INFLUÊNCIA DA ADERÊNCIA NA ANÁLISE DE PAVIMENTOS ASFÁLTICOS Samuel de Almeida Torquato e Silva Juceline Batista dos Santos Bastos Jorge Barbosa Soares Universidade Federal do Ceará Departamento de Engenharia de Transportes Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes – PETRAN RESUMO Problemas de aderência na interface entre as camadas podem comprometer o desempenho dos pavimentos. No entanto, essa variável é frequentemente negligenciada, pela própria dificuldade de investigação experimental e mesmo computacional do tema. O presente artigo tem como objetivo investigar a influência da referida aderência sobre a resposta estrutural de pavimentos asfálticos quando submetidos a um carregamento mecânico. Para tanto, utilizou-se a Análise Elástica de Múltiplas Camadas (AEMC) do programa SisPav para modelar a estrutura e a aderência entre todas as camadas do pavimento. As propriedades mecanísticas dos materiais, investigados em laboratório, para as simulações são provenientes de um trecho monitorado (300 metros) da BR-222, no estado do Ceará. Esse trecho também foi investigado em campo por meio de medições de afundamento em trilha de roda com a treliça metálica. Verificou-se que a consideração da aderência possui forte influência no desempenho estrutural de um pavimento. Para ambos os parâmetros, deflexão e tensão vertical no topo do subleito, o descolamento entre as camadas provocou um aumento significativo, que reduz a vida útil do pavimento e facilita o aparecimento de afundamentos de trilha de roda e trincas por fadiga. ABSTRACT Bonding problems between layers may compromisse the pavement performance. However, this variable is often dispised, in part because the difficult of its experimental investigation and even computatinal modeling. This paper inteds to investigate the influence of bonding on the structural response of asphaltic pavements when submitted to a mechanic load. In order to reach this goal, the Multiple Layers Elastic Analysis of SisPav software was used to model the strutcture and the bonding between all layers. Material mechanical properties investigated in laboratory are originated from a monitored strech (300 meters) of BR-222 highway, from state of Ceará. This strech was also investigated in field by measurings of rutting with metalic framework. It was observed that bonding has a strong influence on pavement structural performance. For both parameters, deflection and vertical stress on subgrade, detachment between layers caused significant increase, reducing the pavement life cycle and easing the appearing of rutting and fatigue cracking. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Pavimentos são estruturas projetadas com a função de fornecer com qualidade condições de conforto e de segurança para os usuários das vias, suportando o impacto gerado principalmente pelo tráfego de veículos e pela variação climática. A estrutura do pavimento asfáltico é composta por múltiplas camadas sobrepostas, com espessuras finitas, assentadas sobre o subleito de espessura infinita (Bernucci et al., 2010). São utilizados, em geral, materiais granulares nas camadas inferiores e sobre estas, uma camada de revestimento. Entre essas camadas é necessário que exista uma ligação para permitir uma melhor distribuição de tensões e deformações na estrutura do pavimento, que embora seja um conjunto de múltiplas camadas, deve funcionar como um sistema único, portanto, devidamente interligado. Verifica-se na literatura o uso extensivo de diferentes técnicas de modelagem estrutural para analisar pavimentos asfálticos. Apesar da complexidade do problema que envolve materiais (heterogeneidade e mudança de propriedades com o tempo e com a temperatura), geometria e contorno (cargas estocásticas e dinâmicas, e restrições), houve evolução substancial, em particular na modelagem por elementos finitos de tal sistema de multicamadas (Cook et al., 2002; Zienkiewicz et al., 2005). Elementos infinitos têm sido utilizados com sucesso para modelar o espaço semi-infinito que representa o subleito (Torquato e Silva et. al., 2013). Efeitos dinâmicos têm sido considerados (Silva et. al., 2008), bem como modelos constitutivos mais sofisticados para todas as camadas do pavimento, com e sem dano e dependência do tempo quando se considera a camada de superfície (Souza, 2005). No entanto, existem vários desafios relacionados à modelagem estrutural de pavimentos, e pesquisadores continuam buscando técnicas mais eficientes e robustas. Por outro lado, é importante traduzir a resposta estrutural, de tal maneira que ela possa ser utilizada de forma prática no dimensionamento de pavimentos. Soares et al. (2009) mostraram que o estado da prática em países da Europa e da América é essencialmente o uso de análise elástica linear simples dentro do chamado método mecanístico-empírico de dimensionamento de pavimentos asfálticos. Os cálculos das respostas de tensão/deformação nas camadas do pavimento, baseados na teoria elástico-linear de Boussinesq (1885) e Burmister (1943 e 1945), preconizam as seguintes hipóteses (Huang, 2004): (i) todas as camadas são homogêneas, isotrópicas e possuem comportamento elástico linear ao longo da sua espessura; (ii) o carregamento é uniforme e distribuído sobre carga circular; (iii) há perfeita aderência entre as camadas garantindo que o sistema funcionará monoliticamente. No dimensionamento de pavimentos asfálticos utilizando essa teoria considera-se, portanto, que as camadas tenham propriedades elásticas constantes (módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson), carregamento distribuído uniformemente e, ainda, uma interface entre camadas completamente aderida. No entanto, para a construção de pavimentos asfálticos a estrutura é executada em camadas, para garantir melhores graus de compactação. Contudo, por outro lado, criam-se zonas de fragilidade na estrutura, justamente nas interfaces. Para minimizar o movimento lateral na interface entre o revestimento e a camada granular subjacente utiliza-se a imprimação betuminosa (USACE, 2001). Na interface entre as camadas granulares esse movimento é limitado através do atrito entre os agregados (Lambe e Whitman, 1995). No entanto, não se pode garantir que foi atingida uma aderência total entre quaisquer camadas dos pavimentos asfálticos, sendo a própria observação em campo ou medição em laboratório bastante complexa de se investigar. Diante desta complexidade os projetos de pavimentos não levam em conta a possibilidade de falha na aderência entre camadas e a maioria dos softwares de dimensionamento de pavimentos não contempla esse aspecto. Poucos, dentre os softwares mais utilizados nacionalmente, quando permitem considerar a aderência na interface, fazem-no por meio de um fator de atrito/escorregamento (Franco, 2007). No cálculo das tensões e deformações críticas, a maior parte dos métodos de dimensionamento mecanísticos-empíricos considera que camadas do pavimento são totalmente coladas ou completamente descoladas. Por outro lado, este não é o caso em situações reais de campo (Hu e Walubita, 2011). Para avançar neste assunto, a validação de sofisticados estudos de modelagem com dados de campo em escala real tem sido uma importante tentativa de preencher a lacuna entre a análise estrutural e o dimensionamento prático. Instrumentação em pistas de teste e subsequente comparação com modelos computacionais tem sido e deve continuar sendo chave para essas tentativas. Atualmente, uma iniciativa nacional, que conta com a Petrobras e o DNIT, e envolve ainda diversas universidades brasileiras para o desenvolvimento do novo método mecanístico-empírico de dimensionamento de pavimentos asfálticas, deve incluir avanços na análise de tensões-deformações. Trata-se da Rede Temática de Asfalto, em andamento e com previsão de conclusão para 2016. Este projeto consiste de duas fases: (i) Trechos Experimentais e Materiais de Pavimentação - Projeto, construção e monitoramento de pistas experimentais em várias regiões do país, visando o desenvolvimento de um banco de dados de materiais, tecnologias e desempenho de pavimentos asfálticos; (ii) Sistema de Dimensionamento de Pavimento Asfáltico – associado principalmente à geração de modelos de desempenho de pavimentos. Contudo, há aspectos de pesquisa científica que não são previstos no escopo do projeto, mas que são cruciais para o completo desenvolvimento de um método de dimensionamento com viés mecanicista, ainda que tais incorporações sejam incluídas apenas no longo prazo. Entre os principais aspectos que merecem atenção acadêmica está a influência da aderência entre as camadas na resposta estrutural. Considerar um fator de aderência na interface quando do dimensionamento dos pavimentos pode levar à redução no número de intervenções e custos com manutenção. No entanto, conforme mencionado anteriormente, esta variável é muitas vezes negligenciada, por possuir natureza constitutiva de difícil dedução. Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho é verificar a influência da aderência entre as camadas dos pavimentos asfálticos, utilizando a Análise Elástica de Múltiplas Camadas (AEMC). Nesta investigação, as análises estruturais foram realizadas (i) em seções típicas de pavimentos do Ceará sob diferentes condições de interface, verificando a influência da aderência: (a) entre todas as camadas, (b) entre a camada de revestimento asfáltico e a de ligação (binder), (c) entre a camada de ligação e a base, (d) entre camadas de base e sub-base, (e) entre a camada de sub-base e o subleito. Além das simulações computacionais no pavimento, investigou-se ainda (ii) o desempenho do mesmo em campo. 2. REFERENCIAL TEÓRICO A ocorrência prematura e/ou excessiva de defeitos em pavimentos asfálticos tem sido motivo de preocupação entre técnicos e pesquisadores da área de pavimentação. Diversos pesquisadores já investigaram como o desempenho do pavimento pode ser comprometido por problemas de interface entre camadas (Khweir e Fordyce, 2003; Rabelo, 2006; Ziarie Khabiri, 2007; Hu e Walubita, 2011; Guimarães, 2013). Ziari e Khabiri (2007) modelaram, por meio do software KENLAYER, uma estrutura de pavimento composta por camada asfáltica de rolamento, camada de ligação (camada asfáltica abaixo da camada de rolamento, no presente artigo também denominada de binder) e base granular para investigar a influência da consideração da interface na previsão da vida do pavimento no Irã. Os autores avaliaram a distribuição de tensões de tração ao longo das camadas do pavimento, com diferentes condições de interface entre as três camadas, considerando 1 (um) para aderência total e 0 (zero) para total escorregamento. Nos casos de falta de aderência entre as duas camadas asfálticas (fator 0), as tensões horizontais de tração aumentaram significativamente de valor e surgiram como máximas na fibra inferior da camada de rolamento. Os autores avaliaram o pavimento quanto o tricamento por fadiga e o índice de serventia e concluíram que a condição da interface afeta significativamente a distribuição de tensões e deformações em estruturas dos pavimentos asfálticos e, portanto, o seu desempenho. Hu e Walubita (2011) utilizaram o bem estabelecido programa tridimensional de elementos finitos, ANSYS, para modelar as respostas mecânicas (tensões e deformações) em três estruturas típicas da China. Modelaram o contato real entre pneu-pavimento, considerando os efeitos da aceleração e desaceleração, simuladando estruturas com: (i) as camadas totalmente ligadas e (ii) as camadas totalmente separadas (mas considerando o atrito). Através da utilização de elementos finitos tridimensionais e carregamento transiente, os autores concluíram que a condição de ligação interfacial entre as camadas dificilmente influencia as respostas mecânicas na superfície do pavimento quando não existe aceleração e desaceleração. Além disso, os autores verificaram que a consideração das camadas totalmente separadas influencia dramaticamente as deformações máximas de tração e de cisalhamento na parte inferior da camada de revestimento e de ligação (binder). Essas deformações foram ainda mais agravadas pelo efeito da desaceleração. Em termos de comparação de desempenho, os resultados indicaram que a condição de ligação interfacial das camadas tem uma influência mais significativa na vida de fadiga do que nas características de serventia dos pavimentos. Khweir e Fordyce (2003) investigaram como a espessura, a rigidez e as condições de ligação de interface influenciaram a vida de um pavimento em serviço na Grã-Bretanha. A variação de rigidez de uma camada de pavimento assentada sobre uma interface com pouca aderência altera significativamente a vida útil do pavimento em comparação com o previsto, assumindo ligação total na interface. Contudo, a situação mais crítica é quando ocorrem problemas de ligação entre uma camada granular espessa que necessita ser executada em duas etapas. Isto pode reduzir a vida de um pavimento em mais de 80%, segundo os referidos autores. Estes destacaram ainda que as propriedades dos materiais e a má prática de construção podem contribuir para a perda de resistência ao cisalhamento em interfaces de camadas. Guimarães (2013) estudou a variabilidade na aderência entre camadas asfálticas, sendo a camada superior um CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente) e a inferior, ora uma SAMI (Stress Absorbing Membrane Interlayer), ora um CBUQ. A autora avaliou a taxa de aplicação da pintura de ligação, o tipo de emulsão (convencional ou modificada por polímero) e a presença ou não de sistemas antireflexão de trincas na interface. Verificou-se que as amostras com grelha não apresentaram diferenças significativas comparadas ao uso de interface somente com pintura de ligação, enquanto as amostras com geotêxtil na interface resultaram em valores bem inferiores de tensão de cisalhamento máximo. A aderência foi medida por meio do ensaio de cisalhamento direto Leutner, em amostras produzidas em laboratório e também extraídas de pista. Para ensaios com diferentes tipos de pintura de ligação, as amostras com emulsão modificada nem sempre apresentaram melhores resultados quanto à aderência em relação às amostras com emulsão convencional. Rabelo (2006) investigou em laboratório os principais fatores que influenciam na penetração da imprimação betuminosa para fornecer aderência entre a camada de base e o revestimento de rodovias de baixo volume de tráfego do Estado do Ceará. O autor destacou que a imprimação é uma operação complexa, que sofre a interferência de diversos fatores, tais como: o tipo e a taxa de ligante aplicado, as condições de preparo da superfície da base, umidade de compactação, etc. A seleção do coeficiente de ligação entre as camadas dos pavimentos asfálticos é difícil e não há um procedimento de teste padrão para que essa ligação possa ser determinada em campo. Na Espanha utiliza-se em laboratório o ensaio de cisalhamento simples, de acordo com a norma NLT 382/08 (2008). Khweir e Fordyce (2003) listaram alguns fatores que podem ocasionar problema na aderência entre as camadas, como: segregação; baixo grau de compactação; imprimação betuminosa deficiente ou excessiva; contaminação da camada inferior, devido à presença de poeira ou derrames de óleo ou combustível; imprimação betuminosa fria. 3. MATERIAIS E MÉTODOS Para ilustrar a importância de se considerar o efeito da interface entre as camadas dos pavimentos, foram realizadas simulações computacionais em estruturas com materiais típicos do Ceará. Testouse o efeito da aderência entre: (a) todas as camadas, (b) apenas entre o revestimento asfáltico e a camada de ligação (binder), (c) apenas entre a camada de ligação e a base, (d) apenas entre a base e a sub-base, (e) apenas entre a sub-base e o subleito. Nas simulações (b), (c), (d) e (e), o restante da estrutura foi considerado totalmente aderido. Todas as possibilidades foram testadas, na linha do que apontam Hu e Walubita (2011), ou seja, de que a separação entre as interfaces das camadas pode ocorrer não apenas entre as camadas de concreto asfáltico, mas entre quaisquer camadas do pavimento. 3.1. Caracterização para Simulações de Estruturas Foram caracterizados cinco materiais provenientes de um trecho monitorado (300 metros) na BR222, estado do Ceará, de modo a representar a estrutura a ser analisada neste trabalho. O trecho em questão trata-se de uma obra de restauração e necessitou de uma elevação de greide. Portanto, a camada de base do revestimento anterior agora funciona como subleito do novo pavimento. Dessa forma, não foi possível obter dados de tal camada através de ensaios laboratoriais. Desse modo, foi realizada uma retroanálise com o CAP3D (Holanda et al., 2006; Torquato e Silva, 2014) a partir dos ensaios de deflexão obtidos pelo equipamento Falling Weight Deflectometer (FWD) para determinação do Módulo de Resiliência (MR) do subleito. A retroanálise resultou em um MR aproximado de 600MPa, atipicamente elevado, justamente por se tratar de uma base de pavimento antigo que estava sendo restaurado. O material de sub-base (0,15m de espessura), amostra 02, foi caracterizado através da densidade real (DNER-ME 093/94), granulometria por peneiramento (DNER-ME 080/94), limite de liquidez (DNER-ME 122/94), limite de plasticidade (DNER-ME 082/94) e classificação AASHTO. Caracterizou-se, também, a Brita Graduada Simples (BGS), que compõe a camada de base (amostra 03), Tamanho Máximo Nominal (TMN) de 19mm, através do ensaio de análise granulométrica de agregados (DNER-ME 083/98). Além disso, tanto para a amostra 02 como para a amostra 03 realizaram-se os ensaios de compactação (DNIT-ME 164/2013), Índice de Suporte Califórnia (ISC) (DNER-ME 049/94) e MR (DNIT-ME 134/2010). A Tabela 1 apresenta os resultados das amostras 02 e 03 e a Figura 1 apresenta as granulometrias dessas amostras, assim como, as granulometrias da camada de ligação (0,06m), amostra 04, e do revestimento (0,05m) do tipo Concreto Asfáltico a Quente (aqui denominado CBUQ), amostra 05. As misturas asfálticas, tanto da camada de rolamento como de ligação, utilizaram o ligante asfáltico CAP 50/70 Lubnor (PG 70-caracterizado apenas no limite superior) de acordo com as especificações brasileiras (ANP, 2005). Essas misturas foram dosadas de acordo com a metodologia Marshall (75 golpes por face do CP para a determinação do teor de projeto) preconizada no Brasil (DNER - ME 043/95). Foi utilizado um aditivo melhorador de adesividade, DOPE, em 0,3% em massa do ligante. As análises mecanísticas foram efetuadas utilizando o AEMC do programa SisPav (Franco, 2007), considerando o valor médio de módulo de resiliência apresentado nas Tabelas 1 e 2. O carregamento considerado foi composto por uma pressão uniforme (0,56MPa), uma carga por roda de 2052kg, aplicada em uma área de formato circular com raio de 0,108m, cuja resultante corresponde à carga de uma roda do eixo padrão de roda dupla. Os coeficientes de Poisson adotados foram: ν= 0,30 para o concreto asfáltico das camadas de rolamento (designado CBUQ) e de ligação (designado Binder); ν = 0,35 para base e sub-base e ν = 0,40 para o subleito. A Tabela 2 apresenta os resultados das composições granulométricas e dos MRs das misturas asfáticas (DNIT 135/2010). Tabela 1: Resultados de Caracterização, Classificação, Compactação, CBR e MR LL IP Densidade Wót MR Amostra AASHTO γ (g/cm³) CBR (%) (%) (%) Real (%) máx (MPa) 02 20,2 3,5 A-2-4 2,740 8,1 2,095 32,0 120 03 NL NP 6,3 2,160 103,0 137 Passante (%) 100 80 60 Faixa C - DNIT CBUQ Binder Base Sub-base 40 20 0 0,01 0,1 1 Abertura das Peneiras (mm) 10 100 Figura 1: Granulometrias das amostras das camadas que compõem a estrutura do pavimento Tabela 2: Composições granulométricas e parâmetros volumétricos das misturas Brita 1" Brita 3/4" Brita 1/2" Areia de Areia de Fíler CAP MR Mistura (%) (%) (%) Rio (%) Campo (%) (%) (%) (MPa) CBUQ 21,0 35,0 22,0 20,0 2,0 5,8 4.027 Binder 25,0 50,0 15,0 8,0 2,0 5,0 4.651 3.2. Influência da aderência na vida útil do pavimento Como base nas situações mais críticas de descolamento entre camadas, foi calculada a vida útil do pavimento para vários níveis de aderência. Para tanto, foram abordados os principais defeitos que atingem os pavimentos asfálticos brasileiros, trincamento por fadiga e deformação permanente. Foi adotado para avaliação da vida de fadiga a Equação 1 (Asphalt Institute,1982). = . . (1) Nesse modelo são utilizados os parâmetros de deformação de tração no fundo do revestimento ( ) e rigidez da camada asfáltica (E) para determinação das propriedades de fadiga da mesma. Coeficientes de correlação laboratório-campo também foram aplicados ao modelo ( , e ). Adotou-se a calibração do Asphalt Institute (1982), dessa forma, tomou-se = 0,0796, = 3,291 e = 0,854, para determinação do número de repetições de carga para ocorrência de trincamento por fadiga (Nf). Para deformação permanente da camada de revestimento (ignora-se aqui a contribuição das outras camadas) considerou-se o modelo proposto por Cardoso (1987) e adotado por Franco (2007) no programa Sispav. = (2) Onde e são a deformação plástica admissível e a deformação resiliente crítica do revestimento, e são parâmetros de regressão (0,30 e 0,65, respectivamente) e N o número de repetições do carregamento. Para o cálculo deformação resiliente do revestimento, adotou-se como local crítico para deformação permanente o limite exterior do carregamento da roda a uma profundidade aproximadamente igual à zona do bulbo de cisalhamento da estrutura, equivalente a metade da espessura do revestimento (Monismith et al., 2006), o que corresponde à coordenada radial de 0,54m e à vertical de 0,25m para a estrutura adotada. = (3) Onde MR é o Módulo de Resiliência do revestimento. Para calcular a tensão desvio , utilizada na determinação de , (Equação 4) utilizou-se o conceito de invariante de tensão (Gibson et al., 2009; Hajj et al., 2010) para quantificar a presença dessa tensão para vários níveis de aderência. = 3×! (4) Onde: σ# - Tensão desvio; ! é o segundo invariante do tensor de tensões desviadoras, que pode ser obtido por: ! = % ( ' − )) +( ' − )) +( ) − ,) + -') + -', + -), (5) Em geral, valores de deformação permanente de até 12,5mm são admitidos, o qual vem sendo adotado como critério máximo tanto por grupos de pesquisa norte-americanos (por exemplo, a NCSU em pistas experimentais no NCAT), quanto por grupos de pesquisas nacionais (por exemplo, a Petrobras/Cenpes em pistas experimentais na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ). Valores de deformação na camada asfáltica superiores a 12,5mm equivalem a uma condição de falha na estrutura do pavimento, pois problemas como hidroplanagem podem ocorrer (Choi, 2013; LaCroix, 2013). Como no presente artigo se estuda apenas a deformação do revestimento para a estrutura adotada, uma flecha de 12,5mm corresponde a uma deformação plástica admissível de 0,25. 4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÕES DOS RESULTADOS 4.1. Simulações de Estruturas Considerando Diferentes Níveis de Aderência nas Interfaces da Camada de Rolamento (CBUQ) Nesta seção são apresentadas as consequências da consideração de diferentes níveis de aderência nas interfaces do pavimento. Para as Figuras 2, 3 e 4, cada curva representa a consideração da aderência: (a) entre todas as camadas, (b) entre as camadas de revestimento asfáltico e de ligação, (c) entre as camadas de ligação e a base, (d) entre as camadas de base e sub-base, (e) entre a camada de sub-base e o subleito, onde na origem as camadas estão totalmente aderidas e à medida que o eixo horizontal tende ao infinito a aderência tende a zero (camadas descoladas). 4.1.1. Deflexão A Figura 2 apresenta o acréscimo percentual de deflexão no topo da superfície do pavimento em função da perda de aderência. Observa-se que, para este parâmetro, a influência da consideração da não aderência entre a camada de rolamento e a de ligação é muito mais relevante que a aderência entre as camadas inferiores. Percebe-se ainda que nestas camadas o acréscimo não chega a 10% quando os acréscimos são considerados isoladamente. Todavia, na condição “Todas” a deflexão se eleva em cerca de 80% quando todas as camadas podem deslizar livremente entre si. Acréscimo de deflexão 100% 80% 60% 40% 20% 0% 0 200 Rev - Binder Subbase - Subleito 400 600 Descolamento Binder - Base Todas Figura 2: Acréscimo de deflexão 800 1000 Base - Subbase 4.1.2. Tensão vertical no topo do subleito Como mostra a Figura 3, o descolamento entre as camadas de revestimento e binder eleva em aproximadamente 50% a tensão vertical no topo do subleito. Mais uma vez, a aderência entre as camadas inferiores é menos importante, porém chega a influenciar em 20% o acréscimo da tensão em questão. Para a variável de tensão no topo do subleito, a consideração da aderência de todas as camadas se mostra fundamental, uma vez que o acréscimo de tensão quando do descolamento total chega a mais de 120%. Acréscimo de tensão 150% 100% 50% 0% 0 200 Rev - Binder Subbase - Subleito 400 600 Descolamento Binder - Base Todas 800 1000 Base - Subbase Figura 3: Acréscimo de tensão vertical no topo do subleito 4.1.3. Deformação de tração no fundo do binder Acréscimo de deformação De acordo com a Figura 4, percebe-se que a aderência entre as subcamadas pouco influencia na deformação de tração no fundo do binder. O acréscimo desta se dá sobretudo pela condição de aderência entre as camadas de revestimento e de ligação (binder), isto é, ela é fortemente influenciada pela qualidade da pintura de ligação realizada em campo. 80% 60% 40% 20% 0% 0 200 400 600 Descolamento 800 1000 Rev - Binder Binder - Base Base - Subbase Subbase - Subleito Todas Figura 4: Acréscimo de deformação de tração no fundo do binder Todavia, a aderência entre a camada de ligação (binder) e a base e entre as subcamadas mais uma vez não pode ser desprezada. Ainda que isoladamente cada uma destas curvas pareça desimportante, o efeito combinado do descolamento de todas as camadas leva a um acréscimo de deformação de tração no fundo do binder de aproximadamente 70%, o que viria a comprometer o pavimento no que diz respeito ao trincamento por fadiga. 4.2. Influência da aderência na vida útil do pavimento 4.2.1. Fadiga da camada de binder Vida útil (anos) Tomando como base as situações mais críticas de descolamento entre camadas, isto é, o descolamento entre o revestimento e a camada de ligação (binder) e o descolamento simultâneo de todas as camadas, calculou-se a vida útil do pavimento, quanto à vida de fadiga, para vários níveis de aderência (Figura 5), considerando-se a Equação 1. 24 21 18 15 12 9 6 3 0 1 10 Descolamento (log) Revestimento - Binder 100 1.000 Todas Figura 5: Vida útil do pavimento em função do descolamento Percebe-se que, para a estrutura adotada neste trabalho e um tráfego médio anual de 7,6x106, a vida útil do pavimento se reduz drasticamente segundo o modelo de desempenho adotado. Para o caso do descolamento entre camada de rolamento e binder, a vida útil se reduz de 21 para 7 anos, isto é, em 3 vezes. No caso do descolamento geral das camadas, a vida útil é reduzida para apenas 4 anos, ou seja, em 5 vezes menor em relação à situação de aderência perfeita. 4.2.2. Deformação permanente da camada de revestimento As situações mais críticas da tensão desvio na camada de revestimento se deram quando do descolamento entre as camadas de rolamento e de ligação, assim como quando foi simulado o descolamento de todas as camadas simultaneamente. Com base nessas situações calculou-se a vida útil do pavimento, quanto à deformação permanente, para vários níveis de aderência (Figura 6), considerando-se a Equação 2. Todavia, desta vez verificou-se que a diferença é praticamente nula nas duas situações, sendo graficamente imperceptível. Isso ocorre porque a influência da aderência nas camadas inferiores ao binder pouco influenciou no estado de tensões no ponto escolhido como crítico para esta estrutura (x=0,54m; y=-0,25m). A Figura 6 mostra a evolução da vida útil com o aumento do descolamento para ambas as situações descritas anteriormente. Vida útil (anos) 0,60 0,40 0,20 0,00 1 10 100 Descolamento(log) Rev-binder Todos 1.000 Figura 6: Vida útil do pavimento para afundamento de 12,5mm do revestimento Percebe-se que a vida útil é máxima, isto é, a tensão desviadora é mínima, quando o descolamento é relativamente próximo à nulidade. Alguns pontos notáveis do gráfico podem ser destacados quanto à tensão desvio: esta vale 203kPa quando da aderência total, 171kPa no ponto de máxima vida útil e 447kPa quando as camadas estão totalmente descoladas, onde observa-se a assíntota da curva à direita do gráfico. Por outro lado, a ordem de grandeza dos valores de vida útil encontrados é bastante pequena em toda a curva, o que sugere que o modelo não descreve bem a situação real em campo. Ou seja, no caso da deformação permanente, trata-se de um modelo de desempenho por demais conservador para ser usado no país. Prova disso são os dados coletados de afundamento de trilha de roda no trecho em estudo (DNIT-PRO 006/03). Percebe-se da Figura 7 que com tráfegos de 1, 2 e 3 anos ainda não se atingiu o valor de afundamento de 12,5mm. Flecha em pista com treliça na trilha interna (mm) 15,0 10,0 5,0 0,0 1 2 3 4 T = 12 meses 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Estaca T = 24 meses T= 36 meses Figura 7: Afundamento de Trilha de Roda coletado em campo 5. CONCLUSÕES Observou-se através das simulações computacionais realizadas em estruturas de pavimentos do Ceará que a consideração da aderência entre camadas tem forte influência no desempenho da estrutura. A vida de fadiga do pavimento segundo as simulações realizadas diminui de 21 anos, quando as camadas estão perfeitamente aderidas, para 3 anos, quando o descolamento é total. Algo semelhante ocorreu com a deformação permanente, que evolui cerca de 4 vezes mais rápido quando da situação de descolamento total em relação à situação aderência quase total (melhor cenário para deformação permanente), ainda que deva se observar que o modelo de desempenho utilizado não encontrou correspondência com a evolução da falha em campo. Se, por um lado, foi simulada computacionalmente uma curva que compreende praticamente todo o espectro possível da aderência entre camadas, por outro lado, não se tem estimativa confiável de qual nível de aderência existe de fato em campo. Nem mesmo por meio de ensaios laboratoriais. Ou seja, o parâmetro aderência entre camadas é simplesmente não considerado no Brasil, assumindo-se frequentemente aderência total nos casos em que há análise estrutural do pavimento. Dada a forte influência da aderência entre camadas na vida útil dos pavimentos, propõe-se para estudos futuros a estimativa deste parâmetro tanto em campo como em laboratório, na busca de consolidar uma faixa de valores que possa ser utilizada em nível de projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANP (2005) Resolução Nº. 19. Regulamento Técnico Nº. 3. Disponível em: <http://nxt.anp.gov.br/NXT/gateway.dll/leg/resolucoes_anp/2005/julho/ranp%2019%20%202005.xml?f=templates$fn=default.htm&sync=1&vid=anp:10.1048/enu>. Acesso em: 21/02/2015. ASPHALT INSTITUTE (1982) Research and development of the Asphalt Institute's thickness design manual (MS-I). 9th edition. Research Report 82-2. BERNUCCI, L. L. B.; MOTTA, L. M. G.; CERATTI, J. A. P. e SOARES, J. B. (2010) Pavimentação Asfáltica Formação Básica para Engenheiros. Rio de Janeiro: Petrobras: ABEDA. CARDOSO, S.H. (1987) Procedure for flexible airfield pavement design based on permanent deformation. 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