XXXXXXX
I DA D E
MÉDIA
C AT E D R A I S , C AVA L E I R O S
E CIDADES
DIREÇÃO
U M B E RTO E CO
Tradução
Is a be l Br a n co
Ca r los Abo im de Brit o
Ca r los Ma n ue l Oliveira
5
XXXXXXX
ÍNDICE
13
HISTÓRIA
15
23
23
26
30
34
38
41
44
49
53
57
Introdução, de Laura Barletta
Os acontecimentos
O cisma da Igreja do Oriente, de Marcella Raiola
A luta pela investidura, de Catia Di Girolamo
A política dos papas, de Ivana Ait
A criação e a expansão das comunas, de Adrea Zorzi
A concorrência entre as repúblicas marítimas, de Catia Di Girolamo
Guelfos e gibelinos, de Catia Di Girolamo
As cruzadas e o reino de Jerusalém, de Franco Cardini
Frederico, Barva-Ruiva e a terceira cruzada, de Franco Cardini
O aparecimento das ordens de cavalaria, de Barbara Frale
A Reconquista, de Claudio Lo Jacono
61
61
64
68
71
76
85
91
94
98
101
104
107
111
115
118
122
128
Os países
O Estado da Igreja, de Ivana Ait
O Sacro Império Romano-Germânico, de Giulio Sodano
Cidades e principados da Germânia, de Giulio Sodano
A França capetiana, de Fausto Cozzetto
O reino de Inglaterra, de Renata Pilati
Os países escandinavos, de Renata Pilati
Os normandos na Itália meridional e na Sicília, de Francesco Paolo Tocco
Reinos e principados russos, de Giulio Sodano
A Polónia, de Giulio Sodano
A Hungria, de Giulio Sodano
A Península Balcânica, de Fabrizio Mastromartino
As comunas, de Andrea Zorzi
Os reinos cristãos da Hispânia, de Massimo Pontesilli
Reinos de taifas: os Estados muçulmanos na Península Ibérica, de Claudio Lo Jacono
As repúblicas marítimas, de Catia Di Girolamo
O império bizantino: a dinastia dos Comneno, de Tommaso Braccini
O reino de Jerusalém e os feudos menores, de Franco Cardini
134
134
138
141
A economia
2FUHVFLPHQWRGHPRJUiÀFRHDXUEDQL]DomRde Giovanni Vitolo
A extensão de terras cultivadas e a economia rural, de Catia Di Girolamo
Mercados, feiras, comércio e vias de comunicação, de Diego Davide
7
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S
E
CIDADES
145
150
153
O tráfego marítimo e os portos, de Maria Elisa Soldani
O crédito e a moeda, de Valdo d’Arienzo
A expansão das manufacturas e as corporações de ofícios, de Diego Davide
158
158
162
165
169
174
178
181
190
195
224
A sociedade
O feudalismo, de Giuseppe Albertoni
A cavalaria, de Francesco Storti
A burguesia (comerciantes, médicos, juristas, notários), de Ivana Ait
Os judeus, de Giancarlo Lacerenza
Os pobres, os peregrinos e a assistência, de Giuliana Boccadamo
Bandidos, piratas e corsários, de Carolina Belli
Os missionários e as conversões, de Genoveffa Palumbo
Ordens religiosas, de Anna Benvenuti
Aspirações de reforma da Igreja e heresias nos primeiros dois séculos depois do
ano 1000, de Giacomo Di Fiore
A instrução e os novos centros de cultura,
de Anna Benvenuti
O renascimento da ciência jurídica e
a génese do direito comum, de Dario Ippolito
A vida religiosa, de Errico Cuozzo
O cavalo e a pedra: a guerra na era feudal,
de Francesco Storti
O poder das mulheres, de Adriana Valerio
Festas, jogos e cerimónias na Idade Média,
de Alessandra Rizzi
A vida quotidiana, de Silvana Musella
231
FILOSOFIA
233
Introdução, de Umberto Eco
237
237
243
251
256
259
263
268
271
274
279
A retoma da Europa e o desenvolvimento do saber
Anselmo de Cantuária: pensamento, lógica e realidade, de Massimo Parodi
Pedro Abelardo, de Claudio Fiocchi
João de Salisbúria e a conceção do poder, de Stefano Simonetta
As disputas eucarísticas, de Luigi Cataloni
A Escola de Chartres e a redescoberta de Platão, de Luigi Cataloni
Os mestres de São Vítor e a teologia mística, de Luigi Cataloni
Intérpretes e formas da literatura teológica no século XII, de Luigi Cataloni
«Anões aos ombros de gigantes», história de um aforismo, de Umberto Eco
Mulheres intelectuais, de Claudio Fiocchi
3HFDGRHÀORVRÀDde Carla Casagrande
287
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
289
Introdução, de Pietro Corsi
202
205
209
213
217
221
8
XXXXXXX
293
293
297
299
304
Ciências matemáticas
Astronomia e religião: o controlo do tempo,
de Giorgio Strano
Cultura islâmica e traduções latinas,
de Giorgio Strano
As ciências matemáticas no islão,
de Giorgio Strano
309
312
A medicina: saberes do corpo,
da saúde e da cura
Medicina e doença no Ocidente
nos séculos XI e o XII, de Maria Conforti
Constantino, o Africano, e a medicina árabe
no Ocidente, de Maria Conforti
A Escola de Salerno e Articella, de Maria Conforti
Rhazes e Cânone, de Avicena, no Ocidente, de Maria Conforti
314
314
319
323
326
Alquimia e química
Avicena e a alquimia arábe, de Andrea Bernardoni
O acolhimento da alquimia árabe no Ocidente, de Andrea Bernardoni
Alquimia e mineralogia bizantina, de Andrea Bernardoni
A tradição dos receituários e dos livros para artesãos, de Andrea Bernardoni
330
330
334
337
339
343
Inovações, descobertas, invenções
A revolução agrícola, de Giovanni Di Pasquale
Novas fontes de energia para o trabalho, de Giovanni Di Pasquale
A cidade e a técnica, de Giovanni Di Pasquale
$UHÁH[mRVREUHDVDUWHVPHFkQLFDVde Giovanni Di Pasquale
Entre o Oriente e o Ocidente, de Giovanni Di Pasquale
350
350
Fora da Europa
Ciência e tecnologias na China, de Isaia Iannaccone
357
357
Lapidários e magia
Magia e curas mágicas, de Antonio Clericuzio
367
LITERATURA E TEATRO
369
Introdução, de Ezio Raimondi e Giuseppe Ledda
373
373
377
380
384
389
Renascimento e renovação
A retórica nas universidades, de Francesco Stella
As poetrie em latim da Idade Média, de Elisabetta Bartoli
A leitura e o comentário dos clássicos, de Elisabetta Bartoli
Primeiros documentos e textos literários nas línguas europeias, de Giuseppina Brunetti
A nova literatura do fantástico, de Francesco Stella
304
306
9
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S
E
CIDADES
393
393
398
403
407
411
415
419
A cultura das escolas e dos mosteiros
A poesia religiosa, de Francesco Stella
Teologia, mística e tratados religiosos, de Irene Zavattero
A predicação e as artes praedicandi, de Silvia Serventi
$KDJLRJUDÀDde Pierluigi Licciardello
Visões do além, de Giuseppe Ledda
A poesia didatica, enciclopédica e alegórica, de Francesco Stella
Cartas de amor, de Francesco Stella
424
424
428
433
436
440
448
452
457
461
469
475
As cortes, as cidades, as nações: a caminho das literaturas europeias
Géneros da literatura latina da Idade Média: fábula e sátira, de Roberto Gamberini
Poesia latina e poesia goliarda, de Francesco Stella
A historiografía, de Pierluigi Licciardello
A poesia épica latina, de Roberto Gamberini
A poesia épica em vulgar, em França e na Europa, de Paolo Rinoldi
A literatura de viagens, de Francesco Stella
As formas do conto breve, de Daniele Ruini
Maria de França, de Giuseppina Brunetti
O romance, de Giuseppina Brunetti
Chrétien de Troyes, de Giuseppina Brunetti
A lírica, de Giuseppina Brunetti
486
486
490
Teatro
Ofício litúrgico e teatro religioso, de Luciano Bottoni
O teatro clássico: receção e comentário,
de Luciano Bottoni
497
ARTES VISUAIS
499
Introdução, de Valentino Pace
506
506
Os espaços arquitetónicos
Génese e desenvolvimento dos novos espaços sagrados da Europa cristã, de Luigi
Carlo Schiavi
O espaço sagrado da ortodoxia, de Andrea Paribeni
Portas e portais de entrada nos espaços eclesiásticos, de Giorgia Pollio
Os espaços do poder (eclesiástico e laico), de Luigi Carlo Schiavi
527
534
540
544
544
572
581
581
588
Os programas de imagem
2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDFULVWmQD(XURSDPRVDLFRVSLQWXUDVHVFXOWXUDV
vitrais, pavimentos, livros), de Alessandra Acconci
2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDRUWRGR[Dde Francesca Zago
Os instrumentos da liturgia e os símbolos do poder
O mobiliário eclesiástico (frontais, cátedras, cibórios, púlpitos, círios), de Manuela
Gianandrea
Os símbolos do poder no Ocidente, de Alessandra Acconci
10
XXXXXXX
594
Os símbolos do poder no Oriente, de Andrea Paribeni
601
601
603
606
609
611
617
620
624
629
Os territórios e as cidades
6DQWD6RÀDHP&RQVWDQWLQRSODde Francesca Zago
A Rus’: Kiev, Novgorod, Vladimir, de Francesca Zago
A Germânia: Hildesheim, Colónia, Espira, de Luigi Carlo Schiavi
A Inglaterra, de Luigi Carlo Schiavi
A Sicília normanda: Cefalù, Palermo, Monreale, de Manuela De Giorgi
São Marcos em Veneza, de Francesca Zago
A Hispânia: Ripoll, Tahull, Jaca, Bagüés, Leão, de Alessandra Acconci
A França das catedrais : Sens, Laon, Paris, de Luigi Carlo Schiavi
A Terra Santa, de Giorgia Pollio
634
634
641
651
659
As questões
Bizâncio e o Ocidente (Teofânia, Desidério de Monte Cassino, Cluny, Veneza,
Sicília), de Manuela De Giorgi
As vias de peregrinação, de Luigi Carlo Schiavi
A arte e a reforma eclesiástica nos séculos XI e XII, de Alessia Trivellone
A autoconsciência do artista, de Manuela Gianandrea
665
MÚSICA
667
Introdução, de Luca Marconi e Cecilia Panti
669
669
676
680
O pensamento teórico musical
Guido d’Arezzo e a nova pedagogia musical, de Angelo Rusconi
A música na cultura enciclopédica medieval, de Cecilia Panti
Música e espiritualidade feminina: Hildegarda de Bingen, de Cecilia Panti
684
684
A prática musical
Monódia litúrgica e religiosa e primeira polifonia,
de Giorgio Monari
Trovadores, de Giorgio Monari
Troveiros e Minnesänger, de Germana Schiassi
A dança nos séculos XI e XII: dança e religião,
de Stefano Tomassini
A música instrumental, de Fabio Tricomi
Festas e cantos da Sicília normanda, de Roberto Bolelli
,FRQRJUDÀDPXVLFDOArs Musica, a jovem Harmonia,
de Donatella Melini
689
693
701
705
709
713
719
Índice remissivo
733
CRONOLOGIA
11
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S
12
E
CIDADES
HISTÓRIA
HISTÓRIA
13
HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
de Laura Barletta
No século XII, numa crónica de Sigeberto de Gembloux, conta-se que no ano
1000 se deu um terramoto e surgiu um assustador cometa em forma de serpente:
a representação do diabo do Apocalipse de João, encarcerado durante mil anos
HYLQGRSDUDDQXQFLDURÀPGRPXQGR0DOVDELDPRVKRPHQVGRDQRTXH
estavam prestes a viver uma longa e duradoura fase de expansão da sua história.
Na verdade, no início do século XI, a população europeia já está em crescimenWRHFRPHODDXPHQWDPRVQRYRVFHQWURVKDELWDGRVDGHQVLGDGHGHPRJUiÀFD
nas cidades, a superfície de terra cultivada, as atividades artesanais e comerciais,
os mercados, as feiras, as vias de comunicação, os portos, o tráfego marítimo
e a circulação monetária. Estas mudanças não surgem uniformemente por
WRGDD(XURSD²EDVWDSHQVDUQDGLYHUVDFRQÀJXUDomRJHRJUiÀFDHXUEDQD
A Europa
das regiões europeias e na incidência das guerras, invasões ou epidemias –, depois do ano 1000
no entanto, trata-se de uma tendência de fundo da sociedade. Grupos de
camponeses abandonam os territórios dos senhores feudais e deslocam-se
para zonas desabitadas para desbravar e lavrar os terrenos fundando novas alGHLDVDVSRSXODo}HVJHUPkQLFDVH[SDQGHPVHSDUDRULHQWHSDUDDVÁRUHVWDVGH
RQGHWLQKDPPLJUDGRVpFXORVDQWHVRVSRYRVPDULQKHLURVFRPRRVDPDOÀWDQRV
dirigem-se para oriente e para os países árabes, ou, como os venezianos, para
o mundo bizantino, enquanto os frísios e os viquingues rasgam o Báltico e os
grandes rios russos; as zonas pantanosas sofrem grandes obras de melhoramentos e saneamento, surgem novas técnicas e instrumentos náuticos (a bússola, os
portulanos, as cartas náuticas) e agrários (o arado pesado, a ferradura do cavalo,
a rotação trienal das culturas); paralelamente aos bens de primeira necessidade
começam a circular com maior frequência os bens de luxo, como os perfumes,
as especiarias e as pedras preciosas; a produção decompõe-se em fases de manufatura e organiza-se em lojas artesanais; as cidades antigas assumem um novo
papel de centro de produção e de troca, diferente daquele que tiveram no passado enquanto centros de consumo, dando origem a guildas regulamentadas
por estatutos e que acabarão por ter um importante peso económico e político. Aquela que enfrenta o novo milénio é, em suma, uma Europa que se liberta
WDQWRGDH[SHFWDWLYDGHXPÀPSUy[LPRGRWHPSRWHUUHQRFRPRGDVIURQWHLUDV
JHRJUiÀFDVGD$QWLJXLGDGHHGRVOLPLWHVHVWUHLWRVGDVREUHYLYrQFLD
15
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S
E
CIDADES
A Europa política
As chamadas segundas invasões, que nos dois séculos precedentes se prolongaram na Europa, vão-se dissipando e se, ainda no início do século XI, a costa
a norte do Mediterrâneo é alvo do domínio ou da investida dos muçulmanos, a
sua tónica ofensiva enfraquece: a Itália meridional e o Adriático já regressaram
ao controlo do Império Bizantino, que vive uma renovada época de esplendor
cultural, militar e administrativo; na Península Ibérica, os pequenos reinos das
Astúrias e de Navarra e os condados de Castela e de Barcelona consolidam as
suas posições contra o califado omíada de Córdova, cujo desmantelamento
Consolidações
no início do século XI permite a ofensiva cristã. Os húngaros, já submetiterritoriais
dos a Estêvão I (c. 969-1038, rei desde 1000/1001), vão-se radicando nas
terras ao longo do Danúbio, após as derrotas contra os imperadores da
dinastia saxónica e em particular após a batalha de Lechfeld, perto de Augsburgo (955). Os eslavos, já cristianizados no século IX, organizam-se territorialmente e formam reinos e principados que terão uma longa existência nos Balcãs
e na Sérvia, na Polónia, em Kiev. Os normandos, provenientes da península da
Dinamarca e da Escandinávia, já se estabeleceram ao longo da costa atlântica, na
região que virá a chamar-se Normandia, constituindo um ducado vassalo do rei
dos francos Carlos, o Simples (879-929), e, durante o século XI, alcançam provavelmente a costa canadiana, com investidas que continuam as dos séculos IX e X
às ilhas atlânticas e ao longo dos rios russos. Mas, sobretudo, naquela época, instalam-se decididamente na Itália meridional e em Inglaterra: aproNovas conquistas
veitando a luta entre os bizantinos e os lombardos, que solicitam apoios
PLOLWDUHVSDUDRVVHXVFRQÁLWRVORFDLV5REHUWRo Guiscardo (c.1010-1085),
consegue ocupar grande parte da Itália meridional e da Sicília, enquanto
o duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador (c. 1027-1087, rei desde
1066), derrota em Hastings (1066) o exército anglo-saxão de Haroldo e se torna
rei de Inglaterra, criando deste modo, além de outros, os pressupostos para os
FRQÁLWRVVHJXLQWHVHQWUHD)UDQoDHD,QJODWHUUDHPYLUWXGHGDVOLJDo}HVIHXGDLV
TXHXQHPRVGRLVVREHUDQRV1RFHQWURGD(XURSDYmRVHUHGHÀQLQGRUHLQRV
e domínios locais, a partir do condado de Paris, onde, após a crise dinástica que
se seguiu à destituição de Carlos, o GordoUHLGHDVHDÀUPD
solidamente a dinastia capetiana, enquanto em Aix-la-Chapelle acaba de nascer
o Sacro Império Romano-Germânico, em redor do qual se desenrolará grande
parte da história do continente.
O feudalismo maduro
Assim se vão delineando as áreas europeias destinadas a serem protagonistas
QRVDFRQWHFLPHQWRVGRVVpFXORVVHJXLQWHVHHVWDEHOHFHQGRDVEDVHVGRVFRQÁLWRV
HDVUHODo}HVSROtWLFDVGXUDGRXUDV6HSRUXPODGRDJHRJUDÀDSROtWLFDGD(XURSD
com a cristianização e a estabilização de novas populações, tende a estender-se para
16
HISTÓRIA
RULHQWHSRURXWURHVWDFRQÀJXUDomRWRUQDDVHPSUHPDLVGLVWDQWHHGLVWLQWD
GR,PSpULR5RPDQRGR2FLGHQWHFXMDVIURQWHLUDVFRQWLQHQWDLVHVWDYDPÀxadas no Reno e no Danúbio. O sonho da renovatio imperii acalentado pelo Os sonhos imperiais
de Otão III
casamento entre Otão II (955-983, rei desde 973) da Saxónia e a princesa
bizantina Teofânia (c. 955-991, imperatriz de 973 a 983) desvanece-se no
FDUiFWHUDEVWUDWRGDVXDFRQVWUXomRLQWHOHFWXDOHGHÀQLWLYDPHQWHFRPDPRUWHGH2WmR,,,LPSHUDGRUGHVGHÀOKRGRLPSHUDGRUHGH7HRIknia. Inspirado pela teorização da sacralidade do título imperial elaborada pelo seu
precetor Gerberto de Aurillac, que elege papa em 999 com o nome de Silvestre II
(950-1003), Otão III, muito jovem, tem o sonho de reunir sob o império toda a
cristandade, provocando uma viva oposição feudal e nobiliárquica sobretudo na
Alemanha e em Itália, onde a aristocracia romana o obriga a abandonar a cidade para morrer no ano seguinte, sem herdeiros, no convento de Monte Soratte.
No confronto entre o ideal de um império universal, ainda presente nos primeiros séculos do novo milénio, e a concretização do poder territorial prevalece
este último, e a capacidade de o feudalismo responder às exigências contemporâneas como modalidade de reorganização do poder público, a sua propagação,
o seu profundo enraizamento em todos os aspetos da vida quotidiana são demonstrados pela ampla persistência do direito feudal em contextos muito diverVRVTXDQGRRVHXSDSHOSROtWLFRMiVHHVJRWDUDDWpDRÀPGD,GDGH0RGHUQDH
em alguns países, até mais tarde. O feudalismo atinge nos séculos XI e XII a
sua idade mais madura, de tal modo que, enquanto alguns historiadores
IDODPGHXPVHJXQGRIHXGDOLVPRRXWURVDÀUPDPTXHDSHQDVQRVSUL- Um feudalismo mais
sistemático
meiros séculos do segundo milénio se assiste a uma idade propriamente feudal. De facto, se a hereditariedade nos feudos maiores foi validada
por Carlos, o Calvo (823-877, imperador desde 875), na capitular de Quierzy
(877), é apenas em 1037 que se reconhece a dos feudos menores com a Constitutio de feudisGH&RQUDGR,,FLPSHUDGRUGHVGH$VHVWUDWLÀFDções feudais tornam-se mais densas, a fragmentação territorial diminui, cresce
a feudalização de funções e jurisdições públicas, nasce a feudalidade ministerial
e eclesiástica que estará frequentemente em competição com a da aristocracia,
consolida-se a tendência para a formalização das relações. Isto faz do feudalismo
um verdadeiro sistema social, económico e político que, juntamente com a relativa continuidade da organização do poder público nas cidades-sedes episcopais
e na enorme quantidade de pequenos centros de poder em torno dos castelos,
conduz às extremas consequências o particularismo que o costume germânico
GDGLYLVmRKHUHGLWiULDGRVEHQVHQWUHÀOKRVMiLQLFLDUD
Novas regras para a sociedade
É precisamente o contínuo confronto e a recomposição das diversas instâncias particularistas, juntamente com a persistência da ideia de um ordenamen-
17
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S
E
CIDADES
to político universal, que constitui o complexo cenário, onde coexistem tanto a
violência generalizada e a preeminência do elemento militar em relação à esfera
política, como uma renascida tendência para a formação de regras capazes de
WUDYDUHPDFRQÁLWXDOLGDGHGHVDUWLFXODGDGDVRFLHGDGHUHJUDVFRPRDVWUpJXDV
de Deus (suspensão das operações militares ordenadas pelas autoridades eclesiásticas de quarta-feira à tarde até segunda-feira de manhã e nos dias feriados)
instituídas nos concílios de Arles (1037-1041) ou relativas à cavalaria, decretadas
QRÀQDOGRVpFXORXI no Liber de Vita Christiana, de Bonizone di Sutri, que, a partir, não por acaso, de França e com o apoio da Igreja, favorecem a estabilização
da sociedade, fornecem um quadro de referência às orlas mais agitadas, difundem uma ética que exalta a justiça, a defesa dos mais fracos e os ideais cristãos.
Neste contexto de desenvolvimento civil não é surpreendente o papel mais
interventivo da mulher, quer nos mosteiros quer na vida política e social, uma
maior atenção aos jogos e ao ócio, uma vida social mais intensa e uma nova
difusão da alfabetização e da cultura. A partir do século XI aumenta a disponibilidade dos textos clássicos – já em circulação desde o século VIII –
Novo impulso para o sobretudo em traduções do greco, do árabe e do hebraico, aumentam os
estudo dos clássicos leitores, multiplicam-se os comentários nas margens dos livros, sinal de
um novo interesse pelo seu conteúdo, os mosteiros tornam-se locais de
HVWXGRDEHUWRVDRVMRYHQVHDÀUPDPVHFRPRDVSULPHLUDVXQLYHUVLGDGHV
laicas, a de Bolonha para o direito, Paris para a teologia. E o direito começa a assumir particular relevo para regulamentar as componentes económicas, políticas
e religiosas cada vez mais complexas da sociedade. Paralelamente à continuidade
de uma variedade de ordenamentos jurídicos que se justapõem e sobrepõem e
de um direito pessoal que varia conforme a etnia, a proveniência, o status, a condição e as tradições, desenha-se a formação de um direito comum sustentado
pela ciência dos juristas e fundado na compilação justiniana. Uma necessidade
não diferente de clareza e de uniformidade leva à formação de um direito canónico distinto da teologia, com base numa recolha de textos do Velho e do Novo
Testamento e dos padres da Igreja, de fragmentos de direito romano, de cânones
conciliares e decretos pontifícios, efetuada pelo monge Graciano (século XII) por
volta de 1140. O regresso a uma romanidade recuperada através do direito está
também na base de uma primeira laicização da política, cujos sinais podem ser
LGHQWLÀFDGRVQDVFRPXQDVHP,WiOLDRQGHDÀJXUDFHQWUDOGRELVSRYDLSHUGHQdo centralidade e as instituições políticas se referem à idade da res publica romana.
Renovação religiosa e reforma da Igreja
Neste contexto dominado pelo particularismo, mas percorrido pela busca de
perspetivas mais seguras e amplas, insere-se igualmente a tendência para a renovação religiosa e a reforma da Igreja. Um clero dedicado à simonia e ao concubinato não parece responder à sua função de ligação com o além e, por outro
18
HISTÓRIA
ODGRXPDVRFLHGDGHTXHFUHVFHHVHGLYHUVLÀFDH[LJHXPFRUSRHFOHVLiVWLFR
PDLVHVSHFLDOL]DGRHPDLVEHPGHÀQLGR2VQRYRVPRYLPHQWRVUHOLJLRsos, apesar das suas diferenças, mostram em substância um elemento co- O regresso às origens
mum na aspiração à simplicidade evangélica, muitas vezes à pobreza dos
primeiros tempos, e uma adesão ao plano natural que pode chegar até ao
respeito pela vida de todos os seres e também à abolição das hierarquias e
dos sacramentos e a reivindicações sociais e políticas. Patarinos, cátaros, valdenses, umiliatas, «maniqueístas» da Aquitânia, cânones de Orleães, hereges de Arras,
hereges de Monforte e muitos outros permanecem por um tempo mais ou menos longo entre a ortodoxia e a heresia. De resto, muitas das suas preocupações
são comuns aos movimentos reformadores que agem no interior da Igreja: basWDSHQVDUQDIXQGDomRGHPRVWHLURVFRPRREMHWLYRGHÀ[DUPXLWRVPRQJHV
itinerantes para os controlar, para uniformizar a sua doutrina e para lhes
UHWLUDUDLQÁXrQFLDPXQGDQDDFRPHoDUSHORGH&OXQ\TXHQDVFH Mosteiros e monges
inclusivamente com o objetivo de libertar a Igreja das ingerências aristocráticas, passando pelo primeiro mosteiro valombrosano (1115), pelo
dos cistercienses em Citeaux (1098) ou ainda pelo de Prémontré, para citar
apenas alguns dos mais destacados. O resultado nem sempre será duradouro,
os próprios mosteiros cluniacenses, inspiradores da reforma, verdadeiras forjas
de personalidades políticas e religiosas, são por sua vez alvo de severas críticas e
novas ordens religiosas virão impor uma disciplina mais rigorosa.
Estas tentativas inserem-se na tendência para devolver dignidade ao clero
pela moralização dos seus costumes e prestígio ao papado com a eliminação das
LQWULJDVURPDQDVHGDLQÁXrQFLDGRLPSHUDGRUQRkPELWRGHXPYDVWRGHVtJQLR
destinado a separar a rede de interesses entre laicos e eclesiásticos, a distinguir a
esfera religiosa da esfera secular, a reorganizar o clero e sobretudo a garantir
a primazia da Igreja sobre qualquer poder terreno em virtude da sua missão de salvação. O movimento de reforma é favorecido pelo imperador
Império e reforma
Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), que solicita a Clemente II (papa de 1046 a 1047) que condene a simonia no Concílio de Sutri
(1046) e desempenha um papel determinante na nomeação para papa de
Bruno, bispo de Toul (1049), que, com o nome de Leão IX (1002-1054, papa
desde 1049), chama a Roma os principais reformistas, entre eles Pedro Damião
(1007-1072) e Hildebrando de Sovana (c. 1030-1085, papa desde 1073 com o
nome de Gregório VII). Esta Igreja forte, que deseja o primatus Pietri e a libertas
ecclesiae romanae, rompe, em 1054, todas as relações com a Igreja grega do patriarca Miguel Cerulário (c. 1000-1058) e, após a morte de Henrique III, durante
a regência de sua mulher Inês de Aquitânia (1025-1077), promulga, em 1059, o
decreto que retira a eleição do papa do controlo imperial, particularmente urgente após a introdução, no século anterior, do privilegium othonis. A assunção do
poder imperial em 1066 por Henrique IV (1050-1106, imperador de 1084 a
19
I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S
E
CIDADES
1105) assume uma substancial reviravolta nas relações de força entre o papa e
o imperador, obrigado a combater a usurpação de prerrogativas imperais por
duques e príncipes alemães apoiados por senhores feudais menores. É durante
esta luta que Gregório VII promove um concílio que, em 1075, além de reforçar
a condenação da simonia e do concubinato, introduz a interdição da investidura
de eclesiásticos pelos laicos, enquanto num texto contemporâneo de 27 máximas, conhecido como Dictatus Papae, se decreta o primado do bispo de Roma,
com legitimidade para destituir o imperador. Esta escolha abre o caminho à luta
SHODLQYHVWLGXUDHDRFRQVHTXHQWHFRQÁLWRVHFXODUHQWUHD,JUHMDHR(VWDGR1R
ano seguinte, concluída vitoriosamente na Alemanha a prova de força contra o
feudalismo alemão, Henrique IV, no sínodo de Worms de 1076, destitui o papa
TXHSRUVXDYH]RGHVWLWXLHH[FRPXQJDGLVVROYHQGRRYtQFXORGHÀGHOLGDGHDR
imperador da aristocracia alemã, cujas franjas rebeldes convocam uma assembleia
em Augsburgo (1077) para o avaliar. A Penitência de Canossa (1077), a vitória
na Alemanha em 1080 contra Rodolfo, duque da Suábia, e os senhores feudais
rebeldes, a expedição em 1081 a Itália contra as tropas da condessa Matilde
(c. 1046-1115) e o cerco e tomada de Roma em 1084 representam as etapas de
um confronto que termina com a morte de Gregório VII em 1085, em Salerno,
onde se refugiara junto dos normandos de Roberto, o Guiscardo. A luta pelo poder terminará com a concordata de Worms (1122) entre Calisto II (c. 1050-1124,
papa desde 1119) e Henrique V (1081-1125, imperador desde 1111).
O cristianismo em expansão
Apesar destes contrastes, a renovação ideológica e política da Igreja mostra
toda a sua força com Urbano II (c. 1035-1099, papa desde 1088) na organização – obra do delegado pontifício Ademar, bispo de Puy – da primeira cruzada,
iniciada em 1096 e concluída vitoriosamente no verão de 1099 com a conA primeira cruzada e quista de Jerusalém, entendida como uma peregrinação aos lugares santos
a conquista
e que mobiliza uma vasta massa de penitentes e de militares, na maioria
de Jerusalém
FDYDOHLURVMRYHQVFRPDQGDGRVSRUFKHIHVORUHQRVIUDQFHVHVÁDPHQJRV
e normandos, como Godofredo de Bulhão – futuro rei de Jerusalém –,
o seu irmão Balduíno de Bolonha, Raimundo de Tolosa, Hugo de Vermandois, Roberto II da Normandia, Roberto II da Flandres, Tancredo e Boemundo de Altavila, na busca de novos horizontes espirituais, políticos e comerciais.
Além da explosão da religiosidade, também existe uma relação das cruzadas com a aceleração nos processos de expansão das atividades das cidades costeiras italianas, como Génova e Pisa, que praticam uma política agressiva
contra os muçulmanos, expulsos pelas armas da Córsega e da Sardenha.
Expansão
Veneza, por sua vez, com as diretrizes favoráveis do imperador Aleixo
do cristianismo
I Comneno (1048/1057-1118), assume um papel determinante no comércio do Adriático, do Jónico e do Egeu, sob controlo bizantino. Mas
20
HISTÓRIA
naqueles anos toda a cristandade se expande. Em Espanha, Rodrigo Díaz,
chamado El Cid (1043-1099), participa na conquista de Toledo (1085) e, alguns
anos depois, em 1118, Afonso I de Aragão (c. 1073-1134, rei desde 1104) entra
em Saragoça, enquanto no Oriente se formam, após a conquista de Jerusalém,
pequenos estados cruzados de tipo feudal, como o reino da Arménia Menor, o
condado de Edessa, o principado de Antioquia, o condado de Trípoli, além do
próprio reino de Jerusalém. São instituídas também ordens religiosas militares,
criadas para defender os locais santos, mas presentes onde quer que exista uma
OXWDFRQWUDRVLQÀpLVRIHUHFHQGRRFDVLmRGHJOyULDHHQULTXHFLPHQWR1RVpFXOR
XII continuará uma segunda e uma terceira cruzada, em que participarão os soberanos europeus, sem sucesso.
As autonomias municipais e o império
A vitalidade europeia manifesta-se igualmente na nova conceção das comunas que, na Itália setentrional, procuram fazer valer as suas autonomias. É sobretudo na última parte do século XI que as comunas começam a assumir uma
organização institucional com base nas assembleias citadinas, chamadas arengo
RXSDUODPHQWRTXHHOHJHPRVPDJLVWUDGRVDTXHPFRQÀDPWHPSRUDULDPHQWH
por seis meses ou um ano, as funções de governo, e nos conselhos (o conselho
maior e o conselho de credenzaFRPIXQo}HVFRQVXOWLYDV1DHVWUDWLÀFDomRVRFLDO
GDVUHDOLGDGHVFRPXQDLVFRQÀJXUDVHXPDGLVWLQomRHQWUHJUDQGHVVHQKRUHV
(nobres, senhores feudais urbanos e burgueses ricos), povo (banqueiros e
grandes comerciantes), povo miúdo (artesãos e comerciantes) e a plebe O sistema comunal
sem direitos políticos (servos e assalariados). A complexa articulação do e os conflitos sociais
sistema comunal, caracterizado pelo recurso a uma forma associativa para
FDGDJUXSRVRFLDOFRPSRUWDXPDLPSRUWDQWHFRQÁLWXDOLGDGHSROtWLFDUHODWLvamente aos grupos hegemónicos e em particular aos grandes senhores de que
RVPDJLVWUDGRVDFDEDPSRUVHUDH[SUHVVmR2TXHMXVWLÀFDQRÀQDOGRVpFXORXII,
a tendência das comunas para recorrerem a órgãos de governo abstratamente
neutrais, como as podestades, verdadeiras especialistas da política, escolhidas entre estrangeiros sem vínculo aparente aos grupos hegemónicos.
As comunas italianas assumem um papel particularmente relevante na relação
com o império, sobretudo com Frederico, Barba-Ruiva (c. 1125-1190), que assume o poder em 1152 e tem de combater repetidamente em Itália para reativar a
autoridade imperial contra ligas capazes de criar uma resistência razoável, como
a da Marca de Verona por ocasião da terceira invasão da Itália (1163-1164), ou
da Liga Lombarda por ocasião da quarta (1166-1168) e da quinta (1174-1178).
Frederico não menospreza nem a via militar, nem os canais diplomáticos, nem
os acordos dinásticos, como é tradição [em 1178, em Arles, é coroado rei da
Borgonha depois de casar com Beatriz em 1156, mas, por ocasião da sexta invaVmRGD,WiOLDHQWUHHDOLDVHjFRPXQDGH0LOmRRQGHRÀOKR+HQUL-
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As comunas
e o império
E
CIDADES
que VI (1165-1197, imperador desde1191) é coroado rei de Itália e se casa com
Constança de Altavila (1154-1198), ganhando assim os direitos hereditários sobre
a Itália meridional], mas introduz uma novidade a favor do seu desígnio
SROtWLFRXPDFLrQFLDFLYLOHQHXWUDGHÀQLGDFRPRMXUtGLFDeQRGLUHLWR
romano, na sabedoria jurídica de Bulgarus, Martinus, Jacobus e Hugo,
todos discípulos de Irnerius, que, na segunda assembleia de Roncaglia
RLPSHUDGRUSURFXUDXPDMXVWLÀFDomRTXHOKHSHUPLWDGHYROYHUj
coroa regalias imperiais por parte das comunas. O recurso a esta neutralidade laica é reiterado por Frederico no seu desejo de impor um poder imperial
às comunas rebeldes, e volta a surgir quando, entre 1178 e 1180, o imperador
promove, primeiro perante o tribunal palatino e depois perante os príncipes da
Saxónia, o processo de Henrique, o Leão (c. 1130-1195), acusado de ter negado
ajuda militar em Itália durante a quinta invasão.
O século XII termina com as mortes súbitas de Henrique VI e de ConstanoDGH$OWDYLODHDVXELGDDRSRQWLÀFDGRHPGH,QRFrQFLR,,,
papa desde 1198), que teoriza a superioridade do poder espiritual sobre o político
e encontra espaço para a conceção teocrática do poder na fraqueza do império,
onde o provável herdeiro Frederico II (1194-1250, imperador desde 1120) é conÀDGRjVXDWXWHODHQRFRQÁLWRHQWUHDPRQDUTXLDLQJOHVDGH-RmR,GH,QJODWHUUD
(1167-1216, rei desde 1199) e a França de Filipe II (1165-1223, rei desde 1180).
22
HISTÓRIA
OS ACONTECIMENTOS
O CISMA DA IGREJA DO ORIENTE
de Marcella Raiola
As duas sedes relevantes da cristandade ocidental e oriental, Roma e Bizâncio,
SHUDQWHXPFRPSOH[RGHVDÀRKLVWyULFRSROtWLFRHGHWUDQVIRUPDomRLQVWLWXFLRQDO
atingem, no século XIXPDLUUHYHUVtYHOVHSDUDomRGHFXOWRGRXWULQDOHSROtWLFD
A questão do Filioque e o proselitismo cristão no tempo de Fócio
$SURJUHVVLYDVHSDUDomRWRUQDGDDUWLÀFLDOPHQWHLUUHYHUVtYHOHQWUHD,JUHMD
do Oriente e a Igreja do Ocidente está em correspondência biunívoca com as
respetivas aspirações à instauração de uma teocracia que, claramente, não podia deixar de assumir conotações de universalidade e, portanto, de unicidade e
XQLYRFLGDGHGHFXOWR$VFLUFXQVWkQFLDVTXHOHYDPHPjUXWXUDGHÀQLWLYD
entre as duas Igrejas e as mais ou menos infundadas divergências doutrinais que
FRQVWLWXHPDPRWLYDomRRÀFLDOHQFRQWUDPDVXDJpQHVHQRFRQIURQWRMiHVERoDdo dois séculos antes entre as duas sedes. O patriarca Fócio (c. 820-c. 891), não
reconhecido pelo dinâmico Nicolau I (810/820-867, papa desde 858), que reivindicava a anterioridade e a primazia do poder espiritual naquelas perturbações
perante a pretensa subordinação dos descendentes de Carlos Magno (742-814,
rei desde 786, imperador desde 800) (em 824 fora emitida a Constitutio Romana,
TXHREULJDYDRSDSDDMXUDUÀGHOLGDGHDRLPSHUDGRUDQWHVGHVHUFRQVDJUDGR
providencia uma excomunhão do papa com o pretexto da fórmula do Credo
adotada em Roma, que fazia descer o Espírito não só do Pai, segundo o princípio conciliar niceno (saído do concílio de 325), mas do Pai e do Filho (daqui a
referência ao motivo da disputa como a «questão do Filioque»). Fócio tencionava
reverter as relações de força entre o império cesaropapista e o patriarcado. Por
isso, em 870, é destituído.
(PMRJRQRHQWDQWRHVWDYDWDPEpPRDODUJDPHQWRGDLQÁXrQFLDRULHQWDODRV
povos eslavos, então objeto de conquista e conversão forçada tanto por parte
dos francos, que agiam em nome da Igreja de Roma, como por Bizâncio. O rei
búlgaro Bóris (?-907, rei desde 852 até 889), de facto, já estreitara relações diplomáticas com Roma para evitar submeter-se ao patriarcado de Constantinopla, ao
qual a Igreja búlgara, contudo, permanece submissa mesmo após o afastamento
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CIDADES
de Fócio, por vontade de Basílio I (c. 812-886), com o objetivo de restabelecer
as relações com o papado.
Pselo contra
Cerulário
Oriente
contra
Ocidente
Protagonistas e implicações da separação
Além da questão dogmática do Filioque, o Oriente e o Ocidente divergem
também em relação à adoção de práticas de culto, modelos litúrgicos e estatutos disciplinares. Em particular o Ocidente não consente o matrimónio dos clérigos, enquanto o Oriente, na celebração da Eucaristia, só aceita o uso de ázimos,
ou seja, de pão não levedado. O cisma de 1054 tem como protagonista Miguel
Cerulário (c. 1000-1058), colocado no trono patriarcal de Bizâncio pelo fraco
Constantino IX Monómaco (c. 1000-1055), em março de 1043.
O imperador não consegue travar nem orientar as forças dispersas do reino;
HPERUDSRXFRGDGRjUHÁH[mRHVSHFXODWLYDHVHPWDOHQWRRUDWyULRDSUR[LPDVH
dos mecenas e rodeia-se de numerosos intelectuais «laicistas», entre os quais
VHGHVWDFD0LJXHO3VHORFKDPDGRR©F{QVXOGRVÀOyVRIRVª
cronista deste tumultuoso período e funcionário imperial sem escrúpulos,
além de «adversário» natural e pessoal de Cerulário. A clara vitória deste
último provocaria uma reviravolta nas relações entre o império e o patriarcado, libertando a Igreja do pesado jugo da tutela imperial e determinando, no
entanto, o reforço das forças centrífugas em ação nas várias regiões do império.
2GRPtQLREL]DQWLQRQD,WiOLDPHULGLRQDOLQHYLWDYHOPHQWHÀHODRSDSDGHsaparece a partir do cisma.
6LJQLÀFDWLYDPHQWH3VHORHVFUHYHTXH&HUXOiULRGHPRQVWUDUDTXHD©GLJQLGDGH
bispal prevalecia sobre a púrpura imperial» (Michelle Psello, Epistola a M. Cerulario, editado por Ugo Criscuolo, 1990).
É óbvio que a responsabilidade da rutura não recai exclusivamente
VREUHHVWDSHUVRQDJHPLQFyPRGDVmRDQWHVRVODWLQRVDDPSOLÀFDUHD
enfatizar os efeitos políticos da fratura, ainda que reconhecendo quase
RÀFLDOPHQWHPHVPRGpFDGDVGHSRLVGRFLVPDDLQH[LVWrQFLDGHFRQFUHWDV
e incuráveis divergências teológicas e litúrgicas.
No trono pontifício estava, na época, Leão IX (1002-1054, papa desde 1049),
que, através do «diplomático» Argiro, impopular para Cerulário e apreciado por
Monómaco, patrocina um acordo entre o papado e Bizâncio em função antinormanda (foi prisioneiro dos normandos em 1053) e antigermânica – devia a
sua eleição a Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), mas desejava a
emancipação, antecipando o espírito que daria lugar ao Dictatus Papae, criado por
*UHJyULR9,,FQRSRQWLÀFDGRGHD
Cerulário envia uma carta dogmática bastante provocatória ao bispo de Trani,
SDUDTXHDWUDQVPLWDDRSDSDHjTXHOHVTXHGHVGHQKRVDPHQWHGHÀQHFRPR©RV
sacerdotes dos francos», chamados a emendarem-se e a abraçarem a ortodoxia.
No cabeçalho, Cerulário proclama-se «patriarca ecuménico», epíteto inaceitável
24
HISTÓRIA
para o papa, que, na sua resposta, reitera as posições já defendidas em 1049
no concílio de Reims – onde postulou a exigência de que o atributo da
«Os sacerdotes
universalidade fosse exclusivamente aplicado à Igreja de Roma – e declados francos»
ra ilegítima e insolente a pretensão de uma igualdade entre Bizâncio e a
sede romana, verdadeira caput et mater ecclesiarum.
Uma outra carta vem dirigida a Constantino IX, brando mediador entre
os dois, provavelmente pouco consciente da gravidade da rutura em curso. Humberto de Moyenmoutier (1000-1061), conde de Silva Candida, intransigente e
impetuoso delegado papal, que já traduzira para Leão IX a epístola de Cerulário
para latim, não sem acentuar, obviamente, o seu tom polémico e provocatório,
é encarregado de levar a missiva aos destinatários.
Teria sido inteligente manter uma abordagem cautelosa, especialmente depois
da morte repentina de Leão, mas talvez por já não ter de prestar contas ao papa,
Humberto, sua auctoritateHQWUDHP6DQWD6RÀDDGHMXOKRGHSRVLWDQGRQRDOtar, durante um rito solene, uma bula de condenação e excomunhão de Cerulário, onde argumenta que o anátema não procede do papa e prefere evitar atos de
represália, interessado em tirar proveito da indignação do seu povo e da reclamaomRGRV©ÀOyVRIRVªGDFRUWHTXHVmRREULJDGRVjWRQVXUDHjFRQYHUVmRIRUoDGD
No entanto, o episódio tem graves repercussões no mundo latino. Com efeito, o novo papa Nicolau I (c. 980-1061, papa desde 1058) reconhece, em 1059,
ao normando Roberto, o Guiscardo (c. 1010-1085), a soberania nas terras itálicas
controladas até há pouco tempo por Bizâncio (Apúlia, Calábria, Sicília – a retirar aos muçulmanos – e Cápua).
Como no tempo de Teodorico (c. 451-526, rei desde 474), a Igreja de Roma
prefere acordos com bárbaros de ritual latino em vez de ceder às chantagens dos
«heréticos» de Bizâncio. Nos séculos seguintes, os imperadores bizantinos
procurarão compor a disputa, mas a orientação claramente monárquica da
Entre bárbaros
Igreja romana a partir do século XI frustraria qualquer tentativa de reae heréticos
proximação, dando argumentos aos teólogos bizantinos para levantarem
acusações de heterodoxia contra os papas, que, com o aumento dos poderes temporais e do património eclesiástico, abandonavam claramente antigas
decisões conciliares, que previam uma administração policêntrica e colegial da fé
cristã, provenientes das sedes de Antioquia, Roma, Jerusalém e Constantinopla.
A neutralização do poder teocrático. Cisma irreversível
Miguel Cerulário permanece o protagonista dos anos que se seguiram ao
FLVPDTXHDXPHQWRXLQXVLWDGDPHQWHDVXDLQÁXrQFLD'HSRLVGHIRPHQWDUXPD
insurreição popular contra Miguel VI (?-1059, imperador de 1056 a 1057), com
o claro objetivo de instaurar uma espécie de hierocracia, o ambicioso patriarca é levado a legitimar a ascensão de Isaac (c.1007-c.1060, imperador de 1057 a
1059), que percebe o perigo e o manda prender (1058) com a intenção de o acu-
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CIDADES
sar formalmente num sínodo que seria organizado na Trácia, longe de Bizâncio.
No entanto, Cerulário morre subitamente. Segundo as obras de Pselo, Isaac não
tinha feito mais do que levar a cabo um plano que a corte manobrava há anos
contra o poderoso prelado.
O cisma deve, portanto, considerar-se como a projeção, no plano religioso, do profundo fosso histórico e ideológico que se tinha vindo a criar entre as
duas sedes. As esperanças de curar esta ferida serão ainda mais diminutas em
1024, durante a quarta cruzada, quando os venezianos de Enrico Dandolo (c.
1107-1025) submetem Bizâncio a um tremendo saque e instauram o chamado
«Império Latino».
V. também:
5HLQRVGHWDLIDVRV(VWDGRVPXoXOPDQRVQD3HQtQVXOD,EpULFDS
2HVSDoRVDFURGDRUWRGR[LDS2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDRUWRGR[DS
6DQWD6RÀDHP&RQVWDQWLQRSODS
%L]kQFLRHR2FLGHQWH7HRIkQLD'HVLGpULRGH0RQWH&DVVLQR&OXQ\9HQH]D6LFtOLDS
A L U TA P E L A I N V E S T I D U R A
de Catia Di Girolamo
$,JUHMDHRLPSpULRSRVLFLRQDPVHFRPRSRGHUHVYLUWXDOPHQWHDODUJDGRVDWRGRR
mundo cristão medieval. Os seus papéis são aparentemente claros: primeiro, o guia
HVSLULWXDOGHSRLVDSROtWLFD2VHTXLOtEULRVUHDLVHQWUHRVSRGHUHVWRGDYLDUHÁHWHPVH
sobretudo nas exigências do local e do momento e nas personalidades que, com mão
PDLVRXPHQRVÀUPHVHFRORFDPjFDEHoDGD,JUHMDHGRLPSpULRERDSURYDGLVWR
será a questão da investidura episcopal, com a qual se cruza, nos séculos XI e XII, a
do primado romano sobre a cristandade.
Os contornos do problema
No limiar do século IX, o imperador assume uma posição de força em relaomRDRSDSDVmROKHFRQÀDGRVRJRYHUQRHDGHIHVDGDChristianitas, em que o
SRQWtÀFHWHPVREUHWXGRDIXQomRGHJDUDQWLUDSURWHomRGLYLQD
No entanto, muito antes da fundação imperial, já o alto clero exercia funções de governo local e, por isso, os próprios imperadores, a partir de Carlos
Magno (742-814, rei desde 768, imperador desde 800), valem-se dessa colaERUDomRGHELVSRVHDEDGHVDÀUPDQGRRVVHXVFDUJRVGHFRPDQGRHIDYRUHcendo-lhes a autonomia perante a instituição da imunidade. Deste modo, os
soberanos pretendem ainda fazer oscilar a força dos poderosos laicos através
de uma aristocracia diferente, munida de melhores instrumentos culturais, do-
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IDADE MÉDIA