação de pessoal qualificado (o
país forma atualmente 4.000 doutores por ano) e em projetos de pesquisa
fundamental e aplicada. Cabe à empresa aproveitar estas condições e
convertê-las em competitividade, riqueza e desenvolvimento.
Resumo
Analisamos as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) realizadas no Brasil,
focalizando a atenção no papel de cada uma das instituições: universidade, empresas e
governo. Para isto analisamos o pessoal envolvido em P&D no país, os investimentos
realizados e alguns resultados facilmente documentáveis como o número de publicações
científicas e de patentes realizadas. Verifica-se que, enquanto a capacidade brasileira de
fazer Ciência tem crescido, aumentando sua penetração internacional, a capacidade de
fazer Tecnologia tem tido pouco desenvolvimento. Destacamos também que o papel da
empresa, que deveria ser central na inovação tecnológica, não se realiza no Brasil.
30
Carlos H. de Brito Cruz
Abstract
It is of our compentancy to analized all Research and Development activities made in
Brazil, focusing the atention on the role of each of the following institutions: universities,
private companies and the government. In order for this to happen, we study the personal
involved in this research and development project in the Country, the investments that
have been done and some accessable documented results; for example: the numbers of
scientific publications and their respective patents. Also verified, it is the fact that the capability
of Brazilians to do Science has grown, augmenting the international penetration in this
area, meanwhile the capacity to make Tecnologies has had little improvement. Finally, we
feel that it is of utmost importance to bring foward the role of companies, which should be
primordial in the tecnological inovation - not been true in Brazil.
O Autor
CARLOS H. DE BRITO CRUZ é Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP) e Diretor do Instituto de Física da UNICAMP.
Política e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
31
Incubadoras de Empresas e
Inovação Tecnológica:
o caso de Brasília
LUÍS AFONSO BERMÚDEZ
Incubadora – “aparelho destinado a manter temperatura constante
e apropriada para o desenvolvimento de ovos e cultura de
microorganismos” – segundo o nosso conhecido dicionário “Aurélio” , é
o termo usado nos dias atuais para descrever um número crescente de
grupos de negócios de alta tecnologia que fornecem as facilidades físicas,
rede de conhecimentos pessoais, animação, consultorias e um sem
número de necessidades e apoios que podem tornar possível o sonho de
um empreendedor nas áreas tecnológicas. Este conceito está em moda
no mundo inteiro…
E o quê faz que as incubadoras estejam em grande crescimento?
Ajudar as empresas a se tornarem “grandes” é onde as incubadoras
tem uma importante função. As incubadoras podem entregar ao
mercado, empreendedores com os elementos críticos essenciais para o
crescimento de suas empresas na velocidade da “Internet” como é
necessário nos dias de hoje. Além disso, as incubadoras permitem acelerar
o processo de desenvolvimento empresarial assegurando uma taxa de
sucesso de negócios bem acima das taxas comuns de insucessos. Existem
incubadoras de diferentes tamanhos e formas ofertando uma grande
variedade de apoios, serviços e consultorias para os empreendedores.
Neste trabalho mostram-se inicialmente os conceitos dos processos de
incubação para então apresentar um caso de sucesso representativo da
realidade brasileira. Para concluir, dados recentes sobre o movimento de
incubadoras no Brasil são apresentados a partir de pesquisa anual
realizada pela Associação Nacional que reúne as incubadoras brasileiras.
CONCEITO DE INCUBADORAS DE EMPRESAS
Um programa de incubadoras de empresas normalmente coloca a
disposição dos novos empreendimentos a instalação física, ou seja, o
endereço do novo empreendimento, além de uma série de facilidades de
escritório, como por exemplo, computadores, redes, telecomunicações,
secretarias, etc... Para os empreendimentos tecnológicos também são
ofertadas a possibilidade de uso de laboratórios, oficinas de protótipos e
toda a orientação tecnológica necessária para o desenvolvimento da idéia
32
Luís Afonso Bermúdez
inovadora que chegará ao mercado. Como complemento básico também
são colocadas à disposição consultorias e apoios na área gerencial
necessários para os empreendedores. Este conjunto de apoios permite
não só a aceleração do processo mas também a solidez necessária para o
ingresso no mercado altamente competitivo nas áreas inovadoras. Muitos
programas também oferecem a orientação necessária para capitalização
desses empreendimentos, seja através da preparação para o recebimento
de um aporte de capital de risco como também na procura de fundos de
financiamento para o dia a dia empresarial. Mas um dos fatores
importantes do processo de incubação é a sinergia não só entre as
empresas participantes mas também com a comunidade local, onde o
programa está inserido visando a geração de emprego e renda nas
mesmas.
APRESENTAÇÃO DO CDT/UNB
O Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) é uma
unidade da Universidade de Brasília, vinculado ao Decanato de Pesquisa
e Pós-Graduação e à Reitoria, que tem como objetivo promover a
interação entre a oferta e a demanda de conhecimentos científicos e
tecnológicos, informação e a prestação de serviços especializados para a
sociedade em geral.
O CDT/UnB foi criado em 1986 e tem como missão o apoio e a
promoção do desenvolvimento tecnológico, com base na vocação local,
por meio da integração entre a Universidade, empresas e a sociedade de
uma forma geral, objetivando o fortalecimento econômico e social da
região.
O CDT/UnB pode ser considerado um dos pioneiros no País a
implementar este tipo de iniciativa, que visa desenvolver mecanismos
de cooperação entre empresas e instituições de P&D, tendo divulgado,
em diferentes eventos e fóruns, especialmente no meio empresarial, as
pesquisas desenvolvidas nos mais de 60 Institutos, Faculdades e
Departamentos da UnB, projetando o nome da Universidade,
promovendo as empresas da Incubadora e difundindo os métodos de
cooperação adotados entre a Universidade, os setores empresarial e
governamental.
Os objetivos gerais do CDT são:
· Identificar pesquisas e serviços desenvolvidos por professores,
pesquisadores e funcionários técnico-administrativos e promover seu
repasse para a sociedade;
· Identificar necessidades técnicas, financeiras e políticas do setor
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
33
empresarial e faz o encaminhamento para academia;
. Identificar linhas de financiamento para pesquisa científica e tecnológica
com potencial de transferência
PROGRAMAS DO CDT/UNB
Para cumprir sua missão o CDT criou programas voltados ao
empreendedorismo e às mudanças de valores pessoais e institucionais,
conforme mostra a Fig.1, tornando-se uma verdadeira porta de acesso
acesso e de saída tecnológica para a Universidade de Brasília.
Na Fig. 2. São mostrados de forma cíclica e histórica os programas
desenvolvidos pelo CDT/UnB de forma a cumprir com sua missão.
Fig. 1. O Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da
Universidade de Brasília e seus objetivos.
OBJETIVOS
TRANSFERÊNCIA DE
CONHECIMENTO E
TECNOLOGIA
NOVOS
EMPREENDEDORES
EMPREGO
E RENDA
REPRESENTAÇÕES
EMPRESARIAIS
COMPETITIVIDADE
EMPRESÁRIOS
PRODUTOS
INOVADORES
INSTITUIÇÕES
GOVERNAMENTAIS
COOPERAÇÃO
INSTITUCIONAL
Fig. 2. Os programas do CDT/UnB
PROGRAMAS ATUAIS
Parque Tecnológico
1986
Hotel de Projetos
1998
Incubadora de Empresas de
Base Tecnológica - 1988
CDT
Escola de Empreendedores
1995
Disque Tecnologia
1994
1986
Jovem Empreendedor
1993
Empresa Júnior
1993
34
Luís Afonso Bermúdez
INCUBADEIRA DE EMPRESAS
Foi criada em 1990 com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de
produtos e serviços inovadores e a criação de empresas de alta tecnologia
principalmente, nas áreas de Informática, Microeletrônica, Automação,
Mecânica de Precisão e Biotecnologia. Tem também como missão o apoio
ao desenvolvimento de empresas inovadoras, por meio de ações e serviços
que contribuam para o sucesso dos empreendimentos e o desenvolvimento
social.
Voltada para todo empreendedor que tenha o desejo de
desenvolver novas tecnologias ou inovação de produtos e processos, a
Incubadora oferece apoio institucional e infra-estrutura, que inclui o uso
do espaço físico na universidade, serviços administrativos e de
comunicação, treinamento gerencial, consultoria especializada, uso de
equipamentos compartilhados e outros benefícios.
A Incubadora já apoiou, 44 empresas. Nesse período 18 empresas
já saíram da Incubadora em condições de sucesso. Atualmente 2 estão
associadas ao Programa e 13 são residentes, conforme mostra a Fig. 3.
Fig. 3. Resultados empresariais da incubadora.
Histórico (1989 – 2000)
Quadro Atual
Nº de empresas que já passaram pela incubadora
Empresas graduadas
Incubadas no momento
Graduadas que permanecem associadas ao programa *
Encerraram atividades enquanto incubadas
Desligadas do Programa
44
18
13
02
10
03
Fig. 4. Áreas de desenvolvimento das empresas
apoiadas pela incubadora do CDT/UnB.
Produtos
Em quase dez anos da Incubadora as 44 empresas apoiadas
produziram aproximadamente 160 produtos.
Telec om unic aç ões
5%
Inform átic a
50%
A utom aç ão
9%
B iotec nologia
16%
S erviç os
Tec nológic os
20%
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
35
Outros programas foram criados para dar suporte, fortalecer e
ampliar os impactos da Incubadora-CDT como mecanismo de
disseminação da cultura empreendedora dentro e fora da Universidade,
inovação e geração de novos empreendimentos, cooperação institucional
e transferência de tecnologia. Assim, atualmente, o CDT desenvolve suas
atividades em três etapas interligadas entre si:
PRÉ-INCUBAÇÃO
INCUBAÇÃO
PÓS-INCUBAÇÃO
Escola de Empreendedores Incubadora
Empresa Associada
Empresa Júnior
Parque Tecnológico**
Disque Tecnologia*
Jovem Empreendedor
Hotel de Projetos
* Incubação Virtual
** Em Implantação
Escola de Empreendedores (Empreend)
Criada em novembro de 1995, a Empreend tem como objetivo a
difusão da cultura empreendedora nas Instituições de Ensino Técnico e
Superior do Distrito Federal, além de incentivar a criação de novos
negócios capazes de gerar, assimilar e absorver novas tecnologias de
produto e de gestão. O Programa desenvolve a capacitação e o
aperfeiçoamento técnico e gerencial de novos empreendedores e de
empresários já estabelecidos no mercado. É por meio da Escola que a
Incubadora promove o treinamento e a capacitação dos empresários
que apóia. É a Empreend que organiza, por exemplo, o curso de Iniciação
Empresarial oferecido aos empreendedores candidatos a uma vaga na
Incubadora.
A Empreend oferece as disciplinas “Introdução à Atividade
Empresarial” e “O Empreendimento Informática” ministradas para
formandos dos cursos de Engenharias da Faculdade de Tecnologia e
Ciência da Computação da UnB e alunos da Escola Técnica de
Taguatinga (2º grau). Como resultado do programa de disciplinas, 6 mil
alunos foram beneficiados até dezembro de 1999 e foram elaborados
161 planos de negócio. De acordo com a última pesquisa realizada entre
os ex-alunos, 15 empresas foram criadas, gerando 116 postos de trabalho
diretos e 42 indiretos.
Além das disciplinas a Empreend organiza treinamentos
motivacionais e técnico-gerenciais para aperfeiçoamento profissional,
estudos e diagnósticos empresariais, cursos e palestras voltados para a
capacitação e disseminação do perfil empreendedor. Mais de 13 mil
pessoas já participaram dos eventos e cursos promovidos pelaEscola.
36
Luís Afonso Bermúdez
Programa Empresa Júnior (Pro Jr)
O Pro Jr foi criado em 1993 com o objetivo de estimular e apoiar a
criação e o fortalecimento de empresas juniores na Universidade de
Brasília, proporcionando aos alunos complementação em sua formação
acadêmica e maior vivência profissional. Além disso, o Pro Jr também
objetiva incentivar o empreendedorismo, o espírito de liderança e a
capacidade de gerenciamento dos alunos.
A empresa Júnior é formada por estudantes de graduação e
supervisionada diretamente pelos professores da UnB. Atualmente, o
programa beneficia, em média, 200 alunos por ano, possibilitando um
maior contato com o futuro mercado de trabalho dos estudantes. O Pro
Jr é subordinado à Gerência de Empreendedorismo e muitas das
consultorias oferecidas às empresas incubadas são realizadas pelas
empresas juniores. Durante o processo de seleção da Incubadora, a
Empresa Júnior de administração realiza, em conjunto com os
empreendedores, pesquisa de mercado para avaliar o potencial
mercadológico do produto/serviço das empresas candidatas.
Atualmente, existem 09 empresas juniores nos cursos de:
Administração, Psicologia, Estatística, Desenho Industrial, Ciência da
Computação, Relações Internacionais, Ciências Políticas, Sociologia,
Publicidade e quatro em fase de constituição, nos Departamentos de
Engenharia de Redes, Mecatrônica, Engenharia Elétrica e Química. De
setembro de 1993, quando foi criada a primeira empresa júnior da UnB,
até dezembro de 1999, 734 alunos passaram pelas empresas, dos quais
17 abriram seus próprios negócios. Em 1999 as empresas atenderam um
total de 72 clientes e somaram um faturamento de R$ 102.000,00.
PROGRAMA DISQUE TECNOLOGIA
O programa Disque Tecnologia nasceu da necessidade de um serviço
de atendimento aos empresários do Distrito Federal que demandassem
soluções tecnológicas para problemas de produção ou organização
produtiva. Inaugurado em 1995, o Disque Tecnologia é um serviço de
atendimento a consultas de natureza tecnológica e gerencial. Tem como
objetivo disponibilizar o conhecimento acumulado nas instituições de
Ensino e Pesquisa, Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, para a solução
de problemas, dúvidas tecnológicas e gerenciais dos empresários da
Incubadora e locais, por meio de consultas feitas à Central de
Atendimento Tecnológico - CAT do CDT.
O cliente do Disque Tecnologia tem como vantagens a facilidade de
acesso ao banco de especialistas (formado por docentes da Universidade
de Brasília e consultores externos), o atendimento imediato e a realização
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
37
de projetos tecnológicos desenvolvidos de acordo com o alcance e a
natureza do seu problema. Durante os quatro anos de funcionamento
do programa foram atendidos 437 empreendedores e empresas. Em 1999,
228 novas consultas foram atendidas. O Disque é o Programa responsável
também por implementar PATME’s e SEBRAETec’s para os empresários.
Ambos são programas do SEBRAE - Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas e da FINEP/MCT, destinados a apoiar técnica e
financeiramente empresários e empreendedores na inovação de produtos
e processos produtivos ou gerenciais, visando melhorar a
competitividade. A equipe do Disque orienta ainda, os empresários
residentes na Incubadora na elaboração de projetos para obtenção de
apoio e financiamento junto a instituições públicas e privadas. Nos
últimos três anos, 12 empresas da Incubadora tiveram projetos aprovados
junto ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
– PADCT e Programa de Capacitação de Recursos Humanos para
Atividades Estratégicas – RHAE, ambos do CNPq, e também junto ao
SEBRAE, com valores médios de R$ 80.000,00 cada projeto.
Programa Jovem Empreendedor
Tem por objetivo preparar o jovem universitário para uma nova
opção em sua carreira, ou seja, criar uma empresa de base tecnológica,
a partir da monografia de final de curso. O Programa procura orientar
o aluno na realização da pesquisa de mercado e no desenvolvimento do
Plano de Negócios da futura empresa. Nos últimos três anos, o Programa
atendeu 89 alunos, dos quais 04 desenvolveram produtos junto às
empresas residentes na Incubadora. Uma aluna ganhou em primeiro
lugar o prêmio brasiliense de designer de jóias e 04 alunos montaram
uma empresa, com o apoio do Programa Hotel de Projetos, para
desenvolvimento de um pasteurizador de leite pós envase para pequenos
produtores rurais, que se encontra em processo de venda para
comunidades carentes do Acre e para cooperativas e associações do
Distrito Federal. Em 1996, o Programa Jovem Empreendedor desenvolveu
um manual para os estudantes que ensina como montar um plano de
negócios de uma empresa de base tecnológica. Este manual recebeu um
prêmio do IEL/SEBRAE/CNPq como melhor trabalho da região Centro
Oeste.
Programa Hotel de Projetos
Criado no segundo semestre de 1998, tem por objetivo apoiar a
criação de empreendimentos inovadores nas áreas de software e de
prestação de serviços tecnológicos em sua fase inicial. Participam deste
programa empreendedores que passaram pelo Jovem Empreendedor ou
pelo GENETI, núcleo do Projeto Genesis do Softex 2000, coordenado
38
Luís Afonso Bermúdez
pelo Departamento de Ciência da Computação da UnB, e
empreendedores locais que desejam criar uma empresa e necessitam de
pequenos e rápidos apoios da UnB, de caráter técnico ou gerencial. São
candidatos ao Hotel também projetos que ainda estão em fase inicial de
desenvolvimento, mas com perspectivas de acelerado crescimento. Os
projetos são acompanhados e analisados por seis meses e após esse
período são avaliados para ingresso ou não na Incubadora de Empresas.
Como resultado da primeira seleção, três empresas foram apoiadas e
posteriormente admitidas na Incubadora. Atualmente existem dois
empreendimentos no Hotel e uma nova seleção está sendo planejada
para o segundo semestre desse ano.
Núcleo de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia / NUPITEC
Este Programa tem como função apoiar os pesquisadores da UnB e
empreendedores locais na negociação, elaboração e gestão de projetos
cooperativos; orientação sobre transferência de tecnologia, contratos e
vendas de serviços; orientação para registro de marcas e patentes; difusão
de linhas de financiamento de projetos; e contratação e venda de serviços
especializados.
O NUPITEC foi criado no primeiro semestre de 1999 e ainda está
em fase de estruturação com ênfase nas seguintes ações:
· Divulgar o NUPITEC por meio de eventos e visitas aos departamentos
da Universidade, com o objetivo de sensibilizar a comunidade acadêmica
para a importância estratégica da propriedade intelectual.
· Mapear os projetos de pesquisa que venham sendo desenvolvidos nos
departamentos da Universidade.
· Manter intercâmbio com outros escritórios de transferência de tecnologia
existentes no país para a troca constante de informações e experiência.
· Elaborar um manual de Propriedade Intelectual para orientação da
comunidade acadêmica.
Programa Parque Tecnológico
O Programa Parque Tecnológico foi planejado para abrigar o CDT
e instituições nacionais e internacionais ligadas à ciência, tecnologia e
cultura. Suas atividades visam garantir o desenvolvimento e aplicação
de tecnologias de ponta no País, promovendo maior integração entre a
universidade e a sociedade. O Programa está em fase de negociações
para sua implantação definitiva, mas foi através dele que de forma
pioneira no Brasil uma empresa de capital privado se instalou num
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
39
“campus”universitário: a AUTOTRAC, empresa que tem como atuação
o rastreamento de meios transporte através de satélites e cuja sede
operativa está instalada na UnB proporcionando uma integração forte
e constante com a Universidade.
PRINCIPAIS IMPACTOS DOS PROGRAMAS DO CDT NA COMUNIDADE
ACADÊMICA E NO MERCADO DE TRABALHO
· Setenta por cento (70%) do pessoal envolvido nas empresas
residentes são alunos ou recém-graduados, na condição de sócios,
funcionários ou bolsistas. A média anual de empresas residentes nos 3
últimos anos tem sido 15. Cada uma possui 3 funcionários em média.
Assim, anualmente, pelo menos 36 alunos ou ex-alunos trabalham ou
criam empresas na Incubadora.
· Aproximadamente 50% dos atendimentos do Disque
Tecnologia são feitos por professores da UnB. A particularidade é que
quase 100% da demanda é constituída por empreendedores informais
ou micro empresários locais, fato que comprova o potencial do Programa
como um dos mecanismos de promoção da cooperação entre a
universidade e as pequenas empresas, seja transferindo tecnologia e
conhecimentos gerados na universidade ou na difusão de informações
financeiras.
· Destaca-se, ainda, a contribuição do CDT na formação
complementar dos alunos. Anualmente, a Escola de Empreendedores,
por meio da disciplina “Introdução à Atividade Empresarial” oferecida
como crédito optativo nos cursos de Ciência da Computação e
Engenharias, atende em média 250 alunos/ano. Nas empresas juniores
passam 200 alunos por ano, em média. O Jovem Empreendedor acolhe
anualmente 10 alunos. As empresas residentes oferecem, em média, 25
vagas por ano para estágio de alunos. Somando-se esses números o
trabalho desenvolvido pela Incubadora em conjunto com os demais
programas, contribui, anualmente para a formação complementar de
quase 500 alunos. Vale ressaltar que muitos desses tornam-se empresários.
RELAÇÕES COM ENTIDADES PARCEIRAS
De forma a operacionalizar todas essas atividades o CDT/UnB
recebe o apoio de várias instituições nacionais e locais sob a forma de
projetos e parcerias institucionais tais como o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, o Serviço de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas do Distrito Federal – SEBRAE/DF, a
Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal – FAP/DF, o Instituto
Euvaldo Lodi do Distrito Federal - IEL/DF, a Federação das Indústrias
40
Luís Afonso Bermúdez
de Brasília – FIBRA, a Federação do Comércio do Distrito Federal e o
Instituto de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal.
O CDT mantém com todas essas instituições ótima relação, sendo
realizados vários trabalhos em conjunto, como por exemplo, a Mostra
Tecnológica, onde anualmente produtos e serviços dos parceiros são
expostos. Algumas instituições como a FAP/DF, Sebrae/DF e CNPq têm
apoiado financeira e institucionalmente as empresas residentes na
incubadora e outras atendidas pelos demais Programas do CDT.
PROJETO DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
1. Ainda dentro do espírito de fomentar a inovação tecnológica, o
CDT/UnB tem realizado a gestão e operacionalização de projetos
tecnológicos setoriais para segmentos econômicos do Distrito Federal.
Como exemplo, pode-se citar o caso do projeto para 15 olarias de São
Sebastião (DF) e o outro envolvendo 10 movelarias da Candangolândia
(DF). Estes projetos foram desenvolvidos no âmbito das Gerências de
Tecnologia do CDT, com a participação do Sebrae/DF, visando a
recuperação de áreas degradadas e melhoria do processo produtivo,
respectivamente. A partir do diagnóstico concluído sobre o perfil sócioeconômico das famílias envolvidas, do grau de degradação ambiental e
do processo produtivo utilizado pelos oleiros, estão sendo propostas
alternativas que viabilizem a continuidade e a expansão da atividade
na região, porém, agregando os conceitos de cidadania, cooperação e
competitividade.
2. Conforme a demanda, tem sido realizados também diagnósticos
do potencial de expansão de mercado das empresas de base tecnológica
e MPE´s locais com o uso de Inteligência Competitiva, cujo objetivo é
identificar perfil da indústria e comércio local, oportunidades de
investimentos, instituições parceiras, concorrentes e tendências gerais
no campo empresarial.
3. Dentro da orientação de apoiar o desenvolvimento econômico
local também são realizados diagnósticos sobre potencialidade de
industrialização de comunidades do Distrito Federal, com identificação
dos setores econômicos mais adequados ao perfil da população local,
que poderão resultar na implementação de programas do Governo Local
para a capacitação técnica e gerencial dos empreendedores.
4. Desenvolvimento de projetos de apoio técnico e financeiro para
as empresas de base tecnológica concorrerem aos editais de programas
nacionais tais como os do MCT/PADCT/CNPq e Programa RHAE
MCT/CNPq.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
41
5. Gestão e operacionalização de projetos de desenvolvimento de
empresas e departamentos da UnB visando usufruir dos incentivos
previstos em lei (Ex.: Lei de Informática).
INFRA-ESTRUTURA DE RECURSOS HUMANOS
Para atender todas as atividades descritas tornou-se necessária a
montagem de um corpo técnico multidisciplanar para o CDT composto
por profissionais concursados e contratados pela UnB (80%) e de bolsistas
do CNPq e SEBRAE (20%). A estrutura hierárquica do CDT é
horizontalizada com 2 níveis decisórios. Direção e sete Gerências,
totalizando 31 pessoas, ou seja com uma equipe bem formada e estrutura
é possível cumprir com a missão para a qual o Centro foi criado.
CASO BRASILEIRO
No Brasil, o movimento de incubadoras teve inicio na década de
80 com o surgimento das primeiras experiências em São Carlos (SP),
Campina Grande (PB), Florianópolis (SC) e Rio de Janeiro (RJ). Desde lá
o número de incubadoras tem crescido de forma exponencial, conforme
pesquisa anualmente realizada pela ANPROTEC – Associação das
Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas,
que reúne as incunbadoras e parques tecnológicos no Brasil. Na Fig. 5,
mostra-se o crescimento do número de incubadoras no Brasil de 1988 a
1999.
Fig. 5. INCUBADORAS EM OPERAÇÃO NO BRASIL
100
100
74
80
60
60
38
40
20
27
2
4
7
10 12 13
19
0
88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
42
Luís Afonso Bermúdez
Essas incubadoras estão disseminadas em todo território nacional
com forte concentração nas regiões sul e sudeste onde a atividade
econômica do país está mais concentrada. No entanto, esforços para a
criação de programas semelhantes tem sido observados nas demais
regiões, como mostra a Fig. 6.
FIG. 6. DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DAS INCUBADORAS BRASILEIRAS
Conforme mostra a pesquisa realizada anualmente pela
ANPROTEC, Fig. 7, a motivação para o nascimento das incubadoras
está relacionada com o estímulo à cooperação entre universidades e a
sociedade, com a otimização do potencial reagional no desenvolvimento
econômico, social e tecnológico e, principalmente, com o incentivo ao
empreendedorismo.
Outro dado relevante das incubadoras brasileiras é o que se refere
a capacidade de incubação, ou seja, o número de empresas que cada
incubadora pode acolher, fisicamente: 13 empresas por incubadora, na
média nacional. Este número colacado em conjunto com a taxa média
de ocupação de 73 % permite afirmar que em 1999, as incubadoras
brasileiras estavam apoiando cerca de 800 empresas inovadoras. Estas
empresas tinham também como previsão de faturamento para o ano de
1999 o valor total de R$ 85.850.000,00 ! Estas mesmas empresas ainda
nascentes (residentes nas incubadoras) já empregam mais de 4000
pessoas, das quais 44% são sócios das empresas. Ainda, essas empresas
disponibilizaram no mercado 3800 produtos ou serviços inovadores.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
43
Finalmente, após uma média de 2,5 anos de permanência no programa
de incubadora, as empresas graduadas que permaneceram no mercado
em relação as que encerraram suas atividades tem-se a taxa de
sobrevivência de 84%, ou seja, bem acima da média da taxa de fracasso
das pequenas empresas brasileiras segundo estatística do Sistema
SEBRAE.
FIG. 7. PARÂMETRO DE MAIOR IMPORTÂNCIA NA DEFINIÇÃO DO
OBJETIVO DO PROGRAMA DE INCUBADORA. (Média Nacional)
OBJETIVOS DAS INCUBADORAS
Maior Importância
9 4 ,4 %
Ince n tiv o ao e mpre e n d.
7 9 ,5 %
D e se nv . E con . R e gion al
5 6 ,4 %
G e ra ção de E mpre go
5 5 ,1 %
D e se nv . T e cn ológico
3 8 ,5 %
D iv e rs. E conô mica
1 4 ,1 %
Lucr o p/Incub adora
0
20
40
60
80
100
n=78
REFERÊNCIAS
Home-Page do CDT/UnB – www.cdt.unb.br
Home-Page da ANPROTEC – www.anprotec.org.br
ANPROTEC, Panorama 99 – As Incubadoras de Empresas no Brasil, Setembro, 1999.
Resumo
Este trabalho apresenta uma descrição do conceito de incubadora de empresa e
discute essa modalidade de incentivo à geração de empresa de tecnologia avançada a partir
da experiência acumulada pelo Centro de Apoio a Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília. Trata-se de iniciativa pioneira da UNB visando ao fomento da Inovação Tecnológica do Distrito Federal através do estimulo à criação de empresas de alta
tecnologia. Dados em resultados concretos desses programas, obtidos ao longo de mais de
uma década, são apresentados e discutidos tendo em vista as potencialidades dessa modalidade de ação como forma de estimular o desenvolvimento tecnológico.
44
Luís Afonso Bermúdez
Abstract
This work discusses the concept of business incubators and also presents a description
of the programs developed by CDT (Technological Development Support Center of the
University of Brasília). CDT is a pioneering initiative in the region of Brasília with the
purpose of stimulating technological innovation by giving conditions to creating new
technology based companies using laboratories and other technical support provided by
the University. The CDT accumulated experience of more than ten years has produced
many results and data which are used to discuss the subject, and which permit fruitful
comparisons and assessment of trends and perspectives for this kind of university-industry
relations.
O Autor
LUÍS AFONSO BERMÚDEZ, Diretor do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico
da Universidade de Brasília, desde 1990.Engenheiro Eletrônico, 1977, pela Escola Politécnica
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Porto Alegre, Mestre em
Engenharia Elétrica - Telecomunicações, 1980, pelo Centro de Estudos em Telecomunicações da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro, CETUC – PUCRJ, Docteur en Electronique
- Comunicações Óticas e Microondas, 1987, pelo Institut de Recherche en Comunications
Optiques et Microondes da Université de Limoges, França, Professor Adjunto IV do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília desde 1980.
Política e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
A Inovação Tecnológica e a
Indústria Nacional
DANTE ALÁRIO JUNIOR
NELSON BRASIL DE OLIVEIRA
Ensina o mestre Aurélio que “tecnologia é um conjunto de
conhecimentos, especialmente princípios científicos, que se aplicam a
um determinado ramo de atividade”.
Nas áreas que apresentam elevada densidade tecnológica, que
constituem o objeto da presente exposição, a pesquisa básica se destina
a realizar o “upgrading” do conhecimento científico existente no mundo
em dado momento e, assim, definir os elementos indispensáveis para o
desenvolvimento de nova tecnologia. Em tais casos a tecnologia é,
nitidamente, a interface entre a pesquisa e a aplicação prática da inovação
que for alcançada e, assim, contém os procedimentos técnicos necessários
para a alocação dos novos conhecimentos científicos gerados na
produção de bens ou aplicações pertinentes.
Quando a inovação atingida apresenta expressivo valor agregado
ao Estado da Ciência, costuma-se dizer que foi realizada uma invenção.
As invenções que apresentam os atributos de novidade, criatividade
(atividade inventiva) e aplicação industrial podem receber o título de
patente industrial, ou de modelo de utilidade, fazendo jus a uma série
de benefícios estabelecidos em lei.
É comum ouvir e/ou ler-se que nos países mais desenvolvidos a
atividade de pesquisa é fundamentalmente processada ou financiada
pelas indústrias. Isto não corresponde à verdade.
É importante registrar o que foi dito em público, num encontro
recente promovido pela Fundação Bio-Minas por graduado funcionário
da área científica de uma das maiores multinacionais farmacêuticas, e
apoiado pelos demais participantes internacionais: que a indústria não
faz pesquisa básica, mas tão somente desenvolvimento. Assim,
acompanha de perto as pesquisas elaboradas pelas Universidades e
quando conclui que algo é promissor, processa todo o desenvolvimento
tecnológico até o produto final, agora na indústria e não mais na
Universidade. É por isso também que as mesmas pessoas lamentaram
estarem as nossas Universidades Públicas (onde se faz mais fortemente
pesquisas) desassistidas (afirmação dos brasileiros presentes) e,
46
Dante Alario Junior & Nelson Brasil de Oliveira
consequentemente, com reduzido conteúdo científico (com as exceções
conhecidas), uma vez que é lá onde as indústrias buscam as idéias para
os novos produtos que serão introduzidos no mercado.
Aqui no Brasil, onde as indústrias não possuem a força econômica
das transnacionais, esta forma de trabalho se faz ainda mais necessária,
ou seja, pesquisa básica sendo desenvolvida principalmente nas
Universidades Públicas e, no caso de poderem ser aplicadas, seriam
levadas, por contrato, para o setor industrial nacional que adequaria a
tecnologia ao produto final e pagaria através de royalties. Este
procedimento geraria tanto trabalhos científicos como também produtos
inovativos (patenteados).
No Brasil, as invenções que se traduzem em patentes, normalmente
são associadas pelo grande público às atividades de pesquisa básica
conduzidas em Universidades, o que é um grande equívoco. Em realidade,
apenas 1% das patentes depositadas internacionalmente saem
diretamente dos bancos acadêmicos.
Entendemos que os centros universitários têm por objetivo precípuo
a educação, constituindo-se a pesquisa apenas numa atividade-meio que
tem como metas principais a publicação de trabalhos científicos visando
o enriquecimento do currículo escolar, assim como a evolução da carreira
profissional do professor-pesquisador. Além disso, a preparação dos
pedidos de patente requer treinamento especializado na matéria e a
manutenção de longo período de sigilo na atividade de pesquisa (dois a
três anos para depositar uma patente), que pode ser melhor utilizado
em termos profissionais pela publicação de meia dúzia de trabalhos de
pesquisa em revistas especializadas, conduzidos no mesmo prazo. Essa
é a situação encontrada de forma mais generalizada em todo o mundo,
a despeito de respeitáveis exceções para confirmar a regra.
Os inventores independentes são mais freqüentes nas áreas de
tecnologias de menor valor agregado, ou de reduzida sofisticação do
conhecimento científico. Em tais casos, normalmente prevalece a
criatividade individual, especialmente no campo de modelos de utilidade.
Para inventores independentes, o trato econômico e comercial de uma
idéia original constitui uma grande dificuldade operacional.
As empresas respondem por mais de 70% dos inventos patenteados
no mundo, posto que a patente de invenção é um bem econômico de
alto valor comercial por gerar um monopólio de mercado que assegura
elevado retorno aos investidores bem sucedidos. São as empresas que
respondem, no mundo inteiro, pelos pesados investimentos de longo
prazo e elevado risco aplicados em patentes de invenção, ainda que
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
47
generosamente subsidiados pelos governos, e que se traduzem em
retornos comerciais consideráveis (vide a situação privilegiada da
indústria farmacêutica norte-americana, cuja lucratividade é o dobro
da média apresentada pelo setor químico).
Estima-se, a nível internacional, que a cada US$1,5 a US$2 milhões
investidos em P&D, deva surgir uma patente de invenção. Como no
Brasil a maior parte dos dispêndios contabilizados pelo governo e pela
ANPEI em tecnologia (cerca de US$8 bilhões/ano, num PIB de US$650
bilhões/ano) correm por conta de bolsas de estudo, gastos na
implantação de sistemas de qualidade e em serviços de engenharia
(inclusive remessas ao exterior para o pagamento de licenças pelo uso
de marcas), o montante realmente alocado à P&D no País é muito
reduzido, muito menor do que transparece em tais indicadores. Em
decorrência, o baixo índice brasileiro que resulta da relação “número de
patentes depositadas para investimentos em tecnologia”, que vem sendo
difundido no Brasil como indicativo de uma baixa conscientização dos
empresários e pesquisadores brasileiros para a importância de P&D,
constitui uma interpretação equivocada. A atividade de P&D, mais do
que qualquer outra de natureza econômica, requer recursos financeiros
elevados e de baixo custo (a maioria das vezes a fundo perdido ou de
risco compartilhado), os quais são normalmente encontrados nos países
desenvolvidos e indisponíveis no Brasil.
Passemos a examinar o que é apresentado na literatura como
referenciais de políticas tecnológicas utilizadas pelos países
desenvolvidos.
O governo norte-americano intervém no mercado tecnológico
através da concessão de grandes incentivos à acumulação e aplicação
de capital privado nessa área. Dentro desse contexto cabe destaque ao
uso do Poder de Compra do Estado em favor de produtores locais, através
do Buy American Act, bem como amplo e generoso programa de
financiamento a fundo perdido para o desenvolvimento tecnológico de
pequenos e microempresários (SBIR - Small Business Innovactive
Research). Os subsídios diretos, ou uso do Poder de Compra, adotados
pelo governo dos EUA às atividades de P&D, ao longo da década
passada, atingiram o nível de US$90 a US$100 bilhões/ano1 .
O financiamento diretamente subsidiado pelo governo dos Estados
Unidos ao setor privado é considerado um instrumento de importância
vital para encorajar pequenas empresas a investir em tecnologia, e isso é
1
Office of Managment and Bugdet of the United States Government.
David Von Drehle, “Clinton Details Plan For Hi-Tech Project”, Washington Post, 23/02/
93.
2
48
Dante Alario Junior & Nelson Brasil de Oliveira
praticado em alta escala2. Para as grandes empresas industriais, que muito
se valem do mercado de capitais, o apoio do Estado se efetiva
normalmente através de contratações de serviços (inclusive projetos para
o desenvolvimento de tecnologias) e compra de produtos fabricados por
empresas localizadas naquele país (uso do Poder de Compra do Estado),
embora muitas vezes ocorram doações diretas do Tesouro Nacional e
tratamento favorável de impostos para setores ou empresas consideradas
estratégicas pelo governo federal3. Como sempre, o pragmatismo anglosaxão abandona a ideologia liberal que teoriza para efeitos externos e
aplica uma política industrial protecionista de mercado quando a
conjuntura assim o requer. Assim também é o caso do “Orphan Drug
Act”, lei aprovada em 1992, através da qual foi estabelecida uma série
de medidas visando apoiar o desenvolvimento tecnológico e a
industrialização de novas drogas destinadas ao combate de doenças que
afetassem a menos de 200.000 pessoas/ano. Empresas envolvidas em
tais programas recebem créditos fiscais referentes a dispêndios realizados
em testes clínicos e doações para o desenvolvimento das drogas, além
da exclusividade de mercado por sete anos, após a droga ter sido
aprovada pela FDA4 (Egon Weck, “Medicines Orphans: Drugs for Rare
Deseases”).
No caso japonês, de forma mais explícita as agências
governamentais MITI e JETRO são encarregadas, respectivamente, do
planejamento e acompanhamento de políticas tecnológicas, industriais
e de comércio exterior5. O MITI se vale de programas de desenvolvimento
tecnológico como instrumento básico para sua política industrial (AIST/
MICT). O engajamento do Estado japonês nas atividades de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico, embora tenha mudado de enfoque nos
últimos anos (menos engenharia reversa e mais atividade inventiva, como
no caso do Human Frontier Science Program), continua a ser exercida
até com maiores recursos públicos sendo aplicados.
As atuais metas tecnológicas do MITI se concentram na busca de
novos produtos e/ou materiais com alto valor agregado, que utilizam
tecnologias sofisticadas e se traduzem em processos produtivos não
poluentes. As drogas órfãs nesse país são aquelas requeridas por menos
de 50.000 pacientes/ano e ao seu desenvolvimento estão direcionados
conhecidos instrumentos de incentivo, tais como financiamento quase a
fundo perdido e redução de impostos, além de uma prioridade no exame
Richard M. Weintraub, “Clinton Stirs New Furor Over Airbus Subsidy”, Washington Post,
25/02/93. David Von Drehle, “Clinton Details Plan For Hi-Tech Project”, Washington Post,
23/02/93.
3
David Von Drehle, “Medicines Orphans: Drugs for Rare Deseases”.93.
Chalmers Jonhson, “MITI and the Japonese Miracle”.
6
“Japan: Feature - The Pharmaceutical Industry of Japan”, Japan Chemical Week, 19/05/
94.
4
5
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
49
pelo órgão de saúde e a concessão de uma exclusividade de mercado
por 10 anos6.
Dentro da política tecnológica francesa, subsídios para
financiamentos e renúncia fiscal são concedidos para grandes
empreendimentos ou para aqueles destinados a áreas estratégicas
selecionadas (Programa DATAR). Também se encontram linhas de
crédito subsidiado para pequenas e médias empresas, como as dotações
concedidas pela Société Française pour l’Assurance du Capital-Risque.
Suporte tecnológico às pequenas e microempresas é oferecido através
de programas específicos (programas ANVAR e ATOUT). Recentemente
foi lançado na França um programa para apoiar o desenvolvimento e a
industrialização de drogas órfãs, elaborado pelo Syndicat National de
l’Industrie Pharmaceutique para o governo federal7.
A Alemanha sempre deu ênfase especial à responsabilidade social
do mercado, cabendo ao Estado fazer com que os regulamentos sejam
cumpridos. A estratégia de ações industriais é estruturada em bases
consensuadas entre os principais agentes econômicos envolvidos (Estado,
bancos e empresas privadas), cabendo aos bancos privados a realocação
de recursos de um setor para o outro, dentro da estratégia industrial
assim definida pelo Estado, em parceria com o setor privado. Dentro da
política tecnológica e industrial alemã, o governo incentiva a implantação
de novas indústrias que incorporarem tecnologias modernas (como a
informática), formando agregados industriais estratégicos, constantes
do Programa Production 2.000/BMBF.
A Alemanha também subsidia, através do seu sistema financeiro
“privado”, as atividades de P&D industrial para empresas privadas em
setores de tecnologias de ponta (biotecnologia, informática, energia, etc.),
utilizando-se do programa Project Förderung. Também existem
programas específicos de apoio às pequenas e micros empresas, através
de juros subsidiados e com longos prazos de pagamento, como é o
Deutsche Ausgleichsbank e o Kreditanstalt für Wiederaufbau.
A política tecnológica e industrial italiana, que foi extremamente
intervencionista no passado, atualmente moderou tal orientação,
voltando-se basicamente para o desenvolvimento regional, a criação de
empregos e o estímulo às pequenas e microempresas na Região da
Terceira Itália, no centro/nordeste do país. Os Ministérios da Indústria e
de Ciência & Tecnologia da Itália vem buscando realizar um trabalho
mais articulado, em proveito da política tecnológica e industrial do país
(programas do MICA e do MURST).
7
Snips “White Paper on R&D”, Pharmaceutical Business News, 21/12/94.
50
Dante Alario Junior & Nelson Brasil de Oliveira
Como se vê pelas ilustrações acima apresentadas, todos os países
avançados no mundo usam políticas tecnológicas e industriais pró-ativas,
fartamente se valendo de subsídios governamentais ao setor privado via
financiamento a fundo perdido, contratações de projetos de P&D,
renúncias fiscais e reservas de mercado para compras governamentais
(tantas e tantas vezes declarada morta), ou expressas por monopólios
de patentes industriais. Não se pode afirmar que um desses instrumentos,
avaliado isoladamente, é mais importante ou prioritário do que o outro.
Em realidade, tratam-se de mecanismos que devem ser usados em
conjunto, e nas devidas proporções, para que resulte um considerável
efeito sinérgico que é o grande responsável pelo sucesso de tais políticas
nos países desenvolvidos.
Vale enfatizar a questão do Poder de Compra governamental, pois
ele pode, se bem articulado com os setores industriais privados,
transformar-se num grande formador e direcionador de mercado. Este é
um aspecto relevante na conjuntura em que vivemos , pois quase nada
acontece sem a existência de um mercado forte e significativo.
Obviamente para que se viabilizem tais políticas, necessário se faz
a existência de recursos financeiros suficientes e a um custo equivalente
àquele praticado nos países desenvolvidos. Objetivando contribuir para
a identificação de fontes para tais recursos, passamos a apresentar os
seguintes comentários sobre o TRIPs.
Os objetivos gerais do Acordo TRIPs (Trade Related Intellectual
Proprierty Protection Rights) aparecem em seu preâmbulo, que reproduz
conceitos inicialmente apresentados em 1986 pela Declaração de Punta
Del Este, visando a redução das distorções ao comércio internacional, a
promoção de adequada proteção dos direitos de propriedade intelectual
e a garantia que as medidas para reforçar os referidos direitos não
venham, por si mesmo, se tornar barreiras ao comércio legítimo. Tais
objetivos gerais devem ser interpretados em conjunto com o Artigo 7 do
TRIPs, intitulado “Objetivos”, segundo o qual “a proteção e o reforço
dos direitos da propriedade intelectual devem contribuir para a promoção
da inovação tecnológica e a transferência e disseminação do
conhecimento tecnológico de uma forma a conduzir o bem estar social e
econômico, e a um balanço entre direitos e obrigações”. A própria
Declaração Ministerial emergente da Rodada do Uruguai reconheceu,
ainda, a necessidade de ser estabelecido um fluxo contínuo e adequado
de financiamento aos países menos desenvolvidos.
Como 96% das patentes industriais registradas no mundo
constituem privilégios concedidos a titulares residentes em países
desenvolvidos, à tais nações deveriam naturalmente caber as obrigações
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
51
contidas no mencionado Artigo 7 de TRIPs, na busca de um melhor
balanço entre direitos e obrigações.
Embora a Organização Mundial do Comércio (OMC) não disponha
de organismos próprios destinados a promover a inovação, a
transferência e a disseminação de tecnologia para os países menos
desenvolvidos, existem agências financeiras internacionais que vem
promovendo atividades nessa área, tais como o Banco Mundial (através
do BIRD, IDA, IFC e MIGA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Banco Europeu de Investimento (BEI).
A OMC de um lado, e os mencionados organismos financeiros de
outro, constituem grupos de entidades distintas que, a despeito de
desenvolverem diversos trabalhos em conjunto, têm autonomia de ação
própria. Como, no entanto, pertencem à mesma comunidade de nações
no mundo, pode-se considerar que atuam de forma complementar em
seus objetivos comuns. Assim, acreditamos que a obrigação a ser
assumida pelos países desenvolvidos através do estabelecido pelo Artigo
7 de TRIPs, visando promover a inovação, a transferência e a
disseminação de tecnologia para os de menor desenvolvimento
econômico, deveria ser expressa via financiamentos em condições
extremamente privilegiadas, conduzidos através das mencionadas
instituições financeiras. A criação de linhas de financiamento específico
para tal destinação serviria, até mesmo, como um incentivo para o reforço
do direito proprietário nos países menos desenvolvidos, tão desejado
pelos países de primeiro mundo e como requerido em TRIPs.
Já existem linhas de financiamento em condições privilegiadas para
projetos tecnológicos voltados ao meio ambiente ou correlatos, em temas
do interesse do primeiro mundo. Mesmo assim, é requerida a
contrapartida da ordem de 50% pelo ente público nacional, que
sabidamente não tem sido disponibilizada nos últimos programas
orçamentários brasileiros, fato que vem retardando e até mesmo
inviabilizando a implementação de projetos prioritários no País.
Dentro desse cenário, entendemos que deveria ser buscada pelo
governo brasileiro a ampliação do escopo de tais linhas de financiamento
internacional em condições privilegiadas, para atender a demanda
apresentada pela carência de uma infra-estrutura tecnológica básica
necessária para o setor produtivo nacional, cabendo ao setor privado a
responsabilidade pela contrapartida exigida pelos referidos organismos
internacionais, sob a coordenação do Estado.
Entendemos, outrossim, que o aprofundamento do direito
proprietário estabelecido em TRIPs, lido pela ótica de seus objetivos,
somente deveria ser exigido pela OMC quando efetivamente se tornar
52
Dante Alario Junior & Nelson Brasil de Oliveira
disponível, em organismos financeiros internacionais, a contrapartida
das nações desenvolvidas visando a criação da competência técnica nos
países em desenvolvimento, especialmente financiamentos em termos
privilegiados para a inovação, a transferência e a disseminação de
tecnologias. Essa deveria constituir uma firme disposição do governo
brasileiro nessa matéria em foros internacionais.
Há que se recuperar um enorme e crescente “gap” tecnológico
existente entre o Brasil e os países desenvolvidos, que ameaça por
obsolescência todo o setor produtivo instalado no País. Diversas razões,
a maioria delas alheias às capacidades decisórias dos agentes econômicos
privados atuantes no setor produtivo nacional, como procuramos ilustrar
nesta apresentação, explicam a inibição de investimentos nessa área.
A despeito de tudo isso, ainda há tempo para o País recuperar sua
vocação de grandeza expressa pelas suas dimensões continentais, aliadas
à fartura de recursos naturais e qualificação de recursos humanos. Mas
para tanto é requerido que haja desenvolvimento tecnológico autóctone,
que passa pela construção de quadros de P&D na empresa privada,
apoiado em recursos oriundos de planejamento estratégico nacional,
montado em parceria do setor público com o setor privado, constituindose tal política um objetivo nacional a ser tratado com prioridade pelo
Estado.
BIBLIOGRAFIA
Office of Managment and Budget of the united States Government
David Von Drehle, “Clinton Details Plan For Hi-Tech Project”, Washington Post, 23/02/93.
Richard M. Weintraub, “Clinton Stirs New Furor Over Airbus Subsidy”, Washington
Post, 25/02/93.
David Von Drehle, “Clinton Details Plan For Hi-Tech Project”, Washington Post, 23/02/93.
Egon Weck, “Medicine’s Orphans: Drugs for Rare Deseases”.
Chalmers Jonhson, “MITI and the Japanese Miracle”.
“Japan: Feature – The Pharmaceutical Industry of Japan”, Japan Chemical Week, 19/05/
94.
SNIP’s “White Paper on R&D”, Pharmaceutical Business News, 21/12/94.
Resumo
Neste artigo, discute-se a importância de se transferir os resultados de pesquisas
desenvolvidas nas universidades públicas para o setor industrial nacional, que adequaria a
tecnologia ao produto final e, por sua vez, efetuaria o pagamento de “royalties” às universidades. Como consequência, o incremento da parceria entre o setor público e o setor
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
53
privado ajudaria a dinamizar a pesquisa e o avanço tecnológico de uma forma geral e,
assim sendo, na opinião do autor, a questão deveria ser tratado como prioridade do Estado. O artigo apresenta alguns exemplos de políticas tecnológicas bem sucedidas desenvolvidas em países como os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão e a França, entre outros.
Abstract
The article discusses the importance of bridging public universities and private
companies. Through a joint effort the products of the research activities developed by
universities could be transferred to private companies to be effectively transformed into
new products. On the other hand the companies could pay royalties to universities aiding
additional resources to them. Considering the potential effects of such practices Brazilian
Governments should give priority to policies fostering partnership between private
companies and public universities. The article also presents few examples of successful
initiatives carried out by countries such as the U.S., Germany, Japan, and France.
Os Autores
DANTE ALARIO JUNIOR - Diretor da BIOLAB SANUS FARMACÊUTICA LTDA, Conselheiro da ALANAC (Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais) , Presidente da
ALIFAR (Associação Latino Americana da Indústria Farmacêutica)
NELSON BRASIL DE OLIVEIRA, Vice-Presidente da ABIFINA (Associação Brasileira das
Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades)
54
Dante Alario Junior & Nelson Brasil de Oliveira
Política e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
55
As empresas de pesquisa sob
contrato: um exemplo de
integração pesquisa - indústria
PAULO CÉSAR SIQUEIRA
A aplicação do método científico ao desenvolvimento de novos
processos ou produtos, a partir do final do século XIX e do início do
século XX, provocou uma revolução no sistema industrial. Uma nova
dinâmica de desenvolvimento tecnológico se estabeleceu para melhor
adaptar os produtos ao gosto dos clientes e às exigências do mercado. O
uso e a difusão de novas tecnologias, bem como a internacionalização
da economia exigemumesforço de adaptação do industrial para se
manter no mercado. Torna-se necessário dispor de recursos humanos e
materiais suficientes para dominar um conjunto de competências
científicas e técnicas que, devido a sua complexidade e ao seu custo,
nem sempre são acessíveis. O industrial deve então complementar sua
capacidade para se tornar mais competitivo. O recurso à competência
externa se justifica em função do ganho de tempo e do lucro que se
pode obter.
Grande parte dos avanços tecnológicos são produzidos em
instituições públicas de pesquisa que nem sempre estão aptas a explorar
sua propriedade intelectual. A ligação com a indústria tende a facilitar
a comercialização das tecnologias desenvolvidas. A existência de
laboratórios de pesquisa industriais não impede porém que as empresas
interessadas em desenvolver seus próprios produtos recorram à
competência externa para complementar sua capacidade técnica. Esta
iniciativa favorece a transferência de tecnologia 1 e o acesso a
conhecimentos essenciais para garantir ao industrial uma posição de
vantagem no mercado.
A participação de centros acadêmicos europeus na produção de
conhecimento voltados ao desenvolvimento industrial é cada vez mais
significativa.2 Este processo, definido como science push, designa o uso
Esta expressão designa o processo pelo qual a indústria incorpora ao seu patrimônio uma
tecnologia desenvolvida em um outro setor ou por um outra agência, pertencente ou não
à mesma empresa. No plano internacional, indica a incorporação ao patrimônio de um
país de uma tecnologia desenvolvida no exterior.
1
Sobre o assunto, veja: CASSIRER, Maurice, Les contrats de recherche entre l’université et
l’industrie: l’émergence d’une nouvelle forme d’organisation. Paris, Escola de Minas, 1995. Tese
de doutorado.
2
56
Paulo César Siqueira
de mecanismos especiais para exploração comercial das idéias, técnicas
ou produtos desenvolvidos pelas universidades ou organismos públicos
de pesquisa. Os meios comumente utilizados são o registro de patentes,
a concessão de licenças, a participação em programas conjuntos de
pesquisa e a criação de empresas associadas. Devido à concorrência de
empresas especializadas de pesquisa e consultoria em tecnologia, há uma
certa dificuldade destes centros em manter seus parceiros industriais.
Tal processo cria uma situação paradoxal que exige também uma
certa competência no plano comercial. Segundo Webster, na medida
em que o setor público de pesquisa assume o papel de empresário, o
industrial se mostra mais reticente a adquirir o fruto de sua produção
intelectual.3 Com efeito, a concorrência entre as entidades públicas e a
indústria se amplia com o surgimento de empresas de comercialização
tecnológica associadas às universidades. Estes estabelecimentos são
criados em áreas onde normalmente não há interesse da iniciativa
privada, mas na medida em que se tornam mais atuantes a concorrência
se intensifica. A análise deste aspecto foge, porém, ao escopo do presente
trabalho.
Oberva-se uma crescente interação entre as instituições públicas e
privadas em prol da união pesquisa/indústria. Esta interação contribui
para transformar uma idéia ou invenção em uma verdadeira inovação,
ao possibilitar a aplicação do conhecimento científico e tecnológico ao
desenvolvimento de um produto ou processo aceito pelo mercado. Esta
situação reflete uma tendência para uma relação mais flexível e para
uma nova forma de organização industrial, calcada na subcontratação
da pesquisa e do desenvolvimento de tecnologia. Constitui uma tentativa
de solução do conflito potencial entre a pesquisa fundamental e seu uso
comercial.
As empresas de pesquisa sob contrato (EPCs) assumem um papel
fundamental como fonte alternativa de conhecimento e de
desenvolvimento tecnológico neste processo. O presente artigo, baseado
na atuação de grupos privados franceses, analisa sua importância como
instrumento de ligação entre a pesquisa científica e a indústria. Trata-se
de um estudo das formas de atuação destas empresas e de sua
participação no mercado. Busca-se mostrar se as vantagens que lhes são
conferidas justificam a existência do modelo. Parte-se da hipótese
segundo a qual a evolução industrial, tendo criado uma demanda de
O autor se refere à estratégia americana de desenvolvimento tecnológico, ao análisar a
proposta de implantação na Grã Bretanha dos Centros Faraday de Pesquisa, baseados no
modelo das EPCs. Veja WEBSTER, Andrew,”Bridging institutions: the role of contract research
organisations in technologiy transfer”. In Science Policy, volume 21, no. 2, Abril /1994, pp.
89-97.
3
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
57
serviços tecnológicos especializados, possibilitou o seu surgimento.
Embora menos representativas do que algumas congêneres européias, a
escolha de empresas francesas se deve às suas caraterísticas e forma de
atuação como instituições de pesquisa. A menção aos organismos
públicos facilita a compreensão do papel destes grupos no sistema de
inovação.
Este artigo traça ainda um perfil destas empresas, a partir de sua
definição e da análise de seus objetivos e características. Explica como se
faz a ligação pesquisa/indústria e em que modalidades. Apresenta um
breve panorama sobre as EPCs na Europa, ressaltando sua importância
como mecanismo de transferência de tecnologia. Avalia sua adequação
e capacidade de atender às exigências da indústria, a partir da relação
destas empresas de pesquisa com os seus parceiros científicos e clientela.
Para melhor compreender o papel das empresas de pesquisa sob contrato
neste contexto, faz-se necessário um estudo prévio dos mecanismos de
ação de outras fontes similares de tecnologia.
FONTES EXTERNAS DE TECNOLOGIA
Os laboratórios dos centros de ensino superior, dos institutos e
organismos públicos de pesquisa são fontes tradicionais de conhecimento
e de desenvolvimento técnico-científico externas à empresa. Além destes
centros e de algumas entidades ligadas ao setor industrial, existem
estruturas melhor adaptadas para a transferência de tecnologia à
indústria, como as empresas de pesquisa sob contrato.
A França já dispõe de um potencial capaz de fornecer à indústria,
inclusive pequenas e médias empresas (PMEs)4 , os parceiros tecnológicos
dos quais ela depende para se ter acesso às novas tecnologias. As
universidades, as escolas politécnicas e de engenharia, os institutos
universitários de tecnologia e os organismos públicos constituem uma
parte importante de sua infra-estrutura de pesquisa. Além destes centros,
estruturas especiais foram criadas para promover a ligação entre a
pesquisa científica e a indústria, tais como os centros regionais de inovação
e transferência de tecnologia (CRITTs) e os centros técnicos industriais
(CTIs).
Considera-se uma PME na França o conjunto de pequenas e médias empresas industriais,
comerciais ou prestadoras de serviço que possuam um efetivo de 10 à 500 pessoas, à
excessão das empresas agrícolas. Devido ao uso corrente deste critério, as firmas com
menos de 10 funcionários são tidas como artesanais. Esta definição não reflete a realidade,
uma vez que muitas empresas de tecnologia de ponta com menos de 10 empregados,
sobretudo em informática e biotecnologia, não são de fato artesanais. Mesmo no Brasil,
onde o número de empregados por empresa é geralmente maior, elas assumem um papel
importante na economia do país.
4
58
Paulo César Siqueira
O sistema tradicional de pesquisa presta diversas formas de
assistência à indústria. As universidades e os institutos públicos, por
exemplo, firmam contratos específicos com os industriais para a
realização de pesquisa aplicada com objetivos pré-definidos. As empresas
associadas às universidades ou às escolas francesas de engenharia
colaboram com a indústria no desenvolvimento de estudos técnicos sob
contrato. Alguns organismos públicos, como o Centro Nacional de
Pesquisa Científica (CNRS) comercializam os resultados de seu trabalho
através da concessão de licenças para a exploração de patentes e do
know how produzidos em seus laboratórios estimulando, inclusive, a
abertura de novas empresas.5 Esta cooperação ocorre normalmente em
áreas onde o industrial não detem a capacitação necessária ou busca
complementar sua competência em relação à atividade principal para
optimisar seus custos.
As empresas de desenvolvimento tecnológico associados às
universidades pertencem a estruturas tradicionais, calcadas na criação
e na difusão de conhecimentos. Suas funções de transmissão de resultados
não dependem a priori de uma lógica comercial. Devido ao seu status
jurídico e estrutura, elas enfrentam limitações administrativas que podem
levá-las a funcionar como filiais de seus órgãos de origem, relegando ao
segundo plano a atividade de transferência de tecnologia. As condições
de trabalho de seus pesquisadores e técnicos devem as vezes se adaptar
à formação universitária, exigindo um sistema de avaliação diferenciado
e mais oneroso do que o adotado pela indústria. Além da dificuldade de
contratação de pessoal, há uma desconfiança em relação à atividade
comercial. O empresário deve então levar em conta a especificidade de
cada fonte antes de optar por uma intervenção externa.
O caso da Sociedade Gradient é uma exceção exemplar. Nascida de
uma associação com a Universidade de Tecnologia de Compiègne em
1973, ela emprega trinta pesquisadores a tempo integral e registra um
volume de negócios de US$ 7,4 milhões, dos quais 75% como resultado
de contratos com a indústria. As escolas de engenharia também são
dinâmicas e buscam uma maior aproximação com os industriais. A
Segundo a Comissão de Relação com as Empresas, mais de 1400 licenças foram concedidas pelo CNRS a 850 parceiros: PMEs ( 65,1% ), grandes empresas (26,4%) e organismos
públicos (6,1% ). Muitas delas caducaram ou foram anuladas por falta de exploração comercial. A maioria das 530 licenças ativas são nas áreas de biotecnlogia, eletrônica, informática
e materiais. O número de patentes registradas pelo CNRS se estagnou em cerca de 90 por
ano, mas as patentes ativas não chegam a 700. As empresas americanas registram o maior
percentual de patentes na França ( 26,6% ), seguidas pelas empresas francesas, japonesas e
alemãs, que mostram um desempenho similar ( 16,5 %). Veja: Les relations avec les entreprises.
Paris, MRE/CNRS, junho de 1995. pp 11-12, e Science et technologie - indicateurs 1994. Paris,
Ed.Economica/OST, 1995, pp 86-87.
5
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
59
Armines, por exemplo, congrega 70 laboratórios das escolas de minas e
politécnicas, empregando 350 funcionários, dos quais 200 engenheiros.
Esta associação gera 2 000 contratos por ano, por um volume de negócios
da ordem de US$ 26 milhões, sendo que 50% resultante de contratos
com as PME.6
Algumas fontes de tecnologia são muito semelhantes às empresas
de pesquisa sob contrato, quanto à sua missão e forma de atuação. Como
observa-se a seguir, os CRITTs, os CTIs e as empresas de consultoria em
tecnologia constituem uma boa referência para o estudo das EPCs. Estes
centros tecnológicos prestam ao industrial assessoria técnica para a
solução de problemas específicos e serviços de pesquisa sob contrato e
consultoria. Suas características e natureza lhes garantem uma posição
privilegiada no sistema e afirmam sua capacidade de trabalhar
profissionalmente com o industrial. Dentre os fatores que facilitam sua
ação, destacam-se:
• disponibilidade de pesquisadores, engenheiros e técnicos
especializados, trabalhando em um local determinado, que se
responsabilizam pela interação com a clientela;
• área de atuação normalmente bem delimitada e disponibilidade
de infra-estrutura material, máquinas e equipamentos apropriados, no
próprio local ou de fácil acesso;
• tendência a manter um equilíbrio financeiro a partir dos serviços
prestados à indústria.
OS CENTROS REGIONAIS DE INOVAÇÃO E DE TRANSFERÊNCIA DE
TECNOLOGIA
Os centros regionais de inovação foram criados pelo governo francês
em 1982, a fim de se estabelecer uma ligação entre os laboratórios de
pesquisa e a indústria, principalmente pequenas e médias empresas.
Podem ser definidos como a concentração em um mesmo local das
competências de diferentes parceiros, tais como: instituições de ensino
superior, organismos públicos de pesquisa, empresas, centros técnicos,
associações comerciais e profissionais. Estes centros têm um papel
importante no crescente interesse das empresas regionais pela pesquisa.
Seu objetivo consiste em colocar à disposição do industrial instrumentos
de produção desenvolvidos em conjunto, para assegurar a modernização
e a reconversão de setores industriais, favorecendo o surgimento de uma
nova capacidade de produção de maior valor agregado7 .
6
Veja CAVALIER, Michel, Le conseil en hautes tecnologies. Paris, STS/CNAM, 1995, p. 129.
7
Veja OCDE, La politique d’innovation en France. Paris, Econômica, 1986.
60
Paulo César Siqueira
Os CRITTs possuem, em sua maioria, status de associação sem fins
lucrativos, estabelecido pela lei de 1901. Sua personalidade jurídica,
aliada à capacidade de trabalhar em estreita colaboração com as
instituições de ensino superior, lhes conferem uma flexibilidade de ação
que facilita a adaptação de suas ações às características de cada região.
No princípio, estes centros desenvolviam atividades de consultoria, de
sensibilização ou de coordenação das relações laboratório de pesquisa/
empresa, assegurando-lhes a prestação de serviços técnicos. Na medida
em que suas ações começaram a ser reconhecidas, passaram a
desenvolver estudos técnicos e a concepção de produtos e novos
processos. As soluções tecnológicas oferecidas pelos centros de regionais
de inovação emanam principalmente dos centros e institutos
universitários de tecnologia, das escolas técnicas e de engenharia. Junto
a estas instituições eles reciclam seus conhecimentos sobre a evolução
tecnólogica recente de interesse das empresas, atuando como pontas de
lança dos centros acadêmicos de pesquisa.
Quanto à disponibilidade de recursos, os CRITTs possuem pessoal
técnico capacitado, infra-estrutura e equipamentos adequados e para o
exercício de suas funções. Podem recorrer aos créditos da Agência
Nacional de Valorização da Pesquisa (ANVAR), em condições similares
àquelas dadas às EPCs. Para efeito de cálculo destes subsídios, leva-se
em conta o total dos recursos humanos e materiais já colocados à sua
disposição, como entidade pública, pelo Estado ou pela União Européia.
Estes recursos lhes permitem arcar com as despesas não cobertas por
fundos próprios.
Existem cerca de 60 CRITTs, distribuídos em 20 regiões francesas.
Estes centros possuem uma clientela de 4 000 empresas, composta na
sua maioria de PMEs. Empregam 600 pessoas, perfazendo um volume
total de negócios da ordem 25 milhões de dólares americanos8 . Dois
bons exemplos de atuação são o Centro de Tratamento de Superfícies de
Champane Ardenne, a primeira entidade deste gênero, criada em 1982,
e a Associação para o Desenvolvimento da Pesquisa nas Indústrias
Agropecuárias (ADRIAC), criada em 1983, na mesma região. O CRITT
de Tratamento de Superfícies, trabalhando em colaboração com a
Universidade de Reims e o Centro Técnico das Indústrias Mecânicas
(CETIM), presta aos industriais serviços de assistência técnica, formação
de pessoal, controle de revestimento de materiais, sobretudo plásticos e
metais. Dentre os trabalhos realizados para mais de 220 empresas, citamse controle de corrosão de carrocerias para a FIAT e a Volkswagen e o
Fonte: Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa, Les centres de ressources technologiques
pour l’innovation dans les PME. Paris, MERS, fevereiro/1995, p. 20. Para facilitar a compreensão, os valores em dólares no presente artigo resultam da conversão de francos franceses
a uma taxa média corrente de 5 francos por dólar.
8
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
61
tratamento de tubos e turbinas para a indústria aeronaútica na Europa.
O CRIIT ADRIAC, nascido da estreita colaboração com a Universidade
de Reims, promove a transferência de tecnologia para a indústria
agropecuária local no que se refere à conservação e transformação de
produtos agroindustriais. Atua na pesquisa sobre conservação de
alimentos e desenvolve produtos e embalagens para a “Air Liquide” e a
“Beghin-Say”.
Estes centros regionais recorrem normalmente ao capital privado,
porém, devido ao seu status de entidade pública amparada por lei,
dependem da subvenção do Estado para o seu funcionamento. Esta
relação de dependência supõe a harmonização de suas ações à política
científica e tecnológica do governo francês, o que pode dificultar seu
trabalho. As ações de sensibilização, por exemplo, devem ser
coordenadas pelo poder público, pois dependem de medidas jurídicas e
político-econômicas. Estas atividades requerem também a motivação das
pessoas envolvidas e sua adequação ao perfil exigido. Mas, os organismos
que incentivam a participação de seus quadros no processo de
transferência de tecnologia pouco favorecem a re-utilização da
capacitação adquirida, nem tão pouco a reconhece para efeito de
ascenção na carreira. Portanto, o ideal é que estes centros sejam menos
dependentes e mais agéis, diferenciando-se de seus parceiros acadêmicos,
a fim de que se tornem mais eficazes no seu papel de ponte pesquisa/
indústria. Sua capacidade de detectar oportunidades de inovação onde
elas estão disponíveis deve ser preservada.
OS CENTROS TÉCNICOS INDUSTRIAIS
Criados pelo poder público no fim da década de 40, os centros
técnicos industriais se originam dos setores profissionais correspondentes.
Seu objetivo é de contribuir para o desenvolvimento da pesquisa, aumento
da produtividade e melhoria do controle de qualidade nas empresas. As
atividades destes centros se dividem em pesquisa e desenvolvimento
(P&D) de interesse geral para o setor ao qual pertencem e suporte às
pequenas e médias indústrias (PMIs) em suas ações de normalisação,
assistência técnica, registro de patentes, formação de pessoal e
subcontratação de pesquisa. Estas ações coletivas facilitam o acesso destes
centros industriais aos programas europeus e lhes oferecem a
oportunidade de testar novos processos.
Os 18 centros técnicos existentes na França empregam mais de 2500
pessoas que buscam atender às necessidades das PMIs. Os serviços de
assistência técnica especializada, de consultoria e transferência de
tecnologia representam 30% de sua atividade global. 9 No início da
9
Fonte: MESR op. cit. pp 23-24.
62
Paulo César Siqueira
década de 80, estes centros evoluiram com o emprego de novos
procedimentos ligados às tecnologias genêricas. O Centro Técnico das
Indústrias de Vestiário (CETIH), por exemplo, adotou o corte a laser e a
concepção e fabricação assistida por computador.
O financiamento de suas atividades é parcialmente garantido por
uma taxa parafiscal assumida pelas empresas do setor pertinente, que
cobre 40% das despesas de P & D coletivo e de normalisação técnica. O
restante dos gastos é financiado pelos contratos mantidos com as
empresas (cerca de 50% do total) e pela participação destes organismos
nos programas da União Européia. Os participantes dos cursos de
formação devem arcar com 10% dos custos.
Os CTIs são normalmente limitados por sua organização em ramos
industriais para promover, de forma eficaz, a adaptação e a difusão de
tecnologias inovadoras. Observa-se uma desconfiança dos industriais,
principalmente de grandes grupos, em relação a sua atuação, justificada
pelo receio de fuga de informação e pirataria. Como estes centros
trabalham com várias empresas do mesmo setor, não há garantia de um
atendimento específico mais adequado. Alguns empresários afirmam
inclusive que a constante preocupação com a carreira científica inibe
evolução destes centros em termos de tecnologia e concepção de produtos.
Os centros técnicos industriais e os centros regionais de inovação
cumprem um papel relevante de instituição de pesquisa e de transferência
de tecnologia para a indústria. Oferecem, inclusive, serviços equivalentes
aos prestados pelas empresas de pesquisa sob contrato, mas algumas
particularidades os separam destas empresas. As duas primeiras
categorias trabalham quase exclusivamente com as PMEs e suas
atividades são mantidas por recursos públicos. Já a viabilidade econômica
de uma verdadeira EPC resulta de sua atividade comercial. A expectativa
destas instituições é de possuir uma clientela sólida de grandes empresas
e de PMIs ativas, capazes de manter uma demanda de tecnologias
inovadoras. A tipologia de seus clientes varia e uma estrutura de
transferência de tecnologia mais leve permite a oferta de uma gama de
atividades melhor adaptadas aos interesses do industrial.
AS EMPRESAS DE CONSULTORIA EM TECNOLOGIA
Depreende-se dos modelos descritos uma similariedade de serviços
oferecidos aos industriais e uma propensão à especialização, que depende
da fonte de tecnologia, do parceiro científico e do cliente visado. As
empresas de consultoria em tecnologia não fogem a esta regra. Apesar
de muitas instituições de pesquisa oferecerem serviços de consultoria
tecnológica, algumas empresas privadas se especializam neste campo.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
63
As sociedades de serviços e de engenharia da informação (SSEIs), na
França, se prestam melhor à sua análise.
Criadas na década de 60 por engenheiros oriundos das fábricas de
equipamenos ou das grandes empresas de serviços de informática, as
SSEIs caracterizam-se pela prestação de consultoria, mantida por pessoal
técnico qualificado. Suas equipes compõem-se normalmente de
engenheiros e técnicos especializados, capazes de promover a atualização
de processos industriais e de desenvolver tecnologias de ponta. Os serviços
propostos à indústria se referem a aplicação da informática à sua
organização, gestão e estratégia de produção e vendas. Além da
implantação de redes de comunicação e de processamento de dados,
estas empresas realizam estudos e testes para a concepção de produtos
de maior valor agregado.
Visando atender a esta demanda, as SSEIs ampliaram sua área de
atuação, passando da telemática para a automática, incluindo atividades
no campo da robótica e da gestão da produção assistida por
computadores. Algumas empresas de serviços se especializaram no
desenvolvimento de softwares especiais para as indústrias aeronaútica,
automobilística, espacial e de telecomunicações. A Altran Tecnologias,
por exemplo, inovou recusando-se a exercer suas atividades unicamente
no campo da informática. Apesar de derivada desta concepção, abriu o
leque de suas qualificações para as áreas de mecânica e óptica, dentre
outras, dotando-se de um significativo potencial para a prestação de
serviços de consultoria.
Estas empresas atuam junto aos industriais sob duas formas:
prestação de serviços sob contrato e oferta de pessoal qualificado. A
primeira forma corresponde a uma subcontratação externa. Engloba a
realização de um estudo ou a concepção de um produto, a partir de um
cronograma de atividades executado com os recursos da empresa de
consultoria que cobra pelo serviço prestado. A segunda, refere-se ao
deslocamento de pessoal especializado para a execução de trabalhos
sob o controle e com os recursos materiais do industrial. Neste caso, a
prestadora cobra pelo tempo de trabalho dispendido pelo seu técnico
junto ao cliente.
A atividade de consultoria, no sentido de emissão de
recomendações, é considerada vantajosa em termos de penetração no
mercado. Mesmo não representando um grande volume de negócios,
ela permite uma colaboração com cliente na fase de elaboração de um
projeto. Esta interação prévia abre ao prestador a oportunidade de ocupar
um lugar privilegiado quando da escolha dos eventuais parceiros para
sua execução. As empresas de consultoria são tidas como fontes
importantes de conhecimento em termos de metodologia, organização e
64
Paulo César Siqueira
acompanhamento de projetos. A prestação de consultoria tecnológica à
indústria não é um privilégio recente das SSEIs, pois as empresas de
pesquisa sob contrato as precederam na oferta deste serviço. As vantagens
atribuídas às empresas de consultoria podem ser explicadas quando se
reconhece seu trabalho como parte de uma atividade econômica
especializada.10
Estas empresas, mesmo com a ampliacão de sua área de atuação,
são limitadas para resolver questões complexas de inovação tecnológica,
em função de sua compêtencia e da especificidade de seu trabalho. A
especialização no campo da informática pode, por exemplo, facilitar
sua intervenção em outras disciplinas, mas não é suficiente para permitirlhe a aquisição de competência em outros setores, a menos que seja
motivada por um interesse objetivo que justifique o investimento. Como
demonstra a análise a seguir, o espectro de ação das EPCs é mais amplo.
Inclue também serviços de consultoria tecnológica, assegurados por
divisões especiais ou pela associação com empresas especializadas nesta
atividade.
AS EMPRESAS DE PESQUISA SOB CONTRATO
As EPCs surgiram na década de 50 para atender as necessidades
de inovação das pequenas e médias empresas. São definidas como
agências ou empresas públicas e privadas, especializadas no domínio
das tecnologias genéricas 11, que prestam serviços de pesquisa e
desenvolvimento técnico a terceiros. Esta acepção ampla pode englobar
desde grandes empresas públicas de pesquisa até agências
governamentais, como o CNRS, recentemente atraídas a participar do
mercado de tecnologia pela possibilidade de ganhos com tais atividades.
Apesar de prestarem serviços similares, elas não se enquadram como
empresas de pesquisa sob contrato, devido ao seu status jurídico e à sua
estrutura administrativa. O que não as impede de competirem com
agências públicas ou privadas pelos contratos de pesquisa.
Trata-se de uma forma complementar de tratamento da tecnologia, adaptado às necessidades da indústria. Pode assumir características clássicas de consultoria, sob a óptica de
serviços e deontologia, ou a especificidade de ações tecnológicas de âmbito plurisdisciplinar.
Segundo Cavalier (op. cit. p 4-7), é uma assistência tecnológica prestada por uma equipe
especializada para optimizar a execução de uma tarefa em relação a uma solução interna.
Esta acepção ampla da atividade não a distingue das ações das EPC, capacitando ambas as
fontes a realizá-la.
10
Entende-se como tecnologia genêrica o conjunto de conhecimentos, processos e técnicas
comuns a diversos setores industriais e atividades econômicas. O termo refere-se às
tecnologias avançadas ou de ponta, como informática, biotecnologia e novos materiais,
cujo uso generalisado contribui para o desenvolvimento de muitas áreas de conhecimento.
11
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
65
Alguns organismos de ligação pesquisa/indústria dependem da
administração pública para assegurar a maioria do financiamento de
suas ações, o que contraria a filosofia de uma empresa autônoma atuando
em um mercado competitivo. Várias EPCs na França estão vinculadas
aos órgãos públicos, como a Armines, a Gradient e a Central Recherche.
O mesmo se dá com a alemã Fraunhofer-Gesellschat (FhG) e a
Organização Holandesa de Pesquisa Científica Aplicada (TNO),
responsáveis por um grande número de pesquisas sob contrato na
Europa. Estes organismos possuem um status jurídico que lhes conferem
uma posição de vantagem em relação às instituições privadas na oferta
de serviços de pesquisa e de desenvolvimento tecnólogico em diversos
domínios do conhecimento.
Foco de análise deste artigo, as EPCs privadas ao contrário devem
assumir os riscos do mercado e se mostrar capazes de enfrentar uma
concorrência sem depender diretamente do govermo. Sua missão denota
um carácter comercial de prestadora especializada na área tecnológica
para atender às necessidades de competitividade do cliente. Organizadas
a partir de estruturas leves, tais empresas são concebidas para permitir
a execução de um projeto desde a fase de elaboração até a concepção de
um protótipo. Suas ações visam proporcionar à indústria soluções
operacionais, a um custo acessível em relação ao seu desenvolvimento
interno. Estes grupos privados, como é o caso da Batelle nos Estados
Unidos e da Bertin & Cia na França, participam ativamente no
desenvolvimento de pesquisa e de novos processos, explorando seu
potencial para encontrar soluções nem sempre imaginadas.
Tais empresas, em função de uma concorrência cada vez mais
acirrada, colocam à disposição do industrial uma gama de conhecimentos
pluridisciplinares e de competências variadas. Suas atividades, também
regidas por contratos formais de subcontratação ou de fornecimento de
mão de obra qualificada, se diferenciam da simples prestação de serviço,
peculiar às empresas de consultoria.
Além das particularidades descritas e de sua dinâmica de ação, as
EPCs se distinguem dos organismos públicos pelas seguintes
caractéristicas: independência comercial em relação ao Estado e aos
grupos industriais; transferência de tecnologia ao cliente através de
contratos privados e individuais; tendência a uma alta especialização
tecnológica; abertura a todo tipo de cliente, independentemente do setor
industrial ou da àrea de atuação; disponibilidade de recursos próprios
para realizar pesquisas, desenvolver novos processos e comercializar seus
resultados, através de filiais ou da concessão de licenças e patentes. Seus
recursos humanos se compõem de engenheiros e técnicos especializados
que assumem ao mesmo tempo o papel de equipe de pesquisa e de
desenvolvimento tecnológico. Por estes critérios de identificação, algumas
66
Paulo César Siqueira
instituições não são consideradas empresas clássicas de pesquisa sob
contrato. Somam-se ao exemplo do CNRS os centros públicos de pesquisa
e ensino superior, as filiais dos grupos industriais, os laboratórios
exclusivamente de testes e análises, os escritórios de engenharia e
consultoria e enfim as SSEIs.
As empresas de pesquisa sob contrato garantem uma prestação de
serviços similar à subcontratação de produção industrial. Elas
desenvolvem trabalhos sob encomenda, regidos por claúsulas contratuais
que definem as condições de realização e até questões relativas à
propriedade intelectual resultante de uma ação conjunta. Além de ações
pontuais no caso de blocagem industrial, as EPCs oferecem à sua clientela
os seguintes serviços: pesquisa sob contrato; estudos de prospecção e
viabilidade; serviços de consultoria, de formação e assistência tecnológica
complementar à atividade principal do industrial; cessão de pessoal
técnico especializado; projetos de optimização da produção industrial;
realização de testes; avaliação de soluções técnicas; concepção de
protótipos e industrialização de produtos.
Muitos autores reconhecem o importante papel destas instituições
como agentes de ligação entre os órgãos públicos de pesquisa e a
indústria. Argumentam em sua defesa que a pesquisa acadêmica e a
indústria constituem dois sistemas sociais com objetivos, atribuições,
linhas de ação e limitações bem diferentes.12 As universidades estão
melhor adaptadas a desenvolver pesquisa básica ou pré-competitiva,
caracterizada por uma menor especificidade, maior incerteza e longo
prazo de realização a um custo razoável. Os laboratórios industriais
desenvolvem em geral pesquisa aplicada à concepção de um produto.
Neste caso, há maior especificidade, menor grau de incerteza e o prazo
de execução da pesquisa é reduzido para amortecer seu alto custo. Tais
particularidades impedem uma ligação direta entre estes sistemas, no
âmbito de uma organização tradicional. Esta descontinuidade entre a
geração do conhecimento científico e sua aplicação tecnológica suscita
a mediação de organismos especializados para integrar eficaz e
coerentemente suas diferentes características.
Visualiza-se a importância das EPCs, como agências de ligação
pesquisa/indústria, representando-as no gráfico a seguir que analisa a
Argumento baseado na análise de aspectos culturais entre as “agências de interface”, os
centros acadêmicos de pesquisa e de P & D industriais. Além dos tradicionais indicadores de
êxito, como número de publicações, prêmios acadêmicos e produtos comercializados, comparou-se ainda a finalidade do esforço de pesquisa. Os resultados obtidos mostram que os
pesquisadores dos centros universitários buscam o reconheciemento de seus pares. As
agencias de ligação visam o cliente e os centros industriais de pesquisa buscam atender os
objetivos da companhia. Veja BRAUNLING, G. Public policies, supporting technology
appropriation. Monografia apresentada na Conferência sobre Tecnologia e Competitividade,
MIAT/ OCD, junho de 1990, p 3.
12
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
67
PRODUTORES E UTILISADORES DE CONHECIMENTO
Tempo
longo termo
universidades
grandes
empresas
assist.
org. govern.
nac. de P&D
transf./assist.
tecnolog.
SRC .
tecnol.
PME
labor. govern.
de pesq. loc.
centros tecnol
curto termo
Caractér. tecnológicas
Aplicada
Fundamental
Baseado em WEBSTER/1994
relação entre produtores de conhecimentos científicos e utilizadores
interessados na sua aplicação tecnológica.
Inicialmente, observa-se a transferência de conhecimentos das
universidades e dos órgãos públicos nacionais aos centros tecnológicos
e laboratórios locais. A seguir, destaca-se a posição estratégica das
empresas de pesquisa sob contrato, ligando estes produtores de
conhecimentos e os utilizadores (grandes empresas e PME). Estas
empresas assumem um papel relevante no processo de aplicação dos
resultados da pesquisa ao desenvolvimento tecnológico e sua utilização
para a solução de problemas específicos. Elas ocupam uma posição
intermediária como agentes de interface que lhes permite realizar pesquisa
aplicada e prestar serviços em melhores condições do que os centros
académicos de pesquisa.
PANORAMA DAS EMPRESAS DE PESQUISA
SOB CONTRATO NA EUROPA
O panorama a seguir sobre as principais EPCs européias contribui
para compreender sua forma de atuação e ilustrar suas particularidades.
Existem cerca de 130 empresas de pesquisa sob contrato na Europa. A
68
Paulo César Siqueira
grande maioria delas (97%) se concentra em apenas cinco países:
Alemanha, França, Grã Bretanha, Holanda e Italia. 13 Há uma
significativa diferença entre os organismos de cada país, quanto ao seus
efetivos e volume de négocios. As empresas alemãs detêm a maior
participação no mercado, seguidas pelas inglesas, holandesas, italianas
e francesas. O quadro abaixo dá uma idéia das maiores empresas
européias, com base nestes indicadores. Mostra ainda a sua categoria
em relação ao Estado e sua área de atuação.
PRINCIPAIS EPCS
EPC
PAÍS
CATEGOR.
DA
EUROPA
ATUAÇÃO
EFETIVO
NEGOCIOS
FhG
ALEMANHA DPP*
PLURIDISCIP.
7 600
500 000
TNO
HOLANDA
DPP
PLURIDISCIP.
5 000
300 000
CISE
ITÁLIA
INDEPEND. PLURIDISCIP.
660
73 000
ISMES SpA ITÁLIA
INDEPEND. PLURIDISCIP.
590
72 000
BERTIN
FRANÇA
INDEPEND. PLURIDISCIP.
560
58 000
WRc
GRÃ BRET.
INDEPEND. ESPECÍFICA**
640
42 000
Fonte: « European Technology Directory »
*DPP: dépendente do poder público
NEGÓCIOS: Volume em Milhares de ECU/199214 EACRO, Janeiro, 1993.
**ESPECÍFICA: atividade especialisada no área de meio ambiente e purificação de água.
Observa-se que as duas EPCs mais importantes (FhG e TNO)
dependem do Estado. O seu tamanho, quando comparadas com as
empresas privadas, se explica em parte pela adoção de uma estrutura
calcada nos moldes da administração pública, mais departamentalizada
e complexa. Por outro lado, a garantia de apoio financeiro governamental
e auxílio direto à pesquisa possibilitam a diversificação de suas atividades,
contribuindo para ampliar sua estrutura administrativa e o seu efetivo
total. Mais de um terço dos recursos da TNO, por exemplo, provêm de
fundos públicos.
Estas entidades executam atividades pluridisciplinares e atuam em
diversas áreas, dentre as quais eletrônica, informática, materiais, energia,
Veja: European Association of Contract Research Organisation (EACRO), Contract research.
Dordrecht, Kluwer Academic Publischers, 1991, pp 23- 46. Outra boa referência sobre o
assunto é o estudo: Les organismes de recherche sous contrat dans la CEE, Comunidade Econômica Européia, EUR 12112-FR-EN, 1989.
13
A antiga unidade monetária européia (ECU) era calculada a partir do conjunto de moedas dos países membros, ponderadas segundo o peso econômico de cada um deles e
recalculadas a cada dia na Bolsa de Valores, de acordo com o fluxo de câmbio. A taxa
vigente em 18 de outubro de 1996 era de US$ 1,24 por ECU.
14
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
69
saúde, meio ambiente e defesa. Contrariamente à iniciativa privada,
elas têm ainda como objetivo o desenvolvimento de pesquisa estratégica
a longo prazo para apoiar a indústria do país ao qual pertencem. Esta
tarefa favorece a transformação de alguns setores, que nas empresas
privadas não passam de meros departamentos especializados, em
verdadeiras estrutras de pesquisa autônomas. Serve de exemplo a FhG,
organismo estatal sem fins lucrativos, onde o cliente paga apenas os
custos da pesquisa aplicada à solução de seu problema. Sua estrutura se
compõe de nove grandes divisões autônomas, responsáveis pela gestão
de vários institutos de pesquisa. Só a divisão de microeletrônica mantêm
oito institutos, dentre eles o de Tecnologia do Estado Sólido e de
Desenvolvimento de Circuitos Integrados.
Apesar da significativa presença do Estado no processo de
transferência de tecnologia em quase toda Europa, há uma ativa
participação da iniciativa privada. Os grandes grupos executam ações
pluridisciplinares em vários domínios. A tendência à especialização em
alguns ramos conjuga-se com a capacidade de aplicar os conhecimentos
adquiridos para solução de problemas específicos em outros setores
industriais. Nota-se no citado quadro que o volume de negócios das
empresas privadas em relação ao seu efetivo é mais equilibrado do que
nas instituições públicas. Em termos proporcionais, as empresas como
Bertin podem atingir um volume de negócios mais significativo do que
os organismos públicos, com um efetivo total relativamente mais baixo.
O elevado volume de negócios (500 000 MECU) registrado pela FhG foi
obtido com um número de empregados (7 600) igualmente alto.
Nos Estados Unidos, a Batelle e a SRI Internacional são sem dúvida
as EPCs mais conhecidas. Tais empresas seguiram, contudo, um caminho
inverso ao escolhido por suas homólogas européias, optando por uma
atuação independente do Estado. Estas instituições asseguram a ligação
entre os produtores de conhecimentos científicos e os industriais. São
igualmente responsáveis pela geração de parte do conhecimento acessível
ao público. Sediada na Alemanha, a Battelle Europa ocupa uma posição
comparável à de Bertin & Cia, registranto em 1992 um volume de
negócios de 55 000 MECU com 660 funcionários.15 O modelo inglês se
aproxima da tradição americana de empresas de pesquisa sob contrato
independentes.
Comparada com outros países europeus, a França se caracteriza
por ter numerosas empresas de pesquisa sob contrato com baixos volumes
de negócios, as quais representam 22% do total do continente. Segundo
a ANVAR, existe mais de cinqüenta empresas na França, responsáveis
15
Fonte: European Tecnology Directory. EACRO, janeiro de 1993. pp 12-21.
70
Paulo César Siqueira
por um faturamento de US$ 254,2 milhões em serviços em 1993. Deste
total, US$ 139 milhões foram faturados pelas trinta EPCs clássicas
existentes, responsáveis pela geração de cerca 1 500 empregos. Um valor
aproximado de US$ 11 milhões resulta de contratos mantidos com as
PME. 16 Como observado, o restante da estrutura se compõe de centros
de pesquisa e de empresas de tecnologia dependentes do poder público.
A análise da situação francesa mostra assim uma nítida
preponderância da iniciativa privada no dominínio da pesquisa sob
contrato. Bertin é a maior instituição do gênero no país e uma das grandes
companhias européias. Como indicam os dados, a lider francesa registrou
um volume de negócios (58 000 MECU) muito superior ao alcançado
por suas compatriotas, com um efetivo total de 560 pessoas. A
Hydrometal e Frottement, segunda empresa privada do país, obteve
18000 MECU, com um efetivo de 170 funcionários, como resultado de
sua atuação no mercado de tecnologia em 1992. A imagem de Bertin &
Cia não se respalda apenas no seu tamanho, baseia-se sobretudo no
reconhecimento de seu know how, na sua pluridisciplinariedade em
relação ao restante da categoria e nas suas realizações no campo da
inovação tecnológica. Além da concepção e comercialização de produtos
sob sua marca, ela desenvolve pesquisa aplicada e promove a
transferência de tecnologia à indústria. A maioria de seus contratos são
realizados com os grandes grupos, entre eles várias empresas estatais.
A ação das empresas de pesquisa sob contrato depende da infraestrutura global de inovação na qual as agências de P & D atuam e dos
mecanismos de ligação entre produtores e utilizadores de conhecimentos.
A especificidade do sistema europeu se deve à forte presença do Estado
neste processo. Ela pode ser justificada por fatores culturais, pelas
características dos mercados locais (normalmente pequenos) e pelo
ambiente sócio-político que privilegia mecanismos de regulamentação,
incentivos fiscais à pesquisa e o seu financiamento através de programas
estatais e da ajuda direta de entidades do governo.
ATUAÇÃO DAS EMPRESAS DE PESQUISA SOB CONTRATO
NO SISTEMA DE INOVAÇÃO
Porque os industriais recorrem à tecnologia externa? Qual é o
método de ação das empresas de pesquisa sob contrato? São elas
realmente capazes de atender as exigências do mercado? Estes e outros
questionamentos, inclusive sobre o financiamento de suas atividades e
Veja: ANVAR, Aide à l’innovation technologique.Bilan 1994 et objectifs 1995. Informe à imprensa de fevereiro de 1995, pp. 63 e 64.
16
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
71
os eventuais problemas enfrentados por estas instituições, podem ser
esclarecidos a partir da análise de sua atuação no campo tecnológico.
Via de regra, os industriais recorrem a estas instituições especilizadas
em P&D por falta de competência ou recursos para o desenvolvimento
in loco de um processo ou produto. Buscam alternativas para a solução
de problemas específicos. Esta necessidade de complementar sua própria
capacidade tecnológica pode ser justificada, principalmente, pelo
interesse em adquirir novos conhecimentos e técnicas não disponíveis
na empresa. Através deste recurso, o industrial pode dispor de pessoal
técnico especializado, ter acesso a recursos materiais inovadores e
optimizar os custos de pesquisa em relação ao tempo disponível.
Naturalmente, mudanças macro-econômicas responsáveis pela
evolução do sistema industrial podem explicar este conjunto de novas
demandas no sentido global. Seus efeitos são às vezes vistos com o
resultado de uma estratégia “pós-fordista” menos hierárquica e mais
heterogênea, na qual o sucesso da empresa depende de uma
especialização flexível em torno de algumas tecnologias essenciais e
fortemente protegidas. Identificadas como genêricas, estas tecnologias
são importantes para a manutenção do capital em um mercado
competitivo. O recurso à pesquisa sob contrato facilita ao industrial o
acesso às novas tecnologias a um custo reduzido.
Segundo a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômicos (OCDE), uma situação de crise estrutural prolongada
influenciou a estratégia das empresas, contribuindo para o aumento da
subcontratação de serviços.17 O fato levou progressivamente algumas
empresas especializadas a se dirigirem aos organismos em melhores
condições de responder à sua demanda, tais como os centros de ensino
e pesquisa e as instituições públicas e privadas de pesquisa sob contrato.
Esta interação possibilitou a criação de redes de transferência de
tecnologias entre alguns setores, dentre os quais: indústria
automobilística, informática e eletrônica. O resultado foi o
estabelecimento de um novo processo de inovação válido tanto para as
grandes indústrias como para as PMEs.
Trata-se de um processo caracterizado pela integração de sistemas,
flexibilidade de ação, realização de atividades em rede e tratamento
paralelo de dados, que explica em parte a método de trabalho das EPC.
A sua implantação se apoia no estabelecimento simultâneo de núcleos e
de alianças estratégicas entre setores nos quais as firmas detectam
17
Veja: University enterprise relations in OECD member countries. DSTI/SPR/89.37. Paris,
OCDE, 1990, p 10.
72
Paulo César Siqueira
problemas tecnológicos comuns, difíceis de se resolver individualmente.
Parte das demandas da indústria podem, por exemplo, resultar da
necessidade de se obedecer às exigências e parâmetros impostos para
proteção do meio ambiente. Mesmo as grandes empresas recorrem a
este tipo de associação, no caso do uso de tecnologias e instrumentos
normalmente caros, como a ressonância magnêtica nuclear para testar
novos produtos.
O método de ação das empresas de pesquisa sob contrato se baseia
na conversão do conhecimento científico em tecnologia, no
desenvolvimento de tecnologias genêricas e sua adaptação para
possibilitar a transferência à indústria. As vezes, a fonte que possibilita
o atendimento de uma demanda tecnológica específica de um cliente se
encontra um sistema complexo diferente do seu campo de especialização.
Mas, a experiência destas empresas as tornam capazes de identificá-la e
de aplicá-la para resolver um problema em outro setor. Um bom exemplo
é o caso de uma empresa especializada em mecânica e acústica que aplica
sua experiência na solução de um problema no domínio da energia
nuclear. Mesmo quando a tecnologia da nova fonte é por definição
adaptável ao sistema-alvo, a análise criteriosa de ambos sistemas (fonte
e objetivo) é essencial para a sua identificação. Ela facilita a adaptação
pretendida e a conversão da tecnologia em P & D práticos, a fim de
viabilizar sua inserção no novo sistema e atender a uma demanda
objetiva. Este processo especial de inovação constitui a “transferência
adaptativa de tecnologia”, característica das EPCs.
As opções viáveis para a solução de problemas industriais, cada
vez mais complexos, repousam na transferência de tecnologia à partir
de uma fonte externa, no desenvolvimento de uma tecnologia específica
apropriada ao cliente ou na identificação de uma combinação ótima de
tecnologias novas e existentes que atendam ao seu interesse. Quando se
trata de complementar seu esforço interno, a EPC deve ser suficientemente
flexível para se associar a outros centros de pesquisa, pelo tempo que for
necessário, favorecendo assim sua ligação com a indústria. Neste caso,
parte dos equipamentos e do material de trabalho se desenvolve em
conjunto com outras instituições de pesquisa, que contribuem com o
know how e eventual ajuda financeira. As EPCs francesas mantêm uma
boa interação com centros públicos e privados de pesquisa, através de
mecanismos de subcontratação e associação. A relação entre os
pesquisadores destas empresas e seus pares externos é garantida pela
participação em eventos científicos e pela realização de atividades de
ensino e pesquisa conjunta.
A participação das EPCs em programas industriais da Comunidade
Européia, dirigidos ao desenvolvimento de tecnologia de ponta, é também
uma forma de complementação de sua capacidade interna e uma opcão
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
73
de financiamento externo. Dentre os principais programas-quadro
europeus, citam-se o BRITE (tecnologias industriais e novos materiais),
o ESPRIT (tecnologias da informação) e o RACE (telecomunicações).
Constituem uma outra alternativa de capacitação e recursos os projetos
nacionais nas aréas de energia nuclear, aeronaútica e espaço. Estes
programas promovem a interação entre os pesquisadores, viabilizando
o acesso a novos conhecimentos e tecnologias necessários ao exercício
de suas atividades.
Como a maioria dos avanços tecnológicos se produzem neste
contexto, a possibilidade de ampliar seu potencial científico-técnico
justifica a participação das EPCs nestes projetos. No entanto, o
desenvolvimento de métodos apropriados e sua experiência para
combinar adequadamente tecnologias externas com o know how do cliente
são ainda mais importantes. Aliás, esta é a chave do seu sucesso. Caso
contrário, o industrial rejeitará a solução proposta e todo o trabalho
poderá ser inviabilizado.
As dificuldades detectadas neste tipo de cooperação estão
geralmente ligadas à duração da pesquisa em relação aos resultados
esperados, à definição conjunta de parâmetros e à troca de informações
entre os parceiros. A subcontratação de pesquisa externa implica
normalmente em uma defasagem adicional de tempo para obtenção dos
resultados, podendo ocasionar um aumento nos custos da tecnologia
desenvolvida. Em alguns casos, o contratante principal exige a
confidencialidade dos resultados, o que pode dificultar a sua difusão e
impedir o sucesso da intervenção. Além do mais, a transferência de
tecnologia de um domínio a outro nem sempre é fácil. Trata-se de um
processo complexo em função do número de participantes e de fatores
administrativos. O atraso na difusão de resultados pelos outros
participantes pode, por exemplo, torná-los obsoletos. Uma EPC deve
levar em conta todos estes fatores e buscar racionalizá-los em termos de
custo-benefício de sua atividade.
No que se refere aos principais meios de financiamento de suas
atividades, as EPCs, como as outras empresas, utilizam geralmente
fundos próprios para a cobertura de despesas com pesquisa e
desenvolvimento tecnológico. Esta fonte de investimento é normalmente
limitada pelo fluxo interno de recursos disponíveis. A parte destes
recursos dedicada ao desenvolvimento de novos instrumentos representa
30 a 40% de seu volume de negócios. Como ela se mostra, via de regra,
insuficiente para cobrir as necessidade da empresa, deve-se então
recorrer às fontes externas de financiamento.
Além da associação a outros centros e da participação em
programas públicos de pesquisa, outra alternativa de financiamento
74
Paulo César Siqueira
externo é o acesso aos fundos especiais do governo para a pesquisa sob
contrato. Tratam-se de recursos proporcionais à participação das EPCs
no mercado de tecnologia, calculados a partir do volume de negócios
resultante de seus seviços à indústria. Quando bem aplicado, este tipo
de financiamento pode ser muito eficaz, por permitir uma expansão
mais rápida da empresa. Utilizado normalmente na Alemanha e aplicado
também na Holanda, esta forma de apoio governamental contribuiu para
garantir a expansão e o sucesso das empresas de pesquisa sob contrato,
como a FhG e a TNO.
Esta fórmula foi instituída na França em 1984 sob a forma de um
crédito anual da ANVAR, proporcional ao valor total dos contratos de
pesquisa e desenvolvimento industrial concluídos pela empresa no ano
anterior. A taxa de cálculo varia de acordo com o tipo de instituição e a
empresa contratante. Quando se trata de contratos entre EPCs clássicas
e grandes empresas, ela é de 10,5% do valor total faturado no ano anterior
e de 50% do total de negócios contratados com PMEs. No caso de
empresas vinculadas ou de órgãos públicos de pesquisa, a proporção é
de respectivamente 7% do valor dos contratos com grandes empresas e
de 33,3% com PMEs. O financiamento visa a renovação do capital
científico e tecnológico da empresa de pesquisa sob contrato. Engloba
pesquisa a médio prazo, aperfeiçoamento de pessoal técnico e
modernização dos instrumentos básicos. A pesquisa deve ser de amplo
espectro, sem aplicação industrial específica, e os equipamentos de alto
padrão tecnológico.18
O apoio do Estado a estas empresas implica no reconhecimento da
importância das tecnologias genêricas para o desenvolvimento industrial
e do papel das EPC no seu domínio e aplicação e difusão. Cinco anos
após sua instauração na França, este financiamento resultou no aumento
de 31% do efetivo de pesquisa sob contrato e de 48% do número de
contratos, induzindo a um significativo aumento dos investimentos. O
valor dos créditos concedidos pela ANVAR em 1994, com base no volume
total de negócios de 1993, foi de US$ 18.6 milhões, dos quais US$ 13,6
milhões para as trinta empresas clássicas de pesquisa sob contrato.19
Esta demanda e os investimentos diretos das EPCs sugerem uma
18
Fonte: ANVAR, Aide-memoire sur l’abondement en faveur des sociétés de recherche sous
contrat. Paris, setembro de 1992, pp. 2- 6.
Devido a uma conjuntura econômia desfavorável em 1993, responsável por cortes no
orçamento público e uma conseqüente redução no número de contratos, os valores de
1994 incluem uma aumento excepcional de 10% nas taxas de cálculo dos créditos da
ANVAR. Veja: Aide à l’innovation technologique, já citada, p 64.
19
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
75
constante preocupação com a manutenção de seus equipamentos e
capacitação de seu pessoal técnico.
PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS DE PESQUISA SOB CONTRATO NO MERCADO DE
TECNOLOGIA
O êxito de uma EPC não se mede apenas por sua capacidade
tecnológica ou pelo grau de interação com seus parceiros científicos,
mas também por sua atuação no plano comercial. Neste tópico, buscase mostrar a importância de sua relação com a clientela e as eventuais
dificuldades ligadas à questão do acesso ao mercado.
Os contratos firmados pelas EPCs definem geralmente sua relação
com os clientes. Dentre os diversos tipos existentes, destacam-se os
contratos com compromisso de resultados ou de fornecimento de meios,
os contratos de cessão de licenças e os acordos-quadro. Os primeiros se
referem à subcontratação de pesquisa para a solução de um problema
industrial específico, a partir de um cronograma de trabalho, com metas
e prazos definidos com o cliente. A indústria automobilística, ao optar
por esta modalidade para o desenvolvimento de tecnologias especiais,
inclui clausúlas de exclusividade a fim de impedir sua tranferência à
concorrência. A segunda categoria engloba os contratos para
fornecimento de máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado
à indústria. Os exemplos mais comuns são os estudos de transferência
de tecnologia, comandados pelos centros de pesquisa europeus, ou de
estratégia de tecnologia industrial, através dos quais o cliente tem acesso
a um estudo ou a um programa já disponível, ou ao pessoal capacitado
para desenvolvê-lo.
Os acordos-quadro garantem uma assistência permanente ao
industrial para a solução de problemas de ordem geral. Trata-se de uma
forma cômoda de parceria praticada pelos grandes grupos industriais
europeus, principalmente franceses como EDF e SNCF. As claúsulas de
exploração dos resultados são previamente acordadas pelas partes. Elas
facilitam a realização de trabalhos exploratórios e uma intervenção
rápida na prestação de assistência técnica ou consultoria, de valor
unitário não superior a U$ 20 mil dólares americanos, sem a necessidade
de novas formalidades.
A gestão da propriedade industrial constitue um aspecto importante
da negociação destes contratos com os clientes. Quando um empresário
assina um contrato com uma EPC para o desenvolvimento de processo
específico a patente obtida é geralmente de propriedade do cliente. Mas
quando se trata de tecnologia genêrica de uso múltiplo, a empresa de
pesquisa negocia os resultados obtidos fora do setor de origem para sua
aplicação em vários domínios. As patentes obtidas em comum e com
76
Paulo César Siqueira
divisão de custos são exploradas em parceria. No entanto, as patentes
registradas pela EPC, sem nenhuma participação do cliente, podem ser
exploradas diretamente pela mesma através de filiais ou dos contratos
acima descritos.
A clientela de uma EPC se compõe de promotores e de usuários dos
avanços tecnológicos obtidos. O primeiro grupo compreende os órgãos
públicos encarregados da promoção do desenvolvimento científicotécnico, sem finalidade de uso direto. A ANVAR, o Ministério da Pesquisa
e as forças armadas francesas, bem como a Comunidade Européia
cumprem este papel para satisfazer a demanda de outros usuários. Este
fato reflete uma ativa participação do Estado como cliente privilegiado
das empresas de pesquisa na Europa. Os pedidos destes organismos
representam 30% do volume de negócios da firma francesa Bertin. O
segundo grupo engloba a maioria das empresas públicas que demandam
uma tecnologia ou sua aplicação para solucionar um determinado
problema. Sua participação chega a 70% do total dos negócios da Bertin20 .
A subcontratação de parte de componentes tecnológicos pelas grandes
empresas (GEC-Alsthom, La Poste, France Telecom) é mais significativa
do que das PMEs. Ela ocorre geralmente no âmbito dos projetos nacionais
de pesquisa.
Existe na França a Associação das Empresas de Pesquisa sob
Contrato a Serviço das PMEs, que se encarrega de manter o contacto
entre estas categorias. Criada em 1990, por iniciativa da Associação
das Sociedades Independentes de Pesquisa e Desenvolvimento Industrial,
esta rede de P & D, composta de 10 membros, visa facilitar a transferência
de know how das EPCs para as pequenas médias empresas.21 Esta
interação promove a identificação de oportunidades de negócios para
as empresas de pesquisa sob contrato.
Estas empresas utilizam ainda a experiência e o conhecimento de
seu pessoal técnico para descobrir novos clientes. Esta análise prospectiva
inicia-se com o intercâmbio de informações entre os técnicos e seus
parceiros externos, através da participação em eventos científicos e
associações de pesquisa. A interação dos engenheiros das divisões
técnicas com os setores comerciais, além de permitir a adaptação de
tecnologias genéricas aos interesses do cliente, contribui para estabelecer
uma estratégia de mercado. A prospecção a curto e médio prazo baseiase, porém, na evolução dos pedidos e trabalhos realizados a clientes
Sobre a atuação francesa, veja: SIQUEIRA, Paulo César. Les sociétés de recherche sous
contrat en France: un exemple de liaison entre la recherche scientifique et l’índustrie. Paris, CNAM,
1996, pp. 51-75.
20
Veja : DARCEY, Joël, «Sociétés de recherche sous contrat: un élément-clé du transfert».
In Courrier ANVAR no. 86, Paris, Março/Abril 1992, pp 5 - 8.
21
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
77
tradicionais. Sua análise fornece uma idéia das necessidades desta
clientela.
As mudanças no sistema de inovação influi no comportamento das
empresas de pesquisa sob contrato. Constata-se nos últimos anos uma
transformação gradual da relação destas empresas com sua clientela,
fruto de uma participação direta no desenvolvimento de novos processos
em áreas estratégicas para a modernização industrial. Até agências como
o CNRS, procuram se adaptar às novas exigências, mantendo uma
relação mais objetiva com os clientes. Tal reação reforça sua posição como
principais concorrentes da iniciativa privada, ao lado dos centros técnicos
industriais, dos CRITT e das estatais européias FhG e TNO. As EPCs os
têm como seus concorrentes privilegiados, sob a alegação de que o apoio
estatal a estes organismos lhes permite uma prestação de serviços a custos
inferiores ao do mercado. O custo elevado de P&D é uma constante
ameaça à participação destas empresas no sistema.
O desempenho das EPCs tem estimulado as indústrias a recorrem
cada vez mais à subcontratação, o que reflete uma forma de atuação
mais ativa do que passiva. Elas estão menos propícias a participar de
uma relação patrão/servidor e mais interessadas a ocupar na prática
uma posição de parceiro igualitário. São vistas como indutoras de
tecnologia, capazes de analisar objetivamente o problema do cliente e
de utilizar seu potencial para encontrar soluções mais adequadas às suas
necessidades. A execução de um projeto de pesquisa, com a utilização
de mão de obra especializada, supõe, por exemplo, uma estreita
colaboração com a estrutura operacional da firma contratante. Não se
trata apenas de uma prestação de serviço, mas de uma intervenção
objetiva da EPC que orienta a tomada de decisão pelo industrial.
Há uma expectativa da clientela em relação aos serviços prestados
pelas empresas de pesquisa sob contrato que deve nortear suas ações.
Dentre os seus interesses, destacam-se :
1. A clientela quer ter acesso a equipamentos inovadores e prestes
a serem usados, o que obriga a empresa a manter equipamentos
modernos e pessoal técnico capacitado.
2. O usuário espera uma resposta rápida às suas demandas. Assim,
a solução dos problemas propostos deve obedecer a um cronograma a
curto prazo, adaptado às suas necessidades.
3. A EPC deve buscar soluções funcionais e de aplicação imediata.
A interação objetiva com o cliente é essencial para a definir os parâmetros
e otimizar os esforços. Deve-se dar um apoio eficaz à tomada de decisão,
mas cabe ao usuário a libertade de decidir.
78
Paulo César Siqueira
Na prática, poucos clientes são capazes de definir claramente a
tarefa a executar. Além do mais, o recurso a tais empresas de pesquisa
significa que o cliente tem a expectativa de obter uma maior-valia
tecnológica, uma contribuição original, enfim uma verdadeira inovação.
Portanto, ele não pode conhecer a priori o desenrolar do trabalho. No
início, a EPC também não sabe necessariamente qual será a solução
tecnológica adequada ao problema apresentado. Desta forma, uma
colaboração efetiva facilita a compreenção e melhor definição das
necessidades do parceiro industrial. Este entrosamento pode gerar uma
transferência de tecnologia, acompanhada de uma contribuição
metodológica ou de uma reorganização da produção. Uma transferência
tecnológica dificilmente se reduz a um objeto independente do
desenvolvimento de um produto ou de seu processo de fabricação com
vistas ao mercado.
A falta desta coordenação com cliente gera problemas técnicos,
ligados à imprecisão de especificações ou à indicação de parâmetros
pouco confiáveis. A imprecisão pode levar a resultados inaceitáveis pelos
clientes ou contrários aos seus interesses e expectativas. Outros problemas
estão ligados à falta de competência da própria empresa de pesquisa
para atender uma demanda específica. Mas, o maior desafio de uma
EPC consiste em identificar a necessidade real do cliente para lhe propor
uma solução técnica adequada.
No plano comercial, as dificuldades se resumem à incapacidade de
acesso ao mercado com um produto a preço competitivo. Alguns clientes
não conseguem comercializar um novo produto em função de seu preço
final. Sua concepção no plano tecnológico se dá sem dificuldades, mas
sua aceitação no mercado pode ser inviabilizada pelo alto custo da
tecnologia ou do novo material empregado. Ilustra este impasse o
desenvolvimento de uma sonda dentária por uma EPC francesa, sob
encomenda. Apesar de sua perfeição técnica e de sua adaptação aos
interesses do cliente, ela não foi comercializada devido à repercussão do
custo dos materiais empregados no seu preço final. Fatores culturais
também podem afetar a sua comercialização. Estes exemplos indicam
que a solução de problemas industriais se faz em conjunto e por etapas
progressivas. Antes de se iniciar a exploração de uma tecnologia, estudos
de factibilidade e de mercado são necessários para se evitar os riscos de
impasse.
A partir das considerações já desenvolvidas, pode-se estabelecer
uma síntese das principais preocupações destas instituições de pesquisa
em relação à sua participação no mercado de tecnologia, conforme
relacionado abaixo.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
79
1. Cada empresa de pesquisa sob contrato deve constantemente
tentar manter uma vantagem tecnológica na sua área de atuação ou
campo de especialização, em relação aos concorrentes.
2. As EPC devem desenvolver tecnologias adaptáveis a várias
funções. Seus esforços devem se orientar a uma especialização flexível
para atender as diversas necessidades do mercado.
3. A preocupação em garantir um bom nível de competitividade
aos produtos encomendados pela clientela é constante.
4. As empresas de pesquisa sob contrato devem estabelecer uma
boa interação com seus clientes e um diálogo constante com outras fontes
de P&D. Esta interação vai desde o estudo à concepção do produto,
passando pela negociação contratual e por sua comercialização.
5. As EPC devem se responsabilizar pelas despesas correspondentes
à suas atividades e pelos custos da análise prospectiva para a adaptação
de sua tecnologia ao mercado. O equílibrio financeiro deve ter por base
os serviços prestados indústria.
O recurso às empresas de pesquisa como ponte para o acesso a
novos processos depende também da competência tecnológica do
interessado. Paradoxalmente, quando mais reconhecida for a
competência de uma indústria em certos setores, maior a sua capacidade
de identificar tecnologias externas para complementar sua própria
competência. Um estudo comparativo das indústrias na Alemanha e na
Grã Bretanha demonstra que as firmas alemãs, por serem
proporcionalmente mais competentes do que as inglesas, estão melhor
preparadas para recorrer às fontes externas de tecnologia. As indústrias
na Inglaterra, ao contrário, dependem mais da associação ou fusão com
seus parceiros indústriais para garantirem maior competitividade aos
seus produtos.22
CONCLUSÃO
Depreende-se da presente análise que uma dinâmica favorável
catalisa a tentativa de conciliação de interesses entre o pesquisador e o
empresário industrial, através da pesquisa sob contrato. As empresas
do setor oferecem aos industriais a oportunidade de acesso a
conhecimentos e técnicas nem sempre disponíveis internamente. Por
outro lado, a cooperação entre as duas partes permite uma divisão de
Veja: CHEESE, J., «Sourcing technology-industry and higher education in Germany and
Britain». In Industry and Higher Education, março de 1993. pp 30-38.
22
80
Paulo César Siqueira
riscos e competências que a torna atrativa. Além da oferta de servicos
especializados, o papel destas empresas como agência indutora de
tecnologia é incontestável. Devido ao seu profissionalismo, à
pluridisciplinariedade de suas ações e flexibilidade de sua atuação, elas
são consideradas mais aptas a atender as demandas da indústria do que
os centros tradicionais de pesquisa.
Desde a sua criação na década de 50, as empresas de pesquisa sob
contrato evoluiram qualitativamente em termos técnicos. A tendência à
especialização flexível em alguns setores de ponta contribuiu para a
melhoria dos serviços prestados à clientela. Graças à constante
preocupação com a renovação de sua capacidade técnica, os meios de
pesquisa à disposição do industrial são cada vez mais inovadores e
eficazes. No plano comercial, esta evolução se caracterizou por uma
adequação de suas estruturas administrativas à crise econômica dos
últimos anos, responsável pela diminuição dos investimentos públicos e
conseqüente queda na demanda de grupos estatais. Como as outras
empresas, as EPCs se vêem afetadas por tais flutuações, mas a
complexidade de suas ações dificulta uma recuperação a curto prazo.
Apesar disto, a pesquisa sob contrato vem se consolidando no
sistema de inovação. Observa-se uma efetiva participação das EPCs no
desenvolvimento de novos processos e produtos. O seu êxito na Europa
influenciou a adoção do modelo pela Polônia e Hungria, no final do
regime comunista, dando provas de sua credibilidade. Trata-se, contudo
de uma atividade complexa e custosa, na qual a manutenção da
vantagem tecnológica em relação às concorrentes implica no aumento
significativo de suas despesas. Este fato explica o recurso aos
financiamentos externos, principalmente através da participação em
programas estatais de pesquisa. Devido ao seu custo, a subcontratação
suscita a oposição de muitos industriais das pequenas e médias empresas.
Em consequência, o mercado se reduz praticamente aos grandes grupos
públicos ou privados, detentores de um expressivo orçamento de P&D.
Os dirigentes das EPCs defendem, com entusiasmo, o
reconhecimento de seu papel original na como agências de ligação
pesquisa/indústria. A realidade, porém, é um pouco mais complexa do
que o mero discurso sobre a especificidade de seus serviços. O argumento,
as vezes exagerado, tem conotação de propaganda. Contudo, não se
pode refutar a importância destas empresas. De fato, não se trata apenas
de uma oferta de tecnologia, mas de um processo mais elaborado de
transferência de conhecimentos e técnicas ao industrial. Constitui uma
interação objetiva que foge às regras clássicas de uma simples transação
comercial.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
81
O equilíbrio entre a oferta e a demanda de tecnologia em um
mercado competitivo exige a conciliação de fatores comerciais e técnicos
para evitar os riscos de insucesso. O seu alto custo não pode ser
justificado apenas pela especificidade das prestações. A participação no
mercado supõe uma oferta de serviços de qualidade que atenda aos
interesses do cliente. O sucesso da subcontratação depende de sua
inserção no contexto econômico, representada pela garantia de acesso
ao mercado do produto ou processo encomendado pelo industrial.
As EPCs privadas européias diferem de suas homologas
americanas, devido à sua dependência em relação ao Estado para a
exploração de seu potencial tecnológico. Mesmo justificado, o apoio
significativo, inclusive como cliente privilegiado, as tornam vulneráveis
às políticas governamentais e aos efeitos econômicos em uma situação
de crise. Dificulta, inclusive, uma atuação mais objetiva em termos de
pesquisa estratégica. Esta posição contradiz a imagem de empresas
privadas atuantes em um mercado competitivo.
Além das questões analisadas, outros questionamentos poderiam
ainda ser colocados sobre as EPCs. Por exemplo, são elas capazes de
exercer suas atividades sem o apoio público, de forma a poder concentrar
seus esforços na pesquisa estratégica? Os centros acadêmicos de pesquisa
poderiam substituir algumas funções essenciais das EPCs no seu papel
de interface? Estão elas aptas a expandir suas ações em prol do
desenvolvimento regional? As respostas à estas questões dependem de
uma análise comparativa de algumas empresas européias e das politícas
nacionais para o setor, o que foge ao escopo do presente artigo.
De qualquer forma, as considerações já desenvolvidas sobre
dinâmica de ação das EPCs confirmam sua importância no sistema de
inovação. As informações sobre sua participação no mercado de
tecnologia permite avançar que elas continuarão a exercer um papel
relevante como agências de interface pesquisa/indústria. Principalmente,
quando se observa o seu constante empenho na busca de novas
competências e na melhoria de sua relação com a clientela, para assegurar
uma posição no mercado. Apesar do reconhecimento desta atividade
pelo sistema, a conciliação do fator tecnológico com sua comercialização
representa sempre um desafio. Estabelecidas as bases, restam ainda
dificuldades a ultrapassar para o pleno êxito da pesquisa sob contrato.
O esforço de inovação e a adaptação às exigências do mercado deverão
sempre guiar suas ações.
82
Paulo César Siqueira
BIBLIOGRAFIA
— ANVAR, Aide à l’innovation technologique: bilan 1994 et objectifs 1995. Informativo à
imprensa. Paris, ANVAR, fevereiro de 1995.
BRAUNLING, G., Public policies supporting technology appropriation. Monografia apresentada
na Conferência sobre Tecnologie e Competitividade. OCDE, junho de 1990.
CASSIER, Maurice, Les contrats de recherche entre l’université et l’industrie: l’émergence
d’une nouvelle forme d’organisation. Paris, Escola de Mines, 1995. Tese de doutorado.
CAVALIER, Michel, Le conseil en hautes technologies. Paris, STS/CNAM, 1995.
— CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), Les relations avec les entreprises: la
recherche à objectifs partagés et les transferts de technologie. Paris, CNRS, 1995.
CHEESE, J., « Sourcing technology- industry and higher education in Germany and
Britain », in Industry and Higher Education, Março de 1993.
—- CEE (Commission des Communautés Européennes ), Les organismes de recherche
sous contrat dans la CEE. CEE/EUR, 12112-FR-EN, 1989.
DARCEY, Joël, « Sociétés de recherche sous contrat: un élément-clé du transfert », in
Courrier ANVAR no. 86. Paris, Março/Abril de 1992.
— EACRO (European Association of Contract Research Organisations), Contract
research. Dordrecht, Klumer Academic Publishers/EACRO, 1991.
—- EACRO. European technology directory, Londres, EACRO/ Business Image, 1993.
— MESR (Ministère de L’Enseignement Supérieur et de la Recherche), Les centres de
ressources technologiques pour l’innovation dans les PME. Paris, MESR, fevereiro de 1995.
— OCDE (Organisation de Coopération et de développement Economiques), La politique
d’innovation en France. Paris, Economica, 1986.
—- OCDE, University enterprise relations in OECD member countries, DSTI/SPR/89.37.
Paris, OCDE, 1990.
— OST ( Observatoire des Sciences et des Techniques) Science et technologie - indicateurs
1994. Paris, Ed.Economica/OST, 1995.
SIQUEIRA, Paulo César. Les sociétés de recherche sous contrat en France: un exemple de liaison
entre la recherche scientifique et l’índustrie. Paris, CNAM, 1996.
WEBSTER, Andrew, « Bridging institutions: the role of contract research organisations
in technologiy transfer ». In Science Policy, volume 21, no. 2, Abril/1994, pp 89-97.
Resumo
O presente artigo, baseado na análise da atuação de grupos privados franceses, traça
um perfil das EPCs (Empresas de Pesquisa sob contrato), a partir da análise de seus objetivos, características e da comparação com outras fontes de tecnologia. Explica como se faz
a ligação pesquisa/indústria e em que modalidades. Apresenta um breve panorama sobre
as EPCs na Europa, ressaltando sua importância como mecanismo de transferência de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
83
tecnologia. Trata-se, acima de tudo, de um estudo de sua forma de atuação e de sua participação no mercado. Busca-se mostrar, a partir de sua relação com os parceiros científicos
e comerciais, se as vantagens que lhes são conferidas justificam a existência do modelo e
sua capacidade de atender às exigências da indústria. Parte-se da hipótese segundo a qual
a evolução do sistema industrial, tendo criado uma demanda de serviços tecnológicos
especializados, possibilitou o surgimento destas empresas de pesquisa.
O estudo mostra que uma dinâmica favorável catalisa esta tentativa de conciliação de
interesses entre o pesquisador e o empreendedor industrial. As EPCs são consideradas
mais agéis e eficazes que os organismos públicos para responder às necessidades da indústria. Elas participam do desenvolvimento de novos processos, explorando seu potencial
para encontrar soluções normalmente impensadas. Seu papel de agência indutora de
tecnologia é incontestável. Supondo que o desenvolvimento tecnológico se impõe como
um meio de acesso ao mercado, suas vantagens reforçam a adequação do presente instrumento. O desempenho das EPCs européias e a adoção deste modelo por outros países do
continente confirmam sua eficiência.
Abstract
The contract research organizations (CRO) as agencies of linking research and industry,
offer industrials acess to technical know-how to solve specific problems and to become
more competitives. This article evaluates the questions related to technology transfer from
these kind of organizations to industry, in France. Based on the analysis of the activity of
some private French organizations, the study allows the evaluation of their capabilities to
meet clients requirements within a competitive market. Additionally, followed by personal
interviews with staff members of those organizations, the study develops a profile of them
in Europe, explaining their different types, their methodology of action, their role within
the innovation system and their relation with financial agents, researchers and clients. The
state of the art of CRO in Europe helps to understand research under contract in that region
of the world. The article also address the issue of whether environment favors their activities
in France.
O Autor
PAULO CÉSAR SIQUEIRA é doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade peolo Centro Science,
Technologie et Société (STS) do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris,
França. Atualmente ocupa o cargo de Coordenador Executivo do Acompanhamento e
Avaliação do Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (PRONEX) do CNPq.
84
Paulo César Siqueira
Política e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
85
Instituições públicas de pesquisa
e o setor empresarial:
o papel da inovação e da
propriedade intelectual
SIMONE SCHOLZE
CLAUDIA CHAMAS
As profundas alterações realizadas na legislação de propriedade
intelectual permitem hoje ao País colocar em vigor mecanismos que
privilegiem a intensificação do intercâmbio entre nossas instituições de
pesquisa, onde tradicionalmente a invenção é gerada, e o setor industrial,
mais qualificado para levar essas invenções ao mercado.
É necessário, portanto, discutir e implementar os instrumentos
adequados ao aparelhamento de nossas universidades e institutos de
pesquisa, para fazer face às novas demandas no campo da propriedade
intelectual e da transferência de tecnologia, no que diz respeito aos
projetos científicos e tecnológicos em associação com a iniciativa privada.
Nos países industrializados, onde essa experiência já se verificou,
muitos estudos evidenciam que as práticas cooperativas têm aumentado
e novos produtos e processos surgem a cada ano em decorrência dessas
parcerias. O fortalecimento desse vínculo foi estimulado tanto pelas
políticas governamentais, como pela própria percepção de sua
importância pelos dois setores. A cooperação deixou de ser uma atividade
informal, como acontecia no passado, para adquirir um caráter formal,
freqüente e planejado, com relações regidas por contratos que incluem a
regulação de direitos de propriedade intelectual gerados no âmbito de
projetos cooperativos de pesquisa.
Nos Estados Unidos, o apoio governamental para P&D envolvendo
cooperação entre empresas, universidades e laboratórios federais teve
início nos anos 60, mas expandiu-se fortemente com a aprovação do
Stevenson-Wydler Technology Innovation Act, em 1980. Essa lei abriu os
laboratórios federais para o setor industrial, disponibilizando não apenas
infra-estrutura altamente especializada, como também oportunidades
de parceria no financiamento e uso por instituições privadas de
tecnologias desenvolvidas por instituições públicas de pesquisa.
86
Claudia Chamas & Simone Scholze
Merece também destaque o papel desempenhado pelo Bayh-Dole
Act no cenário da pesquisa nos EUA. Através dessa legislação foi
implementada política federal de propriedade intelectual uniforme que
permitiu às universidades, institutos de pesquisa e pequenas empresas
reter a titularidade de patentes de invenções derivadas de pesquisas
financiadas com recursos públicos federais e facultar às instituições
beneficiárias desses recursos transferir tecnologia para terceiras partes.
O Bayh-Dole Act estimulou decisivamente a análise custo/benefício por
parte das empresas no que concerne aos investimentos para
desenvolvimento e exploração comercial de tecnologias geradas nas
instituições públicas de pesquisa, concedendo a titularidade dos direitos
patentários a universidades, pequenas empresas e instituições sem fins
lucrativos.
Conforme dados da Association of University Technology Managers,
a taxa de patenteamento nas universidades aumentou consideravelmente
desde a implantação do Bayh-Dole Act. O estudo da AUTM nas 130
principais universidades identificou ainda a existência de 9.300 licenças
ativas de comercialização de patentes, que geram royalties anuais de
300 milhões de dólares. Descontando-se 20% de despesas (taxas,
anuidades de patentes, etc.), o valor líquido rateado entre as instituições
de pesquisa e os pesquisadores é da ordem de 240 milhões de dólares ou, em média, de 26 mil dólares por patente. Nos Estados Unidos, de
modo geral, o rateio adotado pelas universidades é de um terço para a
universidade, um terço para o departamento onde se deu o invento e
um terço para o pesquisador - ou equipe - inventor. Ou seja, em média,
a premiação do pesquisador corresponde a oito mil dólares ano.
Tomando-se apenas as dez universidades mais produtivas, a retribuição
média anual por patente sobe para 60 mil dólares e a participação do
pesquisador - ou equipe - para 20 mil dólares anuais.
Em geral, as grandes universidades americanas contam com um
escritório interno encarregado de cuidar dos aspectos legais e
administrativos da propriedade intelectual e da transferência de
tecnologia. Esses escritórios de propriedade intelectual e transferência
de tecnologia dispõem de equipes pequenas, integradas por
administradores, economistas ou profissionais de outras áreas e por
pessoal de nível técnico, não possuindo, em geral, profissionais com
formação jurídica. Os aspectos litigiosos são tratados por escritórios de
advocacia contratados fora da universidade.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
87
NOVOS MECANISMOS DE ESTÍMULO À PESQUISA COOPERATIVA ENTRE
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS NO BRASIL
Tendo em vista que a proteção legal da propriedade intelectual tornase, também entre nós, vigoroso instrumento da política científica e
tecnológica, foi publicado em abril último o Decreto Nº 2.553/98, que
regulamenta a Lei de Propriedade Industrial, notadamente nos aspectos
relativos ao compartilhamento de royalties entre as instituições públicas
de pesquisa e universidades e seus pesquisadores.
Determinam os artigos 88 e 89 da Lei de Propriedade Industrial
que, embora pertença exclusivamente ao empregador a invenção
decorrente de contrato de trabalho que tenha por objeto a pesquisa ou a
atividade inventiva, poderá ser concedida ao empregado, autor de
invento ou aperfeiçoamento, participação nos ganhos econômicos
resultantes da exploração da patente.1
Tal faculdade não se estendia, no regime anterior, às instituições
públicas. Os resultados financeiros ou quaisquer outros benefícios gerados
pela atividade inventiva do empregado pertencia exclusivamente à
União. Assim, verificava-se, não raro, evasão de invenções dos institutos
de pesquisa para o setor privado ou desestímulo do pesquisador em
envolver-se em atividades de caráter tecnológico. Hoje, por força do artigo
93 da Lei de Propriedade Industrial, esses dispositivos também aplicamse às entidades da Administração Pública direta, indireta e fundacional,
federal, estadual ou municipal.
Com base no Decreto Nº 2.553/98, o Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT) e o Ministério da Educação (MEC) elaboraram portarias
que disciplinam a implantação do mecanismo de premiação em seus
respectivos órgãos e entidades vinculadas: Portaria MCT 88/98 e Portaria
MEC 322/98. Ambos os instrumentos aplicam-se, nas respectivas esferas
de competência desses Ministérios, a todas as criações intelectuais, que
envolvam inovação tecnológica, passíveis de proteção, ou seja, invenções,
aperfeiçoamentos, modelos de utilidade, desenhos industriais, programas
de computador e novas variedades vegetais
Assim, os ganhos econômicos resultantes da exploração de criação
intelectual, protegida por direitos de propriedade intelectual, de servidor
de órgão ou de entidade do MCT, no exercício do cargo, serão
compartilhados a título de incentivo em parcelas iguais – e durante toda
a vigência da proteção intelectual – entre o órgão ou a entidade do
Obviamente, pertencerá exclusivamente ao empregado a invenção por ele desenvolvida
desvinculada do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de meios, materiais,
instalações e equipamentos do empregador (art. 90 da Lei Nº 9.279/96).
1
88
Claudia Chamas & Simone Scholze
ministério, titular do direito de propriedade intelectual, responsável pelas
atividades das quais resultou a criação intelectual protegida; a unidade
do órgão ou da entidade do ministério onde foram realizadas as
atividades; e o servidor autor da criação intelectual protegida.
A portaria inova ainda ao estabelecer que órgãos e entidades do
MCT deverão, ao celebrar quaisquer instrumentos contratuais relativos
a atividades que possam resultar em criação intelectual protegida,
estipular cláusulas de confidencialidade, a titularidade e a participação
dos criadores na criação intelectual protegida. E mais, condiciona à
observância da portaria a concessão de financiamentos, auxílios
financeiros e bolsas de órgãos do MCT, como FINEP, CNPq, PADCT e
PRONEX, sob pena de seu cancelamento.
Espera-se que essas medidas tenham impacto favorável no nível
das atividades inovativas dos institutos e universidades. Consoante o
relatório do Projeto Inventiva, realizado em coordenação pelo Ministério
da Indústria e Comércio, o INPI e o SEBRAE, o baixo desempenho das
universidades e centros de pesquisa brasileiros, relativamente ao
patenteamento de suas invenções, deve-se, entre outros fatores, à falta
generalizada de reconhecimento de que a patente constitui importante
indicador tecnológico, revelando a excelência tecnológica da instituição,
bem como aos desconhecimento dos benefícios econômicos da exploração
dessas criações intelectuais. Soma-se a esse dois fatores o desestímulo
para buscar o patenteamento que ainda prevalece na comunidade de
pesquisa, vez que quaisquer benefícios financeiros oriundos da
comercialização e do licenciamento dessas invenções destinavam-se, até
data recente, exclusivamente aos cofres da União.
Os números dos pedidos de patentes por parte de universidades e
institutos de pesquisa residentes no Brasil reflete sobretudo a baixa cultura
de proteção da propriedade intelectual entre nós. Especialmente no
ambiente acadêmico, ainda predomina a noção de que o novo
conhecimento deve ser imediatamente publicado e livremente
intercambiado. A pesquisa acadêmica tradicionalmente caracteriza-se
pela liberdade de investigação e pelo livre fluxo das informações. As
pesquisas empreendidas em universidades não têm necessariamente que
resultar em algo comercializável e não buscam necessariamente atender
ao mercado. O lucro não é o objetivo dos projetos. Por outro lado, a
atividade empresarial enfatiza a obtenção de lucro, a preocupação com
a qualidade e segurança, o preços dos produtos e a manutenção do sigilo
em torno das atividades tecnológicas e comerciais.
Uma vez que os resultados da pesquisa são passíveis de proteção
intelectual, torna-se necessário que as universidades e institutos de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
89
pesquisa desenvolvam instrumentos e loci capazes de gerir internamente,
de forma adequada, a questão dos direitos de propriedade intelectual, a
fim de compatibilizar sua inalienável missão pública com o
estabelecimento de parcerias com o setor produtivo, que é obviamente
motivado pelo lucro.
Por essa razão, algumas de nossas institutos de pesquisa
pioneiramente já criaram mecanismos institucionais de gestão da
propriedade intelectual e da transferência de tecnologia.
· EMBRAPA - Deliberação da Presidência nº 22/96, criando a Política
Institucional de Gestão de Propriedade Intelectual, que “‘define
orientações gerais para a gestão das várias formas de propriedade
intelectual na empresa e estabelece mecanismos operacionais
diferenciados para o uso das prerrogativas existentes na legislação vigente
e futura que regula e regulará os direitos referentes à propriedade
industrial, à proteção de cultivares e à proteção de direitos autorais
pertinentes aos produtos de informação - livros, periódicos, vídeos, CDs,
softwares e similares.” Foi também criado o Comitê de Propriedade
Intelectual e a Coordenadoria de Propriedade Intelectual do
Departamento de Programação Econômica e Desenvolvimento
Comercial.
· FIOCRUZ - Portaria da Presidência nº 204/96, regulamenta a
propriedade industrial na instituição, estabelecendo “procedimentos com
relação a direitos de propriedade industrial e demais direitos de
propriedade sobre as invenções ou aperfeiçoamentos passíveis de
comercialização, resultantes de atividades realizadas na FIOCRUZ. Visa
a proteger o patrimônio científico e tecnológico, estimular o processo
inovador e possibilitar o retorno do investimento para fortalecer e ampliar
a capacitação tecnológica da FIOCRUZ.”
· No âmbito das Universidades algumas iniciativas já foram consolidadas,
a saber:
· Universidade Federal de São Carlos: através da Fundação de Apoio
Institucional ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, são negociadas
as prestações de serviços entre professores e outras instituições;
· Universidade Federal do Rio de Janeiro: por determinação da Resolução
nº 01/90, a Fundação Coppetec é responsável pela negociação das
prestações de serviços entre professores da Coppe e outras instituições.
·Universidade de São Paulo: a Resolução nº 3.428/88 criou o Grupo de
Assessoramento ao Desenvolvimento de Inventos.
90
Claudia Chamas & Simone Scholze
· Universidade Estadual de Campinas: por força da Deliberação CONSU12/88 e da Portaria GR nº 072/93, foram criados a Comissão Permanente
de Propriedade Industrial e o Escritório de Transferência de Tecnologia
· Universidade Federal de Minas Gerais – dispõe desde 1997 da
Coordenaria de Transferência e Inovação Tecnológica e a Resolução nº
8, de julho de 1998, do Conselho Universitário definiu a política interna
de propriedade intelectual e regulou o compartilhamento de royalties
com os pesquisadores daquela universidade.
Atualmente é necessário que os institutos de pesquisa (INPE, INPA,
INT, CTI, LNCC, LNLS, MPEG, LNA, ON, CETEM, IMPA, CBPF, IBICT)
e agências e linhas de fomento (CNPq, FINEP, PADCT, PRONEX) do
Ministério da Ciência e Tecnologia também reexaminem as alterações a
serem realizadas em seus regimentos e estatutos não apenas para
incorporar as disposições do Decreto Nº 2.553/98 e da Portaria MCT
88/98, mas também para estabelecer a políticas internas adequadas de
propriedade intelectual e transferência de tecnologia.
Acresce a essas iniciativas a incorporação entre os temas
estruturantes do Avança Brasil 2000-2003 (PPA) do Programa Inovação
e Competitividade, cujo objetivo é aumentar a competitividade das
empresas nacionais. Trata-se do maior programa em termos de volume
de recursos quando incluídas todas as fontes, envolvendo o montante
total de R$ 5.3 bilhões para os quatro anos do PPA, dos quais R$450
milhões do Tesouro; R$1.3 bilhões da FINEP (extra orçamento geral da
União); R$ 430 milhões de renúncia fiscal e mais de R$ 3 bilhões oriundos
de.parcerias (estados, municípios, estatais, setor privado).
O programa implementará 16 ações voltadas para capacitação de
pessoal; fomento ao desenvolvimento tecnológico; financiamento a P&D
nas empresas; estudos e painéis; e execução direta de inovações pelo
Instituto Nacional de Tecnologia (INT). As ações mais específicas referemse a: micro e pequenas empresas; redes cooperativas de pesquisa para
empresas; impacto das inovações tecnológicas no emprego e na
educação; empresas exportadoras; empresas de base tecnológica;
empresas de setores de impacto social (habitação, saneamento,
transporte, energia); e capacitação de assessores e dirigentes sindicais.
Outras ações do programa são genéricas, a exemplo de: apoio a estratégias
de desenvolvimento tecnológico das empresas; desenvolvimento
tecnológico industrial; e fomento ao desenvolvimento tecnológico
empresarial. Destaque será dado neste programa ao PADCT Tecnológico
e aos Incentivos Fiscais (lei nº8661/93).
A eventual implantação em nossos institutos de pesquisa de
escritórios internos de propriedade intelectual e transferência de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
91
tecnologia, bem como de outros mecanismos instucionais facilitadores
da associação entre as instituições públicas de pesquisa e o setor privado,
certamente, deverão ter como objetivo preparar as instituições públicas
de pesquisa para a proteção dos direitos de propriedade intelectual
originados no âmbito das atividades de P&D; regulamentar a propriedade
intelectual das invenções geradas com recursos públicos e estabelecer
mecanismos de negociação e transferência da tecnologia para exploração
comercial dessas invenções; e estruturar um sistema de acompanhamento
e avaliação do retorno para a sociedade da utilização dos recursos
públicos, de forma compatível com o Plano Plurianual de Governo.
SIGLAS
CBPF - Centro Brasileiro De Pesquisas Físicas
CETEM - Centro De Tecnologia Mineral
CNPq - Conselho Nacional De Desenvolvimento Científico E Tecnológico
CTI - Fundação Centro Tecnológico para Informática
FINEP - Financiadora De Estudos E Projetos
IBICT - Instituto Brasileiro De Informação Em Ciência E Tecnologia
IMPA - Instituto De Matemática Aplicada
INPA - Instituto Nacional De Pesquisas Da Amazônia
INPE - Instituto Nacional De Pesquisas Espaciais
INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial
INT- Instituto Nacional De Tecnologia
LNA - Laboratório Nacional De Astrofísica
LNCC - Laboratório Nacional De Computação Científica
LNLS - Laboratório Nacional De Luz Síncroton
MAST - Museu De Astronomia E Ciências Afins
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MPEG - Museu Paraense Emílio Goeldi
ON - Observatório Nacional
PADCT – Programa Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
PRONEX – Programa de Apoio à Núcleos de Excelência
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
Resumo
O artigo enfatiza a importância de se discutir e implementar instrumentos
adequadados ao aparelhamento de nossas universidades e institutos de pesquisa com o
objetivo de fazer face à novas demandas no campo da propriedade intelectual e da
tranferência de tecnologia, principalmente nos projetos científicos e tecnologicos associados ao setor produtivo.
Abstract
This paper emphasizes the importance in opening up the instruments discussions
and implementation suited in order to have a better infra-structure in our universities and
research institutions with the objective to satisfy all new demands of intelectual
proprietorship in the field and technological transfers, specially in scientific and technological
projects associated to the productive sector.
92
Claudia Chamas & Simone Scholze
As Autoras
SIMONE SCHOLZE, Advogada, Assessora do Ministro da Ciência e Tecnologia, Mestre
em Direito pela Universidade de Brasília.
CLAUDIA CHAMAS, Engenharia Química, Analista em C&T da Fundação Oswaldo Cruz,
Ministério da Saúde, Doutoranda em Engenharia de Produção pela UFRJ.
Politíca e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
93
As Plataformas Tecnológicas e a
Promoção de Parcerias para a
Inovação
MARILEUSA D. CHIARELLO
O desenvolvimento acelerado da tecnologia da informação, aliado
à diminuição das distâncias resultante da recente globalização da
economia, vêm transformando rapidamente as relações da sociedade
neste final de século, tanto do ponto de vista cultural quanto econômico
e social. De fato, nunca foi tão difícil para as empresas manter-se no
mercado como atualmente. O setor privado nacional, que havia se
beneficiado de uma estratégia de desenvolvimento voltada para dentro
e acompanhada de inflação alta crônica, deparou-se com outros desafios,
desde a questão da qualidade e da relação com clientes até a preocupação
com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, além da
necessidade permanente de inovar.
As últimas décadas no Brasil foram caracterizadas por um
distanciamento entre os investimentos em C&T e a demanda por inovação
no setor privado. Os investimentos públicos concentraram-se
majoritariamente na área da ciência e o setor privado investiu pouco em
desenvolvimento tecnológico. Nesse período, o governo brasileiro investiu
uma quantia significativa de recursos para ampliar a capacidade de
pesquisa e desenvolvimento do sistema de ciência e tecnologia do país.
Somente o CNPq/MCT gastou em média mais de R$500 milhões
anualmente na capacitação de recursos humanos. Em decorrência, a
produção científica brasileira apresentou um crescimento expressivo,
passando de aproximadamente 2.000 artigos publicados em 1980, em
revistas especializadas, de acordo com o Science Citation Index, para 6.000
publicações em 1996 (Cruz, 1999).
Analisando-se a questão pela ótica do desenvolvimento tecnológico,
mensurado pela preocupação com a proteção da propriedade intelectual,
observa-se que o crescimento da produção científica brasileira não se
traduziu em resultados inovadores para o setor empresarial. O número
de solicitações de patentes por residentes no Brasil permaneceu estável
em torno de 2.300/ano no período 1984 a 1993, o que é indicativo de
um baixo nível de internalização dos resultados do desenvolvimento
científico. No mesmo período, o número de patentes no Brasil por nãoresidentes aumentou de 4.600 para 14.500 (Albuquerque, 1998).
94
Marileusa D. Chiarello
Por outro lado, vários fatores puderam ser identificados como
inibidores de investimentos privados em C&T: a experiência limitada do
setor produtivo em P&D, a carência de tradição em cooperar com a
comunidade científica na base cliente/contratante e as políticas públicas
de estímulo à participação do setor privado em atividades de C&T
insuficientes (PADCT, 1997).
CONECTANDO OS SETORES PÚBLICO E PRIVADO
No Brasil, o setor produtor de conhecimento é majoritariamente
representado por instituições públicas, enquanto o setor usuário, que,
através do processo de inovação, internaliza conhecimentos e gera bens
e serviços, é quase sempre privado. Frente ao problema representado
pelo baixo grau de apropriação do conhecimento para promover a
inovação, muitos esforços precisam ser feitos para aumentar a conexão
entre os dois setores. De fato, um dos problemas mais simples que afeta
o desempenho dos sistemas locais de inovação é o desconhecimento da
oferta tecnológica por parte das empresas e da demanda por tecnologias
por parte das instituições de C&T, além do desconhecimento dos
mecanismos de cooperação e financiamento por ambos os setores.
Entre as experiências brasileiras recentes que visavam a promover
a conexão e estimular a participação setorial na definição de prioridades
em tecnologia destacaram-se as Missões Tecnológicas de Minas Gerais,
os diagnósticos de demanda em setores industriais no Rio Grande do
Sul e as Plataformas Tecnológicas, de abrangência nacional.
As Missões Tecnológicas de Minas Gerais concentraram esforços
no desenvolvimento de áreas escolhidas pelo consenso de partes distintas
da sociedade. Seis Missões foram instituídas: Florestas Renováveis, Gemas
e Jóias, Biotecnologia, Aquicultura, Gestão de Resíduos e Agenda 21. Na
sua implementação, Minas mobilizou recursos humanos, materiais e
financeiros muito além dos orçamentos governamentais. Como principais
resultados, as Missões mobilizaram produtores, organizaram associações
para desenvolvimento de projetos conjuntos, facilitaram a absorção de
tecnologias, promoveram a qualificação de mão de obra entre outros
(SECT/MG, 1997).
No Rio Grande do Sul, o Núcleo de Gestão da Inovação Tecnológica
da UFRGS desenvolveu uma metodologia simplificada para a
identificação de demandas tecnológicas pelos atores envolvidos no
processo. A metodologia baseia-se na constituição de grupos focais (um
grupo focal é normalmente constituído por 6 a 12 pessoas, dispostas no
mesmo lugar para discutir o tópico de interesse) e tem, como principal
atrativo, a geração de resultados rapidamente. Doze setores econômicos
foram investigados: Agro-alimentar, Bebidas e Vinho, Borracha,
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
95
Calçados, Couro e Peles, Editorial e Gráfico, Eletro-eletrônico, Fumo,
Madeira e Mobiliário, Metal-mecânico, Químico e Têxtil e Vestuário. A
experiência configurou-se como um novo padrão de busca de
informações, que servem para auxiliar nos mais diversos processos
decisórios. Os resultados do trabalho permitiram a identificação de um
perfil geral das necessidades tecnológicas do Estado, o que foi
fundamental para o surgimento de propostas concretas para incrementar
a competitividade dos setores (Zawislak & Dagnino, 1998)
A terceira experiência foi a das plataformas tecnológicas, concebidas
para promover a mobilização de setores específicos da sociedade brasileira
em torno de uma agenda comum de prioridades. Esses projetos foram
financiados pelo Componente Desenvolvimento Tecnológico – CDT, parte
integrante do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – PADCT. O PADCT objetiva promover o desenvolvimento
tecnológico das empresas nacionais e aumentar os investimentos privados
em C&T, estimulando a formação de parcerias entre os setores acadêmico
e produtivo. Enfatiza os projetos cooperativos, demandados e cofinanciados pelo setor privado, e apoia a criação de espaços para o
estabelecimento de percepções compartilhadas e de articulações de
programas de pesquisa de interesse comum a empresas e instituições
acadêmicas (Plonski, 1998). Atua através de Editais públicos, oferecendo
recursos não reembolsáveis para projetos co-financiados pelo setor
privado, que provem mérito segundo critérios técnicos, sociais e
econômicos preestabelecidos, definidos com base em demandas
previamente identificadas.
A EXPERIÊNCIA DAS PLATAFORMAS TECNOLÓGICAS DO CDT
Na metade dos anos 90, o Sub-programa de Biotecnologia (SBIO)
do PADCT II, com o intuito de gerar demanda de propostas para projetos
de cunho mais tecnológico que científico, selecionou, nos campos da
biotecnologia humana, animal e vegetal, temas de interesse social e
econômico para o País. Na saúde humana, o foco foi dado à questão do
diagnóstico precoce de câncer de colo do útero. Na área animal, a
preocupação era a sanidade dos rebanhos brasileiros e na área vegetal,
as pragas que atacam lavouras. O programa de agronegócios do CNPq
viabilizou recursos e vários esforços foram feitos para mobilizar os atores
que, de alguma forma, estavam ligados ao setor em questão. No caso da
área vegetal, por exemplo, dois problemas principais foram abordados:
a Vassourinha de Bruxa, praga que estava comprometendo o parque
cacaueiro da Bahia e a clorose variegada de citros (CVC), provocada
pela bactéria Xylella fastidiosa, muito preocupante para o setor citrícola,
em especial o Estado de São de Paulo, maior produtor de laranja e de
suco concentrado do mundo. Todos os atores das respectivas cadeias
96
Marileusa D. Chiarello
produtivas foram incitados a identificar os gargalos tecnológicos que
resultavam em entraves para o desenvolvimento das mesmas. A iniciativa
levou, entre outros resultados, ao estabelecimento de diagnósticos das
respectivas áreas, à criação de associações específicas e à formalização
de parcerias para a resolução dos problemas levantados. Uma das
parcerias culminou, recentemente, em um projeto cooperativo
envolvendo o setor citricultor paulista e uma rede de laboratórios na
implementação do projeto Genoma da Xilella fastidiosa, co-financiado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Dado o êxito obtido com a iniciativa do SBIO na área de fomento
da demanda de projetos tecnológicos, o PADCT, na sua terceira edição
(PADCT III), incorporou esta experiência ao seu portfólio de projetos
financiáveis conceituando-a como plataformas tecnológicas. Na ótica
do programa, as plataformas visavam a criar um ambiente propício ao
estabelecimento de diálogo entre áreas da indústria, agricultura, serviços,
governo e instituições de Pesquisa e Desenvolvimento. O resultado
principal esperado desta aproximação era a formulação de projetos
cooperativos, setoriais ou regionais, ou até mesmo projetos cooperativos
para o desenvolvimento de produtos ou processos de interesse de uma
empresa ou grupo de empresas, para os quais o CDT previa diferentes
mecanismos de financiamento.
As plataformas podem ser propostas por universidades, institutos,
fundações estaduais, agências federais e outras instituições de P&D,
entidades de classe ou ainda qualquer grupo de interesse organizado,
de cunho tecnológico, comprometido com a promoção da inovação
tecnológica. A metodologia de trabalho das plataformas é extremamente
variável, mas, de forma geral, inclui a organização de seminários, grupos
de trabalho, estudos, levantamentos e visitas técnicas
Quadro 1. Resultados do julgamento das propostas de plataformas tecnológicas
apresentadas na primeira e na segunda rodadas do Edital CDT 01/98
N úm ero de propostas
1ª Rodada
2ª Rodada
TOTAL
Recursos envolvidos
Dem anda
Contratadas
Dem anda
Contratadas
Total*
(R$ m ilhões)
%
privado**
Total*
(R$ m ilhões)
%
privado*
*
78
10
16,1
41
2,1
50
87
20
19,4
116
4,0
116
165
30
35,5
71
6,1
87
*Somatória dos recursos solicitados ao PADCT e oferecidos como contrapartida.
**(Recursos de contrapartida privada oferecida/ recursos solicitados ao PADCT)*100.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
97
No primeiro ano de atuação, as duas rodadas do Edital CDT 01/
98, convocando parcerias para a implementação de Plataformas
Tecnológicas, receberam 165 propostas de projetos, das quais 30 foram
selecionadas para contratação (Quadro 1).
Um dos principais indicadores do interesse que a atividade de
plataformas despertou no setor empresarial é o volume de recursos
oferecidos em contrapartida (Quadro 1). De fato, nesta modalidade de
projetos, a contrapartida privada não era obrigatória e não havia um
limite mínimo pré-estabelecido. Pode-se observar que, na demanda de
propostas da primeira rodada, o valor de contrapartida oferecida
correspondia a em torno de 40% dos recursos solicitados ao PADCT. Na
segunda rodada os recursos de contrapartida privada foram superiores
em quase 120% aos solicitados ao PADCT. Este fato foi observado também
nas outras modalidades de projetos então financiadas pelo CDT. No total
geral, a contrapartida privada nos projetos contratados foi superior em
170% aos recursos solicitados do PADCT. O aumento da participação
privada na segunda rodada, além de ser indicativo do interesse da
indústria nacional em participar de projetos cooperativos, pode ser
creditado ao aumento da credibilidade do programa frente ao setor
privado.
Houve uma expressiva diversidade de temas abordados, desde
farinha de minhoca até componentes eletro-eletrônicos, o que exemplifica
o alcance das plataformas como ferramenta de mobilização de setores
específicos. Quando analisados os volumes de recursos, pode-se observar
Gráfico 1. Distribuição percentual da contrapartida oferecida pelos setores
econômicos na demanda de propostas de Plataformas Tecnológicas do Edital
CDT01/98.
DEMANDA
12,00
10,07
10,00
9,28
6,36
5,78
6,00
4,89
4,89
4,09
4,06
3,50
4,00
2,00
SAUDE E SERVICOS
SOCIAIS
PRODUTOS DE METAL
MATERIAL ELETRONICO
VEICULOS
AUTOMOTORES
EDUCACAO
INFORMATICA
ALIMENTOS E BEBIDAS
AGRICULTURA/PECUARIA
MAQUINAS E
EQUIPAMENTOS
0,00
PRODUTOS QUIMICOS
CONTRAPARTIDA ( %)
7,63
8,00
98
Marileusa D. Chiarello
que alguns setores econômicos mostraram maior preocupação com a
inovação tecnológica, traduzida nos valores de contrapartida oferecidos.
Efetivamente, embora na demanda houvesse projetos representantes dos
mais de 50 setores econômicos catalogados pelo IBGE, 60 % dos R$ 15
milhões de contrapartida foram propostos por apenas 10 setores
específicos (Gráfico 1). Apenas os setores de produtos químicos e de
máquinas e equipamentos responderam por quase um quarto de toda a
contrapartida privada.
Das 30 plataformas contratadas apenas 10 foram propostas por
Universidades (Quadro 2). Três propostas tinham como instituição
proponente a EMBRAPA e nos outros 17 casos a proposta foi
encaminhada por associações ou instituições privadas sem fins lucrativos,
representativas dos setores econômicos envolvidos. Esses dados também
demonstram o potencial das plataformas para agregar esforços das áreas
empresarial e de pesquisa para a busca de soluções de problemas
tecnológicos. Entre as plataformas contratadas para financiamento, 70%
são oriundas do eixo sul-sudeste (Quadro 3). Na demanda, este
percentual era de quase 80%, refletindo a concentração de instituições
de P&D e empresas nestas regiões.
AVALIAÇÃO PRELIMINAR DAS PLATAFORMAS DO CDT
As plataformas tecnológicas da primeira rodada foram
implementadas durante o ano de 1999 e algumas avaliações preliminares
já puderam ser feitas. As da segunda rodada encontram-se ainda em
fase de execução.
Contabilizou-se em torno de 250 empresas diretamente envolvidas
com a execução dos 10 projetos contratados na rodada 01. Além de
estabelecer diagnósticos setoriais de oferta e demanda tecnológica, as
plataformas possibilitaram a geração de quase uma centena de projetos
potenciais, dos quais 60 em parceria com a iniciativa privada. Destes,
em torno de uma dezena havia captado recursos de outras fontes para
sua implementação, até o final de 1999. Entre outros produtos, a primeira
rodada de plataformas promoveu mais de 30 seminários e workshops,
além de ter gerado livros, CD-ROM, sites, vídeos e cursos.
Os participantes das plataformas, respondendo à consulta
formulada pela agência responsável pelo acompanhamento e a avaliação
do programa, no caso, o CNPq, consideraram esta modalidade de auxílio
importante por estabelecer bases para a gestão de um segmento
econômico, criar ambiente favorável e formar cultura na elaboração de
projetos cooperativos, contribuir para o desenvolvimento sócioeconômico dos setores envolvidos e proporcionar maior sinergia entre
as comunidades industrial e acadêmica. Entretanto, a interrupção dos
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
99
Quadro 2. Plataformas tecnológicas contratadas na primeira e
segunda rodadas do Edital CDT 01/98.
RODADA 01
Coordenação das Necessidades Tecnológicas e Fomento de Ações
Cooperativas em Automação visando o desenvolvimento do setor
Industrial do Estado da Bahia
Análise da Cadeia de Valor da Indústria de Mármore e Granito e
Construção Civil do Espírito Santo
Problemas da Produção, abate/processamento e comercialização dos
produtos da ranicultura
Identificação de Restrições Técnicas, Econômicas e Institucionais ao
Desenvolvimento do Setor Leiteiro Nacional
Medicamentos para o combate à Tuberculose
Plataforma Tecnológica da Cadeia Automotiva do Rio Grande do Sul
Plataforma de Polímeros no Sul do Brasil
Automação Industrial e Componentes
Expansão competitiva do setor de base florestal
Plataforma para Indústria Brasileira de Revestimento Cerâmico
RODADA 02
Projeto Plataforma em Sanidade Avícola
Estudo da Capacitação Tecnológica/Competitividade de Empresas do
Setor Metal-Mecânico do Ceará
Estudo da Cadeia Produtiva do Mel no Estado do Piauí
Projeto Simatec - Tecnologias Apropriadas de Desdobro, Secagem e
Utilização da Madeira de Eucalipto e Produtos Sólidos de Madeira de
Alta Tecnologia
Foro de Tecnologias Limpas e Minimização de Resíduos na Industria
Melhoria da Qualidade na Distribuição de Hortifrutícolas: Supermercados
como Foco de Irradiação de Tendências
Plataforma para o Desenvolvimento e Uso do Controle Biológico e
Feromônios de Pragas da Agricultura Brasileira
Plataforma Oleoquímica
Desenvolvimento Metodológico em Exploração Mineral para a Amazônia
Plataforma Tecnológica para o Direcionamento de Projetos Cooperativos
de P & D em Sistema Plantio Direto
Plataforma de Tecnologias Espaciais
Identificação dos Gargalos Tecnológicos Determinantes da Importação
de Produtos Químicos
Tecnologias para a Indústria de Software no Brasil: Estratégias de
Desenvolvimento
Plataforma Tecnológica da Erva Mate do Paraná
Organização de Plataforma para o Setor Extrativista do Estado do Acre
Tecnologias de Informação: Estudo sobre Indicadores de Acessibilidade
Plataforma em Engenharia de Requisitos para Elaboração de Estratégias
de Aumento de Qualidade no Desenvolvimento de Sistemas
Aplicações de Métodos Formais em Projetos e Desenvolvimento de
Softwares Embutidos
Análise Setorial e de Demandas Tecnológicas da Indústria de Extrusão
de Ligas de Alumínio no Brasil
Status em Tecnologias mais Limpas nas Operações de Pintura,
Usinagem e Tratamento Superficial no Setor Metal-Mecânico do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul
Instituição Proponente
Universidade Federal da Bahia
Estado
BA
Federação das Indústrias do Estado do
Espírito Santo
Universidade Federal de Viçosa
ES
Fundação de Desenvolvimento Regional
MG
Sociedade QTROP de Química Fina para o
Combate a Doenças Tropicais
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Associação Brasileira de Polímeros Regional Sul
Associação Brasileira da Indústria Elétrica
e Eletrônica
Sociedade Brasileira de Silvicultura
Centro Cerâmico do Brasil
Instituição Proponente
Uniao Brasileira de Avicultura
Instituto Euvaldo Lodi
RJ
EMBRAPA
Universidade Federal de Viçosa
PI
MG
Universidade Federal da Bahia
Associacao de Supermercados do Estado
do Rio de Janeiro
Universidade Federal de Viçosa
BA
RJ
MG
RS
RS
SP
SP
SP
Estado
DF
CE
MG
Universidade Federal do Rio Grande do Sul RS
Agência para o Desenvolvimento
DF
Tecnológico da Industria Mineral Brasileira
EMBRAPA
DF
Associação das Industrias Aeroespaciais
do Brasil
Associação Brasileira das Industrias
Químicas
Sociedade Brasileira para Promoção da
Exportação de Software
Fundacão para o Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico
EMBRAPA
Universidade de São Paulo
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
IPT
SENAI
SP
SP
SP
PR
AC
SP
RJ
RJ
SP
RS
100
Marileusa D. Chiarello
Editais do CDT, devido à escassez de recursos, foi apontada por muitos
coordenadores de projetos como um dos principais fatores que
comprometem a continuidade das parcerias com o setor privado.
Cabe salientar que, baseando-se na experiência promissora do CDT,
a Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal lançou, em julho
de 1999, um edital destinado à financiar plataformas tecnológicas. Nove
propostas visando a solução de problemas que afetam a competitividade
de setores sócio-ecômicos de interesse do Distrito Federal foram apoiadas,
dentre uma demanda de 25 propostas apresentadas, e encontram-se
atualmente em fase de execução.
CONCLUSÕES
O grande número de propostas de plataformas tecnológicas
apresentadas na primeira e segunda rodadas do Edital CDT 01/98
indicou claramente o interesse que esta atividade suscitou na sociedade
brasileira. O elevado volume de recursos de contrapartida oferecido pela
iniciativa privada refletiu o interesse do setor produtivo nacional em
participar do desenvolvimento tecnológico, discutindo soluções em
conjunto com o setor público de C&T. O potencial de geração de projetos
cooperativos a partir das plataformas ficou evidente, mas a consolidação
das parcerias é dependente da disponibilidade de mecanismos efetivos
de financiamento. A falta de continuidade das políticas de promoção
do desenvolvimento tecnológico, concretizada pela substantiva redução
no aporte de recursos para co-financiar as parceiras estimuladas no
âmbito do CDT, compromete consideravelmente a mobilização dos
setores construída durante a execução das plataformas tecnológicas do
PADCT III.
SIGLAS
CDT: Componente Desenvolvimento Tecnológico
CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPT: Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S/A
MCT: Ministério da Ciência e Tecnologia
PADCT II: Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Fase II
PADCT III: Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico –Fase III
SBIO: Subprograma de Biotecnologia do PADCT
SECT-MG: Secretaria de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais
SENAI: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
101
BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, E. Patentes de invenção de residentes no Brasil (1980-1995): uma investigação
sobre a contribuição dos direitos de propriedade intelectual para a construção de um
sistema nacional de inovação. Rio de Janeiro, UFRJ, 1998. Tese de Doutorado.
CHIARELLO, M. D.; RAINERI, P. C.; FREITAS, J. B. Plataformas Tecnológicas do programa
de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico: um instrumento para promover
a parceria universidade-indústria. Proceedings I Seminário Internacional sobre Gestão
Tecnológica no Nordeste. Fortaleza, Junho de 1999. pp. 409-416.
CRUZ, C. H. B. A Universidade a Empresa e a Pesquisa que o país precisa. Humanidades, N.º
45, Editora UNB, 1999.
MCT/CNPq – Indicadores Nacionais de Ciência e Tecnologia 1990 - 96, 1997.
PADCT. Project Implementation Plan. Documento Básico do Programa. MCT/BIRD, 1997.
106p.
PADCT. Project Implementation Plan. Documento Básico do Programa. MCT/BIRD, 1997.
PLONSKI, G. A. Cooperação Empresa-Universidade no Brasil: Um Novo balanço
Prospectivo. In: IBICT. Interação Universidade-Empresa. 1998. p. 9-23Bibliografia
SECT/MG. Programa Estruturante Ciência e Tecnologia: Missões Tecnológicas. Secretaria de
Estado de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997. 134pp.
ZAWISLAK, P. A & DAGNINO, R. P. Metodologia para Identificação Imediata de
Demandas Tecnológicas de Setores Industriais: o caso de três setores gaúchos.
Rio das Pedras, Rio de Janeiro. 21º Encontro da ANPAD, 1997.
Resumo
As plataformas tecnológicas do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico
e Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia foram idealizadas para promover a
mobilização de setores específicos da sociedade brasileira, em torno de uma agenda comum de prioridades tecnológicas. Através do aumento da interação entre os setores público e privado, as plataformas podem fomentar a demanda das empresas por tecnologia e
favorecer a criação de parcerias com Instituições de P&D interessadas em desenvolver
projetos cooperativos.A avaliação das primeiras dez propostas concluídas comprovou o
potencial desta modalidade, cuja execução depende do acesso a recursos para financiamento.
Abstract
This article desicusses the technological plataforms implemented by the Scientific
and Techonological Development Program (PADCT) of the Ministry of Science and
Technology to promote the mobilization of specific technological for the Brazilian society,
within a commom agenda for technological priorites. Thourgh the increase of the interaction
between public and private secson, plataforms ca foster the demand for technological
increaseing partnership with R&D Institutions interested inf developing cooperative
projects. The evaluation of the ten first projects proved to be sucessful and revealed a great
of cooperative projects amoung universites and company
102
A Autora
Marileusa D. Chiarello
MARILEUSA D. CHIARELLO, ex-consultora do Componente Desenvolvimento Tecnológico
do PADCT III, é farmacêutica com doutorado em Ciência de Alimentos pelo Instituto
Nacional de Pesquisa Agronômica - INRA, França. Atuou por dez anos no desenvolvimento tecnológico da agroindústria nacional e atualmente é gerente do Programa Biotecnologia
e Recursos Genéticos do MCT, Secretária Executiva da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança e coordenadora da pós-graduação em Tecnologia de Alimentos da Universidade Católica de Brasília - UCB.
Política e Organização da Inovação Tecnólogica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
103
Tecnologia Industrial Básica
como fator de competitividade
REINALDO DIAS FERRAZ DE SOUZA
CONTEXTUALIZAÇÃO
A Tecnologia Industrial Básica – TIB reúne um conjunto de funções
tecnológicas de uso indiferenciado pelos diversos setores da economia
(indústria, comércio, agricultura e serviços). A TIB compreende, em
essência, as funções de metrologia, normalização, regulamentação
técnica e avaliação da conformidade (ensaios, inspeção, certificação e
outros procedimentos tais como autorização, registro e homologação
definidos no ABNT-ISO/IEC – Guia 02). A essas funções básicas
agregam-se ainda a informação tecnológica, as tecnologias de gestão
(com ênfase inicial em gestão da qualidade) e a propriedade intelectual,
áreas denominadas genericamente como serviços de infra-estrutura
tecnológica. A importância do desenvolvimento da infra-estrutura
tecnológica como suporte à atividade produtiva tornou-se mais visível
desde que o país optou pelo modelo de inserção competitiva no comércio
mundial, do qual resultou a abertura da economia brasileira à
concorrência internacional, no início da década de 90. Hoje é
amplamente entendido que as funções da TIB compreendem as
chamadas barreiras técnicas ao comércio. Assim, os temas Metrologia,
Normalização, Regulamentação Técnica e Avaliação da Conformidade
são objeto do Acordo de Barreiras Técnicas da Organização Mundial de
Comércio e fazem parte da agenda do Mercosul e da ALCA.
Naturalmente, é tema presente na União Européia e em todos os blocos
econômicos do mundo, dado seu papel estruturante na organização das
funções presentes na produção de bens e serviços e seu impacto no fluxo
internacional do comércio.
O FOMENTO À TECNOLOGIA INDUSTRIAL BÁSICA
O termo Tecnologia Industrial Básica - TIB foi concebido pela extinta
Secretaria de Tecnologia Industrial – STI, do antigo Ministério da
Industria e do Comércio- MIC, no final da década de 70, para expressar
em um conceito único as funções básicas do SINMETRO - Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial, às quais se agregou a Gestão da
Qualidade. Os alemães denominaram a TIB de MNPQ - Messen, Normen,
Prüfen, Qualität ( explicitando o encadeamento das funções relativas a
Medidas, Normas, Ensaios e Qualidade). Nos EUA usa-se o termo
Infrastructural Technologies.
104
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
Para conduzir o processo de capacitação institucional nessas áreas,
o Governo Brasileiro concebeu um Subprograma de Tecnologia Industrial
Básica dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - PADCT, em execução mediante Acordos de Empréstimo
com o Banco Mundial desde 1984 (o PADCT III estende-se de 1997 até o
ano 2001). O Subprograma TIB vem sendo, desde o seu início, a única
fonte regular de apoio à Metrologia, Normalização e Certificação, e
Tecnologias de Gestão. Faz parte do TIB, igualmente, sob o tema
Tecnologias de Gestão, o PEGQ - Projeto de Especialização em Gestão
da Qualidade, que capacitou um número significativo de entidades
técnicas e de consultoria, respondendo pelo treinamento de 28.000
especialistas e, de modo indireto, pela difusão do modelo orientado pelo
trinômio Diagnóstico, Treinamento (de facilitadores) e a Implantação
(de programas de gestão da qualidade), de outros quase 300.000
profissionais; realizou mais de 30 missões técnicas ao exterior (Japão,
EUA, Europa), trouxe quase duas dezenas de especialistas ao Brasil e
atendeu a mais de uma centena de projetos de implantação de Sistemas
de Gestão da Qualidade Total em empresas e organizações diversas,
públicas e privadas. Tudo isso ocorreu no período 1987-1997. Merece
destacar que o primeiro curso de formação de Auditores Líderes de
Sistemas da Qualidade (Lead Assessor) licenciado no Brasil pela BSI –
British Standards Institution, é fruto do PEGQ. O Subprograma TIB
contempla, como funções conexas, além dessas áreas, a Informação
Tecnológica e, mais recentemente, a Propriedade Intelectual.
O PADCT-TIB destinou no período 85/96 (PADCT I e PADCT II)
um total de US$ 58,7 milhões investidos da seguinte forma: (i) US$ 21,6
milhões em metrologia; (ii) US$ 13,4 milhões em capacitação de recursos
humanos em gestão da qualidade (além do PEGQ, uma série de livros¹,
filmes, diagnósticos e a realização de cursos nas áreas de qualidade para
diversos setores industriais); (iii) US$ 15,9 milhões em informação
tecnológica dando ênfase à criação e consolidação de uma rede de
núcleos de informação tecnológica em apoio à indústria (atualmente
esta rede consiste de 6 núcleos regionais, 18 núcleos especializados e
uma unidade de coordenação localizada no IBICT – Instituto Brasileiro
de Informação Científica e Tecnológica); (iv) US$ 3,6 milhões (somente
pelo PADCT II) nas áreas de normalização e certificação da
conformidade, visando ao desenvolvimento de normas de empresas, de
normas de setor e de normas para a certificação de produtos relacionados
a saúde, segurança e meio ambiente; (v) US$ 4,2 milhões para estudos².
O primeiro livro texto sobre Gestão da Qualidade Total produzido no Brasil faz parte desta
série e serviu de base para o Projeto de Especialização em Gestão da Qualidade (PEGQ).
1
Exclui Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira - ECIB, cujo valor de U$ 1,6
milhão não está contabilizado no total da TIB, por ter rubrica própria no PADCT II.
2
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
105
O PADCT-TIB possibilitou importantes avanços em TIB no Brasil.
Na área de metrologia, base técnica para as atividades de normalização
e certificação, o Subprograma TIB possibilitou suplantar graves lacunas
quer no Laboratório Nacional de Metrologia – LNM, responsável pelos
padrões metrológicos primários no país, quer na Rede Brasileira de
Calibração – RBC, que reúne os laboratórios de nível secundário
credenciados pelo INMETRO, os quais fornecem serviços diretamente à
indústria. O Subprograma TIB possibilitou ainda a formação de parcerias
entre laboratórios da Diretoria de Metrologia Científica do INMETRO e
outros laboratórios, o que resultou na criação do Sistema Brasileiro de
Referências Metrológicas (aprovado pelo CONMETRO através do Plano
Nacional de Metrologia, em dezembro de 1998), além de ter possibilitado
a criação do Programa RH-Metrologia, com parcerias do CNPq, CAPES,
da OEA e do setor privado.
Na área de gestão, os esforços do PEGQ contribuíram também para
aumentar o número de empresas brasileiras certificadas de acordo com
as normas ISO 9000 (sistemas da qualidade) de 18 em 1991, para cerca
de 3.700 em 1999 (com um total de mais de 5.000 certificados em 4.600
unidades de negócios), das quais cerca de 130 empresas receberam apoio
do PEGQ (destaque-se que o PEGQ visou à implantação de Sistemas de
Gestão da Qualidade Total e não à certificação de Sistemas de Garantia
da Qualidade, sendo portanto esse um produto indireto). Esse processo
de certificação de sistemas tem sua base na metrologia, na normalização
e nos métodos de gestão.
O PADCT vem sendo a principal fonte de fomento à TIB, sendo
que no PADCT III o Subcomponente TIB foi organizado em dois
conjuntos de atividades somando US$ 20,3 milhões: Serviços de Infraestrutura Tecnológica e Propriedade Intelectual, tendo como objetivos:
· Harmonização dos sistemas de metrologia, normalização e avaliação
da conformidade, objetivando o reconhecimento mútuo internacional
desses sistemas como meio para facilitar o fluxo de comércio, buscando
o principio de “uma só norma, um só certificado, aceito amplamente”;
· Modernização do Sistema Brasileiro de Normalização;
· Estímulo à ampliação das atividades com vistas à Certificação de
Produtos, quer no campo voluntário, quer no campo compulsório;
· Estruturação das atividades de Metrologia em Química por meio do
apoio à montagem de uma rede de laboratórios voltados para a produção
de Materiais de Referência Certificados;
106
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
· Difusão das Tecnologias de Gestão (qualidade, meio ambiente,
tecnologia, negócios e outras), como fator de competitividade; e
· Suporte ao desenvolvimento de ações na área de Propriedade Intelectual
como forma de promover a competitividade.
Algumas referências podem contribuir para a compreensão da
importância da TIB:
a) Nos EUA, segundo fontes do governo Norte-Americano, as
atividades regulatórias em metrologia, com vistas a minimizar erros de
medidas na indústria e no comércio impactam diretamente 52,8% do
Produto Interno Bruto;
b) Os diversos mercados estão cada vez mais exigentes quanto
a produtos, exigindo a sua certificação por entidades credenciadas e
com base em ensaios realizados por laboratórios credenciados e
conduzidos segundo normas (campo voluntário) e regulamentos técnicos
(campo compulsório). Sem o mútuo reconhecimento desses sistemas entre
países, o preço de um produto será acrescido do custo de tantas
certificações diferentes quanto forem os mercados de destino;
c) Além da certificação de produtos e serviços cresce
significativamente a exigência da certificação de sistemas (da qualidade,
de gestão ambiental, de saúde ocupacional e segurança industrial) como
condição para que as empresas exportem para outros mercados;
d) A disseminação das funções de TIB, incluindo as modernas
técnicas de gestão podem contribuir para um crescimento médio da
produtividade industrial em cerca de 6% ao ano, ao longo da próxima
década, conforme expectativa da CNI (no período de 91-96, esse
crescimento foi da ordem de 8% ao ano, segundo dados da mesma fonte);
e) A metrologia poderá responder pelas necessidades de
aprimoramento dos serviços de interesse direto do cidadão. No caso dos
serviços de saúde, os países desenvolvidos dedicam particular atenção à
calibração de instrumentos tais como eletrocardiógrafos,
esfigmomanômetros, termômetros clínicos e outros. Para se ter idéia do
impacto da redução de incertezas de medidas ligadas à saúde, cite-se o
caso das medições de colesterol nos EUA cujas incertezas foram
reduzidas de aproximadamente 18% em 1969 para aproximadamente
5,55% atualmente, com redução de mais de US$ 100 milhões/ano de
gastos com tratamentos equivocados. No Brasil, experiências conduzidas
no Rio Grande do Sul mostram que cerca de 80% dos esfigmomanômetros
de uma amostragem-teste apresentaram erros de leitura superior a 30%,
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
107
indicando a possibilidade de ocorrência de diagnósticos e tratamentos
equivocados em níveis preocupantes.
Outros exemplos poderiam explicitar de modo mais amplo os
impactos das funções de TIB sobre a economia, a saúde e a segurança.
Como exemplo, cite-se a segurança no trânsito, onde os monitores e
controladores de velocidade, assim como os etilômetros ainda não estão
regulamentados, dificultando a implementação do Código de Trânsito
Brasileiro. Vale mencionar aqui que o Ministério da Saúde calculou em
cerca de R$ 27 mil o custo unitário dos acidentes fatais no Brasil (hoje
em cerca de 30.000/ano). A ampla utilização de equipamentos
regulamentados poderia contribuir para uma significativa redução desses
índices.
Estendendo-se os exemplos para os demais campos de aplicação
de regulamentos técnicos, pode-se inferir o benefício social e o potencial
de economia direta e indireta que poderiam ser proporcionados por uma
maior presença da TIB. O mesmo raciocínio se aplica ao campo
voluntário, com um conseqüente aumento da proteção ao consumidor.
Entretanto, em que pesem os avanços que o País vem experimentando
nessa área, ainda é criticamente diminuto o número de produtos sujeitos
à certificação compulsória e voluntária no Brasil, representando uma
vulnerabilidade do nosso mercado, tanto no que diz respeito às relações
econômicas e de consumo internas, quanto no que se refere à exportação
e importação de produtos.
Apesar da importância da TIB, vale lembrar que o programa do
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT é o único esforço sistemático
de apoio à área nos últimos 15 anos e, reconhecidamente, é o instrumento
que vem propiciando os mais importantes avanços do País nesse campo.
Importante mencionar também que o Programa Recursos Humanos para
Atividades Estratégicas - RHAE e Programa de Apoio à Competitividade
e Desenvolvimento Tecnológico - PCDT no âmbito do CNPq são
instrumentos de fomento adicionais importantes para assegurar ações
relativas a capacitação de recursos humanos de interesse da TIB.
Para que se tenha uma idéia sintética do alcance dessas ações, o
Programa RHAE vem possibilitando na área de TIB:
1. A participação do Brasil através da ABNT-CB-25 no Comitê
Técnico 176 da ISO-International Organization for Standardization,
responsável pelas normas ISO-9000;
2. A participação do Brasil através da ABNT CB 38 (antigo GANA)
no Comitê Técnico 207 da ISO, responsável pelas normas ISO 14.000;
108
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
3. A implantação, consolidação e expansão das atividades de
certificação no Brasil para produtos, processos, sistemas e serviços através
do apoio à Organismos de Certificação Credenciados;
4. A preparação de empresas para a certificação de seus Sistemas
da Qualidade e de Gestão Ambiental, através de projetos cooperativos;
5. A consolidação de atividades laboratoriais em calibração
(metrologia industrial) e ensaios (base técnica para a certificação de
produtos), através de bolsas para complementar o quadro de especialistas
nessas instituições;
6. A disponibilidade de pessoal técnico de alto nível no INMETRO
para atividades de metrologia científica;
A seguir, apresenta-se um resumo dos avanços em Metrologia,
extraído de documento da Diretoria de Metrologia Científica e Industrial
do INMETRO, no qual se registra ações sobre as quais o PADCT-TIB e os
Programas RHAE e PCDT tiveram importante papel.
Fortalecimento do Laboratório Nacional de Metrologia (LNM)
O apoio técnico e financeiro do Subprograma Tecnologia Industrial
Básica – TIB, com investimentos da ordem de US$ 10 milhões destinados
a fortalecer, no País, a estrutura da metrologia primária, possibilitou
promover a atualização tecnológica do Laboratório Nacional de
Metrologia (LNM/INMETRO), permitindo não apenas minimizar
carências críticas sinalizadas pela crescente demanda de serviços da
indústria brasileira, mas também implantar e desenvolver a necessária
conscientização sobre o papel da metrologia em importantes segmentos
da sociedade brasileira, especificamente, no âmbito das comunidades
ligadas à produção de conhecimento em metrologia, ao desenvolvimento
de padrões e à implementação de novas técnicas de medição de interesse
da indústria.
Recomendações do Comitê Técnico de Assessoramento em Metrologia
No contexto de vários projetos específicos contemplando as
diferentes especialidades da metrologia, a aplicação dos investimentos
tomou em conta as recomendações explícitas de um Comitê Técnico de
Assessoramento, de nível internacional, especificamente criado pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT para subsidiar o Governo
Brasileiro nas questões técnicas da metrologia, em particular, no
equacionamento das deficiências do sistema metrológico nacional. O
Comitê Técnico acompanhou durante todo o desenrolar do PADCT-II o
avanço do SINMETRO e sinalizou as prioridades para o fomento à
Metrologia.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
109
Estímulo às Atividades de P&D em Metrologia
Com o substancial apoio dos Programas RHAE e PCDT que
destinou, no período de quatro anos, bolsas de especialistas para o
Laboratório Nacional de Metrologia no valor equivalente a US$ 7 milhões,
foi possível agregar ao quadro técnico do LNM experientes cientistas
vinculados a importantes organizações congêneres de países mais
industrializados e com maior tradição na prática da metrologia; atrair e
motivar jovens cientistas e estudantes de pós-graduação para as
atividades metrológicas; dar início ao Projeto Sabático no INMETRO
como estratégia para induzir a pesquisa; atrair pesquisadores externos e
fomentar, no Instituto e na indústria, a cultura da pesquisa cooperativa
de interesse da ciência das medições.
O Programa RH-Metrologia: Indução ao Desenvolvimento de RH em
Metrologia
O Programa RH-Metrologia aprovado no âmbito do PADCT-TIB e
inteiramente voltado para o desenvolvimento de recursos humanos em
Metrologia, proporcionou o aumento da competência profissional no
exercício dessas atividades. Do Programa RH-Metrologia resultaram a
implementação pioneira de dois cursos de mestrado e outros cursos em
fase de articulação, um curso técnico em metrologia, apoio a teses de
doutorado e dissertações de mestrado em metrologia, publicações,
treinamentos especializados, escolas avançadas, missões técnicas ao
exterior, projetos especiais em áreas críticas da metrologia brasileira,
elaboração de pesquisas e diagnósticos, caracterizando um portfólio de
importantes realizações.
Plano Nacional de Metrologia: Instrumento da Política Metrológica
Brasileira
No âmbito nacional, foram significativos os avanços e articulações
com vistas ao desenvolvimento da metrologia. Com ampla
representatividade nos diferentes segmentos da sociedade envolvidos
com a metrologia, implementou-se, por decisão do Conselho Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO, o
Comitê Brasileiro de Metrologia - CBM, órgão de assessoramento para
formulação e supervisão de políticas públicas para o setor. Contando
com expressiva participação da sociedade, sob a supervisão do CBM
(dentre os seus membros, o CBM conta com participação de
representantes do MCT e do PADCT-TIB) desenvolveu-se, com o foco
na demanda, o Plano Nacional de Metrologia - PNM, no contexto do
qual foi estabelecido um criterioso diagnóstico do atual sistema
metrológico brasileiro, detalhado o planejamento para o horizonte do
ano 2002 e definido um quadro de metas para viabilizar a sua
110
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
transformação face ao processo de globalização da economia e aos
desafios impostos pelo Programa Especial de Exportações do Governo
Federal. O Plano Nacional de Metrologia, produzido em estreita
cooperação com a sociedade, oferece um horizonte de continuidade no
planejamento estratégico da metrologia.
Ao longo de 1999 um Grupo de Trabalho instituído pelo Comitê
Brasileiro de Metrologia identificou as ações prioritárias do Plano
Nacional de Metrologia e os agentes responsáveis por sua execução, bem
como produziu um Sumário Executivo do Plano.
Credenciamento de Laboratórios, Consolidação da Rede Brasileira de
Calibração e Reconhecimento Internacional
No que concerne à atividade de credenciamento de laboratórios de
calibração, os avanços e conquistas foram igualmente importantes.
Criada em 1983, a Rede Brasileira de Calibração conquistou a
credibilidade da marca RBC e evoluiu de 53 laboratórios credenciados
em 1994 para os atuais 100, muitos dos quais alcançaram o
credenciamento e ampliaram o seu escopo de atuação com o apoio do
PADCT-TIB e do RHAE. Rompida a barreira dos 100 credenciados, fica
a confiança em que a Campanha Laboratório Credenciado, lançada pelo
INMETRO em três regiões do Brasil com apoio das Redes Metrológicas e
das Federações das Indústrias, haverá de estimular os 97 laboratórios
que hoje já se encontram em processo de credenciamento, para que seja
cumprida a meta do PNM de, novamente, dobrar o porte da RBC até
2002.
O escopo do fomento às atividades de TIB no Ministério da Ciência
e Tecnologia - MCT conta também com o concurso de fontes adicionais
do próprio Ministério. Assim, no conjunto, o MCT destina à TIB parte
dos recursos do PADCT, dos Programas RHAE e PCDT (ambos no CNPq)
e parte dos recursos da FINEP/Apoio ao Desenvolvimento da Empresa
Nacional - ADTEN (Apoio à Gestão da Qualidade - AGQ) e do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT. No
contexto da implantação dos novos Programas Setoriais, como por
exemplo o do Petróleo e Gás Natural, surgem novas fontes de fomento
para a TIB, dado que as atividades de Metrologia, Normalização,
Avaliação da Conformidade, Tecnologias de Gestão, Propriedade
Intelectual e Informação Tecnológica estão intimamente ligadas ao
desenvolvimento desses setores.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
111
TIB A E GESTÃO DA QUALIDADE
A complexidade inerente às funções da TIB e sobretudo as interfaces
entre essas funções tornam sua compreensão não trivial, em particular
entre os não especialistas. Curiosamente, uma grande fonte que muito
tem contribuído para uma adequada compreensão da TIB é a função
gerencial, em particular a Gestão da Qualidade. Assim, será útil examinar
essa função em particular, no escopo desse artigo, limitando-se esse
exame, sem dúvida superficial, aos pontos mais diretamente relacionados
à Tecnologia Industrial Básica.
De um modo geral podemos fixar a história da Qualidade no Brasil
a partir da adesão - não sem traumas - do País ao Sistema Métrico Decimal,
em 1862. A adoção do Sistema Métrico de origem francesa implicou
também na importação de padrões metrológicos, na sua distribuição
pelo território nacional e ainda na adequação do sistema de ensino e dos
livros escolares aos novos métodos de medir, com reflexos profundos
sobre a organização das atividades econômicas e sobre o cotidiano das
pessoas. A efetiva implementação do Sistema Métrico estendeu-se por
décadas.
A questão que se coloca é o porquê de se correlacionar qualidade
com metrologia. Entendemos que, ao se adotar um sistema de medidas
de caráter universal (ainda que por limitações técnicas fundamentado,
em seus primórdios, em padrões materializados), substitui-se, com
vantagens para o consumidor, um aparato de medições de origem
antropomórfica (polegadas, pés, jardas, etc) ou pertencente ao mesmo
grau de subjetividade e incerteza.
É fácil inferir que foi um processo marcado por inúmeras
dificuldades, uma vez que por trás de todo esse esforço tratava-se de
modificar hábitos e culturas há muito arraigados no comércio e no
consumidor de então.
Essa origem metrológica, digamos assim, da função qualidade
também está presente quando se analisam outros acontecimentos que
causaram impacto na história mais recente. A Guerra de Secessão nos
Estados Unidos foi um deles: a intercambiabilidade de peças e
componentes de fuzis foi considerada fator crítico de sucesso da União,
assim como o início da fabricação em massa de automóveis por Henry
Ford, para cujo sucesso a intercambiabilidade de partes e peças é
considerada mais importante do que a própria invenção da linha de
montagem.
Há outras razões, contudo, para se lembrar a base metrológica da
qualidade. A primeira deve-se ao fato de que a medida, sua exatidão,
112
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
repetitibilidade e rastreabilidade, é uma das formas de percepção do
cidadão em relação à qualidade, uma vez que se manifesta na relação
comercial cotidiana; outra, é porque a certificação de Sistemas de
Garantia da Qualidade hoje passa a ter forte base metrológica e essa
base em diversas grandezas não se refere mais a padrões materializados,
mas naqueles resultantes da realização de experimentos fundamentais
em Física e Química.
Entretanto, não se pode perder de vista a razão essencial do
surgimento e aplicabilidade dos sistemas de gestão: esses modelos
gerenciais decorrem da crescente complexidade dos processos produtivos
e dos próprios produtos. Os sistemas de gestão, portanto, permitem tratar
de forma gerencialmente simples problemas de natureza complexa.
EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS DE GESTÃO
De um modo simplificado, podemos dizer que a Gestão da
Qualidade nasce de duas abordagens: a preocupação com defeitos e
falhas de componentes, principalmente de uso militar, de origem norteamericana (Shewart, Juran, Deming, Crosby, Feigenbaum) e inglesa com o consequente desenvolvimento de normas e métodos estatísticos e a vertente mais conhecida, fundamentada nos conceitos de preço, prazo
e desempenho orientados para a satisfação do consumidor, de origem
norte-americana e aplicada com êxito no Japão (Deming, Juran,
Ishikawa), que surpreendeu o mundo na década de 70 sob o conceito
de “revolução gerencial”. O tema da qualidade reveste-se hoje de um
conjunto de técnicas e metodologias de diferentes graus de complexidade;
com efeito, já não se pode dissociar a moderna abordagem da qualidade
das demais tecnologias de gestão - meio ambiente, relações de trabalho
(mais especificamente segurança industrial e saúde ocupacional),
marketing, gestão do design, gestão estratégica de negócios entre outras,
englobando rótulos e metodologias os mais diversos.
Assistimos assim à convergência de seis grupos de tecnologias de
gestão com foco em qualidade: aqueles orientados para o desempenho,
aqueles orientados pelo custo, aqueles orientados pelo tempo, os modelos
de autor, os modelos com base em normas e os modelos sistêmicos (alguns
preferem o termo “modelos holísticos”).
Essa convergência tem como foco, de um lado o conceito da
excelência, campo profundamente trabalhado com a criação dos Prêmios
Nacionais da Qualidade em diversos países. Um exemplo extremamente
significativo desse fenômeno de convergência da tecnologia gerencial é
o documento “Visão 2000 “ da ISO que preconiza a evolução da família
ISO 9000 em direção à Qualidade Total, rompendo com uma dicotomia
decorrente da abordagem normativa como quesito mínimo, com a
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
113
abordagem da Qualidade Total preconizando o Kaizen (princípio da
melhoria contínua) em direção ao conceito de excelência. A família ISO
14000 já nasce com critérios de excelência incorporados na sua
formulação. Por exemplo, a norma ISO 14001, que estabelece os quesitos
básicos do Sistema de Gestão Ambiental tem sua arquitetura baseada
no modelo PDCA (Plan, Do, Check and Action) de gerenciamento. A
revisão 2000 da ISO 9000 segue o mesmo caminho.
De outro lado, fica cada vez mais evidente a necessidade de
integração dos diversos sistemas de gerenciamento dentro de uma só
abordagem, com vistas ao desempenho da gestão organizacional como
um todo, mas sobretudo para aumentar a racionalidade daqueles
componentes do Sistema Geral de Gestão Organizacional sujeitos à
Certificação. Essa última preocupação tornou-se mais evidente com a
progressiva exigência (por parte de clientes) da certificação simultânea
(de seus fornecedores) segundo diferentes famílias, mais especificamente
ISO 9000, ISO 14000 e BS 8800 e os sistemas derivados, tais como o QS
9000 para a indústria automotiva.
Imagine-se esse contexto, por si bastante complexo a ponto de já
merecer tratamento da ISO com vistas à racionalização das suas famílias
de normas, unido à preocupação com gestão de P&D, gestão de
tecnologia, gestão de marketing, etc.
Além dos componentes abordados, há que se considerar também
os novos desafios representados, de um lado, pela aceleração do progresso
tecnológico e a diminuição do ciclo de vida entre a invenção e o produto
novo no mercado, levando as empresas a desenvolverem mecanismos
robustos para a gestão do conhecimento; de outro, há todo um processo
impondo nova lógica nas relações capital/trabalho. Esse último aspecto
apresenta uma complexidade toda especial, advinda do conceito de
gestão participativa, com o rompimento definitivo da separação entre o
staff e a linha de produção e da própria evolução tecnológica mudando
os conceitos de emprego e empregabilidade.
Assim, a dimensão humana nas organizações e a capacidade dessas
em se manter em contínua aprendizagem completam o quadro de
desafios para a montagem de Sistemas de Gestão realmente robustos.
Em resumo, a configuração de um Sistema de Gestão que leve em conta
todos os enfoques gerenciais de uma organização tem sido denominado
pelos especialistas como um Sistema de Gestão Total.
Para tanto, em termos de empresa ou qualquer outra organização,
um Sistema de Gestão reunindo as diversas funções gerenciais e
integrando estruturas passíveis de certificação (sistemas, produtos,
processos, pessoal), deve ter um forte fundamento em TIB. Tendo essa
114
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
estrutura de funções encadeadas como eixo principal de um Sistema, a
Gestão Total tratará de agregar também a Gestão do Marketing, baseada
em técnicas QFD (Quality Function Deployment); a Gestão de Custos, com
base em técnicas ABC (Activity Based Costs) e outras; a Gestão de
Tecnologia, incluindo-se a não trivial Gestão de P&D; a Gestão do Design,
a Gestão do Conhecimento (incluindo o conceito de capital intelectual)
e a própria Gestão Estratégica de Negócios, com base em técnicas de
benchmarking e em sofisticadas técnicas de desenho de cenários.
O grande desafio que se apresenta para os especialistas é o de colocar
todo esse aparato de metodologias e técnicas em um modelo simples, de
fácil compreensão e funcionamento.
As organizações que lograrem alcançar esse grau de integração
entre as diversas famílias de gestão certamente desfrutarão de posição
competitiva favorável no contexto do comércio globalizado.
Assim sendo, é correto o entendimento de que as funções da TIB
convergem para um tratamento articulado da Função Qualidade em
seu sentido mais amplo, assegurado a necessária organicidade de todo o
processo que permite evidenciar a qualidade de bens serviços.
ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DE TIB
O presente trabalho não contempla uma referência exaustiva a todas
organizações públicas e privadas que tratam do tema no Brasil. É, tão
somente, o registro de eventos e situações que procura mostrar o esforço
mais do que centenário do País nesse campo, tendo o enfoque da qualidade
a nortear a exposição.
Uma breve cronologia da história da Qualidade no Brasil irá revelar
a seguinte sequência de eventos: Gabinete de Resistência de Materiais
da Escola Politécnica de São Paulo, em 1899, mais tarde transformado
em Laboratório de Ensaio de Materiais(1926), com importantes
contribuições para a construção civil; adesão do Brasil à Convenção do
Metro em 1921; criação do INT - Instituto Nacional de Tecnologia em
1933, com sua posterior Comissão de Metrologia, em 1938; criação do
IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológica do Estado de São Paulo em 1934
(por transformação do Laboratório de Resistência de Materiais); criação
da ABNT em 1940; criação do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq,
em 1951; criação do INPM - Instituto Nacional de Pesos e Medidas em
1961;criação da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, em 1968;
criação da STI - Secretaria de Tecnologia Industrial em 1972; criação do
SINMETRO - Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial e do INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial, em 1973; institucionalização do
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
115
SINMETRO e efetiva implantação do INMETRO, em 1979; implantação
do Subprograma de Tecnologia Industrial Básica, em 1984; criação do
PEGQ- Projeto de Especialização em Gestão da Qualidade, em 1987;
lançamento do PBQP - Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade,
em 1991; e a modernização das atividades de Normalização,
Credenciamento de Laboratórios e Certificação, com as resoluções do
CONMETRO de agosto de 1992.
Trata-se de uma cronologia incompleta, uma vez que se limita
principalmente aos órgãos públicos. Na área de Gestão, por exemplo,
cumpre enfatizar as importantes contribuições da ABCQ - Associação
Brasileira para o Controle da Qualidade, da Fundação Carlos Alberto
Vanzolini, da Fundação Christiano Ottoni, do IBQN - Instituto Brasileiro
da Qualidade Nuclear e de outras instituições com papéis relevantes
nesse campo. Igualmente é importante registrar o papel dos
Departamentos de Engenharia da Produção das universidades, com
contribuições significativas para o desenvolvimento, adaptação e difusão
de metodologias de gestão, além, naturalmente, das empresas de
consultoria e das entidades associativas que prestam importantes
serviços.
Nas áreas de metrologia, normalização e avaliação da
conformidade, a modernização do SINMETRO empreendida a partir
de agosto de 1992 determinou que o Instituto encerrasse as atividades
de registro de normas, o que ensejou um novo vigor para a ABNT,
culminando em um processo de modernização gerencial da Associação
como Foro Brasileiro de Normalização, com a consequente ação de
melhoria sobre a organização e o funcionamento dos Comitês Brasileiros
de Normalização – CB e com o estabelecimento dos Organismos de
Normalização Setorial – ONS.
A partir de 1992, o INMETRO passa a deixar também as atividades
de certificação, limitando-se ao seu papel, nesse campo, ao de Organismo
Credenciador. Com isso, há um especial estímulo ao surgimento dos
Organismos de Certificação Credenciados – OCC, oferecendo ao
mercado boas opções para a certificação de produtos, processos, serviços,
sistemas e pessoal.
Quanto à base laboratorial cabe registrar que duas Redes (de
Calibração e de Ensaios) comportam hoje, cada uma, cerca de cem
laboratórios, todos eles credenciados de acordo com a ABNT-ISO/IEC –
Guia 25 e em condições de atender ao sucedâneo desse Guia que é a
Norma ISO/IEC-17025.
A propósito, registre-se que o credenciamento de organismos de
inspeção e de certificação se faz rigorosamente de acordo com os Guias
ABNT-ISO/IEC correspondentes.
116
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
Em resumo, a qualidade no Brasil (vista com sentido amplo) nasce
de um conjunto de preocupações em torno de transações comerciais;
passa pelos primeiros esforços de desenvolvimento tecnológico; se estende
pelas iniciativas de qualificação de fornecedores levadas a cabo por
empresas estatais, com destaque para o Programa Nuclear (em cujo
escopo se introduziu no País o conceito de OSTI - Organismo de
Supervisão Técnica Independente, ancestral dos atuais OCC Organismos de Certificação Credenciados) e a Petrobrás; integra as ações
de fomento à Tecnologia Industrial Básica empreendidas pela extinta
STI do antigo MIC e, finalmente, encontra a grande expansão com o
processo de abertura da economia para a qual foram criados instrumentos
e mecanismos, com destaque para o PBQP- Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade, no início dos anos 90.
Há um aspecto extremamente significativo nessa pequena
cronologia: o Brasil foi o primeiro, e é um dos poucos a possuir um sistema
integrado que trata da core área de TIB (Metrologia, Normalização e
Avaliação da Conformidade) dentro de uma mesma estrutura, o
SINMETRO, orientado por um colegiado de nível ministerial, o
CONMETRO - Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial, tendo o INMETRO como entidade central do
sistema e executado por diversas entidades que respondem por papéis
específicos, vários deles objeto de credenciamento pelo Instituto, como
são os Organismos de Certificação (produtos, sistemas e pessoal), os
Organismos de Inspeção e os Laboratórios de Calibração (Rede Brasileira
de Calibração) e de Ensaios (Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaios).
Nessas áreas o INMETRO cumpre a função de single voice accreditation,
de acordo com a lógica seguida pela maioria dos países e consagrada
nos foruns internacionais que tratam da matéria.
Ainda como parte dos esforços de modernização do SINMETRO, o
CONMETRO passou a contar com uma estrutura de Comitês Técnicos
em caráter de assessoramento que são: o Comitê Brasileiro de Metrologia
- CBM, o Comitê Nacional de Normalização – CNN, o Comitê Nacional
de Credenciamento – CONACRE, o Comitê Brasileiro de Certificação –
CBC, o Comitê Codex Alimentárius do Brasil – CCAB e o Comitê de
Coordenação de Barreiras Técnicas – CBTC. Os Comitês tem ampla
representação de todas as partes envolvidas (do governo e do setor
privado) e tem como atribuição propor ao CONMETRO as políticas,
diretrizes e orientações estratégicas para as respectivas áreas.
Nesse sentido, o CBM produziu em 1998 um Plano Nacional de
Metrologia; o CNN encarrega-se do Plano Nacional de Normalização, a
partir de proposições da ABNT e dos seus CB’s e ONS; o CONACRE
está tratando de estruturar um Sistema Brasileiro de Laboratórios; e o
CBC trabalha em torno de um Plano Brasileiro de Certificação. São
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
117
esforços importantes, nenhum deles plenamente consolidado, mas que
sinalizam no sentido de uma maior organicidades dos respectivos
sistemas. Importante enfatizar que esses esforços, além de conferir maior
transparência ao processo, permite maior grau de entendimento dessas
atividades pela sociedade e representam instrumentos que poderão
facilitar o relacionamento do País com seus congêneres no exterior.
É importante registrar também que o Brasil vem tomando medidas
concretas no sentido de dar cumprimento às obrigações decorrentes da
Organização Mundial do Comércio - OMC no que diz respeito às
notificações de regulamentos técnicos emitidos pelo Governo. Essa
atividade é cumprida pelo INMETRO, no seu papel de enquiry point
(ponto focal para as notificações), de acordo com as diretrizes tratadas
no âmbito do CBTC/CONMETRO.
Cabe mencionar também que as atividades do SINMETRO foram
organizadas e implementadas quando o Brasil vivia plenamente o modelo
de substituição de importações, com a forte presença das empresas
estatais estimulando o desenvolvimento tecnológico industrial e as
atividades de suporte técnico nas áreas de TIB. Assim, o SINMETRO
representa uma boa arquitetura para o segmento industrial. Por
conseguinte, há outros sistemas operando segundo a lógica de setores
específicos, como são a Agricultura, a Saúde, o Meio Ambiente, a área
Nuclear, Aeronáutica, Transportes, Trânsito, etc., muitos deles dispondo
de estruturas de avaliação da conformidade que operam segundo maior
ou menor grau de aderência ao contexto do SINMETRO.
Esse, entretanto, é um capítulo que comportaria um artigo técnico
mais específico, que venha a abordar a conveniência de se convergir
para a organização dessas atividades em um único grande sistema ou se
é mais interessante um modelo que contemple a convivência harmônica
de diferentes sub-sistemas. No Brasil estamos mais próximos desse
segundo modelo.
Não há um único formato a priori relativo à organização sistêmica
das atividades de TIB, mas a evolução do processo de integração
comercial em escala global terminará por ensejar essa discussão.
TIB E O PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DA ECONOMIA
O Brasil experimenta quatro grandes aprendizados no campo da
integração comercial em escala global: a construção do MERCOSUL Mercado Comum do Sul, a construção da ALCA - Área de Livre
Comércio das Américas, a integração do MERCOSUL com a União
Européia e a participação na Organização Mundial do Comércio - OMC.
Em todos esses processos há uma preocupação muito grande e muito
objetiva para com as chamadas barreiras técnicas ao comércio.
118
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
Com a diminuição ou mesmo eliminação das barreiras tarifárias,
consequência do término da Rodada Uruguai do GATT e da criação da
OMC, uma eventual proteção (legítima ou não) de mercados tende a
recair sobre as áreas de normalização e regulamentação técnica, tendo
numa ponta a avaliação da conformidade (e os consequentes Sistemas
de Garantia da Qualidade Certificados e a Certificação de Produtos) e
na outra, a Metrologia. A complexidade que cerca esse campo é de tal
ordem que a OMC propôs aos países membros o Acordo de Barreiras
Técnicas, ao qual o Brasil aderiu.
A lógica que orienta esse processo é a seguinte: se o que importa
nas transações comerciais é a qualidade (certificada) de produtos e
serviços, há para isso o aparato de avaliação e certificação da
conformidade, com base nos laboratórios de ensaios. Essa estrutura
fundamenta-se em normas e regulamentos técnicos que, por sua vez,
fundamentam-se na metrologia. Para se ter uma idéia do alcançe de
decisões tomadas nessas áreas, basta imaginarmos que a exigência de
um aumento na exatidão (diminuição do nível de incerteza) das medições
por parte de um país comprador (ditadas por razões técnicas ou mesmo
políticas) pode alijar um país fornecedor da competição por mercados.
Assim sendo, as estratégias de participação de um país no comércio
internacional tem que, necessariamente, tomar em conta a infra-estrutura
de serviços tecnológicos disponível em termos de metrologia,
normalização e avaliação da conformidade. Nesse contexto, podem ser
importantes os arranjos sub-regionais de modo a permitir que dois ou
mais países compartilhem recursos de infra-estrutura tecnológica,
especialmente em áreas como a Metrologia Científica onde os
investimentos requeridos em laboratórios, equipamentos e formação de
pessoal em nível de doutorado são muito elevados.
A questão é muito mais complexa do que parece à primeira vista.
Com efeito, os países, os blocos econômicos e suas organizações nacionais,
sub-regionais, regionais e internacionais (por exemplo: ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas; CMN - Comitê MERCOSUL
de Normalização; COPANT - Comissão Panamericana de Normas
Técnicas; e ISO - International Organization for Standardization,
respectivamente) têm se preocupado com temas como o reconhecimento
mútuo dos sistemas de normas e avaliação de conformidade, sem o que
poderá haver um brutal travamento do fluxo de comércio.
Há muito já se abandonou a idéia de unificação dos sistemas,
reconhecendo que há diferenças entre os modelos em uso nos diversos
países que transcendem a questão puramente técnica. A tônica hoje é a
harmonização dos sistemas de metrologia, normalização e avaliação da
conformidade, tomando-se em conta as peculiaridades de cada modelo
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
119
organizacional dessas atividades. Nesse sentido, trabalha-se ativamente
no plano internacional no estabelecimento dos Acordos de
Reconhecimento Mútuo, os MRA.
Por outro lado, há que se considerar também que a norma é uma
fotografia da tecnologia estando, portanto, em constante evolução. Da
mesma forma, a metrologia que lhe serve de base também evolui
rapidamente, do universo das medidas materializadas para o universo
da Física e da Química, em escala sub-atômica, através da realização
(experimentos controlados, reprodutíveis e repetitíveis). Esse processo,
altamente complexo e dinâmico, exige uma considerável capacitação
na chamada ciência das medições ( o PTB na Alemanha e o NIST nos
EUA têm, cada um, mais de 500 PhDs em atividades de laboratório).
Em consequência, mesmo um serviço de calibração que serve de
suporte a um Sistema de Garantia da Qualidade certificado tende a ter
base científica não trivial. O mesmo grau de complexidade refere-se às
atividades de normalização, cada vez mais relativas ao desempenho e
cada vez menos prescritivas.
Dentro de uma abordagem mais moderna, a nossa tendência é a de
encarar a metrologia, normalização e avaliação da conformidade não
como barreiras técnicas, mas como ferramentas para a construção de
relações comerciais duradouras, posto que essas deverão resultar de
acordos de reconhecimento mútuo dos sistemas nos diversos países.
O processo de regulamentação técnica merece uma consideração
especial, pois o Acordo de Barreiras Técnicas da OMC reconhece o
interesse legítimo dos países em regulamentar as atividades relativas à
saúde, à segurança, ao meio ambiente e à prevenção de práticas
enganosas.
No passado o regulamento técnico tinha as características de uma
“norma compulsória”. Esse era inclusive o termo empregado pelo
SINMETRO. Hoje, tem-se que os regulamentos devem ter como base a
norma técnica. As modernas diretivas da União Européia inclusive
preconizam que os regulamentos devem restringir-se aos quisitos
essenciais que atendam aos interesses legítimos, tendo o aparato da
metrologia, da normalização e da avaliação da conformidade como
suporte técnico.
O Brasil tem ainda muito o que investir no sentido de aprimorar
processo de regulamentação técnica do País. Esse é um esforço não trivial
já ensaiado algumas vezes, mas que enfrenta dificuldades. De um lado,
exige que se explore adequadamente as diferenças entre as funções,
notadamente entre normalização e regulamentação técnica; de outro,
120
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
vai exigir um conjunto de orientações técnicas sobre elaboração e edição
de regulamentos dentro de um enfoque moderno. Além disso, deve
investir na formação de uma cultura comum a todas as entidades que
detém atribuições regulatórias. A efetiva participação do Brasil no
comércio internacional deve conduzir a um tratamento tecnicamente
integrado dessas questões.
A TIB NO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Como síntese do que foi apresentado neste trabalho conclui-se que
o MCT tem e continuará tendo importante papel no fomento das
atividades da TIB no Brasil. Os recursos advindos com os novos fundos
oriundos de setores em fase de flexibilização e de privatização ampliam
potencialmente o escopo do fomento, especialmente num momento em
que as fontes tradicionais sofrem restrições orçamentárias em razão da
crise fiscal do Estado. Entretanto, novas oportunidades se apresentam e
são analisadas a seguir.
Novo Papel do MCT na Tecnologia Industrial Básica
O MCT teve seu escopo de atuação significativamente ampliado
com a incorporação das responsabilidades do extinto MEPE – Ministério
Extraordinário de Projetos Especiais, notadamente nas áreas espacial e
nuclear, no que se refere à Tecnologia Industrial Básica.
Essas áreas são fortemente demandantes das funções da TIB na
organização das suas atividades bem como no exercício das suas
atribuições legais. Em consequência, o MCT passa a ter novas
responsabilidades normativas e regulatórias nesses campos.
Assim, é digno de nota que:
· o MCT passa a se responsabilizar por duas atividades em metrologia
científica, a de Tempo e Frequência no Departamento do Serviço da Hora
– DSHO, do Observatório Nacional (já exercidas anteriormente) e a de
Radiações Ionizantes no Laboratório Nacional de Metrologia das
Radiações Ionizantes – LNMRI do Instituto de Rádioproteção e
Dosimetria – IRD, da CNEN, no contexto do LNM – Laboratório
Nacional de Metrologia. As atividades de metrologia científica
representam grande importância estratégica, pois delas derivam o
desenvolvimento, realização, guarda e disseminação de padrões
primários;
· o Observatório Nacional - ON cumpre ainda a função de disseminação
da referência nacional em gravimetria, detendo o padrão secundário
que efetua a “linha de calibração “ de referência das estações que fazem
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
121
a mensuração da força de gravidade (G), fundamental para a execução
das atividades que envolvem massa, força, pressão e outras grandezas
que demandam o cálculo da força gravitacional. Vale destacar que o
Observatório Nacional detém a competência técnica para responder por
uma futura disseminação do padrão primário nessa área. Ainda com
relação ao Observatório Nacional, o mesmo realiza a verificação do norte
magnético nos aeroportos brasileiros, o que confere à instituição um leque
abrangente de atuação em metrologia;
· o Instituto Nacional de Tecnologia - INT dispõe de laboratórios
credenciados no âmbito da Rede Brasileira de Calibração – RBC e da
Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaios - RBLE. Em convênio com o
INMETRO e PUC-RJ atua também no desenvolvimento de padrões
primários na área de dureza. O INT tem ainda um papel histórico
importante, pois sediou a Comissão de Metrologia (1938) que precedeu
ao INPM e ao INMETRO. Através do Decreto de 1938, o Instituto passou
a deter os padrões primários, cabendo ao Observatório Nacional, em
convênio com o INT, os padrões de tempo, no escopo do mesmo
instrumento legal. Hoje, o DSHO/ON desenvolve atividades em
articulação com seus melhores congêneres do exterior que ultrapassam
em muito, em valor estratégico e econômico, a missão original de
disseminação da hora legal brasileira;
· o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE dispõe de laboratórios
de calibração credenciados na RBC e as Indústrias Nucleares do Brasil
- INB/CNEN dispõem de laboratório de ensaios credenciado na RBLE;
o Laboratório de Integração e Testes – LIT, do INPE, pode inclusive
pretender de uma maneira formal o desenvolvimento e disseminação de
padrões avançados, dentro da nova lógica do SBRM – Sistema Brasileiro
de Referências Metrológicas, proposta pelo Plano Nacional de Metrologia
já aprovado pelo CONMETRO e atuar como referência metrológica
nacional no âmbito do LNM;
· a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT tem a expectativa
de que o Comitê Brasileiro responsável pela normalização na área nuclear
seja dinamizado ao máximo, em conformidade com os esforços da CNEN,
bem como tem expectativa de que a demanda por normas na área
espacial tenha tratamento sistemático, dado o seu impacto no mercado
envolvendo artefatos da área aero-espacial. A Agência Espacial Brasileira
- AEB e o INPE tem emprestado um grande dinamismo a tudo que se
refere à normalização na área espacial em articulação com o CTA,
implantando as Comissões e Grupos de Trabalho à semelhança do Comitê
Técnico da ISO que trata da matéria. A AEB está estudando também o
lançamento das bases para um processo de certificação na área espacial.
Importante destacar que a CNEN integra o CB-20 da ABNT (Energia
122
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
Nuclear), assim como a AEB e INPE integram o CB-08 da ABNT
(Aeronáutica e Espaço);
· as áreas espacial e nuclear demandam atividades normativas e
regulatórias que devem estar cada vez mais em sintonia com os fóruns
internacionais e cujo processo de avaliação da conformidade deve
guardar coerência com os modelos vigentes, os quais devem caminhar
para a convergência de procedimentos, conforme apontam os fóruns
que tratam do assunto. Em particular, cumpre assinalar que o processo
de regulamentação técnica e avaliação da conformidade no setores
nuclear e espacial devem operar como subsistemas independentes, porém
guardando sintonia com o SINMETRO e utilizando-se da mesma infraestrutura de laboratórios de calibração e ensaios no âmbito da RBC e
RBLE;
· a Fundação Centro Tecnológico para Informática - CTI, vem investindo
substancial esforço nas atividades relacionadas com a qualidade de
hardware e de software, estando em posição de assumir papéis explícitos
tanto no que se refere à constituição e obtenção do credenciamento da
base técnica para a certificação a ser exercida por outros organismos,
quanto a própria atividade certificadora, se o cumprimento dessa última
atividade não conflitar com os objetivos institucionais no campo de P&D
e assistência técnica. Destaque-se que essas atividades estão intimamente
ligadas à P&D de produtos, processos e sistemas;
· o MCT, reunindo agora atividades de fomento e atividades técnicas
específicas de maior monta, assume outro papel mais amplo no âmbito
do CONMETRO/SINMETRO;
· a presença das entidades do MCT em fóruns técnicos, por sua vez,
deve ser objeto de uma programação coordenada, com base em uma
orientação estratégica unificada. A participação nesses fóruns é condição
indispensável à proteção de interesses legítimos nos campos da
metrologia, normalização, regulamentação técnica e avaliação da
conformidade, sobretudo nas áreas em que o MCT passa a ter atribuições
sobre as atividades-fins, como são as áreas espacial e nuclear.
Coorporação Internacional
a) Participação em Fóruns e Atividades de Cooperação Técnica
No que se refere à cooperação internacional vale destacar o
envolvimento do MCT e das suas entidades em diversos foruns técnicos
e de integração econômica, em atividades relacionadas com a TIB, bem
como em atividades de cooperação técnica entre laboratórios envolvendo
notadamente o INT, o DSHO/ON, o IRD/CNEN, as INB/CNEN e o
LIT/INPE.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
123
Esse elenco de atividades envolve uma agenda bastante complexa
e que enseja uma ação articulada, visando o amplo aproveitamento dos
resultados internamente ao MCT e também no meio externo,
notadamente junto às entidades de P&D e ao meio empresarial. O papel
do MCT nesses campos, além de ensejar o cumprimento de compromissos
e responsabilidades técnicas específicas, apresenta uma oportunidade
valiosa para promover o efetivo envolvimento da infra-estrutura de C&T
disponível nas universidades e centros de pesquisa com os temas da TIB,
com reflexos quase imediatos na melhoria dos cursos em especial nos
campos das Engenharias, Química e Física.
b) Oportunidades de Difusão da Competência Técnica Brasileira
As discussões que se desenvolvem no âmbito da ALCA e em
particular no Grupo de Negociações de Acesso a Mercados – GNAM,
relativas a Normas e Barreiras Técnicas ao Comércio levou o Brasil (MCT,
MDIC, MRE) e propor ao MERCOSUL e este à Presidência do GNAM,
um amplo programa de Cooperação, Assistência Técnica e Capacitação
de Recursos Humanos, com foco na facilitação de negócios.
Partiu-se da premissa de que os acordos comerciais deverão ter como
base o mútuo reconhecimento dos sistemas nacionais de metrologia,
normalização, regulamentação técnica e avaliação da conformidade dos
34 países do hemisfério, sem o que poderia haver entraves concretos ao
fluxo de bens e serviços, notadamente pelas discrepâncias em exigências
normativas e regulatórias. Provavelmente essas ações deverão ser
conduzidas em bases bi-laterais.
Devido às assimetrias entre as economias das regiões, é de todo
conveniente que as estruturas da TIB sejam objeto, o quanto antes, de
um esforço de cooperação, utilizando-se (principalmente as economias
menores) de fundos de agências multilaterais. O BID, por exemplo, já
sinalizou com um fundo conforme registrado na Declaração Ministerial
de Toronto (novembro/99).
Nesse quadro, o Brasil é uma liderança, já vem atuando
pontualmente em assistência técnica a alguns países e pode dinamizar
esse esforço, sistematizando - o e oferecendo um calendário de
oportunidades, eventos e consultoria técnica especializada para a
capacitação técnicas nas áreas de TIB.
Com vistas a compor esse quadro, o MCT/SETEC e o MDIC/STI
encomendaram à ABIPTI um primeiro mapeamento da capacidade de
oferta de Assistência Técnica e Capacitação de RH por parte de entidades
brasileiras. Essa ação está em curso e seu potencial pode ser resumido
em:
124
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
· Ampliação do escopo de atuação dos institutos de pesquisa tecnológica
e das organizações atuantes em TIB;
· Constituição de um mecanismo de reforço do relacionamento técnico
entre entidades brasileiras e estrangeiras;
· Criação de um campo propício à constituição de negócios de natureza
tecnológica, quer entre entidades técnicas, quer entre empresas;
· Maior presença brasileira no cenário internacional, nas áreas de
atividades da TIB.
CONCLUSÃO
A área de Tecnologia Industrial Básica compreende um conjunto
essencial de atividades de suporte à competitividade da economia
brasileira no mercado internacional, assim como é condição para o
próprio amadurecimento do mercado interno.
O Brasil hoje é uma liderança reconhecida nas Américas, no que se
refere à TIB, dado o alto grau de coerência entre a organização dessas
atividades no País e as modernas tendências internacionais.
As funções de Tecnologia Industrial Básica (metrologia,
normalização, regulamentação técnica e avaliação da conformidade)
constituem a essência das chamadas barreiras técnicas ao comércio.
Como instrumento de facilitação de fluxo de comércio, os países têm
discutido nos fóruns internacionais o mútuo reconhecimento dos seus
sistemas de metrologia, normalização e avaliação da conformidade, de
modo a propiciar a aceitação dos certificados da conformidade emitidos
por um organismo credenciado em outros mercados, desonerando o custo
de bens e serviços.
Esse enfoque mais moderno é baseado num tripé onde estão
presentes a Competência, a Confiança e a Consistência entre entidades
técnicas, laboratórios, organismos certificadores e organismos
credenciadores (na maioria dos Países a cargo de organismos
governamentais).
Ao MCT nesse contexto cabe, ao lado da já tradicional atribuição
de fomento do Ministério à área, também o papel de executor de
atividades normativas e regulatórias de responsabilidade de algumas de
suas Agências, especificamente CNEN e AEB. Ao combinar o fomento
com a execução de atividades fins o MCT assume um papel de maior
destaque no contexto das diversas atividades de TIB hoje executadas
sob a responsabilidade de vários Ministérios integrantes do CONMETRO,
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
125
bem como de alguns órgãos governamentais não integrantes daquele
Conselho de nível ministerial.
BIBLIOGRAFIA
DIAS, José Luciano de Mattos – Medida, Normalização e Qualidade - Aspectos da História
da Metrologia no Brasil - INMETRO e Fundação Getúlio Vargas - 1998
FELIX, Júlio César - A Metrologia no Brasil -Ed. Qualitymark, 1995
FLEURY, Afonso C. e FLEURY, Maria Tereza Leme - Aprendizagem e Inovação
Organizacional - Ed. Atlas, 1995
FONSECA, Renato; Carvalho Jr., Mário C. [ et al.] – Barreiras Externas às Exportações
Brasileiras. - FUNCEX, 1999
ISO – Internacional Organization for Standardization – Certification and Related Activities
- ISO, 1992
TEBOUL, James - Gerenciando a Dinâmica da Qualidade - Ed. Qualitymark, 1991
WILSON, John S.; GODFREY, John M.; SEVCIK, Patrick - Standards, Conformity
Assessment, and Trade - Into the 21st Century - National Research Council, EUA National Academy Press, Washington/DC, 1995
WOMACK, James; JONES, Daniel T.; e ROOS, Daniel - A Máquina que Mudou o Mundo Massachussets Institute of Technology - Ed. Campus, 1992
Resumo
Nos anos mais recentes, intensificam-se as chamadas barreiras técnicas ao comércio,
compreendidas pela Metrologia, Normalização, Regulamentação Técnica e pelos procedimentos de Avaliação da Conformidade (Ensaios, Inspeção, Certificação e outras formas
adotadas com o propósito de avaliar o cumprimento de requisitos técnicos especificados
para produtos, processos, sistemas e serviços).
No Brasil esses temas são tratados sob o conceito de Tecnologia Industrial Básica –
TIB, para qual o Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT tem mantido linhas de fomento
de forma regular ao longo dos últimos 16 anos, com expressivos resultados alcançados.
Os temas compreendidos ao âmbito de TIB são conduzidos principalmente no âmbito do CONMETRO – Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, mas também estão a cargo das demais autoridades regulatórias do País, com destaque
para a Agricultura, Saúde, Meio-Ambiente, Àrea nuclear, Aeronáutica e Espaço, Trânsito,
Transporte e outras, conformando sistemas específicos.
Ao MCT cabe, além das ações de fomento, o exercício de atividades regulatórias na
área nuclear e espacial por conta de suas atribuições. Neste artigo são discutidos os papéis
desempenhados pelas diversas instâncias que compõem a TIB no Brasil.
Abstract
The process of internationalization of economy, intensified after the end of the
Uruguay Round of GATT and the creation of the World Trade Organization-WTO, has
provoked a gradual reduction of the tariff level in trade relations. At the same time, there
was an increase in the so-called technical barriers to trade here including Metrology,
Standardization, Technical Regulation and Conformity Assessment Procedures adopted
126
Reinaldo Dias Ferraz de Souza
whit the purpose of assessing the fulfilment of technical requirements related to products,
processes, systems quality, environment and services. In Brazil, these areas are encompassed
by the Basic Industrial Technology ( TIB ) activities which has been receiving a long- standing
line of investment in a specific support program from the Ministry of Science and Technology
– MCT for almost two decades now.Besides the responsability for financial support in
actions included in the TIB Program, the sphere of action of the Ministry of Science and
Technology also includes regulatory activities in the nuclear and spacial areas, the
maintenance of metrological and testing laboratories, as well as na effective partcipation in
the efforts of technical standardization. The article discusses the various aspects compused
by TIB, institutions an Brazil.
O Autor
REINALDO DIAS FERRAZ DE SOUZA é Coordenador Geral de Modernização Tecnológica do
MCT e Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1976) reúne
também as seguintes qualificações: Especialização em Gestão da Qualidade pela Fundação
Christiano Ottoni, da UFMG e pela JUSE - Union of Japanese Scientists and Engineers, do
Japão; Treinamento para “Lead Assessor” pela MCG, do Brasil e Batalas Handley-Walker,
da Inglaterra; Especialização em Planejamento Físico do Ensino Superior pela FGV - Fundação Getúlio Vargas; Secretário Técnico do Subprograma Tecnologia Industrial Básica TIB, do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT (Acordo entre o Governo Brasileiro e o Banco Mundial).
Politíca e Organização da Inovação Tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
127
Gestão Empresarial Inovadora
como Questão Estratégica
CARLOS ARTUR KRÜGER PASSOS
No Brasil em geral, ficamos quase à margem do conhecimento do
toyotismo. Isto por que, de modo diferente dos norte americanos e
europeus, o nosso sistema produtivo não enfrentou diretamente a
concorrência japonesa em seu período de auge competitivo entre 1975 e
1990, pois a abertura econômica ocorreu depois dessa data.
Em decorrência, a nossa academia, e em especial a área de
administração, salvo as sempre existentes exceções, pouco se debruçou
sobre as condições e causas originárias daquela notável performance
em gestão, estranhamente surgida fora do país hegemônico do
capitalismo.
Quando, nesta década ficamos sujeitos aos ventos da competição
internacional, apropriamo-nos de algumas daquelas “técnicas
japonesas”, mas já agora, com a releitura e adequação das mesmas
efetuadas sobretudo pelos norteamericanos.
Uma enxurrada de reciclados “gurus” ocidentais nos vendem
milhares de títulos explicativos de como uma ou outra técnica japonesa,
agora “revista e ampliada” e não poucas vezes “renomeada”, produziu
melhorias na gestão desta ou daquela grande corporação, e pode
eventualmente vir a salvar as nossas.
Penso que cerca de 90 % dos dirigentes privados e do setor público
brasileiros, acreditam que o toyotismo constitui-se apenas no fato de
que alguns dirigentes empresariais japoneses inventaram determinado
número de técnicas de gestão de razoável eficiência e eficácia, e que
compete a nós aproveitar aquelas que eventualmente sirvam às nossas
empresas.
Esta postura profissional é insuficiente, e de graves conseqüências
para as empresas e para todo o país. Mais que um certo número de
técnicas, devemos apreender o toyotismo de modo sistêmico. Além de
ser apenas um sistema de técnicas, entender os fundamentos sóciotécnicos de suas unidades produtivas. Mais do que ressaltar as suas
forças, agora que as empresas japonesas são poderosas, é buscar entender
por que exatamente tiveram de criar algo novo e tão poderoso quando
ainda eram frágeis, entre 1946/75, e tirar lições para as empresas
128
Carlos Artur Krüger Passos
brasileiras na atualidade. É o que pretendemos discorrer no texto que
segue.
UMA POSTURA NÃO PASSIVA FRENTE A GLOBALIZAÇÃO
O termo globalização compreende todo um conjunto de fenômenos
recentes que estão ocorrendo no interior das sociedades capitalistas e
que têm expressão geográfica em todas as regiões do globo terrestre,
embora com intensidades diferenciadas em cada lugar.
Na verdade, trata-se do mesmo processo histórico de mundialização
do sistema produtivo capitalista que vem se manifestando desde a
Revolução Industrial Inglesa. Apenas ocorre que fenômenos que já
existiam, ganham intensidade inusitada, estabelecem novos e
diferenciados nexos entre si e provocam alterações nas estruturas sociais
e políticas intra e entre nações, resultando em acentuadas alterações na
evolução histórica mundial.
O conjunto das modificações abrangidas pela globalização vem
reforçando sobremaneira o poder político dos países industrializados
onde se localizam a maioria das empresas financeiras e industriais
oligopólicas mundiais, em relação aos países de menor desenvolvimento
relativo, sobretudo a partir de 1989 com a queda dos regimes de socialismo
real soviéticos.
Como o comportamento dinâmico destas empresas constitui o cerne
do comportamento dinâmico do conjunto da economia daqueles países,
criar as condições institucionais internas e mundiais que melhor propiciem
as condições para a expansão das mesmas, passa a constituir um objetivo
político maior dos governos daqueles países. A globalização é, portanto,
um fenômeno econômico reforçado politicamente.
Desta maneira, enquanto forma de discurso, a globalização ganha
a elegância lógica de apontar para um utópico mercado global onde
somente as empresas mais competitivas sobreviveriam e, em decorrência
disso, os consumidores de todo o mundo disporiam de todos os produtos
que desejassem, a um menor preço e melhor qualidade.
Ora, aplicar uma racionalidade global em condições extremamente
diferenciadas nos diversos países é tratar de modo igual aos desiguais;
isto não corresponde de imediato aos interesses dos povos dos países
menos desenvolvidos. Uma política deste tipo pode resultar simplesmente
em estagnação, ou desindustrialização acentuada, capaz de amplificar
os já graves problemas de desemprego, pobreza e concentração da renda
e riqueza existentes em diversos países menos desenvolvidos. Abrir a
economia destes países à “globalização” sem a devida reflexão e
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
129
consideração aos interesses da base produtiva nacional pode ser
extremamente danoso aos destinos de um país. Não é uma política muito
inteligente, embora tenda a ser um discurso quase dominante porque
aponta para a “modernização” das sociedades, o que em si seria sempre
desejável.
Por outro lado, não se pode imaginar que qualquer país possa
permanecer fechado em seu próprio território ou postergando
indefinidamente medidas capazes de reordenar o seu aparato produtivo
de molde a fazer face às novas condições concorrenciais prevalecentes.
Políticas nacionais que inequivocamente apontem para esta reordenação
devem ser aplicadas e duramente defendidas pelas autoridades nacionais.
Claro está que qualquer política de confronto direto com os países
industrializados está fora de cogitação, pois isso só levaria ao isolamento
e atraso ainda maior. Um mercado mundial mais integrado é desejável,
e deve ser construído, mas nunca ao custo de uma violenta regressão
econômica e social. Assim, cada país deve buscar uma melhor forma de
integração, que leve em conta as peculiaridades históricas da estruturação
de seu aparato produtivo, para que a reconversão à nova situação façase com o menor custo social.
Entretanto, esse posicionamento não deve significar um aval às
tentativas de diversos interesses sociais e econômicos de manter o status
quo anterior, sem realizar o necessário esforço de readequar-se à novas
condições competitivas resultantes da globalização.
Este necessário ajuste às novas condições deve ser efetuado de
maneira pró-ativa, isto é, partindo da mobilização de nossa própria
vontade política, e não apenas tentando ajustar-se passivamente às
imposições externas, mas adotando um caminho criativo que contemple
as condições endógenas de nosso país. Mas não venhamos a nos iludir.
As condições sob as quais os países latino-americanos têm de percorrer
este caminho são bastante adversas e restritivas.
O NOVO SISTEMA PRODUTIVO MUNDIAL
Após a 2ª Guerra Mundial ocorreu um dos maiores ciclos expansivos
da história do capitalismo em escala mundial, citado na literatura como
“os trinta gloriosos”, ciclo este baseado sobretudo nos notáveis aumentos
da produtividade do trabalho acompanhado com crescimento simultâneo
do salário real nos principais países industrializados do mundo.
Entretanto, já a partir do ano de l969 o ciclo expansivo dá mostras
de esgotamento, sobretudo pela quase estagnação dos incrementos na
produtividade do trabalho. O ciclo ganha uma sobrevida em função dos
maciços dispêndios bélicos durante a guerra do Vietnam.
130
Carlos Artur Krüger Passos
A partir de 1974, a economia mundial sofre uma grande inflexão.
As variáveis fundamentais da dinâmica econômica, a taxa de crescimento
da produção corrente de bens e serviços, e a taxa de investimentos
produtivos, caem para aproximadamente um terço do que foram no
ciclo do pós guerra em quase todos os países industrializados, e esta
situação recessiva vem perdurando até os dias atuais.
É verdade que neste período, a performance do Japão até a década
de 80 foi bastante elevada, e a dos EUA nos anos 90 vem sendo
considerada brilhante, embora ainda não esteja ocorrendo um novo ciclo
expansivo mundial geral.
Até 1974 os padrões tecnológicos e de gestão dominantes nas
empresas capitalistas baseavam-se no padrão tecnológico eletro-mecânico
expresso nos equipamentos do capital fixo, no modelo Taylorista-Fordista
de organização dos processos de trabalho, na estrutura empresarial
departamental típica do Fayolismo, e nos desdobramentos e avanços
teóricos e práticos ocorridos até então.
Neste último quartel do século entretanto, difunde-se para o sistema
produtivo mundial, alterações consideradas paradigmáticas, tanto no
padrão tecnológico como nas formas de gestão das empresas,
transformando significativamente as formas de concorrência e modos
operativos das empresas e do sistema produtivo como um todo.
Dentre os fenômenos que mais têm sido referidos na literatura
econômica e que maior impacto produzem na realidade dos países, em
termos efetivos e ainda em processo, destacam-se os seguintes1:
I. Aumento extraordinário da interconexão dos mercados
financeiros, cambiais e de capitais das principais praças financeiras
mundiais. A incrível capacidade de processar, transmitir e armazenar
informações on-line, dos sistemas de computação contemporâneos
acoplados a um amplo sistema de telecomunicações por infovias e
satélites, permite que até modestos operadores atuem de modo direto ou
através de terceiros nos múltiplos mercados mundiais, quase em tempo
real. Parte do novo ímpeto deste fenômeno deveu-se também a profundas
medidas desregulamentadoras na órbita financeira adotadas pelos países
industrializados.
II. desenvolvimento de um conjunto de inovações tecnológicas de
largo espectro de utilização e mutuamente estimuladoras entre si, nas
áreas de novos materiais, biotecnologia e, sobretudo e principalmente,
1
Os itens abaixo foram sumarizados a partir de COUTINHO, L. (1992).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
131
na microeletrônica. Esta última, através dos seus diversos
desdobramentos que constituem o chamado complexo eletrônico - a
informática, a telemática, a mecatrônica, a eletrônica de consumo etc. , cria não apenas novos setores industriais e de serviços, mas muito mais
que isto, provoca uma reformulação quase que integral nos padrões de
consumo da sociedade, nos materiais, nos processos produtivos e nos
produtos de praticamente todos os setores econômicos e no ritmo das
atividades humanas em quase todo seu espectro. Vem sendo criado um
“mundo novo” ainda não definido em seu formato, onde os bens e
serviços produzidos sob estas novas tecnologias ganham utilizações
incrementais ou inéditas, com qualidade superior e preços reais
progressivamente reduzidos. Com a internet e com o comércio eletrônico,
padrões absolutamente novos de concorrência vem sendo estabelecidos,
e o peso direto dos setores de informação/comunicação/entretenimento
subordinados a estes novos padrões vem crescendo exponencialmente,
a ponto de se poder afirmar haver uma “nova economia”, sobretudo a
partir dos EUA, onde os próprios padrões de comportamento econômico
estarem sendo alterados. Os antigos produtos e as formas anteriores de
produzi-los, comercializá-los e entregá-los tendem a ser varridos do
mercado.
III. Intensificação das estratégias competitivas internacionais dos
já então poderosos oligopólios industriais que dominam os principais e
mais dinâmicos mercados mundiais. Com isto ocorre uma reconcentração
da concorrência mundial em torno de um reduzido número de empresas
e redes empresariais americanas, européias e japonesas. Estas
praticamente já dominam o mercado global em setores como o da
indústria automobilística, aeronáutica, farmacêutica, eletrônica de bens
de consumo, petroquímica, material elétrico pesado, metais não ferrosos,
química pesada, bens de capital por encomenda, equipamentos de
instrumentação, supercomputadores e outros, que compõem o núcleo
dinâmico das sociedades industriais. As barreiras à entrada de novas
empresas nestes setores estão se tornando ainda maiores, inclusive pela
ocorrência de nova onda de fusões e aquisições empresariais.
IV. Uma revolução nos processos produtivos designada como
automação flexível vai superando a antiga automação rígida das cadeias
fordistas de produção. O desenvolvimento de medidores digitais, laser,
sensores, micromecânica, controladores lógico programáveis e outros
instrumentos, permite o controle e a automação dos processos em tempo
real e auto-ajustáveis. Variando de acordo com o processo específico de
produção e do produto, e em certas etapas ou em quase toda a cadeia
produtiva o design (CAD), a engenharia (CAE) e a manufatura (CAM)
podem ser quase integralmente automatizados por computadores e
softwares dedicados com base em inteligência artificial. Caminha-se para
132
Carlos Artur Krüger Passos
uma automação flexível totalmente integrada por computadores, cujas
características futuras não são ainda totalmente delineáveis.
V. Uma profunda modificação nos processos organizacionais, nas
estratégias e na cultura das organizações empresariais. A necessidade
de ampliar os ganhos de escala, a conquista de faixas de mercado de
consumidores de bens diferenciados (customerized goods, isto é, bens
conformando-se ao máximo ao gosto de cada cliente), e a necessidade
de produzir a preços cadentes para ampliar faixas de mercado e
enfrentar a concorrência, conduzem ao desmantelar das rígidas
estruturas departamentais e promovem, de um lado, a integração entre
a pesquisa e desenvolvimento (P&D) de produto, o design, marketing,
engenharia produção, vendas, finanças, e, de outro, a conectividade com
fornecedores, distribuidores, usuários e consumidores.
VI. Reestruturação dos padrões de comando das corporações
oligopólicas mundiais, no sentido de estreitar margens decisórias nos
diversos níveis hierárquicos de suas redes mundiais de estabelecimentos
subsidiários. Graças à telemática, a gestão empresarial ganha diretamente
uma face mundial. Suprimentos de matérias-primas e seus
processamentos, armazenagem e transportes são operados em redes
logísticas globais, componentes e subconjuntos de peças padronizadas
otimizam as fontes localizadas em diversos países relocalizando-se
plantas industriais sob a ótica de complementaridade no mercado
mundial e não mais como redes produtivas integradas apenas no nível
dos diversos mercados nacionais. Especificações de características
centrais de produtos são estabelecidas unificadamente numa escala global
(o carro mundial, p.ex.) sem impedir a crescente diferenciação de
características de produto para atender diferentes faixas e desejos dos
clientes em cada país. E uma forte reconcentração das áreas de P&D de
processos e de produtos em centros de pesquisa privados e públicos nos
países onde a base científica e tecnológica é mais desenvolvida.
ALGUMAS ESPECIFIDADES DA “GESTÃO JAPONESA”
Nos anos 70 e sobretudo nos 80, as contundentes vitórias comerciais
mundiais dos grandes conglomerados japoneses, sobretudo no mercado
americano e em produtos típicos do “american-way-of-life”, tais como
automóveis e eletrodomésticos e também em máquinas industriais
complexas, deixava claro que um modelo de gestão diferenciado, de alta
produtividade e muito competitivo havia surgido.
Alguns analistas chegaram a indicar os fatores culturais como os
motivos centrais daquelas brilhantes performances. Sem negar a
importância dos valores culturais japoneses, alguns originários de fontes
religiosas, outros de seu passado feudal relativamente recente e outros
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
133
ainda ancorados na tradição de obediência e tenacidade daquele povo
acostumado a sobreviver nas duras condições de vida de suas pedregosas
ilhas, parece não residir aí as fontes explicativas da emergência vitoriosa
do capital empresarial japonês no após guerra. Mesmo não sendo a
explicação “culturalista” de todo negligenciável, não reside aí sua
diferença específica.
Isto foi apontado aliás por Taiichi Ohno, um dos criadores do
toyotismo, que não encontrava nenhuma razão pela qual o novo sistema
não pudesse ser implementado em qualquer outro lugar da terra, pois
conforme Coriat (1994), Ohno havia “pensado ao avesso” toda a herança
legada pela indústria ocidental.
Análises das modificações nos processos produtivos têm
seguidamente enfatizado as diferenças entre o fordismo-taylorismo e o
toyotismo, em um conjunto de técnicas criadas no Japão do pós-guerra,
para enfrentar dilemas que estavam ausentes ou eram menos intensos
nas economias ocidentais.
O principal dilema, era o de como obter os ganhos de escala, típicos
do fordismo-taylorismo, este também designado de “produção em
massa”, quando o tamanho da demanda fosse bastante reduzido, e/ou
quando esta demanda fosse composta de lotes relativamente pequenos
de bens assemelhados, isto é, com pequenas variações nas suas
especificações.
Todo um impressionante conjunto de técnicas gerenciais japonesas
tem esta preocupação originária básica: dotar a rígida linha de montagem
fordista e a administração por postos de trabalho taylorista, de
flexibilidade para ajustar-se às oscilantes condições e especificações de
demanda. Este foi o caso enfrentado por um grande número de empresas
japonesas no pós-guerra.
Não podendo apropriar-se dos ganhos de escala clássicos da
produção em massa, todas as energias deste modelo voltaram-se para
“produzir sem desperdícios”, isto é, sem estoques, sem perdas, sem tempos
de espera, e sobretudo “com qualidade”, ausência da qual resulta sem
dúvida o maior dos desperdícios, pelo retrabalho exigido. Com base nestas
diretivas foi criado um impressionante conjunto de técnicas de gestão
inovadoras.
Mas para “produzir mais com menos”, de forma enxuta, foi
necessário estabelecer um grau de “flexibilidade de resposta” das equipes
de trabalho à produção oscilante de variados tipos de produtos, quase
simultaneamente. Melhor que a designação de “produção enxuta” dada
pelos ocidentais, seria tê-la chamado de “produção flexível”.
134
Carlos Artur Krüger Passos
É certo que a flexibilidade dos processos produtivos em cadeia obtida
pelas técnicas japonesas citadas – e que se encontram em manuais
geralmente deslocadas do contexto que lhe deram origem – foram
importantes, mas ganharam um perfil revolucionário quando a elas
acrescentou-se a “autonomia dos procedimentos”, individuais, em grupo,
em células, em equipes, em sub-unidades organizativas, conforme em
cada caso estejam estabelecidos os processos de trabalho. Esta
autonomização, estava referida não a uma autorização para cada um
atuar livre e aleatoriamente, mas sim para fazer de modo proativo o
necessário à obtenção maximizada da produção com qualidade, ou seja,
sem defeitos.
A autonomização exige dos operadores do processo produtivo não
apenas um conhecimento das tarefas de diversos postos de trabalho, o
“know how” técnico de um trabalhador polivalente, mas também, e
sobretudo, um conhecimento geral e amplo dos processos produtivos e
uma motivação tenaz para efetuar tarefas de forma crescentemente
aperfeiçoadas, o “know why” com conhecimento e informação do que
está se passando no ambiente de trabalho.
Em suma, trabalhadores mais instruídos, mais qualificados, mais
informados e mais motivados para cooperar com os demais na superação
contínua da produtividade e qualidade.
Nada disto era isoladamente uma novidade nas empresas
corporativas dos países ocidentais, salvo uma ou outra técnica ou método
específico. A verdadeira novidade foi a de que a busca incessante de
aperfeiçoamentos contínuos nos procedimentos de trabalho foi
“delegada” ao conjunto dos trabalhadores, às equipes, e a cada um como
indivíduo.
Nas empresas ocidentais, o que mais se parecia com isto era o que
nós conhecíamos como “técnicas motivacionais” e “enriquecimento de
tarefas”. Sim, embora na forma talvez fossem assemelhadas, na essência
produziam efeitos absolutamente diferentes, pois no Sistema Toyota de
Produção tais técnicas inscreviam-se agora em um quadro de referência
liberto dos cânones da produção em massa, a saber :
a) liberto das restrições tayloristas, as quais transformam cada
trabalhador em um robô que não deve pensar, sobretudo nada pensar
além do necessário às repetidas tarefas de seu posto de trabalho, pois a
quem compete pensar sobre os métodos e procedimentos de trabalho e
produção, são apenas os engenheiros os gerentes e os proprietários, em
suma “os doutores e os donos”;
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
135
b) liberto das restrições fordistas, as quais transformam cada
trabalhador, chefias e gerências em irresponsáveis ou pelo menos não
responsáveis ou ainda desinteressados pelo que ocorra ou possa ocorrer
antes ou depois “da parte que lhe cabe” no processo de produção, ou no
máximo na seção, setor ou departamento onde trabalha; as quais
restrições além disso, impondo a cada um o cumprimento dos tempos e
movimentos exigidos para o bom fluxo da cadeia de produção,
transformam a qualidade em algo a ser ex-post tratada por métodos
estatísticos pelos especialistas da alta direção;
c) liberto das restrições fayolistas, as quais transformam cada seção,
divisão e departamento, em unidades tendentes a formar lógicas próprias
e isoladas, quando não antagônicas entre si, como por exemplo, produção
versus vendas, desenho versus produção, P&D versus produção etc., ao
invés de prevalecer a consciência de que o destino pessoal de todos está
conectado com a performance global da empresa; as quais restrições
além disso, pela rígida hierarquia de comando e coordenação,
supostamente baseadas em competências pessoais, resultam em
hierarquias-tirânicas pelo controle das informações, impedindo qualquer
criatividade a todos os que não dispõem dos porquês, causas e objetivos
(o know why) de cada procedimento e do conjunto dos objetivos a serem
atingidos.
Não estamos afirmando que as empresas japonesas atingiram algum
utópico “nirvana da produção”. O que sim desejamos ressaltar com as
observações acima é o salto qualitativo obtido pelo rompimento dos
fundamentos da teoria de gestão até então vigentes. E o fizeram por que
alguns empresários, engenheiros e trabalhadores perceberam que,
mantidos tais fundamentos, não teriam condições de competir com as
empresas ocidentais.
Mas mais que isto, o novo modelo de gestão que surge, o toyotismo,
quando encarado em seu conjunto sócio-técnico de forma integral, e
não apenas como um certo número de técnicas por ele criadas, trouxe
embutido dentro de si, algumas das características essenciais dos futuros
modelos de gestão, chamados de “alta performance”, que deverão
vigorar nas empresas mais avançadas nas décadas iniciais do novo
milênio. Uma destas características a ressaltar, por que interessa à
sociedade brasileira, é a criação de um ambiente inovador.
O EIXO CENTRAL DA MUDANÇA: A COOPERAÇÃO NAS EMPRESAS
Flexibilidade, polivalência, motivação e outros valores
organizacionais, que eram já conhecidos e rastreados pelas diversas
correntes da ciência da administração, são agora colocados sob um outro
136
Carlos Artur Krüger Passos
paradigma de gestão, produzindo então resultados superiores em termos
de produtividade2 .
Embora sem pretender aprofundar observações sobre a mudança
científico-técnica representada pela microeletrônica e seus
desdobramentos, notamos, en passant, a peculiar adequação deste novo
modelo de gestão a este novo paradigma tecnológico. Muitos ainda crêem
que o avanço implícito neste último, reside no uso humano de máquinas
inteligentes, quando na verdade trata-se de “potencializar o uso da
inteligência humana com o manuseio de máquinas inteligentes”.
Voltemos à questão da gestão.
Recheado de uma terminologia japonesa ou americanizada : kanban, just-in-time, poka-yoke, t-q-c, c-c-q, t-r-f, seiri,seiton,seiso,..., kaizen,
etc, que podem ser encontradas de forma sistemática em OHNO, T. (1997)
e SHINGO, S. (1996) e diversos outros, o Sistema Toyota de Produção
vem sendo progressivamente apropriado pelas empresas ocidentais a
partir do “uso pontual de suas técnicas” organizacionais, em forma mais
avançada, em variável medida e por algumas empresas, já como “uma
abordagem sistêmica de produção”, e em pouquíssimos casos como “uma
filosofia de produção contemplando integralmente todos seus elementos
sócio-técnicos”, até porque, relações sociais de produção e culturas
organizacionais não são transplantáveis facilmente de um país para outro,
e quando e naquilo que o são, necessitam de descortino empresarial e
político consideráveis. Apesar destas dificuldades, convém aprofundar
a análise deste modelo, pois ele constitui uma das fontes de explicação
fundamental para entendermos como o povo japonês transformou seu
país na segunda potência econômica do mundo no espaço de 30 anos, e
como eventualmente poderemos aproveitar os ensinamentos mais
frutíferos desta trajetória.
A espetacular performance de algumas empresas japonesas não
teria sido obtida sem uma nova conformação mental - o chamado
“espírito toyota” – um dos elementos da filosofia do modelo, cuja
essência repousa na cooperação.
A cooperação aqui citada, não se origina de nenhum discurso a
que estamos acostumados – quer o psicológico, o religioso, o humanista,
o altruísta –, mas sim a uma peculiar conformação do cálculo
econômico, incorporando, para todos os agentes da produção e não
A comprovação desta superioridade, pode ser examinada no trabalho sobre a industria
automobilística mundial, “A máquina que mudou o mundo”, e para alguns outros setores,
em “A mentalidade enxuta nas empresas”, ambas obras publicadas em português pela
editora Campus; (WOMACK, J.P. et al, 1992, e 1998).
2
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
137
apenas para os empresários, a noção de que seus rendimentos atuais e
futuros dependem do comportamento agregado da empresa, numa
perspectiva de médio e longo prazo. Ou seja, de outro modo como o
denomina Coriat (1994), das rendas relacionais. Rendas estas que só
surgem ou são criadas à partir desta peculiar relação cooperativa entre
os atores da produção, baseadas é claro na confiança de que serão
distribuídas segundo algum arranjo prévio, entre empresa e sindicato,
por exemplo.
Este cálculo econômico e a apropriação dos seus resultados, digamos
“de uma forma participativa ou cooperativa”, é geralmente obstruído
pelo conflito distributivo capital/trabalho imediato e de curto prazo.
Assim, é bastante difícil de ser implantado nos ambientes de produção
onde as relações conflituosas são dominantes e cristalizadas nas
hierarquizadas estruturas empresariais de poder ou de comando.
Conflitos distributivos estarão sempre presentes em economias
reguladas pelo mercado, até porque seu suposto é o de que cada um de
seus agentes pretendem maximizar os seus ganhos. Mas aparentemente
estamos diante de um modelo de gestão, de maior inteligência, smj.,
pois ao invés de encarar a distribuição de forma estática, portanto no
esquema “ganha/perde”, para outro, dinâmico, onde a distribuição pode
ser “ganha/ganha”, a partir de uma renda que só surge pela existência
do nexo cooperação/distribuição, subordinadas ambas às condições do
mercado e da competição capitalista. Note-se aliás, que as empresas
japonesas são capitalistas e, portanto, sujeitas também a este conflito.
Na verdade, a cooperação obtida não se fez, sobretudo nas suas
fases iniciais de implantação, sem acentuados conflitos de interesse,
exacerbados pelas duríssimas condições econômicas do pós-guerra
japonês. Mas resultou num peculiar arranjo cooperativo dos
trabalhadores, dos quadros técnicos e gerenciais, e dos empresários, em
busca da ameaçada sobrevivência das empresas, e nas condições de forte
coesão institucional e política do Estado Nacional, recém reorganizado
após a ocupação norte-americana. Um acendrado sentimento
nacionalista da população fazia-os perceber que a nação poderia sofrer
ainda mais desorganização e pauperização do que já haviam sofrido
com a derrota militar.
Sociologicamente pode-se afirmar que os atores sociais da produção
entenderam ser necessário reduzir seus conflitos de interesses internos,
para melhor enfrentar aqueles desafios externos implícitos na competição
internacional.
Surgem dessa situação sócio-econômica do pós guerra, formas
institucionais peculiares, o sindicato por empresa, os “mercados internos
138
Carlos Artur Krüger Passos
de trabalho”, uma baixíssima taxa de rotação de pessoal, mesmo nos
poucos períodos abaixo do pleno emprego. Mas afora estas circunstâncias
nem sempre transportáveis para outras situações, pelo menos na mesma
intensidade e formatação, o essencial parece ter sido o estabelecimento
de contrapartidas econômicas, e alguma participação na direção,
acentuada nos aspectos operacionais, e menor mas não menos importante
nos aspectos estratégicos, concedidas aos sindicatos em “troca” do
empenho efetivo dos trabalhadores na produção como um todo.
Para que se tenha idéia dos resultados desse processo produtivo
com esta modalidade de gestão, o Japão possui atualmente renda per
capita das mais altas do mundo e é o país industrializado de menor
índice de concentração da renda, ambas resultantes de décadas de
acelerada expansão econômica baseada neste arranjo cooperativo de
alta produtividade. A crise que vive o Japão nesta década, origina-se
fundamentalmente da órbita financeira, em especial pela especulação
imobiliária exacerbada efetuada pelos bancos, no período de auge dos
anos 80. Não nasceu no lado real da economia, mas obviamente vai
produzindo seus efeitos no conjunto das atividades.
Cabe ainda ressaltar uma característica diferencial de extrema
importância, a criação de ambientes inovativos, que é entretanto pouco
referida, porque aparece apenas como resultante dos esforços de redução
dos desperdícios intrínseca ao sistema toyota de produção. Entretanto,
trata-se de uma característica cujas resultantes não haviam sido pensadas
originalmente pelos criadores deste modelo, mas cuja importância
embora lá já estivesse, em semente desde o início, ganharia uma dimensão
inesperada, devido aos seus desdobramentos.
No modelo de produção em massa, os aumentos de produtividade
são apropriados pelas empresas mediante a demissão dos trabalhadores
que ficaram redundantes ou excedentes pela adoção de inovações. Nas
condições históricas japonesas, a grande maioria dos trabalhadores eram
não demissíveis, devido a acordos de longo prazo com os seus sindicatos
corporativos. Ora, exatamente esta condição fazia com que, nos
momentos de queda e/ou estabilidade da demanda as empresas
retirassem da linha de produção um conjunto de trabalhadores para
qualificá-los, transformá-los em polivalentes e dotá-los de competências
ampliadas para, crescentemente, torná-los capazes de, em equipe,
gerenciar por eles próprios os processos produtivos. Note-se que este
investimento em qualificação também não corria o risco de se perder
facilmente, exatamente porque vigorava um padrão de baixo “turn-over ”
empregatício.
Mais ainda, o estabelecimento de políticas de baixo “turn over”, de
capacitação permanente, de incorporações de ganhos de produtividade
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
139
aos salários (este item ocorria também nas empresas ocidentais no pós
guerra) e sobretudo de participação significativa nos lucros, criaram as
condições para surgir um “ambiente inovador sui generis”, onde pela
primeira vez na história empresarial capitalista os empregados não
precisavam temer e resistir à adoção de inovações. Com este peculiar
arranjo sócio-técnico os empregados não só não temem inovações, pois
estas não mais os prejudicam, como são permanentes criadores de novos
procedimentos e técnicas para a elevação da produtividade, pois estas,
agora neste arranjo, só os beneficiam.
Para se ter uma idéia mais concreta, a Toyota é a empresa mundial
mais inovadora em termos do número de patentes por funcionário, é
também a maior compradora mundial de patentes, e ainda aquela que
incorpora nos processos produtivos a maior percentagem das patentes
que tem disponível.
Muito mais precisa ser objeto de reflexão sobre este peculiar arranjo
sócio-técnico, bem como de suas possibilidades e dificuldades de adoção
e difusão pela sociedade brasileira.
Não há como escapar da realidade que o toyotismo revolucionou
os processos de trabalho e de produção, recuperando possibilidades de
gestão concretas e formas de organizar o trabalho impensáveis no
paradigma fordista-taylorista, inclusive para o ponto de vista dos
trabalhadores.
Neste último sentido veja-se aliás a discussão equivalente, relativa
aos assemelhados métodos da “co-determinação” empresarial alemã ou
sueca. Os exemplos concretos de administração avançada referem-se
geralmente a esses três países, os únicos onde têm certa importância e
difusão os métodos de engajamento negociado dos trabalhadores, em
substituição aos métodos de engajamento estimulado dominantes nas
empresas ocidentais. Nos EUA, além das empresas que se engajam nos
métodos da “lean production”, há todo um movimento de renovação
de métodos de gestão que, embora não partam das experiências
japonesas, acabam por sugerir, até com outra linguagem, tratamentos
assemelhados na relação capital/trabalho.
Veja-se pois o que diz Peter Drucker, um dos mais lúcidos “gurus”
do “managerialism ocidental”, em artigo na revista HSM Management
de jan/fev 2000 :
...“O segredo não é a eletrônica, mas sim a ciência cognitiva. O
segredo para manter a liderança na nova economia e na nova tecnologia
vai ser a posição social dos profissionais do conhecimento.”
140
Carlos Artur Krüger Passos
...“Cada vez mais o desempenho nesses novos setores baseados em
conhecimento dependerá de gerenciar para atrair, manter e motivar os
trabalhadores do conhecimento. Isso terá de ser feito de algum modo :
satisfazendo seus valores, dando-lhes reconhecimento social e poder.
Isso terá de ser feito pela transformação de subordinados em colegas
executivos e de empregados, por mais bem pagos que sejam, em sócios.”
Sendo a cooperação o eixo central dos métodos de alta performance,
fica agora possível esclarecer uma certa confusão conceitual a respeito
do uso que se faz das chamadas técnicas japonesas.
Há empresas que persistem mantendo rígidos e consolidados
métodos fordistas-tayloristas de produção e têm efetuado “implantes”
de técnicas japonesas em caráter pontual, sem alterar a essência dos
antigos métodos de gestão.
Alguns analistas têm designado estas formas híbridas como
“fordismo flexibilizado”, e registram a ocorrência de algum ganho de
produtividade nestas experimentações, embora tais ganhos logo deixem
de ocorrer de forma continuada, como são observados no toyotismo.
A maioria dos esforços das empresas americanas para recuperar o
hiato de competitividade estabelecido antes de 1990 em relação a seus
competidores alemães e japoneses, vem efetuando esta flexibilização do
fordismo. Em algumas vezes, através dos métodos de “reengenharia”,
obtém-se reduções de custos sob a ótica estrita de curto prazo, das quais
em não poucas vezes, com o ônus de destruir as equipes de P&D e o
espírito inovativo cujos resultados poderiam garantir o aumento da
performance produtiva no médio e longo prazos. Com a difusão das
inovações tecnológicas de fonte eletrônica, as empresas americanas
sobretudo, têm encarado as inovações nas técnicas de gestão como um
simples derivativo das primeiras. Enquanto os EUA se mantém na frente
deste processo de difusão em relação à Europa e ao Japão, o hiato de
produtividade industrial vem se reduzindo por esta causa diferencial.
Também no Brasil diversos implantes pontuais de técnicas japonesas
vêm ocorrendo desde os anos 70. Como tais experimentos resultam por
vezes em aceleração do ritmo de trabalho ou controles disciplinares mais
poderosos dentro do regime fordista-taylorista, e além disso, quase
sempre sem nenhuma compensação adicional aos trabalhadores em
termos de ganhos, algumas lideranças sindicais têm conduzido feroz,
porém explicável, oposição às “técnicas japonesas de produção”, o que,
como se percebe, nada tem a ver com o conjunto sócio-técnico integral
do modelo referido como toyotismo.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
141
O BRASIL, A GLOBALIZAÇÃO E O NOVO PARADIGMA PRODUTIVO
Com enorme esforço, ao longo deste século diversos países
economicamente atrasados iniciaram processos de industrialização que
obtiveram relativo sucesso.
O Brasil é um deles, e no período de 1930 a 1980 obteve um dos
mais brilhantes resultados, em termos da montagem de um parque
industrial complexo e de alguma importância no contexto mundial.
Naqueles 50 anos de industrialização acelerada, obteve uma taxa
média de crescimento do produto de 7% ao ano, uma das mais elevadas
dentre todos os países, o que caracteriza o modelo de crescimento como
um sucesso, a despeito de todas as insuficiências e distorções econômicosociais apontadas por diversos analistas. O modelo de substituição de
importações, base conceitual explicativa da expansão industrial brasileira
até l980, esgotou-se em termos relativos, exatamente porque foi um
sucesso.
O esgotamento do dinamismo macroeconômico, o endividamento
corrente devido às altas do preço do petróleo em 74 e 79, e sobre estas
condições, a monumental elevação da taxa de juros em dólares entre
79/81, conduziu o país à moratória, inflação acelerada e estagnação,
estas duas últimas atravessando toda a década de 80 a meados dos 90.
Dois fatos alvissareiros ocorreram desde então.
Primeiro, foi a oportunidade criada pelo Plano Real, o qual há cinco
anos, vem obtendo taxas inflacionarias irrisórias para uma sociedade
intoxicada com inflação, depois de outras tentativas de controle do
processo malogradas desde 1986. A obtenção desta significativa
estabilização dos preços, vem recuperando para os agentes econômicos
uma das condições básicas de funcionamento de qualquer economia de
mercado, qual seja, uma segurança na elaboração do cálculo econômico
de médio e longo prazo, para a tomada de decisões.
O segundo, foi a passagem em janeiro de 1999 para o regime de
câmbio flutuante, a partir do qual, vem se estancando o crescimento dos
acentuados desequilíbrios em algumas variáveis macroeconômicas, como
a explosiva expansão da dívida interna do Governo Federal e o
agravamento do déficit do setor público pela pressão da conta de juros.
Mas, ainda mais importante que estas variáveis citadas, é o início da
recuperação das atividades produtivas da economia, após o desestímulo
sistêmico gerado por um câmbio sobrevalorizado e juros reais
estratosféricos durante mais de quatro anos.
142
Carlos Artur Krüger Passos
A economia brasileira, infelizmente, ainda não recuperou uma
dinâmica expansiva, significando isto que as expectativas gerais de
negócios, centradas nas variáveis reais da economia, ainda não
induziram os agentes econômicos a tomar decisões de produzir e investir
com segurança, mesmo que num ritmo brando, numa perspectiva de
longo prazo.
Mas, ainda que como perspectiva potencial, atualmente convergem
os analistas em apontar para uma expansão de 3 a 4 % no PIB para
2000, talvez como início de um período mais longo de crescimento
econômico.
Estas são as condições básicas de que a economia brasileira dispõe
para enfrentar as tarefas de ajustar-se a um novo paradigma produtivo
e ao mesmo tempo inserir-se em um novo contexto competitivo conduzido
pelo processo de globalização.
O desafio da economia brasileira é conseguir reestruturar a base
produtiva criada sob os padrões tecnológicos eletro-mecânicos e de gestão
fordista-taylorista, para uma nova estrutura formada por unidades
produtivas organizadas segundo os novos paradigmas eletrônicomecânico e de gestão inovadora. O conjunto das unidades produtivas
operando neste novo padrão terá de ser significativo o suficiente para
induzir progressivamente outras empresas e setores a incorporá-lo. A
médio prazo, este conjunto de empresas transformadas é que poderá
resistir às condições competitivas impostas pelo mercado mundial.
O tempo (timing) disponível pela economia brasileira para efetuar
estas reestruturações se reduz continuamente. Embora a implantação
da ALCA seja o horizonte mais visível, os efeitos de uma possível explosão
do comércio eletrônico podem encurtar esta perspectiva.
Além disso, se o conjunto das economias industrializadas
ingressarem em um novo ciclo expansivo de longo prazo, sem que a
economia brasileira tenha tornado endógeno pelo menos um núcleo
competitivo de empresas em bases inovadoras e dinâmicas, a sociedade
brasileira enfrentará o próximo século na condição de uma nova espécie
de subdesenvolvimento. Evitar esta última circunstância é o desafio
contemporâneo da economia e da sociedade brasileira.
Transformar rapidamente o parque produtivo, que foi montado para
atender o mercado interno e protegido, exige elevar a competitividade
das unidades produtivas aos níveis internacionais. Pretendeu-se obter
esta elevação, submetendo-se todo o aparato produtivo aos ventos da
concorrência internacional desde 1990, quando se adotou uma forte
redução tarifária às importações e praticamente eliminaram-se quaisquer
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
143
restrições quantitativas a importar ainda vigentes, sem adotar políticas
públicas visando complementar os esforços privados de elevação da
produtividade.
Como a política de abertura estabeleceu-se nos quadros referenciais
do neo-liberalismo, todo o esforço modernizador foi deixado ao mercado,
com os empresários adotando as decisões mais racionais a cada
circunstância. O Estado vem se ajustando às políticas emanadas do
Consenso de Washington, reduzindo progressivamente as anteriores
atribuições que até então realizava, retendo apenas as tarefas gerais de
constituir um quadro institucional estável, sem interferir nas decisões
individualizadas de produzir e investir, agora totalmente a cargo dos
agentes privados.
O Estado, justificando-se nas condições financeiras precárias, não
vem interferindo nas condições do mercado e, em conseqüência, não
tem adotado políticas ativas de fomento econômico de caráter setorial
ou específicas, salvo em alguns casos onde os instrumentos de fomento
estavam ainda vigentes institucionalmente desde antes de 1990.
Este discurso ideológico e sua prática concreta, se acaso teve algum
mérito em romper com um status quo exageradamente estatizante e
protecionista desfrutado anteriormente pelos produtores privados,
ignorou que o mercado é em si uma construção social, e não uma
abstração teórica e conceitual.
Ainda que uma empresa, um setor produtivo, ou um parque
industrial sejam propriedade privada e devam reger-se pelas condições
concorrenciais de mercado, a obtenção de bons resultados na competição
econômica internacional constitui interesse que transcende as próprias
empresas e os seus proprietários.
Assim, torna-se necessário abandonar o protecionismo como
finalidade em si, sem cair no extremo oposto de acreditar que todo um
sistema produtivo anteriormente protegido, possa tornar-se por conta
própria competitivo frente aos mais poderosos oligopólios mundiais, em
prazos curtos e sem mobilizar esforços da sociedade através do Estado,
tal como isto é efetuado mesmo nos países desenvolvidos.
Assim, todas as novas políticas ativas de fomento que venham a ser
adotadas, devem ter por objetivo estrito aumentar a produtividade e a
competitividade das unidades produtivas, com metas explicitas a alcançar
em prazos definidos, como contrapartida ao aporte de apoio público.
Os produtos e as empresas beneficiárias destas vantagens públicas devem
tornar-se competitivas nas condições de mercado.
144
Carlos Artur Krüger Passos
A situação menos desejável é a que prevalecia até o início de 1999,
atualmente progressivamente abandonada, na qual uma “não política
setorial de fomento” acabava abrindo margem a pressões continuadas
em busca de apoios públicos ad hoc, para sustentar “déficits de
competitividade” e evitar falências sem quaisquer compromissos com
objetivos de aumento da produtividade, qualidade e inovação tecnológica
necessários à competitividade.
AS DIFICULDADES DAS EMPRESAS PARA CRIAR AMBIENTES INOVADORES.
No relatório de pesquisa sobre a produtividade em diversos setores
produtivos brasileiros, realizado pela empresa de consultoria MacKinsey
(1998), fica evidente que é possível obter-se elevações significativas da
produção em diversos setores, em períodos de tempo que vão de quase
imediatos a até 3 anos, sem efetuar-se investimentos novos substantivos.
Significa isto dizer, que mesmo sem considerar o impacto dos
investimentos pesados em modernização de plantas industriais existentes
e em novos equipamentos, e o resultante das novas plantas industriais, é
possível elevar a produção e produtividade do sistema produtivo
brasileiro, adotando-se basicamente apenas inovações de gestão.
Sem entrar nos detalhes metodológicos desta alentada pesquisa,
destacamos algumas passagens a seguir :
...“No Brasil os hiatos de produtividade nas empresas ocorrem
principalmente por conta da ausência de práticas organizacionais
avançadas e de poucos investimentos em tecnologia.”
...“Nos casos estudados (oito setores), seria possível passar de 27%
da produtividade dos EUA para aproximadamente 75% sem encontrar
obstáculos estruturais intransponíveis.”
...“O aumento potencial de 6 % na produtividade, somado a
investimentos que gerem empregos para absorver os 2,5 % anuais de
crescimento da população economicamente ativa, resulta em um
potencial estrutural de crescimento anual do PIB de aproximadamente
8,5 %. Se essa taxa fosse sustentada por dez anos, o PIB per capita
brasileiro dobraria”.
Em outras condições e em outros termos, tais conclusões reiteram o
que diversos centros acadêmicos já vinham apontando anteriormente,
como por exemplo o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira
(1994) e diversos outros.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
145
O hiato de produtividade resultante de formas atrasadas de gestão
é tão substancial, que o fomento, estímulos e difusão de uma gestão
empresarial inovadora é uma questão estratégica, e como tal, deveria
ser tratada como de interesse público, a ser estimulada de forma
complementar aos esforços individualizados que vem sendo realizados
pelo próprio setor empresarial privado.
Isto significa dizer que neste período histórico, além das políticas
macroeconômicas, - de estabilidade monetária , fiscal e financeira, de
poupança e investimento, e de programas de infraestrutura -, devem ser
estruturadas políticas públicas de elevação da produtividade baseadas
em métodos de gestão, capacitação dos trabalhadores e inovação
tecnológica dentro das empresas.
Tais políticas seriam aplicadas até que um conjunto substantivo de
setores produtivos alcancem níveis de competitividade que garantam
sua sobrevivência e expansão, e possam efetuar por conta própria esta
tarefa. Neste momento, o setor público poderá voltar a se ater
basicamente às políticas de educação e capacitação de recursos humanos
e de estímulo a ciência e tecnologia.
Mas se este potencial de aumento de produtividade existe, cabe
indagar o porque das dificuldades que o setor privado, por conta própria
não o efetiva, ou pelo menos não vem conseguindo fazê-lo em um modo
e um ritmo adequado.
A principal dificuldade para implementar ações visando a mudanças
efetivas no nível das unidades produtivas capazes de provocar
transformações em escala social, reside nas próprias condições históricas
em que vem ocorrendo tanto a globalização como a mudança do
paradigma produtivo, como já foi mencionado anteriormente.
Aqueles fenômenos respondem às necessidades dinâmicas dos
países industrializados e nos apanharam, à economia e às empresas,
dentro de um período de estagnação econômica, herdeiros de passivos
financeiros, econômicos, sociais, institucionais e políticos de ampla
magnitude, e com as tarefas de reajuste às novas circunstâncias
encontrando uma agenda atravancada pelos compromissos atuais
resultantes de um passado com desequilíbrios acentuados.
A opção por uma agenda genérica de reformas em períodos de
longa estagnação, como sugerida pelo Consenso de Washington, tem
algo de paralisante, na medida em que conflitos distributivos importantes
vêm à tona, sem haver nenhum acréscimo de riqueza a ser compartilhado
pelos eventuais perdedores da disputa social pela renda.
146
Carlos Artur Krüger Passos
A segunda dificuldade reside no fato de que a própria percepção
de que o país pode “perder o trem da história” não está presente e
difundida nas mentes e no comportamento concreto da ampla maioria
de seus habitantes. Esta vaga noção de perigo e urgência nacional
registrada no Japão e em outros povos, é menos acentuada no Brasil. A
maioria não tem de fato esta consciência, mesmo porque a história não
lhes pertence, pelo menos como atores relevantes. Outros, com diversos
graus de consciência, apresentam a natural diversidade de julgamento
e comportamento, sem que se tenha sido obtido no Brasil uma maioria
significativa em torno da necessária criação de condições sistêmicas de
competitividade, que algumas lideranças pretendem que seja obtida
apenas pelo resultado cego das forças de mercado.
Mesmo assim, após a abertura econômica a partir dos anos 90, tem
ocorrido um significativo movimento de tomada de consciência
empresarial quanto às imperativas necessidades de modernizar-se,
premidos pelas novas condições competitivas impostas pela redução
tarifária geral.
Neste espaço de tempo, constata-se o predomínio da adoção de
estratégias defensivas de mercado. E isto aconteceu mesmo nas empresas
mais avançadas, ou que possuem empresários mais capacitados e
conscientes das circunstâncias, e que portanto reconheciam a necessidade
de implementar estratégias inovadoras de longo prazo. Já vimos que as
restrições do câmbio e dos juros tornavam este caminho quase impossível.
Mas, embora conduzidos sob a preocupação estrita de redução de
custos, os aumentos de produtividade alcançados em diversos setores
têm sido expressivos. Independentemente de possíveis distorções das
estatísticas, as quais não captam adequadamente os efeitos das
terceirizações realizadas, ampliando talvez os ganhos de produtividade
um pouco acima do que na realidade o são, os incrementos percentuais
de produtividade e o crescimento verificado no número de empresas
que obtiveram certificados ISO, atestam a existência de estamentos
empresariais importantes realizando a tarefa que lhes compete.
Há um vasto movimento de renovação de procedimentos
produtivos, através de técnicas de reordenação de atividades,
reengenharia visando à redução de níveis hierárquicos e reordenação
de atividades em torno de processos produtivos, terceirização de
atividades de apoio, controle estatístico da qualidade, e um sem-número
de outras técnicas de gestão disponíveis sobretudo no mercado de
consultoria privada.
Mas mesmo estes comportamentos dinâmicos, têm sido adaptativos
a posições defensivas de mercado. Em milhares de outros casos, há
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
147
movimento apenas de abandono de atividades e posições de mercado,
designado por vários analistas como desindustrialização por
incapacidade de adoção de estratégias de resposta rápida.
Lastimável foi portanto, a circunstância da não ocorrência
simultânea de um firme movimento expansivo da economia. Tais esforços
modernizadores não foram acompanhados de investimentos
significativos, através dos quais não apenas seriam introduzidas
inovações tecnológicas e de gestão simultâneas e conectadas, como
também estratégias de médio e longo prazos que permitiriam às empresas
adotar modelos de gestão inovadores com a segurança ampliada pelos
períodos de expansão, mesmo que com taxas modestas.
A REORDENAÇÃO DAS ATIVIDADES PRODUTIVAS PRIVADAS
Mas, independente das condições dinâmicas da economia, e agora,
já vimos que abre-se a possibilidade de um período de crescimento após
cerca de 20 anos de estagnação, as empresas brasileiras terão de se haver
com a necessária elevação de sua competitividade, para não perecerem
frente seus competidores. Não há mais como postergar a adoção de
atitudes modernizantes inovadoras, permanecendo-se apenas nas tarefas
importantes mas insuficientes de cortar as velhas gorduras do fordismotaylorismo protegido.
Assim é útil descrever algumas das tarefas e das dificuldades que
os empresários, na linha de frente, e o estado e a sociedade como um
todo, deverão enfrentar na adoção de modelos de produção efetivamente
inovadores, como opção estratégica disseminada no tecido produtivo.
Sendo crucial para a adoção de modelos de gestão inovadores,
iniciemos com a questão da cooperação.
As opções conflituosas, que ainda dominam boa parte das empresas
brasileiras, tendem a levar em conta sobretudo a face monetária do
capitalismo, como se todos os indivíduos apropriassem todas as suas
vantagens estritamente através de preços instantâneos no mercado.
Embora o mercado seja fundamental para o funcionamento desta
economia, há fenômenos que são a ele conectados de forma indireta ou
defasada no tempo, abrindo a possibilidade de arranjos institucionais
ou circunstanciais apresentarem facetas simultâneas de conflito e de
cooperação.
Assim por exemplo, depois que através do mercado, um empresário
já tenha adquiridos seus equipamentos, insumos e contratado força de
trabalho por determinados preços e, portanto para ele, custos, a
conseqüente obtenção de uma certa quantidade de produtos depende
148
Carlos Artur Krüger Passos
das formas como os mobiliza. E esta mobilização não é estritamente de
natureza mercantil, mas sim técnica e de gestão, embora o resultado
desta mobilização, os produtos obtidos, estejam sempre referenciados a
um futuro resultado monetário a ser obtido no mercado.
Como já foi descrito, a redução dos níveis de conflito pode não ser
apenas um ato voluntarioso, paternalista ou cultural, mas sim, negociado,
concertado, acordado, pela troca de interesses mútuos. Mais que isto, o
negociado engajamento proativo dos trabalhadores objetiva obter uma
mais ampla liberação das suas potencialidades humanas a favor do
aumento de uma possível renda futura partilhada pelos atores
envolvidos.
Este arranjo que mobiliza as habilidades humanas de inteligência e
criatividade para inovar permanentemente, dentro das sociedades
capitalistas, constitui a evolução para a futura sociedade do
conhecimento.
A manutenção, por inércia, poder, ou desconhecimento, das
estruturas produtivas segmentadas por postos fixos à moda taylorizada,
corresponde hoje a uma opção prévia pela derrota empresarial, eqüivale
a não dispor de nenhuma estratégia inovadora competitiva. Enfatizamos
este ponto, mediante uma citação3 , registrando no início dos anos 80, a
fala de um empresário japonês a seus colegas em uma associação
patronal francesa, . . .
... “Vocês, empresários europeus, vão perder e nós, empresários
japoneses, vamos ganhar. Vocês vão perder porque a derrota está em
suas próprias cabeças : vocês estão intimamente persuadidos de que as
organizações de grande desempenho competitivas são aquelas nas quais
há de um lado - e no alto - aqueles que pensam, e do outro - e embaixo aqueles que executam. Vocês estão persuadidos disso, mesmo aqueles
que dizem o contrário...”
E, infelizmente, é grande ainda hoje o contingente de empresários,
políticos, engenheiros, lideranças públicas e privadas no Brasil, para os
quais a observação acima seria ainda hoje aplicável.
Mas, como esta postura, que haveremos de superar, não é algo
apenas voluntarioso, pois em princípio apelos à cooperação, pura e
simplesmente, pouco resultado devem obter, examinemos quais as
dificuldades que mais exigem esforços de transformação.
B. CORIAT (l994), Pensar pelo avesso. Editora UFRJ/Revam, contido na página 23. Extratos
da fala de um empresário japonês reproduzidos por G.Archer e H.Eriex em L’Entreprise du
3ème type. Ed.du Seuil, l984.
3
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
149
Com os novos métodos de produção alteram-se a importância das
antigas variáveis. Não mais serão vencedoras as empresas cujas
estratégias estejam baseadas em força de trabalho barata, abundância e
custo baixo de matérias-primas, ou na disponibilidade de energia barata.
Assim, estratégias públicas, ou políticas e programas de fomento baseados
nestas características devem ser abandonadas, para não ficarmos criando
hoje, empresas, tecnologias, empregos, capacitações que inevitavelmente
não se sustentarão no amanhã.
De modo tendencial, deverão prevalecer nos mercados as empresas
cujas estratégias incorporem ou baseiem-se em variáveis tais como : a)
utilizem informações e conhecimentos que os concorrentes ainda tenham
disponíveis; b) as que possuam informações e as disponibilizem com
maior grau de difusão ao seu corpo funcional; c) aquelas em que os
recursos humanos que mobiliza seja composto de pessoas com maior
grau de educação e de qualificações técnicas; d) as empresas que vierem
a alcançar um ambiente de trabalho participativo e cooperativo voltado
para inovações contínuas de produto e de processo contínuos.
Em suma, a “informação processada”, isto é, “o conhecimento”,
passa a ser a pedra de toque do novo padrão de competição. Mais
competitiva será a empresa que dispuzer de mais ciência, mais tecnologia
e mais cooperação das pessoas e da rede de entidades conectadas com
sua produção e com seu mercado.
Neste ponto as empresas brasileiras deverão fazer um duplo esforço:
além de tornarem-se capacitadas a absorver tecnologias, devem a partir
destas ser capazes de desenvolver inovações. Para muitos analistas, esta
política só seria aplicável a setores de alta densidade tecnológica, não
levando em conta que o Brasil possui muito pouco deles.
Atualmente se consideramos o conjunto da cadeia de valor de
qualquer produto, em todas as suas fases pode-se incrementar a
agregação de valor, mediante um dos seus vetores, representado por
incorporar trabalho de maior intensidade de conhecimento. Para
corroborar esta afirmação, destaca-se aqui, em tradução livre, uma
observação importante citada por Michael E. Porter, em artigo da Harvard
Business Review nov/dez 1998, a saber ...
“ o termo alta tecnologia { high tech } criou a concepção equivocada
de que somente um pequeno número de atividades econômicas
competem com procedimentos tecnológicos sofisticados”
As condições atuais do mercado de trabalho brasileiro não são de
molde a facilitar a cooperação dos trabalhadores com suas empresas.
As estratégias defensivas que implicaram em demissões substantivas para
150
Carlos Artur Krüger Passos
redução de custos, obviamente bloqueiam a cooperação, pois dificilmente
trabalhadores sob risco de desemprego conseguem incorporar atitudes
cooperativas, cujos resultados por definição implicam em processos de
médio e longo prazos.
Uma grande parte das empresas sequer possui programas de
formação e de qualificação de pessoal, sejam internos ou externos. É
impressionante como é generalizada a concepção de que a qualificação
de recursos humanos constitui um problema externo às unidades
produtivas. Mas nenhum país econômicamente importante baseia suas
necessidades de educação e capacitação exclusivamente na oferta externa
às unidades produtivas, seja pública ou privada.
Voltemos a utilizar um trecho do já citado Relatório de Pesquisa
McKinsey, a saber . . .
...“Nossa abordagem analítica permite, simplesmente, quantificar
o grau em que a combinação de investimentos em treinamento com a
melhoria de processos de produção pode resultar em aumento da
produtividade. Em outras palavras, reunimos evidências das
possibilidades de melhoria de desempenho, para as empresas brasileiras,
por meio da adoção de melhores práticas operacionais e organizacionais,
utilizando a mão-de-obra já disponível, apesar de sua escolaridade
relativamente baixa.
Além disso, as possibilidades de ganhos de produtividade são bem
maiores que os custos envolvidos. Este fato indica que vale a pena, para
o setor empresarial, investir no treinamento de funcionários, e dessa
forma, contribuir para aumentar o capital humano no Brasil. A
responsabilidade pela formação do trabalhador não precisa recair
somente sobre o setor público. O treinamento no emprego torna-se, assim,
um importante complemento à educação formal.
Pesquisas indicam também que a desigualdade salarial no Brasil
está associada à desigualdade no acesso à educação e à escassez do
estoque de capital humano. Com a adoção de práticas produtivas e
gerenciais mais avançadas, o crescimento da demanda por trabalhadores
com maior escolaridade tenderá a aumentar seus salários. Assim para
que a desigualdade salarial não cresça, será necessário atender a essa
demanda não só com trabalhadores capacitados pelos programas de
treinamento das empresas, mas também com a elevação do nível
educacional dos novos participantes da força de trabalho.
Finalmente, cabe ressaltar que, em quase todos os países que
atingiram um PIB per capita duas vezes superior ao que o Brasil possui
atualmente, a força de trabalho possuía maior escolaridade que no Brasil.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
151
Isso sugere que programas de ensino secundário que atinjam uma fração
maior da juventude brasileira ajudariam, sem dúvida, o país a alcançar
o seu potencial de crescimento.”
As solicitações empresariais de flexibilização da legislação
trabalhista, que é claramente arcaica e inadequada, voltaram-se
entretanto quase que invariavelmente à obtenção de flexibilidades
quantitativas, isto é, redução dos custos de demitir, redução de direitos
trabalhistas e previdenciários, redução dos custos de contratar, etc.,
explicáveis até nesta década de corte de “gorduras”, mas só reforçam
situações latentes e abertas de conflito. Este tipo de abordagem deve ser
rediscutido e prontamente substituído por critérios e cenários que
incorporem alguma visão de futuro.
Além do número de empregos se reduzirem, o que é em si
importante, mas poderia estar refletindo uma inadequação de oferta/
demanda em termos de qualificação de recursos humanos, a recente
divulgação de que a massa global dos salários no Brasil se deprimiu em
7% no ano de 1999, é rigorosamente uma indicação de que estamos
sendo conduzidos a reter apenas fatias de mercado de bens de baixo
valor agregado e de salários irrisórios.
O volume de recursos internos às empresas despendido em P&D é
também extremamente baixo. Se tratássemos a gestão inovadora como
um item da estratégia nacional, parte ponderável das pesquisas
tecnológicas hoje fomentadas, seria desenvolvida diretamente a partir
de necessidades internas a empresas ou clusters produtivos.
Dirigente de organismo de fomento à C&T, o Professor Dr. Carlos
Henrique de Brito Cruz explicitou em palestra recente, através de um
chiste analógico, que o país tem realizado esforços significativos para
criar uma razoável capacidade, expressa em recursos humanos de alta
capacitação científica e tecnológica, mas “falta-nos o artilheiro, o homemgol, aquele que nas empresas dedica-se à pesquisa e desenvolvimento de
produtos e de processos, e que efetiva as inovações de maior densidade
tecnológica”. Em quase todas as demais “posições em campo” temos
quadros competentes em ação. Mas quase nunca fazemos gol, isto é,
pouco implementamos na produção inovações patenteáveis.
Deve-se reconhecer que a concessão negociada de participação dos
trabalhadores de cada empresa nos resultados do aumento de
produtividade decorrentes de um ambiente de cooperação é
extremamente delicada, pois além de afetar o próprio objetivo da
empresa - seus lucros - implica a confiança mútua e acesso a informações
contábeis sensíveis. Além dos casos existentes em diversas empresas
japonesas, também o exemplo alemão de acordos específicos com seções
152
Carlos Artur Krüger Passos
sindicais de fábrica nos indicam serem possíveis tais procedimentos.
Ainda que hajam muitas dificuldades de progressiva operacionalização
destes sistemas de participação nos lucros, é indispensável haver a
vontade diligente e inteligente dos proprietários das empresas, para
implementá-lo inserido num arranjo cooperativo visando criar ambientes
inovativos, antecipando-se a disposições de caráter legal surgidas em
uma época pretérita de padrões de relação capital trabalho.
Ainda no campo dos óbices à criação de uma atitude de cooperação
dos trabalhadores, merece ser citado o temor dos empresários, mas não
menos do corpo dos gerentes e chefias intermediárias, de uma eventual
perda de seu “direito de dirigir” a empresa ou seu setor ou seção. Isto
obviamente só deve ocorrer nas mais atrasadas organizações em regime
conflitivo. Pelo contrário, em certa medida é plenamente salutar que um
ambiente cooperativo, autonomizado, mais qualificado e flexível reduza
e de preferência anule e substitua todos os componentes “tirânicos” dos
“poderes-hierárquicos” de chefetes, e os substituam progressivamente
pelos “poderes-conhecimento”, características das verdadeiras
lideranças. Já há muitas décadas em diversas empresas japonesas, um
dos atributos para assumir posições de comando estratégico na alta
direção é que os possíveis futuros ocupantes sejam ou tenham sido
membros ativos dos sindicatos de trabalhadores.
Por fim uma observação necessária nos ambientes brasileiros. Aqui
o termo cooperação sugere quase tudo, menos o que ele é. Para muitos
significa complacência com qualquer situação ou atitudes pessoais; para
outros, a necessária aceitação cega/surda/muda de “sua autoridade”
por parte dos outros. Como corolário, atitudes cooperativas aqui quase
significam subordinação, ou no mínimo ausência de posicionamento
próprio. Cabe notar que nos exemplos que mais mobilizaram atitudes
cooperativas no trabalho – as empresas japonesas, alemãs, e suecas –
, as maiores críticas externas endereçadas a estes modelos, referem-se à
ausência de complacência, à dureza do trabalho, etc., e os exemplos
mais conseqüentes e de maior sucesso referem-se à aceitação pelas chefias
dos objetivos traçados de comum acordo com os trabalhadores.
Mas as atitudes cooperativas não se restringem a atitudes de
relacionamento no chão da fábrica ou em seus escritórios. As empresas
de maior capacidade competitiva adotam atitudes de cooperação
interempresas com seus fornecedores e com as empresas usuárias de
seus bens e serviços, buscando estabelecer vínculos produtivos na
definição conjunta de padrões de qualidade, no design cooperativo, nas
técnicas de just-in-time, no desenvolvimento tecnológico, na qualificação
e treinamento conjunto de seus quadros profissionais, no lazer, e em
tantos outros aspectos capazes de produzir sinergias.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
153
A formação de redes empresariais conectam estes interesses de
forma a cooperarem em busca da ocupação de maiores fatias de
mercado, o que interessa a todos de forma conjunta, como única forma
de competirem com eficácia, contra outras redes de competidores em
operação no mesmo mercado.
Talvez nunca como agora, um conjunto tão amplo e importantes
de variáveis decisivas para os destinos da população brasileira e seu
estado-nação, estejam imbricadas no lugar mesmo da produção, no
coração das unidades produtivas. Permanecer sem mobilizar com
diligência os melhores recursos nacionais para alterar o atual quadro da
produtividade e consequentemente da competitividade, ali onde estas
variáveis são importantes hoje, é correr o risco histórico de vir enfrentar
um longo período de atraso cultural e pobreza material.
A gestão da grande maioria das unidades produtivas no Brasil, ainda
utiliza-se de modelos arcaicos e ultrapassados. Esta é uma questão
estratégica fundamental, que necessita ser tratada como prioritária, ao
lado de outras políticas de fomento, pelo setor público brasileiro. Sem
paternalismos, uma mobilização neste sentido somar-se-ia com os esforços
empresariais, técnico-científicos e os do mundo do trabalho, cuja
resultante será com certeza melhor que as que temos obtido até o presente
momento de nossa história.
BIBLIOGRAFIA
CANUTO, Otaviano. Aprendizado tecnológico na industrialização tardia: Economia
e Sociedade n. 2, ago. 1993. p.171 a 189.
CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso : o modelo japonês de trabalho e
organização. Rio de Janeiro : Revan : UFRJ, 1994. 212p.
COUTINHO, Luciano G. A Terceira Revolução Industrial. Economia e Sociedade
n.1, ago. 1992. p.69 a 87.
COUTINHO, Luciano G.,e FERRAZ, João Carlos (coords.). Estudo da
competitividade da Indústria Brasileira. Campinas : Papirus Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1994. 510p.
DRUCKER, Peter. Além da Revolução da Informação. HSM Management nº 18,
janeiro-fevereiro 2000. p. 48 a 55
LICHA, Antônio Luis. Evolução de regimes institucionais. Rio de Janeiro: UFF,
l996. 40p. (mimeo.)
OHNO, Taiichi. O Sistema Toyota de Produção - Além da Produção em Larga
Escala. Porto Alegre, Bookman Companhia Editora, 1997. 137p.
OREIRO, José Luis. Alta performance ou produção em massa flexível os casos da
Alemanha e do Reino Unido. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 1995. 8p. (mimeo.)
154
Carlos Artur Krüger Passos
PASSOS, Carlos Artur Krüger; Sistemas Locais de Inovação : o caso do Paraná. p
335 a 372, IN :- Globalização & Inovação Localizada : Experiências de Sistemas Locais
no Mercosul; CASSIOLATO, José Eduardo e LASTRES, Helena Maria Martins (Eds.).
Brasília, DF, IBICT/MCT, 1999. 799 p.
PASSOS, Carlos Artur Krüger; Novos Modelos de Gestão e as Informações. p 58 a
83, IN :- Informação e Globalização na Era do Conhecimento; LASTRES, Helena Maria
Martins, ALBAGLI, Sarita (Orgs.). Rio de Janeiro, Editora Campus, 1999. 318 p.
PORTER, Michael E. Clusters and the New Economics of Competition. Harvard
Business Review, november-december 1998. p. 77 a 90.
Produtividade : a Chave do Desenvolvimento Acelerado no Brasil; McKinsey Global
Institute, Relatório de Pesquisa, São Paulo, março de 1998, mimeo, (versão integral e
versão resumida)
SHINGO, Shigeo. O Sistema Toyota de Produção do Ponto de Vista da Engenharia
de Produção. Porto Alegre, Bookman Companhia Editora Ltda, 1996. 291 p.
SHINGO, Shigeo. Sistemas de Produção com Estoque Zero. Porto Alegre, Bookman
Companhia Editora Ltda, 1996. 380 p
WOMACK, J.P.; JONES, D.T.; ROOS, D. A Máquina que Mudou o Mundo. Rio de
Janeiro, Editora Campus, 1992. 347p.
WOMACK, J.P.; JONES, D.T. A Mentalidade Enxuta nas Empresas - Elimine os
Desperdícios e Crie Riqueza. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1998. 427p.
Resumo
Este artigo aponta as razões pelas quais a postura nacional mais correta é agir de
forma pró-ativa na transformação do aparelho produtivo visando maior produtividade e
competitividade, face aos desafios postos pela globalização. Isto exigirá abandonar os
antigos modelos “fordistas-tayloristas” por métodos de produção baseados na cooperação
para criar ambientes inovativos. Com base no “toyotismo”, as empresas aplicam diversas
tecnologias de base microeletrônica conectadas com técnicas de gestão inovadoras, com
um método cujo eixo central reside na mobilização dos agentes através de um ambiente de
cooperação intra e inter empresas. Analisa-se no texto as dificuldades para se efetivar tais
mudanças nas empresas brasileiras, em termos macro e microeconômicos. Explicita-se o
porque, nas circunstâncias atuais, a adoção de um modelo de gestão inovação como
atributo central, ultrapassa o simples interesse dos empresários e torna-se uma questão
estratégica nacional.
Abstract
The reasons by which the correct nactional posture in this article is to act in a proactive form in the transformation of the productive aparatus seeking a better productivity
and competitiveness, having all challenges set by the globalization phenomenon.
This will implicate in the abandoning of the old models “fordists-taylorists” by means
of production based on cooperation to create new ambiances. Having the “toyotist” model,
these companies use diverse technologies based on microelectronic connections with
management innovative tecniches, with a method that uses as its core the agents mobilization
through intra and inter cooperation of the companies.
In this paper the difficulties to modify brazilian companies are analized in macro and
microeconomical terms. Putting in evidence why, in actual circunstances, the adoption of
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
155
this pattern that has innovation as a key player, is outdating the simple interest of
entrepreneurs and turning this issue into a national strategy.
O Autor
Economista graduado pela UFPR. Mestre em Teoria Econômica pela Universidade
Estadual de Campinas - UNICAMP. Doutor em Sócio-Economia do Desenvolvimento
pela Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne. Prof. do Mestrado em Tecnologia do
CEFET-PR. Prof. do Mestrado em Desenvolvimento Econômico da UFPr. Ex-Secretário
do Planejamento e Coordenação Geral do Governo do Estado do Paraná. Ex-DiretorPresidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). @
E-mail <[email protected]>
156
Carlos Artur Krüger Passos
Ciência, Tecnologia & Sociedade
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
157
Inovação na Era do
Conhecimento1
CRISTINA LEMOS2
O contexto atual se caracteriza por mudanças aceleradas nos
mercados, nas tecnologias e nas formas organizacionais, e a capacidade
de gerar e absorver inovações vem sendo considerada, mais do que
nunca, crucial para que um agente econômico se torne competitivo.
Entretanto, para acompanhar as rápidas mudanças em curso, torna-se
de extrema relevância a aquisição de novas capacitações e
conhecimentos, o que significa intensificar a capacidade de indivíduos,
empresas, países e regiões de aprender e transformar este aprendizado
em fator de competitividade para os mesmos. Por este motivo, vem-se
denominando esta fase como a da Economia Baseada no Conhecimento
ou, mais especificamente, Baseada no Aprendizado.
Apesar de muitos considerarem, atualmente, que o processo de
globalização e a disseminação das tecnologias de informação e
comunicação, permitem a fácil transferência de conhecimento, observase que, ao contrário desta tese, apenas informações e alguns
conhecimentos podem ser facilmente transferíveis. Elementos cruciais
do conhecimento, implícitos nas práticas de pesquisa, desenvolvimento
e produção, não são facilmente transferíveis espacialmente, pois estão
enraizados em pessoas, organizações e locais específicos. Somente os
que detêm este tipo de conhecimento, podem ser capazes de se adaptar
às velozes mudanças que ocorrem nos mercados e nas tecnologias e gerar
inovações em produtos, processos e em formas organizacionais. Desta
forma, se torna um dos limites mais importantes à geração de inovação
por parte de empresas, países e regiões o não compartilhamento destes
conhecimentos que permanecem específicos e não transferíveis.
Assim, enormes esforços vêm sendo realizados para tornar novos
conhecimentos apropriáveis, bem como para estimular a interação entre
os diferentes agentes econômicos e sociais para a sua difusão e
conseqüente geração de inovações. Reconhece-se, portanto, no contexto
Este artigo foi originalmente publicado em: Lastres, Helena M. M. e Albagli, Sarita Informação e Globalização na Era do Conhecimento, Rio de Janeiro, Editora Campus Ltda.
(www.campus.com.br), capítulo 5, pp. 12 –144, 1999.
1
A autora agradece a valiosa contribuição de Helena M. M. Lastres para a elaboração deste
artigo.
2
158
Cristina Lemos
atual de intensa competição, que o conhecimento é a base fundamental
e o aprendizado interativo é a melhor forma para indivíduos, empresas,
regiões e países estarem aptos a enfrentar as mudanças em curso,
intensificarem a geração de inovações e se capacitarem para uma
inserção mais positiva nesta fase.
Este artigo objetiva identificar as principais alterações no
entendimento do processo inovativo, e as formas de inovação
características da atual fase. Para tal, na seção 2, abordam-se os principais
elementos do processo inovativo, sua natureza e fontes, bem como os
conhecimentos necessários para sua geração. São discutidos, na seção
3, aspectos do que vem sendo apontado como a Economia Baseada no
Conhecimento, e posteriormente, na seção 4, as mudanças mais recentes
na dinâmica de geração e aquisição destes conhecimentos e as tendências
de intensificação de sua codificação. Objetiva-se enfocar, na seção 5, a
relevância do aprendizado como processo central para a inovação e, na
seção 6, os novos formatos organizacionais que vêm sendo considerados
como mais adequados para se participar deste processo. Na seção 7,
apresentam-se argumentos sobre a importância de sistemas locais na
geração de inovação. Discutem-se, na seção 8, as alterações por que vêm
passando políticas de promoção de inovações e, por fim, na conclusão,
argumenta-se que, se houve uma mudança na compreensão deste
processo, é necessário que as novas políticas reconheçam e incorporem
tais alterações, reformulando seus formatos e objetivos.
NOVOS ELEMENTOS NO PROCESSO DE INOVAÇÃO
No âmbito da economia, ao longo deste século, muito vem se
discutindo sobre a inovação, sua natureza, características e fontes, com
o objetivo de buscar uma maior compreensão de seu papel frente ao
desenvolvimento econômico, ressaltando-se como marco fundamental
a contribuição de Joseph Schumpeter, na primeira metade deste século,
que enfocou a importância das inovações e dos avanços tecnológicos no
desenvolvimento de empresas e da economia.
De forma genérica, as inovações podem ser radicais ou incrementais.
Pode-se entender a inovação radical como o desenvolvimento e
introdução de um novo produto, processo ou forma de organização da
produção inteiramente nova. Este tipo de inovações pode representar
uma ruptura estrutural com o padrão tecnológico anterior, originando
novas indústrias, setores, mercados. Também significam redução de
custos e aumento de qualidade em produtos já existentes. Algumas
importantes inovações radicais, que causaram impacto na economia e
na sociedade como um todo e alteraram para sempre o perfil da
economia mundial, podem ser lembradas, como por exemplo, a
introdução da máquina a vapor, no final do século XVIII, ou o
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
159
desenvolvimento da microeletrônica, a partir da década de 1950 do atual
século. Estas e algumas outras inovações radicais impulsionaram a
formação de padrões de crescimento, com a conformação de paradigmas
tecno-econômicos (Freeman, 1988).
As inovações podem ser ainda de caráter incremental, referindose a introdução de qualquer tipo de melhoria em um produto, processo
ou organização da produção dentro de uma empresa, sem alteração na
estrutura industrial (Freeman, 1988). Inúmeros são os exemplos de
inovações incrementais, muitas delas imperceptíveis para o consumidor,
podendo gerar crescimento da eficiência técnica, aumento da
produtividade, redução de custos, aumento de qualidade e mudanças
que possibilitem a ampliação das aplicações de um produto ou processo.
A otimização de processos de produção, o design de produtos ou a
diminuição na utilização de materiais e componentes na produção de
um bem podem ser consideradas inovações incrementais.
Até pouco tempo, era grande a rigidez para caracterizar o processo
de inovação, suas fontes de geração e formas como se realiza e difunde.
Evidentemente que a compreensão do processo de inovação está
estreitamente influenciada pelas características dominantes de contextos
histórico-econômicos específicos. Atualmente, aspectos negligenciados
por não terem relevância nos períodos em questão começam a ser
plenamente reconhecidos como de papel fundamental para o êxito do
processo inovativo. À medida em que melhor se conhecem as
especificidades da geração e difusão de inovação, mais se sabe sobre sua
importância para que empresas e países reforcem sua competitividade
na economia mundial.
Cabe ressaltar que, em correntes tradicionais da economia, ainda
hoje existem dificuldades de análise do processo inovativo. Estas
vertentes, em geral, consideram a tecnologia como um fator exógeno à
dinâmica econômica, que se encontra facilmente disponível e transferível
a qualquer agente econômico. Consideram, ainda, que processo inovativo
é igual para estes agentes, independentemente do seu tipo, setor, estágio
de capacitação tecnológica, local ou país em que está localizado.
Diferentemente desse enfoque, destacam-se, neste capítulo a
abordagem neo-schumpeteriana que aponta para uma estreita relação
entre crescimento econômico e as mudanças que ocorrem com a
introdução e disseminação de inovações tecnológicas e organizacionais.
Compreende-se, sob este ponto de vista, que os avanços resultantes de
processos inovativos são fator básico na formação dos padrões de
transformação da economia, bem como de seu desenvolvimento de longo
prazo.
160
Cristina Lemos
Entretanto, reconhece-se que o entendimento existente sobre a
natureza das inovações e seus efeitos sobre o crescimento econômico
são ainda limitados. A busca de uma maior compreensão deste processo
levou ao notável crescimento dos estudos nesta área, ao longo das últimas
décadas. À medida em que se intensificaram formas anteriormente não
sistematizadas no estudo do processo inovativo, novos aspectos puderam
ser incorporados ao quadro de referência anterior.
Desta forma, noções lineares sobre o processo inovativo – como
aquelas que o tratavam como resultado das atividades realizadas na
esfera da ciência, que evoluiria unidirecionalmente para a tecnologia,
até chegar à produção e ao mercado – já não se colocam mais no centro
do debate. Adicionalmente, na mesma medida que a ciência não pode
ser considerada como fonte absoluta de inovações, também as demandas
que vêm do mercado não devem ser tomadas como o único elemento
determinante do processo de inovação, como apresentavam teses
contrárias3 .
Quando se aceita a existência de uma estrutura complexa de
interação entre o ambiente econômico e as direções das mudanças
tecnológicas, deixa-se de compreender o processo de inovação como um
processo que evolui da ciência para o mercado, ou como seu oposto, que
o mercado é a fonte das mudanças. Os diferentes aspectos da inovação
a tornam um processo complexo, interativo e não linear. Combinados,
tanto os conhecimentos adquiridos com os avanços na pesquisa científica,
quanto as necessidades oriundas do mercado levem a inovações em
produtos e processos e a mudanças na base tecnológica e organizacional
de uma empresa, setor ou país, que podem se dar tanto de forma radical
como incremental.
Longe de ser linear, o processo inovativo se caracteriza por ser
descontínuo e irregular, com concentração de surtos de inovação, os quais
vão influenciar diferentemente os diversos setores da economia em
determinados períodos. Além de não obedecer a um padrão linear,
contínuo e regular, as inovações possuem também um considerável grau
de incerteza, posto que a solução dos problemas existentes e as
consequências das resoluções são desconhecidas a priori. Revelam, por
outro lado, um caráter cumulativo, tendo em vista que a capacidade de
uma empresa realizar mudanças e avanços, dentro de um padrão
estabelecido, é fortemente influenciada pelas características das
tecnologias que estão sendo utilizadas e pela experiência acumulada no
passado (Dosi, 1988).
Para detalhes sobre a crítica ao modelo linear e o longo debate acerca dos argumentos de
science ou technology-push e demand ou market-pull, ver, entre outros, Freeman, 1988; Lastres,
1993; e Lemos, 1996.
3
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
161
Com a maior compreensão sobre a natureza e as fontes de geração
de inovações, flexibilizou-se a abrangência de sua definição e ampliouse o leque de atividades consideradas como de inovação. De forma geral,
considera-se, atualmente, que a mesma envolve diferentes etapas no
processo de obtenção de um produto até o seu lançamento no mercado.
Não significa algo necessariamente inédito, nem resulta somente da
pesquisa científica. Não se refere apenas a mudanças na tecnologia
utilizada por uma empresa ou setor, mas inclui também mudanças
organizacionais, relativas às formas de organização e gestão da produção.
A definição de inovação que vem sendo mais comumente utilizada
caracteriza-a, portanto, como a busca, descoberta, experimentação,
desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, processos e novas
técnicas organizacionais (Dosi, 1988). Objetivando apontar para as
possibilidades de inovação em países em desenvolvimento, Mytelka
(1993) desfaz a noção de que inovação deve ser algo absolutamente novo
no mundo e colabora para a sua compreensão, ao focar a inovação sob
o ponto de vista do agente econômico que a está implementando. Assim,
considera inovação o processo pelo qual produtores dominam e
implementam o projeto e produção de bens e serviços que são novos
para os mesmos, a despeito de serem ou não novos para seus concorrentes
- domésticos ou estrangeiros.
Importante também foi o entendimento de que cada uma das fontes
de geração de inovações – baseadas na ciência, ou na experiência
cotidiana de produção, design, gestão, comercialização e marketing dos
produtos – pode ter maior relevância e impacto distinto para o processo,
dependendo sobremaneira da estrutura e tipo da empresa, dos setores e
países em questão. Está também relacionada à natureza da inovação, se
se refere a aperfeiçoamentos ou se representa rupturas nos sistemas
tecnológicos, ou seja, se são inovações incrementais ou radicais.
Da mesma forma, cada uma destas fontes de inovação vai ser em
maior ou menor grau prevalecente, dependendo do estágio em que se
encontra o paradigma. Na emergência de um paradigma, quando novas
tecnologias surgem com mais intensidade, parece ser mais evidente que
as fontes baseadas em conhecimentos científicos possuem papel
fundamental para a introdução de inovações de cunho mais radical. Já
em sua maturidade, quando as tecnologias já estão dominadas, as fontes
relacionadas a conhecimentos adquiridos com a experiência da empresa
se tornam mais e mais importantes para que as firmas estejam aptas a
gerar aperfeiçoamentos e obter inovações incrementais (Freeman, 1988).
Assim, é necessário considerar que uma empresa não inova sozinha,
pois as fontes de informações, conhecimentos e inovação podem se
localizar tanto dentro, como fora dela. O processo de inovação é, portanto,
162
Cristina Lemos
um processo interativo, realizado com a contribuição de variados agentes
econômicos e sociais que possuem diferentes tipos de informações e
conhecimentos. Esta interação se dá em vários níveis, entre diversos
departamentos de uma mesma empresa, entre empresas distintas e com
outras organizações, como aquelas de ensino e pesquisa. O arranjo das
várias fontes de idéias, informações e conhecimentos passou, mais
recentemente, a ser considerado uma importante maneira das firmas se
capacitarem para gerar inovações e enfrentar mudanças, tendo em vista
que a solução da maioria dos problemas tecnológicos implica no uso de
conhecimento de vários tipos.
Observa-se que a emergência do atual paradigma, baseado nas
novas tecnologias de informação e comunicação, que possibilitou uma
transformação radical nas formas de comunicação e de troca de
informações, colocou em relevo as características elencadas acima, ou
seja, a importância das diferentes fontes de inovação e da interação entre
as mesmas. Contribuiu, ainda, para compreender que estes aspectos do
processo de inovação sempre estiveram presentes mas, no atual contexto,
são mais do que nunca condição necessária para a geração de inovações.
O fato é que o processo de inovação aumentou consideravelmente sua
velocidade nas últimas décadas. A aceleração da mudança tecnológica
é de tal ordem, que se nota uma alteração radical no uso do tempo na
economia, com uma crescente redução do tempo de produção de bens –
por meio da utilização das novas tecnologias, formas organizacionais e
técnicas de gestão da produção – e também de consumo dos bens – com
a planejada diminuição do tempo de vida dos produtos. A necessidade
de colaboração, mesmo para grandes conglomerados, torna-se, portanto,
muito maior, para que se possa acompanhar o ritmo destas mudanças e
não ficar para trás. Desta forma e que se observa a crescente articulação
dentro das empresas e entre estas e outras organizações, em especial, as
instituições de pesquisa.
A ECONOMIA BASEADA NO CONHECIMENTO E NO APRENDIZADO
Desde o pós-guerra, vem se reconhecendo, paulatinamente, que a
produtividade e competitividade dos agentes econômicos depende cada
vez mais da capacidade de lidar eficazmente com a informação para
transformá-la em conhecimento. Uma grande e crescente proporção da
força de trabalho passou a estar envolvida na produção e distribuição
de informações e conhecimento e não mais na produção de bens
materiais, gerando reflexos no crescimento relativo do setor de serviços,
frente ao industrial. Desta forma, apontou-se para uma tendência de
aumento da importância dos recursos intangíveis na economia –
particularmente nas formas de educação e treinamento da força de
trabalho e do conhecimento adquirido com investimento em pesquisa e
desenvolvimento.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
163
A emergência do atual paradigma intensificou a relevância destas
características e a importância dos recursos intangíveis na economia.
As tecnologias de informação e comunicação propiciam o
desenvolvimento de novas formas de geração, tratamento e distribuição
de informações. Através de ferramentas de base eletrônica que
diminuíram enormemente o tempo necessário para comunicação,
transformam-se as formas tradicionais de pesquisa, desenvolvimento,
produção e consumo da economia, facilitando e intensificando a muito
rápida ou instantânea comunicação, processamento, armazenamento e
transmissão de informações em nível mundial a custos decrescentes. Três
aspectos devem ser destacados no que se refere a estas novas tecnologias.
O primeiro são os avanços observados na microeletrônica – que
tiveram como consequências de maior impacto para a economia e para
sociedade o desenvolvimento do setor de informática e a difusão de
microcomputadores e de softwares que vêm englobando grande parte
das tarefas que anteriormente eram realizadas pelo trabalho humano
direto. O segundo se refere aos avanços nas telecomunicações. A
introdução e disseminação de algumas das novas tecnologias, como por
exemplo, as comunicações via satélite e a utilização de fibras óticas,
revolucionaram os sistemas de comunicação. Por fim, a convergência
entre estas duas bases tecnológicas, permitiu o acelerado
desenvolvimento dos sistemas e redes de comunicação eletrônicos
mundiais.
A difusão dessas novas tecnologias permitiu a expansão das relações
e da troca de informações possibilitando a interação entre diferentes
unidades dentro de uma empresa – como a pesquisa, engenharia, design
e produção – e fora dela, com outras empresas ou outros agentes que
detenham distintos tipos de conhecimentos. A incorporação de
ferramentas, cada vez mais velozes e de menor custo, se dá em todos os
setores da economia, permitindo acesso a informações como nunca foi
possível e, para aqueles que concentram esforços na aquisição de
conhecimentos, uma maior capacidade de gerar alternativas tecnológicas.
Estas tecnologias alteraram radicalmente os padrões até então
estabelecidos e vêm exercendo uma influência decisiva em inúmeros
aspectos das esferas sócio-econômico-político-cultural. Assim é que se
considera que as mesmas são a base técnica do que vem sendo chamado
por alguns autores de “revolução informacional”, que contribui para a
conformação de uma nova Era, Sociedade ou Economia da Informação,
do Conhecimento ou do Aprendizado, conforme a maior ênfase que se
considere que deve ser dada a um destes aspectos (Lojkine, 1995; Castells,
1997; Foray e Lundvall, 1996; Lundvall e Borrás, 1998; e Cassiolato e
Lastres, 1999, entre outros).
164
Cristina Lemos
A despeito da atual maior visibilidade das informações, alguns
autores argumentam que esta fase se caracteriza pelo fácil acesso às
informações, mas ponderam que o conhecimento é central, e sem ele
não é possível decodificar o conteúdo das informações e transformá-las
em conhecimento. Assim, preferem se referir a mesma como a Economia
Baseada no Conhecimento.
A ênfase no conhecimento deve-se, também, ao fato de que as
tecnologias líderes desta fase são resultado de enormes esforços de
pesquisa e desenvolvimento. As altas taxas de inovações e mudanças
recentes implicam, assim, em uma forte demanda por capacitação para
responder às necessidades e oportunidades que se abrem. Exigem, por
sua vez, novos e cada vez maiores investimentos em pesquisa,
desenvolvimento, educação e treinamento. Argumenta-se, desta forma,
que os instrumentos disponibilizados pelo desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação – equipamentos, programas e
redes eletrônicas de comunicação mundiais – podem ser inúteis se não
existir uma base capacitada para utilizá-los, acessar as informações
disponíveis e transformá-las em conhecimento e inovação.
Na atual fase, na qual se destacam dois fenômenos
interrelacionados, o processo de aceleração das inovações e a globalização
em curso, aparentemente a disponibilização de meios técnicos que
possibilitam o acesso a informações, torna o conhecimento transferível
para todos. Nota-se que os conhecimentos envolvidos na geração de
inovações podem ser tanto codificados como tácitos, públicos ou privados
e vêm se tornando cada vez mais interrelacionados. A informação e o
conhecimento codificado podem ser facilmente transferidos através do
mundo, mas o conhecimento que não é codificado, aquele que permanece
tácito, só se transfere se houver interação social, e esta se dá de forma
localizada e enraizada em organizações e locais específicos.
Assim, para se entender a formação do conhecimento, deve-se ter
em conta as especificidades das relações estabelecidas dentro das firmas
e entre diferentes firmas e outros agentes econômicos e sociais, as
características das relações industriais em nível local, nacional e regional,
além de outros fatores institucionais, que evidentemente contribuem para
compreensão das diferenças nas formas de aquisição de conhecimento e
na capacidade inovativa de cada um destes níveis.
A relevância do conhecimento como base da inovação e recurso
fundamental desta fase impõe a exploração e interação das mais
diferentes fontes para sua obtenção. Com todos os recursos disponíveis
atualmente e com a rapidez com que as mudanças vêm se dando, há
uma exigência crescente de combinação de fontes informação e
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
165
conhecimento, facilitada por estes recursos. Isto levou a um crescimento
substancial do grau de interação entre organizações.
Neste sentido, muitos autores vêm reconhecendo, no período atual
de mudança radical, que o conhecimento e o aprendizado possuem papel
chave e afetam a economia e a sociedade como um todo. Dentre aqueles
que argumentam que tais mudanças se dão no modo de geração e difusão
de conhecimento, nas fontes de crescimento e de competitividade e nos
processos de aquisição de capacitação, incluem-se Foray e Lundvall
(1996), os quais destacam especialmente a mudança na dinâmica de
formação do conhecimento, a aceleração do processo de aprendizado
interativo e a crescente importância das redes de cooperação, pontos
que serão abordados mais detalhadamente nas próximas seções.
MUDANÇA NA DINÂMICA DO CONHECIMENTO
Conforme apontado anteriormente, as mudanças características do
novo paradigma imprimiram uma nova dinâmica nas formas de geração
e aquisição de conhecimento e com mudanças nas relações entre
conhecimento tácito e codificado. Visando maiores chances de
apropriação do conhecimento, vem se notando uma necessidade
intensificada de capacitação e expansão das fronteiras do conhecimento
codificado.
A tendência a uma codificação crescente do conhecimento,
relaciona-se fundamentalmente às velozes mudanças na geração desse
conhecimento e de inovações. O processo de codificação do
conhecimento vem sendo intensificado, em última instância, para dotar
o conhecimento de novos atributos que o tornem similares aos bens
tangíveis e convencionais, aproximando-o de uma mercadoria,
objetivando facilitar sua apropriação para uso privado ou
comercialização. Transformando-se em uma mercadoria com
características bastante específicas, o conhecimento codificado como
informação permite ser armazenado, memorizado, transacionado e
transferido, além de poder ser reutilizado, reproduzido e comercializado
indefinidamente, a custos extremamente baixos. Assim é que se
argumenta sobre uma tendência à expansão cumulativa da base de
conhecimentos codificados (Cowan e Foray, 1998).
Para melhor definição da relação entre os dois tipos de
conhecimento, cabe salientar que conhecimento codificado refere-se ao
conhecimento que pode ser transformado em uma mensagem, podendo
ser manipulado como uma informação. Atualmente, é grande a facilidade
de transferência do conhecimento codificado, por meio de ferramentas
como as mencionadas anteriormente. Conhecimento tácito, por seu
turno, é o conhecimento que não pode ser explicitado formalmente ou
166
Cristina Lemos
facilmente transferido, refere-se a conhecimentos implícitos a um agente
social ou econômico, como as habilidades acumuladas por um indivíduo,
organização ou um conjunto delas, que compartilham de atividades e
linguagem comum. Não está disponível no mercado para ser vendido
ou comprado e requer um tipo específico de interação social, similar ao
processo de aprendizado, para que seja transferido (Lundvall e Borrás,
1998; e Cowan e Foray, 1988).
Alerta-se, entretanto, para os limites inerentes ao processo de
codificação do conhecimento. Não se deve supor que todo conhecimento
tácito tende a ser codificado e que os dois tipos de conhecimento podem
ser tratados de forma substitutiva ou excludente. Tal alerta mostra-se
importante porque alguns autores tendem a considerar, atualmente, que
se verifica um aumento relativo do estoque de conhecimento codificado
frente ao de conhecimento tácito, o que conduziria em última instância
à codificação completa do conhecimento. Entretanto, existem poucas
evidências empíricas que comprovem a alteração da proporção de cada
um dos dois tipos no estoque total de conhecimento.
Em direção contrária à assertiva de que a codificação pode atingir
todo tipo de conhecimento tácito, considera-se que o processo de
codificação nunca será completo, “...car la codification n´offre que des
solutions incomplètes à l´expression de la conaissance” (Cowan e Foray, 1998:
315). Isto significa que toda codificação de um conhecimento é
acompanhada de criação equivalente na base do conhecimento tácito.
Ambos os conhecimentos, tácito e codificado, devem ser tratados como
complementares, pois sempre haverá alguma forma de conhecimento
tácito específico implícita nas práticas comuns a cada firma, setor ou
região. Ou seja, ao mesmo tempo em que se observa uma expansão
cumulativa na base do conhecimento codificado, esta codificação será
sempre incompleta, pois intensifica-se a importância e irredutibilidade
do conhecimento tácito como recurso fundamental, que permanece na
esfera de indivíduos e empresas específicas.
Apesar de ser permanentemente vital na inovação, o conhecimento
tácito, por suas características bastante peculiares, só é compartilhado
através da interação humana, nas relações realizadas entre indivíduos
ou organizações em ambientes com dinâmica específica, o que, em última
instância, torna a inovação localizada e restrita ao âmbito dos agentes
envolvidos. A capacitação necessária para compreender e usar os códigos
locais pode se dar somente com sua inserção nas redes de relações para
participação do processo de aprendizado interativo.
O sucesso de alguns arranjos produtivos com concentração
geográfica, como os distritos industriais que apresentam forte dinâmica,
ilustra sobremaneira tal consideração. Os agentes de tais arranjos detêm
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
167
um considerável estoque de conhecimento tácito, que circula eficazmente
para a difusão de conhecimento local, com custos extremamente baixos.
Não existe necessidade de uma intensificação da codificação dos mesmos,
muitas vezes porque atuam no mesmo setor, conjunto de tecnologias,
conhecimentos ou cadeia produtiva, compartilhando dos mesmos
recursos e capacitações. A codificação do conhecimento nestes tipos de
arranjo, por seu turno, é também relacionada aos contextos específicos
onde se compartilham códigos, linguagem comum, identidade, confiança
e conhecimentos tácitos necessários para a interpretação precisa da
mensagem codificada.
Neste sentido, o acesso aos conhecimentos específicos de uma firma,
arranjo ou setor pode explicar em larga medida a intensificação dos
esforços para a formação de redes de cooperação no contexto atual,
objetivando a criação de uma interação positiva para a absorção dos
conhecimentos tácitos existentes.
Chega-se, portanto, a uma importante observação para
compreensão das formas de geração e difusão de conhecimento.
Atualmente existem possibilidades concretas de acesso e transferência
de informações/conhecimento codificado, propiciadas pelas novas
tecnologias de informação e comunicação. Entretanto, estas
possibilidades não são distribuídas equanimemente para todos, com
informações acessíveis para qualquer empresa, setor, país ou região. Por
outro lado, o acesso à informações/conhecimento codificado não é
suficiente para que um indivíduo, empresa, país ou região se adapte às
condições técnicas e de evolução do mercado. É crucial que estes agentes
mantenham interação social com outros. As mudanças são muito rápidas
e somente aqueles que estão envolvidos na criação do conhecimento
possuem possibilidades reais de acesso aos seus resultados.
Ressalta-se que apenas poucas empresas ou países no mundo
concentram as maiores taxas de investimento na geração de
conhecimento – traduzido em atividades de pesquisa, desenvolvimento,
educação e treinamento – e de inovações e, portanto, a maior
participação no ambiente competitivo mundial, enquanto outros
permanecem marginais a este processo. Além disso, cada vez mais os
investimentos em capacitação para participar da Economia do
Conhecimento se tornam maiores, dificultando ainda mais a entrada de
empresas e países distantes deste processo.
O PROCESSO DE APRENDIZADO INTERATIVO
168
Cristina Lemos
Conforme já argumentado, crescentemente se reconhece a
importância do aprendizado contínuo e interativo no processo de
inovação. Ao mesmo tempo em que isso se verifica, as características já
ressaltadas do atual paradigma – baseado fortemente no conhecimento
e com mudanças extremamente rápidas – impõem uma maior
intensificação deste aprendizado. A existência de uma capacitação
adequada através de aprendizado constante é necessária para
enfrentamento das mudanças e isso se dá de forma mais completa com
a interação para a troca de informações, conhecimento codificado e tácito
e a realização de atividades complementares entre eles.
O processo de geração de conhecimentos e de inovação vai implicar,
portanto, no desenvolvimento de capacitações científicas, tecnológicas
e organizacionais e esforços substanciais de aprendizado com experiência
própria, no processo de produção (learning-by-doing), comercialização e
uso (learning-by-using); na busca incessante de novas soluções técnicas
nas unidades de pesquisa e desenvolvimento ou em instâncias menos
formais (learning-by-searching); e na interação com fontes externas, como
fornecedores de insumos, componentes e equipamentos, licenciadores,
licenciados, clientes, usuários, consultores, sócios, universidades,
institutos de pesquisa, agências e laboratórios governamentais, entre
outros (learning-by-interacting).
Conforme salientado anteriormente, o reconhecimento das diversas
fontes de conhecimento foi muito importante para a compreensão da
forma como é conduzido o processo inovativo. Como resultado, uma
das importantes percepções atuais é que o processo inovativo é um
processo de interação de natureza social. O grau de interação com que
se dá o aprendizado vai variar conforme os agentes envolvidos, o tipo
de relação que mantêm entre si, a existência de linguagem comum,
identidades, sinergias, confiança, assim como o ambiente em que se
inserem.
No momento atual, caracterizado por uma competição que não se
dá apenas via preços, o mais importante não é apenas ter acesso a
informação ou possuir um conjunto dado de habilidades, mas
fundamentalmente ter capacidade para adquirir novas habilidades e
conhecimentos (learnig-to-learning). Isto se traduz na capacidade de
aprender e de transformar o aprendizado em fator competitivo. Ou seja,
na possibilidade de constante reconstrução das habilidades dos
indivíduos e das competências tecnológica e organizacional da firma
(Lundvall e Borrás, 1998). O aprendizado é importante tanto para se
adaptar às rápidas mudanças nos mercados e nas condições técnicas,
como também para gerar inovações em produtos, processos e em formas
organizacionais.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
169
Argumenta-se que o conhecimento é o principal recurso e o
aprendizado o processo central desta fase. Assim, na Economia Baseada
no Conhecimento, a preocupação com o processo de aprendizado se
torna ainda mais crucial, tanto que alguns autores denominam o atual
período mais precisamente como da Economia Baseada no Aprendizado
(Lundvall e Borrás, 1998; Cassiolato e Lastres, 1999).
Conforme já mencionado, o destaque a cada um destes aspectos
pode variar conforme a ênfase que se propõe. Lundvall e Borrás (1998:35)
ressaltam, por exemplo, que “a razão mais fundamental da preferência
por usar a Economia do Aprendizado como conceito chave é que este
enfatiza a alta taxa de mudança econômica, social e técnica que perpassa
continuamente o conhecimento especializado (e codificado). E torna claro
que o que realmente importa para o desempenho econômico é a
habilidade de aprender (e esquecer) e não o estoque de conhecimento”.
Apesar desta discussão geralmente colocar-se para tecnologias
avançadas, em grandes corporações e países desenvolvidos, aponta-se
para a importância do aprendizado também em empresas ou países que
se concentram em atividades tradicionais e de baixo conteúdo
tecnológico. Desta forma, deve-se evitar a crença que em setores menos
intensivos em conhecimento, o processo de aprendizado deve ser
negligenciado. Pelo contrário, em todos os setores da economia existem
possibilidades de aprendizado, aperfeiçoamentos e mudanças.
NOVOS FORMATOS ORGANIZACIONAIS
Da mesma forma que se identificam os principais recursos e
processos, podem ser também apontados os formatos dominantes na
atual fase. Assim, e como uma decorrência da discussão travada acima,
vem se considerando a formação de redes como o formato organizacional
mais adequado para promover o aprendizado intensivo para a geração
de conhecimento e inovações.
Até há pouco tempo, as análises econômicas relativas a atividades
inovativas se concentravam no estudo de inovações individuais e
específicas. Somente a partir de meados da década de 80, intensificaramse as investigações de formatos organizacionais forjados para enfrentar
inovações.
Duas especificidades passaram a ser consideradas elementos de
influência no desenvolvimento econômico e na sua capacidade de
inovação: (i) os variados formatos organizacionais em redes para
promoção da interação entre diferentes agentes, nos quais mencionam-
170
Cristina Lemos
se, entre outros, alianças estratégicas, arranjos locais de empresas, clusters
e distritos industriais, e (ii) o ambiente onde estes se estabelecem.
Indica-se uma tendência crescente de constituição de formatos
organizacionais específicos entre diferentes tipos de agentes sociais e
econômicos, em ambientes propícios para a geração de inovações,
envolvendo desde etapas de pesquisa e desenvolvimento e produção,
até a comercialização. Tais formas de interação vêm interligando as
diversas unidades dentro de uma empresa, bem como articulam
diferentes empresas e outros agentes – destacando-se, particularmente,
instituições de ensino e pesquisa, organismos de infra-estrutura, apoio e
prestação de serviços e informações tecnológicas, governos locais,
regionais e nacionais, agências financiadoras, associações de classe,
fornecedores de insumos, componentes e tecnologias e clientes – visando
promover uma fertilização cruzada de idéias, responder e se adequar às
rápidas alterações, com a promoção de mudanças e aperfeiçoamentos
nas estruturas de pesquisa, produção e comercialização.
Estes novos formatos são vistos, portanto, como a forma mais
completa para permitir a interação e o aprendizado, assim como a
geração e troca de conhecimento. Alguns autores caracterizam a
formação e operação de redes como um fenômeno intimamente ligado à
emergência do sistema de produção intensivo em informação e como a
principal inovação organizacional associada ao atual paradigma
(Freeman, 1991; Lemos, 1996).
Conforme já ressaltado, com o potencial oferecido pelos novos meios
técnicos disponibilizados com as tecnologias de informação e
comunicação, intensifica-se a geração e absorção de conhecimento e as
possibilidades de implementação de inovações. As exigências de
especialização ao longo da cadeia de produção se tornam cada vez
maiores. As tecnologias estão crescentemente baseadas em diferentes
disciplinas e a maioria das empresas não possui capacitação ou recursos
para dominar toda esta variedade. As novas tecnologias acarretam,
assim, tanto os meios para a cooperação, como a necessidade de criação
de mais intensivas e variadas formas de interação e aprendizado
intensivo. A parceria é considerada uma condição para a especialização,
uma vez que capacita os agentes envolvidos para o desenvolvimento de
competências interrelacionadas e a participação em redes se torna um
imperativo para a sobrevivência das empresas.
Além disso, as redes permitem às empresas a possibilidade de
identificar oportunidades tecnológicas e impulsionar o processo inovativo.
Considerando-se a existência de dificuldades cada vez maiores de
obtenção de conhecimento e realização de pesquisa e desenvolvimento
que abranjam as mais diversas áreas, e a complementaridade tecnológica
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
171
é vista como um forte motivo de inserção em redes. Participar destas é
uma forma útil de monitorar novos desenvolvimentos e de avaliar, através
de processo de interação, outras tecnologias que não as disponíveis pela
firma, necessárias para a viabilização de uma inovação. A participação
em redes pode proporcionar um largo conjunto de experiências,
estimulando o aprendizado e gerando conhecimento coletivo, e este
aprendizado promovido entre os agentes é considerado como uma de
suas maiores contribuições.
As redes também podem enriquecer o ambiente territorial através
das oportunidades que oferecem de troca de informações, transmissão
de conhecimento explícito ou tácito, e mobilidade de competências. A
participação de variados agentes é importante para o desenvolvimento
de conhecimento conjunto, destacando-se especialmente as instituições
de ensino e pesquisa que atuam na promoção destas atividades e tem
importante papel de possibilitar a abertura da rede a um largo número
de usuários locais potenciais (Lemos, 1996).
A DIMENSÃO LOCAL DA INOVAÇÃO
Conforme salientado, o processo de inovação é atualmente
entendido como interativo, dependente das diferentes características de
cada agente e de sua capacidade de aprender a gerar e absorver
conhecimentos, da articulação de diferentes agentes e fontes de inovação,
bem como dos ambientes onde estes estão localizados e do nível de
conhecimentos tácitos existentes nestes ambientes.
A atenção que passou a ser dada ao caráter localizado da inovação
e do conhecimento surgiu, particularmente, na observação da
distribuição espacial desigual da capacidade de geração e de difusão de
inovações. Aponta-se para uma significativa concentração em nível
mundial da taxa de introdução de inovações, com algumas regiões,
setores, empresas tendendo a desempenhar o papel de principais
indutores de inovações, enquanto outras parecem ser relegadas ao papel
de adotantes.
Nesta direção, enfatiza-se a noção de que o processo inovativo e o
conhecimento tecnológico são altamente localizados. A interação criada
entre agentes econômicos e sociais localizados em um mesmo espaço
propicia o estabelecimento de significativa parcela de atividades
inovativas. Ou seja, um quadro institucional local específico que dispõe
de mecanismos particulares de aprendizado e troca de conhecimentos
tácitos pode promover um considerável processo de geração e difusão
de inovações. Assim, diferentes contextos locais com diferentes estruturas
institucionais terão processos inovativos qualitativamente diversos
(Lastres et alii, 1999).
172
Cristina Lemos
Neste sentido, cabe ressaltar formatos organizacionais baseados na
proximidade local, alguns já mencionados, como os clusters e distritos
industriais, que se baseiam em redes locais de cooperação. Estes formatos
apresentam aprendizado interativo, relevância da confiança nas relações
e as proximidades geográficas e culturais como fontes importantes de
diversidade e vantagens comparativas, assim como a oferta de
qualificações técnicas e organizacionais e conhecimentos tácitos
acumulados. O aspecto confiança, por seu turno, vem sendo apontado
como fator crítico para o estabelecimento de relações de cooperação e
interação, para que se possa superar as incertezas existentes ao longo
do processo de inovação. Ressalte-se que a confiança tem melhores
possibilidades de ser promovida em um ambiente comum de
proximidade e identidade entre os agentes, como os arranjos locais
(Saxenian, 1994).
Neste contexto, adquire especial importância a adoção do conceito
de sistemas nacionais de inovação. Desenvolvido por Lundvall (1992) e
Freeman (1995), tal conceito tem por base a consideração de que os atores
econômicos e sociais e as relações entre eles determinam em grande
medida a capacidade de aprendizado de um país e, portanto, aquela de
inovar e de se adaptar às mudanças do ambiente. Desempenhos
nacionais, relativos à inovação, derivam claramente de uma confluência
social e institucional particulares e de características histórico-culturais
específicas (Lastres et alii, 1999). Este conceito já vem sendo discutido
em níveis locais e regionais.
Os sistemas nacionais, regionais ou locais de inovação podem ser
tratados, desta forma, como uma rede de instituições dos setores público
(instituições de pesquisa e universidades, agências governamentais de
fomento e financiamento, empresas públicas e estatais, entre outros) e
privado (como empresas, associações empresariais, sindicatos,
organizações não governamentais, etc.) cujas atividades e interações
geram, adotam, importam, modificam e difundem novas tecnologias,
sendo a inovação e o aprendizado seus aspectos cruciais.
Neste sentido, o enfoque dos sistemas nacionais de inovação se
contrapõe a idéia de que a crescente globalização vem ocorrendo em
todos os níveis. Pelo contrário, dados empíricos demonstram que a geração
de inovações e de tecnologias é localizada e circunscrita às fronteiras
localizadas nacional ou regionalmente (Maldonado, 1996; Lastres, 1997).
Tendo em vista que os conhecimentos que se geram no processo inovativo
são tácitos, cumulativos e localizados, existiria um espaço importante
em nível nacional, regional ou local para o desenvolvimento de
capacitações tecnológicas endógenas. Estas capacitações são
imprescindíveis para se absorver de forma eficiente o que vem de fora e
adaptar, modificar e gerar novos conhecimentos.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
173
NOVAS ABORDAGENS PARA POLÍTICAS DE INOVAÇÕES
As considerações apontadas nas seções anteriores do capítulo
indicam que a Economia Baseada no Conhecimento ou no Aprendizado
reúne alguns elementos de extrema relevância, que devem ser
incorporados para estabelecimento de políticas de inovação alternativas.
Nesta seção, serão discutidos dois aspectos referentes a novas formulações
de políticas científicas, tecnológicas, industriais e de inovação e algumas
observações sobre o papel do Estado na condução destas políticas.
Em primeiro lugar, observa-se que políticas de promoção tenderam
tradicionalmente a focar em padrões de promoção do desenvolvimento
tecnológico de firmas ou projetos pontuais e individuais. Atualmente,
surge uma necessidade de se repensarem políticas que visam o
desenvolvimento individual de firmas, bem como de repensar as
organizações e instituições envolvidas no processo de formulação de tais
políticas, à luz das rápidas mudanças trazidas com o paradigma das
tecnologias de informação e comunicação e refletidas no próprio processo
de inovação.
É importante reconhecer que já ocorrem mudanças no foco de
políticas em alguns países4 . No âmbito destas novas políticas que vêm
sendo formuladas, nota-se uma tendência à mudança em formatos e
conteúdos. Assim, observam-se novas formas de entender políticas
científicas, tecnológicas e industriais como fazendo parte de um mesmo
conjunto, que tende a privilegiar o desenvolvimento, disseminação e uso
de novos produtos, serviços e processos. Enfatiza-se, também, o estímulo
à formação de redes de diferentes agentes para intensificar o processo
de aprendizado interativo na pesquisa, desenvolvimento, produção e
comercialização destes bens.
As políticas de inovação se tornam atualmente mais importantes
do que no passado, tendo em vista seu papel crucial para intensificar a
competitividade, através do fortalecimento da capacidade de aprender
de indivíduos e empresas. Neste sentido, um passo importante é a
incorporação do elemento aprendizado como o processo central para
capacitar um país ou região.
Amplia-se, também, a relevância para as políticas do enfoque de
sistemas nacionais, regionais ou locais de inovação, no qual é central a
noção de que o processo inovativo é localizado e, portanto, depende de
seus contextos empresarial, setorial, organizacional e institucional
Salienta-se particularmente o caso da União Européia e de seus países separadamente,
onde as políticas industriais vêm sendo reorientadas para o reforço à promoção da inovação. Para detalhes, ver Cassiolato e Lastres, 1998 e Cassiolato e Lastres, 1999.
4
174
Cristina Lemos
específicos. Nestes casos, todo o conjunto de agentes que conformam
um sistema são considerados para o incentivo ao desenvolvimento do
sistema local, regional ou nacional específico.
Em segundo lugar, observam-se, por vezes, tendências a se reduzir
o papel de promotores de políticas científica, tecnológica e de inovação
de governos nacionais ou regionais. Neste sentido, destaca-se o conflito,
por vezes existente, entre formuladores de políticas influenciados por
modelos neo-clássicos – os quais desconsideram o papel da tecnologia e
da inovação para o desenvolvimento de um país ou região – e aqueles
que enfatizam o enfoque inovativo. Muitas vezes os primeiros tendem a
negligenciar atenção a políticas inovativas e reduzir o volume de recursos
a serem aplicados nestas (Lundvall e Borrás, 1998; e Cassiolato e Lastres,
1999).
Ressalta-se também que, em face do contexto atual de acelerado
processo de globalização e das facilidades resultantes das tecnologias de
informação e comunicação, considera-se, por vezes, não ser mais
necessário o investimento de governos nacionais na promoção de
atividades de geração de conhecimento e inovação. Para os que
compartilham destes argumentos, o processo de globalização também
incluiria a geração, difusão e acesso a informações e conhecimento por
todo o mundo, uniformemente, e, portanto, não mais se fariam prementes
investimentos nestas atividades, posto que teriam seus resultados públicos
e disponíveis internacionalmente5 .
A este respeito, cabe reforçar os argumentos anteriormente
mencionados sobre as crescentes barreiras criadas ao acesso a
conhecimentos codificados e particularmente tácitos – traduzidos em
termos das necessidades de constantes investimentos em capacitação
dos indivíduos e interação social – bem como a importância particular
destes últimos para o processo de aprendizado inovativo. Ou seja,
somente aqueles que tiverem capacitação terão chances de aproveitar
as oportunidades de acesso a estas redes de conhecimentos. Evidenciase, adicionalmente, que a distribuição de conhecimento permanece
desigual entre empresas, países e regiões, sendo ainda mais relevante
que se realizem investimentos para aumentar o estoque de conhecimentos
e informações e capacitar recursos humanos para promover inovações.
A introdução do novo paradigma tecno-econômico, com altas e
velozes taxas de mudanças, aliado ao processo de globalização, incluem
novos elementos à questão da promoção de inovação. Como destacam
alguns autores, mudanças vêm ocorrendo rapidamente e para melhor
5
Para detalhes sobre este debate, ver Maldonado (1996) e Lastres (1997).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
175
inserção na Economia Baseada no Aprendizado, importa que se estimule
este processo. Neste sentido, é importante reconhecer que também a
formulação de políticas deve ser tratada como um processo de
aprendizado, pois é necessário que se compreenda e se adapte as políticas
a tais mudanças, para estabelecer diretrizes consonantes com os contextos
específicos. Para tanto, enfatiza-se a importância do aprendizado
também na formulação de políticas, direcionado tanto para as instituições
envolvidas, como para os próprios formuladores de políticas (Lundvall
e Borrás, 1998; e Cassiolato e Lastres, 1999).
CONCLUSÃO
A breve exposição das atuais características da inovação salientou:
(i) a sua importância para o sucesso de empresas e países; (ii) a necessidade
de intenso investimento em conhecimento, entendido este como o
principal recurso do atual paradigma, gerado e absorvido
particularmente por indivíduos; (iii) a relevância fundamental para sua
geração de um processo de aprendizado interativo; (iv) que é localizado
em agentes e ambientes específicos; e (v) os novos formatos
organizacionais que facilitam este aprendizado.
As mudanças que vêm sendo observadas em nível de políticas em
alguns países ou regiões do mundo, particularmente naqueles mais
desenvolvidos, foram fundamentadas no reconhecimento de como é
crucial a formulação de políticas de promoção de inovações no quadro
atual. Ainda, baseia-se na compreensão de que o processo de inovação é
um processo de aprendizado interativo, que envolve intensas articulações
entre diferentes agentes, requerendo novos formatos organizacionais em
redes. Para se estar apto a entrar nestas redes e neste novo contexto, é
fundamental o investimento na capacitação de recursos humanos,
responsáveis pela geração de conhecimentos.
O processo de aquisição de conhecimentos que possibilitem a
utilização eficiente de tecnologias é longo e difícil, mas, imprescindível.
Neste processo coletivo de aprendizagem, apesar do epicentro estar
constituído pelas empresas nos diferentes setores onde atuam, outros
atores e instituições públicas e privadas possuem importante participação.
Ressalta-se, particularmente, o papel das instituições de pesquisa e das
universidades, que fornecem a base do desenvolvimento científico e
tecnológico para a geração de conhecimentos e capacitação de pessoas.
Portanto, é necessário se compreender que mesmo sendo a empresa o
locus do processo de inovação, a mesma não inova sozinha e necessita
de articulação com os demais agentes, tendo em vista este ser um processo
interativo.
176
Cristina Lemos
No caso específico dos países em desenvolvimento, um importante
instrumento de políticas de implementação e modernização de estruturas
industriais, tradicionalmente existente nestes países, traduziu-se no
estímulo à aquisição de tecnologias por meio da sua compra,
considerando-se que seria suficiente para o desenvolvimento de uma
empresa ou setor. Entendendo-se tecnologia como conhecimento,
considera-se que ela não pode ser facilmente transferida. Conforme
apontado anteriormente, pode-se transferir ou comprar conhecimentos
codificados, mas não os tácitos e sem estes, não se tem a chave para a
decodificação dos conhecimentos adquiridos como tecnologia. Neste
sentido, reforça-se a importância dos investimentos em capacitação,
pesquisa e desenvolvimento e em particular do aprendizado,
paralelamente à importação de tecnologia, para que seja possível o
desenvolvimento tecnológico endógeno.
Cabe destacar, ainda para países em desenvolvimento como o Brasil,
que é necessário que se reconheça, primeiramente, a importância da
inovação para capacitar o país a acompanhar as mudanças em curso,
possibilitar a maior participação destes no crescimento econômico
mundial e contribuir para o seu desenvolvimento econômico e social.
Neste sentido, cabe evidenciar que, por vezes, a compreensão do
processo inovativo em países em desenvolvimento é ainda restrita. A
importância de redimensionar a definição de inovação reside na
observação de que, em países que não estão na liderança do paradigma
vigente, uma definição rígida de inovação e de seu processo limita a
abrangência de sua ação. Pode levar indivíduos, empresas, instituições
de ensino e pesquisa, governos, particularmente os formuladores de
políticas, e outros agentes sociais e econômicos envolvidos a supor que a
geração de inovações deve ser algo absolutamente novo, baseado em
tecnologias avançadas, localizado em grandes empresas, em setores de
ponta. Ao contrário disso, os esforços devem focar particularmente as
especificidades locais, incluindo também os conjuntos de empresas de
menor porte e os setores mais tradicionais, tendo em vista as possibilidades
de aprendizado e de capacitação para as mudanças que podem significar
tais investimentos.
As políticas, nesta fase de rápidas mudanças, são extremamente
importantes para adaptar e reorientar os sistemas produtivos e de
inovação a este novo contexto. As formulações de políticas devem
incorporar, não só uma maior flexibilização do que significa o processo
inovativo, como também reformular o foco de sua ação, ao privilegiar
conjuntos de indústrias e setores em articulação com outros agentes que
contribuam para o fortalecimento da capacitação tecnológica e que
podem acrescer a sua competitividade.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
177
Os desafios que se colocam são muitos e acima de tudo critica-se o
argumento de que o processo de globalização promoverá a distribuição
automática e igual do conhecimento. Este, certamente ficará restrito à
esfera de empresas, setores, países e regiões que invistam pesadamente
na capacitação de seus recursos humanos para promover um processo
de constante aprendizado interativo entre seus agentes econômicos e
sociais e a formação de um ambiente local capacitado para se adaptar
às mudanças frequentes e aumentar a sua capacidade inovativa.
BIBLIOGRAFIA
Cassiolato, J. E. e Lastres, H. M. “Inovação, Globalização e as Novas Políticas de
Desenvolvimento Industrial e Tecnológico”, in Cassiolato, J. E. e Lastres (eds) Globalização
e Inovação Localizada: Experiências de Sistemas Locais no Mercosul, IBICT/IEL, Brasília,
1999.
Cassiolato, J. E. e Lastres, H. M. (Coords.) “Novas Políticas Industriais em Países
Selecionados - Alemanha, Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Japão”,
Relatório de projeto de pesquisa apoiado pelo Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial – IEDI - IE/UFRJ, 1998.
Castells, M. The Information Age: economy, society and culture, (Blackwell, 1997).
Chudnovsky, D. ”, in Cassiolato, J. E. e Lastres (eds) Globalização e Inovação Localizada:
Experiências de Sistemas Locais no Mercosul, IBICT/IEL, Brasília, 1999.
Cohendet, P. e Llerena, P. “Learning, Technical Change, and Public Policy: how to create
and exploit diversity” in Edquist (ed.) Systems Innovation - Technologies, Institutions and
Organizations Pinter, London, 1997.
Cowan, R. e Foray, D. “Économie de la codification et de la diffusion de conaissances” in
Petit, P. (direction) L’économie de l’information – Les enseignements des théories économiques,
Collection , Édition La Découverte, Paris, 1998.
Dosi, G. ‘The nature of the innovative process in Dosi’, in G., et alii (eds), Technical Change
and Economic Theory. Pinter Publishers, London, 1988.
Dosi, G. ‘Technological paradigms and technological trajectories: a suggested interpretation
of the determinants and direcctions of technical change’. Research policy, vol. 11, 1982.
pp. 147-162.
Foray, D. e Lundvall, B., The knowledge-based economy: from the economics of
knowledge to the learning economy. OCDE, 1996.
Freeman, C., “The National System of Innovation in Historical Perspective” Cambridge
Journal of Economics, v. 19, n° 1, Feb, 1995. pp. 5-24
Freeman, C. Networks of innovators: A synthesis of research issues. Research Policy,
volume 20, number 5, October,1991. pp. 499-514.
Freeman, C. “Introduction”, in Dosi, G. , Nelson, R., Silverberg, G. E Soete, L. (eds)
Technical Change and Economic Theory, London, Frances Pinter, 1988.
178
Cristina Lemos
Freeman, C., Technology Policy and Economic Performance: Lessons from Japan. Pinter
Publishers, London, 1987.
Harvey, D. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Editora Loyola, 1989.
Lastres, H. M. M., “Globalização e o Papel das Políticas de Desenvolvimento Industrial e
Tecnológico” Texto para Discussão n.º 519, IPEA (Brasília, fevereiro de 1997).
Lastres, H. M. M., Advanced Materials and the Japanese System of Innovation, Macmillan,
London, 1994.
Lastres, H. “New Trends of Cooperative R&D Agreements opportunities and Challenges
for Third World Countries”. Nota técnica do bloco “Condicionantes Internacionais da
Competitividade”. In: Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira Versão preliminar.
45p.. IE/Unicamp - IEI/UFRJ - FDC - Funcex, Campinas, 1993.
Lastres, H. M., Cassiolato, J. E., Lemos, C., Maldonado, J. M. e Vargas, M. A. “Inovação,
Globalização e as Novas Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico”, in
Cassiolato, J. E. e Lastres (eds) Globalização e Inovação Localizada: Experiências de Sistemas
Locais no Mercosul, IBICT/IEL, Brasília, 1999.
Lemos, C., Redes para a Inovação - Estudo de Caso de Rede Regional no Brasil, Tese de Mestrado.
Programa de Engenharia de Produção, COPPE/UFRJ, março, 1996.
Lojkine, J. A Revolução Informacional. Cortez Editora, 1995.
Lundvall, B-Å e Borrás, S. Globalising Learning Economy: implications for innovation policy
Targeted Socio-Economic Research – TSER, DGXII – European Commission Studies.
Luxembourg, European Communities, 1998.
LundvalL, B-Å., “User-Producer Relationships and National Systems of Innovation” in
Lundvall, B-Å., (ed.), National System of Innovation: Towards a Theory of Innovation and
Interactive Learning. Pinter, London, 1992.
Maldonado, J. , O Brasil Face o Processo de Globalização Tecnológica: o segmento de novos
polímeros em foco, tese de doutorado, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.
Mytelka, L. A role for innovation networking in the other ‘two-thirds’. Futures, July/
August, 1993.
Nelson, R. (ed.) National Innovation Systems: A Comparative Analysis, Oxford University
Press, Oxford, 1993.
Saxenian, A. Regional Advantage – Culture and Competition in Silicon Valley and Route 128,
Harvard University Press, Cambridge, Massachussets, 1994.
Resumo
O atual contexto econômico é caracterizado por mudanças aceleradas que vêm
afetando os mercados, as tecnologias e as formas organizacionais em curso. Com isso, a
capacidade de gerar e absorver inovações vem sendo considerada crucial para que uma
empresa se torne efetivamente competitiva. Para acompanhar as rápidas mudanças em
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
179
curso, torna-se de extrema relevância a aquisição de novas capacitações e conhecimentos,
o que significa intensificar, nos variados agentes, a capacidade de aprender, interagir e
transformar este aprendizado em fator de competitividade. Este artigo objetiva identificar
as principais alterações que vêm ocorrendo no entendimento do processo de inovação e as
formas pelas quais essa inovação tende a ocorrer atualmente.
Abstract
The current economical context is characterized by quick changes that are affecting
markets, technologies and the various forms of operation of business and institutions.
Indeed, the capacity to generate and to absorb innovations has been considered crucial for
any industry to become competitive. To follow the fast changes which are ocurring, it is
more and more relevant to develop the capacity to learn, to interact and to transform new
knowledge into competitiveness factor. The article tries to identify the main changes in the
technological innovation process and the potential of the new forms of acquiring and
developing new technologies.
A Autora
CRISTINA LEMOS, pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT); doutoranda em engenharia de produção na Área de Inovação Tecnológica e Organização
Industrial da Coppe/UFRJ; MSc. em engenharia de produção (Coppe/UFRJ, 1996); economista (UFRJ, 1985)
180
Cristina Lemos
Internacional
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
181
Perspectivas da America Latina
em Ciência e Tecnologia
FABIO STEFANO ERBER
Na retórica moderna, a ciência e a tecnologia ocupam lugar de
destaque, evocando um consenso semelhante ao alcançado pela miséria.
Assim como todos são contra esta última, são favoráveis às primeiras.
No entanto, em várias partes do globo, a América Latina (AL) entre
elas, persiste a miséria e a ciência e a tecnologia encontram grandes
dificuldades para avançar.
Uma análise de perspectivas é, necessáriamente, histórica. O
passado projeta-se sobre o futuro e, embora não o determine, condicionao. No caso da ciência e tecnologia (C&T) na América Latina a recorrência
de alguns problemas ao longo de várias décadas permite caracterizá-los
como problemas estruturais, onde operam características de
cumulatividade, rigidez e fixação de trajetórias.
Alguns destes problemas estruturais podem ser detectados , a seguir:
Quadro 1 - A ciência e tecnologia da america latina no contexto internacional esforço e resultado - uma comparação com os eua, 1990 e 1996 (eua = 100)
A M E R IC A L A T IN A
G A STO S EM P&D
P IB
PATEN T ES N O S EU A ( 1)
P U B L . C IE N T ÍF . ( 2 )
1990
3 ,5
2 3 ,0
0 ,1 4
N .D .
1996
5 ,0
2 3 ,5
0 ,1 5
2 ,1
Notas:
1) Dados para Argentina, Brasil e México, 1990 e 1993
2) Percentagem sobre total mundial
Memo: Patentes concedidas na América Latina de titulares não residentes (% do total) : 1990: 84,5%;
1996: 81,6%
Fontes:
PIB, Gastos em P&D, Publicações e Patentes na América Latina - RICYT (site na Web).
Patentes nos EUA - GACTEC (1997)
182
Fabio Stefano Erber
· A desproporção entre o peso econômico da região, os esforços
feitos em C&T (expressos pelo gasto em pesquisa e desenvolvimento) e
os resultados alcançados (publicações científicas e patentes depositadas
nos EUA).
· Um desempenho algo melhor em atividades científicas do que
tecnológicas
· O predomínio de tecnologias importadas, provocando uma limitada
articulação entre atividades científicas e tecnológicas na região.
Não obstante, o mesmo Quadro assinala algumas modificações
positivas ao longo dos anos noventa, notadamente um aumento dos
gastos em Pesquisa e Desenvolvimento feitos na região.
Cabe advertir que tomar a região como unidade de análise encobre
importantes disparidades - como mostra o Quadro 2, os três maiores
países da América Latina - Argentina, Brasil e México - respondem por
uma esmagadora parcela dos gastos em C&T, publicações e patentes,
maior que sua participação na economia regional. Tal concentração
conduzirá a análise posterior (especialmente na Seção 3) a enfocar mais
detidamente os “três grandes”.
Quadro 2 - A concentração na C&T da américa latina participação de Argentina,
Brasil e México como % do total regional - 1996
PAÍS
ARGENTINA
BRASIL
MEXICO
SOMA
PIB
16.9
41,1
18,7
76,7
GASTOS
EM C&T
PUBLIC.
CIENTIF.
10,3
67,6
8,9
86,9
20,3
39,3
19,6
79,2
PATENTES CONCEDIDAS
RESIDENTES
21,5
59,0
7,3
87,8
NÃORESIDENTES
20,6
23,6
43,6
87,7
Fonte: RICYT (site na WEB)
A interpretação desses fenômenos e a discussão das perspectivas
da C&T na AL requerem um mínimo esquema analítico, apresentado
na próxima seção. A terceira seção discute a evolução das atividades de
C&T na região nos anos noventa à luz do padrão de desenvolvimento
adotado, explorando as implicações da base desse padrão - as reformas
estruturais das instituições - sobre as atividades científicas e tecnológicas.
A quarta seção apresenta as conclusões quanto às perspectivas da C&T
na América Latina.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
183
UM ESQUEMA ANALÍTICO
O binômio C&T abarca uma heterogênea gama de atividades, que
produzem resultados distintos e demandam recursos igualmente
diferenciados. A multiplicação de estudos sobre C&T mostrou que essas
atividades apresentam complexas inter-relações, levando ao abandono
dos antigos modelos lineares, em que a direcionalidade ia da C para T,
em favor de visões sistêmicas, em que as várias partes interagem, retroalimentam-se e apresentam efeitos de sinergia.
O desenvolvimento do sistema de C&T resulta, na perspectiva
evolucionista1 , da co-evolução das estruturas produtiva e institucional.
A primeira tem um forte conteúdo setorial, dado que os diversos setores
da economia demandam diferentes atividades de C&T em intensidades
distintas (compare-se a demanda por C&T de uma economia em que
predominam setores como têxteis e alimentos com a demanda de uma
economia regida pelo complexo eletrônico). Em contraste com o consenso
que reina sobre o papel que a estrutura produtiva desempenha sobre o
desenvolvimento das atividades de C&T, perduram grandes
perplexidades sobre as relações que existem entre a estrutura institucional
e o progresso da C&T. Embora haja concordância que a diversidade e
flexibilidade institucionais constituem fatores de estímulo a essas
atividades e que a competição entre as instituições é benfazeja, existem
fortes dúvidas quanto ao papel que desempenham o Estado e as
instituições de mercado ou quanto à importância relativa de empresas
de maior e menor porte. A diversidade de soluções institucionais para
promover o desenvolvimento do sistema de C&T provocou a revitalização
de análises de casos nacionais e um saudável agnosticismo quanto a
uma normatividade a priori .
Supondo dada uma estrutura produtiva, algumas questões
institucionais, como a relação entre as políticas do Estado macroeconômica, industrial e de C&T - e o desenvolvimento do sistema
de C&T, podem ser aprofundadas através de uma análise “micro”,
partindo da discussão da importância das atividades de C&T para certos
tipos de organizações.
Uma organização pode ser caracterizada como um conjunto de
recursos (humanos, físicos, financeiros), estruturado por um conjunto
de rotinas e normas, de natureza operacional e estratégica. O conjunto
de rotinas e normas constitui outro ativo. A combinação de todos esses
ativos é específico a cada organização, distinguindo-a das demais2.
1
O locus clássico para várias abordagens evolucionistas é o livro de Dosi et al. (1988).
Esta é uma extensão da visão evolucionista da firma. Para a última, ver Teece e Pisano
(1994).
2
184
Fabio Stefano Erber
O montante de recursos necessário para alcançar certos resultados
pode ter níveis mínimos (i.e. apresentar indivisibilidade) e a interação
desses recursos pode ter efeitos de sinergia.
Em outras palavras, uma organização pode ser vista como um
portfolio de ativos.
Certas organizações, como institutos de pesquisa, universidades,
têm por objetivo “produtos” de C&T. Para tanto, necessitam de um
portfolio de ativos bastante especializado. A constituição deste portfolio
demanda longo tempo e os recursos que o compõem são específicos,
com uso alternativo limitado. Por sua vez, os resultados desse portfolio
podem demandar longo tempo de maturação, são incertos e sua
apropriabilidade econômica pela organização é baixa. Com efeito, há
consenso que, para esses produtos, os mecanismos de mercado são
inadequados para induzir altos níveis de investimento, sendo necessária
a intervenção direta do Estado, pelo menos no financiamento dos
recursos.
No entanto, como advertia um clássico, o capitalismo é um sistema
que é caracterizado pela transformação das forças produtivas e, por
mais importantes que sejam as instituições dedicadas à produção de
C&T, o fulcro da transformação tecnológica são as empresas.
As empresas, como sabemos, são organizações que têm o lucro por
objetivo. Utilizam seus ativos com esse propósito. Fatores macroeconômicos, como a taxa de crescimento da economia, a estabilidade de
preços e a vulnerabilidade externa, afetam as expectativas das empresas
e os seus investimentos. Os ativos de C&T (laboratórios, equipes técnicas,
etc.) fazem parte do seu portfolio. Sua importância dentro do portfolio é
influenciada por fatores setoriais: a possibilidade de transformar a base
técnica de produção através de novos produtos e processos e o padrão
de competição vigente no setor, dado, entre outros fatores, pela abertura
às importações e a presença de outros competidores. Estes fatores
setoriais impõem à empresa gastos mínimos em atividades de C&T, sem
os quais a empresa desaparecerá do mercado.
Outros fatores, intrínsecos à firma, impõem um teto aos seus gastos
em C&T, entre os quais se destacam o seu tamanho e sua capacidade de
obter recursos de terceiros para financiar esses gastos - o que, por sua
vez, remete às condições dos mercados de crédito e capital.
Porém outros fatores, derivados do contexto econômico e político
em que a firma opera, podem ser ainda mais relevantes para estabelecer
o teto dos gastos em C&T. Contextos de baixo crescimento, instabilidade
e vulnerabilidade externa atuam contra investimentos de prazo
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
185
relativamente longo de maturação e maior incerteza, características de
programas de pesquisa. Mesmo que o contexto macro não seja
desfavorável, se outros ativos detidos pela empresa apresentarem
expectativas de fluxos de custos e rendimentos mais favoráveis e
expectativas de resultados menos incertos, será racional que a empresa
aplique em C&T o mínimo possível. A título de exemplo: em um contexto
em que a aplicação de recursos em títulos governamentais apresente
altos rendimentos, a curto prazo e com alta segurança, por que iria a
firma aplicá-los (além do mínimo necessário) em atividades em que o
resultado é incerto e de longo prazo de maturação? Neste contexto, o
mercado atua contra o investimento em C&T.
Conforme apontado acima, as atividades de C&T abrangem uma
ampla gama. Ou seja, o portfolio de recursos de C&T de uma firma
abrange recursos diferentes e produz resultados distintos. Constitui,
portanto, um portfolio em si, parte do porfolio geral da empresa. As
condições acima citadas (setoriais e macro) podem explicar não apenas
a posição relativa dos investimentos de C&T dentro do portfolio geral
mas também a composição do portfolio de C&T. Em condições de maior
incerteza, necessidade de resposta rápida a inovações introduzidas por
concorrentes dotados de maiores recursos, os investimentos em C&T
serão orientados para atividades que demandam menores imobilizações
e onde os resultados são alcançados em prazo mais curto (por exemplo,
novos procedimento de controle de qualidade).
Finalmente, as instituições de mercado oferecem à empresa a
alternativa de obter os resultados de investimentos em C&T de outras
empresas, através de contratos de licenciamento de tecnologia. Em
comparação com o desenvolvimento próprio, tais contratos oferecem
ao licenciado a vantagem de menor incerteza técnica e econômica, menor
imobilização e maior rapidez. Em contrapartida, freqüentemente
envolvem custos “atados” (compras de bens de produção) e os riscos
inerentes à dependência de terceiros. Do ponto de vista tecnológico, estes
contratos levam o licenciado a dominar novas tecnologias de produção
e de engenharia de detalhe, mas retém junto ao licenciador o controle
técnico e legal da capacidade de introduzir inovações. Ou seja, o
licenciamento leva ao desenvolvimento de um conjunto restrito de
recursos de C&T. No limite, conduz à elevação do piso de gastos, para
absorver a tecnologia importada, mas reduz o teto, descartando
programas próprios de inovação.
Contextos econômicos em que as empresas são levadas à ater-se a
níveis mínimos de investimento em C&T fazem com que a relação entre
as empresas e as instituições especializadas em C&T seja muito limitada.
Os serviços que as primeiras demandam às segundas são de baixa
complexidade e de resultados imediatos (a exemplo de testes de
186
Fabio Stefano Erber
produtos). Adequar-se a esta demanda leva as instituições de C&T ao
uso ineficiente dos seus recursos e/ou, a prazo mais longo, alterar a
composição destes recursos. Como estas instituições cumprem também
a função de formar recursos humanos para as atividades de C&T, a
adequação à demanda tende a gerar um processo cumulativo, em que
os recursos humanos disponíveis para as empresas são preparados
principalmente para o mínimo de atividades executadas no momento
presente pelas empresas. O contrário ocorre quando a estrutura
produtiva e o contexto econômico estimulam as empresas a elevar seu
patamar de gastos e, assim, estabelecer relações mais intensas com as
instituições de C&T.
Assim, em contextos em que predomina o investimento mínimo em
ativos de C&T o conceito de “sistema nacional de inovação” parece ser
de baixa aplicação.
O DESENVOLVIMENTO DA C&T NA AMÉRICA LATINA NOS ANOS
NOVENTA
Apesar da heterogeneidade que caracteriza a região, durante os
anos noventa a América Latina foi conduzida por uma visão de
desenvolvimento homogênea3 . Esta visão, apoiada teóricamente sobre
um tripé composto pela tradicional economia neo-clássica, a teoria da
escolha pública e a “nova economia institucional”, privilegia a
transformação institucional como fulcro do desenvolvimento 4 . A
principal instituição condutora do desenvolvimento é o mercado, cuja
constituição e operação eficiente constitui o cerne das reformas estruturais
preconizadas pelo “Consenso de Washington” no início da década
(Williamson, 1990) e implantadas em toda a região no decorrer dos
noventa. Ao Estado, nesta visão, caberia buscar o equilíbrio fiscal,
defender-se contra seu aprisionamento por interesses privados
(sintetizado por políticas de “escolha de vencedores”), evitar funções
produtivas diretas (privatizando as empresas estatais) e centrar a
regulação em medidas que reforcem a concorrência nos mercados (por
exemplo, via a legislação de propriedade intelectual e de defesa da
concorrência).
A visão de desenvolvimento consubstanciada no Consenso de Washington foi também
aplicada aos países africanos sob a denominação de “structural adjustment programmes”
e imposta aos países do Sudeste asiático após a crise de 1997. Ë um fenômeno único, em
termos de homogeneização de concepção de desenvolvimento, refletindo a hegemonia
americana nos anos noventa.
3
Distingue-se,pois, da antiga visão desenvolvimentista, que privilegiava a transformação
da estrutura produtiva e da moderna visão evolucionista que encara o desenvolvimento
como resultante da co-evolução das estruturas produtiva e institucional.
4
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
187
Esta visão uniforme reflete tanto mudanças geo-políticas como a
hegemonia americana subseqüente à dissolução do bloco comunista como
o fracasso do prévio padrão de desenvolvimento latino-americano,
fundado sobre a intervenção do “Estado nacional-desenvolvimentista”,
a proteção a capitais privados nacionais e a substituição de importações,
que transformou a década dos oitenta numa “década perdida” em termos
de desenvolvimento, marcada por taxas de inflação altas e crônicas e
baixas taxas de crescimento5.
Em conseqüência, a década de noventa é definida por uma agenda
“positiva”, consubstanciada nas reformas estruturais das instituições, e
por uma agenda “negativa”, de rechaço às características do padrão de
desenvolvimento anterior. A convicção dos policy-makers de que
dispunham de uma “doutrina correta”, associada ao apoio internacional,
fez com que a política econômica assumisse um caráter fundamentalista,
em que qualquer crítica era equiparada à heresia e ignorada. Poucas
vezes o dito de Deutsch (1966) de que o poder é a capacidade de recusar
informações teve tanta aplicação como na América Latina dos anos
noventa.
Cabe aqui explorar as implicações das duas agendas para a C&T
na América Latina. Comecemos pela agenda positiva.
Na perspectiva das reformas dos anos noventa, o crescimento
econômico adviria de dois círculos virtuosos, entrelaçados.
No primeiro círculo, estruturado pelas medidas de abertura ao
exterior (comercial, financeira e de investimento direto) acreditava-se
que abertura provocaria, em um primeiro momento, um forte déficit em
transações correntes, que seria coberto pela entrada de investimento
direto estrangeiro (IDE) e de capitais financeiros. As importações de bens
de produção e a entrada de investimento direto levariam, em um
momento subseqüente, ao aumento de produtividade da economia e,
portanto, ao crescimento do produto e das exportações, tendendo a
reduzir o déficit de transações correntes. Neste círculo o IDE desempenha
um papel crítico pois supunha-se que teria, simultaneamente, maior
propensão a importar e a exportar que as firmas nacionais - ou seja, sua
maior demanda por importações seria posteriormente compensada pela
ampliação das exportações. A manutenção de altas taxas de juros internas
para atrair capitais financeiros - contraditória com os objetivos de
ampliação do investimento interno e de obtenção do equilíbrio fiscal era vista como temporária, a vigorar enquanto o círculo virtuoso
permanecesse incompleto.
Não é ocioso lembrar que o esgotamento do “nacional-desenvolvimentismo” foi substancialmente agravado pela crise do sistema econômico e financeiro internacional.
5
188
Fabio Stefano Erber
O segundo círculo virtuoso é estruturado pelas reformas internas.
A estabilidade de preços (freqüentemente ancorada pela taxa de câmbio)
levaria à uma redistribuição positiva de renda, ampliando o mercado.
Ao mesmo tempo, a estabilidade ampliaria os horizontes de investimento
das empresas. Face a estas condições favoráveis e acicatadas pela maior
concorrência (derivada da abertura comercial e de investimentos, da
privatização das empresas estatais e da mudança na regulação pelo
Estado), as empresas ampliariam seus investimentos, aumentando a
produção e as exportações. As reformas do Estado - fiscal e administrativa
dariam apoio a esse processo de crescimento reduzindo a pressão sobre
a taxa de juros.
O processo de integração regional serviria de suporte aos dois
círculos virtuosos principais, aumentando sua conexão.
Quais as implicações desta visão para a C&T da região?
Em primeiro lugar, enfatiza-se a empresa (privada) como motor do
desenvolvimento tecnológico e um dos principais objetivos das políticas
científicas e tecnológicas dos países da região passa a ser o aumento da
participação privada no financiamento e na execução de atividades de
C&T. Em verdade, este não é um objetivo novo - o Estado
desenvolvimentista também o perseguiu com afinco. Seu fracasso sugere
que existem causas estruturais para tanto. Entre estas destacam-se a
composição da estrutura produtiva, em que os setores intensivos em
tecnologia têm pequeno peso; a dominância da importação de tecnologia,
fruto da gravitação de empresas internacionais e do tamanho reduzido
das empresas nacionais; a configuração incompleta do mercado de
capitais, onde faltam mecanismos de risco e a reduzida competição entre
as empresas. Os reformistas dos anos noventa ignoraram a primeira,
agravaram a segunda, não resolveram a terceira e concentraram-se na
última causa.
O aumento de produtividade da economia constitui, nesta visão, o
cerne do processo de desenvolvimento. Tal aumento seria logrado,
principalmente, através da importação de bens de produção (máquinas
e bens intermediários) e de tecnologias. O desenvolvimento de recursos
locais de C&T é claramente secundário. Na melhor das hipóteses,
complementa as importações.
Façamos a hipótese de que os círculos virtuosos tivessem se
completado. Neste caso, mesmo que desempenhando um papel
secundário, os investimentos das empresas em C&T aumentariam, tanto
em função do crescimento geral dos investimentos como do aumento de
competição nos mercados. Nos termos da seção anterior, o “piso” dos
gastos em ativos de C&T aumentaria. Quanto ao “teto” destes gastos, é
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
189
duvidoso que aumentasse: a globalização tende a eliminar muitas das
idiosincrasias locais, que respondiam por forte parcela dos programas
mais ambiciosos de P&D, ao mesmo tempo em que aumenta a pressão
para que processos e produtos regionais rapidamente sejam os mesmos
do exterior - o que estimula a importação de tecnologias, que requer um
“teto” de gastos relativamente baixo. O papel de demiurgo do
crescimento atribuído ao capital estrangeiro, que em muitos países entrou
adquirindo algumas das empresas locais (estatais e privadas) mais
dinâmicas tecnológicamente, agrava a tendência a importar tecnologias.
Ou seja, provavelmente, os círculos virtuosos levariam a um achatamento
do “teto”.
Ao longo da década os países da região implementaram com afinco
as principais reformas (exceto as reformas fiscal e administrativa do
Estado) e lograram uma notável queda nas taxas de inflação6 . O saldo
líquido de IDE na região passou de US$ 7.3 bilhões em 1990 para US$
33.7 bilhões em 1996.
Apesar de tudo, os círculos virtuosos não se completaram e nada
indica que venham a se completar no futuro próximo. A taxa de
crescimento da região na década foi medíocre (3,8% ao ano); o PIB per
capita em 1998 era somente 3% superior ao vigente em 1980. A taxa de
investimento continuava baixa7 e a produtividade do trabalho evoluiu
de forma muito diferenciada entre os países: em alguns (Argentina e
Brasil) seu crescimento levou a um estreitamento do hiato que a separa
da produtividade dos EUA, enquanto em outros (Chile, Colômbia,
México) o hiato de produtividade aumentou (Katz 1999)8 e o desemprego
na região tinha atingido níveis inauditos9 . Ou seja, tivemos mais uma
década perdida em termos de desenvolvimento.
Faltou à concreção dos círculos virtuosos o seu suporte principal, o
pilar que lhes daria sustentação: um comportamento favorável do
mercado internacional. Seja do lado comercial, com os preços dos
produtos de exportação regional caindo, seja do lado financeiro, com o
capital financeiro tornando-se cauteloso e exigindo maiores taxas de
A taxa anual de variação dos preços ao consumidor na América Latina e o Caribe foi de
1188.3% em 1990 e 10,3% em 1998. Estes dados e os citados a seguir provém da CEPAL
(1998; 1999)
6
A preços de 1990, a taxa de formação bruta de capital como percentual do PIB foi de 27,6
em 1980, 18,8 em 1990 e 20,7 em 1996..
7
Katz ((ibid.) mostra que a tendência à redução do hiato de produtividade não pode ser
atribuído exclusivamente às reformas, antecedendo-as. Nos dois casos, o aumento de
produtividade está também associado ‘a processos de terceirização e desemprego maciço.
8
A taxa regional de desemprego urbano aberto passou de 5.9% em 1990 para 8.0% em
1998.
9
190
Fabio Stefano Erber
juros à medida em que as crises dos “mercados emergentes” se sucediam
- México em 1995, o Sudeste asiático em 1997 e Rússia e Brasil em 1998.
A vulnerabilidade externa dos círculos virtuosos era maior que o previsto
pelos policy-makers. Mesmo desvalorizações radicais como a brasileira
em 1999 não lograram expandir as exportações - sinal que a estrutura
produtiva é pouco dinâmica em termos de comércio internacional10 .
O fracasso dos círculos virtuosos tende a agravar as tendências
relativas a gastos empresariais em C&T. Assim, mantém-se as pressões
competitivas para aumentar o “piso” destes gastos, mas o crescimento
irregular da economia e a crescente vulnerabilidade externa tendem a
abaixar o “teto”. Esta última tendência é reforçada por políticas de juros
altos, resultante seja da crise fiscal seja da necessidade de atrair capitais
financeiros do exterior. A combinação de crescimento irregular e incerto
com altos rendimentos de ativos financeiros tende a deslocar os
investimentos para esse tipo de ativo. Reduz-se assim o incentivo para
investir em C&T além do mínimo indispensável. Somada à forte pressão
para usar tecnologia importada, a tendência à “financeirização” dos
investimentos pressiona o “teto” em direção ao “piso”.
Não é demais enfatizar que as conjecturas acima expostas dizem
respeito à tendências. Infelizmente, os dados empíricos disponíveis são
contraditórios.
A julgar pelos dados oficiais e pelas informações apresentadas pela
Rede Ibero Americana de Ciencia y Tecnologia (RECYT) (que são
baseadas nos primeiros)11 , a evolução dos gastos em C&T na América
Latina é extremamente positiva, conforme já mostrado no Quadro 1.
Dada a concentração regional e a disponibilidade de informações
concentrar-nos-emos nos três maiores países da região. O Quadro 3
detalha os gastos em C&T 12 para os “três grandes” por fonte de
financiamento em 1993 e 1996. Exceto para o caso mexicano, ainda
afetado pela crise de 1995, verifica-se uma expansão de gastos
espetacular : na Argentina à taxa anual de 9.8% e no Brasil a 12.7% ao
ano. Nestes casos, o gasto com C&T teria subido de 0,39% para 0,46%
do PIB na Argentina e de 0,96% para 1,23% do PIB no Brasil. Nos dois
casos, parte substancial da expansão de gastos em C&T é explicada pelo
aumento de dispêndios empresariais (42% na Argentina e 46% no Brasil).
Os produtos de alta tecnologia, que apresentam a maior taxa de crescimento no comércio
internacional, representavam apenas 13% do total de manufaturas exportadas pela região
em 1995 (Lall 1999).
10
Em seu site (www.redhucyt.oas.org/RICYT) informam-se apenas as pessoas e órgãos de
enlace com a rede. Estes são entidades governamentais.
11
12
Para o México os dados restringem-se a Pesquisa e Desenvolvimento em 1995 e 1996.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
191
Assim, a participação do setor produtivo no financiamento de C&T teria
passado de 23% do total para 28% na Argentina e de 24% para 31% no
Brasil. Em outros termos, os gastos empresariais na Argentina e Brasil
teriam crescido a taxas anuais de 16,4% e 22,5%, respectivamente. Em
síntese, os dados oficiais indicam uma verdadeira revolução no
comportamento tecnológico das empresas.
Quadro 3 - Gastos em C&T por fonte de financiamento e percentagem do PIB Argentina,Brasil e México - em US$ milhões e percentagem do total - 1993 e 1996
FONTE: VALOR E
(%)
1993
GOVERNO
EMPRESAS
EDUC. SUP.
ONG
EXTERIOR
TOTAL
TOTAL/PIB (%)
1996
GOVERNO
EMPRESAS
EDUC. SUP.
ONG
EXTERIOR
TOTAL
TOTAL/PIB (%)
ARGENTINA
BRASIL
MEXICO (1)
535,4 (52,7)
238,8 (23,5)
196,1 (19,3)
9,1 (0,9)
36,5 (3,6)
1016,0 (100,0)
0,39
4344,0 (70,6)
1482,9 (24,1)
326,1 (5,4)
----6153,0 (100,0)
0,96
1079,7 (73,3)
210,6 (14,3)
131,1 (8,9)
17,7 (1,2)
33,9 (2,3)
1473,0 (100,0)
0,37
626,4 (46,3)
378,8 (28,0)
274,6 (20,3)
23,0 (1,7)
50,0 (3,7)
1353,0 (100,0)
0,46
5750,8 (64,9)
2738,0 (30,9)
372,2 (4,2)
----8861,0 (100,0)
1,23
668,6 (66,2)
177,8 (17,6)
84,8 (8,4)
11,1 (1,1)
67,7 (6,7)
1010,0 (100,0)
0,35
:1) México : valores para P&D, 1995 e 1996.
Nota:
Fonte:
:RYCIT (site na Web), elaboração do autor.
No entanto, os procedimentos estatísticos adotados para estimar os
gastos empresariais inspiram grande cautela quanto à sua precisão. No
caso brasileiro, tais dados estão baseados nas informações prestadas pela
ANPEI (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das
Empresas Industriais). A ANPEI envia questionários às empresas
cadastradas, variando o número de empresas que respondem (em 1993
foram 401 e em 1996 362). As autoridades governamentais acrescem ao
total informado 33%13 e adicionam ou subtraem valores referentes a
certos incentivos fiscais (MCT/CNPq, 1997).
A imprecisão destes procedimentos é alta. O Quadro 4 mostra a
evolução dos gastos para uma amostra de 86 empresas que responderam
13
Segundo MCT/CNPq (1997), chegou-se a este número porque o faturamento das empresas que compõem o banco de dados da ANPEI corresponde a 36% do PIB industrial.
Este último, como se sabe, é uma medida de valor agregado, não estritamente comparável
com o faturamento.
192
Fabio Stefano Erber
aos questionários da ANPEI durante o período 1993/1997, elaborado
pelos responsáveis pelas pesquisas da Associação (Sbragia et al. 1999).
O reduzido número de empresas sugere que a composição da amostra
flutua muito de ano para ano e a evolução dos gastos apontada no
Quadro sugere um processo muito mais modesto que o indicado pelos
dados oficiais.
Quadro 4 - Brasil: gastos empresariasi em inovações, por tipo de atividades - em
milhões de US$ correntes e percentagem - 1993 A
Gasto Total
Distribuição %:
P&D
ENR (2)
Nacional
Extramuros
Importação
1993
7285.5
1994
6845.0
1995
6711.7
1996
7610.8
1997
7896.1
50.8
14.26
27.46
52.06
18.40
22.04
61.14
14.11
17.23
57.11
17.32
15.45
61.58
8.09
15.99
7.60
7.20
8.16
10.42
14.59
1.19
0.60
0.09
1.28
0.66
0.09
1.18
0.72
0.09
1.13
0.64
0.12
1.09
0.67
0.16
Total/ Vendas (%)
P&D/Vendas
Import./Vdas
Notas:
1) Dados para 86 empresas que responderam ao questionário da ANPEI em todos os anos.
2) ENR : Engenharia não rotineira.
Fonte: Sbragia et al. (1999).
Quadro 5 - Gastos em C&T financiados pelas empresas - Taxas de crescimento
anuais 1993 1996 segundo fontes diversas - em percentagem
PAÍS
RYCIT
GOVERNO
ARGENTINA
BRASIL
MEXICO (1)
16,4
22,5
(16,4)
19,7
22,3
(42,7)
Nota:
(1) México : Gastos em P&D
Fontes:
RICYT : site na Web
Governo:
Argentina : GACTEC (1998)
Brasil : MCT/CNPq (1997)
México : SEP/CONACYT (1998)
Pesquisa:
Argentina : Quadro 6
Brasil : Quadro 4
TOTAL
11,7
1,4
N.D.
PESQUISA
LOCAL IMPORTADA
9,7
15,0
0,4
12,5
N.D.
N.D.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
193
Assim, mantendo o mesmo período antes analisado (1993/1996),
os gastos em C&T feitos pelas empresas crescem apenas 1,4% ao ano.
No período, os gastos com importação de tecnologia crescem fortemente
(12,5% ao ano) enquanto os gastos locais aumentam de forma reduzida
(0,4% ao ano). A intensidade de gastos totais em C&T, medida como
percentual do faturamento, tende a cai ao longo do período,
especialmente para os gastos nacionais, enquanto a intensidade de
importações tende a subir. Os serviços contratados no país a outras
instituições (principalmente instituições de pesquisa) perdem importância
relativa (vejam-se Quadros 4 e 5).
Para a Argentina, as estimativas de gastos empresariais estão
baseadas numa pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Estadística y
Censos (INDEC) para o ano de 1996 junto a 1639 firmas industriais,
que respondiam por cerca de 54% do faturamento e 50% do emprego
da indústria do país, das quais 534 realizavam gastos com inovação.
Estes gastos foram expandidos para o universo industrial e a eles somados
$109 milhões que corresponderiam a gastos efetuados em outros setores
(GACTEC 1998, p. 38, nota 8). Na mesma pesquisa foram solicitadas
informações relativas a 1992, mas os documentos oficiais (GACTEC 1997
e 1998) não esclarecem como foram estimados os gastos empresariais
totais.
Quadro 6 - Argentina: gastos empresariasi em inovações, por tipo de atividades em milhões de pesos correntes e percentagem - 1992 e 1996
Tipo de Atividade
Total
P&D
Não-P&D
intramuros
Nacional
extramuros
Importações
Total/Vendas (%)
P&D/Vendas (%)
Import/Vendas (%)
1992
Valor
%
204
100.0
51
25.0
57
27.9
Valor
319
74
85
1996
%
100.0
23.2
26.6
20
9.8
27
8.5
76
37.3
133
41.7
1.28
0.15
0,48
1.38
0.16
0,58
Notas:
1) Dados para 534 firmas que declararam gastos para inovação em 1996
2) Em “Nacional extramuros” estão incluídos gastos para licenciamento e contratos com instituições de C&T
públicas e não lucrativas.
Fontes:
GACTEC (1998), p.129 and INDEC (1998) pp. 69 and 88, elaboração do autor.
194
Fabio Stefano Erber
Examinando os dados da pesquisa do INDEC (Quadros 5 e 6),
também verifica-se um crescimento de gastos bastante inferior ao
estimado pelo Governo e pela RICYT, embora as taxas sejam altas (11.7%
ao ano entre 1992 e 1996). Da mesma forma que no caso brasileiro, os
gastos com importação crescem mais que os gastos locais (15% e 9,7%
ao ano, respectivamente) e os serviços contratados perdem importância.
No entanto, à diferença do caso brasileiro, a participação de P&D no
gasto total reduz-se.
Finalmente, no caso mexicano, os dados governamentais que
comparam a execução de P&D pelo setor empresarial com os gastos
com importação de tecnologia (SEP/CONACYT 1998 p.85) em 1994 e
1995 (únicos anos disponíveis) confirmam e acentuam a queda verificada
pela RICYT e mostram que os gastos locais caem mais que a importação
de tecnologia, passando a relação entre gastos com tecnologia no exterior
e no país de 2,09 a 2,6414 .
Em síntese, dependendo de qual fonte de dados se tome, as
conjecturas feitas sobre a evolução de dispêndios das empresas em C&T
no Brasil é falsificada (no sentido popperiano) ou não. Os dados da
pesquisa de Sbragia et al. (1999) confirmam as conjecturas, tanto no que
diz respeito à evolução do montante de gastos como no papel das
importações de tecnologia e de serviços contratados a outras instituiçòes
do país (aumento do primeiro e redução do segundo). O pequeno
aumento da participação de P&D no gasto total (ver Quadro 4) pode ser
devido a problemas de classificação, requerendo pesquisas adicionais,
segundo informação de um dos autores da pesquisa. No mínimo, o
contraste entre as fontes sugere que o MCT deveria discutir com a
comunidade acadêmica e estatística os procedimentos adotados,
iniciativa que já foi encetada.
No caso argentino, o alto crescimento dos gastos em C&T foi
provavelmente afetado pelas altas taxas de crescimento do período 1991/
94 e pela base muito reduzida de que partem estes gastos. Ao mesmo
tempo, apresenta uma composição consistente com o previsto: um
aumento substancial da participação das importações e uma redução
da participação de P&D e de serviços contratados fora da empresa.
Finalmente, no caso mexicano parecem inequívocas a influência
da crise de 1995 no volume de gastos empresariais, assim como o papel
preponderante da importação de tecnologia no suprimento local.
Os dados são, em US$ milhões, para 1994 e 1995: gastos em P&D pelo setor empresarial:
320.2 e 183.5; pagamentos ao exterior por royalties e assistência técnica : 668,5 e 484,1. A
queda nos gastos locais é superior à registrada pela RICYT (ver Quadro 3).
14
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
195
Embora as reformas estruturais dos anos noventa visem colocar as
empresas no centro do processo de desenvolvimento tecnológico da
região, o Estado e as instituições de pesquisa continuam a ser atores
importantes no financiamento e na execução de pesquisas. No primeiro,
o Governo é a principal fonte de recursos, embora sua participação tenha,
aparentemente, diminuído15 (veja-se Quadro 3). Na execução, conforme
mostra o Quadro 7, a RICYT estima que, entre 1990 e 1997, o Governo
teria reduzido sua participação de 33% do total para 26% e as instituições
de ensino superior teriam, grosso modo, mantido sua participação
(passaram de 45% para 42%)16 .
Quadro 7 - América Latina: gastos em C&T por setor de execução: em percentual
do total - 1990 e 1997
SETOR
GOVERNO
EMPRESAS
EDUCAÇÃO SUP.
ONG
1990
33.2
21.3
45.0
0.5
1997
26.2
31.5
42.3
0.6
Fonte: RICYT (site na Web)
Governo e instituições de pesquisa estão intimamente entrelaçados,
posto que as principais instituições de pesquisa são públicas17 . Face às
reformas estruturais, esta vinculação tem importantes conseqüências
para as atividades destas últimas.
Em primeiro lugar, sob forte influência do Banco Mundial e do BID,
a prioridade da política educacional passou a ser o ensino primário e, a
seguir, o secundário. Em segundo lugar, difundiu-se um diagnóstico que
assevera ser desequilibrada a relação entre gastos em pesquisa científica
e tecnologia. Face ao baixo desenvolvimento das atividades científicas e
tecnológicas da região (veja-se Quadro 1) e aos vínculos entre ciência e
tecnologia, este diagnóstico poderia levar a aumento de gastos
governamentais em C&T, priorizando o elemento T de forma a equilibrar
a composição de dispêndios. No entanto, a conclusão retirada do
diagnóstico é, freqüentemente, de que os gastos em ciência devem ser
Cabe lembrar que é o setor produtivo, cujos dados foram antes comentados, quem
amplia sua participação no financiamento de C&T
15
Como as empresas substituem o Governo como o segundo principal executor de pesquisas, vale reiterar as qualificaçòes anteriores quanto aos dados sobre os gastos privados.
16
No Brasil há um importante segmento de universidades públicas que pertencem aos
Estados, notadamente em São Paulo. Nos demais países a maioria é de responsabilidade do
governo central
17
196
Fabio Stefano Erber
mantidos constantes, ou mesmo reduzidos, em favor da tecnologia, o
que é consistente com programas tecnológicos de “teto” baixo e
orientados para uma estrutura produtiva pouco intensiva em tecnologia.
Finalmente, tal entrelaçamento leva as instituições de pesquisa a serem
vítimas da inconclusa crise fiscal e administrativa do Estado pela qual
passam muitos países da região. Esta crise, somada à visão de que o
mercado é a melhor instituição para orientar o desenvolvimento levou
muitos Governos a forçarem instituições de pesquisa a estabelecer
vínculos comerciais com as empresas. No entanto, como vimos
anteriormente, as instituições de pesquisa padecem de uma rigidez de
ativos e a demanda das empresas orienta-se para serviços de baixa
complexidade, em desacordo com a dotação de ativos das instituições
de pesquisa. Paradoxalmente, obtém-se assim, através do mercado, o
oposto de seus desígnios - a má alocação de recursos. Conforme
apontado acima, tanto na Argentina como no Brasil, os serviços
contratados extramuros pelas empresas que investem em inovação
tendem a perder expressão relativa.
Por último, as reformas estruturais dos anos noventa afetam
diretamente o Estado enquanto formulador e executor de políticas. É
neste aspecto que a “agenda negativa” das reformas manifesta-se de
forma mais clara, notadamente na formulação de políticas. Três itens
desta agenda merecem destaque.
Em primeiro lugar, renega-se a importância da autonomia nacional.
Em alguns países, como Brasil e México, no passado este fator foi muito
relevante na ação estatal em favor da C&T local. No presente, o mesmo
fator que contribuía para legitimar a ação estatal nesta área, reduz agora
sua prioridade política.
Em segundo lugar, e vinculado ao primeiro, argüi-se que não
existem distinções entre capitais segundo sua origem. No entanto, há
uma extensa literatura que mostra que as atividades de P&D de firmas
transnacionais tendem a ser centralizadas, normalmente junto ao seu
país de origem. A tendência ao uso de tecnologia importadas tende a
propagar-se, entre os fornecedores e competidores destas empresas.
Ignorar a diferença e não negociar a implantação dessas atividades na
região implica em aceitar um padrão de programas tecnológicos orientado
para atividades de adaptação de tecnologias importadas, mantendo baixo
o “teto” destes programas.
Finalmente, o medo de incidir no pecado mortal de “escolher os
vencedores” baniu a visão de estrutura produtiva do campo das políticas,
reduzindo-as a políticas “horizontais”. A suposição que computer chips
e potato chips são equivalentes do ponto de vista tecnológico e econômico
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
197
é obviamente equivocada e não encontra respaldo na prática dos países
industrializados nem ação dos países de industrialização recente. Mais,
qualquer política “horizontal”, mesmo a mais macro, incide de forma
distinta sobre os vários setores de acordo com a sua base técnica. Como
o personagem de Moliére, que falava em prosa sem saber que o fazia, o
Estado ao adotar políticas “horizontais” faz, inadvertidamente, políticas
setoriais. No entanto, a ignorância é um péssimo guia para a ação e, ao
adotar a ideologia da “horizontalidade” na política de C&T (e em sua
irmã xipófaga, a política industrial), os Estados latino-americanos
privam-se de atuar sobre a estrutura produtiva dos seus países e,
portanto, de fomentar o desenvolvimento.
Para concluir, caberia um breve comentário sobre a cooperação
regional. Dadas as reduzidas dimensões dos sistemas nacionais de C&T
em todos os países da região e a existência de muitos problemas por
vários compartilhados, há um enorme campo para a cooperação científica
e tecnológica. A julgar pela evidência disponível18 , a primeira é mais
forte que a segunda. Provavelmente, isto decorre de vários fenômenos: a
facilidade de estabelecer tratados governamentais de cooperação
científica, que não ofendem interesses e conferem a aura de modernidade
aos signatários; a relativa universalidade da ciência, a pressão para
divulgar resultados e a operação de “invisible colleges” entre os cientistas.
Em contrapartida, a cooperação tecnológica entre empresas privadas
radica no medo e na reciprocidade entre os parceiros e visa a exclusão
dos demais. É portanto, mais difícil de negociar, especialmente a
cooperação que vai além dos contratos de licenciamento e assistência
técnica, como a pesquisa pré-competitiva. A baixa capacidade de P&D
da maioria das empresas locais e a preferência das transnacionais por
fazer seu P&D nos países avançados constitui um óbice a essas formas
mais avançadas de cooperação. Os acordos de integração regional que
vicejaram na atual década aparentemente, pouco contribuíram para
minorar este problema, devido à sua orientação precipuamente
comercial.
CONCLUSÕES
Mantido o marco geral das reformas estruturais acima descritos, e
supondo que a inserção internacional da região não piore e que as
condições de estabilidade econômica e política seja matidas, parece
provável que a C&T na América Latina siga uma trajetória semelhante
à dos anos passados da década: baixa prioridade atribuída a essas
atividade pelo Estado, um aumento dos gastos empresáriais em
atividades tecnológicas de baixa complexidade, com a utilização maciça
18
Para uma análise da experiência entre Brasil e Argentina, veja-se Erber (1999).
198
Fabio Stefano Erber
de tecnologias importadas e um crescimento limitado das atividades
científicas.
No entanto, seja no plano interno dos países da região seja no
âmbito dos países mais avançadas e instituições internacionais, existem
sinais qua a fé na força propulsora das reformas diminui. Ou pelo menos,
que as reformas necessitem de complementação. O s recentes resultados
eleitorais em vários países como Argentina, Uruguai e Venezuela e
manifestações internacionais sobre o “pós Washington Consensus”
apontam nessa direção.
Parece possível que, num novo contexto, regido por outra
estratégia de desenvolvimento, a dimensão da estrutura produtiva volte
a ser priorizada como elemento de promoção do desenvolvimento, iclusive
através da construção de vantagens comparativas internacionais. Neste
caso, será indispensável aos países da região ampliar seu
investimento em atividades de C&T.
BIBLIOGRAFIA
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) (1998) - Estudio Economico
1997-1998
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) (1999) - Estudio Economico
1998-1999
Deutsch, K. (1966) - The Nerves of Government, The Free Press, Toronto.
Dosi et al. (1988) - Technical Change and Economic Theory, Pinter Publishers, Londres.
Erber, F. (1979) - “Política científica e tecnológica no Brasil: uma revisão da literatura” em
J. Sayad (comp.) Resenhas de Economia Brasileira, Edição Saraiva, São Paulo.
Erber, F. (1999) - “Structural reforms and science and technology policies in Argentina and
Brazil”, Seminário Politicas para fortalecer el Sistema nacional de Inovación, SECYT,
Buenos Aires, mimeo.
GACTEC (Gabinete Científico-Tecnológico) (1997) - Plan Nacional Plurianual de Ciencia y
Tecnología 1998-2000, Presidência de la Nación, Buenos Aires.
GACTEC (Gabinete Científico-Tecnológico) (1998) - Plan Nacional Plurianual de Ciencia y
Tecnología 1999-2001, Presidência de la Nación, Buenos Aires.
Herrera, A. (1971) - Ciencia y Política en América Latina, Siglo Veintiuno Editores, Buenos
Aires.
INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos) (1998) - “Encuesta sobre la conducta
tecnológica de las empresas industriales argentinas”, Estudios INDEC 31.
Katz, J. (1999) - “Cambios en la estructura y comportamiento del aparato productivo
latinoamericano en los años 1990 y su relación con lo tecnologico y innovativo”
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
199
Seminário Politicas para fortalecer el Sistema nacional de Inovación, SECYT, Buenos
Aires, mimeo.
Lall, S. (1999) - “Science, technology and innovation policies in East Asia: Lessons for
Argentina after the crisis” Seminário Politicas para fortalecer el Sistema nacional de
Inovación, SECYT, Buenos Aires, mimeo.
MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia) (1997) - Brasil: Indicadores Nacionais de Ciência e
Tecnologia 1990-96, MCT, Brasília.
RICYT (Rede Iberoamericana de Ciencia y Tecnologia) (1999) - Indicadores, http://
www.redhucyt,oas.org/RICYT/indica.htm
Sbragia, R; Krugrianksas, I. and Andreassi, T. (1999) - “Innovative firms in Brazil”, in H.
Etzkowitz, J. Mello, R. Casa and L. Leydesdorff (eds.) Triple Helix in Latin America,
forthcoming.
SEP/CONACYT (Secretaria de Educación Publica/Consejo Nacional de Ciencia y
Tecnologia (1998) - Indicadores de Actividades Cientificas y Tecnologicas Mexico 1997 ,
CONACYT, Mexico.
Teece, D. e Pisano, G. (1994)- The Dynamic Capabilities of Firms : an Introduction, em
Industrial and Corporate Change vol.3. n.3.
Williamson, J. (1990) - Latin American Adjustment: How Much Has Happened?, Institute for
International Economics, Washington.
Resumo
O artigo inicia por uma seção teórica que discute a relação entre as atividades
científicas e tecnológicas desenvolvidas por vários tipos de instituições e o contexto econômico definido pelas políticas públicas. A seguir, analisa as implicações da estratégia de
desenvolvimento seguida na América Latina nos anos noventa, centrada somente em
reformas institucionais, para as atividades de C&T realizadas por empresas e instituições
de pesquisa e para a atuação do Estado nesta área. Após comparar várias fontes de dados,
mostra que o desenvolvimento de C&T nos principais países da região é muito limitado.
Conclui argumentando que uma outra estratégia de desenvolvimento, em que a dimensão
da estrutura produtiva seja privilegiada, implicaria num aumento das atividades de C&T
na região.
Abstract
This article begins with a theorical section which discusses the relationship between
scientific and technological activities developed by different types of institutions and the
economic context defined by public politics. Moreover, analizing the developing strategical
implications have been occuring in the nineties in Latin America, focusing only in
instutucionals reforms towards scientifics and technologicals activities that have been done
by private sectors and research institutions as well as distinguished State´s performance in
this area. The scientific and technological developments in the primordial countries of this
region is very limited, after having comparing with various data. In this form, we conclude
that other strategies of development, which the product structure shall be privilieged in it´s
dimension, would implicate in a rise of the S&T activities of the above mentioned region.
200
O Autor
Fabio Stefano Erber
Bacharel em Economia pela UFRJ (1965); M. A. em Economia do Desenvolvimento
pela University of East Anglia (1971); PhD em Economia pela University of Sussex (1978).
Secretário-Geral Adjunto do MCT (1986/1989); Diretor do BNDES (1992/1994). Atualmente, Professor Titular do Instituto de Economia da UFRJ, consultor de agências internacionais, instituições governamentais brasileiras e empresas privadas.
Internacional
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
201
As novas políticas de
competitividade na OCDE: lições
para o Brasil e a ação do BNDES
ANA CLÁUDIA ALÉM
Levando em consideração a emergência de um novo paradigma
tecnológico e o processo de globalização financeira – aspectos marcantes
das duas últimas décadas -, o objetivo do texto é analisar as mudanças
mais importantes ocorridas recentemente no conjunto de políticas de
competitividade dos países da Organização para Cooperação do
Desenvolvimento Econômico - OCDE.
Na busca de um aumento das exportações, as políticas de
competitividade adotadas pelos países da OCDE têm sido marcadas pela
seletividade. Neste contexto, assiste-se a uma diminuição dos subsídios
diretos às empresas e ênfase no apoio ao investimento em setores
intensivos em tecnologia e à constituição de infra-estrutura necessária
para alcançar objetivos de crescimento de longo prazo.1 Ênfase especial
tem sido dada ao investimento de pequenas e médias empresas e à
organização de clusters industriais, onde a política industrial é vista de
uma maneira mais ampla e seu papel é articular e envolver empresas de
diferentes setores e atividades, com as tecnologias de informação e
comunicações exercendo o papel central.
O texto mostra que, de fato, apesar de os diferentes Estados
Nacionais estarem passando por dificuldades fiscais, tem aumentado
sua participação ativa na promoção de um aumento da competitividade
do sistema econômico, com ênfase, principalmente, no apoio à inovação
tecnológica – área onde a intervenção é permitida no âmbito da
Organização Mundial do Comércio. Os orçamentos governamentais de
P&D tem aumentado em termos reais na maior parte dos países da
OCDE, o que tem se combinado a medidas de estímulo ao investimento
em P&D por parte das empresas. Conforme um documento oficial da
OCDE de 1993, os estados têm considerado fundamental contrabalançar
a significativa exposição ao exterior – via redução das barreiras tarifárias
– por meio de políticas de promoção ao aumento da competitividade de
suas empresas, tanto no que diz respeito ao aumento das exportações
1
Ver OCDE(1996 e 1997).
202
Ana Cláudia Além
quanto em relação à participação nos mercados internos – cada vez
mais abertos à concorrência externa. Sendo assim, a justificativa para
um papel mais ativo dos Estados Nacionais é a pressão da concorrência
internacional que gera a necessidade de se reforçar o potencial de
desenvolvimento nacional e/ou regional. A justificativa teórica para a
adoção de políticas protecionistas se baseia nas novas visões da teoria
do comércio internacional, segundo as quais há a possibilidade de um
país específico obter vantagens relativamente aos seus rivais a partir de
políticas de incentivos a determinadas indústrias estratégicas,
principalmente, àquelas associadas às tecnologias de ponta.2
A utilidade de uma discussão como esta é tirar algumas lições para
o Brasil das políticas de competitividade adotadas nos “grandes países”,
no sentido do de se observar o que pode ser feito para promover o aumento
das nossas exportações, fator fundamental para contornar a atual
restrição externa pela qual passamos e permitir a retomada de uma
trajetória sustentada de crescimento. A recente correção cambial
promoveu um aumento da competitividade de nossos produtos,
entretanto, não foi suficiente. Ainda que haja, de fato, uma defasagem
entre o momento da desvalorização da moeda real e o aumento das
exportações decorrente, principalmente em relação aos produtos
manufaturados, o fato é que nossas vendas externas continuam
extremamente vulneráveis às flutuações dos preços das commodities
internacionais, tendo em vista que mais de 40% da pauta se compõem
de produtos básicos e semimanufaturados.
O fraco dinamismo das exportações sugere a necessidade de uma
política mais ativa de promoção das exportações por parte do governo.
Para se aumentar a competitividade de nossas vendas externas, além de
uma taxa de câmbio favorável, há a necessidade de um aumento da
“sofisticação” da nossa pauta de exportações, o que, como a experiência
internacional demonstra, implicará um aumento do conteúdo tecnológico
de nossos produtos. O grande desafio é promover o aumento da
participação das exportações brasileiras no total mundial, que após
atingir um pico de 1,42% em 1984, caiu para 0,94% em 1998.3 No final
do texto, apresenta-se o que já tem sido feito pelo BNDES no sentido de
apoio ao aumento das exportações brasileiras e retomada do
desenvolvimento econômico.
2
Ver Tyson (1992) e Krugman (1986)
3
Ver IEDI(1999).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
203
AS NOVAS POLÍTICAS DE COMPETITIVIDADE NA OCDE
O Novo Contexto Internacional
Com a globalização da economia internacional, o sucesso de uma
nação passou necessariamente a ser medido pôr sua participação nos
fluxos comerciais. Tendo em vista que os produtos de maior destaque na
pauta de comércio passaram a ser aqueles intensivos em tecnologia, as
políticas tecnológicas surgem como um importante condicionante para
uma maior competitividade e, conseqüentemente, uma maior
participação no comércio internacional. Sendo assim uma característica
importante das novas políticas de competitividade é a crescente
articulação entre as políticas tecnológicas e as políticas comerciais.
As Principais Características das Políticas de Competitividade
Há um grande número de políticas da OCDE que contribuem para
o reforço da competitividade da indústria, com o objetivo de aumentar
sua participação no comércio internacional, acelerar o crescimento
econômico e a criar novos postos de trabalho – o que neste caso explica
a importância conferida aos programas específicos às pequenas e médias
empresas.
A amplitude das novas políticas de competitividade da OCDE é
ampla e dependente de cada contexto nacional, mas suas principais
características são: i) uma forte articulação entre as políticas comercial
e tecnológica; ii) uma tendência progressiva de descentralização/
regionalização das políticas adotadas; iii) uma importante participação
dos Governos na promoção dos gastos em pesquisa e desenvolvimento;
iv) a combinação de políticas de estímulo à concorrência com políticas
de promoção da cooperação e concentração; v) a combinação de políticas
de cunho horizontal e vertical/setorial; e vi) a preocupação não apenas
com o desenvolvimento de novas tecnologias, mas também com sua
difusão rápida em todos os setores da economia. O objetivo das políticas
é a adaptação das empresas às novas tecnologias via, principalmente,
incentivos aos gastos em P&D e à difusão e cooperação tecnológica nas
áreas de pesquisa genérica de longo prazo. Ou seja, as políticas de
competitividade são conduzidas na direção de um crescente investimento
em conhecimento e capacitações em nível da empresa. De fato, a idéia é
acelerar o processo de internalização da capacitação tecnológica.
Além disso, a partir da consolidação das bases regionais para o
desenvolvimento tecnológico, visa-se o fortalecimento das redes de
pequenas e médias empresas e do desenvolvimento de atividades
consideradas estratégicas para o crescimento econômico interno, como
o incentivo aos setores de ponta e às atividades de pesquisa básica.
204
Ana Cláudia Além
Apesar de um discurso liberal no que diz respeito à liberdade de
comércio e competição nos mercados “globalizados”, o que se observa é
uma preocupação por parte dos países membros da OCDE, não apenas
quanto ao aumento de suas exportações para o mundo, mas também
quanto à participação de seus produtos nos mercados internos. Neste
sentido, tem aumentado a participação ativa dos Estados na promoção
de um aumento da competitividade do sistema econômico, enfatizando,
principalmente, o apoio à inovação tecnológica – área onde a intervenção
é permitida no âmbito da OMC. Os orçamentos governamentais de P&D
tem aumentado em termos reais na maior parte dos países da OCDE, o
que tem se combinado a medidas de estímulo ao investimento em P&D
por parte das empresas.
As políticas de competitividade adotadas atualmente pelos países
da OCDE são diferentes das políticas industriais implementadas no pósSegunda guerra que tinham como principal objetivo a reconstrução do
sistema produtivo e a restauração do setor privado, no caso da Europa e
do Japão, e a reconversão industrial para fins civis, no caso dos EUA4 .
As novas políticas de competitividade – mais abrangentes - combinam
alguns instrumentos tradicionais da política industrial com um número
maior e mais complexo de novos mecanismos. Há a combinação de
políticas horizontais com políticas verticais, com crescente importância
destas últimas. Isto reflete o fato de que nos anos 90 o principal objetivo
da política industrial passou a ser a criação das condições necessárias
para que as empresas e a indústria possam concorrer de forma
competitiva em um mercado global.
Os Principais Instrumentos das Políticas de Competitividade
Nos países da OCDE a importância relativa dos incentivos via
programas e projetos tecnológicos com enfoque setorial, regional e pôr
tipos de empresas tem aumentado. A idéia é promover uma contínua
mudança estrutural na indústria no sentido de aumentar a importância
relativa de setores de alta tecnologia – especialmente o complexo
eletrônico.
Como reflexo disto, no período recente, nos países da OCDE observase um crescente grau de seletividade: tem ocorrido uma redução do
subsídio direto às empresas no sentido de privilegiar o investimento em
setores tecnologicamente orientados. Os setores privilegiados são aqueles
sujeitos a uma intensa concorrência internacional, em um panorama de
No caso dos EUA também se destacou o reaparelhamento e renovação de armamentos
para fazer frente à Guerra Fria.
4
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
205
abertura dos mercados. Há uma preocupação particular em incentivar
a cooperação entre as empresas e entre estas e as instituições de pesquisa.
Dentre os principais instrumentos utilizados para o apoio ao
aumento da competitividade da indústria nos principais países da OCDE
destacam-se: i) o uso do poder de compra do Estado e a intervenção
direta para a reestruturação dos setores – utilizados de forma seletiva,
visando setores específicos, principalmente, os setores de ponta; ii)
requisitos de desempenho para o investimento de risco estrangeiro5 ; iii)
subvenções e auxílios fiscal-financeiros, diretos e indiretos - via reduções
da carga tributária ou diretamente por meio da concessão de vários tipos
de subsídios, como empréstimos a taxas preferenciais de juros.
O objetivo das políticas é a adaptação das empresas às novas
tecnologias via, principalmente, incentivos aos gastos em P&D e à difusão
e cooperação tecnológica nas áreas de pesquisa genérica de longo prazo.
Além disso, a partir da consolidação das bases regionais para o
desenvolvimento tecnológico, visa-se o fortalecimento das redes de
pequenas e médias empresas e do desenvolvimento de atividades
consideradas estratégicas para o crescimento econômico interno, como
o incentivo aos setores de ponta e às atividades de pesquisa básica. Ou
seja, as políticas de competitividade são conduzidas na direção de um
crescente investimento em conhecimento e capacitações em nível da
empresa.
As Políticas de Concorrência & o Apoio à Cooperação e Concentração
À primeira vista pode parecer que haja uma contradição na
implementação simultânea de políticas de apoio à concorrência e de
incentivo à cooperação e concentração das empresas. Entretanto, tendo
em vista a necessidade de fortalecimento das firmas em um novo contexto
internacional globalizado de competição acirrada, o apoio a movimentos
de cooperação e concentração torna-se imprescindível levando-se em
conta os altos custos envolvidos na busca de inovações tecnológicas.
Sendo assim, a regulação do poder de mercado em setores oligopolizados
tem como objetivo viabilizar a emergência de setores industriais
internacionalmente competitivos em um ambiente de condições de
concorrência equilibradas entre os produtores domésticos.
Ou seja, se por um lado, o mercado regional deve fornecer as
condições para o desenvolvimento de empresas com escala de produção
e pautas produtivas grandes o bastante para fazer face à concorrência
Por exemplo, requisitos quanto à compra de insumos e componentes locais, obtenção de
um equilíbrio da contas externas em relação às trocas intra-firma e um desempenho mínimo das exportações fora das trocas intra-firma.
5
206
Ana Cláudia Além
no mercado internacional, é indispensável impedir o surgimento de
configurações industriais incompatíveis com os interesses dos países da
OCDE, tais como comportamento monopolístico, acordos restritivos,
barreiras à entrada, entre outros. Apesar da pressão da concorrência
externa sobre os oligopólios locais ser considerada favorável, persiste a
preocupação com a manutenção da soberania nacional, principalmente,
no que diz respeito ao domínio das “tecnologias críticas”.
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS NACIONAIS
Estados Unidos6
No passado, as relações interindustriais nos Estados Unidos
caracterizavam-se pôr: i) alto nível de verticalização das grandes
empresas; ii) baixo grau de cooperação entre produtores finais e
fornecedores; iii) falta de planejamento de longo prazo; iv) alta dispersão
espacial; e v) forte restrição a arranjos cooperativos entre as empresas
dada pela legislação antitruste. Estas características refletiam o baixo
nível de cooperação e articulação entre as empresas, o que dificultava o
desenvolvimento de novas tecnologias.
Com a finalidade de reverter esta situação, as empresas dos EUA
têm se empenhado na modernização de seus modelos gerenciais e na
busca de uma organização da produção mais flexível. É notório o avanço
das alianças estratégicas entre as empresas com o objetivo de facilitar o
acesso a conhecimentos complementares que contribuam para o
aumento de competitividade das empresas face aos competidores
externos, através, principalmente, da exploração de novas oportunidades
tecnológicas. Mas o sinal mais claro de mudanças está no campo da
reestruturação patrimonial, onde cada vez mais se acelera o movimento
de fusões e aquisições de empresas. Este movimento tem como base a
idéia de que é preciso fortalecer os grupos nacionais para que possam
fazer frente ao processo de concorrência cada vez mais acirrado em
nível internacional.7 A defesa da concorrência no mercado interno é
feita simultaneamente a uma intensa regulamentação do acesso ao
mercado doméstico, mesmo com a redução das tarifas. Neste sentido,
destaca-se a importância da federação norte-americana, tendo em vista
que uma quantidade significativa de restrições ao acesso ao mercado
doméstico é de responsabilidade dos estados.
6
Ver NSF (1998) e Bellon (1995).
O Sherman Act de 1890 - que introduziu a legislação anti-truste e de regulação da concorrência - tem sido adaptado no sentido de permitir a conglomeração das empresas norteamericanas em um momento de crescente integração da economia mundial e de necessidade de concentração de capitais com o objetivo de garantir economias de escala e sinergias
tecnológicas.
7
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
207
Quanto à relação setor público/setor privado, a participação do
Estado é mais relevante na estruturação do arcabouço institucionalregulatório que serve de base para a atuação dos agentes do setor privado.
Neste sentido, destaca-se a ação dos lobbies industriais que representa os
interesses privados junto aos poderes executivo e legislativo. As medidas
regulatórias implementadas refletem, de fato, uma significativa
associação entre o setor público e o setor privado e dizem respeito a
áreas estratégicas para o aumento da competitividade da economia norteamericana.
A principal forma de intervenção direta do Estado no sentido de
promover a indústria norte-americana prossegue sendo através da
política de compras do governo que desde 1933 tem sido legislada pelo
Buy America Act. Dentre as medidas do governo com o objetivo de
privilegiar as empresas locais destacam-se: i) a proibição de agências
governamentais de comprarem bens e serviços de empresas estrangeiras;
ii) a definição dos níveis de conteúdo local na produção a ser atendido
nas compras; e iii) a definição de termos preferenciais de preços para
empresas locais. Para se ter uma idéia do nível de proteção, é exigido
nos casos de contratos de suprimento ou construção de agências
governamentais que todos os materiais e bens não-processados
provenham de empresas norte-americanas e que os produtos
manufaturados tenham um mínimo de 50% de conteúdo local. Há
também medidas de apoio às compras de pequenas e médias empresas,
assim como daquelas firmas localizadas em áreas onde as taxas de
desemprego são maiores.8
As políticas de competitividade
Em relação ao investimento dos Estados Unidos em P&D, destacamse três características principais: i) o elevado montante dos gastos totais
– em comparação aos de outros países da OCDE, ver Tabela 1-, ii) o
tamanho do orçamento federal em P&D – os recursos federais ainda
correspondiam a cerca de 40% do financiamento do total de gasto de
P&D em 1995, dos quais a maioria realizada pelo setor privado, ver
Tabela 2; e iii) o domínio das atividades militares no orçamento federal
de P&D nos últimos 30 anos.
8
Além do Buy america Act outros instrumentos importantes são o National Security Act de
1947 e o Defence Production Act de 1950 – relacionados ao setor de defesa; o Programa de
Balanço de Pagamentos do Departamento de Defesa, que impõe uma correção de 50% nos
preços oferecidos pôr empresas estrangeiras, quando comparadas a empresas lociais; o
Competition in Contracting Act de 1984, pelo qual as agências governamentais podem basear
suas compras em objetivos de promoção industrial; e o National Space Policy Directive de
1990, segundo o qual os satélites do governo – que respondem pôr 80% do mercado de
satélites dos EUA – podem ser lançados apenas pôr veículos espaciais fabricados nos EUA.
208
Ana Cláudia Além
A concentração de P&D militar na indústria aeronáutica, de mísseis
e equipamentos eletrônicos significou um importante estímulo indireto
a P&D em todo o complexo eletrônico. Além disso, as compras
governamentais militares têm sido essenciais para o desenvolvimento e
Tabela 1
Gastos em P&D - % do PIB
Reino Alemanha França
1981
1985
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
Unido
2,4
2,2
2,2
2,1
2,2
2,2
2,1
2,1
2,2
2,1
2,1
nd
2,4
2,7
2,9
2,9
2,9
2,8
2,8
2,5
2,4
2,3
2,3
2,3
Japão
EUA
2,1
2,6
2,6
2,7
2,8
2,9
2,8
2,8
2,7
2,6
2,8
nd
2,4
2,9
2,8
2,8
2,8
2,8
2,8
2,8
2,6
2,5
2,6
2,5
2,0
2,3
2,3
2,3
2,3
2,4
2,4
2,4
2,5
2,4
2,3
nd
Fonte: DTI, UK(1998) e IEDI (1998).
Tabela 2
Gastos com P&D financiandos pelo Governo - (% do Total)
Reino Alemanha Itália
Japão
EUA
Unido
1987
39,5
34,7
54,0
19,6
49,1
1988
36,5
34,2
51,8
18,1
47,8
1989
36,4
34,1
49,5
16,8
45,6
1990
35,5
33,9
51,5
16,1
43,8
1991
35,0
35,8
46,6
16,4
38,7
1992
34,3
36,0
44,7
17,5
37,7
1993
33,4
36,7
47,8
19,7
37,7
1994
33,5
37,2
46,4
19,5
36,9
1995
33,3
37,1
47,4
-
36,1
Fonte: DTI(1998).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
209
consolidação de alguns setores de ponta, como a indústria de
semicondutores. De fato, a participação dos recursos federais para P&D
é elevada e superior à média da indústria em setores intensivos em
tecnologia (por exemplo, equipamentos de comunicação e componentes
eletrônicos) e no complexo aeronáutico. Mesmo em setores não
diretamente intensivos em tecnologia, mas que são importantes para a
economia norte-americana e que passam pôr profundas transformações
tecnológicas – como o de equipamentos de transporte – o governo federal
tem sido responsável por parcela significativa da P&D do setor privado.
A nova política de competitividade dos Estados Unidos enfatiza o
redirecionamento da política de C&T do esforço tecnológico militar para
a promoção da capacidade de inovação do setor empresarial civil, se
caracterizando por um certo nível de protecionismo e por uma forma
direta de intervencionismo. Os dois princípios básicos que regem a nova
política tecnológica dos EUA são: i) a constituição de um ambiente précompetitivo via a construção de uma nova infra-estrutura voltada à
produção e difusão tecnológica; e ii) o incentivo à formação de redes e
parcerias entre os diferentes agentes - universidades, agências federais,
empresas e fundações científicas - tendo em vista a complementaridade
das capacitações de cada um.
A parte não subsidiada diretamente da P&D industrial beneficiase de medidas indiretas e deduções fiscais, principalmente, sob a
responsabilidade de estados e municípios. Apesar do caráter
aparentemente genérico/horizontal destes tipos de incentivos, observase que são as empresas dos setores de tecnologia de ponta, especialmente
as novas, aquelas que mais têm se beneficiado dos créditos de impostos
devidos. Isto se explica pelo fato de que como o crédito só é utilizado
quando ocorrem aumentos nos gastos totais em P&D, setores e empresas
que apresentam altas taxas de crescimento e vendas e/ou são intensivos
em gastos em P&D são aqueles positivamente afetados pela legislação.
Vale destacar também o papel dos Industrial Development Boards (IDB)
locais que concedem financiamento a custo baixo para o investimento
na indústria, principalmente, para empresas de alta tecnologia.
Em nível federal, nos últimos dez anos, têm sido implementadas
políticas ativas de proteção à indústria doméstica e de sinalização das
principais linhas de ação a serem exploradas no processo de
desenvolvimento industrial. Com o objetivo de revitalização da política
industrial e tecnológica, o Departamento de Comércio (DC) tornou-se,
na administração Clinton, uma agência central no gerenciamento de
programas de desenvolvimento tecnológico conjunto de firmas apoiadas
pelo governo.9
210
Ana Cláudia Além
Vale ressaltar a criação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
que tem a função de coordenar a política de ciência e tecnologia (C&T)
entre as diversas agências governamentais e de definir as prioridades
governamentais quanto às atividades de P&D.10 Além disso, outros
programas recentemente introduzidos reforçam o protecionismo e o
intervencionismo direto no sentido de aumentar a competitividade da
indústria, dentre os quais: i) programas de apoio ao desenvolvimento
tecnológico; ii) montagem de projetos calcados no desenvolvimento de
pesquisa dirigida; iii) a utilização de instrumentos de política comercial,
com destaque para a seção 301; e iv) a inclusão de exigências de
“conteúdo local” e “reciprocidade” para o acesso de empresas
estrangeiras aos programas financiados pelo governo.
As políticas comercial, de controle do capital estrangeiro e de concorrência
Apesar dos EUA seguir as regras comuns da OCDE em relação ao
movimento de capitais e investimento externo direto, o presidente da
república tem o direito de impedir a compra de ativos empresariais de
firmas norte-americanas por parte de empresas estrangeiras, por motivo
de ameaça à soberania nacional. A seção 5021 do Trade Act de 1988
autoriza o presidente a investigar – através do comitê sobre investimento
estrangeiro nos EUA (CFIUS) - os efeitos na segurança nacional dos EUA
de qualquer fusão ou aquisição de empresas que resulte em controle
estrangeiro. A investigação leva em conta também o efeito potencial da
aquisição e/ou fusão na liderança tecnológica dos EUA. Ou seja, a política
de segurança está estreitamente associada com as políticas industrial e
tecnológica. Apesar do movimento de crescente liberalização dos
mercados promovido pelos países da OCDE, os EUA, como ocorre em
outros países membros, mantém medidas protecionistas a setores
considerados estratégicos.11
Neste sentido, destacam-se ações como: i) o desenvolvimento de tecnologias avançadas
em parceria com o setor privado e a academia; ii) a construção de uma infra-estrutura
tecnológica adequada; e iii) o exercício de uma liderança sinalizadora de ações para o
governo e o setor privado. No que diz respeito ao desenvolvimento de novas tecnologias,
o DC criou o Advanced Technology Program (ATP) que prevê a repartição com empresas
privadas dos custos associados ao desenvolvimento de novas tecnologias com riscos elevados e que apresentem um espectro amplo de possíveis aplicações. O orçamento do ATP
vem crescendo a cada ano, passando de US$ 47 milhões em 1992, para cerca de US$ 800
milhões em 1997. Além do ATP, o Departamento de Comércio tem a função de selecionar
as tecnologias a serem apoiadas e implementar uma série de ações relacionadas a práticas
de “extensão industrial” de escopo regionalizado, através de programas de parceria com o
setor privado.
9
Dentre as principais medidas do Conselho estão: i) a extensão pôr três anos dos créditos
tributários para atividades de pesquisa e experimentação; ii) a redução da taxação sobre
ganhos de capital provenientes de pequenas empresas; e iii) a eliminação de barreiras da
legislação anti-truste ao estabelecimento de joint ventures.
10
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
211
Em relação ao desempenho das exportações, observa-se,
principalmente a partir da segunda metade dos anos 80, um significativo
crescimento das vendas externas das indústrias de alta e média-alta
tecnologia – ver Tabela 3. Estes resultados demonstram o sucesso das
novas política de competitividade implementadas principalmente a partir
de meados dos anos 80.
Como resultado do acúmulo de déficits comerciais e a intensificação
da concorrência internacional, a política comercial dos EUA tem evoluído
de um multilateralismo não -discriminatório para práticas
crescentemente bilaterais, com destaque para a utilização de medidas
TABELA 3
Crescimento médio anual das exportações (%)
1980-85
1985-90 1990-1994
Total da Indústria
2,0
8,0
10,1
Ind. de alta tecnologia
5,2
14,8
9,4
Ind. de média-alta tecnologia
2,5
3,5
11,0
Ind. de média-baixa tecnologia
-2,1
9,5
8,4
Ind. de baixa tecnologia
-0,4
9,6
6,4
Fonte: IEDI(1998).
protecionistas. Como reflexo desta mudança de orientação da política
comercial, a parcela de importações sujeita a algum tipo de barreira
não-tarifária aumentou significativamente, passando de cerca de 12%
na primeira metade da década de 1980, para 21% na segunda metade
da mesma década. O que tem se observado é que simultaneamente ao
processo de redução de tarifas nos EUA e em outros países – como
resultado de muitas rodadas de negociações no âmbito do GATT -, o
número e a importância das barreiras não-tarifárias vêm aumentando
desde a década de 1970, de tal forma que se tornaram mais importantes
do que as tarifas na restrição aos fluxos de comércio internacional.12
11
Por exemplo, exitem restrições à entrada de empresas de capital estrangeiro nos seguintes setores: i) energia atômica; ii) rádio e televisão; iii) transporte aéreo; iv) navegação
costeira e doméstica; v) energia elétrica em terras federais; vi) mineração em terras federais
e/ou na Exclusive Economic Zone; e vii) portos em águas profundas. Em relação ao setor
financeiro, o Federal Reserve pode não reconhecer como primary dealer um banco comercial ou de investimento controlado por estrangeiros, se o governo do país em questão
negar o mesmo tratamento a instituições norte-americanas para operações com securities
governamentais.
212
Ana Cláudia Além
Japão
Dentre as principais características do sistema econômico japonês
destacam-se: i) o processo de aprendizado coletivo; ii) os incentivos e
maior comprometimento dos trabalhadores com as metas da empresa; e
iii) e a elevada flexibilidade do sistema como um todo.
Em nível de organização da estrutura industrial, destacam-se os
Keiretsu – grandes conglomerados japoneses, que participam de diversos
setores industriais - que têm um importante papel na promoção da
cooperação entre as empresas responsáveis pela produção e
comercialização dos bens finais, os vários fornecedores de equipamentos
e partes, componentes, equipamentos e materiais, o banco dos
conglomerados e as agências governamentais. Uma peculiaridade dos
conglomerados japoneses é a delicada combinação de competição e
colaboração, que permite um melhor aproveitamento das oportunidades
de desenvolvimento tecnológico.
As políticas de competitividade
A principal característica das políticas de competitividade japonesas
é a estreita associação entre agências governamentais, setor empresarial
e a comunidade científica e tecnológica. Esse contínuo processo de
consulta tornou-se instrumento fundamental na reestruturação da
economia japonesa e de sua orientação em direção a um alvo comum.
Desta forma, a grande ênfase é colocada no alto nível de conectividade
do sistema japonês de inovação como importante elemento facilitador
do processo de aprendizado e de difusão de novas tecnologias.
O estreito relacionamento entre o Ministry of International Trade and
Industry (MITI) e o setor privado busca o desenvolvimento de sistemas
que visam a coleta de informações técnicas e comerciais. A análise
Nos EUA, destacam-se as seguintes barreiras não tarifárias: i) seção 201 – que se traduz na
proteção temporária sob a forma de restrições ao comércio a indústrias negativamente
afetadas pela concorrência de produtos importados, ainda que estes não incorporem qualquer tipo de subsídio que facilite a sua colocação no mercado norte-americano. Os pedidos
de proteção são analisados pela International Trade Comission (ITC). O Omnibus Trade and
Competitiveness Act de 1988 ampliou a abrangência da seção 201, criando a possibilidade de
proteção em função da perda de market share pôr empresas norte-americanas em indústrias
específicas; ii) seção 301 – que diz respeito à regulamentação de ações para compensar
práticas discriminatórias implementadas pôr outros países contra produtos ou empresas
dos EUA. Recentemente, a criação da “super 301” aumentou a abrangência de ação da
medida, incluindo a possibilidade de implementação de retaliação que pode chegar a um
acréscimo de 100% em termos de tarifas ad valorem de importação sobre produtos importados.; iii) seções 701 e 731 – a primeira autoriza o Departamento de Comércio a investigar
reclamações contra importações que tenham sido favorecidas pôr subsídios à produção ou
à exportação de governos estrangeiros. A segunda autoriza a investigação de reclamações
quanto a práticas de dumping realizadas pôr empresas que exportam para os EUA.
12
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
213
sistemática e detalhada das tendências tecnológicas mundiais e a
identificação de áreas de oportunidade para o desenvolvimento
tecnológico fazem parte do sistema japonês de inovação. De especial
importância em nível nacional, tem sido o uso de sistemas de previsão
tecnológica para a formulação de políticas tecnológicas e industriais de
longo prazo, cujo objetivo é sinalizar a direção do avanço futuro da
economia e da tecnologia, dando às empresas confiança quando realizam
seus próprios investimentos em P&D, equipamentos e treinamento. Além
disso, tais medidas indicam às instituições financeiras privadas quais
áreas e setores deveriam receber tratamento favorável. Tais sistemas têm
visado, principalmente, identificar aquelas novas tecnologias que são
capazes de transformar padrões existentes de crescimento econômico,
como foi o caso do reconhecimento da importância tecnológica da
informação. Neste sentido, destacam-se os sistemas de previsão
tecnológica chamados de visions of the future, que mapeiam a direção do
avanço econômico e tecnológico, oferecendo às empresas, economia e
sociedade japonesas, indicações nas quais possam pautar seus
investimentos, formação e treinamento de recursos humanos, entre
outros.
A preocupação da política industrial com a busca de novas
oportunidades de investimentos nas áreas de fronteira tecnológica reflete
uma estratégia que associa a atuação desejada no futuro e o papel dos
diferentes atores nacionais. Neste sentido, vale destacar os programas
de pesquisa colaborativa apoiados pelo governo cujos principais objetivos
são fortalecer as empresas com maior potencial competitivo e facilitar as
necessárias conexões na cadeia de informação técnico-científica e de
produção e comercialização de novos bens.
Ao estimular projetos nacionais de P&D colaborativos, o MITI tem
sido capaz de promover ainda mais as formas de cooperação, inclusive
entre empresas japonesas concorrentes. Vale ressaltar, entretanto, que o
principal objetivo destes programas é garantir um maior potencial
competitivo às empresas e não reduzir a competição entre elas. Destacase também o papel das associações industriais na definição e promoção
da política tecnológica e industrial, colaborando para a divisão de riscos
e custos entre as unidades participantes, a aceleração do processo de
pesquisa e eliminação de superposições desvantajosas, a reunião de
competências tanto horizontal quanto verticalmente, a difusão de
informações e mobilização de ações ao longo de parcela relevante da
cadeia produtiva.
Dentre os incentivos financeiros ao esforço em P&D, estão o
tratamento preferencial quanto ao imposto devido, subsídios e contratos
de pesquisa governamentais, e empréstimos por parte das instituições
financeiras governamentais a taxas preferenciais. A partir do momento
214
Ana Cláudia Além
em que a política tecnológica japonesa se torna mais seletiva, os subsídios
e contratos de pesquisa governamentais passam a desempenhar um papel
mais importante.
Em relação ao financiamento das atividades de P&D, o Banco de
Desenvolvimento do Japão e a Corporação Financeira para Pequenas e
Médias Empresas têm fornecido empréstimos a taxas preferenciais ao
setor privado. Vale ressaltar que o montante total de auxílio financeiro
direto às atividades privadas de P&D por parte do governo japonês é
relativamente modesto, atingindo apenas 20% do total em 1994 - ver
novamente a Tabela 2. Entretanto, o papel do governo enquanto instância
coordenadora e mobilizadora tem sido fundamental para induzir o setor
privado a investir em áreas e tecnologias consideradas prioritárias pelo
Estado. O montante de gastos em P&D no Japão é o maior dentre os
países da OCDE – ver Tabela 1.
O sucesso das políticas de competitividade adotadas pelo Japão
reflete-se no alto índice de especialização das exportações em setores de
alta e média alta tecnologia – ver Tabela 4.
As políticas comercial, de controle do capital estrangeiro e de concorrência
O Japão continua sendo um país significativamente fechado no
que se refere às importações, quando comparado aos outros países da
OCDE. Apesar das tarifas de importação sobre produtos manufaturados
e matérias-primas aproximaram-se das aplicadas nos demais países
desenvolvidos, alguns produtos como alimentos e bebidas permanecem
sujeitos a tarifas elevadas. Outros produtos, como agropecuários e alguns
manufaturados estão sujeitos a restrições quantitativas, pôr motivos de
saúde e/ou segurança pública. O sistema de controle de importações,
operacionalizado através de autorizações e licenças, é complexo e sujeito
a contínuas alterações e distintas interpretações que dificultam
significativamente a entrada de produtos importados. As associações
TABELA 4
Índice de Especialização das Exportações(%)
Setores de
Setores de
Setores de
Setores de
Alta tecnologia Média-alta tecnologia Média-baixa tecnologia Baixa Tecnologia
1985
1994
1985
1994
1985
1994
1985
EUA
186
159
107
99
50
63
76
1994
85
Japão
148
144
122
125
94
87
25
16
Alemanha
71
68
123
122
90
93
76
76
França
82
96
96
94
107
100
114
119
Fonte: IEDI (1998).
Nota: (1) Participação das exportações do setor no total das exportações industriais
do país dividida pela participação das exportações do setor no total das exportações industriais da OCDE
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
215
empresariais participam em conjunto com o governo na tomada de
decisões sobre os procedimentos legais e padrões dos produtos, o que
confere aos produtores locais vantagens significativas em relação aos
concorrentes estrangeiros. Outras barreiras importantes às importações
são dadas pelos tradicionais sistemas de distribuição japoneses – networks
entre produtores e distribuidores ligados pôr antigas relações e interesses
comuns, muitas vezes caracterizados pela propriedade acionária
cruzada -, e pelo sistema de compras do governo – que implica,
principalmente, uma compra reduzida de computadores,
supercomputadores, satélites, entre outros, de fornecedores
internacionais. As pressões internacionais pôr uma maior liberalização
das importações decorrentes do aumento dos superávits comerciais com
seus principais parceiros internacionais, levaram o Japão a criar em 1990
um programa de incentivos fiscais às empresas que aumentassem as
importações de determinados produtos, como máquinas automáticas
de processamento de dados, calculadoras, circuitos integrados,
instrumentos médicos e fibras óticas.
No que diz respeito às exportações, o Japão subsidia as vendas
externas de acordo com o limite determinado pelo Export Credit
Arrangement da OCDE.
Ao longo da década de 1980, o Japão tornou-se o principal país de
origem dos investimentos externos diretos. Entretanto, como país receptor
de investimentos externos, sua participação prosseguiu sendo modesta.
Em 1979, houve uma importante alteração da legislação de controle do
setor externo. Pela Foreign Exchange and Foreign Trade Control Law todo o
investimento estrangeiro passou a ser autorizado a não ser que fosse
especificamente proibido, ao contrário do que ocorria anteriormente,
quando todo o investimento estrangeiro era proibido a não ser que fosse
especificamente autorizado. Entretanto, alguns setores permanecem sob
restrição à entrada de capital estrangeiro como agricultura, silvicultura,
pesca, mineração, petróleo e couro, como resultado das restrições
admitidas pelo Código de Liberalização dos Movimentos de Capitais da
OCDE. Também há restrições a entrada de capitais em setores associados
à segurança nacional, ordem pública, operacionalização da economia e
reciprocidade internacional como aeronáutica, desenvolvimento
espacial, energia atômica e produção de drogas e vacinas.
Em 1991, a Foreign Exchange and Foreign Trade control Law foi
revisada e em 1992 foi aprovada a Law on Extraordinary Measures for the
promotion of Imports and Facilitation of Inward Investments, estabelecendo
incentivos fiscais, financiamentos e outras formas de apoio ao
investimento estrangeiro. Em 1993, foi criada a Foreign Investment in Japan
Development Corporation sustentada pelo governo e pelo setor privado,
com o objetivo de oferecer serviços de apoio às subsidiárias de empresas
216
Ana Cláudia Além
estrangeiras em início de operação no Japão. Em 1994, foi criado o Japan
Investment Council para a promoção de investimentos estrangeiros no
país.
União Européia13
A política industrial da União Européia baseia-se no Tratado da
União Européia que entrou em vigor em Novembro de 1993 e apresentou
quatro objetivos: i) acelerar a adaptação da indústria às alterações
estruturais; ii) incentivar um ambiente favorável à iniciativa e ao
desenvolvimento das empresas, com destaque para as pequenas e médias
empresas; iii) incentivar um ambiente favorável à cooperação entre
empresas; e iv) promover uma melhor exploração do potencial industrial
das políticas de inovação e de desenvolvimento tecnológico14 . O apoio
financeiro por parte dos países da União Européia ao investimento em
P&D se dá de forma indireta – via reduções da carga tributária,
disponíveis a todas as empresas – ou diretamente por meio da concessão
de vários tipos de subsídios, como empréstimos a taxas preferenciais de
juros.15
Apesar do discurso privilegiar políticas de cunho horizontal, as
políticas setoriais e regionais têm aumentado de importância ao longo
do tempo 16 . Os programas de incentivos além de promoverem um
catching up tecnológico de forma generalizada nas economias
13
A análise da experiência do Reino Unido é de particular importância tendo em vista a
crescente importância do Estado na promoção do desenvolvimento tecnológico, em um
país de tradição de não-intervencionismo do Governo na economia. O que se observa de
fato é que o Reino Unido, ainda que não possua um arcabouço institucional de apoio à P&D
da mesma magnitude do que outros países da União Européia – com destaque para Alemanha e França –, tem tido as mesmas preocupações dos demais no que se refere ao aumento
dos gastos na promoção do desenvolvimento tecnológico, com vistas ao aumento da
competitividade de sua economia. Isto tem se refletido na implementação de diversos
programas com participação tanto direta quanto indireta do setor público. Segundo o
Department of Trade and Industry (DTI) – uma espécie de Ministério da Indústria e do
Comércio do Reino Unido – “the development and diffusion of new technology, for which R&D is
becoming increasingly important, is a key component of innovation. By itself new technology is no
guarantee of sucess, but in general the Government believes that an increase in R&D activity would
be of benefit to the economy. It is therefore concerned to examine what steps might be taken to
encourage more R&D...”(DTI, 1998).
14
Ver Cassiolato (1996), Marchipont (1995), e Freeman e Oldham (1991).
Há uma variedade de programas de cooperação para o financiamento público de atividades de P&D no âmbito da União Européia, com destaque para: a)Programa-Quadro Comunitário: apoio às políticas públicas, aos setores de telecomunicações e informática, estímulo
à inovação industrial, nuclear, pesquisa básica e formação; b)Programa Eureka : concentrase no estímulo à inovação industrial e ao desenvolvimento tecnológico na área de telecomunicações e informática; c)Agência Espacial Européia - totalmente voltada para o setor
espacial. Ver IEDI (1998) e home page da União Européia.
15
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
217
comunitárias, também têm um enfoque setorial, privilegiando os setores
estratégicos em termos internacionais.17
Em termos de financiamento dos programas, destacam-se os fundos
estruturais que financiam a reconversão de zonas afetadas pelo declínio
industrial; a reestruturação industrial; o ajuste e a modernização da
agricultura e pesca; o desenvolvimento de zonas rurais; e o combate a
greves de larga duração.18
Alemanha
A Alemanha é hoje a terceira maior economia do mundo e responde
por cerca de 25% da economia da União Européia.
Na década de 90, a política industrial passou a ser conduzida a
partir de duas questões principais. Em primeiro lugar, privilegiou-se o
auxílio às novas lander – anteriormente Alemanha Oriental –, no processo
de catching up tecnológico em relação às empresas do restante do país.
As medidas de apoio incluíram suporte e promoção de financiamento
de projetos de pesquisa, de pessoal de P&D interno às empresas, de
cooperação entre empresas e instituições públicas de pesquisa, parques
tecnológicos e incubadoras. O financiamento destas iniciativas foi
viabilizado tanto pela participação direta do Governo Federal, como por
meio de fundos supranacionais oriundos do European Recovery Program
(ERP). Os investimentos resultantes da implementação destes programas
foram acompanhados por reformas complementares visando reduzir a
As políticas setoriais incluem a proteção seletiva e temporária, bem como iniciativas que
resultem em redução da capacidade instalada ou realocação espacial das firmas. As regionais, pôr sua vez, têm o objetivo de assegurar a redução dos desníveis de competitividade
entre indústrias e países da região.
16
17
Além disso, os programas da UE focalizam regiões deprimidas, normalmente situadas
em áreas rurais subdesenvolvidas com baixo nível de renda e alto grau de desemprego,
bem como regiões com indústrias em crise. Grande parte dos empréstimos e subsídios
concedidos complementam planos de desenvolvimento financiados pelos Estados Nacionais. Destacam-se os financiamentos concedidos pelo Banco de Investimento Europeu,
com duas modalidades de empréstimos, os globais - orientados para investimentos em
novos ativos fixos, infra-estrutura e melhoria ambiental-; e individuais, para projetos de
investimento de longo prazo.
18
Os principais fundos estruturais são: i) Fundo Social Europeu - destinado ao financiamento de treinamento e requalificação de mão de obra; ii) Fundo Europeu de Garantia e
Orientação Agrícola - voltado para a melhoria das condições de processamento e
comercialização dos produtos agrícolas e pesqueiros; iii) Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) - inicialmente direcionado para o desenvolvimento de infraestrutura industrial, passou a incorporar no escopo de suas ações subsídios para redes de
comunicação, P&D em regiões selecionadas e infra-estrutura de educação e saúde. Em
1997, estavam sendo apoiados 470 programas em toda a UE.
218
Ana Cláudia Além
carga tributária incidente sobre as empresas e o impacto decorrente do
custo de mão-de-obra, considerado elevado pelos padrões internacionais.
Em segundo lugar, houve a constatação, divulgada em um
documento publicado em 1993, de que todos os esforços realizados a
partir dos anos 70 não foram suficientes para promover as mudanças
estruturais fundamentais para se alcançar competitividade nos setores
ligados às novas tecnologias de base microeletrônica, o que se explicaria
pelo fato de as políticas adotadas estarem organicamente associadas ao
paradigma anterior. Como resultado, a partir de 1995, houve uma revisão
profunda do sistema de inovação alemão com vistas a adaptá-lo para
atender às necessidades do paradigma da microeletrônica. Além disso,
houve uma ampliação do espaço das políticas para o setor de
microeletrônica do nível nacional para o nível da União Européia, sob a
idéia de que proporcionar P&D em todas as novas tecnologias
ultrapassaria a capacidade de qualquer economia européia, mesmo a
alemã.19
A especialização da estrutura industrial
A análise da estrutura industrial alemã aponta para uma acentuada
especialização em ramos industriais de nível tecnológico médio-alto, que
em 1995 respondiam por quase 40% do valor adicionado gerado na
indústria20 . Comparando a situação alemã com o que se observa nos
EUA, Japão e França, percebe-se que a participação alemã no valor
adicionado industrial nos ramos de alta tecnologia é a menor, ao mesmo
tempo em que a evolução na participação deste ramo entre 1980 e 1995
também foi inferior. O recuo da participação da indústria de alta
tecnologia na Alemanha fica ainda mais claro tendo em vista a análise
do perfil de especialização das exportações – ver Tabela 4. Dos quatro
maiores países da OCDE, a Alemanha é o país que apresenta uma
especialização mais deficiente nos setores de alta tecnologia. Em relação
à União Européia a tendência tem sido de um declínio na especialização
em bens de alta tecnologia, com exceção do Reino Unido (em
computadores e equipamentos para telecomunicações) e França
(aeroespacial). Os resultados demonstram que é no ramo de produtos
de nível tecnológico médio-alto que a indústria alemã ainda detém o
domínio das exportações em relação aos demais países da União
Européia. No caso da Alemanha este ramo reúne as indústrias
Destacam-se dois projetos: a participação extensiva no Joint European Submicron Silicium
(Jessi) – realizado dentro da iniciativa européia EUREKA – e o projeto de cooperação
transatlântica em P&D, com o objetivo de se constituir uma infra-estrutura de P&D e
capacidade produtiva em microeletrônica.
19
20
Ver IEDI(1998).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
219
automobilística, química, de máquinas e equipamentos elétricos, além
de outros produtos metálicos.
As políticas de competitividade e o sistema de inovação
Como resultado da própria estrutura administrativa do governo
federal alemão, os estados e os governos locais assumem um papel
fundamental nas políticas de desenvolvimento econômico regional, não
apenas no planejamento de ações, bem como no financiamento do
investimento industrial, na constituição de infra-estrutura e na criação
de mecanismos de transferência de conhecimentos.
Uma parte significativa dos incentivos tem se direcionado às
pequenas e médias empresas intensivas em inovação, no sentido de
auxiliá-las no financiamento de venture capital necessário ao seu
crescimento. Um aspecto importante é que os incentivos têm se realizado
crescentemente sob a idéia de “agregados industriais estratégicos” e
clusters industriais onde a política industrial é vista de uma maneira
mais ampla, envolvendo empresas de diferentes setores e atividades com
as tecnologias de informação e comunicação jogando o papel central.
A preocupação central é internalizar as tecnologias de base
microeletrônica nos diferentes setores da economia. Como resultado da
preocupação do governo alemão com a melhoria do sistema nacional de
inovação, principalmente, no que diz respeito à necessidade de uma
maior interação dos diversos agentes participantes do esforço inovativo,
foi criado em 1994 o Ministério Federal de Educação, Ciência, Pesquisa e
Tecnologia (BMBF) – que responde pela maior parte dos recursos
investidos na área de P&D -, a partir da fusão do Ministério da Educação
e Ciência e o Ministério da Pesquisa e Tecnologia.
Além do BMBF, o Ministério Federal da Defesa e o Ministério Federal
da economia também direcionam parte de seus recursos para a área de
P&D. A reestruturação foi realizada com a finalidade de aumentar os
gastos públicos em P&D, e ao mesmo tempo estimular o setor privado a
aumentar os seus gastos.
O caráter diffusion-oriented da política tecnológica alemã se reflete
na adoção de programas e instrumentos voltados para o apoio a
determinadas tecnologias de uso genérico e na promoção de diversas
instituições públicas e privadas, voltadas para a transferência tecnológica
para o setor produtivo.
As políticas alemãs de apoio ao desenvolvimento tecnológico
combinam instrumentos de cunho horizontal e vertical, onde a articulação
do governo com o sistema financeiro local no que diz respeito à alocação
de recursos é fundamental.
220
Ana Cláudia Além
As formas de incentivos podem ser diretas, na qual existe uma
relação contratual específica entre o poder público e a empresa
beneficiária, indiretas genéricas/horizontais, e indiretas específicas/
verticais, direcionadas a setores tecnológicos bem definidos.21
Os programas tecnológicos assumem duas direções: i) prestam
auxílio direto a projetos de P&D para o desenvolvimento de novos
produtos ou processos; e ii) fornecem incentivos indiretos a fim de
estimular o processo de difusão tecnológica tanto pelo fortalecimento
da capacidade de absorção das empresas como pelo apoio à P&D
cooperativa.
Em termos monetários, os esquemas de apoio direto e financiamento
a programas de P&D assumem uma importância muito maior do que os
de incentivo indireto. Entretanto, os esquemas de apoio indireto
desempenham um papel fundamental na melhoria e desenvolvimento
das atividades de P&D relacionadas ao segmento das pequenas e médias
empresas que têm uma participação menos ativa nos programas de P&D
do governo federal, em comparação com o grau de inserção das grandes
empresas nestes programas. De fato, verifica-se que os programas
promovidos pelos estados costumam apresentar um perfil mais adequado
ao segmento das pequenas e médias empresas.
A preocupação com a descentralização das políticas industriais e
tecnológicas na Alemanha reflete-se no aumento da participação tanto
dos estados quanto dos governos locais no processo de capacitação
tecnológica do setor produtivo regional.
De fato, a análise dos gastos com P&D e ciência e tecnologia
promovidos pelos diferentes níveis de governo e pelo setor privado mostra
que entre 1993 e 1995, a participação do setor privado reduziu-se,
enquanto que a participação dos estados e governos locais aumentou22 .
Os instrumentos financeiros de caráter genérico compreendem: i) a contribuição para
gastos de P&D ligados a pessoal de pesquisa; ii) contribuição para investimentos em P&D;
iii) promoção de empresas technology-oriented; e iv) consórcio de pesquisas entre empresas
e institutos de pesquisa; e crédito para reconstrução. No que se refere ao apoio a setores
específicos, destacam-se: i) o programa para o desenvolvimento da tecnologia industrial –
adoção de sistemas baseados em computadores e uso de robôs; ii) subsídios à P&D industrial em setores de alta tecnologia (energia, informática, biotecnologia, etc...); iii) programa
para a automação das fábricas; iv) programa “aplicações de microeletrônica”; v) apoio a
pesquisa básica em física ; e vi) programa especial para tecnologia de produção – visa a
automação de escritórios e fábricas do ponto de vista organizacional.
21
22
Ver IEDI (1998).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
221
As políticas comercial, de controle do capital estrangeiro e de concorrência
Apesar do movimento de crescente liberalização dos mercados que
vem sendo promovido tanto nos países da União Européia quanto na
OCDE, a Alemanha, a exemplo dos demais países membros, ainda aplica
determinadas exceções a estes acordos visando a proteção de setores
considerados estratégicos. Na Alemanha, as empresas estrangeiras
legalmente estabelecidas dispõem de acesso aos fundos de P&D
financiados pelo governo, desde que cumpram certos critérios de seleção
como a manutenção de uma determinada estrutura de P&D no país e o
cumprimento da legislação para transferência dos resultados da P&D
para o exterior.
No que diz respeito ao apoio às exportações, a Alemanha não dispõe
de uma política de subsídios diretos às exportações, com exceção dos
esquemas adotados no âmbito da União Européia que estabelecem
algumas formas de subsídio à exportação de produtos agrícolas.
Entretanto, diferentes entidades governamentais e semigovernamentais
oferecem programas de financiamento para exportações.
Em relação à proteção ao mercado local, ainda que não apresente
barreiras formais à importação de uma série de produtos, a Alemanha
exige rígidos padrões de segurança que dificultam o acesso externo ao
seu mercado doméstico. Estes padrões podem exigir tanto a modificação
nos produtos importados como algum tipo de certificação decorrente
das normas que são estabelecidas pelo Instituto Alemão de Padronização.
No que diz respeito às políticas de proteção à concorrência, na
Alemanha não existe uma legislação que proíba a concentração no
controle das empresas – considerada um instrumento eficiente -, ainda
que eventuais excessos tendam a ser controlados tanto pela legislação
quanto pelo comportamento ético característico dos bancos alemães.
Entretanto, o processo de reestruturação de empresas por meio da
tomada de controle acionário (take-over) constitui uma área extremamente
vigiada na Alemanha, em razão das dificuldades de obtenção de um
consenso envolvendo acionistas, trabalhadores e quem passa a assumir
o controle da empresa – o que torna esta operação pouco atraente como
instrumento para a reestruturação. A lei das companhias e fusões torna
difícil a realização deste tipo de operação.
França
A política industrial francesa nas últimas décadas tem se
caracterizado pela estreita associação de interesses entre o Estado e um
núcleo de grandes empresas localizadas em setores dinâmicos da
222
Ana Cláudia Além
economia, muitas delas com expressiva – ou até preponderante –
participação do capital estatal23 .
Um aspecto importante da Política Industrial francesa
implementada nas últimas décadas é a definição de prioridades setoriais
que orientam o esforço de criação de capacitação produtiva e tecnológica
da indústria – com destaque para grandes programas públicos nos setores
de telecomunicações, aeroespacial e setor de energia nuclear.
No que diz respeito ao financiamento dos projetos, destaca-se a
concessão de incentivos financeiros à realização de investimentos por
empresas nacionais e estrangeiras pôr meio da DATAR, a agência do
governo responsável pôr este tipo de suporte. O principal incentivo
oferecido pela DATAR baseia-se em um prêmio para o direcionamento
de investimentos para áreas selecionadas (PAT).
A política industrial francesa tem tido, preponderantemente, uma
ênfase setorial a partir do apoio à montagem de grandes projetos
aglutinadores de competências em áreas estratégicas, negligenciando,
em certa medida, as políticas de cunho horizontal, como o apoio a
pequenas e médias empresas e correção de desequilíbrios regionais – o
que neste caso reflete, de fato, a ausência de desequilíbrios regionais
mais sérios no caso francês.
O governo francês tem tentado reverter esta situação, tendo em
vista que, nos últimos anos, as pequenas e médias empresas têm sido
aquelas que vêm sustentando um maior volume de emprego, face ao
processo de reestruturação produtiva, organizacional e patrimonial
experimentado pelos grandes grupos econômicos. As medidas de apoio
às pequenas e médias empresas visam, principalmente, a favorecer a
realização de investimentos em capacitação produtiva e tecnológica, e a
melhoria do acesso ao crédito.
No que diz respeito à redução dos desequilíbrios regionais, nos
últimos anos, algumas medidas vem sendo tomadas visando a
dinamização de determinadas regiões, como: i) mobilização de créditos
para a conversão das indústrias de determinadas regiões afetadas
desfavoravelmente pela concorrência externa (mineração e construção
naval, pôr exemplo); e ii) a criação de pólos tecnológicos.
No que diz respeito à política tecnológica, medidas direcionadas a
encorajar atividades de P&D, inovação e difusão tecnológica por parte
23
Ver Aujac (1996).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
223
das empresas são tradicionalmente tratadas como prioridade dentro do
padrão de intervenção governamental observado nas últimas décadas.24
A participação do governo no sistema de P&D é inegável: em 1994,
o governo era ainda responsável pôr 50% dos recursos mobilizados para
financiamento de atividades de P&D, sendo também responsável,
diretamente, pôr 38% dos esforços executados. Uma característica
marcante da economia francesa é a forte simbiose existente entre os setores
público e privado. Há o estímulo à consolidação de um sistema de
participações cruzadas e circulares entre empresas privatizadas e públicas
– com conseqüente imbricação dos respectivos conselhos de
administração –, o que reforça a solidariedade orgânica entre o setor
empresarial público e privado, traço marcante do capitalismo francês.
A política comercial e o padrão de especialização da indústria
O sistema tarifário francês segue as regulamentações mais gerais
definidas pela UE. As tarifas incidentes sobre produtos importados de
fora da UE são relativamente moderadas. Para diversas matérias-primas
importadas a tarifa é zero ou baixa, enquanto que para os produtos
manufaturados as tarifas vão de 5 a 17%.
A maioria dos produtos agrícolas importados enquadra-se nas
regulações da Política Agrícola Comum (CAP) da UE, pelas quais os
diversos produtos são taxados de forma diferenciada de forma a permitir
uma equalização dos preços das commodities importadas com aqueles
vigentes na UE. Há, também, a imposição de taxas adicionais a serem
acrescentadas às tarifas cobradas sobre as importações de determinados
produtos.
Vale enfatizar que apesar de as tarifas serem moderadas, há diversas
barreiras não-tarifárias, com vistas a proteger ou beneficiar a indústria
doméstica, como a utilização de padrões técnicos como meio de barrar
produtos estrangeiros. Os produtos importados têm de se adequar aos
requisitos impostos pelo sistema de normalização francês, que se baseia
O apoio oferecido pelo governo francês a programas de P&D realizados pelo setor
empresarial abrange: i) programas internacionais de caráter cooperativo – responsáveis
pôr aproximadamente 10% do orçamento de P&D francês, em particular aqueles montados no plano intra-europeu, como o programa EUREKA; ii) suporte a programas de desenvolvimento tecnológico realizados no setor privado, desenhados de forma a incentivar a
transferência de tecnologias para pequenas e médias empresas; iii) programas nacionais de
pesquisa em áreas estratégicas, com ênfase nas áreas espacial, ciências físicas, aeronáutica,
telecomunicações, eletrônica, energia nuclear e de pesquisa em engenharia; e iv) suporte às
atividades de pesquisa e inovação em pequenas e médias empresas, pôr meio de arranjos
institucionais especificamente desenhados de forma a promover a aplicação prática de
resultados de pesquisas públicas e a facilitar o processo de difusão tecnológica.
24
224
Ana Cláudia Além
em normas relativamente complexas – principalmente no que diz respeito
à performance e à segurança -, o que implica a realização de testes
sofisticados que devem ser realizados em território francês, acarretando
um custo adicional para os importadores.
Dentre os produtos mais afetados pôr este tipo de controle,
destacam-se: os produtos eletrônicos, equipamentos de telecomunicações
e produtos agrícolas sujeitos a normas de controle fitossanitário. A
adequação a normas e padrões específicos é obrigatória para produtos
adquiridos pôr meio de contratos pôr empresas públicas, bem como para
máquinas e equipamentos, ferramentas, eletrodomésticos, equipamentos
esportivos e brinquedos.
A evolução favorável das exportações nos últimos anos tem
decorrido, principalmente, de: i) a consolidação do mercado comum (em
1996, cerca de 63% das exportações francesas se dirigiram para parceiros
da UE – com destaque para Alemanha, Reino Unido, Itália, BélgicaLuxemburgo e Espanha -; ii) a especialização do setor empresarial em
setores onde ele apresentava vantagens competitivas reveladas, que lhe
permitiam uma inserção positiva na concorrência internacional; e iii) a
adoção de medidas de política econômica explicitamente orientadas à
criação de estímulos às exportações; via programas de desenvolvimento
em indústrias de alta tecnologia, como no caso do setor aeroespacial, e o
apoio às pequenas e médias empresas. Observou-se entre 1980 e 1994,
um expressivo aumento do índice de especialização das exportações em
setores de alta tecnologia – indústria aeronáutica – e em setores de
indústrias tradicionais – como alimentação e bebidas – nos quais a França
tradicionalmente se destaca como importante exportadora. As
exportações de produtos de alta tecnologia vêm apresentando um
crescimento significativo – ver Tabela 5. No período mais recente, as
evidências indicam que a competitividade da indústria francesa está cada
vez menos fundamentada em preços e mais associada à qualidade e ao
nível tecnológico dos produtos.
As políticas de controle do capital estrangeiro e de concorrência
Quanto à política relativa ao capital externo, a partir de 1987 se
inicia um processo de progressiva desregulamentação, que se refletiu
em um aumento da entrada de investimentos externos de US$ 2,6 bilhões
em 1985 para cerca de US$ 24 bilhões em 1995.
No mesmo período, a participação dos investimentos externos
diretos (IED) realizados na França em relação ao total realizado na UE
se elevou de 14% para 20%, enquanto que a participação dos IED na
França em relação ao conjunto dos investimentos externos realizados
em países da OCDE passou de 5% para 11% no mesmo período. A
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
225
contrapartida deste processo é o crescimento dos investimentos realizados
pôr empresas francesas no exterior.
Vale ressaltar que os potenciais investidores estrangeiros, em
determinadas situações, sofrem uma discriminação quanto ao local de
residência. As autoridades francesas determinam a nacionalidade de
uma empresa com base no local de residência de seus proprietários, sem
considerar o local de incorporação do capital. Sendo assim, qualquer
empresa cujo capital foi incorporado em países da UE, mas cujos
principais proprietários ou controladores não sejam residentes nos países
da UE é considerada não-européia para fins de regulamentação de
investimentos externos. Empresas de capital aberto são consideradas nãoeuropéias se um único investidor, ou grupo de investidores atuantes em
conjunto, possuir mais de 20% do capital votante da empresas, mesmo
quando residentes na UE detém mais de 50% do capital da firma.
No caso de empresas que não são de capital aberto, o governo
francês define como não-européias aquelas empresas nas quais um único
investidor, ou grupo de investidores atuando em conjunto, controlam
mais de 33,3% do capital da firma, a menos que uma pessoa residente
na UE controle mais de 50% do seu capital.
O governo francês se resguarda, ainda, o direito de declarar que
uma determinada empresa é controlada pôr não-residentes na UE,
mesmo quando parcela do capital controlada pôr investidores nãoeuropeus localiza-se abaixo dos patamares mencionados anteriormente.
Há ainda algumas restrições setoriais: setor agrícola; construção
aeronáutica; transportes aéreos no interior da França; setor nuclear;
atividades bancárias; transporte marítimo; e atividades editoriais.
Em 1993, o programa de privatizações foi retomado com maior
vigor. Um aspecto marcante do processo foi a progressiva “abertura”
para investidores externos. Entretanto, apesar da liberalização da entrada
Tabela 5
Crescimento das Exportações Setoriais Francesas - média anual (%)
1980-85 1985-90
1990-94
Total da Indústria
2,1
5,1
5,9
Ind. de alta Tecnologia
6,7
10,8
9,4
Ind. de Média-Alta Tecnologia
1,8
4,5
5,5
Ind. de Média-Baixa Tecnologia
0,0
2,7
3,8
Ind. de Baixa Tecnologia
2,9
6,4
5,3
Fonte: IEDI (1998).
226
Ana Cláudia Além
de capitais externos para participação no processo de privatização, o
governo manteve uma golden share nos empreendimentos de forma a
proteger os interesses nacionais. Basicamente, a intervenção do governo
no processo de compra de empresas privatizadas por empresas
estrangeiras decorre de três direitos legais: i) o direito de requerer uma
autorização prévia do Ministério da Economia no caso de investidores
ou grupo de investidores atuando em conjunto para adquirir mais de
uma determinada percentagem do capital das empresas privatizadas;
ii) o direito de nomear até dois membros não-votantes do conselho de
direção das empresas privatizadas; e iii) o direito de bloquear a venda
de ativos das empresas privadas de maneira a resguardar ‘interesses
nacionais”, envolvendo não apenas ações como também edifícios,
tecnologias, patentes, marcas ou qualquer outro ativo tangível ou
intangível.
No que diz respeito à política de defesa da concorrência, a
preocupação com práticas anticompetitivas se acirrou com o processo
de privatização. Apesar das mudanças na legislação com o objetivo de
criar obstáculos a operações hostis de take over, é possível observar uma
intensificação das operações de fusões e aquisições a partir do final da
década de 80.
A ATUAÇÃO DO BNDES: O QUE JÁ TEM SIDO FEITO
Após a consolidação do processo de estabilização, assume destaque
a discussão sobre os desafios a superar para a retomada de um novo
ciclo de desenvolvimento da economia brasileira. Neste novo ciclo, apesar
de restar ao Estado um papel de menor expressão na execução direta do
investimento em relação ao que se observou no passado, sua ação
continua essencial para construir as bases para a retomada do
desenvolvimento econômico. Isto implica a necessidade de recuperação
das atividades de formulação de políticas e de desenvolvimento de
instrumentos de atuação condizentes com a nova configuração
macroeconômica do país e com a necessidade de intervenção precisa e
seletiva que deverá caracterizar a atuação governamental nos próximos
anos. É neste sentido que o BNDES, como principal agência de promoção
do desenvolvimento à disposição do governo, tem um papel fundamental
a cumprir.
De 1994, ano que marcou a retomada dos financiamentos, a 1998,
os desembolsos reais do BNDES apresentaram um crescimento real
acumulado de mais de 300%. Esse maior volume de operações se deu
como resultado não apenas da expansão das atividades tradicionais com
os setores industriais e de infra-estrutura, como também de um
significativo aumento dos desembolsos em áreas como o setor de serviços
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
227
– shopping centers, turismo, parques temáticos, etc. –, financiamento à
exportação, apoio a projetos de alto impacto social e programas de
estímulo à privatização estadual.25
Tendo em vista o que foi discutido ao longo do artigo, a seguir são
destacadas algumas áreas particularmente importantes para se promover
uma retomada do desenvolvimento e o aumento das exportações
brasileiras que já vêm sendo privilegiadas pelo BNDES.
O financiamento às exportações
A queda da participação do Brasil no comércio mundial,
incompatível com o objetivo de acelerar o crescimento do PIB, têm
incentivado a adoção de medidas no sentido de fortalecer sua política
de exportações, aperfeiçoando os mecanismos financeiros de estímulo
às exportações, incentivando uma maior inserção em novos mercados,
particularmente em “nichos” com grande potencial de expansão em
função de vantagens comparativas, e adotando uma política mais
agressiva de divulgação dos produtos brasileiros no exterior.
A necessidade de solucionar o problema do alto déficit em transações
correntes, pelo qual a economia brasileira passa atualmente, requer uma
expansão significativa das exportações brasileiras, o que exige um
aumento de sua competitividade. Neste sentido, o BNDES tem agido
em duas frentes principais: em primeiro lugar, incentivando o aumento
da competitividade das empresas (e.g., pela ampliação dos
financiamentos às pequenas e médias empresas inovadoras através do
Condomínio de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica Contec); em segundo, aprofundando os mecanismos de financiamento
ao comércio exterior.
Em 1991, o BNDES criou a linha de financiamento FINAMEX,
através da qual passou a apoiar as empresas exportadoras de bens de
capital estabelecidas no país, nacionais ou estrangeiras, a partir de
instrumentos de financiamento competitivos com os similares oferecidos
no mercado internacional. Havia duas linhas de desembolso: i) préembarque, voltada para o financiamento da produção para exportação,
e ii) pós-embarque, destinada ao financiamento da compra de produtos
brasileiros de exportação. O financiamento - restrito a 85% do valor
exportado na linha pré-embarque e a 85% do valor FOB das exportações
financiadas, na linha pós-embarque - dava-se via instituições financeiras
credenciadas a um custo dado por: TJLP/Dólar + Libor de 6 meses +
Spread de 5% (linha pré-embarque); e Taxa de Desconto + Taxa de
25
Ver Além (1997 e 1998).
228
Ana Cláudia Além
Cobrança + Comissão de Administração + Comissão de Compromisso
(linha pós-embarque). O prazo total de financiamento era de até 30
meses no caso da linha pré-embarque e de até oito anos para a pósembarque. A partir de 1994, foram registrados aumentos significativos
dos desembolsos do BNDES para financiamentos às exportações,
principalmente para as operações de pós-embarque. No final de 1996, o
total de desembolsos atingiu US$ 388,3 milhões, ante os US$ 32,8 milhões
registrados no primeiro ano de atuação do Finamex.
Em 1997, a linha de financiamento à exportação foi ampliada. Com
o novo nome de BNDES-exim, passou a apoiar praticamente todos os
setores exportadores, não se restringindo mais ao setor de bens de capital.
A cobertura do financiamento passou dos 85% anteriores para 100%,
tanto na linha pré como na de pós-embarque. Além disso, foi criada
uma linha pré-embarque especial com o objetivo de financiar a produção
nacional de bens exportáveis, sem vinculação com embarques específicos
- ao contrário do que é exigido pela linha pré-embarque -, mas com
período pré-determinado para a sua efetivação. O custo do
financiamento passou a ser composto por: custo financeiro (variação do
dólar + Libor) + Spread básico (com instituição financeira garantidora,
1,0% a.a.; com instituição financeira mandatária, 2,0% a.a.) +Spread de
Risco (nas operações com instituição financeira garantidora, negociado
entre a instituição financeira credenciada e o cliente. O prazo total de
financiamento é de até 30 meses para as linhas pré-embarque e préembarque especial, e de até 12 anos para a linha pós-embarque.
A ampliação das linhas de financiamento às exportações resultou
em um aumento expressivo dos desembolsos em 1997, que atingiram
cerca de US$ 1,2 bilhão, 205% acima do valor registrado em 1996. Em
1998, os desembolsos dobraram em relação ao ano anterior, chegando a
US$ 2,4 bilhões.
BNDES também fornece apoio financeiro a tradings desde 1994.
Inicialmente, foram apoiadas as operações pós-embarque e/ou operações
com grandes fabricantes/corporações, quando era mais conveniente
assumir o risco do fabricante contra o risco da trading. Entretanto, tendo
em vista o potencial das tradings e empresas comerciais exportadoras
como fator de alavancagem de exportação de pequenas e médias
empresas, ampliou-se o apoio inclusive para operações pré-embarque.
O principal foco de ação é o fomento à exportação através de tradings e
das empresas comerciais exportadoras usando sua logística junto a
empresas de pequeno porte. Nesse esforço, até agosto de 1999, já foram
aprovados recursos da ordem de R$ 380 milhões para utilização por
tradings e comerciais exportadoras, comparados com os R$ 273 milhões
em 1998.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
229
O apoio às micro, pequenas e médias empresas
O BNDES, desde 1965, conta com linhas de crédito específicas para
as micro, pequenas e médias empresas (MPME). Apesar das muitas
dificuldades em atender o segmento, dadas suas características de banco
sem agências, e voltado para projetos, ainda assim, em 1998 o BNDES
aplicou cerca de 35% do orçamento do Banco no ano nas MPME.
Recentemente, foram introduzidos vários aperfeiçoamentos não só nas
linhas de financiamento propriamente ditas, mas sobretudo no Fundo
de Garantia para a Promoção de Competitividade (FGPC), facilitando o
acesso da MPME ao crédito.26 Foi alterada a classificação de porte das
empresas que permite que um número maior de firmas seja incluído na
categoria de micro, pequena e média e, portanto, possa se beneficiar de
crédito privilegiado. Foi adotado o padrão MERCOSUL, praticado pelo
Brasil no âmbito do Mercosul e aceito pelo Banco Mundial, que tem por
base o faturamento ROB das empresas.27 Foram também, aumentados
os percentuais de participação do BNDES nos financiamentos.28
Além disso, o BNDES passou a operar em conjunto com o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para que os
O Fundo de Garantia para a Promoção da Competitividade (FGPC) é, a rigor, um Fundo
do Tesouro Nacional gerido pelo BNDES que tem por objetivo reduzir o risco do banco que
financia a MPME, assumindo parte dele e facilitando por meio desta redução de risco, o
acesso da MPME ao crédito. São 182 bancos (quase todos os bancos estabelecidos no País)
credenciados como Agentes Financeiros e que repassam recursos do BNDES às empresas.
As alterações praticadas foram: i) fundo de aval passou a cobrir até 80% do financiamento
no caso de micro e pequena empresa e média empresa exportadora, significando que o
banco repassador, ao conceder um financiamento de, digamos, 100 mil reais, estará correndo o risco de apenas 20 mil reais. A diferença, 80 mil reais, é garantida pelo fundo de
aval; ii) foi eliminada a obrigatoriedade de garantias reais em operações com participação
do fundo de aval até 500 mil reais. Portanto, como o fundo pode cobrir até 80% do empréstimo, está-se falando, na prática, de um financiamento máximo de 625 mil reais sem
obrigatoriedade de garantias reais; iii) a garantia pessoal (ou fidejussória) é sempre exigida,
o que significa o aval do dono da empresa (do acionista ou do quotista) em um título de
crédito.; iv) foram introduzidas simplificações na operacionalização do Fundo de Aval.
Havia exigência de relatórios mensais, nos casos de inadimplência, que dificultavam a
operação dos bancos repassadores e aumentavam custos. Esses relatórios passaram a ser
semestrais; v) ainda, também em caso de inadimplência da empresa, o banco tinha apenas
90 dias para uma negociação administrativa da dívida. Findo tal período, era obrigatória a
execução judicial da empresa sob pena de perder o direito ao fundo de aval. Este prazo de
negociação foi estendido para 1 ano; vi) foi aumentada a remuneração dos bancos
repassadores de 2,5% para 4% quando da utilização do Fundo de Aval. Nas demais operações, a remuneração continua livre.
26
A nova classificação é a seguinte: i) micro até R$ 700 mil ( US$ 400 mil); ii) pequena até R$
6,2 milhões ( US$ 3,5 milhões); e iii)média até R$ 35 milhões ( US $ 20 milhões).
27
Máquinas e Equipamentos: i) micro e pequena – 90%; ii) média empresa em regiões
incentivadas – 90%; e iii) média nas demais regiões e grande empresa – 80%. Outros Investimentos: i) micro e pequena empresa - 70%; ii) média e grande empresa em regiões
incentivadas - 70%; e iii) média nas demais regiões e grande empresa - 60%.
28
230
Ana Cláudia Além
bancos possam usar também o Fundo de Aval do Sebrae para as linhas
de financiamento do BNDES de forma alternativa ou de forma
complementar, desde que o limite máximo de participação dos fundos
seja respeitado (80% do valor do financiamento). Deverão ser,
prioritariamente, canalizadas para o fundo Sebrae as operações de
menor valor (até R$ 300 mil) e as demais para o FGPC. Além disso, o
Sebrae manterá seu papel fundamental na questão da capacitação do
pequeno empresário.
Como incentivo aos bancos para que operem com as micro e
pequenas empresas, foi criado um Programa de Milhagem, segundo o
qual a cada milhão de reais efetivamente aplicado naqueles tipos de
empresa, o banco repassador passa a ter o direito de receber 100 mil
reais (10%) para livre aplicação, inclusive capital de giro, sempre nas
micro e pequenas empresas. Com isso, ao mesmo tempo em que se cria
um incentivo adicional aos bancos, atende-se a uma demanda forte por
capital de giro deste universo de empresas.
Também foi assinado com a Confederação Nacional da Indústria
(CNI) um Termo de Cooperação com o objetivo de criação, junto às
Federações Estaduais, de Centros Avançados de Apoio à Pequena
Empresa com a finalidade de assistir ao pequeno empresário, informálo sobre as linhas de crédito do BNDES, Fundo de Aval, etc. e até
acompanhar seu relacionamento com o agente financeiro. Há ainda o
objetivo de estabelecer uma conexão, via Internet, desses Centros com o
BNDES a fim de, por um lado, receber críticas e sugestões e, por outro,
fornecer informações e esclarecimentos.
O Condomínio de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica (Contec)
O Contec, criado em 1988, é conduzido pela BNDESPAR e
representa uma das iniciativas mais desenvolvidas no Brasil de apoio a
pequenas e médias empresas através de capital de risco.29 Para ter acesso
ao financiamento, as firmas têm que se enquadrar no conceito de
empresas de base tecnológica que correspondem aos estabelecimentos
que apresentam produtos ou processos considerados inovadores ou
pioneiros. Os investimentos podem ser realizados através de participação
acionária direta, de debêntures conversíveis em ações e de bônus de
subscrição, sempre sem garantias reais. A participação acionária da
BNDESPAR é sempre minoritária, atingindo no máximo 40% do capital
das empresas investidas. De 1988 a 1999, o Contec investiu cerca de
US$ 42 milhões. Na maioria dos casos, o investimento do Contec tem
representado a única alternativa de financiamento disponível, tendo em
29
Para uma análise detalhada do Contec ver Pinto (1997).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
231
vista a falta de garantias reais para oferecer no caso de um empréstimo
tradicional.
Apesar do programa ainda ser pequeno, não sendo capaz de por
si só revolucionar o desenvolvimento tecnológico do país, sua importância
reside, principalmente, na demonstração dos benefícios que poderiam
ser auferidos pelo desenvolvimento de uma indústria de capital de risco
no Brasil.
A carteira do Contec é composta, principalmente, por empresas
do setor de informática, software e equipamentos e sistemas para
telecomunicações. Vale destacar que muitos dos produtos desenvolvidos
pelas empresas da carteira – como os da Bio Fill, da Relastomer e da
Couro Vegetal da Amazônia – representaram inovações importantes,
mesmo em termos internacionais.
Além da contribuição para a criação de uma capacitação
tecnológica internalizada, os investimentos do Contec também
demonstram uma preocupação em melhorar as condições sociais e
proteger o meio-ambiente. Mesmo nos casos em que os produtos
constituem-se em desenvolvimentos no Brasil de tecnologias já existentes
no mercado internacional, o próprio esforço de adaptação do uso das
técnicas para o caso brasileiro já representa um esforço de capacitação
tecnológica, o que traz ganhos para o sistema econômico como um todo.
A Bio Fill produz uma película celulósica utilizada para tratamento
de queimaduras, que substitui a pele queimada com resultados
extremamente positivos. Este produto foi patenteado em diversos países.
A tecnologia criada pela Relastomer, por sua vez, representa um processo
inovador de regeneração da borracha, inédito no mundo. Utilizado
principalmente para a reciclagem de pneus, contribui para o
reaproveitamento de um material cujo acúmulo na natureza representa
uma preocupação de profissionais ligados ao meio-ambiente em nível
internacional. Finalmente, a empresa Couro Vegetal da Amazônia
emprega indiretamente mais de mil seringueiros da região amazônica,
inclusive índios, na produção do couro vegetal, oferecendo uma
alternativa economicamente viável para a melhoria das condições sociais
– contribuindo para a fixação dos habitantes na região - e a preservação
do meio-ambiente naquela região.
Os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento
Com o objetivo de contribuir para a elaboração do Plano Plurianual
2000-2003 e para a retomada do planejamento de longo prazo do
Governo Federal, o BNDES contratou, em março de 1998, junto ao
232
Ana Cláudia Além
consórcio de empresas privadas vencedor de licitação pública, a execução
do Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento.
Este trabalho teve como objetivo a identificação de oportunidades
de investimentos públicos e/ou privados em setores considerados
essenciais para o desenvolvimento sustentável do país: infra-estrutura
econômica - transporte, energia e telecomunicações -, desenvolvimento
social - saúde, educação, habitação e saneamento -, informação e
conhecimento e meio ambiente. Os investimentos identificados
contribuirão para a melhoria das condições de competitividade sistêmica
da economia e para a redução das disparidades regionais e sociais.
Para este fim, o território nacional foi dividido em espaços – os Eixos
Nacionais – que buscaram agrupar regiões, independentes das fronteiras
geopolíticas, levando em consideração diversos requisitos, a saber:
existência de rede multimodal de transporte; estruturação produtiva
interna atual e potencial; ecossistemas; e as relações sociais existentes
entre as cidades. Foram identificados para cada Eixo os principais
obstáculos ao seu desenvolvimento e à sua integração, nacional e
internacional, para um horizonte de oito anos (2000-2007). Todos os
projetos identificados respondem a demandas encontradas nas regiões
e configuram-se como investimentos estruturantes. São projetos de
importância nacional com capacidade de alavancar outros investimentos
em nível regional e local. Além disso, são investimentos que apresentam
atratividade ao setor privado.
O conjunto de investimentos propostos totaliza US$ 165 bilhões
para o período considerado no Estudo (2000-2007). Os recursos previstos
para a União correspondem, dentro desse horizonte, a US$ 10 bilhões
por ano, cerca de 13% do montante normalmente investido pelo governo
brasileiro nos últimos anos, não se caracterizando, portanto, em valor
que comprometa a realização dessas metas.
O estudo empregou uma abordagem holística e integrada onde
diversas variáveis – Infra-estrutura Econômica; Desenvolvimento Social;
Informação e Conhecimento e Meio Ambiente - foram analisadas em
conjunto, como determinantes para o desenvolvimento sustentável das
regiões.
CONCLUSÃO
Com a globalização da economia internacional, a participação nos
fluxos comerciais internacionais passou a ser um importante indicador
do sucesso de uma nação. Tendo em vista que os produtos de maior
destaque na pauta de comércio passaram a ser aqueles intensivos em
tecnologia, as políticas tecnológicas surgem como um importante
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
233
condicionante para uma maior competitividade e, conseqüentemente,
uma expansão das exportações no mercado internacional.
A amplitude das novas políticas de competitividade da OCDE é
ampla e dependente de cada contexto nacional, mas suas principais
características são: i) uma forte articulação entre as políticas comercial
e tecnológica; ii) uma tendência progressiva de descentralização/
regionalização das políticas adotadas; iii) uma importante participação
dos governos na promoção dos gastos em pesquisa e desenvolvimento;
iv) a combinação de políticas de estímulo à concorrência com políticas
de promoção da cooperação e concentração; v) a combinação de políticas
de cunho horizontal e vertical/setorial; e vi) a preocupação não apenas
com o desenvolvimento de novas tecnologias, mas também com sua
difusão rápida em todos os setores da economia, à medida que se
considera que inovação e difusão fazem parte de um mesmo “pacote”.
As políticas de competitividade são conduzidas na direção de um
crescente investimento em conhecimento e capacitações em nível da
empresa, tendo como objetivo acelerar o processo de internalização da
capacitação tecnológica. Além disso, a partir da consolidação das bases
regionais para o desenvolvimento tecnológico, visa-se ao fortalecimento
das redes de pequenas e médias empresas e do desenvolvimento de
atividades consideradas estratégicas para o crescimento econômico
interno, como o incentivo aos setores de ponta e às atividades de pesquisa
básica.
Nos países da OCDE, a importância relativa dos incentivos via
programas e projetos tecnológicos com enfoque setorial, regional e por
tipos de empresas tem aumentado. A idéia é promover uma contínua
mudança estrutural na indústria no sentido de aumentar a importância
relativa de setores de alta tecnologia, especialmente o complexo
eletrônico.
Existe uma clara combinação entre políticas de apoio à concorrência
e de promoção da cooperação e concentração das empresas – via
processos de aquisição e fusão. Se, por um lado, o mercado regional
deve fornecer as condições para o desenvolvimento de empresas com
escala de produção e pautas produtivas grandes o bastante para fazer
face à concorrência no mercado internacional, é indispensável impedir
o surgimento de configurações industriais incompatíveis com a defesa
dos interesses dos países da OCDE. Apesar de a pressão da concorrência
externa sobre os oligopólios locais ser considerada favorável, persiste a
preocupação com a manutenção da soberania nacional, principalmente
no que se refere ao domínio das “tecnologias críticas”.
234
Ana Cláudia Além
No que diz respeito ao comércio exterior, as barreiras não-tarifárias
às importações têm assumido importância crescente nos últimos anos.
Dentre as principais destacam-se: quotas determinadas pelo Acordo
Agrícola da OMC e quotas multilaterais para as importações de produtos
têxteis determinadas no âmbito do Acordo sobre Têxteis e Vestuário,
também da OMC; restrições de caráter sanitário e fitossanitário; acordos
de preço mínimo e acordos de restrição voluntária; direitos antidumping
e direitos compensatórios; e medidas de salvaguarda.
A análise das políticas de competitividade adotadas nos países da
OCDE fornece lições importantes no sentido de uma ação mais ativa do
Estado brasileiro no aumento do conteúdo tecnológico da nossa pauta
das exportações, com impactos diretos no aumento da competitividade
dos nossos produtos no mercado internacional. Além de uma taxa de
câmbio favorável, a “sofisticação” da pauta exportadora contribuirá para
tornar nossas vendas externas menos vulneráveis às variações dos preços
das commodities internacionais. O grande desafio é aumentar a
participação das exportações brasileiras no total mundial. De fato, o
aumento das exportações é essencial para solucionar nosso atual
problema de restrição externa e garantir uma retomada sustentada do
crescimento econômico. Neste sentido, o BNDES, que já vem assumindo
um papel de destaque, que deverá ser ainda mais importante nos
próximos anos.
BIBLIOGRAFIA
ALÉM, Ana Cláudia (1997); “BNDES: Papel, Desempenho e Desafios para o Futuro”, Texto
para Discussão número 62, BNDES, novembro.
________________(1998); “O desempenho do BNDES no período recente e as metas da política
econômica”, Texto para Discussão número 65, BNDES, julho.
AUJAC, H. (1996), An introduction to French Industry Policy.
BELLON, B. (1995), Les politiques industrielles américaines; vers un modèle de politiques
industrielles de marché, in: Revue D’Économie Industrielle 71, numéro spécial.
CASSIOLATO, J.E. (1996), As novas políticas de competitividade: a experiência dos principais
países da OCDE, T.D. 367, IE/UFRJ, julho.
Department of Trade and Industry (DTI) (1998), Innovating for the future: investing in R&D.
FREEMAN, C. e OLDHAM, C.H.G. (1991), “The background of european industry and
technology”, in: Technology and The Future of Europe..., Pinter Publishers.
Funcex (1995), Reestruturação industrial em um contexto de abertura e integração: um
modelo para o caso brasileiro.
IEDI (1998), Políticas Industriais em Países Selecionados.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
235
_____(1999); Comércio exterior brasileiro: desempenho no 1o semestre de 1999 e projeções.
KRUGMAN, P. (1986), Strategic policy and the new international economics, MIT Press
MARCHIPONT, J.F. (1995), “La stratégie industrielle de l’Union Européenne: à la recherche
d’un concept de politique de compétitivité globale”, in: Revue D’Économie Industrielle
71, numéro spécial.
National Science Foundation (NSF) (1998), Science and engineering indicators, USA.
OCDE (1996), Industrial Competitiveness, Paris.
______(1997), Diffusing technology to industry: government policies and programmes, Working
Paper, vol.V, n-33, Paris.
PINTO, L. F. G. (1997), “Capital de risco: uma alternativa de financiamento às pequenas e
médias empresas de base tecnológica – o caso do Contec”, in: Revista do BNDES 7,
junho.
TYSON, L.(1992), “Managing trade conflict in high-technology industries”, in: Harris, M.
and Moore, G. (eds.) Linking trade and technology Policies, National Academy Press,
Washington D.C.
Resumo
Com o avanço da globalização da economia internacional, a participação nos fluxos
comerciais internacionais passou a ser um importante indicador do sucesso de uma nação.
Tendo em vista que os produtos de maior destaque na pauta do comércio internacional
passaram a ser aqueles intensivos em tecnologia, as políticas tecnológicas surgem como
um importante condicionante para uma maior competitividade.
A discussão das experiências dos países industrializados na formulação de políticas
de desenvolvimento tecnológico permite tirar algumas lições para o Brasil a respeito do
que está sendo feito no mundo com esse objetivo. Ao fim do texto, discute-se também o
que tem sido feito pelo BNDES no sentido de apoiar ao aumento das exportações brasileiras
por meio do estímulo à diversificação da produção e das exportações.
Abstract
Due to the advancement of the globalization process the patterns of foreign trade
became a very important indicator for economic performance of nations. Since the last
quarter of a century the major part of the international trade is composed by manufactured
goods and those which are technology intensive are of increasing importance. These facts
reveal that technological development has to be considered as a crucial part of public policy
to improve competitiveness of the country in the world markets. In this way the discussion
of the different public policies aiming at technological development issued by industrial
countries always is useful to assess our own initiatives. The article also presents the main
actions developed by BNDES (National Bank for Economic and Social Development) in
order to support national efforts to develop technology which can enhance exports and
economic growth.
A Autora
ANA CLAÚDIA ALÉM é economista e Gerente de Macroeconomia do Departamento
Econômico da Área de Planejamento do BNDES, onde se ingressou 1993. É mestre em
Economia pelo Instituto de Economia (IE) da UFRJ e doutoranda pela mesma Universidade.
236
Ana Cláudia Além
Internacional
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
237
Sistemas de Inovação: Políticas e
Perspectivas
JOSÉ EDUARDO CASSIOLATO
HELENA MARIA MARTINS LASTRES
Entre os poucos consensos estabelecidos no intenso debate que
procura entender o atual processo de globalização, encontra-se o fato
de que inovação e conhecimento são os principais fatores que definem a
competitividade e o desenvolvimento de nações, regiões, setores, empresas
e até indivíduos.
A globalização tem acirrado a concorrência que cada vez mais está
baseada em conhecimento e na organização dos processos de
aprendizado. Observa-se crescente importância de outros fatores que
não os relacionados diretamente a preços na concorrência entre empresas.
As capacitações das empresas, em termos de produção e uso do
conhecimento, têm cada vez mais um papel central, na sua
competitividade.
A crescente competição internacional e a necessidade de introduzir
eficientemente, nos processos produtivos, os avanços das tecnologias de
informação e comunicações têm levado as empresas a centrar suas
estratégias no desenvolvimento de capacidade inovativa. Esta é essencial
até para permitir a elas a participação nos fluxos de informação e
conhecimentos (como os diversos arranjos cooperativos) que marcam o
presente estágio do capitalismo mundial.
Como principais questões que contribuíram para um melhor
entendimento do processo de inovação nos últimos anos, destacam-se:
· reconhecimento de que inovação e conhecimento (ao invés de serem
considerados como fenômenos marginais) colocam-se cada vez mais
visivelmente como elementos centrais da dinâmica e do crescimento de
nações, regiões, setores, organizações e instituições;
· a compreensão de que a inovação constitui-se em processo de busca e
aprendizado, o qual, enquanto dependente de interações, é socialmente
determinado e fortemente influenciado por formatos institucionais e
organizacionais específicos;
· a idéia de que existem marcantes diferenças entre os agentes e suas
capacidades de aprender (as quais refletem e dependem de aprendizados
anteriores, assim como da própria capacidade de esquecer);
238
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
· entendimento de que existem importantes diferenças entre sistemas de
inovação de países, regiões, setores, organizações, etc. em função de cada
contexto social, político e institucional específico.
· a visão de que, se por um lado informações e conhecimentos codificados
apresentam condições crescentes de transferência - dada a eficiente
difusão das TIs - conhecimentos tácitos de caráter localizado e específico
continuam tendo um papel primordial para o sucesso inovativo e
permanecem difíceis (senão impossíveis) de serem transferidos.
As transformações no processo inovativo ao longo das últimas duas
décadas acontecem no sentido de que ele passa a depender cada vez
mais de processos interativos de natureza explicitamente social. Tais
interações ocorrem em diferentes níveis. Observa-se, inicialmente, uma
crescente interação entre as diferentes fases do processo inovativo.
Pesquisa, desenvolvimento tecnológico, e difusão constituem parte de
um mesmo processo. Mais ainda, o processo inovativo caracteriza-se
também por necessárias interações entre diferentes instâncias
departamentais dentro de uma dada organização (produção, marketing,
P&D, etc.) e entre diferentes organizações e instituições.
Assim, conforme relatório recente da União Européia, quatro
tendências principais relativas às novas especificidades do processo
inovativo observadas na última década podem ser destacadas.
Inicialmente observa-se uma significativa aceleração da mudança
tecnológica nas últimas décadas. O acontecimento é constantemente
ilustrado pelo fato de que o tempo necessário para se lançar novos
produtos tem se reduzido, que o processo que leva a produção do
conhecimeto até a comercialização é mais curto e que os ciclos de vida
dos produtos são também menores. O rápido desenvolvimento e uso
amplo das tecnologias de informação e comunicações certamente têm
jogado um papel fundamental nesta mudança.
Ao mesmo tempo, a colaboração entre firmas e a montagem de
redes industriais tem marcado o processo inovativo. Novos produtos
têm sido desenvolvidos a partir da integração de diferentes tecnologias
e estas são crescentemente baseadas em diferentes disciplinas científicas.
Mesmo grandes empresas têm dificuldade em dominar a variedade de
domínios científicos e tecnológicos necessários, o que explica a expansão
de acordos colaborativos e a crescente expansão de redes industriais..
A integração funcional e a montagem de redes têm oferecido
vantagens às empresas na busca de rapidez no processo inovativo. A
flexibilidade, interdisciplinaridade e fertilização cruzada de idéias ao
nível administrativo e laboratorial são importantes elementos do sucesso
competitivo das empresas.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
239
Finalmente, observa-se a crescente colaboração com centros
produtores do conhecimento dada a crescente necessidade do processo
inovativo se apoiar em avanços científicos em praticamente todos os
setores da economia.
Conforme destacado em trabalhos anteriores, os países mais
avançados têm enfrentado as mudanças acima descritas de maneira
diferenciada. Particularmente, ressalta-se que a forma de atuação do
Estado no campo das políticas industriais e tecnológicas tem se alterado
significativamente.
AS NOVAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO EM VIGOR NOS PAÍSES DA OCDE
Em praticamente todos os países da Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - OCDE, os governos têm considerado
imperativo contrabalançar o grau elevado de abertura ao exterior que
se seguiu à importante redução de barreiras tarifárias (que em alguns
casos foi completa), mobilizando e desenvolvendo uma ampla gama de
instrumentos visando melhorar a competitividade de suas empresas,
tanto no que se refere às exportações quanto em relação aos mercados
internos expostos à concorrência externa.
Hoje em dia, o principal fator que efetivamente fixa os limites cada
vez mais severos, em nível dos investimentos públicos necessários à
manutenção das dimensões estruturais da competitividade, é a crise fiscal
do Estado e a sua dificuldade em financiar as despesas de médio e longo
prazo. Mas não se pode confundir as restrições advindas da crise fiscal
- reais e sérias - com a anulação do papel do Estado na definição e
implementação de políticas industriais e tecnológicas. No Japão, na
Alemanha, na França e nos EUA os governos vêm agindo
pragmaticamente na defesa ou reforço de sua competitividade industrial,
pois desta depende sua soberania.
É verdade que, na maior parte dos países da OCDE, reconhece-se
que a pressão da concorrência externa nos oligopólios locais é considerada
positiva. Porém, uma série de outros parâmetros é considerada pelos
governos locais. Entre estes, destacam-se a preservação dos componentes
principais da soberania nacional, particularmente, o domínio e algum
grau de autonomia parcial em ‘tecnologias críticas’. A racionalidade para
este parâmetro combina considerações militares e industriais cujo mix
varia de acordo com o país. Outros parâmetros importantes incluem a
questão do emprego, o balanço comercial e, principalmente, aumentar
os retornos de processos tecnológicos interativos
Estes são a base das políticas atuais de inovação ora em vigor nos
países da OCDE. Tais políticas, porém, não devem ser confundidas com
240
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
a geração anterior de políticas industriais e tecnológicas, no sentido de
que elas não possuem nem a simplicidade nem a relativa legibilidade
daquelas. O contexto histórico sobre o qual as políticas de inovação e
competitividade têm sido criadas, particularmente o conflito por elas
apresentado com relação aos princípios da livre concorrência, fazem
com que elas sejam, na maior parte dos casos, de baixa transparência.
Mas sua dificuldade de análise é igualmente devida ao fato de que, se as
novas políticas incluem um certo número de instrumentos tradicionais
da política industrial, elas também recorrem a um número maior e mais
complexo de instrumentos. Na prática, tal complexidade dá um caráter
ad hoc muito pronunciado às políticas.
Porém, um conceito chave é o reconhecimento que as políticas
comerciais de investimento e de inovação devem ser consideradas de
maneira holística, conjuntamente, e não de maneira separada. A
interface entre tais políticas é particularmente visível nas políticas de
apoio à exportação e no erguimento das barreiras não tarifárias. As
primeiras são centradas em apoio indireto via programas, voltados
principalmente à inovação e ao desenvolvimento regional. As segundas,
referem-se fundamentalmente a considerações de natureza ambiental,
oferecem a diversos setores uma proteção efetiva, compensam a que foi
perdida como resultado da eliminação das tarifas e são, de fato,
instrumentos setoriais de política de competitividade. Em ambos os casos,
utilizam mecanismos permitidos pelo acordo que levou à criação da
Organização Mundial do Comércio. Não é surpresa que, em tal acordo,
as três áreas onde o apoio público é ainda permitido são exatamente:
inovação, desenvolvimento regional e meio ambiente.
O banco de dados da OCDE sobre programas de apoio à indústria
mostra que, a partir da segunda metade dos anos 80, os gastos públicos
destinados ao auxílio ao investimento, de caráter geral, diminuíram
principalmente em razão de reformas que reduziram incentivos fiscais.
Porém, tal diminuição foi mais do que compensada por um aumento
significativo de outras medidas de política que foram reforçadas. Entre
estas, devem destacar-se as medidas de caráter regional e de apoio à
inovação, as que mais crescem. No que se refere às medidas de apoio à
inovação, apesar do apoio à P&D ser um mecanismo de política há muito
utilizado, ele mudou substancialmente ao longo da presente década,
transformando-se no mais importante instrumento de política industrial
utilizado pelos países da OCDE.
Anteriormente o apoio à inovação se constituía fundamentalmente
de subvenções pagas às empresas sob a forma de contratos de P&D
estabelecidos com o objetivo da obtenção de resultados específicos,
prolongando-se, em caso de sucesso, sob a forma de compras
governamentais. Na maioria das vezes, tal apoio era ligado a grandes
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
241
programas concebidos e coordenados pelos Estados (armamentos,
aeronáutica, computadores, etc.).
Hoje em dia, na maior parte dos países da OCDE, a ênfase nas
medidas de apoio à inovação tecnológica, por parte dos países mais
avançados, está estreitamente vinculada ao desenvolvimento, difusão e
utilização eficiente das novas tecnologias (especialmente as de
informação e comunicações) na economia baseada no conhecimento.
Além da referida convergência entre as diversas políticas, particulamente
as de comércio internacional, industrial e tecnológica, observa-se um
crescente reconhecimento da importância da inovação e dos sistemas
nacionais de inovação em tais países.
Em síntese, as políticas recentes adotadas pelos países membros da
OCDE e da UE se relacionam principalmente:
· à nova ênfase das políticas a blocos agregados de desenvolvimento
(particularmente sistemas produtivos e de inovação) os quais geralmente
incluem diversos setores e atividades correlatos, assim como as políticas
que focalizam atividades de serviços relacionadas a diferentes partes da
indústria.
· ao reconhecimento de que investir apenas para ter acesso a novas
tecnologias e sistemas avançados não basta, uma vez que o conhecimento
e o aprendizado estão amarrados a pessoas; assim, tem sido enfatizado
o investimento na capacitação e treinamento de recursos humanos.
· ao entendimento de que, dada a natureza sistêmica e interativa dos
processos de inovação e aprendizado, não há sentido em continuar
promovendo políticas que privilegiem apenas o lado da oferta ou da
demanda de tecnologias. Em particular, tem se observado a promoção
de redes de todos os tipos e em níveis local até o supranacional (com a
finalidade de ajudar a criar um sistema mais interdependente e coerente
que torne as empresas mais competitivas).
· à importância conferida à internacionalização do desenvolvimento e
utilização de tecnologias, que tem levado os governos a apoiarem
empresas em seus esforços de internacionalizar suas atividades - até como
forma de promover possibilidades de as mesmas participarem de
programas cooperativos mundiais - o que inclui sistemas de previsão
tecnológica e o estabelecimento de regras para partilhar e proteger direitos
de propriedade intelectual.
Destaca-se que a ênfase ao enfoque de sistema de inovação em si já
traz pelo menos duas orientações de política embutidas para nortear os
policy-makers quanto às novas formas de promoção à inovação: (i) que o
242
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
processo inovativo, assim como as políticas para estímulo do mesmo,
não podem ser vistos como elementos isolados de seus contextos nacional,
setorial, regional, organizacional, institucional; e portanto, (ii) a
importância de se focalizarem a relevância de cada subsistema envolvido,
assim como as articulações entre estes e entre agentes.
Estudo sobre estas novas políticas realizado pelo Grupo de Economia
da Inovação da UFRJ para o IEDI, sob coordenação dos autores,
apresenta diversos exemplos. As experiências mostram que importantes
mudanças institucionais foram realizadas nos diversos países. Em meados
da década passada, a Alemanha funde o Ministério da Educação e
Ciência e o Ministério da Pesquisa e Tecnologia num novo Ministério
Federal de Educação, Ciência, Pesquisa e Tecnologia (BMBF). A
reestruturação foi realizada a partir do diagnóstico sobre a perda de
competitividade da indústria e da queda verificada a partir de 1990, dos
gastos totais do setor privado em P&D.
No caso dos EUA, a reorganização institucional se deu
particularmente no âmbito do Departamento de Comércio com a
transformação do National Institute for Standards and Technology (NIST)
que teve suas funções redefinidas, passando a contemplar especialmente
o financiamento de pesquisas “genéricas de caráter pré-competitivo”
em firmas industriais - através do Advanced Technology Program (ATP) e a montagem de diversos programas de colaboração entre governo,
empresas e instituições de ensino e pesquisa.1
Em alguns países (destacam-se os casos de Holanda, Dinamarca e
Suécia) as novas tendências estão até transformando a natureza da
intervenção do governo, associada a uma mudança na direção de um
maior entendimento das complexidades e dinâmica do processo de
inovação, assim como de seu papel na Economia do Aprendizado. No
caso da Espanha, em março de 2000, o novo governo cria um Ministério
da Inovação.
O BRASIL E OS PAÍSES LATINO AMERICANOS
Os desafios e impasses enfrentados pelos países menos avançados
face ao processo de aceleração da globalização e à crescente importância
de inovação e conhecimento na competitividade, são semelhantes e até
mais sérios do que aqueles identificados no caso dos países mais
avançados. Salienta-se aqui, a argumentação daqueles autores que vêem
Entre os principais programas voltados à inovação destaca-se o Super Car 2000, onde
governo, as três grandes empresas automobilísticas daquela país (Ford, General Motors e
Chrysler) e as principais instituições de pesquisa se juntaramno sentido de promover
esforços inovativos pré-competitivos para enfrentar a concorrência japonesa.
1
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
243
como consequência real da aceleração do processo de globalização o
acirramento das disparidades e a aceleração do processo de polarização
entre regiões, países e grupos sociais (ricos e pobres em informação;
integradas e não integradas globalmente).
Os países latino-americanos defrontam-se com as atuais
transformações a partir de sistemas nacionais de inovação formados ao
longo do período de substituição de importações que, além de intensa
importação de tecnologia, apresentavam as seguintes características:
· níveis extremamente reduzidos de gastos em C&T (Ciência e Tecnologia)
e P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), particularmente se comparados
com os países da OCDE e do Sudeste Asiático;
· a maioria significativa das atividades de P&D realizadas por institutos
de pesquisa e universidades públicas e por laboratórios de P&D de
empresas públicas, com participação extremamente reduzida de
empresas privadas;
· as universidades públicas tiveram papel fundamental no treinamento
de recursos humanos especializados.
Portanto, de maneira geral, o setor público desempenhava o papel
mais importante no desenvolvimento dos sistemas nacionais de inovação
desses países. Aponta-se ainda que, durante o período de substituição
de importações, a maior parte das tecnologias adquiridas pelos países
latino-americanos eram relativamente maduras. Considerava-se que a
maior parte da capacitação necessária para usar e operar as tecnologias
de produto e processo podia ser adquirida de uma maneira relativamente
fácil via treinamento em rotinas básicas. Por outro lado, não se requeria
ou estimulava, de forma efetiva, a acumulação da capacitação necessária
para gerar novas tecnologias, sendo tais requisitos ainda mais limitados
em setores onde a proteção isolava as empresas dos efeitos das mudanças
geradas na economia internacional.
Tais considerações são consistentes com a caracterização das
empresas latino-americanas em geral, dada a maneira com que elas foram
constituídas, a partir das políticas de substituição de importações e/ou
promoção de exportações. Como enfatizou Carlota Perez2 :
“a maior parte das empresas não foi constituída para evoluir. A maioria
o foi para operar tecnologias maduras, supostamente já otimizadas. Não se
PEREZ, C. (1989) ‘The present wave of technical change: implications for competitive restructuring
and for institutional reform in developing countries’, texto preparado para o “Strategic Planning
Department of the World Bank”, Washington, D.C.: The World Bank, p.32.
2
244
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
esperava que as empresas alcançassem competitividade por elas próprias. A
lucratividade era determinada por fatores exógenos, como a proteção tarifária,
subsídios à exportação e numerosas formas de auxílio governamental, ao
invés da capacidade da própria empresa aumentar a produtividade ou
qualidade. As empresas não são conectadas (tecnicamente) … (e tem sido)
difícil a geração de sinergias nas redes e complexos industriais.”
O pequeno esforço quanto ao desenvolvimento de atividades
inovadoras e as consequentes fragilidades e deficiências tecnológicas da
indústria local foram considerados como não tendo representado
empecilho significativo ao crescimento econômico durante o processo
de substituição de importações. Na fase mais recente, todavia, estes fatores
constituem um importante gargalo. De fato, um importante contraste
entre a tendência dos países mais avançados e o caso brasileiro referese, por exemplo, ao engajamento do setor empresarial nos esforços
inovativos e de P&D.
As reformas estruturais dos anos 90 realizada na região, sem a
preocupação de priorizar a capacidade inovativa das empresas locais,
trouxeram importantes impactos aos sistemas nacionais de inovação.
Na falta de uma participação mais efetiva das empresas locais no esforço
inovativo, a maior parte das estratégias tecnológicas adotadas parece
apoiar-se na crença de que a tecnologia se “globalizou” e o investimento
estrangeiro seria condição necessária e suficiente para modernizar o
parque produtivo local e para conectar a economia ao processo de
globalização. Porém, uma série de trabalhos importantes mostram que,
longe de ter se tornado “global”, a tecnologia, a inovação e o
conhecimento têm se caracterizado como componentes crescentemente
estratégicos, de cunho localizado.
Durante a década de 90, as políticas industriais e tecnológicas dos
países latino-americanos foram ancoradas num duplo eixo. Por um lado,
supunha-se que, à semelhança do período anterior, as tecnologias seriam
passíveis de aquisição no mercado internacional. Por outro lado,
considerava-se que as subsidiárias das empresas transnacionais teriam
um papel chave no processo de catch up industrial e tecnológico: (i)
trazendo os novos investimentos necessários para integrar as economias
locais ao processo de globalização; (ii) “transferindo” suas novas
tecnologias para as economias atrasadas e pressionando os concorrentes
locais a se modernizarem. Assim, para atrair um novo fluxo de
investimentos estrangeiros bastavam serem seguidos os preceitos de
liberalização, desregulamentação e privatização, deixando que o
mercado tomasse conta do resto.
A consecução de tais preceitos tem resultado numa intensa
competição entre governos locais na tentativa de atrair novos
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
245
investimentos por parte de empresas transnacionais. Tal competição está
baseada na concessão de incentivos fiscais de diversa natureza. Tais
incentivos, que resultam em custos altamente elevados - englobando
incentivos os mais variados, desde facilidades de aquisição de terrenos,
criação de infra-estrutura até isenções fiscais e financiamentos de longo
prazo – caminham em direção oposta aos novos instrumentos acima
apontados. A sua inadequação refere-se ao fato de, se tais medidas não
forem acompanhadas de outras que exijam o cumprimento de certas
exigências quanto ao desempenho das empresas beneficiárias (como,
por exemplo, obtenção de certas metas quanto a exportações e aumento
do valor agregado, a nível local),3 a tendência é que o encadeamento
com a economia local continuará se reduzindo e os empreendimentos
continuarão tendo impacto negativo na balança comercial, dado o seu
caráter intensivo em importação.
De fato, como argumentam diversos autores, encontram-se
crescentes evidências que as guerras fiscais para atrair investimentos
não atraem o tipo de investimento que gera aprendizado e inovação.
Uma das conclusões aqui é que, na falta de promoção dos processos de
aprendizado e de capacitação inovativa, e do fortalecimento de redes e
vínculos que incluam agentes locais, as empresas receptoras dos subsídios
encontram poucas razões para se enraizar nas regiões hospedeiras.
Assim, apesar de importantes esforços, o ajuste produtivo realizado
pela maioria das empresas brasileiras tem consistido basicamente de uma
estratégia defensiva de racionalização da produção, visando reduzir
custos. Tal movimento tem se dado basicamente através da introdução
parcial e localizada de equipamentos de automação industrial, e de novas
técnicas organizacionais do processo de trabalho, ou através do
“enxugamento” da produção, com redução de pessoal e eliminação de
linhas de produção (movimentos de desverticalização, subcontratação
e especialização).
Deve-se reconhecer que o ajuste empreendido aumentou a eficiência
e evitou a desindustrialização (a menos de áreas específicas, como no
caso do setor de microeletrônica). Mais ainda, o aumento de
produtividade e da qualidade dos produtos, a redução dos prazos de
produção e entrega, e o início de utilização de novas técnicas de
organização constituem-se, certamente, em aspectos positivos da
restruturação brasileira.
Deve-se lembrar que as medidas de atração de investimento estrangeiro, quando aplicadas nos países mais avançados, vêm, de maneira geral, acompanhada de compromissos
por parte dos beneficiários particularmente no que se refere ao aumento do valor agregado localmente.
3
246
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
Porém, no ajuste defensivo atual, em várias empresas, o
“enxugamento” da produção levou ao abandono de linhas de produtos
de maior nível tecnológico, que incorporam maior valor adicionado, em
favor de produtos mais padronizados, caracterizando um processo
oposto à tendência internacional, o downgrading da produção. Neste
ajuste produtivo foram privilegiadas faixas médias e baixas do consumo
e equipamentos básicos à produção. Enfim, a estrutura produtiva
orientou-se para a produção relacionada aos segmentos sujeitos a
menores riscos no mercado, provocando um significativo descolamento
da estrutura industrial nacional em relação aos segmentos mais
dinâmicos na pauta de consumo dos países industrializados e no
comércio internacional. O resultado líquido de tais movimentos tem sido
uma progressiva (e conhecida) erosão da competitividade internacional
das empresas brasileiras, que se manifesta na perda de importância do
país no comércio internacional a partir do final da década de 80.
Assim, de uma maneira geral, os seguintes impactos no sistema
nacional de inovação brasileiro (à semelhança de outros países latinoamericanos) já podem ser observados:
· dada a retração do Estado no financiamento das atividades científicotecnológicas, esperava-se que os agentes privados passassem a
desempenhar um papel mais importante. Na prática, porém, tem se
observado que a diminuição dos gastos públicos não tem sido
acompanhada por um aumento nos gastos privados.
· a política governamental tem promovido a privatização parcial dos
institutos tecnológicos públicos, forçando-os a obter uma crescente
parcela de seus gastos correntes no setor privado.
· a liberalização diminuiu o custo de bens de capital importados,
encorajando, portanto, o seu uso em detrimento das máquinas e
equipamentos localmente produzidos. Tanto no caso da privatização
das empresas públicas, quanto na expansão dos conglomerados locais,
o estabelecimento de novas capacidades produtivas baseia-se fortemente
no uso de equipamentos e bens intermediários importados. O resultado
final é que a produção tem se tornado menos intensiva no uso de
capacitações técnicas e engenharia locais.
· uso crescente de componentes importados teve um impacto negativo
nas empresas locais, uma vez que destruiu cadeias de produção em um
número grande de firmas locais (especialmente PMEs) que serviam como
fornecedoras de empresas estrangeiras.
· as subsidiárias das empresas transnacionais - como passaram a poder
operar com base em partes e componentes importados - reformularam
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
247
suas estratégias de “adaptação de tecnologia” e algumas descontinuaram
programas tecnológicos locais que se justificavam nas economias mais
fechadas do passado.
· a maior parte das firmas locais que desenvolveram capacitações
tecnológicas no passado - premidas pelo aumento da concorrência e
tendo que operar num ambiente em que, à diferença de suas
competidoras internacionais, o Estado abstém-se de formular e
implementar políticas industriais - ou estão sendo absorvidas por
subsidiárias de empresas transnacionais ou estão desaparecendo; em
ambos os casos, os esforços tecnológicos estão sendo perdidos.
· as firmas locais com capacidade tecnológica que sobreviveram, tendem
a apresentar modestas ou nulas taxas de crescimento nos últimos anos –
até como estratégia de sobrevivência no cenário “globalmente
competitivo” - o que pode acarretar importantes problemas para a
manutenção de suas capacitações, dada a conhecida associação entre
estas e o crescimento da firma.
O resultado líquido é que o capital tecnológico assim como parte
importante da capacitação dos recursos humanos gerados e acumulados
desde o período de substituição de importações tornaram-se obsoletos
no período atual. Assim, a preocupação com os ajustes macroeconômicos
de curto prazo (foco central da visão neoliberal) tem trazido imenso
impacto na acumulação de capacitações que a longo prazo são essenciais
para o desenvolvimento econômico.
ALGUMAS DIRETRIZES GERAIS QUANTO À DEFINIÇÃO DE POLÍTICAS DE
INOVAÇÃO
A operacionalização das novas políticas exige menos do Estado do
ponto de vista de recursos financeiros e significativamente mais no que
se refere à sua capacidade de intervenção; exige um Estado melhor
preparado para compreender as importantes mudanças associadas à
denominada Era do Conhecimento.4 No que se refere especificamente
às políticas de inovação, o enfoque principal a partir do qual elas tem
sido desenhadas é o de Sistemas de Inovação, em suas diferentes
dimensões (supranacional, nacional e subnacional).
Um sistema de inovação pode ser definido como um conjunto de
instituições distintas que conjuntamente e individualmente contribuem
para o desenvolvimento e difusão de tecnologias. Tal noção envolve,
portanto, não apenas empresas mas, principalmente, instituições de
LASTRES, H. E ALBAGLI, S. (eds.): Informação e Globalização na Era do Conhecimento (Campus, Rio
de Janeiro, 1999)
4
248
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
ensino e pesquisa, de financiamento, governo, etc. Este conjunto constitui
o quadro de referência no qual o governo forma e implementa políticas
visando influenciar o processo inovativo. Em termos gerais, tal sistema
seria constituído por elementos (e relações entre elementos) onde
diferenças básicas em experiência histórica, cultural e de língua refletemse em idiossincrasias em termos de: organização interna das firmas,
relação inter-firmas e inter instituições, papel do setor público e das
políticas públicas, montagem institucional do setor financeiro, intensidade
e organização de P&D, etc. 5
A utilidade do conceito de ‘sistemas nacionais de inovação’ reside
no fato de o mesmo tratar explicitamente questões importantes,
ignoradas em modelos mais antigos de mudança tecnológica especificamente o da diversidade e do papel dos investimentos intangíveis
em atividades de aprendizado inovativo. Além disso - e baseando-se na
consideração que uma diversidade significativa existe entre os países e
instituições na forma, nível e padrão dos investimentos em aprendizado
- focalizam-se particularmente as ligações entre instituições e suas
estruturas de incentivos e capacitações. Num plano mais decentralizado,
têm sido concebidos sistemas regionais, estaduais e locais de inovação.
O corolário principal desta discussão é o de que não existem formas
e mecanismos de política de aplicabilidade universal. Pelo contrário,
formas e mecanismos variarão em função das diferentes especificidades.
Na raiz de tal problemática está a questão – central na visão de sistemas
de inovação – da diversidade. Encontra-se heterogeneidade ao nível da
firma, de seu ambiente de atuação, das relações mesoeconômicas e da
economia como um todo. Ao nível micro, isto significa, entre outras coisas,
que trabalhamos com um enfoque que despreza conceitos de “firma
representativa”, assumindo-se que as firmas não responderão da mesma
maneira a mudanças econômicas ou de política. Ao nível macro, na
análise, por exemplo, de crescimento econômico, a diversidade significa
que podem existir diferentes combinações de atividades nas trajetórias
de crescimento de países e regiões. Do ponto de vista da política
econômica, a diversidade implica em que não existem regras gerais com
relação à promoção de inovação e crescimento e que, portanto, é
necessário pensar em detalhe com relação às características específicas
dos contextos onde as políticas serão implementadas. O problema
principal de tal visão, porém, é como entender a questão da diversidade
numa perspectiva mesoeconômica. O ponto é particularmente
importante tendo em vista que as novas formas de intervenção pública
ocorrem exatamente neste nível.
CASSIOLATO, J. E LASTRES, H. Globalização e Inovação Localizada: experiências de sistemas locais no
Mercosul (IBICT/MCT, Brasilia, 1999).
5
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
249
Para se responder tal questão, dois pontos merecem ser enfatizados.
O primeiro refere-se ao próprio conceito de inovação utilizado. Inovação
não é algo que só ocorra nos países avançados, em grandes corporações
multinacionais ou em indústrias hi-tech. Estes três mitos ainda são
presentes hoje em dia quando se discute sistemas de inovação e existem
boas razões para esse equívoco. Uma delas é que parcela significativa
das análises disponíveis se baseia em indicadores extremamente
imperfeitos do processo inovativo, tais como gastos em P&D e patentes
como representativos de, respectivamente, insumos e resultados do
processo inovativo. Não é necessário que aqui nos detenhamos numa
crítica detalhada sobre tais indicadores. O importante é que possamos
partir de uma definição mais apropriada sobre o processo inovativo.
Podemos utilizar, por exemplo, a noção de que inovação é o processo
pelo qual as empresas dominam e implementam o design e a produção
de bens e serviços que sejam novos para elas, independentemente do
fato de serem novos para seus concorrentes – domésticos ou
internacionais. Definir inovação dessa maneira não significa negar o
papel da P&D na geração de novos conhecimentos, mas permite uma
perspectiva mais ampla para o entendimento dos processos de
capacitação e aprendizado realizado pelas firmas na busca de
competitividade.
A segunda refere-se ao conceito de “setor” utilizado. Obviamente,
tem sido cada vez mais reconhecidas as dificuldades (e suas
consequências) de se estabelecer fronteiras claras entre atividades
econômicas que crescentemente se entrelaçam e classificá-las dentro de
limites estritamente “setoriais”; por exemplo, como definir a fronteira
entre os setores industriais e de serviços, na economia atual? Porém,
uma outra observação é fundamental para a discussão sobre política
industrial e de inovação e que se refere à intensidade relativa de esforços
inovativos pelos diferentes “setores” da economia. A visão tradicional,
baseada no indicador gastos em P&D sobre faturamento (ou qualquer
outra variável de desempenho, como por exemplo receita operacional)
associa intensidade do dinamismo tecnológico com tal variável; assim
“setores” caracterizados por altos gastos em P&D sobre vendas são
denominados como sendo de alta intensidade tecnológica enquanto
“setores” caracterizados por baixos gastos em P&D são denominados
como sendo de baixo dinamismo tecnológico.
A utilização da definição de inovação acima, permite diferentes
análises e interpretações. Assim, a tabela 1 apresenta dados das Innovation
Surveys, realizadas por diversos países da União Européia, que se referem
à contribuição dada por produtos novos às vendas para diferentes setores
industriais. Deve-se lembrar que, nas Innovation Surveys, tal indicador é
utilizado como melhor aproximação do esforço inovativo do que gastos
250
Tabela 1 – Porcentagem de produtos “novos para a firma” nas vendas de 1992
por setor industrial – Alemanha, Noruega, Holanda e Dinamarca
Setor
Alemanha
Noruega
Holanda
Dinamarca
M i n e r a ç ã o , e x t r a ç ã o d e p e t r ó l e o e g á s, e n e r g i a e f o r n e c i m e n t o d e á g u a
36
25
22
ND
Alim ent os, bebida s e f um o
34
45
32
48
T êx teis e conf ecçõe s
43
33
39
47
M aderia, prod uto s da m adeira, papel, celulose, gráf ica
30
22
27
24
Refinação
p l á st i c o
de
petróleo,
quím ica,
borracha
e
pro duto s
de
m aterial
O utros pro duto s m inerais não m etálicos
51
27
31
27
31
24
28
23
33
10
15
27
M etalurgia
42
44
28
29
Equipam entos p ara a produção e u so de en ergia m ecânica, m áquinasf erram enta
37
40
29
32
Equipam entos d e u so g eral, arm am entos e m unições
49
44
46
31
M áquina s agrícolas, outro s equipam ento s de u so geral, equipam entos
dom ésticos
58
64
43
34
E q u i p a m e n t o s d e e s c r i t ó r i o , c o m p u t a d o r e s, e q u i p . d e t e l e c o m u n i c a ç õ e s
e rádio
77
56
47
37
Equipam entoe elétricos
46
52
43
29
Instrum ento s m édicos, óticos e d e precisão
51
56
42
38
V e í c u l o s m o t o r e s, a v i õ e s e e q u i p a m e n t o s e s p a c i a i s
60
31
46
38
O utros eq uipam entos de tran sp orte (ex ceto aeroe spacial)
36
46
36
40
M óv e i s e o u t r o s s e t o r e s
66
46
39
41
Fonte:
OCDE
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
Siderurgia
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
251
em P&D ou patentes. Os países representados na tabela são a Alemanha,
a Noruega, a Dinamarca e a Holanda. O ponto principal a ser destacado
da tabela 1 é que existe uma proporção significativa das vendas que são
ligadas a novos produtos e que esta proporção se encontra ao longo de
praticamente todos os setores industriais. Analisada desta maneira, a
inovação não se confina a alguns poucos setores hi-tech e os dados da
tabela sugerem que existe uma rápida mudança na composição de
produtos das empresas inovadoras.
Um corolário a ser enfatizado, é que a inovação, no sentido da
introdução de novos produtos e processos, é mais equitativamente
distribuída pelos diferentes setores; é pervasiva, não se restringindo aos
setores hi-tech. Tal ponto sugere que nada impede que os chamados setores
tradicionais sejam inovativos. A literatura inclusive tem mostrado casos
importantes que exemplificam como empresas e aglomerações produtivas
destes “setores” tem sido capazes de inovar fazendo uso eficiente das
tecnologias de informação e comunicações.
Tais considerações levantam uma questão mais ampla. A inovação
envolve aprendizado e criação do conhecimento, de novas e diferentes
competências relacionadas ao desenvolvimento e implementação de
produtos e processos
Para melhor tentar entendê-la devemos introduzir uma discussão
sobre estática e dinâmica. Sistemas de inovação têm sido muitas vezes
confundidos com clusters. Aqui o problema maior é o de não se adotar
uma visão estática. Por exemplo, há, uma tendência de se definir o
“cluster ” em termos da classificação industrial tradicional (cluster de
calçados, de cerâmica, etc.) com suas fronteiras fixas e os atores
configurados em relação aos produtos e processos existentes.
A visão de cluster baseada em setor, porém, não captura situações
onde as fronteiras dos setores industriais encontram-se em mutação,
tornando-se fluidas. Assim, de uma perspectiva dinâmica, os setores
industriais devem ser reconceitualizados, enquanto sistemas mais amplos
e em contínua mutação baseados em conjuntos de tecnologias e soluções.
Por exemplo, recente pesquisa realizada em alguns países
desenvolvidos, utilizando a visão evolucionista de sistemas de inovação
sugere que o aumento da produção e exportação e melhoria da
competitividade de diversos sistemas locais têm origem em duas fontes
principais. Inicialmente, a extensão em que a base de conhecimentos
locais em tais sistemas se aprofundou e ampliou no sentido de incluir
design, controle de qualidade, informação relativa a mercados e marketing
e capacitações ligadas às tecnologias de informação e comunicações.
Em segundo lugar, o estabelecimento de ligações técnicas por parte das
252
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
diversas instituições e organizações que compõem o sistema, na direção
de ampliar a gama de insumos ligados ao conhecimento. Assim, como
exemplo extremo, observa-se empresas de serviços como supermercados
instalando laboratórios de P&D, contratando químicos e biológos para
realizar pesquisas conjuntamente com empresas alimentícias, empresas
químicas produzindo insumos, etc. Os pontos a serem ressaltados referemse, em primeiro lugar, a que empresas em qualquer “setor” necessitam
ampliar sua base de conhecimento interno para melhor se apropriar –
através de diferentes mecanismos de interação – da base de
conhecimentos externa à firma. Em segundo lugar, que a competitividade
de aglomerações produtivas, mesmo em áreas tradicionalmente
identificadas como de baixa intensidade tecnológica (calçados, vestuários,
etc.) está cada vez mais vinculada à existência - dentro de, e fazendo
parte, das aglomerações - de organizações e instituições (firmas, institutos
de pesquisa, etc) que possuam capacitações nas novas tecnologias da
informação e das comunicações.
Utilizando-se como exemplo a indústria de pesca, o processo
inovativo e as tecnologias são baseadas em materiais avançados,
incorporam conhecimentos de design, o monitoramento depende de
imagens computacionais e tecnologias de reconhecimento, os sistemas
de alimentação e saúde envolvem o uso de robótica, insumos
farmacêuticos e conhecimento de nutrição crescentemente ligados à
biotecnologia, novas técnicas de preservação, armazenamento e
empacotamento que são baseadas em tecnologias de resfriamento,
bacteriologia, microbiologia, engenharia e informática. Uma gama
enorme e diversa de capacitações torna-se necessária para se obter
competitividade em situações cada vez mais complexas.
Assim, a visão sistêmica da inovação se preocupa não apenas com
o desempenho da firma isoladamente mas, principalmente, com a
integração das firmas em complexas relações econômicas e sociais com
o seu ambiente. Do ponto de vista de política, a política de inovação é
complementar à política científica – que se preocupa com o
desenvolvimento científico e com a formação de cientistas – e da política
tecnológica que objetiva o suporte, melhoria, promoção e
desenvolvimento de tecnologias. A política de inovação leva em
consideração as complexidades do processo inovativo e focaliza as
interações dentro do sistema. Ela é cada vez mais necessária para se
alcançar a competitividade nos diferentes setores da economia e deve
centrar-se na criação de condições para que os diferentes agentes
apropriem-se, eficientemente, dos ganhos potenciais trazidos pelas
tecnologias de informação e comunicações. Porém, tal eficiência só será
alcançada se as capacitações e conhecimentos associados a tais
tecnologias forem enraizados nos sistemas produtivos locais.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
253
CONCLUSÕES
Conforme discutido acima, a análise das tendências sobre políticas
industriais e de inovação na chamada Era do Conhecimento vem
privilegiando a promoção de inovação e sistemas de inovação como
componente mais importante da competitividade de organizações e
países.
Destaca-se a importância de discutir as novas demandas e desafios
associados à conformação da Economia do Conhecimento. Em particular,
que se trata de uma era em que o conhecimento coloca-se como recurso
principal e o aprendizado como processo central. Considera-se que quão
mais forte for a base de recursos humanos, maior a possibilidade de
acelerar o processo de inovação, e que quão mais forte o potencial para
inovação, maior a probalidade do sistema atrair e absorver pressões
competitivas. Nesta discussão, concorda-se com a idéia de que, no caso
das políticas de inovação, estas podem e vão além da criação de um
ambiente dinâmico para a acumulação de capital.
A variedade e maior sofisticação dessas novas formas de se definir
e implementar políticas contradizem as teses sobre o enfraquecimento
dos Estados-nação e sua capacidade de formular políticas nacionais.
Particularmente, destaca-se o novo papel dos Estados nacionais de se
pronunciarem e definirem políticas domésticas (tanto nacionais como
subnacionais), crescentemente articuladas ao nível de blocos regionais.
O erro, portanto, estaria em tomar tais tendências como antagônicas à
experiência anterior.
Evidentemente, reconhece-se que as transformações econômicas e
sociais que caracterizam as duas últimas décadas do século XX
certamente trazem novos desafios à definição e implementação de
projetos e políticas nacionais. Ao mesmo tempo, abrem-se também novas
oportunidades, que são melhor aproveitadas pelas sociedades que têm
coesão, estratégia e medidas eficientes para delas tirar proveito. Assim,
tais desafios devem ser vistos - não em contraposição à própria alternativa
de se definirem políticas nacionais - mas sim, como novas exigências a
serem equacionadas. Argumenta-se, portanto, que ao invés de perderem
sentido, na verdade as políticas nacionais passam a ter seu alcance
desenho, objetivos e instrumentos reformulados, visando o atendimento
dos novos requerimentos impostos por um conjunto de fatores associados
à inauguração do atual padrão de acumulação.
Reconhece-se que o enfrentamento das intensas mudanças
observadas em escala mundial não é tarefa trivial. Conforme lembrado
por Chris Freeman e Carlota Perez: (i) a adaptação da economia tenderá
a se transformar num processo lento e doloroso se deixado por si só,
254
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
principalmente em períodos de mudanças tecnológica e institucional
radicais; (ii) o papel de políticas públicas e privadas estimulando a
promoção e renovação do processo cumulativo de aprendizado é
particularmente destacado em tais ocasiões; (iii) geralmente em períodos
de mudanças radicais observa-se um processo de “destruição criadora”
não apenas no que concerne às atividades e estruturas econômicas e
técnicas, mas também às atividades e estruturas sócio-políticas.6
Um último ponto a sublinhar aqui refere-se ao reconhecimento de
que variações nacionais e locais podem levar a diferentes caminhos de
desenvolvimento e à crescente diversidade, ao invés da padronização e
convergência apregoada pelas teses mais radicais sobre influências da
globalização em políticas nacionais e subnacionais. Conforme destaca
Celso Furtado, “globalização está longe de conduzir à adoção de políticas
uniformes. A miragem de um mundo comportando-se dentro das
mesmas regras ditadas por um super FMI existe apenas na imaginação
de certas pessoas. As disparidades entre economias não decorrem só de
fatores econômicos, mas também de diversidades nas matrizes culturais
e das particularidades históricas. A idéia de que o mundo tende a se
homogeneizar decorre da aceitação acrítica de teses economicistas”.7
Nós acrescentaríamos: e apenas daquelas que ignoram os processos
históricos e sociais envolvidos.
Resumo
Novas políticas para o desenvolvimento industrial e tecnológico vêm sendo formuladas em resposta às importantes transformações vividas nas últimas décadas. Reconhecese a existência de novos desafios à definição e implementação de projetos e políticas nacionais. Ao mesmo tempo, abrem-se também novas oportunidades, que são melhor aproveitadas exatamente pelas sociedades que têm coesão e são capazes de definir estratégia e
medidas eficientes para delas tirar proveito. Argumenta-se, portanto, que ao invés de
perderem sentido, na verdade as políticas nacionais passam a ter seu alcance desenho,
objetivos e instrumentos reformulados, visando o atendimento dos novos requerimentos
impostos por um conjunto de fatores associados à inauguração do atual padrão de acumulação.
Dentre as principais tendências das políticas adotadas por países mais avançados
encontra-se a crescente convergência entre as diversas políticas, particularmente as de
desenvolvimento industrial e tecnológico e de comércio internacional. Observa-se igualmente a ênfase crescente ao fortalecimento dos processos de aprendizado, geração e difusão de conhecimentos para o aumento da competitividade de organizações e países. Como
decorrência, a promoção do processo inovativo, assim como dos sistemas locais e nacionais de inovação vem tornando-se característica das novas políticas associadas à Era do
Conhecimento.
Freeman, C. E Perez, C. “Structural crisis of adjustment: business cycles and investiment
behaviour”. In G. Dosi et all (eds) Technical Change and Economic Theory, (Londres, Pinter,
1988)
6
7
Furtado, C. O Capitalismo Global (São Paulo Paz e Terra, 1998, p. 74)o, C. O Capitalismo
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
255
Abstract
New policies for industrial and technological development are being designed and
implemented as a response for the important transformations observed worldwide during
the last decades . It is recognized the existence of new threats for defining and implementing
national projects and policies. However, it is argued, that new opportunities are also
presented; these opportunities have been better exploited by societies characterized by
cohesion and that can devise appropriate strategies. Instead of losing importance, national
policies are changing their objectives and instruments and are targeting the new
requirements imposed by a set of factors associated to the new pattern of accumulation.
Among the most important features of the new policies designed and implemented
in advanced economies is the convergence among trade, industrial and technology policies. Also important is the emphasis on strengthening learning processes and on the
generation and diffusion of knowledge to foster competitiveness of organizations and
countries. As a result, the promotion of innovation processes and local and national
systems of innovation characterize the new policies associated with the Knowledge Era.
Os Autores
JOSÉ EDUARDO CASSIOLATO – Ph.D. em Política Científica e Tecnológica e Industrialização,
Science Policy Research Unit, SPRU/University of Sussex, Inglaterra; Mestre em Economia do Desenvolvimento, University of Sussex, Inglaterra; Economista na USP. Professor
do Instituto de Economia (IE/UFRJ) onde coordena uma rede de pesquisadores e um
projeto de pesquisa internacionais sobre sistemas locais de inovação no Mercosul; Pesquisador Associado ao NEIT/Instituto de Economia da UNICAMP; Membro da Diretoria da
SBPC (até 2002). Pesquisador-visitante da Universidade de Sussex (1990/1) e da Universidade Pierre Mendés-France (1999/2000). Tem-se dedicado à pesquisa e ensino em economia da inovação, do desenvolvimento e política industrial, de C&T e inovação.
HELENA MARIA MARTINS LASTRES - Ph.D. em Política Científica e Tecnológica e Industrialização, Science Policy Research Unit, SPRU/University of Sussex, Inglaterra; Mestre em
Engenharia da Produção na COPPE/UFRJ; Economista, FEA/UFRJ. Pesquisadora do
IBICT/CNPq) e professora e pesquisadora do Grupo de Inovação do Instituto de Economia (IE/UFRJ). Pesquisadora-visitante da Universidade de Tóquio (1991) e da Universidade Pierre Mendés-France (1999/2000). Tem-se dedicado à pesquisa e ensino em política de
C&T e economia da inovação, da informação e do conhecimento.
256
José Eduardo Cassiolato & Helena Maria Martins Lastres
Documentos
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
257
Por que e como os Governos
apoiam Atividades de Pesquisa e
Desenvolvimento
Este é um documento de base do Ministério das
Finanças e da Receita do Canadá.
O Sistema Federal de Incentivos de Imposto de
Renda para a Pesquisa Científica e o
Desenvolvimento Experimental: Relatório de
Avaliação, Dezembro de 1997
INTRODUÇÃO
As atividades de pesquisa e desenvolvimento englobam o trabalho
criativo realizado em base sistemática, a fim de aumentar o estoque de
conhecimentos, inclusive o conhecimento do homem, da cultura e da
sociedade, e o uso deste estoque de conhecimentos para conceber novas
aplicações. Este trabalho pode tomar a forma de pesquisa básica, pesquisa
aplicada ou desenvolvimento experimental1.
As atividades de pesquisa e desenvolvimento produzem tecnologia,
uma forma de conhecimento que é utilizada para melhorar a
produtividade de fatores de produção e de crescimento econômico e,
em última análise, para melhorar os padrões de vida. Como outras formas
de capital, a tecnologia pode ser armazenada, vendida como um bem
ou serviço, pode depreciar-se ou tornar-se obsoleta. A tecnologia pode
1
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (1994), capítulo 2,
páginas 29-45. O Capítulo 1, páginas 18-21, discute a distinção entre atividades de pesquisa
e desenvolvimento e outras atividades estreitamente correlatas que podem ser agrupadas
de maneira mais ampla sob o título de atividades científicas e tecnológicas (STA) e inovação
científica e tecnológica (STI). As STA compreendem atividades sistemáticas estreitamente
ligadas à geração, o avanço, a disseminação e a aplicação de conhecimentos científicos e
tecnológicos em todos os campos da ciência e da tecnologia. Essas incluem atividades
como as de pesquisa e desenvolvimento, a educação e o treinamento científicos e
tecnológicos, e os serviços científicos e tecnológicos. A STI pode ser considerada como a
transformação de uma idéia num produto novo ou melhorado introduzido no mercado,
ou um novo processo operacional ou um processo operacional melhorado utilizado na
indústria ou no comércio. As inovações envolvem uma série de atividades científicas,
tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais, as atividades de pesquisa e desenvolvimento constituem somente uma dessas atividades, e podem ser realizadas em diferentes fases do processo de inovação.
258
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
ser usada, em combinação com outros fatores de produção, para melhorar
processos de produção existentes ou para criar novos processos de
produção, e para aumentar a qualidade e a variedade dos bens e serviços
disponíveis para consumo.
O avanço da tecnologia na produção foi reconhecido há muito tempo
como um importante fator, na base do crescimento econômico. No
entanto, o processo pelo qual a tecnologia é criada e disseminada na
economia, a magnitude de sua contribuição para o crescimento
econômico, e o papel que os governos podem desempenhar em seu
avanço são menos bem entendidos.
Este documento tem duas seções principais. A primeira estabelece
a necessidade de que os governos apoiem as atividades de pesquisa e
desenvolvimento. Ele o faz examinando brevemente as teorias
econômicas que ligam as atividades de pesquisa e desenvolvimento ao
crescimento econômico, identificando a falha de mercado que de outra
formas levaria a sub-investimento em atividades de pesquisa e
desenvolvimento, e transmitindo estimativas da literatura especializada
quanto à extensão dessa falha de mercado. Tendo sido estabelecida a
rationale para o apoio governamental, a segunda seção do documento
examina mecanismos alternativos disponíveis para os governos para
auxiliar as atividades de pesquisa e desenvolvimento. O documento se
centra, em especial, na comparação de incentivos às atividades de
pesquisa e desenvolvimento baseados no imposto de renda nos países
do Grupo dos Sete (G-&) e na Austrália, e dá uma classificação da
atratividade relativa desses mecanismos baseados em impostos. O Anexo
contém uma descrição mais pormenorizada do apoio através do imposto
de renda a atividades de pesquisa e desenvolvimento nos países do G-7
e na Austrália.
PARTE I
A NECESSIDADE DE QUE OS GOVERNOS APOIEM AS
ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
AS ATIVIDADES DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO E O CRESCIMENTO
ECOMÔNICO
Os dados econômicos mostram aumentos na renda real per capita2
durante períodos prolongados em muitos países, e padrões variáveis de
crescimento em diferentes períodos históricos, tanto no âmbito de países
A renda real per capita é obtida dividindo-se o valor total dos bens e serviços produzidos
num ano (i.e. o produto interno bruto) por um índice de inflação que representa o preço
médio daqueles bens e serviços, e depois pela população.
2
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
259
específicos quanto de país para país. Estudos empíricos sugerem que o
crescimento econômico não é um processo aleatório. Antes, ele é afetado
por uma pletora de variáveis econômicas, sociais e políticas. A partir de
uma perspectiva teórica, esses fatos precisam ser explicados. Esta é a
finalidade das teorias do crescimento.
Uma teoria do crescimento econômico pode ser definida como a
identificação e o estudo dos fatores por trás do crescimento a longo prazo
da renda real per capita. Todas as teorias dependem de simplificar-se
pressupostos que podem mudar ao longo do tempo e que variam de
economia para economia, e não existe uma única teoria que possa explicar
plenamente o crescimento. Os modelos existentes de crescimento
econômico podem ser classificados em duas escolas principais de
pensamento: a teoria neoclássica do crescimento e a teoria do crescimento
endógeno3.
1) A Teoria Neoclássica do Crescimento
A teoria neoclássica do crescimento econômico, conforme
formalizada pela primeira vez por Solow (1956), se baseia na acumulação
de capital físico 4 como o fator chave por trás do crescimento numa
economia perfeitamente competitiva com retornos constantes em escala5
e com uma taxa exógena de poupança que se pressuponha ser uma
fração constante da renda nacional total. A dinâmica da teoria
neoclássica na ausência de progresso tecnológico é como segue. A
economia começa com uma razão capital mão-de-obra baixa. Capital
novo (líquido ou de depreciação) é pago a partir de poupanças agregadas.
Embora a discussão se centre na pesquisa realizada a partir do início dos anos cinqüenta,
deve notar-se que economistas clássicos do século XIX, como Mill e Marx, estudaram o
crescimento com base na acumulação de capital físico. Uma de suas principais conclusões é
a de que, uma vez que os recursos são limitados e que o retorno marginal do capital
diminui à medida em que aumenta a razão capital-mão de obra, a única maneira pela qual
o crescimento pode ser sustentado é através de melhorias na produção (i.e., avanço
tecnológico). Tanto a teoria neoclássica do crescimento quanto a teoria do crescimento
endógeno se basearam nessas idéias para formalmente incorporar as atividades de pesquisa e desenvolvimento a seus modelos.
3
O capital físico inclui maquinaria, estruturas e estoque, e difere do “capital de atividades de
pesquisa e desenvolvimento”. O último inclui trabalho altamente qualificado ou muito
especializado, bem como o capital físico necessário às atividades de pesquisa e
desenvolvimento.uturas e estoque, e difere do “capital de atividades de pesquisa e desenvolvimento”. O último inclui trabalho altamente qualificado ou muito especializado, bem
como o capital físico necessário às atividades de pesquisa e desenvolvimento.
4
Diz-se que um processo de produção tem retornos constantes em escala se o custo médio
da produção permanece constante à medida em que muda a produção. Retornos crescentes (decrescentes) em escala significam que o custo médio da produção diminui (aumenta)
à medida em que a produção aumenta (diminui)
5
260
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
Devido a retornos marginais de capital cadentes, à medida em que
aumenta a razão capital mão-de- obra, o produto marginal do capital
cai, e também cai o incentivo para investir em capital novo. Portanto,
cada unidade adicional de capital gera menos retorno e menos poupança,
o que por sua vez significa que menos renda estará disponível para
acumulação de capital. A longo prazo, a razão capital mão-de-obra
atinge um nível no qual o retorno do capital é igual a sua depreciação a poupança é suficiente apenas para pagar pela depreciação física do
capital, e não existe incentivo à inversão em capital novo. A acumulação
de capital e o crescimento cessam e a economia entra num equilíbrio
estável de longo prazo.
O progresso tecnológico entra na teoria neoclássica do crescimento
como um fator exógeno que cresce a uma taxa constante e que é essencial
para o crescimento econômico a longo prazo. O avanço tecnológico
aumenta a produtividade da mão de obra de modo que o produto
marginal do capital não declina à medida em que cresce a razão capital
mão-de- obra. A longo prazo, como não há limite superior ao crescimento
da tecnologia e portanto ao crescimento da produtividade da mão de
obra, a taxa de crescimento da renda real per capita não diminui até
zero. O crescimento econômico é portanto sustentável e a taxa de
crescimento a longo prazo é igual à taxa constante presumida de
progresso tecnológico6.
Os pressupostos básicos da teoria neoclássica implicam que os
recursos sejam alocados de forma eficiente na economia. Isto significa
que não é possível mudar essa alocação e fazer com que uma pessoa
fique em situação melhor sem ao mesmo tempo fazer com que pelo menos
uma pessoa fique em situação pior. Portanto, não há qualquer razão
baseada na eficiência para a intervenção governamental numa economia
desse tipo. Qualquer política que afete a alocação de recursos aumentaria
o produto total e retardaria o crescimento econômico. No entanto, a
intervenção governamental ainda poderia basear-se no critério da
eqüidade. Por exemplo, poder-se-ia buscar uma mudança na distribuição
da renda com o fito de atingir-se um objetivo de política social. Neste
caso, o mérito relativo da intervenção seria avaliado comparando-se a
perda resultante em eficiência com o ganho em matéria de eqüidade.
2) Crítica da Teoria Neoclássica
Os pressupostos em que se baseia a teoria neoclássica do crescimento
têm sido criticados como sendo irrealistas. A mudança tecnológica nem
sempre é um fator exógeno de fora do mercado e determinado por um
6
Esta discussão abstrai o crescimento populacional.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
261
processo desconhecido; muitas descobertas e muitas melhorias
tecnológicas na produção que aumentaram significativamente os padrões
de vida no século XX foram realizadas no setor comercial, por empresas
que buscavam lucros, e não por governos ou universidades, onde a
pesquisa é comandada por forças outras que as do mercado 7. Os
mercados raramente são perfeitamente competitivos; eles muitas vezes
são caracterizados pela concorrência imperfeita, por retornos de escala
crescentes e por informação assimétrica. Ademais, nem todos os bens e
serviços desejados podem ser produzidos pelo setor privado; alguns são
bens públicos, e alguns produzem externalidades que beneficiam ou
prejudicam outras pessoas dentro da sociedade. Em todos esses casos, a
composição marginal dos preços, que é a característica chave da
concorrência perfeita, não é factível, e os mercados não conseguem alocar
os recursos de maneira eficiente.
Antes de passar a discutir como são tratadas essas críticas na teoria
do crescimento endógeno, é importante descrever brevemente os
conceitos de informação assimétrica, de bens públicos e de externalidades,
vista suas implicações para as teorias do crescimento econômico e a
rationale para a intervenção governamental na economia de mercado.
A informação assimétrica, também chamada o problema do
principal agente, ocorre quando uma parte numa transação tem
informações que a outra parte não possui, ou deve incorrer em alto custo
para obter. Por exemplo, um tomador pode ter informações sobre suas
possibilidades de tornar-se inadimplente que não estejam disponíveis
cedente. Um segurador de automóveis pode ter vários clientes com
diferentes padrões de risco; alguns dos clientes podem adotar ações
específicas para reduzir a probabilidade de ter acidentes, enquanto que
outros podem não fazê-lo. Nessas situações, é possível que não se
materialize um mercado, porque compradores e vendedores não poderão
concordar quanto a um preço e uma quantidade, devido à diferença no
nível de informação. Também é possível que resulte um mercado
incompleto, em que a quantidade de equilíbrio seja mais baixa do que
seria num equilíbrio competitivo.
Os bens públicos são caracterizados pela ausência de rivais e pela
impossibilidade de exclusão. A primeira propriedade significa que o uso
de um bem público por uma pessoa ou empresa não impede que outras
pessoas o utilizem simultaneamente, seja parcialmente, seja em sua
totalidade. O último fato significa que é impossível, ou pelo menos
proibitivamente caro, evitar que pessoas específicas utilizem tais bens.
7
Ver, por exemplo, The Economist, “Innovation: The machinery of growth”, 11 de janeiro de
1992, páginas 17-19.
262
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
Como exemplos de bens públicos temos as ondas de rádio e a defesa
nacional.
As externalidades (também chamadas vazamentos) surgem quando
ações empreendidas por uma pessoa ou empresa afetam (ou vazam
sobre), de forma negativa ou positiva) o bem-estar de outras pessoas.
Normalmente, as externalidades não são levadas em conta na composição
do preço das commodities porque elas não afetam as estruturas de custo
ou de receita do produtor; a sociedade como um todo absorve seus efeitos.
A poluição do ar e da água são exemplos de externalidades negativas,
uma vez que ela impõe um custo à sociedade. Os vazamentos de
vantagens ligados a atividades de pesquisa e desenvolvimento são
exemplos de externalidades positivas.
3) A Teoria do Crescimento Endógeno
A teoria do crescimento endógeno abranda muitos dos pressupostos
neoclássicos para incorporar imperfeições de mercado tais como as
mencionadas acima8. No entanto, tal como nos modelos neoclássicos, o
crescimento econômico a longo prazo é conduzido pela acumulação de
fatores de produção baseados no conhecimento, tais como o capital
humano, o aprender fazendo, as atividades de pesquisa e
desenvolvimento e a inovação9. A longo prazo, é a acumulação desses
fatores que faz com que a produtividade dos fatores continue a aumentar
e evita que o retorno marginal de capital caia abaixo de níveis lucrativos.
A teoria do crescimento endógeno pressupõe que o avanço
tecnológico seja o resultado das atividades de pesquisa e desenvolvimento
empreendidas por empresas desejosas de maximizar seus lucros. As
atividades de pesquisa e desenvolvimento entram no processo de
produção como um fator de produção, e são usadas em conjunção com
outros insumos. Como ocorre com qualquer decisão sobre investimento,
as atividades de pesquisa e desenvolvimento não são empreendidas a
menos que haja uma oportunidade de lucro10.
Romer (1994) revê as origens da teoria do crescimento endógeno e discute as implicações
teóricas e práticas dos pressupostos básicos dos modelos de crescimento neoclássico e
endógeno. Entre as contribuições importantes à teoria do crescimento endógeno inclui-se
Romer (1986 e 1990), Lucas (1988), Grossman e Helpman (1991) e Aghion e Howitt (1992).
8
Forin e Helpman (1995) discutem esses fatores de produção baseados no conhecimento,
e suas contribuições à produção e ao crescimento econômico.
9
Na prática, as atividades de pesquisa e desenvolvimento são financiadas e realizadas
tanto por instituições que buscam o lucro quanto por instituições públicas. Statistics Canada
(1997) informa que 48% do total das atividades de pesquisa e desenvolvimento no Canadá
em 1996 foram financiados pelo setor privado e 62% foram por ele realizados; o resto foi
financiado (52%) e realizado (38%) por governos, universidades e instituições privadas sem
fins de lucro.
10
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
263
O pressuposto de que as determinantes do crescimento de longo
prazo são endógenas ao processo de tomada de decisões da empresa é
um desvio importante com relação à teoria neoclássica do crescimento,
e tem importantes implicações em termos de políticas. Realmente, se o
crescimento de longo prazo é conduzido por fatores de produção
baseados no conhecimento que são parte da estrutura normal de custos
da empresa, então, mudando-se o custo desses fatores através, por
exemplo, de subsídios diretos, incentivos fiscais ou políticas comerciais,
os governos podem influenciar o crescimento a longo prazo11.
4) A Contribuição do Progresso Tecnológico ao Crescimento Econômico
As teorias sobre o crescimento econômico proporcionam um quadro
para a análise do crescimento e de suas determinantes. Esses quadro
também pode ser usado para estudar o impacto das políticas
governamentais sobre o crescimento econômico e sobre os investimentos
em atividades de pesquisa e desenvolvimento. No entanto, tal quadro
não permite a quantificação da contribuição ao crescimento econômico
das atividades de pesquisa e desenvolvimento e de outros investimentos
baseados no conhecimento. Esta é uma questão complexa de mensuração
que está sujeita à possibilidade de observar dados, de sua disponibilidade
e de sua qualidade12.
Diferentemente do capital tangível, que tem mercados bem
desenvolvidos, o preço do conhecimento raramente pode ser determinado
com qualquer grau de exatidão. Ademais, o conhecimento é cumulativo
em termos de tempo e produz externalidades que não podem ser
captadas em preços de mercado. Devido a essas dificuldades, a
contribuição ao crescimento econômico dos investimentos baseados no
conhecimento não é mensurável. No entanto, pode obter-se uma
indicação dessa contribuição subtraindo-se o crescimento em fatores de
produção do crescimento no produto interno bruto (PIB); o resto e
chamado o “resíduo de Solow”, e é um indicador da produtividade total
do fator (Total Factor Productivity/TFP)13.
Há abundante literatura sobre a mensuração da TFP e sobre as
contribuições das atividades de pesquisa e desenvolvimento ao
11
As políticas governamentais, tais como as políticas de compras governamentais, também
podem ter como meta o produto e não os fatores de produção para atividades de pesquisa
e desenvolvimento.
12
Ver, por exemplo, Griliches (1994).
Griliches (1994) e Grossman e Helpman (1991), capítulo 1, discutem problemas relativos
à interpretação e à mensuração da TFP. A TFP pode ser calculada para a totalidade da
economia, para setores específicos e para indústrias.
13
14
Mohnen (1992) examina esta literatura
264
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
crescimento econômico14. Por exemplo, a pesquisa macroeconômica tem
usado a TFP para investigar as razões por detrás do declínio no
crescimento da renda real per capita em países desenvolvidos desde 1974.
Uma explicação possível para este fenômeno é um declínio na
contribuição do progresso tecnológico ao crescimento na produtividade
da mão de obra, que por sua vez constitui o maior componente do
crescimento da renda real per capita. Fortin e Helpman (1995) estimam
que o crescimento da produtividade da mão de obra no Canadá
representou 60% do crescimento da renda real per capita ao longo do
período de 1960 a 1993, e que aproximadamente 50% do crescimento
da produtividade da mão de obra ao longo desse período deveu-se ao
progresso tecnológico15. Os autores também observam que a dominância
da produtividade do mão-de-obra como fator de contribuição ao
crescimento econômico no Canadá, e de modo mais geral nas economias
desenvolvidas, tem a probabilidade de tornar-se mais forte relativamente
a outros fatores cujo crescimento parou na última década ou tem estado
declinando.
A INAPROPRIABILIDADE E AS IMPERFEIÇÕES DE MERCADO
A teoria econômica e as provas empíricas indicam que o progresso
tecnológico, através de seu impacto sobre os fatores de produção, é uma
determinante chave do crescimento econômico de longo prazo;
realmente, para alguns países, é a determinante mais importante. No
entanto, isto em si não dá uma justificativa econômica para a intervenção
governamental para realocar recursos em favor de atividades de pesquisa
e desenvolvimento. A intervenção governamental numa economia de
mercado normalmente é justificada pela incapacidade do mercado de
prover uma alocação de recursos eficiente ou socialmente desejável. No
caso dos investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento, o
fracasso do mercado fica evidenciado pela presença de externalidades e
de imperfeições de mercado, cujos efeitos se estendem não apenas para
além das empresas individuais, mas também para além das fronteiras
dos países.
Outros componentes básicos do crescimento da renda real per capita são: a razão entre
a renda nacional bruta e o produto interno bruto (que representa o pagamento a não
residentes por seus investimentos no Canadá), os termos de troca ou a razão entre os
preços de exportação e os preços de importação, a taxa de emprego, a taxa de participação
da força de trabalho e a razão trabalho-idade. Em comparação com 60% de produtividade
do trabalho, as contribuições desses componentes ao crescimento da renda real per capita
ao longo do período de 1960 a 1993 foram de cerca de -2%, 5%, -7%, 21% e 25%, respectivamente. Para ter mais detalhes, ver Fortin e Helpman (1995).
15
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
265
A teoria das finanças públicas classifica os bens e serviços segundo
dois critérios: o da rivalidade e o da possibilidade de acarretar exclusão.
Conforme anteriormente observado, um bem é rival se o uso por parte
de uma pessoa impede que outros o usem; e é suscetível de acarretar
exclusão se for possível excluir outrem de seu uso. Os dois conceitos, da
rivalidade e da possibilidade de acarretar exclusão, não são mutuamente
excludentes. Um bem rival é excludente; um bem não rival pode ou não
ser excludente, dependendo de sua natureza e do custo em que o
proprietário deva incorrer para excluir outros de seu uso. Se um bem é
não rival e pelo menos parcialmente não excludente, então ele é
inapropriável; i.e., outras pessoas podem beneficiar-se de seu uso por parte
do proprietário sem incorrer em quaisquer custos.
A não suscetibilidade de apropriação de um bem leva a sua
subprodução numa economia de mercado. Isto é um resultado que deriva
diretamente da política microeconômica da empresa. A empresa não
investirá num produto se souber que não se poderá apropriar de suas
receitas potenciais. No entanto, se alguma parte das receitas for suscetível
de apropriação, a empresa investirá, se tal parte for suficiente para
tornar o investimento lucrativo. A quantidade que não é produzida
depende do grau de inapropriabilidade. Em condições normais, a
inapropriabilidade perfeita conduz à ausência de produção por parte
de tomadores de decisão privados, e a apropriabilidade perfeita conduz
à produção eficiente.
A subprodução devida à inapropriabilidade é uma forma do que é
geralmente conhecido como falha de mercado; deixado livre, o mercado
não aloca uma quantidade eficiente de recursos à produção de um bem
inapropriável. A falha de mercado é um critério usado por economistas
e formuladores de políticas para justificar a intervenção governamental
em economias de mercado.
É sobejamente sabido que a tecnologia, e o conhecimento em geral,
não são plenamente apropriáveis numa economia de mercado16 ; uma
vez produzida, pelo menos parte dela pode ser obtida sem qualquer
custo. O preço que os compradores realmente pagam para adquirir uma
tecnologia normalmente é mais baixo do que o preço que estariam
dispostos a pagar se a tecnologia fosse plenamente suscetível de
apropriação porque a desenvolveu. A diferença entre esses dois preços
é chamada a vantagem do vazamento (ou vazamento). Portanto, a
16
Um exemplo extremo é a tecnologia que é uma idéia. É muito difícil evitar a sua disseminação: o custo marginal de reproduzi-la é zero: e outros podem usá-la sem pagar. A
proteção dos direitos de propriedade intelectual, por exemplo, o uso de patentes é apenas
uma solução parcial para o problema das “caronas” causado pela inapropriabilidade da
tecnologia.
266
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
tecnologia não é um bem privado puro; há uma incompatibilidade entre
sua produção, que pode ser baseada na tomada de decisões privada, e
sua disseminação, uma atividade cujos benefícios extrapolam o produtor
para atingir a sociedade como um todo17.
A informação assimétrica e a concorrência imperfeita são outros
tipos de imperfeição de mercado que conduzem ao subinvestimento em
atividades de pesquisa e desenvolvimento18. Tem sido sustentado que a
informação assimétrica distorce um funcionamento eficiente dos
mercados de capital; por exemplo, pode levar ao racionamento do crédito
e ao abandono de investimentos em atividades de pesquisa e
desenvolvimento em projetos com alta probabilidade de sucesso devido
a dificuldades financeiras, enquanto que aqueles investimentos em
projetos com pouca probabilidade de sucesso continuam sendo
financiados e levados adiante. Himmelberg e Peterson (1994) mostram
que as atividades de pesquisa e desenvolvimento são financiadas
principalmente por fontes internas porque a informação assimétrica limita
o financiamento externo.
A PROVA EMPÍRICA SOBRE VAZAMENTOS
Tem havido muitos estudos empíricos sobre vazamentos de
atividades de pesquisa e desenvolvimento (ou a diferença entre as taxas
privadas e sociais de retorno do investimento em atividades de pesquisa
e desenvolvimento), especialmente a partir de meados dos anos oitenta.
Esses estudos, que se centram sobretudo em indústrias manufatureiras e
de alta tecnologia, mostram que existem vazamentos entre diferentes
projetos de pesquisa e desenvolvimento dentro de uma mesma empresa,
entre empresas que operam no mesmo setor, entre diferentes setores
(vazamentos intra e intersetoriais), e entre países.
Geralmente são usados dois tipos de modelo econométrico para
investigar os vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento.
O primeiro envolve estimar-se os parâmetros das funções de produção,
que incluem não apenas a mão de obra e o capital, mas também o capital
de pesquisa e desenvolvimento como insumo. O segundo envolve estimarse funções de custo nas quais a estrutura de custos depende de variáveis
como o produto, os preços dos fatores e o capital de pesquisa e
desenvolvimento. Dependendo da disponibilidade e da qualidade dos
dados, os parâmetros dessas funções podem ser estimados utilizando-se
dados de projeto, de empresa, de setor, ou que abranjam toda a economia.
17
para mais informações sobre a inapropriabilidade, ver Romer (1990).
McFetridge (1995) examina a literatura sobre os vários tipos de falha de mercado e seu
impacto potencial sobre o investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento.
18
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
267
Uma vez que se estima o parâmetro de vazamento, pode-se calcular as
taxas de retorno social; nos casos de dados de empresa, por exemplo,
isto é feito somando-se à taxa privada de retorno de um setor as vantagens
marginais de vazamento que são produzidas para outros setores19.
A análise econométrica das taxas de retorno sociais dos
investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento versus as
privadas e dos vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento
nas indústrias manufatureiras e de alta tecnologia produzem os seguintes
resultados gerais:20
· As taxas privadas de retorno sobre investimentos em atividades de
pesquisa e desenvolvimento normalmente são mais altas do que as que
se observa para outros investimentos de capital.
· As taxas sociais de retorno sobre investimentos em atividades de pesquisa
e desenvolvimento podem ser até cinco vezes mais altas do que as taxas
privadas de retorno; a dimensão das vantagens do vazamento variam
de forma significativa.
·As taxas sociais de retorno sobre atividades de pesquisa e
desenvolvimento básicas são mais altas do que aquelas sobre pesquisa e
desenvolvimento aplicados.
· As atividades de pesquisa e desenvolvimento públicas produzem taxas
de retorno mais baixas do que as atividades de pesquisa e
desenvolvimento privadas, mas taxas mais altas de retorno do que o
capital público de infra-estrutura.
· Os vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento reduzem
os custos variáveis e aumentam a produtividade; a magnitude dos
resultados depende de se a amostra estudada é tomada no nível da
empresa ou no do setor. Encontrou-se resultados qualitativos semelhantes
em amostras colhidas no nível de projeto dentro de empresas21.
· Os vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento contribuem
para o aumento da produção e para a redução do preço da produção.
· Os vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento geralmente
são substitutos parciais para mão de obra e materiais, mas complementos
para o capital (que não seja capital de atividades de pesquisa e
19
Bernstein (1994) examina várias formas funcionais estimadas na literatura.
20
A menos que indicado de outra forma, esses resultados se baseiam nos exames feitos por
21
Henderson e Cockburn (1993).
268
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
desenvolvimento). Isto significa que os vazamentos reduzem a demanda
por mão-de-obra e por materiais e aumentam a demanda por capital.
Uma vez que o componente principal do capital de atividades de pesquisa
e desenvolvimento é mão de obra qualificada, o efeito substituição que
age sobre a demanda por mão-de-obra deveria ser visto, pelo menos em
parte, como um efeito redutor da demanda por mão-de-obra não
qualificada a favor da demanda por mão-de-obra qualificada.
· Os vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento induzem
um aumento nos investimentos de capital em atividades de pesquisa e
desenvolvimento em empresas que têm atividades de pesquisa e
desenvolvimento intensivas em termos de capital, mas funcionam como
um substituto do capital de atividades de pesquisa e desenvolvimento
em empresas onde o capital de atividades de pesquisa e desenvolvimento
forma uma pequena parte do investimento total. No entanto, no nível
do setor, os vazamentos geralmente são substitutos do investimento em
atividades de pesquisa e desenvolvimento do setor recipiente.
· Os vazamentos de atividades de pesquisa e desenvolvimento num país
contribuem para ganhos de produtividade em outros países. Esses
vazamentos internacionais são uma função de relações comerciais e de
outros tipos de relações (por exemplo, educacionais e culturais) que os
países mantêm entre si 22. Ademais, a direção dos ganhos de
produtividade induzidos por vazamentos internacionais de atividades
de pesquisa e desenvolvimento é de grandes economias onde se realizam
intensamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento para pequenas
economias abertas que utilizem menos intensivamente as atividades de
pesquisa e desenvolvimento23. Em outras palavras, as economias que
gastam uma proporção relativamente baixa de seu PIB em atividades de
pesquisa e desenvolvimento (por exemplo, o Canadá) se beneficiam mais,
através de reduções de custos e de aumentos de produtividade, de
vazamentos internacionais do que aquelas que gastam uma proporção
relativamente mais elevada (por exemplo, os Estados Unidos e o Japão).
McFetridge (1995) examina estudos de caso de projetos específicos
de pesquisa e desenvolvimento, processos de pesquisa e desenvolvimento
e novos produtos que resultam de investimentos em atividades de
pesquisa e desenvolvimento. Os resultados que ela relata em termos de
ganhos de produtividade e a diferença entre as taxas privadas e sociais
de retorno sobre o investimento em atividades de pesquisa e
Grossman e Helpman (1991), capítulo 9, discute as implicações da interdependência internacional para o investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento e para as
políticas governamentais.
22
23
Ver Também Bernstein e Yan (1995), Bernstein e Mohen (1994), e Coe e Helpman (1993).
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
269
desenvolvimento são semelhantes aos encontrados em estudos
econométricos.
PARTE II
COMO OS GOVERNOS APOIAM AS ATIVIDADES DE PESQUISA
E DESENVOLVIMENTO
Conforme mostrado na Parte I, as atividades de pesquisa e
desenvolvimento produzem tecnologia, uma forma de conhecimento que
é utilizada para aumentar a produtividade de fatores de produção. A
teoria econômica indica que o progresso tecnológico, sobretudo através
de seu impacto sobre a produtividade da mão de obra, é uma
determinante chave do crescimento de uma economia a longo prazo.
A rationale econômica para que os governos apoiem as atividades
de pesquisa e desenvolvimento é que os benefícios dessas atividades
vazam, ou se estendem para além das próprias pessoas ou instituições
que realizam as atividades de pesquisa e desenvolvimento, para outras
empresas e setores da economia, e o valor desses benefícios não é suscetível
de plena apropriação por que tiver realizado as atividades de pesquisa e
desenvolvimento. Esses “benefícios de vazamento” significam que, na
ausência de apoio governamental, as empresas realizariam menos
atividades de pesquisa e desenvolvimento do que o que é desejável do
ponto de vista da economia. Os mercados deixam de alocar uma
quantidade de recursos eficiente ou socialmente ideal às atividades de
pesquisa e desenvolvimento.
A evidência empírica mostra que os vazamentos de atividades de
pesquisa e desenvolvimento existem entre projetos, empresas, setores e
países, e que as taxas sociais de retorno sobre os investimentos em
atividades de pesquisa e desenvolvimento podem ser significativamente
mais altas do que as taxas privadas de retorno. Isto confirma o caráter
não excludente do progresso tecnológico e a incapacidade do mercado
de alocar uma quantidade eficiente de recursos ao investimento em
atividades de pesquisa e desenvolvimento. De uma perspectiva de
política, a necessidade de incentivos às atividades de pesquisa e
desenvolvimento é clara; a questão para os formuladores de política é
determinar sua magnitude e suas formas.
Os governos de muitos países dão apoio a atividades de pesquisa e
desenvolvimento. Este apoio assume uma variedade de formas. A decisão
quanto a que forma usar depende de dois elementos: a natureza da
falha de mercado e os objetivos de política buscados por países específicos.
Na maioria dos casos, a falha de mercado resulta de alguma combinação
270
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
de imperfeições de mercado, tais como a inapropriabilidade, a
concorrência imperfeita e a informação assimétrica. Na maioria dos
casos, a reação da política a uma falha de mercado é alguma combinação
de apoio regulatório ou fiscal.
Esta parte não trata da questão das formas que deveria assumir o
apoio a atividades de pesquisa e desenvolvimento, do equilíbrio adequado
entre formas alternativas de assistência, ou de se a assistência deveria
ter bases amplas ou se deveria ser objeto do estabelecimento de metas.
Essas questões ultrapassam o alcance da avaliação do sistema federal de
incentivos baseados no imposto de renda para a pesquisa científica e o
desenvolvimento experimental. Antes, a discussão considera as
características gerais de formas alternativas de apoio governamental, e
mecanismos específicos de imposto de renda internacionalmente
utilizados para apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento e o nível
relativo de assistência prestada por aqueles mecanismos de apoio
baseados em impostos.
AS FORMAS DE APOIO GOVERNAMENTAL
Em termos de regulação, os governos contam com patentes e outras
medidas para proteger os direitos de propriedade intelectual, como uma
solução parcial para o problema das “caronas” causado pela
inapropriabilidade da tecnologia, especialmente no que diz respeito a
tecnologias que sejam específicas para a produção de um bem em especial
ou de seus substitutos. Proporcionar poder monopolístico às instituições
que realizem atividades de pesquisa e desenvolvimento reduz os efeitos
da inapropriabilidade e aumenta os custos da imitação. A proteção da
propriedade intelectual, assim, facilita a difusão da tecnologia ao mesmo
tempo em que mantém o incentivo para que se invista em atividades de
pesquisa e desenvolvimento.
No entanto, as tecnologias que são de uso geral são mais difíceis de
apropriar através do uso de patentes e de outras medidas2 4.
Como complemento à proteção das patentes, há instrumentos de
política que incentivam o investimento em atividades de pesquisa e
desenvolvimento ou que aumentam as taxas provadas de retorno sobre
investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento para níveis
mais próximos aos das taxas sociais de retorno, sem necessariamente
conferir poder de monopólio a quem realiza as atividades de pesquisa e
Levin e outros (1987) discutem vários meios que os inovadores podem utilizar para
proteger-se contra imitadores e para minimizar os vazamentos, e as limitações das patentes. Mansfield (1986) e McFetridge (1995) discutem as patentes.
24
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
271
desenvolvimento. Os Governos do Canadá e de outros países
industrializados têm implementado alguns desses instrumentos para
reagir ao problemas de imperfeições de mercado e a seus impactos sobre
o investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento e sobre o
crescimento econômico. Esses instrumentos incluem:
· atividades de pesquisa e desenvolvimento patrocinadas pelo governo;
· a compra pelo governo de novas tecnologias;
· subsídios diretos, empréstimos e contribuições reembolsáveis a empresas,
universidades e organizações sem fins lucrativos, e
· incentivos fiscais.
McFetridge (1995) examina avaliações de atividades de pesquisa e
desenvolvimento patrocinadas pelo governo, políticas de compras
governamentais, subsídios diretos, financiamento de concessionárias e
incentivos fiscais para atividades de pesquisa e desenvolvimento no
Canadá. No caso das atividades de pesquisa e desenvolvimento
patrocinadas pelo governo, ele conclui que os projetos de pesquisa com
aplicabilidade em setores inteiros foram caracterizados por altas taxas
de retorno, enquanto que aqueles que conferem vantagens exclusivas a
empresas individuais foram caracterizados por favoritismo e baixas taxas
de retorno. Esta conclusão geral também se aplica no caso dos subsídios
diretos às atividades de pesquisa e desenvolvimento e se estende a
avaliações de subsídios a atividades de pesquisa e desenvolvimento nos
Estados Unidos e no Reino Unido. A eficácia em termos de custos foi
maior em situações em que tais subsídios tinham o objetivo de solucionar
problemas tecnológicos que atingiam setores inteiros ou múltiplos setores.
Nos casos de políticas de compras governamentais, de financiamento
de concessionárias e de incentivos fiscais, McFetridge conclui que:
· as políticas de compras governamentais foram eficazes no sentido de
induzir ou acelerar a inovação em casos em que o governo é um cliente
importante para os produtos desenvolvidos;
· recentes modificações institucionais na concessão de empréstimos pelo
governo podem ter melhorado a eficiência do financiamento da inovação,
e
· “incentivos fiscais existentes têm a probabilidade de ser socialmente
benéficos, mas não há caso que obrigue a torná-los mais generosos”.
272
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
Sua conclusão geral quanto à eficácia em termos de custos de
instrumentos de política para atividades de pesquisa e desenvolvimento
é no sentido de que:
· “ ... a eficácia de instrumentos de política indica que os incentivos fiscais
e o financiamento de concessionárias podem ser mais efetivos do que os
subsídios diretos, embora a evidência empírica seja limitada”.
Os incentivos fiscais e os subsídios diretos possuem características
diferentes, e podem ser usados para atingir objetivos alternativos, mas
complementares. As principais diferenças entre essas medidas de política
são:
· Os subsídios diretos envolvem controle governamental discricionário
sobre a tomada de decisões; os recursos são seletivamente canalizados
para setores, empresas ou investimentos identificados como tendo o maior
potencial de crescimento ou a mais premente necessidade de assistência.
Com incentivos fiscais, os mercados determinam que investimentos serão
realizados e a tomada de decisão permanece com os investidores.
· Os incentivos fiscais normalmente são estruturados para prestar
assistência a uma ampla gama de setores, empresas ou investimentos.
Os subsídios diretos normalmente têm como meta números relativamente
pequenos de setores, empresas ou investimentos.
· Geralmente ocorre que os subsídios diretos podem ser utilizados tanto
por empresas que pagam impostos quanto pelas que não os pagam. No
entanto, os incentivos fiscais também podem ser concebidos para atingir
esse objetivo através do recurso a disposições relativas à possibilidade
de reembolso ou de transferência de perdas.
· O custo de receita dos subsídios diretos tem um teto no nível de
financiamento disponibilizado à autoridade concedente num ano dado,
enquanto que o custo de receita dos incentivos fiscais depende de níveis
de investimento determinados pelo mercado.
· O sistema fiscal pode ser mais eficaz para incentivar investimentos de
longo prazo - as empresas podem esperar razoavelmente receber
benefícios constantes quando se implementa projetos de vários anos de
duração. Os níveis de financiamento dos subsídios diretos muitas vezes
são estabelecidos em base anual, e podem variar (às vezes de maneira
significativa) de ano para ano.
· Utilizando-se a estrutura existente da administração tributária, os
incentivos fiscais podem ser menos onerosos (em termos tanto de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
273
administração como de observância), de mais fácil acesso, mais
tempestivos, mais certos e menos pesados do que os subsídios diretos.
ASSISTÊNCIA EM TERMOS DE IMPOSTO DE RENDA NOS PAÍSES DO G-7 E NA
AUSTRÁLIA
Muitos países usam incentivos baseados no imposto de renda para
incentivar as atividades de pesquisa e desenvolvimento por parte de e
em nome de contribuintes. Em geral, o incentivo se centra em atividades
de pesquisa e desenvolvimento realizadas dentro das fronteiras nacionais
para fins empresariais. Embora a definição da OCDE de atividades de
pesquisa e desenvolvimento seja amplamente usada como padrão, as
definições realmente empregadas para fins fiscais diferem, às vezes de
maneira significativa, deste termo de comparação a fim de atender a
objetivos de política de países específicos. Alguns incentivos fiscais a
atividades de pesquisa e desenvolvimento são estruturados para prestar
apoio em bases amplas, outros têm como meta tipos específicos de
atividades de pesquisa e desenvolvimento ou de empresas (por exemplo,
empresas novas, empresas menores, ou firmas que não pagam impostos),
e outros, ainda, se centram em objetivos regionais. Também há
significativas diferenças internacionais na concepção e na composição
dos incentivos fiscais a atividades de pesquisa e desenvolvimento
atualmente em uso para fomentar este tipo de investimento.
Esta seção compara o tratamento fiscal dispensado pelo Canadá às
atividades de pesquisa e desenvolvimento com o tratamento dispensado
na Austrália, França, Alemanha, Itália, no Japão, no Reino Unido e nos
Estados Unidos. A Tabela 1 resume os aspectos chave dos sistemas de
imposto de renda para atividades de pesquisa e desenvolvimento nesses
países. Os incentivos a atividades de pesquisa e desenvolvimento
assumem a forma de deduções aceleradas, deduções de bonificações ou
de créditos fiscais ao investimento, incrementais ou não incrementais.
O anexo contém uma descrição mais pormenorizada do apoio a
atividades de pesquisa e desenvolvimento baseado no imposto de renda
nos países do G-7 e na Austrália. Entre os elementos chave desses sistemas
fiscais aplicados a atividades de pesquisa e desenvolvimento incluem-se
as definições de atividades de pesquisa e desenvolvimento elegíveis e
das despesas permissíveis, das deduções de imposto de renda e, quando
aplicáveis, de créditos fiscais ao investimento.
A fim de qualificar-se para a dedução de 125%, as despesas correntes ou de capital anuais
com atividades de pesquisa e desenvolvimento devem geralmente exceder A$ 20.000.
25
274
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
1) Deduções de Imposto de Renda
Em cada um dos países do G-7, as despesas correntes com atividades
de pesquisa e desenvolvimento são plenamente dedutíveis no ano em
que são realizadas. Sujeita à obediência a um patamar mínimo de
despesa, a Austrália oferece uma bonificação de dedução correspondente
a 125% das despesas correntes com atividades de pesquisa e
desenvolvimento.25
As taxas às quais as despesas de capital podem ser depreciadas
para fins fiscais variam consideravelmente entre os países do G-7 e na
Austrália. Em geral, existe a disponibilidade de alguma forma de
depreciação acelerada para ativos de capital de pesquisa e
desenvolvimento (que não sejam prédios).
Sujeita à obediência ao mesmo patamar mínimo de despesa
aplicável às despesas correntes com atividades de pesquisa e
desenvolvimento, a Austrália permite que se dê baixa em 125% do valor
das despesas de capital com atividades de pesquisa e desenvolvimento
ao longo de três anos, numa base de linha reta. No Canadá e no Reino
Unido, as despesas de capital de atividades de pesquisa e
desenvolvimento são plenamente dedutíveis da renda tributável no ano
em que são realizadas. Nos demais países, os ativos de capital de
atividades de pesquisa e desenvolvimento são depreciados, utilizandose uma variedade de métodos, a várias taxas e ao longo de diferentes
períodos de tempo.
Na França e na Alemanha, os ativos de capital geralmente podem
ser depreciados utilizando-se o método da linha reta ou o do saldo
declinante. No entanto, na França, a depreciação pelo método do saldo
declinante é optativa para certos ativos de capital, inclusive a maquinaria,
o material e o equipamento de pesquisa e desenvolvimento que tenham
uma vida útil de pelo menos três anos. Na Alemanha, as despesas de
capital com atividades de pesquisa e desenvolvimento estão sujeitas ao
mesmo tratamento dispensado a outros ativos suscetíveis de depreciação.
Na Itália, as despesas de capital normalmente suscetíveis de depreciação
pelo sistema da linha reta, mas também existe a possibilidade de
depreciação acelerada com relação a ativos de capital de atividades de
pesquisa e desenvolvimento (isto é, as despesas são suscetíveis de
depreciação à taxa legal para o primeiro ano de tributação, a uma taxa
de até o dobro da taxa legal para o segundo e terceiro anos, e com base
no método da linha reta para o restante da vida útil do ativo). No Japão,
as despesas de capital de atividades de pesquisa e desenvolvimento
podem estar sujeitas à depreciação comum (usando-se o método da linha
reta, o do saldo declinante ou qualquer outro método aprovado), à
depreciação inicial aumentada ou à depreciação acelerada. A
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
275
depreciação inicial aumentada e a depreciação acelerada são incentivos
fiscais disponíveis para certos tipos de maquinaria, instalações,
equipamento e prédios. A depreciação inicial acelerada proporciona uma
taxa de depreciação mais alta do que a taxa da depreciação comum
que, de outra forma, está disponível para o ano durante o qual o ativo é
pela primeira vez utilizado. A depreciação acelerada proporciona uma
taxa de depreciação acima da taxa da depreciação comum, que, de outra
forma, está disponível ao longo de um número especificado de anos.
Nos Estados Unidos, os bens de capital tangíveis se depreciam
normalmente segundo o Sistema Modificado de Recuperação Acelerada
de Custos (MACRS). Nos termos das regras do MACRS, os métodos de
depreciação são recomendados para cada classe de bens, e incluem o
método de saldo declinante de 200%, o método de saldo declinante de
150% e o método da linha reta.
2) Créditos fiscais ao Investimento
De modo semelhante, a concepção e a complexidade dos créditos
fiscais a atividades de pesquisa e desenvolvimento variam
consideravelmente entre os países do G-7 e na Austrália. Quatro dos
países proporcionam tais créditos - o Canadá tem um crédito fiscal
baseado no total da despesa com atividades de pesquisa e
desenvolvimento; os Estados Unidos e a França têm créditos fiscais
baseados na despesa incremental com atividades de pesquisa e
desenvolvimento, e o Japão tem três créditos fiscais, um dos quais é
baseado na despesa incremental com atividades de pesquisa e
desenvolvimento e os outros dois no total da despesa com atividades de
pesquisa e desenvolvimento. Os métodos para calcular a despesa
incremental com atividades de pesquisa e desenvolvimento diferem cada
país que oferece esta forma de crédito fiscal. Também há certas limitações
em alguns países na quantidade de créditos fiscais que podem ser ganhos
ou usados num ano. A Alemanha, a Itália e o Reino Unido atualmente
não concedem créditos fiscais a atividades de pesquisa e
desenvolvimento2 6.
Atualmente há duas taxas de crédito fiscal ao investimento para
atividades de pesquisa e desenvolvimento no Canadá: uma taxa geral
de 20% e, para algumas pequenas empresas, uma taxa aumentada de
35% sobre até 2 milhões de dólares de despesas elegíveis. As despesas
com equipamento novo usado principalmente para atividades de
pesquisa e desenvolvimento (mais de 50% do uso) também se podem
qualificar para um crédito fiscal ao investimento correspondente à metade
No entanto, de 1991 a 1993, um crédito fiscal regionalmente diferenciado para atividades
de pesquisa e desenvolvimento esteve disponível para pequenas e médias empresas na
Itália. O anexo contém mais pormenores desta questão.
26
276
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
do crédito normal. Os créditos podem ser usados para reduzir os impostos
federais sobre a renda que de outra forma seriam devidos, e os créditos
não utilizados podem ser aplicados retroativamente por três anos, ou
estendidos por dez anos. Ademais, as pequenas empresas elegíveis para
a taxa de crédito fiscal aumentado e as empresas não incorporadas
podem obter uma restituição dos créditos não utilizados dentro de um
ano. A taxa geral de restituição é de 40% dos créditos fiscais ganhos
tanto sobre despesas correntes quanto sobre despesas de capital. No
entanto, existe a possibilidade de uma restituição de 100% para créditos
ganhos sobre despesas correntes à taxa aumentada. As empresas também
podem transferir restituições esperadas de créditos fiscais a cedentes de
empréstimos como garantia para financiamentos ponte de suas
operações. O valor de créditos fiscais reivindicados num ano reduz o
valor das despesas correntes e de capital elegíveis para a dedução do
imposto de renda.
Nos Estados Unidos, o crédito fiscal é ganho a uma taxa de 20%
sobre o valor pelo qual as despesas correntes elegíveis com atividades de
pesquisa e desenvolvimento num ano excede um valor base. O valor
base é o produto da razão entre a despesa elegível com atividades de
pesquisa e desenvolvimento em os valores brutos recebidos no período
de 1984 a 1988 (chamada a “percentagem base fixada”) e a média dos
valores brutos recebidos pelo contribuinte nos quatro anos precedentes.
Este valor base está sujeito a duas limitações. Em primeiro lugar, a
percentagem base fixada não pode exceder 16%. Em segundo, o valor
base não pode ser inferior a 50% da despesa elegível do contribuinte
com atividades de pesquisa e desenvolvimento no ano. O crédito pode
ser usado para reduzir o imposto de renda das empresas que de outra
forma seria devido, e os créditos não utilizados podem ser aplicados
retroativamente por três anos, ou estendidos por quinze anos. A dedução
relativa a despesas correntes elegíveis com atividades de pesquisa e
desenvolvimento é reduzida do valor dos créditos incrementais havidos
num ano.
O crédito fiscal na França é de 50% da despesa elegível com
atividades de pesquisa e desenvolvimento num ano que exceda o nível
médio de despesa com atividades de pesquisa e desenvolvimento nos
dois anos anteriores. Assim, o valor desse crédito fiscal incremental pode
ser positivo ou negativo, e há limitações à capacidade de usar os dois
tipos. Um crédito positivo pode ser usado para reduzir o lucro da
empresa e o imposto de renda que de outro modo seria devido num ano
até um máximo de 40 milhões de francos. Para empresas novas, os
créditos não utilizados são plenamente restituíveis. Em todos os outros
casos, os créditos não utilizados podem ser estendidos por até três anos,
sendo que findo este prazo quaisquer créditos não utilizados
remanescentes são plenamente restituíveis. A capacidade de deduzir
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
277
Tabela 1
O tratamento tributário das atividades de pesquisa e desenvolvimento
nos países do G-7 e na Austrália
Canadá
Austrália
França
Alemanha
Itália
Japão
Reino
Unido
Estados
Unidos
Dedução do Imposto de Renda
despesas correntes: 100%
despesas de capital: 100%
patamar mínimo de despesa:
A$ 20.000
despesas correntes: 125%
despesas de capital: 125% ao longo de três
anos, pelo método da linha reta
despesas correntes: 100%
despesas de capital: método da linha reta ou
do saldo declinante; alguma aceleração para
atividades de pesquisa e desenvolvimento
despesas correntes; 100%
despesas de capital: método da linha reta ou
do saldo declinante
despesas correntes: 100% (ou ao longo de
cinco anos pelo método da linha reta)
despesas de capital: geralmente pelo método
da linha reta; alguma aceleração para
atividades de pesquisa e desenvolvimento
despesas correntes: 100% (ao longo de cinco
anos)
despesas de capital: comum (linha reta, saldo
declinante ou qualquer outro método
aprovado), depreciação inicial ou acelerada,
alguma aceleração para atividades de
pesquisa e desenvolvimento
despesas correntes: 100%
despesas de capital: 100%
despesas correntes: 100% (ou ao longo de
cinco anos pelo método da linha reta)
despesas de capital: Sistema Modificado de
Recuperação Acelerada de Custos (MACRS);
alguma aceleração para atividades de
pesquisa e desenvolvimento
Crédito de Imposto de Renda
Base: todas as despesas
Taxas: 20% geralmente; 35% para certas pequenas
empresas; meia taxa normal para certos equipamentos
usados tanto para atividades de pesquisa e
desenvolvimento Quanto para outros fins
Possibilidade de restituição para certas empresas
Retroatividade de três anos, extensão de dez anos
dedutíveis: reduz a base para a dedução
Não se aplica
Base: despesas com atividades de pesquisa e
desenvolvimento comparadas com os dois anos
anteriores; positiva ou negativa
Taxa: 50%
Possibilidade de restituição para empresas novas: três
anos de extensão/restituição para outras empresas
Limites anuais sobre o uso de crédito fiscal
Não se aplica
Não se aplica
Três créditos fiscais para atividades de pesquisa e
desenvolvimento; um para as despesas incrementais
base para créditos incrementais; a despesa com
atividades de pesquisa e desenvolvimento num ano em
excesso da maior despesa anual com atividades de
pesquisa e desenvolvimento desde 1966
Taxas: 20% crédito geral (incremental); 7% crédito para
tecnologias de base; 6% crédito para pequenas e médias
Limite anual sobre o uso de créditos fiscais
Não se pode estender para o futuro créditos não
utilizados
Não se aplica
Base: a despesa corrente com atividades de pesquisa e
desenvolvimento que exceda o produto da razão entre
despesa corrente com atividades de pesquisa e
desenvolvimento e os valores brutos recebidos no
período de 1984 a 1988 e a média dos valores brutos
recebidos nos Quatro anos precedentes
Taxa; 20%
Limites anuais sobre os créditos fiscais ganhos
Retroatividade de três anos; extensão de 15 anos
Tributável: reduz a base para deduções correntes
278
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
despesas com atividades de pesquisa e desenvolvimento não é afetada
pelo valor dos créditos incrementais havidos num ano. Um crédito
negativo reduz os valores de créditos fiscais positivos nos anos
subseqüentes. No entanto, o valor de crédito negativo estendido não
pode ser maior que a soma de créditos fiscais positivos que uma empresa
tenha recebido anteriormente.
O Japão proporciona três créditos fiscais ligados a atividades de
pesquisa e desenvolvimento a empresas: um crédito geral de 20% sobre
despesas correntes incrementais e provisões de depreciação para
maquinaria, equipamento e prédios para fins de atividades de pesquisa
e desenvolvimento; um crédito de 7% para despesas com ativos de capital
depreciáveis usados para fins de atividades de pesquisa e
desenvolvimento com relação a certas tecnologias básicas, e, para
pequenas e médias empresas, um crédito de 6% sobre despesas correntes
e provisões de depreciação para maquinaria, equipamento e prédios para
fins de atividades de pesquisa e desenvolvimento. A base para o crédito
de 20% é o valor pelo qual as despesas com atividades de pesquisa e
desenvolvimento num ano excedam o maior valor de despesas com
atividades de pesquisa e desenvolvimento em que a empresa tenha
incorrido em qualquer ano desde 1966. O crédito de 20% pode ser
utilizado para reduzir o imposto da empresa que de outra forma seria
devido a um mínimo de 10% do passivo fiscal anual da empresa, e os
créditos fiscais incrementais não podem ser estendidos para uso em outros
exercícios fiscais. O crédito de 7% para tecnologias básicas é adicional
ao crédito fiscal incremental de 20% sobre atividades de pesquisa e
desenvolvimento, mas o valor combinado dos dois créditos não pode
exceder 15% do imposto da empresa que de outra forma seria devido. O
crédito fiscal de 6% sobre atividades de pesquisa e desenvolvimento para
pequenas e médias empresas só pode ser em lugar do crédito fiscal
incremental de 20% sobre atividades de pesquisa e desenvolvimento,
mas junto com o crédito de 7% sobre tecnologias básicas, até um máximo
de 15% do imposto da empresa que de outra forma seria devido. A
capacidade de deduzir despesas com atividades de pesquisa e
desenvolvimento não é afetada pelo valor de créditos fiscais havidos
num ano.
UMA COMPARAÇÃO INTERNACIONAL DO APOIO A ATIVIDADES DE
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO BASEADO NO IMPOSTO DE RENDA
Um estudo recente realizado pela Junta de Conferências do Canadá
proporciona uma comparação internacional do apoio a atividades de
pesquisa e desenvolvimento baseado no imposto de renda nos países da
Warda (1997 e 1998). Warda (1998) inclui uma descrição dos regimes de imposto de renda
para atividades de pesquisa e desenvolvimento em cada um dos países e informações
adicionais sobre a metodologia empregada.
27
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
279
OCDE. Os sistemas tributários aplicados a atividades de pesquisa e
desenvolvimento foram classificados comparando-se a razão custobenefício mínima com a qual um investimento em atividades de pesquisa
e desenvolvimento se torna rentável à luz do tratamento concedido a
atividades de pesquisa e desenvolvimento pelo sistema de imposto de
renda de um país. Especificamente, a razão custo-benefício mínima é o
valor atual da renda antes do imposto necessária para cobrir o custo de
um investimento inicial em atividades de pesquisa e desenvolvimento e
para pagar os impostos sobre a renda aplicáveis. Quanto menor for a
razão, maior será o incentivo para as empresas investirem em atividades
de pesquisa e desenvolvimento. Uma razão inferior á unidade significa
que os investimentos são subsidiados pelo sistema de imposto
de renda27.
O estudo mostra que, depois de levar em conta tanto os incentivos
federais quanto os provinciais, o tratamento em termos de imposto de
renda que o Canadá dispensa aos investimentos em atividades de
pesquisa e desenvolvimento é o mais favorável entre os de todos os países
do G-7 e a Austrália (e o segundo mais favorável, depois do da Espanha,
entre os dos países da OCDE). A Austrália, que proporciona uma
bonificação de dedução de imposto de renda, é o segundo mais favorável.
A Alemanha, que não oferece incentivos especiais a atividades de
pesquisa e desenvolvimento, é o menos favorável. Cada um dos demais
países do G-7 proporciona alguma forma de apoio a atividades de
pesquisa e desenvolvimento através do imposto de renda. Os resultados
desta comparação para grandes empresas manufatureiras estão
reproduzidos no Gráfico 1.
Embora a comparação internacional indique um tratamento em
termos de imposto de renda muito atraente para investimentos em
atividades de pesquisa e desenvolvimento no Canadá, a parcela do PIB
gasta pelas empresas em atividades de pesquisa e desenvolvimento
(BERD) no Canadá é baixo segundo os padrões internacionais. Isto é
mostrado no Gráfico 2, que compara as razões BERD/PIB nos países do
G-7 e na Austrália.
280
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
Gráfico 1
Uma comparação do apoio prestado a atividades de pesquisa e desenvolvimento
através do imposto de renda nos países do G-7 e na Austrália
Canadá *
Austrália
EUA **
França
Reino Unido
Japão
Itália
Alemanha
-10%
-5%
0%
10%
15%
20%
25%
30%
Taxa de Subsídios
* Para um investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento localizado no Quebec
** Para um investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento localizado na Califórnia
Fonte: Warda (1997)
Gráfico 2
Razão BERD/PIB nos países do G-7 e na Austrália:1994
Japão
EUA
Alemanha
França
Reino Unido
Canadá
Austrália
Itália
0
0,2
BERD como Percentagem do PIB
Fonte: OCDE (1997)
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
2
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
281
ANEXO
O APOIO FISCAL AS ATIVIDADES DE PESQUISA E
DESENVOLVIMENTO NOS PAÍSES DO G-7 E NA AUSTRÁLIA
Este anexo resume elementos chave dos sistemas de imposto de
renda existentes para atividades de pesquisa e desenvolvimento nos
países do G-7 e na Austrália. Descreve-se, em especial, as deduções de
despesas correntes e de capital e quaisquer incentivos adicionais (por
exemplo, deduções com bonificações ou créditos fiscais ao investimento)
que são atualmente oferecidos nestes países. Quando aplicáveis, incluise disposições especiais relativas, por exemplo, a empresas que não pagam
impostos, a empresas menores ou a incentivos regionais.
Austrália
A concessão tributária relativa a atividades de pesquisa e
desenvolvimento na Austrália é uma dedução de imposto de renda
correspondente a 125% das despesas com atividades de pesquisa e
desenvolvimento elegíveis2 8. Um contribuinte elegível deve ser uma
empresa incorporada na Austrália, um fundo público de comércio ou
um parceiro numa associação de empresas elegíveis.
28
A taxa máxima de dedução foi reduzida de 150% para 125% no orçamento australiano de
20 de agosto de 1996. Antes de 24 de julho de 1996, duas ou mais empresas australianas
também podiam formar um “sindicato” para fins de terceirizar ou realizar atividades de
pesquisa e desenvolvimento na Austrália. As atividades de pesquisa e desenvolvimento
“sindicalizadas” eram complementares à concessão fiscal de 150% de então, e as duas
modalidades tinham exigências semelhantes a respeito das despesas com atividades de
pesquisa e desenvolvimento elegíveis. Ademais, um sindicato tinha de incorrer em mais de
A$ 500.000 em despesas totais com atividades de pesquisa e desenvolvimento para qualificar-se para uma taxa de dedução acima de 100%. A intenção em termos de política por
detrás das atividades de pesquisa e desenvolvimento sindicalizadas era permitir que grupos de empresas implementassem projetos de pesquisa e desenvolvimento que ficassem
além das possibilidades financeiras de uma única empresa ou que uma única empresa
considerasse demasiado arriscados. Normalmente um dos membros do sindicato era uma
empresa menor de pesquisa com perdas fiscais que desejava empreender atividades adicionais de pesquisa e desenvolvimento com base em tecnologia preexistente que possuísse.
Através da participação num desses “sindicatos”, essa empresa de pesquisa que não pagava impostos podia licenciar sua tecnologia preexistente e transferir as perdas fiscais relativas à tecnologia preexistente aos investidores empresariais, esses sim contribuintes, do
sindicato para obter financiamento para as atividades adicionais de pesquisa e desenvolvimento. Cada investidor empresarial do sindicato podia deduzir seu quinhão proporcional
das despesas elegíveis de pesquisa e desenvolvimento ao calcular sua renda tributável. A
taxa de dedução para despesas relativas à tecnologia preexistente era de 100%; a taxa para
despesas adicionais com atividades de pesquisa e desenvolvimento variava de 100% a
150%, sendo a taxa mais alta a aplicável a investimentos de risco pleno. As solicitações de
dedução podiam ser feitas até 13 meses antes da realização da despesa. Com base em
disposições que criavam isenções ligadas a situações preexistentes para agrupamentos de
empresa deste tipo já existentes, o programa de pesquisa e desenvolvimento sindicalizado
for terminado em 23 de julho de 1996.
282
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
A definição de pesquisa e desenvolvimento elegível geralmente se
baseia na definição da OCDE de atividades de pesquisa e
desenvolvimento2 9. A fim de ser elegíveis, as atividades de pesquisa e
desenvolvimento necessitam seja da presença de um elemento apreciável
de novidade, seja a resolução de incerteza científica ou técnica através
de um programa de atividades sistemáticas, investigativas e
experimentais. Ademais, o trabalho deve basear-se em princípios das
ciências físicas, biológicas, químicas, médicas, de engenharia ou de
computação. Além disso, as atividades de pesquisa e desenvolvimento
devem satisfazer a regras relativas a um certo “conteúdo australiano”
que têm a ver com o pessoal chave e os itens mais importantes das
instalações e do equipamento, e os resultados das atividades de pesquisa
e desenvolvimento devem ser explorados em termos comerciais normais
e para beneficiar a economia australiana.
Um patamar anual mínimo de A$ 20.000 normalmente deve ser
obedecido para que as despesas com pesquisa e desenvolvimento se
qualifique para a concessão fiscal30. As despesas elegíveis com atividades
de pesquisa e desenvolvimento incluem as despesas correntes de custos
e de capital incorridas com instalações e maquinaria e com instalações
piloto que sejam utilizados exclusivamente para atividades de pesquisa
e desenvolvimento31. As despesas correntes com atividades de pesquisa
e desenvolvimento são dedutíveis a uma taxa de 125% no ano em que
são realizadas. As despesas de capital com atividades de pesquisa e
desenvolvimento podem ser deduzidas ao longo de três anos segundo o
método da linha reta. As despesas com atividades de pesquisa e
desenvolvimento realizadas fora da Austrália também são elegíveis, se o
valor de tais despesas não exceder 10% das despesas elegíveis para a
totalidade do projeto de pesquisa e desenvolvimento a elas ligado.
Há, no entanto, diferenças entre as duas. Por exemplo, na Austrália, certas atividades
como testes e coleta de dados rotineiros e pesquisas de mercado e promoção de vendas são
elegíveis se estiverem diretamente relacionados com uma “atividade central elegível”.
Ademais, o desenvolvimento de software para comutadores é elegível se o software for
desenvolvido para venda, mas não é elegível se for desenvolvido exclusivamente para uso
interno na empresa.
29
O patamar não se aplica a pagamentos contratuais feitos a uma Agência Registrada de
Pesquisa. O uso dessas agências permite que os contribuintes com solicitações menores
tenham acesso às concessões de 125% para atividades de pesquisa e desenvolvimento.
30
As despesas de capital incorridas na construção ou reconstrução de prédios normalmente
são dedutíveis nos termos do sistema normal de depreciação ao longo de um período de 40
anos, segundo o método da linha reta. Os juros e as despesas ligados à aquisição de tecnologia
preexistente para fins das atividades de pesquisa e desenvolvimento do próprio contribuinte são dedutíveis a uma taxa de 100%
31
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
283
CANADÁ
O regime federal de imposto de renda para atividades de pesquisa
e desenvolvimento no Canadá consiste de deduções do imposto de renda
e de créditos fiscais ao investimento para despesas elegíveis, correntes e
de capital. O contribuinte para ser elegível deve ser uma empresa que
realize atividades de pesquisa e desenvolvimento elegíveis no Canadá.
A definição de atividades de pesquisa e desenvolvimento elegíveis
é consistente com a definição internacionalmente aceita usada pela OCDE
e inclui a pesquisa básica, a pesquisa aplicada e o desenvolvimento
experimental. Algum trabalho de apoio também pode ser elegível quando
tal trabalho estiver ligado às necessidades da pesquisa básica, da pesquisa
aplicada ou do desenvolvimento experimental e apoiar diretamente essas
atividades. Também há algum tipo de trabalho que é excluído da
definição de atividades de pesquisa e desenvolvimento para fins de
imposto de renda - geralmente porque não é considerado como pesquisa
e desenvolvimento de acordo com a definição da OCDE32.
As despesas correntes elegíveis incluem: vencimentos ou salários
de empregados diretamente envolvidos em atividades de pesquisa e
desenvolvimento; o custo do material consumido em atividades de
pesquisa e desenvolvimento; custos de aluguel relativos a maquinaria e
equipamento usado no todo ou de forma substancial (90% ou mais) para
atividades de pesquisa e desenvolvimento; despesas incorridas nos termos
de vários tipos de contrato e custos de manutenção e administrativos.
As despesas de capital elegíveis geralmente consistem de despesas com
maquinaria e equipamento que sejam usados ou consumidos no todo ou
substancialmente na realização de atividades de pesquisa e
desenvolvimento no Canadá. No entanto, nem todas as despesas corrente
e de capital são elegíveis. Por exemplo, as despesas de capital com a
aquisição de terra ou de prédios (que não sejam prédios altamente
especializados para fins de atividades de pesquisa e desenvolvimento)33,
e as despesas correntes ligadas a pagamentos correlatos de aluguel ou
arrendamento não são despesas de pesquisa e desenvolvimento
permissíveis. Também estão excluídas as despesas incorridas com a
O trabalho de apoio elegível consiste de trabalho relacionado com engenharia, desenho,
pesquisa de operações, análise matemática, programação de computadores, coleta de dados, teste e pesquisa psicológica. O trabalho excluído consiste de pesquisa de mercado ou
promoção de vendas; controle de qualidade ou testes rotineiros de materiais, aparelhos,
produtos ou processos; pesquisa nas ciências sociais ou humanas; prospeção, exploração
ou perfuração ligadas à busca ou à produção de minerais, petróleo ou gás natural; a produção comercial de um material, aparelho ou produto novo ou melhorado ou do uso comercial de um processo novo ou melhorado; mudanças de estilo ou a coleta rotineira de dados.
32
As despesas de capital com prédios normalmente são dedutíveis nos termos o sistema
normal de depreciação, a uma taxa de 4% ao ano, segundo o método do saldo declinante. .
33
284
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
aquisição de direitos sobre atividades de pesquisa e desenvolvimento ou
delas decorrentes.
As despesas correntes e de capital elegíveis são totalmente dedutíveis;
as despesas que não são deduzidas num ano podem ser transferidas
indefinidamente. Há duas taxas de crédito fiscal ao investimento para
atividades de pesquisa e desenvolvimento: uma taxa geral de 20% e,
para algumas pequenas empresas34, uma taxa aumentada de 35% sobre
até 2 milhões de dólares de despesas elegíveis. As despesas com
equipamento novo utilizado tanto para atividades de pesquisa e
desenvolvimento quanto para outros fins também podem qualificar-se
para um crédito fiscal ao investimento correspondente à metade do
crédito normal.
Os créditos fiscais ao investimento podem ser utilizados para reduzir
impostos federais sobre a renda que de outra forma seriam devidos. Os
créditos fiscais que não são utilizados no ano em que são adquiridos
podem ser aplicados retroativamente por três anos ou estendidos para o
futuro por dez anos. Ademais, empresas menores elegíveis para a taxa
aumentada de crédito fiscal em empresas não incorporadas podem obter
a restituição de créditos não utilizados adquiridos num ano. A taxa
geral de restituição é de 40% para créditos ficais adquiridos por conta
de despesas correntes e de capital. No entanto, há a possibilidade de
uma restituição de 100% para créditos fiscais adquiridos sobre despesas
correntes à taxa aumentada. As empresas também podem transferir
restituições esperadas de créditos fiscais a cedentes de empréstimos como
garantia para financiamentos ponte para suas operações. Essas
transferências, contudo, não são vinculantes para a Coroa.
França
As despesas correntes com atividades de pesquisa e desenvolvimento
são plenamente dedutíveis na França. A depreciação segundo o método
da linha reta é o regime normal de depreciação para ativos de capital, e
é calculada em termos proporcionais para o primeiro ano de tributação.
As taxas de depreciação segundo o método da linha reta não são
estabelecidas na legislação tributária e variam segundo o tipo de ativo e
segundo a vida útil normal do ativo, segundo o uso de cada setor da
indústria, área do comércio ou empresa. As taxas de linha reata para
maquinaria geralmente variam de 10% a 20%, e para instalações de
10% a 15%. A taxa de linha reta para patentes, materiais e software de
34
Especificamente empresa privadas com controle canadense com renda tributável no ano
anterior inferior a 400.000 dólares e com capital tributável empregado no Canadá no ano
anterior inferior a 15 milhões de dólares.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
285
computador é de 20%3 5. A depreciação segundo o método do saldo
declinante é um sistema opcional para certos ativos de capital, inclusive
maquinaria, material e equipamento para atividades de pesquisa e
desenvolvimento que tenham vida útil de pelo menos três anos. As taxas
de depreciação do método do saldo declinante correspondem a: uma e
meia vez a taxa de linha reta para ativos com uma vida útil normal de
três a quatro anos; duas vezes a taxa de linha reta para ativos com uma
vida útil normal de cinco a seis anos e duas e meia vezes vez a taxa de
linha reta para ativos com uma vida útil normal de mais de seis anos. Os
custos de prédios industriais geralmente são suscetíveis de depreciação
a uma taxa de 5% segundo o método da linha reata.
A França também concede um crédito fiscal incremental para
despesas elegíveis com atividades de pesquisa e desenvolvimento por
parte de empresas. A definição de atividades de pesquisa e
desenvolvimento elegíveis baseia-se em grande medida na definição da
OCDE de atividades de pesquisa e desenvolvimento e inclui a pesquisa
básica, a pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental. As
despesas elegíveis incluem salários e benefícios, custos operacionais, certos
pagamentos contratuais, custos de patentes e provisões de depreciação
com relação a bens de capital, inclusive prédios. A taxa do crédito fiscal
incremental é de 50%. A base do crédito é o valor pelo qual as despesas
elegíveis com atividades de pesquisa e desenvolvimento de uma empresa
num ano exceder seu nível médio de despesas com atividades de pesquisa
e desenvolvimento, ajustadas em função da inflação para os dois anos
anteriores. O valor do crédito fiscal incremental pode ser positivo ou
negativo. Um crédito positivo pode ser usado para reduzir o lucro da
empresa e o imposto sobre a renda que de outra forma seria devido no
ano, até um máximo de 40 milhões de francos, e não é tributável. Para
empresas novas, os créditos não utilizados são suscetíveis de restituição
total. Em todos os demais casos, os créditos não utilizados podem ser
estendidos para o futuro por até três anos, e ao fim deste prazo quaisquer
créditos não utilizados remanescentes se tornam totalmente restituíveis.
Um crédito negativo reduz os créditos fiscais positivos nos anos
subseqüentes. No entanto, o valor dos créditos negativos estendidos para
o futuro não podem ser superiores à soma dos créditos positivos que a
empresa tenha recebido anteriormente.
Alemanha
Na Alemanha, as despesas correntes com atividades de pesquisa e
desenvolvimento são plenamente dedutíveis ao calcular-se a renda
tributável. As despesas de capital com atividades de pesquisa e
35
Em certos casos excepcionais, o software de computador pode ser plenamente depreciado
ao longo de 12 meses.
286
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
desenvolvimento estão sujeitas ao mesmo tratamento dispensado a outros
ativos suscetíveis de depreciação. As taxas de depreciação variam
segundo categorias de ativos, e os ativos de capital geralmente podem
ser depreciados utilizando-se o método da linha reta ou o do saldo
declinante. A taxa de linha reta legal de depreciação para maquinaria é
de 10%; para computadores de 20% e para patentes varia de 14% a
20%. As taxas correspondentes para a depreciação calculada pelo método
do saldo declinante são de até três vezes a taxa permissível de linha reta,
até um máximo de 30% ao ano. Os custos de prédios novos são suscetíveis
de depreciação somente a uma taxa de 4% segundo o método da linha
reta. Não há incentivos adicionais disponíveis para empresas que realizem
atividades e pesquisa e desenvolvimento na Alemanha.
Itália
As despesas correntes com atividades de pesquisa e desenvolvimento
na Itália podem ser totalmente deduzidas no ano em que são incorridas
ou amortizadas segundo o método da linha reta ao longo de um máximo
de cinco anos. As despesas de capital geralmente são suscetíveis de
depreciação segundo o método da linha reta, sujeitas à regra do meio
ano, e as taxas de depreciação variam segundo categorias de ativos. As
despesas com maquinaria e equipamento geralmente se depreciam ao
longo de um período de 10 anos e os custo de construção ao longo de 33
anos. As empresas também podem solicitar depreciação acelerada com
relação a despesas de capital com atividades de pesquisa e
desenvolvimento. Especificamente, essas despesas são depreciáveis à taxa
legal no primeiro ano de tributação, e a uma taxa até o dobro da taxa
legal no segundo e no terceiro ano de tributação. A base de capital não
depreciada pode então ser deduzida segundo o método da linha reta ao
longo do restante da vida do ativo.
Atualmente não há incentivos adicionais disponíveis para empresas
que realizam atividades de pesquisa e desenvolvimento na Itália3 6.
36
No entanto, para o período de três anos entre 1991 e 1993, estiveram disponíveis na Itália
créditos fiscais para despesas correntes e de capital ligadas a atividades de pesquisa e
desenvolvimento incorridas por pequenas e médias empresas, i.e., empresas com menos
de 200 empregados e que operassem com um capital de menos de 20 bilhões de liras. As
taxas de crédito eram, geralmente, de 30%, e de 45% para empresas que operassem em
áreas de economia deprimida do país. O valor do crédito fiscal que uma empresa podia
solicitar num ano fiscal também era limitado a um máximo de 500 milhões de liras, de um
modo geral, e de 750 milhões de liras para empresas que operassem em áreas de economia
deprimida. O crédito podia ser utilizado para reduzir o imposto de renda, os impostos
locais ou o IVA que de outra forma seria devido. Ademais, pequenas e médias empresas
iniciantes em campos de “tecnologia inovadora” (por exemplo, tecnologia da informação,
materiais avançados, o meio ambiente e a biotecnologia) tinham direito a um crédito fiscal
idêntico para os três primeiros anos após o início de suas operações, mas, com relação a
custos estruturais gerais, i.e., custos não necessários ligados somente a atividades de pesquisa e desenvolvimento.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
287
Japão
No Japão, as despesas correntes com atividades de pesquisa e
desenvolvimento são plenamente dedutíveis no ano em que são
realizadas, ou podem ser amortizadas ao longo de um período de não
menos de cinco anos. As despesas de capital com atividades de pesquisa
e desenvolvimento podem estar sujeitas à depreciação comum, à
depreciação inicial aumentada ou à depreciação acelerada. As deduções
são permitidas para ativos de capital que custem menos de 200.00 ienes.
A depreciação comum é possível para todos os ativos tangíveis,
afora a terra, e para certos ativos intangíveis tais como patentes, direitos
autorais e marcas registradas. Geralmente baseia-se na vida útil legal do
ativo. Os métodos de cálculo para a depreciação comum incluem o da
linha reta, o do saldo declinante ou qualquer outro método aprovado. O
valor da provisão é calculado proporcionalmente no ano em que as
despesas são realizadas37.
A depreciação inicial aumentada e a depreciação acelerada são
incentivos fiscais disponíveis para certos tipos e maquinaria, instalações,
equipamento e prédios. Essas medidas especiais de depreciação têm a
finalidade de ajudar a atingir uma variedade de objetivos de política,
inclusive o do apoio a atividades de pesquisa e desenvolvimento
realizadas em certas regiões ou por certos tipos de empresa. A
depreciação inicial aumentada proporciona uma taxa de depreciação
mais alta do que a da depreciação comum de outra forma disponível
para o ano em que os ativos são utilizados pela primeira vez3 8. A
depreciação acelerada proporciona uma taxa de depreciação acima da
taxa de depreciação comum que de outra forma estaria disponível
durante um número específico de anos.
O Japão concede três diferentes tipos de crédito fiscal a empresas
para atividades de pesquisa e desenvolvimento: um crédito geral de 20%
para despesas incrementais; um crédito de 7% para tecnologias básicas
e um crédito de 6% para pequenas e médias empresas. Nenhum dos
A vida útil legal, por exemplo, de prédios de concreto reforçado (para escritórios) é de 65
anos, de computadores de seis anos, e de direitos de patente de oito anos. O método do
saldo declinante deve ser usado para ativos tangíveis nos casos em que a empresa não
informe o método escolhido. As taxas normais de depreciação são de 18% para maquinaria
com base no critério do saldo declinante, e de entre 1,5% e 2% para prédios, com base no
critério da linha reta.
37
Por exemplo, as taxas de depreciação inicial aumentada para certos prédios e para certos
tipos de maquinaria e equipamento usados para atividades de pesquisa e desenvolvimento
por pequenas empresas são de 8% e de 30%, respectivamente. Certos tipos de maquinaria
e equipamento usados para empresas de “alta tecnologia estabelecidas em áreas de
tecnópolis” são elegíveis para uma taxa de 30% de depreciação inicial aumentada.
38
288
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
créditos fiscais para atividades de pesquisa e desenvolvimento é
tributável.
Para qualificar-se para o crédito fiscal incremental de 20% as
atividades de pesquisa e desenvolvimento devem ser realizadas a fim de
fabricar produtos ou para melhorar, conceber ou inventar técnicas de
produção. As despesas elegíveis consistem das despesas correntes com
atividades de pesquisa e desenvolvimento (isto é, vencimentos e salários
de empregados que se ocupem exclusivamente de atividades de pesquisa
e desenvolvimento, o custo de materiais e despesas correlatas) e provisões
de depreciação para maquinaria para atividades de pesquisa e
desenvolvimento, equipamento e prédios. A base de crédito corresponde
ao valor pelo qual a despesa com atividades de pesquisa e
desenvolvimento num ano exceder o maior valor de despesas com
atividades de pesquisa e desenvolvimento incorridas pela empresa em
qualquer ano desde 1966. O crédito pode ser usado para reduzir os
impostos da empresa que de outra forma seriam devidos até um máximo
de 10% do passivo tributário anual da empresa. Os créditos fiscais
incrementais não utilizados não podem ser estendidos para utilização
em outros exercícios fiscais.
O crédito fiscal de 7% para tecnologias básicas é adicional ao crédito
fiscal incremental de 20% para atividades de pesquisa e desenvolvimento,
mas o valor combinado dos dois créditos não pode exceder 15% dos
impostos que a empresa de outra forma teria de pagar. O crédito se aplica
a despesas com ativos de capital suscetíveis de depreciação usados para
atividades de pesquisa e desenvolvimento com relação a certas
tecnologias básicas. Essas são: robôs avançados e maquinaria avançada;
processos avançados; eletrônica avançada; biotecnologia e tecnologia
de novos materiais.
O crédito fiscal de 6% para pequenas e médias empresas só pode
ser usado no lugar do crédito fiscal incremental de 20% para atividades
de pesquisa e desenvolvimento, mas juntamente com o crédito fiscal de
7% para tecnologias básicas, até um máximo de 15% dos impostos que a
empresa de outra forma teria de pagar. As despesas elegíveis são as
.mesmas às quais se aplica o crédito fiscal incremental de 20% para
atividades de pesquisa e desenvolvimento. As pequenas e médias
empresas são definidas como as que têm um capital de 100 milhões de
ienes ou menos, ou que têm menos de 1.000 empregados.
Reino Unido
O Reino Unido oferece incentivos fiscais especiais à pesquisa
científica. A definição de atividades de pesquisa e desenvolvimento
elegíveis baseia-se em grande medida na definição da OCDE de
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
289
atividades de pesquisa e desenvolvimento39. As despesas correntes com
atividades de pesquisa e desenvolvimento são plenamente dedutíveis da
renda tributável no ano em que são realizadas. As despesas de capital
com atividades de pesquisa e desenvolvimento também são plenamente
dedutíveis se a pesquisa científica for especificamente ligada ao comércio
ou se os recursos financeiros são pagos a uma instituição de pesquisa
científica 4 0. As despesas de capital com atividades de pesquisa e
desenvolvimento que estejam vinculadas ao comércio, e que não sejam
o custo da aquisição de terra, também podem ser elegíveis para uma
dedução de 100%.
Estados Unidos
Nos termos da lei federal4 1, certas despesas correntes com atividades
de pesquisa e desenvolvimento realizadas por um contribuinte ou em
seu nome podem ser totalmente deduzidas no ano em que são realizadas
ou amortizadas ao longo de um período de não menos de 60 meses, a
começar no mês no qual o contribuinte pela primeira vez aufere lucros a
partir de tais despesas. Para ser elegível, a despesa deve ter sido realizada
em relação a um comércio ou negócio do contribuinte e ter ligação com
atividades de pesquisa e desenvolvimento no sentido experimental ou
laboratorial da expressão (ou seja, ligação com atividades que tenham a
finalidade de descobrir informações que eliminariam a incerteza com
relação ao desenvolvimento ou melhoria de um produto). Existe incerteza
se as informações disponíveis paras o contribuinte não estabelecem a
capacidade ou o método para desenvolver ou melhorar o produto, ou o
desenho adequado do produto. O termo “produto” inclui qualquer
modelo piloto, processo, fórmula, invenção, técnica, patente ou bem
semelhante. A despesa relativa a vários tipos de atividades de pesquisa
e desenvolvimento não é elegível - especialmente a despesa ligada a:
testes de controle de qualidade; levantamentos de eficiência; estudos de
gestão; levantamentos junto a consumidores; propaganda ou promoção;
pesquisa histórica ou literária e a aquisição de patente, modelo, produção
ou processo de outrem. São também inelegíveis as despesas incorridas
com a aquisição ou a melhoria de terras, a exploração de petróleo ou
Por exemplo, as atividades de pesquisa e desenvolvimento elegíveis no Reino Unido
devem incluir uma porção substancial de inovação, em vez de simplesmente o desenvolvimento de produtos. No entanto, a definição do Reino Unido tende mais para a ciência pura
e para a ciência aplicada, e exclui as ciências sociais.
39
40
As associações e órgãos de pesquisa científica aprovados ligados a universidades estão
isentos de impostos empresariais.
Alguns estados norte-americanos também oferecem várias formas de apoio tributário a
atividades de pesquisa e desenvolvimento, mas esses mecanismos não são discutidos neste
documento.
41
290
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
gás, e bens suscetíveis de depreciação ou de destruição utilizados em
trabalho experimental.
Os bens de capital tangíveis se depreciam normalmente nos termos
do o Sistema Modificado de Recuperação Acelerada de Custos (MACRS).
Nos termos das regras gerais do o Sistema Modificado de Recuperação
Acelerada de Custos, os métodos de depreciação são recomendados para
cada classe de bens, e incluem o método do saldo declinante de 200%, o
método do saldo declinante de 150% e o método da linha reta. O número
de anos ao longo do qual um ativo se pode depreciar também é
recomendado para cada classe de bens. Convenções para o
estabelecimento de médias (meio ano, meio do trimestre, meio do mês,
conforme o caso) são usadas para calcular as deduções de MACRS para
o ano fiscal no qual o bem é colocado em serviço e o ano fiscal em que se
o aliena42.
O governo federal também proporciona um crédito de imposto de
renda de 20%, não restituível, para certas despesas incrementais com
atividades de pesquisa e desenvolvimento incorridas no âmbito de um
comércio ou negócio existente do contribuinte43. As atividades de
pesquisa e desenvolvimento elegíveis são aquelas elegíveis para a dedução
de 100%, realizadas com a finalidade de descobrir informações de
natureza tecnológica e que se pretende sejam úteis no desenvolvimento
de um componente novo ou melhorado de uma empresa do contribuinte,
e substancialmente todas as atividades que constituem elementos de um
processo de experimentação destinado a conseguir função, desempenho,
confiabilidade ou qualidade novos ou melhorados. Se as atividades de
pesquisa e desenvolvimento se basearem fundamentalmente em princípios
das ciências físicas ou biológicas, da engenharia ou da ciência da
computação, considera-se que as novas informações tenham natureza
tecnológica44. O processo de experimentação deve envolver a avaliação
As despesas de capital com atividades de pesquisa e desenvolvimento, para fins de aquisição de maquinaria e equipamento geralmente se depreciam ao longo de cinco anos,
utilizando-se o método do saldo declinante de 200%; custos de construção ao longo de 39
anos com base no método da linha reta.
42
Este crédito se aplica a despesas incorridas entre 1º de julho de 1996 e 31 de maio de 1997.
Não houve disponibilidade de crédito fiscal para despesas com atividades de pesquisa e
desenvolvimento incorridas entre 1º de julho de 1995 e 30 de junho de 1996. No entanto,
vários créditos fiscais incrementais também estiveram disponíveis, cada um em base temporária e sujeito a diferentes taxas e regras, de 1º de julho de 1981 a 30 de junho de 1995.
43
O desenvolvimento de software de computador é elegível se resultar em programas ou
procedimentos informáticos novos ou significativamente melhorados. Ademais, todavia,
o desenvolvimento interno de software de computador deve ser usado em atividades de
pesquisa e desenvolvimento elegíveis, realizadas pelo contribuinte, ou num processo de
produção que atenda às exigências necessárias à obtenção do crédito. Considerações
adicionais no caso de desenvolvimento interno de software de computador incluem a de se
o software é inovador e se não está disponível comercialmente, e se o desenvolvimento do
software em questão envolve substancial risco econômico.
44
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
291
de mais de uma alternativa concebida para atingir um resultado nas
quais os meios para atingir tal objetivo sejam incertos no início do
processo.
As atividades de pesquisa e desenvolvimento e as despesas que sejam
inelegíveis para a dedução de 100% também serão inelegíveis para o
crédito fiscal incremental. Ademais, as atividades de pesquisa e
desenvolvimento não se qualificam para o crédito fiscal incremental, se
forem: pesquisa realizada fora dos Estados Unidos; pesquisa nas ciência
sociais, nas artes ou nas ciências humanas; pesquisa financiada por outra
pessoa ou por órgão governamental através de doação ou de contrato;
pesquisa conduzida após a produção comercial e pesquisa conduzida
para a adaptação ou a duplicação de um componente empresarial
existente.
As despesas inelegíveis consistem de salários de empregados
envolvidos em atividade de pesquisa, custos de suprimentos utilizados
na pesquisa, pagamentos a terceiros pelo uso de tempo de computador
em pesquisa qualificada, 655 do valor de pagamentos contratuais por
atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas em nome do
consumidor e 75% dos valores pagos a consórcio de pesquisa qualificado
por atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas em nome do
consumidor e um ou mais contribuintes não ligados à atividade suscetível
de dedução fiscal. O crédito também se aplica a valores pagos ou a
despesas incorridas por uma empresa para pesquisa básica feita por
faculdades, universidades e outras organizações qualificadas, na medida
em que tais valores excedam certos valores relativos a períodos base.
A base para o crédito fiscal incremental é o valor pelo qual a despesa
elegível com atividades de pesquisa e desenvolvimento num ano exceder
um valor base. O valor base é o produto da razão entre a despesa elegível
com atividades de pesquisa e desenvolvimento e os valores brutos
recebidos no período de 1984 a 1988 (ou seja, a “percentagem básica
fixada”) e a média dos valores brutos recebidos pelo contribuinte nos
quatro anos anteriores4 5. No entanto, a percentagem de base fixada não
pode exceder 16%. Além disso, o valor de base não pode ser inferior a
50% da despesa elegível do contribuinte com atividades de pesquisa e
desenvolvimento no ano em curso. O crédito pode ser utilizado para
reduzir os impostos sobre a renda que de outra forma seriam devidos
pela empresa, e os créditos não utilizados podem ser aplicados
retroativamente por três anos ou estendidos para o futuro por 15 anos.
Existem regras especiais para empresas iniciantes. Há regras diferentes para calcular o
valor do período base relativo a pesquisa básica realizada por universidades e outras
organizações qualificadas.
45
292
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
A dedução para despesas correntes elegíveis com atividades de pesquisa
e desenvolvimento é reduzida pelo valor do crédito incremental havido
num ano.
BIBLIOGRAFIA
Aghion, Phillipe e Peter Howitt (1992) “A Model of Growth Through Creative Destruction”,
Econometrica, volume 60, nº 2 (março).
Governo Australiano (1996) Budget Statement Nº 2. Budget 1996/97, Tesoureiro e Ministro
das Finanças. Canberra: Australian Government Publishing Service, 20 de agosto.
Baily, Martin N. e Robert Z. Lawrence (1992) “Tax Incentives for R&D: What the Data Tell
Us?”, estudo encomendado pelo Conselho sobre Pesquisa e Tecnologia, janeiro.
Bernstein, Jeffrey I. (1994) “International R&D Spillovers Between Industries in Canada
and the United States”, documento de trabalho nº 3, Industry Canada, setembro.
Bernstein, Jeffrey I. e Pierre Mohnen (1994) “International R&D Spillovers Between US
and Japanese R&D Intensive Sectors”, documento de trabalho nº 4682, National Bureau
of Economic Research, março.
Bernstein, Jeffrey I. e Xiaoyi Yan (1995) “International R&D Spillovers Between Canadian
and Japanese Industries”, documento de trabalho nº 5401, National Bureau of Economic
Research, dezembro.
Coe, David T. e Elhanan Helpman (1993) “International R&D Spillovers”, documento de
trabalho nº 4444, National Bureau of Economic Research, agosto.
Ministério da Fazenda e da Receita do Canadá (1997) The Federal System of Income Tax
Incentives for Scientific Research and Experimental Development: Evaluation Report.
Dezembro.
Ministério da Indústria, da Tecnologia, do Desenvolvimento Regional, da Pesquisa Industrial
e Junta do Desenvolvimento, Austrália (1994) Guide to Benefits: 150% R&D Tax Incentive,
edição revista. Canberra: Serviço de Publicações do Governo Australiano.
Fortin, Pierre e Elhanan Helpman (1995) “Endogenous Innovation and Growth:
Implications for Canada”, documento ocasional nº 10, Industry Canada, agosto.
Greliches, Zvi (1994) “Productivity, R&D and the Data Constraint”, American Economic
Review, volume 84, nº 1 (março).
Grossman, Gene M. e Elhanan Helpman (1991) Innovation and Growth in the Global Economy.
Cambridge, Massashusetts: MIT Press.
Henderson, Rebecca e Iain Cockburn (1993) “Scale, Scope and Spillovers: The Determinants
of Research Productivity in the Pharmaceutical Industry”, documento de trabalho nº
4466, National Bureau of Economic Research, setembro.
Himmelberg, Charles P. e Bruce C. Peterson (1994) “R&D and International Finance: A
Panel Study of Small Firms in Hightech Industries”, Review of Economics and Statistics.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
293
Levin, R. A. Klevorick, R. Nelson e S. Winter (1987) “Appropriating Returns from Industrial
Research and Development”, in M. Baily e C. Winston, editores, Brookings Papers on
Economic Activity. Washington: The Brookings Institution.
Lucas, Robert E. Jr. (1988) “On the Mechanics of Economic Development”, Journal of
Monetary Economics, volume 22, nº 1 (julho).
Mansfield, Edwin (1986) “The R&D Tax Credit and Other Technology Policy Issues”,
American Economic Review, volume 76, nº 2 (maio).
McFetridge, Don G. (1995) “Science and Technology: Perspectives for Public Policy”,
documento ocasional nº 9, Industry Canada, julho.
McFetridge, Don G. e Jacek P. Warda (1983) Canadian R&D Incentives: Their Adequacy and
Impact, Canadian Tax Paper nº 70. Toronto: Canadian Tax Foundation, fevereiro.
Mohnen, Pierre (1992) “The Relationship Between R&D and Productivity Growth in Canada
and Other Major Industrialised Countries”, estudo encomendado pelo Conselho
Econômico do Canadá. Ottawa: Canada Communication Group.
Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento - OCDE (1994) Frascati
Manual 1993 - The Measurement of Scientific and Technological Activities: Proposed Standard
Practice for Surveys of Research and Experimental Development. Quinta edição. Paris:
OCDE.
Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento - OCDE (1997) Main
Science and Technology Indicators, nº 2. Paris: OCDE.
Romer, Paul M. (1994) “The Origins of Endogenous Growth”, Journal of Economic Perspectives,
volume 8, nº 1 (inverno).
Romer, Paul M. (1990) “Endogenous Technological Change”, Journal of Political Economy,
volume 98, nº 5 pt 2 “outubro”.
Romer, Paul M. (1986) “Increasing Returns and Long-Run Growth” Journal of Political
Economy, volume 94, nº 5 (outubro).
Solow, Robert M. (1956) “A Contribution to the Theory of Economic Growth”, Quarterly
Journal of Economics, volume 70, fevereiro.
Statistics Canada (1997) Service Bulletin: Science Statistics. Catálogo 88-001-xpb, volume
21, nº 8, agosto.
Warda, Jacek P. (1994) “Canadian R&D Tax Treatment: An International Comparison”,
relatório nº 125-94, The Conference Board of Canada, junho.
Warda, Jacek P. (1998) “R&D Tax Incentives in OECD Countries: How Canada Compares”,
resumo para os membros 190-97, The Conference Board of Canada, janeiro.
Warda, Jacek P. (1998) Fiscal Measures to Promote R&D and Innovation: An Overview of
Policies in the OECD Countries, relatório preparado para a Diretoria para a Ciência, a
Tecnologia e a Indústria, OCDE, a ser publicado.
294
Ministério das Finanças e da Receita do Canadá
Documentos
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
295
A lei sobre inovação e pesquisa
para promover a criação de
empresas inovadoras de
tecnologia (*)
OBJETIVOS E CONTEXTO DA LEI
A Lei sobre inovação e pesquisa de 12 de julho de 1999 promove a
transferência de pesquisas financiadas pelo setor público para a indústria
e a criação de empresas inovadoras.
A França tem recursos consideráveis em termos de ciência e
tecnologia, mas a combinação dessas descobertas devidas à pesquisa
com aplicações industriais é realizada com menos facilidade do que em
outros países industrializados. As dificuldades nessa colaboração podem
ser vistas tanto em termos das estruturas, na dificuldade em estabelecerse parcerias eficazes entre estabelecimentos de pesquisa e empresas,
quanto em termos humanos, no baixo nível de contato entre
pesquisadores e o mundo econômico.
Assim, embora a experiência mostre que a utilização econômica
dos resultados da pesquisa é um fator básico do dinamismo da economia,
o número de empresas criadas a cada ano utilizando os resultados de
pesquisa financiada pelo setor público permanece demasiado baixo. São,
entretanto, essas empresas que têm o mais forte potencial para
crescimento.
A finalidade da Lei sobre Inovação e Pesquisa é reverter esta
tendência e proporcionar um contexto legal que fomente a criação de
empresas inovadoras de tecnologia, sobretudo por parte de pessoas
jovens, sejam eles pesquisadores, estudantes ou empregados.
AS QUATRO SEÇÕES DA LEI
1. A mobilidade dos pesquisadores em direção à indústria.
2. A cooperação entre estabelecimentos de pesquisa do setor público
e as empresas.
3. O quadro geral fiscal para empresas inovadoras.
(*)
Lei Nº 99587, de 12 de julho de 1999, publicada no Diário Oficial da França de 13 de julho
de 1999. Este trabalho procura apresentar de modo sintético e organizado esse dispositivo
legal criado pelo Governo Francês com o objetivo de incentivar a inovação tecnológica no
país.
296
Ministério da Educação da França
4. O quadro geral jurídico para empresas inovadoras.
A MOBILIDADE DOS PESQUISADORES EM DIREÇÃO À INDÚSTRIA
A criação de uma empresa
Pesquisadores, professores-pesquisadores, engenheiros, jovens
doutores, funcionários técnicos e administrativos agora podem envolverse na criação de uma empresa para explorar seu trabalho de pesquisa.
Eles estão autorizados a participar como sócios ou como gerentes da
nova empresa, durante um período de tempo ao cabo do qual eles podem
escolher entre voltar ao setor público ou deixá-lo para permanecer na
empresa. Durante esse período, e por um prazo máximo de seis anos,
eles são estagiários, mantendo sua situação de funcionários públicos.
A lei, portanto, permite que a organização de origem pague o salário
do criador da empresa durante a fase inicial de suas atividades, e evita
que aqueles que se envolvam no lançamento de uma empresa sejam
penalizados em termos de suas carreiras no terreno da pesquisa. Um
contrato define as ligações entre a empresa e o estabelecimento de pesquisa
cujo trabalho está sendo explorado.
Consultas:
O Apoio Científico
Os funcionários de pesquisa prestam seu apoio científico a empresas
que estejam desenvolvendo seu trabalho, enquanto permanecem no setor
público.
A Contribuição ao capital de uma empresa
A Lei permite que qualquer funcionário de pesquisa contribua ao
capital de uma empresa que esteja desenvolvendo seu trabalho de
pesquisa. A participação acionária pode ser de até 15% do capital da
empresa. O funcionário concorda, em troca, em não participar de
quaisquer negociações entre a organização competente e sua empresa.
Atuar como Diretor na Diretoria
Os pesquisadores e professores-pesquisadores podem ser membros
de órgãos gerenciais de empresas.
A quem deve-se fazer solicitações?
A solicitação deve ser apresentada à autoridade (organização,
universidade, etc.)a qual estiverem vinculadas os pesquisadores. A
autoridade deve, então, notificar, para fins de aprovação, o Comitê de
Ética do Setor Público do Estado.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
297
A COOPERAÇÃO ENTRE ESTABELECIMENTOS DE PESQUISA DO SETOR
PÚBLICO E AS EMPRESAS
A criação de incubadoras de empresas
Estabelecimentos de educação superiores e de pesquisa podem
estabelecer incubadoras, com a finalidade de prover locais, equipamento
e material para aqueles que esperam criar empresas ou para empresas
novas. Esta medida estimula especialmente a criação de empresas de
alta tecnologia por parte de pessoal de pesquisa e de estudantes.
O desenvolvimento de serviços para a exploração do trabalho de pesquisa
As universidades e os institutos de pesquisa podem criar “serviços
empresariais industriais e comerciais” para gerenciar seus contratos de
pesquisa com empresas ou com outros órgãos do setor público. Esses
serviços também podem cobrir atividades tais como o gerenciamento de
patentes, prestação de serviços e atividades editoriais. Foram
implementadas regras orçamentárias e contábeis mais flexíveis, que
permitem realizar essas atividades de maneira empresarial e também o
recrutamento de pessoal contratado.
A simplificação das formalidades administrativas e da gestão de contratos
A lei simplifica a criação de subsidiárias e de Agrupamentos de
Interesse Econômico (GIPs), que reúnem institutos de pesquisa,
universidades e empresas. Além disso, as instituições de ensino superior
poderão agora fazer contribuições a serviço de assistência de saúde e de
previdência para seu pessoal contratado; esta medida, que passa por
cima das associações, tem o objetivo de melhorar a proteção social dos
funcionários.
A Lei também esclarece o quadro jurídico para as convenções entre
escolas tecnológicas e profissionais e empresas para permitir que essas
últimas obtenham maiores vantagens a partir do potencial tecnológico
desses estabelecimentos.
Finalmente, contratos plurianuais entre o Estado e estabelecimentos
de pesquisa do setor público facilitarão ainda mais a transferência de
tecnologia.
QUADRO GERAL FISCAL PARA EMPRESAS INOVADORAS
A liberalização do esquema BSPCE
A Lei liberaliza o esquema de garantias acionárias dos fundadores
de empresas (BSPCE, Bons de Souscription de Parts de Créateur d’Entreprise
2
), de modo que todas as empresas novas e em expansão estejam cobertas.
O esquema, que permite a compra de ações numa empresa a preço
298
Ministério da Educação da França
previamente fixado, é restrito a empresas criadas há menos de 15 anos.
A lei sobre inovação e pesquisa reduziu de 75% para 25% a fração do
capital da empresa que deve ser detida por pessoas físicas quando as
garantias são emitidas. A Lei também estende o benefício do BSPCE a
empresas registradas no novo mercado.
A liberalização do sistema FCPI
O esquema do fundo de investimentos na inovação (FCPI - Fonds
Communs de Placement dans l’innovation 3 ) também foi mais aprimorado
a fim de permitir que esses fundos possam investir em todas as empresas
inovadoras.
Esses fundos, que atraem poupanças pessoais para novas empresas
inovadoras através de incentivos fiscais, podem agora investir em
qualquer empresa aprovada pela ANVAR, desde que a empresa não
seja controlada em mais de 50% por uma empresa já existente.
Valorizar os créditos fiscais de pesquisa
Finalmente, as disposições da Lei com relação a créditos fiscais de
pesquisa (CIR, Crédits d’impôt Recherche 4 ) devem promover o
recrutamento de pessoal de pesquisa. Realmente, a taxa de custos
operacionais, estabelecida segundo os custos de pessoal, foi aumentada
para 100% para empresas que empreguem um jovem Doutor. Esta nova
disposição permitirá que as empresas cooperem com uma pessoa
altamente qualificada e capaz de proporcionar-lhes acesso aos últimos
avanços num campo específico. Isto completa as adaptações que foram
feitas ao CIR pelo Projeto de Lei sobre Finanças de 1999, a fim de promover
as empresas inovadoras (sobretudo o reembolso imediato do crédito
fiscal).
QUADRO GERAL JURÍDICO PARA EMPRESAS INOVADORAS
A EXTENSÃO DO ALCANCE DO ESQUEMA DE EMPRESAS POR AÇÕES
SIMPLIFICADAS (SAS - SOCIÉTÉ PAR ACTIONS SIMPLIFIÉE )
A atual situação das empresas de responsabilidade limitada não é
especialmente adequada às necessidades de novas empresas de risco
com alto potencial de crescimento. O esquema de empresas por ações
simplificadas (SAS) foi ampliado de modo que todas as empresas
inovadoras dele possam beneficiar.
Nota do tradutor: em francês no original em inglês: Garantias Acionárias dos Fundadores
de Empresas.
2
Nota do tradutor: em francês no original em inglês: Fundos Comuns de Investimento
na Inovação.
4
Nota do tradutor: em francês no original inglês: Créditos Fisciais de Pesquisas.
3
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
299
O esquema proporciona grande flexibilidade:
· Maior liberdade contratual, adequada à rápida expansão dessas
empresas e que permite a rápida modificação da estrutura de capital e
das relações entre acionistas;
· A possibilidade de emissão de ações preferenciais com direito a
voto, que permite que os fundadores mantenham o controle da empresa
sem limitar o acesso a capital novo;
· A redução das formalidades para empresas com recursos
administrativos limitados e que necessitam tomar decisões rápidas, e
· A possibilidade de formar uma empresa com um único sócio.
Informações mais detalhadas escrever para :
1, Rue Descartes
75231 Paris Sedex 05, França
URL: http://www.education.gouv.fr/technologie
Email: [email protected].
URL: http://www.education.gov.fr
300
Ministério da Educação da França
Reflexão
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
301
O Estabelecimento de
Prioridades num Novo Contexto
Sócio-Econômico, a Visão de um
Industrialista
Apresentação feita na Conferência Mundial
da Ciência, Budapeste, 28 de junho de 1999
J.R. ROSTRUP-NIELSEN
O FRACASSO DO MODELO LINEAR
O conhecimento científico proporciona opções para nosso futuro.
As tendências atuais envolvem riscos de abordagens de curto prazo à
questão da pesquisa e do desenvolvimento na indústria, bem como na
pesquisa patrocinada pelo governo. Ao mesmo tempo, a linha divisória
entre a política de pesquisa e a política industrial se tornou menos nítida,
e nos defrontamos com dois paradoxos:
Investimentos mais altos em pesquisa não resultarão
necessariamente em mais empregos. A longo prazo, evidentemente, o
aumento em nosso padrão de vida dependeu e depende do progresso
tecnológico, mas é difícil provar uma correlação direta entre os recursos
usados localmente em pesquisa e o crescimento local. Este aparente
paradoxo tem duas explicações:
Em primeiro lugar, os resultados científicos se disseminam
rapidamente. Em segundo, é a capacidade de utilizar os resultados que
é decisiva, não apenas as realizações dos resultados. A pesquisa é
somente uma pequena parte do processo de inovação, e do processo de
trazer a ciência para dentro das empresas.
É verdade que as descobertas científicas têm conduzido a
desenvolvimentos tecnológicos. Há, entretanto, vários exemplos de que
os desenvolvimentos na indústria têm criado a base para a ciência.
Portanto, em vez de seguir um modelo linear, a tecnologia e a ciência se
desenvolvem em paralelo. Ademais, a maior fração de inovação está
ligada a melhorias incrementais, e essas ocorrem através de uma
colaboração estreita com clientes e fornecedores. Para as empresas
industriais, o processo de inovação é o gerenciamento do conhecimento,
independentemente de sua fonte e da criação das necessárias
302
J. R. Rostrup-Nielsen
competências para transferir esse conhecimento para o ambiente
empresarial.
TENDÊNCIAS NA PESQUISA E DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL
A atividade de pesquisa industrial mudou significativamente ao
longo das duas últimas décadas. Muitas empresas, especialmente
grandes empresas, escolheram focalizar “negócios de importância
central” 1 e em “valor para os acionistas” 2 e conseqüentemente
reduziram significativamente suas atividades de pesquisa e
desenvolvimento. Isto pôs em risco sua visão de longo prazo, que deveria
dar as bases para a renovação e a manutenção da competitividade. As
empresas tentam solucionar este problema de diversas maneiras.
Uma solução é terceirizar a pesquisa de longo prazo a laboratórios
públicos de pesquisa, muitos dos quais evidentemente estão famintos
por contratos de pesquisa. Outro resultado tem sido o de que criou-se
espaço para muitas empresas menores de alta tecnologia tornarem-se
fortes num nicho tecnológico específico.
No entanto, há um limite para quanto pode ser terceirizado. Uma
empresa deve manter suas competências nucleares e sua capacidade de
monitorar e adaptar novos conhecimentos.
Os esforços de pesquisa e desenvolvimento não podem ser avaliados
meramente do ponto de vista do retorno financeiro planejado. O Net
Present Value (NPV) do plano de negócios para a empresa ao longo do
ciclo de vida total do produto pode facilmente ser enganador. O valor
de uma pesquisa de longo prazo é a criação de futuras opções, 9e daí a
flexibilidade da companhia para reagir diante de incertezas num mundo
rapidamente cambiante.
As atividades de pesquisa e desenvolvimento exigem equipamento
e serviços cada vez mais caros, e pessoal altamente especializado em
diversos campos. Isto tem levado a fusões e a alianças para permitir o
compartilhamento de custos e de riscos. Também criou espaço para uma
exploração plena dos resultados.
Criam-se consórcios e redes de pesquisa de maneira global. As
atividades de pesquisa e desenvolvimento estão sendo globalizadas. Elas
são colocadas, seja perto do mercado, seja perto do centro onde se
concentram os conhecimentos e a experiência científicos. Esta tendência
inclui o terceiro mundo, onde grupos de alta qualidade no campo da
1
Nota do tradutor: em itálico no original em inglês core business.
Nota do tradutor: idem, shareholders’ value.
2
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
303
ciência e da tecnologia representam um grande potencial para pesquisa
em campos ricos em matérias primas e com vastos mercados. Foi-se o
tempo em que os países industrializados lidavam com produtos e serviços
com alto conteúdo de conhecimento e deixavam o terceiro mundo
concentrar-se no suprimento de matérias primas e na produção barata
de commodities.
Nenhuma região tem o monopólio da criatividade. É um desafio
integrar-se os centros de conhecimento do terceiro mundo à rede existente
de pesquisa e desenvolvimento industrial de modo que assegure o
respeito mútuo e uma divisão eqüitativa de papéis.
POLÍTICAS INTEGRADAS DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
O forte compromisso internacional de cientistas e da indústria e o
objetivo local dos políticos de reforçar seus próprios países pode parecer
outro paradoxo. No entanto, atrair novos investimentos para empregos
qualificados e mais bem pagos é um objetivo legítimo dos governos locais.
Se esses empregos se devem basear na alta tecnologia, é essencial reforçarse o quadro geral das empresas locais e identificar-se mecanismos para
um processo de inovação mais eficiente, para criar incentivos para
companhias derivadas de empresas maiores a partir de centros de
conhecimento em universidades e em grandes empresas.
Um elemento de grande importância nessas políticas é dispor-se de
um sistema universitário forte. Para a indústria, a finalidade primordial
da universidade é a de proporcionar candidatos a emprego altamente
preparados. Este é o melhor mecanismo de transferência do
conhecimento. É importante que esses candidatos sejam treinados na
linha divisória de nosso conhecimento e que estejam familiarizados com
as fronteiras da pesquisa. Esta é a razão principal pela qual as
universidades devem lidar com pesquisa ambiciosa que proporcione
novos conhecimentos, novos conceitos, etc. No entanto, os cientistas
muitas vezes são avaliados com base na publicação de documentos, na
participação em conferências e na obtenção de doações ou bolsas. Isto
significa que os cientistas profissionais são atraídos pela ciência segura e
não se podem permitir dedicar-se à arriscada pesquisas radical.
Afora o fornecimento de candidatos a emprego, as universidades
podem interagir com a sociedade e com a indústria. Já existem muitos
canais para a colaboração entre a indústria e as universidades em matéria
de pesquisa. Esses canais têm ajudado a criar novas competências dentro
das empresas.
Recentemente, tem havido uma pressão sobre as universidades no
sentido de que participem mais do processo de inovação. Está sendo
304
J. R. Rostrup-Nielsen
exercida pressão política para tirar a tecnologia e o conhecimento para
fora das universidades para beneficiar a sociedade e a indústria.
Novamente, isto se baseia no modelo linear. Evidentemente, deveria
haver bons mecanismos para criar empresas derivadas a partir de
universidades, e certamente há a necessidade de que as universidades
protejam em maior medida seu conhecimento, como é feito nos Estados
Unidos, por exemplo, através da Lei Bayh-Dole. Também é importante,
contudo, que esse movimento na direção da “sociedade e da indústria”
não se torne a finalidade da pesquisa universitária. Isso poderia também
destruir os atuais canais informais de colaboração entre a universidade
e a indústria e levar a abordagens de curto prazo no que diz respeito à
pesquisa universitária. O dinheiro público gasto com as universidades
deve centrar-se na pesquisa de longo prazo e não ser direcionado pelo
aspecto político de ser relevante.
Os elementos de uma Política Integrada de Ciência, Tecnologia e
Inovação podem proporcionar um forte instrumento para que os
governos melhorem a competitividade e o crescimento locais. Muitas
vezes é difícil formular e implementar tais políticas, porque isso envolve
a participação de vários ministérios, não apenas os que se ocupam de
educação, ciência, indústria e comércio, mas até mesmo os que lidam
com tributação e finanças. No entanto, para a maioria dos governos, é
difícil empreender esforços interministeriais.
O IMPULSO DA SOCIEDADE
O vetor da inovação industrial mudou. No passado, o
desenvolvimento industrial era criado primordialmente pelo “ impulso
tecnológico”. Mais tarde, a atividade de pesquisa e desenvolvimento foi
orientada pelo “impulso do mercado”. Hoje em dia, isto foi parcialmente
substituído pelo “impulso da sociedade”, ou melhor, pelo que pode ser
chamado “o impulso regulatório”, o que significa que as empresas
industriais trabalham em maior medida para atender a necessidades
ditadas pela sociedade.
Isto exige uma estreita interação entre a legislação, a indústria e os
consumidores. Necessitamos mais conhecimentos para prover uma base
sólida para a legislação, e a implementação deveria ser suficientemente
bem planejada, de modo que o esforço industrial possa ser redirecionado
em bases de longo prazo.
A política ambiental é um exemplo. Em princípio, a maioria dos
problemas ambientais podem ser resolvidos se estivermos dispostos a
pagar. Não nos podemos permitir basear nossa conduta em atitudes,
sentimentos e, menos ainda, no medo. Necessitamos conhecimentos para
estabelecer prioridades. A indústria pode contribuir aconselhando
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
305
quanto ao que é possível e participando do desenvolvimento de novas
tecnologias. É óbvio que os países ou regiões que primeiro conseguem
uma abordagem e uma formulação de metas realistas também têm a
probabilidade de adquirir liderança em termos de tecnologia.
Demasiadas vezes vemos que a legislação é arbitrária e que as
decisões são tomadas em bases de curto prazo. Isto significa que a
abordagem de curto prazo também influenciará o planejamento da
indústria que poderia preferir então reagir à legislação antes de ser proativa num programa de longo prazo visando a tecnologia mais
sustentável. O impulso social é então substituído pelo impulso regulatório.
A gestão deste processo é um dos maiores desafios no novo contexto
sócio-econômico.
Os sociólogos falam do “crescimento endógeno” e da “conformação
social” da tecnologia. Isto significa “a conformação da demanda social
no processo de pesquisa” e a necessidade de um “mediador” para unir
vários atores. A pesquisa e a inovação já não são fins em si mesmas,
mas têm de atender a necessidades individuais e sociais. O
desenvolvimento deveria ser orientado por necessidades percebidas e a
competitividade industrial não deveria ser uma meta, mas um meio de
aumentar a contribuição da ciência e da tecnologia para o crescimento.
Certamente, o desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia
deveriam visar o crescimento, o emprego e a qualidade da vida. Também
é verdade que a tecnologia foi a base para atividades guerreiras
avançadas e causou alguns desastres industriais e tecnológicos que
resultaram em crescente desconfiança por parte do público para com a
ciência e a tecnologia e suas conseqüências.
No entanto, deve haver um limite ao controle social sobre a ciência
e a tecnologia. A relevância da pesquisa não deveria ser avaliada em
base corrente. A interferência do assim chamado “ator público” para
criar a rede inovadora/social correta pode facilmente levar à falta de
progresso.
O público e o sistema político ainda podem ser mais eficazes na
definição do que devemos fazer, ou qual das opções disponíveis devemos
escolher, mas a indústria é mais eficiente ao fazer as coisas da maneira
certa devido a sua capacidade de administrar o processo de trazer a
ciência para dentro das empresas com parceiros de sua própria escolha.
Mais importante, é perigoso misturar a ciência com “atitudes” e
políticas e que o debate público e o processo político determinem quais
problemas devem ser temas de pesquisa.
306
J. R. Rostrup-Nielsen
Ademais, a História está cheia de exemplos de julgamentos
equivocados quanto à importância de novos fatos. Esses incluem as
opiniões dos próprios inovadores (Edison era céptico quanto à utilidade
da lâmpada elétrica; a IBM não acreditava no computador pessoal, etc.).
Também vimos exemplos de novos desenvolvimentos tais como a pílula
P, que conduziu a uma mudança não planejada da sociedade e de
nosso código de ética.
Devemos manter a abordagem científica para buscar a verdade e
nunca parar de questionar as bases de nosso conhecimento. A ciência
não deveria buscar o consenso. Ela deve procurar resultados verdadeiros,
não resultados agradáveis. Se não for assim, bloquearemos a renovação
de nossas sociedades.
Quanto às empresas, a pesquisa exploratória de longo prazo cria
opções e flexibilidade para manobrar-se num mundo incerto e cambiante.
CONCLUSÕES
A indústria e os governos se defrontam com grandes desafios quanto
à melhor maneira de utilizar o conhecimento científico para nosso
desenvolvimento a longo prazo. As tendências atuais envolvem alguns
riscos. Os ganhadores serão:
· as empresas que mantêm pesquisa e desenvolvimento de longo prazo
para criar opções futuras.
· as empresas capazes de integrar o potencial de pesquisa do terceiro
mundo em base igualitária.
· os países capazes de formular e implementar uma política integrada
de ciência, tecnologia e inovação e capazes de evitar as armadilhas do
modelo linear.
· os países/regiões capazes de administrar a “conformação social” da
tecnologia, capazes de evitar o impulso regulatório e de deixar espaço
para pesquisa ambiciosa e livre a longo prazo.
Devemos ter a coragem de explorar novos horizontes
independentemente da sua relevância para a política atual. Com as
palavras de Günther Grass: “Was richtig ist, muss nicht wahr zu sein. Die
Wahrheit ist ein weites Feld”.
O que é certo não necessita ser verdadeiro. A verdade é uma longa
história.
Reflexão
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
307
Levantamento: A Inovação na
Indústria
THE ECONOMIST
A INDÚSTRIA COMO RELIGIÃO
A inovação tornou-se a nova teologia, diz Nicholas Valéry.
No entanto, ainda há muita confusão quanto a o quê é e a como
fazê-la acontecer
A INOVAÇÃO tornou-se a religião industrial dos idos do século
XX. O mundo empresarial a vê como a chave para lucros crescentes e
para fatias de mercado. Os governos automaticamente a buscam quando
tentam pôr ordem na economia. No mundo inteiro, a retórica da inovação
substituiu a linguagem da economia do bem-estar do após-guerra. É a
nova tecnologia que une a esquerda e a direita da política, diz Gregorio
Daines, da Universidade de Cambridge.
Mas, o que constitui precisamente a inovação é difícil dizer, mais
ainda medir. Normalmente se pensa na inovação como na criação de
um produto ou de um processo melhor. No entanto, ela poderia ser tão
simplesmente a substituição de um material por um outro mais barato
num produto existente, ou uma maneira melhor de comercializar,
distribuir ou apoiar um produto ou serviço.
Os empresários - os mais bem sucedidos, embora não os únicos
praticantes da inovação - raramente se detêm para examinar como o
fazem. A maioria deles simplesmente continua criando valor através
da exploração de alguma forma de mudança - seja na tecnologia, nos
materiais, nos preços, em aspectos tributários, em questões demográficas,
ou mesmo na geopolítica. Eles geram, assim, novas demandas, ou uma
nova maneira de explorar um mercado existente. “O empresário”, disse
Jean-Baptiste Say, o economista francês que cunhou a palavra em torno
de 1800, “movimenta recursos econômicos de uma área de produtividade
baixa para uma área de produtividade mais alta e de maior rendimento”.
Dois séculos mais tarde, os economistas ainda estão lutando para
entender esta misteriosíssima parte do processo de criação de riquezas.
Uma maneira de descrever a inovação é explicar o que ela não é. O
marido e a mulher que abrem uma lanchonete na frente de um novo
edifício de escritórios podem estar jogando com a poupança de suas
308
The Economist
vidas, mas não estão inovando. A empresa japonesa de eletrônica que
lança uma câmera de vídeo mais atraente está simplesmente forçando
sua linha de distribuição numa tentativa de tirar os produtos da
concorrência das prateleiras. A empresa farmacêutica que fabrica uma
versão genérica de uma pílula contra a úlcera campeã de vendas está
simplesmente se locupletando da expiração das patentes de um rival.
Todos estes exemplos são simplesmente empreendimentos comerciais,
não são inovações.
As inovações não apenas quebram a forma, elas também rendem
retornos bem melhores do que os empreendimentos comerciais comuns.
Um estudo norte-americano concluiu que a taxa geral de retorno de
cerca de 17 inovações de sucesso atingidas nos anos setenta ficou numa
média de 56%. Compare-se isto com o retorno médio sobre o investimento
de 16% de todas as empresas norte-americanas nos últimos 30 anos.
Não constitui surpresa alguma, então, que a despeito de todo o risco de
seus empreendimentos, os inovadores com boas idéias e bons registros
de desempenho atraiam investimentos como as flores atraem abelhas.
Para apreciar a diferença entre abrir mais uma loja de hambúrgueres
e realmente promover a inovação, consideremos o que fez a McDonalds.
Ela padronizou o produto, concebeu procedimentos culinários
inteiramente novos e treinou meticulosamente a sua gente, dando assim
aos clientes algo que nunca tinham tido - um sanduíche de hambúrguer
de alta qualidade, servido com a velocidade da preparação no último
momento, num ambiente higiênico, a um preço arrasador. A McDonalds
não apenas criou um novo produto, mas toda uma nova categoria de
mercado. Isto foi inovação de primeiríssima ordem.
Por razões diferentes, também o foi o gravador de videocassete
BETAMAX que a Sony exibiu pela primeira vez em fins de 1974 e (de
maneira mais significativa) o primeiro gravador de VHS que a JVC
revelou em 1976. Nenhuma das duas empresas japonesas realmente
inventou a gravação em vídeo, isso já fora feito por uma empresa norteamericana chamada AMPEX, em 1954. No entanto, os gravadores de
vídeo da AMPEX, com suas fitas de duas polegadas de largura de rolo a
rolo, eram do tamanho de uma eletrola de colocar moedas. Eles eram
usados por redes de televisão, de modo que estações na costa oeste dos
Estados Unidos pudessem gravar programas de televisão transmitidos
ao vivo da costa leste e retransmiti-los localmente num horário mais
conveniente.
Os inovadores japoneses deram-se conta de que o grande mercado
para o gravador de vídeo eram as residências, não o estúdio. No entanto,
transformar o gravador industrial da AMPEX num produto para o
consumidor significava encolher tudo - não apenas o tamanho, mas
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
309
também o preço. A saída surgiu utilizando-se a fita de três quartos de
polegada num cassete enrolado ao redor de cabeçotes de gravação,
montado num tambor giratório que era inclinado num ângulo da direção
da fita. Assim, em vez de gravar o sinal de vídeo como uma seqüência
de bandas verticais de impulsos magnéticos em toda a largura da fita à
medida em que ela se movia passando pelos cabeçotes de gravação, o
sinal de vídeo era lançado sob a forma de faixas diagonais em toda a
fita. Mexendo-se na inclinação do tambor giratório, o comprimento da
faixa diagonal numa fita de três quartos de polegada podia ser tornado
tão longo quanto o da vertical numa fita de duas polegadas. O gravador
podia, assim, gravar a mesma quantidade de informação e oferecer uma
imagem tão precisa quanto o sistema anterior. No entanto, como a fita
era muito mais estreita, os projetistas japoneses puderam acumular o
equivalente a vários grandes rolos de fita de gravação num pequeno
cassete jeitoso do tamanho de um livro.
Nunca houve um produto para o consumidor que se comparasse
ao gravador de videocassete. Nos anos oitenta, este único item
representou a metade das vendas anuais de 30 bilhões de dólares da
indústria japonesa de produtos eletrônicos para o consumidor, e três
quartos de seus lucros combinados. Como todas as melhores inovações,
o aparelho de videocassete não substituiu o produto existente,
canibalizando assim suas vendas. Era um tipo totalmente novo de
engenho, que surgiu do nada e açambarcou uma demanda sensacional.
A VISÃO TRINTA-TRINTA
Quem são essas pessoas que podem dar o salto de uma idéia para
um novo produto ou processo que os consumidores compararão?
Esqueçamos o inventor solitário que trabalha em sua garagem. Afora
Bill Hewlett e Dave Packard, essas pessoas raramente aparecem com
inovações que agitam os mercados, que fazem fortunas ou que mudam
a maneira pela qual o mundo funciona. Tampouco são os inovadores
mais vigoros, necessariamente as pequenas empresas do mito popular,
fundadas por engenheiro brilhantes, que trabalham na ponta do avanço
tecnológico. Thomas Edison, provavelmente o inventor mais bem
sucedido de todos os tempos, era tão incompetente como inovador que
seus financiadores tiveram de retirá-lo de todas as novas empresas que
fundou. A invenção e a inovação têm em comum mais ou menos o que
têm em comum uma alavanca de mudança e o Federal Express. Ralph
Waldo Emerson estava equivocado ao sugerir, no século XIX (se é que
jamais o fez), que se um homem fabrica uma ratoeira melhor o mundo
acorrerá à sua porta. Inventar uma ratoeira melhor é a parte fácil; o
difícil é inovar, que leva tempo, dinheiro, acesso a mercados e percepção.
Talvez Emerson devesse ter colocado de outra forma: “Se você produzir
310
The Economist
um serviço de dedetização de eficácia única, os investidores acorrerão
para apoiá-lo”.
Duas coisas distinguem todas as organizações detentoras de bons
antecedentes em matéria de inovação. Uma delas é que elas incentivam
pessoas que têm uma força motora interior - sejam elas motivadas pelo
dinheiro, pelo poder e pela fama, sejam elas motivadas pela simples
curiosidade e pela necessidade de realização pessoal. A segunda é que
elas não deixam a inovação por conta da sorte: elas a buscam
sistematicamente. Elas procuram ativamente a mudança (a raiz de toda
inovação), depois avaliam cuidadosamente seu potencial em termos de
retorno econômico ou social.
Em seu livro de 1985, “Inovação e Espírito de Empresa”, Peter
Drucker, agora o mais venerado de todos os gurus da cultura gerencial,
relaciona sete fontes de oportunidade para as organizações que buscam
a inovação. Quatro delas podem ser encontradas dentro da própria
empresa, ou pelo menos no âmbito do setor de que a empresa faz parte,
e que deveriam portanto resultar bastante óbvias para as pessoas de
dentro. As outras três vêm do mundo exterior, e devem resultar aparentes
para qualquer pessoa que se dê o trabalho de olhar. Todas as sete são
sintomas de mudança. Relacionadas em ordem de dificuldade e incerteza
crescente, elas são:
· O sucesso inesperado que é recebido com gratidão mas raramente
dissecado para ver como ocorreu.
· A incongruência entre o que realmente acontece e o que deveria ter
acontecido.
· A inadequação de um processo básico que é considerado natural.
· As mudanças na estrutura do setor ou do mercado que tomam a todos
de surpresa.
· As mudanças demográficas causadas por guerras, melhorias na
medicina e até mesmo a superstição.
· As mudanças na percepção, no humor e na moda provocadas pelos
altos e baixos da economia.
· As mudanças no nível de consciência causadas por novos
conhecimentos.
A ironia é que os funcionários, os acadêmicos e mesmo os
empresários prestam bem mais atenção às formas mais arriscadas de
inovação (tentando explorar alguma descoberta baseada na ciência) do
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
311
que ao tipo mais fácil e mais rápido de inovação com o qual poderiam
fazer lucros (capitalizando em cima de algum sucesso inesperado, por
exemplo). Isto pode ter muito a ver com o encanto da pesquisa e do
desenvolvimento - sem falar das grandes somas de recursos públicos
que os governos disponibilizam, diretamente através de doações, bem
como indiretamente através de créditos fiscais, para empresas realizarem
pesquisa e desenvolvimento. Ademais, há boas provas a mostrar que se
um novo produto ou serviço chega ao mercado como resultado de algum
evento novo ligado a patentes ou a propriedade intelectual nos próprios
laboratórios de uma empresa, esse produto ou serviço normalmente rende
elevados retornos: pese-se somente no que a Dupont ganhou com o Nylon
ou a SmithKline com o Tagamet, um dos medicamentos mais bem
sucedidos da história. Mas esses grandes eventos novos acontecem
somente uma ou duas vezes na vida de uma empresa.
Este levantamento sustenta que a inovação tem mais a ver com a
busca pragmática da oportunidade do que com idéias românticas sobre
a fortuna acidental, ou com pioneiros solitários que pugnam por sua
visão contra todas as adversidades. Pode ser que não haja qualquer receita
única para produzir inovações sob encomenda, mas há uma espécie de
livro de receitas que se está tornando sempre mais útil. Hoje em dia os
Estados Unidos obtêm mais da metade de seu crescimento industrial a
partir de indústrias que mal existiam há uma década - tal é o poder da
inovação, especialmente nos setores da indústria da informação e da
biotecnologia. O melhor ponto de partida, portanto, é o próprio
crescimento econômico, e o papel que a inovação nele desempenha.
Copyright 1999 The Economist Newspaper Limited.
312
The Economist
Memória
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
313
Einstein no Rio de Janeiro:
impressões de viagem1
ALFREDO TIOMNO TOLMASQUIM
Numa fria manhã de inverno, em janeiro de 1924, Albert Einstein
recebeu em sua casa, na Haberlandstrasse 5, em Berlim, uma carta do
Reitor da Universidade de Buenos Aires, José Arce, convidando-o para
um ciclo de conferências naquela instituição2. Um convite vindo da
América do Sul não o surpreendia. Afinal, chegavam convites
diariamente de todos os lados, para as mais variadas finalidades: viagens,
participação em solenidades, ciclo de conferências, discursos políticos,
pedidos para tradução de seus artigos, e até solicitações de um retrato
seu para ser colocado no laboratório de alguma universidade, ou na
sala de estar de alguém. Além disso, a Universidade de Buenos Aires já
havia demonstrado interesse explícito pelo seu trabalho. Dois anos antes,
ele havia recebido um pedido para que autorizasse a Revista do Centro
de Estudantes de Engenharia a traduzir para o espanhol seu artigo sobre a
Teoria Geral da Relatividade 3; posteriormente, o Conselho da mesma
Universidade lhe conferia o diploma de “Doutor Honoris Causa em Física
e Matemática” 4.
Aos poucos, Einstein ia se acostumando com a fama a que fora
lançado subitamente a partir da inesquecível sessão conjunta da Royal
Society of London e da Royal Astronomical Society, em 6 de novembro de
1919. Naquela cerimônia, o astrônomo Sir Frank Dyson anunciara
solenemente ao mundo os resultados obtidos pelas expedições enviadas
*Artigo originalmente publicado em Einstein e o Brasil, org. de Ildeu de Castro Moreira e
Antonio Augusto Videira, Rio de Janeiro: Ed.UFRJ.
Este artigo consiste numa forma de narrativa livre e romanceada da viagem de Einstein,
a partir de fontes documentais, tais como correspondências, seu diário de viagem e jornais
de época, e em depoimentos de pessoas, tanto através de biografias, como oralmente. Os
pensamentos de Einstein, que constam do texto, são baseados, em sua maioria, em escritos
em seu diário, ou em sua correspondência, mas não necessariamente aconteceram no
momento, ou no contexto especificamente citado. Evitei propositalmente desenvolver
estudos analíticos sobre a visita, sobre Einstein, ou sobre o ambiente brasileiro na época,
para não quebrar a fluidez do texto. Essas análises, bem como trechos dos documentos e
do próprio diário, constarão do livro que estou escrevendo sobre a viagem de Einstein ao
Brasil, a ser publicado brevemente.
2
Rectorado de la Universid de Buenos Aires para Einstein, 31/12/22. Arquivo Albert
Einstein - AE43.094 -1/2/3/4.
3
Revista del Centro de Estudiantes de Ingeneria para Einstein, 05/04/23. AE 44.740
4
Rectorado de Ia Universidad de Buenos Aires para Einstein, 13/10/22. AE 30.160, 30.162,
30.163, 30.165
1
314
Alfredo Tiomno Tolmasquim
para observar o eclipse do Sol em Ilha de Príncipe, no Golfo da Guiné e,
em Sobral, no Ceará. Divulgava-se, então, que estava correta a exótica
teoria que determinava que o universo era curvo, e que a luz se desviava
pela força gravitacional dos corpos. As fotografias tiradas durante o
eclipse comprovavam que a luz emitida pelas estrelas era desviada pela
força gravitacional do Sol. Einstein esperara muito por essa notícia.
Outras expedições já haviam tentado fotografar um eclipse total do Sol
o que forneceria os dados observacionais necessários para comprovar
experimentalmente a deflexão da luz. Em 1914, por exemplo, uma
expedição chefiada por Erwin Freundrlich tentara observar um eclipse
na Criméia, mas fora interrompida pelo começo da guerra em toda a
Europa. Uma expedição americana também tentou verificar o efeito num
eclipse em junho de 1918, mas dessa vez foi o clima que não ajudara.
Parecia que Deus não queria colaborar permitindo desnudar os seus
fenômenos. Somente com o final da guerra, as Sociedades Científicas
inglesas conseguiram se unir e obter recursos para as duas expedições.
Para a Ilha de Príncipe iriam Arthur Eddington e E.T.Cottingham,
enquanto que a de Sobral, seria composta por Andrew Crommelin, do
Observatório de Greenwich, e C. R. Davidson.
Einstein costumava fazer uma seleção das cartas que recebia.
Aceitava alguns convites, recusava muitos, e a outros nem se dava ao
trabalho de responder. Aquele convite da Argentina, porém, tinha uma
atração especial. Havia apreciado muito a viagem que havia feito
anteriormente ao Japão, e o contato com a cultura nipônica. Também a
Palestina o havia impressionado bastante, com toda uma geração de
pioneiros judeus tentando transformar em realidade um antigo sonho,
lutando contra as adversidades de uma terra árida e seca, cheios de
ideologia na mente e esperança na alma. Conhecer a América do Sul
poderia ser igualmente interessante. Além disso, Einstein tinha resolvido
assumir o papel a que havia sido lançado com sua fama, e descobrira
em si mesmo o melhor advogado para defender suas idéias e princípios.
Sua fala tinha uma enorme força e constituía uma das melhores armas
contra os articuladores da “Campanha anti-Relatividade”5, que unia
anti-semitas, nacionalistas extremados e críticos das novas idéias físicas.
Por tudo isso, aceitar o convite era para ele uma espécie de obrigação.
Deveria falar aos físicos argentinos sobre a Teoria da Relatividade e os
avanços que estavam sendo feitos na Física. E teria a oportunidade de
envolver os judeus argentinos na grande obra que estava sendo feita na
Palestina, e que necessitava de um esforço global para se tomar realidade.
Na verdade, tanto as autoridades acadêmicas como os dirigentes da
Associação Hebraica de Buenos Aires o pressionavam para que aceitasse
Termo criado pelo próprio Einstein para caracterizar a campanha de difamação de e
ataques orquestrada contra ele.
5
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
315
o convite, colocando todas as facilidades possíveis e imagináveis ao seu
dispor. De início, inclusive, haviam condicionado o convite a um mínimo
de doze conferências. Porém, com medo de que isso viesse a ser motivo
para uma recusa de Einstein, ratificaram a correspondência esclarecendo
que ele poderia dar quantas conferências desejasse, e que o número de
doze era apenas uma sugestão6. De fato, a única condição imposta por
Einstein foi a de que o convite deveria ser formulado por uma instituição
oficial, o que foi providenciado. Apesar da Asociación Hebraica de Buenos
Aires e da Instituicion Cultural Argentino-Germana estarem promovendo
a ida de Einstein, o convite havia sido formulado apenas pela
Universidade de Buenos Aires, e toda a correspondência seguia por
intermédio da Representação diplomática argentina na Alemanha. Essa
imposição de Einstein se devia ao medo de que seu nome fosse usado
indevidamente, e sem seu consentimento, em prol de alguma causa. A
Asociación Hebraica, apesar de não constar formalmente do convite,
administrava um lobby junto a pessoas próximas a Einstein para que
empreendesse a viagem.
A idéia de aceitar o convite lhe parecia atraente, mas de qualquer
forma não poderia viajar naquele mesmo ano, conforme sugerido. Afinal,
ele havia estado muito ausente de Berlim no ano anterior, por conta da
viagem ao Extremo-Oriente e Oriente Médio, e da ida à Leiden, na
Holanda, a convite de seu amigo Ehrenfest. É verdade que a Universidade
de Berlim não criava dificuldades para essas contínuas ausências, mas
Einstein não se sentia à vontade para solicitar às autoridades nova
licença para se ausentar de Berlim. Além disso, ele queria terminar os
estudos que estava desenvolvendo sobre a possibilidade de obter um
novo argumento para a associação entre onda e matéria, partindo de
flutuações estatísticas. E havia ainda um motivo de ordem pessoal: o
casamento de sua enteada Ilse com o jovem jornalista Rudolf Kayser. O
melhor seria adiar a viagem para o ano seguinte. Mais uma vez os
argentinos aquiesceram, informando que o Conselho Universitário, em
nova reunião, havia decidido transferir o convite, e a alocação dos
recursos necessária para 1925, na esperança de que ele pudesse, então,
viajar à América do Sul7. Na verdade, toda essa gentileza consistia numa
insistência sua que retirava de Einstein a possibilidade de uma resposta
negativa. Finalmente, em julho de 1924, Einstein aceitava o convite, e
começava a se preparar para a viagem: marcar a melhor data, reservar
as passagens e deixar as coisas organizadas para um período de ausência
de três meses8. Ele havia optado por viajar no “Cap Polônio”, um navio
6
Rectorado de la Universidad de Buenos Aires para Einstein, 07/01/24. AE 43.096
7
Rectorado de Ia Universidad de Buenos Aires para Einstein , 16/05/24. AE 43.097 e 43.098
Legacion de La República Argentina para Einstein em 26/07/24, confirmando o recebimento da carta com a resposta positiva quanto a ida à Argentina. AE 43.099
8
316
Alfredo Tiomno Tolmasquim
considerado seguro e veloz, e que sairia do porto de Hamburgo no dia 5
de março. Como nas viagens anteriores, ele levaria uma pequena
bagagem, e seu inseparável violino. Nesse meio tempo, chegaram convites
das Universidades de Córdoba, La Plata e Tucuman na Argentina, da
Universidade de Montevidéo, no Uruguai9, e da Faculdade de Medicina
e Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro – todos querendo
aproveitar sua vinda à América do Sul. Quanto às Universidades da
Argentina, Einstein deixaria para resolver durante sua estada naquele
país, de acordo com a disponibilidade de tempo, mas concordou desde
logo em visitar Montevidéo e o Rio de Janeiro. Os convites haviam sido
agenciados pela Asociación Hebraica. No caso específico do Rio de Janeiro,
o Presidente da instituição judaica argentina, Jacobo Saslavsky, avisou
ao Rabino Isaiah Raffalovich, que por sua vez entrou em contato com o
diretor em exercício da Escola Politécnica, Getúlio das Neves. Entretanto,
o convite que Einstein recebia era assinado pelo próprio Raffilovich, em
nome de Paulo de Frontin, Diretor da Escola Politécnica, e Aloysio de
Castro, Diretor da Faculdade de Medicina10.
No dia 4 de março, Einstein viajou de trem para Hamburgo, onde
pernoitaria, para embarcar no dia seguinte, no navio Cap Polônio em
direção à América do Sul11. Sua esposa Elsa o acompanhou somente até
a estação de trem: dessa vez, não viajaria com ele, como nas viagens
anteriores aos Estados Unidos e ao Japão. Apesar de interessante, era
cansativo empreender uma viagem tão longa, sem falar que o casamento
andava um pouco desgastado, e um período de férias seria bom para os
dois. Margot, a outra enteada de Einstein, havia planejado acompanhá-lo,
aproveitando a passagem que havia sido enviada para Elsa, mas também
acabou não viajando por motivo de doença. Einstein apreciava
sobremaneira toda aquela calma e tranqüilidade. Era ótimo poder se
distanciar da agitação e dos problemas na Europa e, em especial, na
Alemanha. Mas também ficava aterrorizado com a idéia de ter que chegar
ao seu destino, onde certamente o esperavam com discursos, cerimônias
e encontros sociais. Em todas as viagens, a grande movimentação criada
em torno dele era sempre muito cansativa e estafante. Só lhe restava,
enfim, aproveitar, enquanto isso, a paz e o sossego.
O navio ia passando pelos portos das cidades européias, Bologna,
Coruna, Vigo, e Einstein se entretia observando a paisagem local e os
passageiros que embarcavam em cada porto. Ele não conseguia passar
9
Rectorado de Ia Universidad de Buenos Aires para Einstein, 23/10/24. AE 43.163
10
Rabino Isaiah Raffalovich para Einstein, 27/01/25. AE 44.010.
Muitas das informações sobre a viagem foram tiradas do diário de viagem de Einstein AE 29.133. Às vezes, aproveitamos no texto um comentário, parte de uma frase, sua
impressão sobre algum lugar ou pessoa, ou mesmo apenas seu estado de espírito.
11
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
317
incólume. Sua fisionomia, àquela altura bastante conhecida, já tinha
sido estampada na capa de várias revistas e na primeira página de muitos
jornais. Mas, pelo menos, não o perturbaram. Em Lisboa, última parada
na Europa, e onde ficariam ancorados todo o dia, Einstein aproveitou
para fazer uma pequena excursão junto com Sievers e o psicólogo
Jesinghaus, com quem havia travado amizade durante a viagem.
Passearam pelo centro da cidade, visitaram alguns pontos históricos,
castelos, conventos. Lisboa dava uma impressão maltrapilha, mas
simpática. A vida parecia transcorrer lenta, sem pressa ou objetivo. De
volta ao navio, a viagem prosseguiu. Passavam ao longo da África:
Teneriff, Cabo Verde, e o calor ia aos poucos aumentando. Suava-se
durante a noite, e ao amanhecer o clima já estava quente. Eintein se
dedicava às suas leituras: folheava o livro de Koigen, ou o do filósofo
francês Mayerson sobre teoria do conhecimento, e outras vezes
dedicava-se a seus estudos em Física. Estava cada vez mais convencido
da impossibilidade da Teoria de Campo na forma como havia sido
proposta. Conversava com alguns passageiros sobre a Teoria da
Relatividade, ouvia poesias, declamadas pela escritora Elsa Jerusalém,
ou se distraía em longos almoços com o Capitão, quando aproveitavam
para trocar anedotas. Participou também de um quarteto, tocando
Mozart e Beethoven para os passageiros. No dia 14 recebeu emocionado
um cartão de felicitações pelo seu 460 aniversário. A viagem transcorria
tranqüila, mas às vezes ele se sentia sozinho. Pena que Margot não tivesse
podido viajar com ele: certamente ela estaria apreciando muito a viagem.
Aos poucos, seu valioso sossego ia desaparecendo. Muitas vezes ele era
o centro das atenções, e até os oficiais já tinham lhe pedido para dar
uma conferência. De qualquer forma, era melhor ir se reacostumando,
pois mais em breve estariam chegando aos portos da América do Sul - e
seria o fim daquela tão benquista tranqüilidade.
Na manhã do dia 21, o navio chegava ao porto do Rio de Janeiro.
Era uma visão maravilhosa, apesar do céu encoberto e da chuva fina.
Na entrada da Baía se erguiam fantásticos penhascos. “Impressão
majestosa”. O navio ficava ancorado apenas algumas horas e depois
seguiria viagem a caminho da Argentina, mas uma comitiva formada
por membros da comunidade judaica, médicos e engenheiros já estava
esperando por Einstein. A eles, havia se juntado um grande número de
repórteres, afoitos para lhe arrancar algum furo de reportagem.
Perguntaram-lhe sobre a geometria de Minkowsky, a velocidade da luz
ou o eclipse de Sobral. Em suas respostas, Einstein tentou mostrar que o
surgimento de novas teorias na Física era um processo normal do
desenvolvimento da ciência - e que nenhuma delas tinha, portanto, uma
conseqüência tão bombástica quanto queriam fazer parecer. Na Teoria
da Relatividade tudo é simplicidade e clareza e a velocidade da luz é
uma simples medida, um padrão necessário a todos os cálculos, tão
318
Alfredo Tiomno Tolmasquim
absoluto como qualquer outro padrão. Até então, Einstein nem havia
associado a cidade do Rio de Janeiro com o nome de Sobral. Mas não se
retraiu diante da pergunta do repórter: depois de pensar um pouco,
comentou sobre as duas expedições enviadas para Ilha de Príncipe e
Sobral, das dúvidas quanto à veracidade dos resultados por só terem
sido fotografadas sete estrelas, e de uma nova expedição realizada em
1922 pelo Observatório de Lick, sob a direção de Campbell, que
fotografou 11 estrelas, confirmando o desvio previsto.
Einstein foi convidado pela comissão a fazer um passeio pela cidade
durante o tempo em que o navio permanecesse no porto. Saíram numa
comitiva de sete carros fazendo um passeio pela cidade, até chegarem
ao Jardim Botânico. Einstein estava deslumbrado com tudo o que via.
Do Diretor do Jardim Botânico, Pacheco Leão, ouviu as estórias sobre o
jequitibá, uma das maiores árvores da flora brasileira, e suas aplicações
tanto para construção como para uso medicinal12. O Jardim Botânico e
a flora, de modo geral - superava os sonhos das 1001 noites. Tudo parecia
viver e crescer a olhos vistos. Depois seguiram para o Hotel Copacabana
Palace, na Praia de Copacabana, onde os aguardava um farto almoço.
Conversam sobre a Europa após a 1a Grande Guerra, sua impressão
sobre as vendedoras de peixe, que tinha visto durante sua parada em
Portugal, e sobre a programação para sua volta no início de maio. O
Diretor da Escola de Medicina, Aloysio de Castro, lembrou mais uma
vez a importância do eclipse solar de 1919, e o orgulho que isso causava
para os brasileiros. Einstein pegou então um pedaço de papel e, num
gesto de gentileza, escreveu em alemão: “A questão que minha mente
formulou foi respondida pelo radiante céu do Brasil”.
No caminho de volta ao porto, a comitiva passou pelo centro da
cidade e Einstein’ aproveitou para fazer um pequeno passeio a pé.
Observava com interesse as pessoas na rua, tentando encontrar elementos
da mistura entre o português, o índio e o negro. Tudo lhe despertava o
interesse. “Uma indiscutível abundância de impressões em poucas horas”.
Após essa rápida visita, ele retomou ao Cap Polônio e seguiu sua viagem
em direção à Argentina.
O navio deveria chegar em Buenos Aires ao meio-dia do dia 24,
mas ficou preso, chegando às 2:30 da manhã, e o desembarque só
aconteceu na manhã seguinte. Apesar do apoio que recebeu do pessoal
do navio e em especial da Sra. Jerusalém, Einstein estava irritado e
cansado, ansiando pela hora de descansar. Do porto, seguiu direto para
a casa da família Wasserman, no Palácio de Belgrano, onde ficaria
vide Veiga Soares, Cecília Beatriz da, As mais belas árvores da mui formosa Cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
12
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
319
hospedado. Buenos Aires lhe causava uma impressão muito ruim, parecia
uma Nova York do sul, em tamanho reduzido. “Ah, se pudesse cortaria
todas as grandes cidades em menores”. Einstein enfrentou um programa
intenso em Buenos Aires: conferências, encontro com Presidente e
Ministros, entrevista a jornalistas, passeio de avião sobre a cidade, visita
a museus e instituições científicas, recepções, jantares - um sem-número
de compromissos. Por isso, saboreou os poucos momentos de
tranqüilidade em que pode ficar sozinho em seu quarto, ou os finais de
semana na casa de campo dos Wasserman em La Vajole. Além da
programação, proferiu palestras em La Plata e Córdoba. Foi um mês
intenso, de compromissos sociais quase diários. Ele se sentia terrivelmente
cansado de tanta gente à sua volta durante todo o tempo. Desejava
retornar à sua casa o quanto antes. A idéia de ter que perambular ainda
mais lhe parecia um peso - mas o fato é que o estavam esperando em
Montevidéo.
E, assim, no dia 23 de abril Einstein embarcou para a capital
uruguaia conforme programado. Mas, para sua surpresa, teve de
Montevidéo uma impressão muito boa. A cidade era arquitetonicamente
bonita, com seu estilo colonial, e o país tinha uma estrutura de assistência
social exemplar de amparo à mãe e à criança, jornada de trabalho de 8
horas e um Estado totalmente separado da Igreja. O clima era quente e
úmido, mas de forma amena, e a natureza era amável. “Uruguai, terrinha
feliz”. As pessoas pareciam ter um amor a própria terra, sem qualquer
megalomia. A situação do país lhe lembrava em especial a Suíça, que ele
tanto apreciava. As pessoas também se assemelhavam de alguma forma
aos suíços, modestos e autênticos. Einstein não lembrava de ter recebido
em nenhum lugar uma recepção cordial como aquela. A impressão geral
era de uma grande sinceridade e amabilidade, mas tomando-se sempre
o cuidado de não parecer sufocante. Mas se a cidade, ao contrário de
Buenos Aires, deixava-o mais à vontade, a movimentação era a mesma.
Ou, talvez, ainda maior. Tinha que cumprir, ali em sete dias, a mesma
intensa programação que havia executado em quatro semanas. Einstein
visitou Presidente e Ministros, deu conferências e entrevistas à imprensa,
participou de jantares e recepções. Tudo num ritmo muito frenético. No
dia 10 de maio, embarcou no navio francês Valdivia, com destino ao Rio
de Janeiro. Einstein sentia seus nervos no limite, e dava tudo para não
ter novamente que “subir no trapézio”, mas era preciso agüentar. Afinal,
estavam-no esperando por lá. O melhor seria desfrutar daqueles três
dias de viagem como uma forma de descanso. Aproveitou para fazer
um balanço de sua vida, e de como ela tinha mudado em tão pouco
tempo, a ponto de quase não conseguir mais imaginar o que significava
uma vida calma e regrada. A partir daquela inesquecível sessão na Royal
Society de Londres, sua vida tinha dado uma grande reviravolta, e lá
estava ele vagando por aquele hemisfério como um mensageiro da
Relatividade.
320
Alfredo Tiomno Tolmasquim
O Valdivia chegou ao Rio de Janeiro ao por-do-sol do dia 4 de maio,
uma 2a feira, mas, como só estava sendo esperado para o dia seguinte, a
comissão de recepção precisou improvisar. Einstein desceu do navio
com seu terno de brim branco e o violino embaixo do braço, cansado de
sua passagem pela Argentina, castigado pelo calor e a umidade.
Pareceu-lhe que a atmosfera quente e úmida deixava as pessoas meio
amolecidas e sem agilidade - o que talvez constituísse a contrapartida
daquela impressionante beleza natural.
Dessa vez, Einstein evitou os repórteres. Levado pela comissão
diretamente para o Hotel Glória, pode descansar um pouco da viagem e
acertar a sua programação na cidade. Aproveitou para mandar postais
da Cidade Maravilhosa para Lord Haldane13, que o havia hospedado
durante sua estada em Londres, e com quem travara uma forte amizade.
E, também, para seu grande amigo Ehrenfest, em Leiden, na Holanda, a
quem comentou que o Rio era “um verdadeiro paraíso, e uma alegre mistura
de povos” 14.
Ficou acertado que Einstein faria duas conferências sobre a Teoria
da Relatividade, no Clube de Engenharia e na Escola Politécnica do Rio
de Janeiro, e visitaria algumas instituições científicas. Reservaria também
uma noite para a recepção da comunidade judaica local, proposta pelo
Rabino Raffalovich. O programa devia incluir ainda um encontro com o
Presidente da República, Arthur Bernardes, e bastante tempo livre para
descansar e passear pela cidade. O dia seguinte, inclusive, deveria ser
dedicado ao descanso.
Isidoro Kohn, que seria seu cicerone durante sua estada no Rio de
Janeiro, foi encontrá-lo pela manhã no hotel. Judeu austríaco, dono de
uma loja de tecidos na Rua 7 de Setembro, e há vários anos no Brasil,
Kohn sugeriu a Einstein que fossem ao centro da cidade comprar um
fraque, na sua opinião, o traje mais adequado para o encontro no dia
seguinte com o Presidente da República. Einstein achava tudo aquilo
uma formalidade desnecessária, mas como não conhecia os costumes
locais resolveu não arriscar uma descortesia para com os seus anfitriões.
Foram à alfaiataria Tombo do Rio, na Rua da Carioca, onde Einstein
experimentou o primeiro terno - e achou que estava perfeito. Preferiu
encerrar logo a estória mas Kohn achou a roupa muito folgada e curta numa palavra, horrível. Finalmente, após Einstein experimentar vários
temos, escolheram o que lhe caia melhor15. Depois do passeio pelo centro,
retomaram para um almoço no hotel, onde o aguardavam Irma, esposa
de Kohn, e sua acompanhante Poldi Wettl. Eram senhoras alegres, e o
13
Einstein para Lord Haldana, 05/05/25. AE 32.652
14
Einstein para Ehrenfest. AE 10. 105.
15
Esse fato foi narrado por Kohn. Ver A Noite, 12/05/1955.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
321
almoço transcorreu de forma muito agradável. Posteriormente, se deram
conta que haviam esquecido de comprar a gravata para o fraque. Foram
então, à casa de Kohn, onde Einstein escolheu uma de suas gravatas16.
À tarde, Einstein recebeu várias visitas: um grupo de comerciantes
alemães, convidando-o para um jantar patrocinado pela comunidade
alemã, e o Diretor da Faculdade de Filosofia, Washington Garcia, que
vinha lhe oferecer um Diploma de Honra concedido por aquela
Faculdade17. No final da tarde, foi com um grupo de cientistas ao Pão de
Açúcar, num passeio que o deixou maravilhado. Era “uma viagem
vertiginosa sobre a floresta selvagem preso por um cabo de aço. Em cima, um
magnífico jogo de altemância de neblina e sol”. Ao descer foi ainda servido
um chá e doces no Restaurante Hangar. À noite, recebeu as boas-vindas
da comunidade judaica e fez um passeio de carro com o Rabino
Raffalovich, que lhe havia causado uma ótima impressão.
O dia seguinte seria bem mais movimentado. Pela manhã, o médico
Silva Mello foi buscá-lo no hotel para um passeio a pé pelas ruas de
Santa Tereza. Silva Mello havia sido preparador em Berlim dos cursos
de Rudolf Ehrmann, que por sua vez era o médico pessoal de Einstein.
Foi Assis Chateaubriand, dono de O Jornal, e amigo de Silva Mello, quem
se encarregou de marcar um encontro entre os dois. Silva Mello contou
algumas das intrigas da Universidade, e muitas vezes a conversa fluía
mais que a própria observação. Einstein achou-o um homem distinto e
inteligente, e tanto o passeio como a conversa lhe agradaram muito.
Depois seguiram para um almoço no Restaurante Minho, no porto, que
lhe lembrava uma taberna. À tarde, Einstein teria que se dedicar aos
seus compromissos sociais. No hotel, vestiu o fraque comprado na
véspera, e ficou à espera da comitiva chefiada por Getúlio das Neves, e
integrada por Alfredo Lisboa, Daniel Henninger, Mário Souza, e Isidoro
Kohn, suas companhias na visita ao Chefe de Estado. Conversou com
Arthur Bernardes, posou para algumas fotos, e depois seguiu até os
gabinetes do Ministro da Justiça, Affonso Penna Júnior, da Agricultura,
Miguel Calmon, e do Prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata. Einstein
não gostava nada dessas formalidades - mas sabia que eram necessárias.
Afinal, ele tinha consciência de seu status político, como uma espécie de
Chefe de Estado, e sabia se resignar com essas obrigações. Havia sido
recebido em outras ocasiões pelo Presidente dos Estados Unidos, pelo
Imperador do Japão, ou o Primeiro Ministro da Inglaterra - nada mais
natural que ser recebido pelo Presidente do Brasil em sua visita a esse
país.
Em troca, Einstein deu sua gravata para Kohn, que está guardada ainda hoje pelos
descendentes de Kohn.
16
17
Faculdade de Philosophia para Einstein, 05/05/25. AE 30.201.
322
Alfredo Tiomno Tolmasquim
Rumaram em seguida para o Clube de Engenharia, onde Einstein
faria a primeira parte de sua conferência sobre a Teoria da Relatividade.
Encontrou um salão superlotado por embaixadores, generais do exército,
representantes dos Ministros e engenheiros, muitos deles acompanhados
de suas esposas e filhos. Pareciam prontos para assistir a uma exibição
de algum grande barítono. Após uma introdução do presidente em
exercício do Clube de Engenharia, Getúlio das Neves, começou a proferir
em francês a conferência que conhecia tão bem, e havia repetido por
inúmeras vezes para os públicos mais distintos. Falou sobre a relação
entre o tempo e a velocidade da luz. Explicou o fato da velocidade ser
uma constante em todos os referenciais, enquanto que o tempo é
influenciado pela velocidade do observador, o que havia tornado a Teoria
da Relatividade tão popular em todo o mundo. O público se comprimia,
deixando pouco espaço para o próprio Einstein se locomover, apertando-o
de encontro ao quadro-negro, onde fazia desenhos para explicar a
mudança de referencial. Devido ao calor, e ao grande número de pessoas,
as janelas foram abertas, o barulho da rua prejudicou ainda mais a
acústica já precária da sala. Mas o pior para Einstein era perceber com
nitidez que estava diante de um público muito diversificado, com uma
grande quantidade de pessoas leigas, sem um conhecimento prévio em
Mecânica que permitisse entender sua explanação. Mas ele proferiu sua
palestra conforme o previsto, apesar do pequeno sentido científico de
tudo aquilo. Ele mesmo se sentia ali como uma espécie de elefante branco.
À noite, sozinho e nu em seu quarto no Hotel Glória, descansou do
estafante dia, apreciando a vista da baía com inúmeros trechos verdes
de ilhas nuas ao luar. Examinou com atenção as medalhas em bronze
que havia recebido, produzidas três anos antes por ocasião das
comemorações do Centenário da Independência18.
A quinta-feira começou com uma visita ao Museu Nacional. Einstein
foi recebido pelo antropólogo Roquete Pinto, substituto do diretor Arthur
Neiva, que se encontrava na época em São Paulo auxiliando na debelação
da praga cafeeira. Roquete Pinto falou-lhe sobre a Rádio Sociedade, a
primeira emissora do Brasil., criada dois anos antes por ele e Henrique
Morize. Einstein se interessou especialmente pelos esqueletos de animais,
como a estrutura da espinha dorsal de uma serpente, e pelos aspectos
antropológicos, como a cultura dos índios. Tomou conhecimento das
teorias eugênicas que imperavam. em grande parte do meio científico
local, prevendo o futuro “branqueamento” do Brasil. Segundo essas
teorias, o negro iria desaparecer em função da mistura racial para dar
lugar ao mulato - e este, por sua vez, estaria fadado a desaparecer por
sua pequena resistência. Após a visita, seguiram para um almoço na
Essas medalhas encontram-se no espólio de Einstein, depositadas na Universidade
Hebraica de Jerusalém.
18
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
323
casa de Aloysio de Castro, médico, escritor e membro, juntamente com
Einstein, da Comissão de Cooperação Internacional da Liga das Nações.
Estavam presentes a escritora Rosalina Coelho Lisboa, Assis
Chateaubriand, Silva Mello, o antropólogo russo Schild, Henrique
Morize, Presidente da Academia Brasileira de Ciências, o médico Miguel
Couto, Getúlio das Neves, Daniel Henninger, da Escola Politécnica e Noca
Cerqueira. A conversa girou em torno dos problemas da ciência brasileira,
da ausência de pesquisa pura e das dificuldades na Liga das Nações
para estabelecer os critérios de concessão de donativos para professores
e alunos necessitados. Mas por vezes o interesse recaía sobre deliciosas
amenidades, como as preferências culinárias ou o costume das moças
brasileiras de se pintarem de forma tão extravagante. E Einstein adorava
uma boa conversa, e o almoço se desenrolou de forma agradável.
Seguiram então para a Academia Brasileira de Ciências, onde
Einstein foi recebido pelos membros da Academia e, conforme tinha sido
combinado com Roquete Pinto, foi convidado para proferir algumas
palavras nos microfones da Rádio Sociedade. Na verdade, ele não tinha
muito a dizer, e preferiu ressalvar a importância da rádiotelefonia, e o
seu papel para transmitir os melhores frutos da civilização àqueles que
vivem isolados - desde que divulgadas por pessoas capacitadas, é claro.
Ainda na Academia, Einstein ouviu o discurso do Vice-Presidente, Juliano
Moreira, sobre a influência da Teoria da Relatividade nas demais ciências,
em especial a Biologia. Francisco Lafayete falou a seguir sobre as teorias
de Einstein, e conferiu-lhe o título de Membro Correspondente da
Academia Brasileira de Ciências, assinado por todos os membros. Depois
foi a vez de Mário Ramos, que elogiou a obra do visitante e instituiu o
Prêmio Albert Einstein, uma medalha de ouro e um diploma para o melhor
trabalho das seções de Matemática, Físico-Química e Biologia. Enquanto
ouvia os discursos, Einstein pensava sobre as longas digressões daqueles
veementes oradores. Quando elogiavam alguém, era como se estivessem
elogiando a própria eloquência. Certamente, deveriam vir do clima esse
apreço pela retórica, e pela irrelevância, esse gosto pelo supérfluo, mas
achava que as pessoas em geral não pensavam da mesma forma. De
repente, seus pensamentos foram interrompidos pela salva de palmas:
estava na hora de proferir algumas palavras. Einstein agradeceu os elogios
e falou sobre as discussões acerca da teoria, da luz, explicando que a
teoria do quantum luminoso havia, pelo seu poder de explicação, assumido
uma posição segura ao lado da teoria ondulatória da luz. Entretanto,
ainda não se tinha conseguido uma síntese lógica entre as duas teorias.
Explicou, então, as experiências mais recentes que estavam sendo
realizadas para tentar explicar a natureza da luz.
A sexta-feira começou com uma visita ao Instituto Oswaldo Cruz,
onde o diretor Carlos Chagas o acompanhou numa demorada visita
pelo Museu de Anatomia Patológica, a sala de leitura, a biblioteca e os
324
Alfredo Tiomno Tolmasquim
diversos laboratórios. Ouviu uma longa exposição sobre os insetos
transmissores de doença, e observou o Tripanossoma ao microscópio. À
tarde, proferiu a segunda conferência sobre a Teoria da Relatividade, na
Escola de Engenharia. Dessa vez, haviam tomado medidas para evitar a
invasão do salão: o público foi selecionado, ficando restrito aos que
haviam estado na primeira conferência, da qual esta seria uma
continuação, e limitando o número de participantes ao que comportava
o salão de honra da Escola. Einstein pode, então, desenvolver sua
exposição em ambiente de mais silêncio e atenção, apesar de igualmente
prejudicado pelo forte calor da sala.
À noite, aguardava-o a recepção oferecida pela colônia alemã, no
Clube Germania Einstein teve um pouco de receio quando os
representantes da colônia alemã vieram convidá-lo para aquele jantar.
Afinal, o que ele menos queria era ter que se defrontar no Brasil com
manifestações nacionalistas germânicas, ou mesmo contrárias a ele19.Mas
os anfitriões garantiam que ele encontraria um clima agradável e
receptivo - e estavam corretos. Participaram do agradável jantar
negociantes, industriais, banqueiros, vestidos como se tivessem saído
diretamente de seus escritórios. No único discurso da noite, o Sr. Stahmer,
diretor de um banco alemão, chamou Einstein de “embaixador da vida
espiritual alemã”. Einstein não tinha nenhuma intenção de discursar, mas
pressionado pelos presentes acabou comentando que, assim como na
Europa, também nas Américas havia germes de desconfiança entre os
povos, embora as fricções fossem mais leves, em função de uma maior
tolerância. O embaixador Knipping, da Alemanha, aproveitou o ambiente
descontraído para anunciar a Einstein que gostaria de lhe oferecer uma
recepção. Einstein pensou, então, em como eram estranhos os alemães,
para quem ele seria uma flor fedorenta, que eles voltavam sempre a
enfiar na lapela. A questão diplomática também não era simples, pois
Einstein, apesar de nascido alemão, tinha optado pela nacionalidade
suíça, quando se transferiu para aquele país no início da vida fazendo,
Na Argentina houve muitos alemães descontentes com a presença de Einstein, chegando
a haver muitas divergências dentro da própria Instituicion Cultural Argentino-Germana,
uma das promotoras da sua visita. Seu artigo sobre paneuropismo publicado no Jornal La
Prensa ampliou ainda mais o número de alemães contrários a sua presença, a ponto do
embaixador alemão ter convidado apenas argentinos para a recepção que ofereceu a
Einstein. Ver correspondência entre o Embaixador alemão na Argentina, Pauli, e o Chanceler
alemão. Politisches Archiv des Auswartigen Amtes, Alemanha, R 64677.
20
Uma das ocasiões mais confusas e delicadas foi na concessão do Prêmio Nobel. Segundo
o protocolo, o ganhador do Prêmio Nobel deveria ser acompanhado pelo embaixador de
seu país na cerimônia e no banquete de recepção oferecido pelo Rei da Suécia. Os dois
embaixadores na Suécia, da Alemanha e da Suíça, disputavam-se para ver quem acompanharia Einstein. A sorte foi Einstein não ter podido participar da cerimônia, pois se encontrava na época em viagem ao Japão. O prêmio foi recebido pelo Embaixador alemão em
nome de Einstein, mas entregue a ele na Alemanha pelo embaixador suíço, a seu próprio
pedido.
19
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
325
inclusive, suas viagens com passaporte suíço20. Ali, no Rio de Janeiro
porém, não parecia haver problema diplomático algum. Einstein aceitou
o convite, que poderia ser marcado para a sua última noite no Rio. Impôs
apenas uma condição: que não houvesse discursos!
Na manhã de sábado foi ao Observatónio Nacional as cúpulas de
observação, a sala da hora, e se interessou em especial pelo equipamento
sismográfico. Teve ainda a oportunidade de encontrar alguns astrônomos
que haviam participado do eclipse em Sobral, entre eles Allyrio de Mattos,
Lélio Gama, Domingos Costa e o próprio Henrique Morize. Depois, seguiu
para um almoço tranqüilo na casa de Silva Mello, sem repórteres ou
formalidades, e com um cardápio de pratos brasileiros. A digestão contou
com um passeio a pé, até a casa dos irmãos Álvaro e Miguel Osório,
onde haviam montado um laboratório doméstico para desenvolverem
trabalhos em Fisiologia. O melhor desses passeios com Silva Mello foi,
sem dúvida, a ausência dos jornalistas e membros da comissão.
Igualmente agradável foi o jantar na casa de Isidoro Kohn, apenas em
companhia de sua família. Mas a noite não havia acabado: havia ainda
a recepção oferecida pela comunidade judaica no Jockey Club. No enorme
salão, completamente repleto, estavam reunidas para vê-lo e ouvi-lo cerca
de três mil pessoas, praticamente a totalidade da comunidade judaica
do Rio de Janeiro na época.
Einstein sabia que havia se tomado uma espécie de símbolo moderno
do povo judeu - afinal, apesar de ser tido universalmente como um gênio,
ele não abdicava de sua origem judaica. Ao contrário, queria mostrar
que era possível ser um cidadão do mundo, reconhecido por todos, e ao
mesmo tempo se assumir como judeu. Além disso, ele havia abraçado a
causa do Sionismo21. Só não poderia supor que sua adesão à causa
sionista o levaria a se tomar um dos grandes ativistas e defensores do
movimento. Com a súbita fama atingida no final do ano de 1919, passou
a ser alvo concreto do anti-semitismo e do ultranacionalismo existente
na Alemanha. Antes de se tomar um símbolo para os judeus, ele tinha
se tornado um símbolo judeu para os anti-semitas. Decidiu, então, que,
se faziam tanta questão em rotulá-lo de judeu, ao menos seria um bom
judeu. Desde então, onde quer que chegasse, havia uma recepção
entusiástica dos judeus - pois para eles Einstein era um símbolo de união.
Isso lhe causava uma grande alegria, e ele esperava que a expectativa
positiva trouxesse algo de bom. Inicialmente, o Rabino Raffalovich falou
em alemão sobre o valor do estudo para o judaísmo, e o papel simbólico
que Einstein ocupava como grande gênio. Em seguida. Eduardo
O movimento político de retorno a Sion já existia desde o final do século passado, mas
havia ganho um grande impulso em 1917 (8 anos antes) com a declaração do Ministro do
Exterior Britânico favorável ao estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na
Palestina, conhecida como Declaração Balfour..
21
326
Alfredo Tiomno Tolmasquim
Horowitz falou em idisch, em nome da Federação Sionista e da colônia
ashkenazi. Por fim, David Perez falou em francês, em nome da colônia
sefaradi. Chegou, então, a vez de Einstein dizer algumas palavras. Falou
sobre a necessidade de todos os judeus se unirem em prol daqueles que
estavam passando necessidades em várias partes do mundo, e da grande
obra que estava sendo realizada na Palestina, de construção de um lar
nacional para o povo judeu. Essa é uma tarefa tão grande, que é preciso
que todos participem e se esforcem, ressaltou Einstein.
Apesar de encarar como uma verdadeira obrigação a luta pelo seus
ideais, participar desses eventos era extremamente cansativo. Longos
discursos e uma elogiação descomedida, ainda que sincera. “Graças a
Deus, acabou”. Na verdade, ele queria retomar logo à Alemanha para
descansar de tanta movimentação e de toda aquela gente que lhe era
desconhecida. Felizmente, os dois próximos dias estavam destinados,
conforme a programação, a passeios, algumas visitas e descanso.
Para o domingo, estava prevista uma viagem a Itatiaia, mas devido
à distância, decidiu-se por um passeio mais curto, pelas matas da cidade.
Einstein seguiu num automóvel junto com Isidoro e Irma Kohn, Poldi, e
o Rabino Raffavolich. Atrás deles um outro veículo conduzia Getúlio
das Neves, Roberto Marinho, Pacheco Leão, Mário Souza e Azevedo do
Amaral. Foram costeando a orla até chegarem à Avenida Niemeyer
subiram São Conrado e de lá seguiram para o Alto da Boa Vista, Excelsior
e Vista Chinesa. Desceram pelas Laranjeiras, pegaram o pequeno trem
para o Corcovado, onde chegaram ao entardecer. Deslumbrado com a
paisagem e a flora local, Einstein achou a excursão maravilhosa, tendo
ficado especialmente impressionado com a visão do por-do-sol no
Corcovado.
Durante o passeio, Einstein combinou com Raffalovich que nas
visitas à noite à Central Sionista e a Biblioteca Scholem Aleichem seriam
suprimidos os longos discursos e as grandes formalidades. Assim. foi
feito. Raffalovich fez uma apresentação informal de Einstein, o que
contribuiu para dar mais intimidade ao encontro. Também pronunciaram
algumas palavras Jacob Schneider, Presidente da Federação Sionista, e
Manuel Koslowsky, Presidente do Centro Sionista. Einstein agradeceu a
recepção e expressou sua alegria pela intensa atividade sionista na
comunidade judaica do Rio de Janeiro. No final, todos assinaram um
livro de honra. De lá, Einstein seguiu para a Biblioteca Scholem Aleichem,
onde ouviu o presidente da instituição, Feingold, discorrer sobre escritores
judeus dos quais a Biblioteca possuía livros. Recebeu de presente um
livro do escritor Scholem Aleichem com capa de couro e inscrição em
letras de ouro. Em retribuição, ofereceu um retrato autografado para
ser pendurado numa das paredes da Biblioteca.
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
327
Na segunda-feira, ele cumpriu, finalmente, o último dia de sua
estada. Começou com uma visita ao Hospital dos Alienados, ciceroneado
pelo Diretor Juliano Moreira e pelo diretor da Faculdade de Medicina,
Aloysio de Castro. Durante a visita pela biblioteca, salão de honra,
fisioterapia e demais dependências, viu alguns casos exemplares e
conversou com alguns internos. De lá, seguiram para um almoço na
residência de Juliano Moreira, que era casado com uma alemã. Einstein
considerava Juliano Moreira uma pessoa especialmente virtuosa, vendo
com satisfação o fato dele ser mulato. Houve, ainda, uma visita aos
gabinetes de alguns ministros, mas, para satisfação de Einstein, a maioria
estava ausente, poupando-o dos intermináveis cumprimentos. Assistiram
a um filme sobre a vida dos índios e o trabalho do General Rondon. E, ao
final da tarde, visitaram a sede de O Jornal, onde recebeu de presente
uma caixa de madeira com pedras preciosas do Brasil, em bruto e
lapidadas. (Essa caixa não se encontra hoje no espólio de Einstein:
possivelmente foi roubada durante o confisco de sua casa na Alemanha
pelos nazistas, em 1933). À noite, Einstein participou ainda de um jantar
no hotel, oferecido pelo embaixador alemão. Depois daquele dia repleto
de atividades, que encerrava várias semanas de peregrinação por salões
de conferência, cumprimentos e recepções pela América do Sul, ele
concluiu em seu diário: “finalmente livre, mais morto do que vivo”.
No dia seguinte, Einstein embarcou no navio Cap Norte, em direção
à Alemanha, deixando a todos que o receberam um pequeno e simpático
agradecimento escrito. Finalmente, teria duas semanas de descanso até
retomar ao movimento de Berlim. Porém, estava cada vez mais
desanimado com a situação na Alemanha, e em especial, a recente posse
de Hindemburgo. Pensava que a Alemanha era a nação que havia
expulso a inteligência com uma bengala. Durante a viagem de volta,
Einstein aproveitou para descansar, refletir sobre as questões da Física,
tocar seu violino, e fazer um balanço da viagem. Em primeiro lugar,
decidiu não empreender mais viagens desse tipo, longas e sem
justificativa científica. Lembrou-se, então, do que havia visto e ouvido
sobre o General Rondon, e resolveu escrever do próprio navio uma carta
ao Comitê Nobel, recomendando-o para o Prêmio Nobel da Paz,
ressaltando que sua obra consistia na integração de tribos indígenas aos
homens civilizados sem utilização de armas nem coerção de qualquer
natureza 22.
Einstein chegou à Alemanha com os nervos estressados, e disposto
a adiar a viagem para Pasadena, nos Estados Unidos, programada para
o inverno de 1927. Deu continuidade a sua atividade cientifica, a luta
22
Einstein para Vorsitzenden des norwegischen Nobel-Komites, 22/05/25. AE 71.113.
328
Alfredo Tiomno Tolmasquim
pelo pacifismo e contra o rearmamento da Alemanha, e em prol da
Universidade Hebraica de Jerusalém. No final de 1925 chegou um
Diploma de Honra concedido pelo Clube de Engenharia, e encaminhado
por Isidoro Konh23. A relação posterior de Einstein com o Brasil se
restringiu ao contato com físicos brasileiros da nova geração, ou com as
autoridade brasileiras. Intercedeu durante a 2a Guerra Mundial por
refugiados judeus do nazismo24 e, posteriormente, por cientistas fugidos
do macarthismo25. Em 1952, Silva Mello aproveitou sua estada nos Estados
Unidos, e foi em companhia de Ehrmann visitar Einstein em sua
residência em Princeton. À semelhança de Einstein, Ehrmann. também
havia se exilado nos Estados Unidos, com a ascensão do nazismo, e
continuara a ser seu médico particular. Einstein e Silva Mello, entre um
gole de chá e alguns biscoitos, rememoraram a visita ao Rio de Janeiro, e
os passeios a pé pela cidade.
JORNAIS CONSULTADOS
O Jornal
O Imparcial
O Malho
Revista Fon Fon
O Careta
A Noite
Jornal do Brasil
Correio Paulistano
Aonde Vamos?
O Paiz (Biblioteca Nacional do Brasil)
Das Idische Vochemblat (Biblioteca Nacional de Israel)
23
Isidoro Kohn para Einstein, 30/11/25. AE 30.205.
Ver Lesser, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica: imigração, diplomacia e preconceito. Rio de
janeiro: Imago.
24
Um dos casos mais divulgados é o da ida do físico David Bohn a São Paulo. Ver Bohn,
Einstein e a Ciência no Brasil, Ciência Hoje, Vol. 15, n0 90, maio de 1993, p. 44-7.
25
PARCERIAS ESTRATÉGICAS - número 8 - Maio/2000
329
AGRADECIMENTOS
Várias pessoas têm contribuído nesta pesquisa sobre a visita de
Einstein ao Brasil, com indicações de material, sugestões e críticas. Entre
elas, gostaria de registrar os nomes de Nachman Falbel, Giuseppe
Castagnetti, Naumin Aizen, Jeffrey Lesser, Samuel Malamud, Haim Avni,
Jurgen Renn, Isidoro Alves, Ana Maria Ribeiro de Andrade, Hanna
Schneider, Pedro Kirslansky, Ada Hetz, Beatriz Bach, Léa Gleizer, Lenita
Adler. Agradeço ainda a Ze’ev Rozenkranz, e toda a equipe do Arquivo
Albert Einstein, da Hebrew University of Jerusalem, por ter-me facilitado
o acesso ao material. Sou grato em especial a Antonio Fernandes Borges
pela gentil revisão do texto e em especial ao jornalista e escrito Antônio
Fernando Borges pela revisão do texto, que enriqueceu muito o artigo.
Este artigo é resultado das pesquisas realizadas durante meu
pós-doutorado no Edelstein Center for the History and Philosophy of
Science, Technology and Medicine da Universidade Hebraica de
Jerusalém.
Nesse sentido, agradeço ao Museu de Astronomia e Ciências Afins
por minha liberação, e ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico a bolsa de estudos, possibilitando a realização
desse trabalho.
BIBLIOGRAFIA
Albert Einstein. Revista do Clube de Engenharia. 1925.
Caffareli, Roberto Vergara. Os oito dias de Einstein no Rio de Janeiro. O Estado de São Paulo. N0
81, Ano II, Suplemento Cultural, p.3, 14/05/78.
Caffarelli, Roberto Vergara. Einstein e o Brasil. Ciência e Cultura vol.31, n0 12, dez 1979.
Clark, Ronald W. Einstein: the life and times. London: Hodder & Stoughton, 1973.
Einstein, Albert. Observação sobre a situação actual da Theoria da Luz. Revista da Academia
Brasileira de Sciencias, n0 1, abril de 1926, pp. 1-3.
Falbel, Nachman. A visita de Albert Einstein à comunidade judaica do Rio de Janeiro. In. Falbel,
Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil, São Paulo, 1984.
Folsing, Albricht. Albert Einstein: Eine Biographie. Frankfurt: Suhrkamp, Verlag, 1993.
Frank, Philipp. Einstein: his life and times. New York: Da Capo Press, 1989.
Holton, Gerald, Elhanan, Yehuda (ed.). Albert Einstein: historical and cultural perspectives,
New Jersey, Princeton University Press, 1982.
Kirsten, Christa; Treder, Hans-Jurgen, et al. Albert Einstein in Berlin 1913-1933. Vol. I
Darstellung und Dokumente. Vol. IL Spezialinventar. Berlin: Akademie-Verlag, 1979.
330
Alfredo Tiomno Tolmasquim
Malamud, Samuel. Recordando a Praça Onze. Rio de Janeiro: Kosmos, 1988.
Michelmore, Peter. Einstein - perfil de un hombre. Barcelona: Editorial Labor, 1965.
Pais, Abraham. “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Einstein. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995.
Pereira, Francisco Lafayette Rodrigues. Recepção de Einstein. Revista da Academia Brasileira
de Sciencias. n0 1, abril de 1926, pp. 77-9.
Raffalovich, Isaiah. Tziunim ve Tmurim, (Autobiografia) Tel Aviv. (em hebraico)
Reiser, Anton. Albert Einstein: a biographical portrait. New York: Albert & Charles Borei,
1930.
Ricieri, Aguinaldo Prandini. A vinda de Einstein ao Brasil., São Paulo: Prandiano, 1988.
Schenker, Aron, Fun Albert Einstein besuch ein Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ikuf, 1959. (em
idisch)
Sujimoito, Kenji. Albert Einstein: A photographic biography. New York: Schoken Books,
1989.
Resumo
A visita de Albert Einstein ao Brasil, em maio de 1925, causou um grande
impacto na comunidade científica do Rio de Janeiro. O famoso cientista visitou o
Brasil na volta de sua viagem à Argentina e Uruguai, onde esteve proferindo palestras na Universidade de Buenos Aires. Sua visita ao Brasil foi marcada por debates
sobre a ciência pura e aplicada, a necessidade de incrementar a pesquisa científica,
e a metodologia científica por si só. A disputa entre os cientistas e as instituições de
pesquisa também estiverem na pauta de discussão, mostrando a realidade da ciência no Brasil daquela época
Abstract
This paper presents the scientific context Einstein found during his visit to
Brazil in May 1925, and the impact it caused in the scientific community in Rio de
Janeiro. He visited Brazil when he went back from his trip to Argentina and Uruguay
to take a course of lectures in the Buenos Aires University. His visit turned explicit
many debates were taking place in Brazil about the pure and applied sciences, the
necessity of new places for the development of the scientific research, and the
methodology of science itself. It put also in evidence the situation and disputes were
carrying on between scientists and also their institutions, producting a portrait of
the science at this time in Brazil.
O Autor
A LFREDO TIOMNO TOLMASQUIM é pesquisador titular e chefe do Departamento de Informação e Documentação do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Doutor pela UFRJ, fez
o pós-doutorado no Edelstein Center for the History and Philosophy of Science, Technology
and Medicine da Universidade Hebraica de Jerusalem.
Download

Revista Parcerias Estratégicas Versão integral em PDF