ORIENTE MÉDIO VIVO Edição 43 12 de fevereiro de 2007 Saddam Hussein: O fim de uma era Olhos em Meca, coração na Palestina Uma propaganda estadunidense irresponsável Uma conquista histórica abafada por Israel Apesar de condenação mundial, os Estados Unidos completaram a sua série de crimes no Iraque ao executar em um julgamento Os partidos políticos palestinos rivais Hamas e Fatah assinaram um despótico e parcial o líder iraquiano Saddam Hussein, em 30 de acordo histórico para formar um governo de união nacional na dezembro de 2006. Palestina na última quinta-feira (8), após um encontro na cidade Confira na página 2 sagrada de Meca, na Arábia Saudita. Apesar disso, a paz nos territórios ocupados palestinos não reinou por sequer um dia, após mais uma provocação israelense. NESTA EDIÇÃO Confira na página 2 2 Saddam Hussein: O fim de uma era 2 Olhos em Meca, coração na Palestina 3 Resistência Iraquiana – eventos da semana 4 A História dos Conflitos – Parte 43 4 Resistência Iraquiana: eventos da semana – 5 a 9 de fevereiro Por dentro das ações da Resistência Iraquiana Anunciamos a todos os nossos leitores essa nova coluna do Oriente Médio Vivo. Se trata de uma tentativa de ilustrar claramente as operações que acontecem em solo iraquiano, contendo detalhes que Bibliografia e Pesquisas as redes de mídia de massa ignoram. Para isso, contamos com o ORIENTE MÉDIO VIVO é: apoio do correspondente oficial do Oriente Médio Vivo no Iraque, Humam al-Hamzah Zaid Muhammad Salim Alabasi, diretamente da cidade de Al-Mosul. Yusef al-Majid Confira na página 3 Oriente Médio Vivo 1 www.orientemediovivo.com.br Saddam Hussein: O fim de uma era uma “vingança sectária”, e nada tinha de justiça. Membros do atual Apesar de condenação mundial, os Estados Unidos completaram a governo iraquiano – mantido pelos Estados Unidos – humilharam sua série de crimes no Iraque ao executar em um julgamento Saddam durante todo o processo de seu enforcamento, exaltando despótico e parcial o líder iraquiano Saddam Hussein, em 30 de os seus principais inimigos xiitas. De acordo com o grupo de direitos dezembro de 2006. A violência no país aumentou, a ‘guerra humanos Human Rights Watch, a posição do primeiro-ministro sectária’ – como definido pela mídia ocidental – se intensificou e os iraquiano, Nuri al-Maliki, ao ignorar as críticas quanto à maneira estadunidenses aproveitaram mais um de seus crimes de guerra como Saddam foi executado, representa a “ilegitimidade de um como propaganda eleitoral. governo que violou direitos humanos”. Inúmeros movimentos de direitos humanos protestaram não só pela Apesar das duras críticas por ilegalidade da execução do ex-presidente do Iraque, mas também todo o mundo, o atual governo pela ilegalidade de sua detenção. O grupo de Direitos Humanos da iraquiano ONU, formado por cinco especialistas legais independentes, Barzan Ibrahim al-Tikrit e Awad classificou todo o julgamento de Saddam Hussein como “arbitrário”. Ahmed al-Bandar, ex-membros Segundo a ONU, o tribunal iraquiano apresentou uma “clara do partido Baath, de Saddam parcialidade”, não permitiu que o ex-líder iraquiano preparasse sua Hussein. A ONU chegou a defesa, e restringiu o acesso a seus advogados e à convocação de oficialmente ordenar que o governo iraquiano não executasse os também executou suas próprias testemunhas. Considerando as inúmeras falhas em dois acusados, mas nada conseguiu mudar do que havia sido se adequar ao “padrão internacional” de julgamento, violando o planejado há tempos. No dia 15 de janeiro, os dois foram Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (um acordo enforcados da mesma maneira que Saddam Hussein. internacional de leis em que tanto os Estados Unidos como o Iraque fazem parte), a execução de Saddam Hussein se tornou apenas mais um crime de guerra estadunidense. Enquanto o atual governo pró-estadunidense do Iraque inicia a sua história de “crimes contra a humanidade”, e os Estados Unidos procuram qual será a próxima propaganda eleitoral de George W. Para muitos iraquianos, especificamente aqueles que aguardaram Bush, nas ruas do Iraque mais de 655 mil civis inocentes foram anos para se verem vingados de Saddam Hussein, através do mortos pela “guerra contra o terrorismo”. reconhecimento internacional de seus “crimes contra a humanidade”, a propaganda estadunidense custou caro. Após um julgamento completamente manipulado, ninguém irá recordar a execução de Saddam como um ato de justiça, mas sim uma falha completa em estabelecer um sistema judiciário justo. A Anistia Internacional, líder de duras críticas ao regime do ex-líder iraquiano no passado, declarou que “a execução de Saddam Hussein não simboliza qualquer forma de justiça”, considerando todo o processo como “um grande fracasso”. Olhos em Meca, coração na Palestina Os partidos políticos palestinos rivais Hamas e Fatah assinaram um acordo histórico para formar um governo de união nacional na Palestina na última quinta-feira (8), após um encontro na cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita. Apesar disso, a paz nos territórios ocupados palestinos não reinou por sequer um dia: após mais uma provocação israelense, o início de escavações para Outro fato que marcou o desastroso julgamento de Saddam coletar vestígios de interesse arqueológico na área da Mesquita de aconteceu apenas uma semana após sua execução. O Supremo Al-Aqsa, terceiro local sagrado para o Islam após Meca e Medina, Tribunal Criminal do Iraque considerou o ex-presidente iraquiano policiais israelenses agrediram e prenderam civis palestinos na inocente de todas as suas outras acusações, inclusive sobre a região, iniciando mais um capítulo do violento conflito. Campanha Anfal que, no final de década de 1980, deixou mais de 180 mil curdos mortos, segundo grupos de direitos humanos. Dessa forma, a alegação de Saddam Hussein de que a Campanha Anfal se tratava de “uma operação legítima para conter rebeldes curdos aliados ao Irã” prevaleceu quanto ao caso. Em um encontro em Meca organizado pelo Rei Abdullah, da Arábia Saudita, entre o presidente palestino e líder do Fatah, Mahmoud Abbas, e o exilado líder político do Hamas, Khaled Meshaal, foi assinado o documento “A Declaração de Meca”. Após semanas de conflito entre os dois partidos políticos palestinos, o acordo espera O divulgado “vídeo ilegal” que mostrou a execução de Saddam dar um fim à violência entre membros dos partidos rivais, e gerou mais críticas por toda a comunidade internacional. Assim finalmente terminar o embargo internacional liderado pelos Estados como o ex-líder iraquiano apontou durante todo o seu julgamento, o Unidos, iniciado após a democrática vitória do Hamas nas eleições vídeo reforçou a teoria de que a execução se tratava mesmo de Continua na página 3 Oriente Médio Vivo 2 www.orientemediovivo.com.br Continuação da página 2 preparam para mais uma tentativa do governo xiita de expulsá-los palestinas de janeiro de 2006. “Conseguimos um resultado que irá das principais áreas do país, após a apresentação de um dos servir o nosso povo”, declarou Abbas, após o encontro. comandantes da operação, Abbud Qanbar, líder das Brigadas Badr, Ao mesmo tempo em que o movimento iraquiano xiita. A Resistência reuniu seus principais povo palestino pôde se sentir comandantes para preparar uma resposta estratégica em defesa do aliviado quanto às povo iraquiano. tensões domésticas, abriu-se um novo Na manhã de 7 de fevereiro, as forças estadunidenses de ocupação capítulo da violência israelense cercaram toda a região da cidade de Al-Karmah, na província de Al- contra o povo palestino. A Anbar, prendendo “suspeitos” da Resistência que haviam derrubado provocação israelense ao iniciar no dia anterior mais um helicóptero das forcas de ocupação na “escavações arqueológicas” na região da Mesquita de Al-Aqsa, em região, deixando 15 soldados mortos. Os bairros atacados foram al- Jerusalém, chocou líderes muçulmanos. O guia supremo iraniano, o Jamilah, an-Nassaf, e al-Jahhalin, assim como a Área Industrial de aiatolá Ali Khamenei, pediu uma “reação séria" quanto aos trabalhos Al-Karmah. De acordo com fontes locais, simples civis foram presos feitos por Israel e, após um encontro com o secretário-geral do aleatoriamente, incluindo o diretor da escola infantil local e um líder grupo palestino Jihad Islâmica, Romadhan Addullah, anunciou que religioso. Horas depois, outro helicóptero estadunidense foi iriam “responder ao insulto”. Quanto à Liga Árabe, o rei da Jordânia derrubado na mesma área, seguido de um comunicado do e as autoridades palestinas qualificaram o projeto israelense como comandante da Resistência na região, Abu Mus‘ab al-Falluji. “Venho sendo árabe-israelenses anunciar a todos os muçulmanos que os próximos dias serão piores acusaram o governo de Ehud Olmert de se comportar como um para os invasores, algo que todos verão em suas televisões, se "piromaníaco", e advertiram que a iniciativa poderá desencadear Deus permitir”, disse ele. O comunicado termina com a ameaça de “uma terceira Intifada”. abrirem “um cemitério coletivo para helicópteros estadunidenses”, e uma “violação grave”. Deputados As escavações foram iniciadas, ignorando inclusive a opinião de um dos principais arqueólogos israelenses, Meir Ben-Dov, que alerta sobre uma nova tecnologia de mísseis que tem possibilitado tal realidade. anunciou à Rádio Israel que “não existe qualquer motivo para uma No dia 8 de fevereiro, o Exército ação ser tomada ali”, se referindo às “escavações arqueológicas”. dos Estados Unidos lançou uma Após a vitória do povo palestino com a Declaração de Meca, Israel, campanha de recompensa a mais uma vez, provoca indiscriminadamente a situação frágil em civis iraquianos que ajudassem que se encontra a sociedade palestina. O mundo foi alertado. na captura de soldados da Resistência na região de Al- Resistência Iraquiana: eventos da semana – 5 a 9 de fevereiro Karmah, “o cemitério coletivo para helicópteros estadunidenses”. Folhetos dos estadunidenses No dia 5 de fevereiro, a Resistência Iraquiana tomou controle dos foram distribuídos nas áreas residenciais da região, e nas cidades principais bairros da cidade de Ar-Ramadi, expulsando o exército de al-Fallujah, Abu Ghurayb e em at-Taji, subúrbio ao norte de pró-estadunidense iraquiano da cidade. Os bairros atualmente Bagdá. controlados pela Resistência são al-Mal‘ab, Rua 20, ad-Dubbat ath- O dia 9 de fevereiro foi marcado pelo ato coletivo dos civis Thaniyah, at-Ta’mim, al-Iskan, as-Sufiyah, e maior parte da Rua 17, iraquianos de Al-Karmah, ao queimarem os folhetos do exército de que possibilita acesso livre para saída da cidade. Todos esses ocupação estadunidense distribuídos no dia anterior, e pela bairros são da parte central de Ar-Ramadi. Enquanto o povo da tentativa das forças oficiais iraquianas, com cobertura das forças de cidade comemorava a conquista pelas ruas, a Resistência distribuiu ocupação, em recuperar bairros de Ar-Ramadi. A estratégia dos combustível para o aquecimento das casas, que havia sido proibido agressores seria capturar o prédio abandonado do Hospital Al- pelo atual governo iraquiano por ser “muito perigoso levar Mustafa, para a partir dele organizar novos ataques na área central caminhões de combustível para Ar-Ramadi”, e assim mantinha o da cidade. Após longas horas de batalha, focadas principalmente na povo sem proteção contra o frio do inverno. região da Rua 17, a Resistência conseguiu mais uma vez manter a O dia 6 de fevereiro foi marcado pelo anúncio conjunto do atual cidade sobre controle. exército iraquiano e das forças estadunidenses de ocupação sobre uma “megaoperação” em Bagdá. Os iraquianos sunitas se Oriente Médio Vivo 3 www.orientemediovivo.com.br A História dos Conflitos – Parte 43 especialmente na Palestina. Durante os meses seguintes de 1976, os Estados Unidos vetaram outras três resoluções votadas e Decisão da ONU iguala oficialmente o sionismo ao racismo completamente anti-democrática. Após um ano e meio de constantes ataques indiscriminados por Ainda no início de fevereiro de 1976, Israel (agora oficialmente parte de Israel contra áreas residenciais na Palestina e no Líbano, considerado um estado baseado na discriminação racial) iniciou deixando centenas de civis mortos e milhares de refugiados, a ONU uma aprovadas pela ONU contra Israel – uma proteção indiscriminada, campanha religiosa em provocação aos muçulmanos procurou intervir no massacre. Uma completa derrota moral de residentes nos territórios ocupados. A Suprema Corte de Israel Israel aconteceu no dia 10 de novembro de 1975, após uma eleição (tribunal superior de todo o sistema judiciário do país), localizada da Assembléia Geral da ONU, composta por 139 diferentes nações. em Jerusalém, decretou que judeus teriam o direito de rezar em Por uma vitória de 72 votos contra 35 (com 32 abstenções), a ONU mesquitas, inclusive no Monte Moriah, local sagrado para a fé determinou oficialmente que “o conceito de ‘sionismo’ é uma forma islâmica há 13 séculos. A decisão desnecessária foi, obviamente, de racismo, de discriminação racial”. O próprio conceito que uma provocação aos árabes e muçulmanos. possibilitou em 1948 a auto-independência do “lar nacional judaico”, o Estado de Israel, se tornou de maneira inegável uma forma de racismo e, ironicamente, semelhante ao regime nazista liderado por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. O voto do embaixador brasileiro foi um dos 72 votos a favor da decisão. A decisão do governo israelense gerou inúmeros protestos pelo mundo muçulmano, principalmente entre os palestinos dos territórios ocupados. Entre os dias 10 e 22 de fevereiro, protestos que se tornaram violentos aconteceram em diversas vilas da Cisjordânia, inclusive em Jerusalém Oriental. Como esperado, a A resposta sionista à Resolução número 3379 da Assembléia Geral reação israelense foi violenta para conter os protestos. Em 17 de da ONU aconteceu no mesmo dia 10 de novembro, poucas horas fevereiro, as forças israelenses de ocupação decretaram um toque depois. O embaixador de Israel na ONU, Chaim Herzog, se de recolher por tempo indeterminado nas vilas palestinas de direcionou à Assembléia e colocou os judeus como “vítimas de mais Ramallah, Nablus, Jenin e Tulkm. Grupos de jovens foram proibidos uma manifestação de anti-semitismo”, “uma sociedade atacada pela de organizar manifestações, e muitos que quebraram o toque de mais extrema forma de racismo conhecida pelo mundo”, segundo recolher foram presos. Manifestações estudantis foram encaradas suas próprias palavras. Herzog encerrou seu discurso segurando com tanques de guerra e forças do exército israelense, e dezenas uma cópia do documento da resolução, e dizendo: “Para nós, o de estudantes palestinos foram presos. Em Jenin e Tulkm, forças povo judeu, isso não é nada mais do que um pedaço de papel, e israelenses nós devemos tratá-lo dessa forma”. Em seguida, ele rasgou o estudantes aleatoriamente. O ápice dos confrontos aconteceu no documento. dia 22 de fevereiro, quando através de interrogatórios típicos da O início de 1976 trouxe mais derrotas morais para “o único estado Alemanha Nazista conduzidos por Shlomo Aharon (oficial da democrático do Oriente Médio”, como Israel desde seu início se inteligência de Israel), quatro estudantes palestinos foram mortos auto-intitulou. Logo em fevereiro, a ONU votou e aprovou mais uma durante atos de tortura. resolução condenando as ações de Israel. Dessa vez, Israel foi Israel aproveitou a revolta nos territórios palestinos para realizar oficialmente culpado por “crimes de guerra nos territórios árabes novos bombardeios em áreas residenciais, assim como aqueles de ocupados”. Apesar da decisão democrática da ONU ter sido votada 1974 e 1975, oficialmente condenados pela ONU, mas vetados e aprovada pela maioria das nações, os Estados Unidos usaram o pelos Estados Unidos. As principais vilas bombardeadas foram seu poder de veto contra a decisão, tornando-a descartada. A Hiwara e Burqa, deixando mais civis mortos e feridos. invadiram escolas e universidades, prendendo proteção estadunidense a Israel gerou protestos pelo mundo árabe, ORIENTE MÉDIO VIVO, fundado em 20 de fevereiro de 2006. Algumas fontes de pesquisa: ▪ Website ativista Palestine Monitor (www.palestinemonitor.org) ▪ Website ativista Electronic Intifada (www.electronicintifada.net) Para qualquer crítica, sugestão, ou comentários, por favor enviar e-mail para: [email protected] Acesse o novo website oficial do jornal Oriente Médio Vivo em: www.orientemediovivo.com.br Acesse também o forum oficial do Oriente Médio Vivo em: www.orientemediovivo.com.br/forum “O mais alto nível de educação é a tolerância” – Hellen Keller (1880 – 1968) Oriente Médio Vivo 4 www.orientemediovivo.com.br