XXXXXXX I DA D E MÉDIA C AT E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES DIREÇÃO U M B E RTO E CO Tradução Is a be l Br a n co Ca r los Abo im de Brit o Ca r los Ma n ue l Oliveira 5 XXXXXXX ÍNDICE 13 HISTÓRIA 15 23 23 26 30 34 38 41 44 49 53 57 Introdução, de Laura Barletta Os acontecimentos O cisma da Igreja do Oriente, de Marcella Raiola A luta pela investidura, de Catia Di Girolamo A política dos papas, de Ivana Ait A criação e a expansão das comunas, de Adrea Zorzi A concorrência entre as repúblicas marítimas, de Catia Di Girolamo Guelfos e gibelinos, de Catia Di Girolamo As cruzadas e o reino de Jerusalém, de Franco Cardini Frederico, Barva-Ruiva e a terceira cruzada, de Franco Cardini O aparecimento das ordens de cavalaria, de Barbara Frale A Reconquista, de Claudio Lo Jacono 61 61 64 68 71 76 85 91 94 98 101 104 107 111 115 118 122 128 Os países O Estado da Igreja, de Ivana Ait O Sacro Império Romano-Germânico, de Giulio Sodano Cidades e principados da Germânia, de Giulio Sodano A França capetiana, de Fausto Cozzetto O reino de Inglaterra, de Renata Pilati Os países escandinavos, de Renata Pilati Os normandos na Itália meridional e na Sicília, de Francesco Paolo Tocco Reinos e principados russos, de Giulio Sodano A Polónia, de Giulio Sodano A Hungria, de Giulio Sodano A Península Balcânica, de Fabrizio Mastromartino As comunas, de Andrea Zorzi Os reinos cristãos da Hispânia, de Massimo Pontesilli Reinos de taifas: os Estados muçulmanos na Península Ibérica, de Claudio Lo Jacono As repúblicas marítimas, de Catia Di Girolamo O império bizantino: a dinastia dos Comneno, de Tommaso Braccini O reino de Jerusalém e os feudos menores, de Franco Cardini 134 134 138 141 A economia 2FUHVFLPHQWRGHPRJUiÀFRHDXUEDQL]DomRde Giovanni Vitolo A extensão de terras cultivadas e a economia rural, de Catia Di Girolamo Mercados, feiras, comércio e vias de comunicação, de Diego Davide 7 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES 145 150 153 O tráfego marítimo e os portos, de Maria Elisa Soldani O crédito e a moeda, de Valdo d’Arienzo A expansão das manufacturas e as corporações de ofícios, de Diego Davide 158 158 162 165 169 174 178 181 190 195 224 A sociedade O feudalismo, de Giuseppe Albertoni A cavalaria, de Francesco Storti A burguesia (comerciantes, médicos, juristas, notários), de Ivana Ait Os judeus, de Giancarlo Lacerenza Os pobres, os peregrinos e a assistência, de Giuliana Boccadamo Bandidos, piratas e corsários, de Carolina Belli Os missionários e as conversões, de Genoveffa Palumbo Ordens religiosas, de Anna Benvenuti Aspirações de reforma da Igreja e heresias nos primeiros dois séculos depois do ano 1000, de Giacomo Di Fiore A instrução e os novos centros de cultura, de Anna Benvenuti O renascimento da ciência jurídica e a génese do direito comum, de Dario Ippolito A vida religiosa, de Errico Cuozzo O cavalo e a pedra: a guerra na era feudal, de Francesco Storti O poder das mulheres, de Adriana Valerio Festas, jogos e cerimónias na Idade Média, de Alessandra Rizzi A vida quotidiana, de Silvana Musella 231 FILOSOFIA 233 Introdução, de Umberto Eco 237 237 243 251 256 259 263 268 271 274 279 A retoma da Europa e o desenvolvimento do saber Anselmo de Cantuária: pensamento, lógica e realidade, de Massimo Parodi Pedro Abelardo, de Claudio Fiocchi João de Salisbúria e a conceção do poder, de Stefano Simonetta As disputas eucarísticas, de Luigi Cataloni A Escola de Chartres e a redescoberta de Platão, de Luigi Cataloni Os mestres de São Vítor e a teologia mística, de Luigi Cataloni Intérpretes e formas da literatura teológica no século XII, de Luigi Cataloni «Anões aos ombros de gigantes», história de um aforismo, de Umberto Eco Mulheres intelectuais, de Claudio Fiocchi 3HFDGRHÀORVRÀDde Carla Casagrande 287 CIÊNCIA E TECNOLOGIA 289 Introdução, de Pietro Corsi 202 205 209 213 217 221 8 XXXXXXX 293 293 297 299 304 Ciências matemáticas Astronomia e religião: o controlo do tempo, de Giorgio Strano Cultura islâmica e traduções latinas, de Giorgio Strano As ciências matemáticas no islão, de Giorgio Strano 309 312 A medicina: saberes do corpo, da saúde e da cura Medicina e doença no Ocidente nos séculos XI e o XII, de Maria Conforti Constantino, o Africano, e a medicina árabe no Ocidente, de Maria Conforti A Escola de Salerno e Articella, de Maria Conforti Rhazes e Cânone, de Avicena, no Ocidente, de Maria Conforti 314 314 319 323 326 Alquimia e química Avicena e a alquimia arábe, de Andrea Bernardoni O acolhimento da alquimia árabe no Ocidente, de Andrea Bernardoni Alquimia e mineralogia bizantina, de Andrea Bernardoni A tradição dos receituários e dos livros para artesãos, de Andrea Bernardoni 330 330 334 337 339 343 Inovações, descobertas, invenções A revolução agrícola, de Giovanni Di Pasquale Novas fontes de energia para o trabalho, de Giovanni Di Pasquale A cidade e a técnica, de Giovanni Di Pasquale $UHÁH[mRVREUHDVDUWHVPHFkQLFDVde Giovanni Di Pasquale Entre o Oriente e o Ocidente, de Giovanni Di Pasquale 350 350 Fora da Europa Ciência e tecnologias na China, de Isaia Iannaccone 357 357 Lapidários e magia Magia e curas mágicas, de Antonio Clericuzio 367 LITERATURA E TEATRO 369 Introdução, de Ezio Raimondi e Giuseppe Ledda 373 373 377 380 384 389 Renascimento e renovação A retórica nas universidades, de Francesco Stella As poetrie em latim da Idade Média, de Elisabetta Bartoli A leitura e o comentário dos clássicos, de Elisabetta Bartoli Primeiros documentos e textos literários nas línguas europeias, de Giuseppina Brunetti A nova literatura do fantástico, de Francesco Stella 304 306 9 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES 393 393 398 403 407 411 415 419 A cultura das escolas e dos mosteiros A poesia religiosa, de Francesco Stella Teologia, mística e tratados religiosos, de Irene Zavattero A predicação e as artes praedicandi, de Silvia Serventi $KDJLRJUDÀDde Pierluigi Licciardello Visões do além, de Giuseppe Ledda A poesia didatica, enciclopédica e alegórica, de Francesco Stella Cartas de amor, de Francesco Stella 424 424 428 433 436 440 448 452 457 461 469 475 As cortes, as cidades, as nações: a caminho das literaturas europeias Géneros da literatura latina da Idade Média: fábula e sátira, de Roberto Gamberini Poesia latina e poesia goliarda, de Francesco Stella A historiografía, de Pierluigi Licciardello A poesia épica latina, de Roberto Gamberini A poesia épica em vulgar, em França e na Europa, de Paolo Rinoldi A literatura de viagens, de Francesco Stella As formas do conto breve, de Daniele Ruini Maria de França, de Giuseppina Brunetti O romance, de Giuseppina Brunetti Chrétien de Troyes, de Giuseppina Brunetti A lírica, de Giuseppina Brunetti 486 486 490 Teatro Ofício litúrgico e teatro religioso, de Luciano Bottoni O teatro clássico: receção e comentário, de Luciano Bottoni 497 ARTES VISUAIS 499 Introdução, de Valentino Pace 506 506 Os espaços arquitetónicos Génese e desenvolvimento dos novos espaços sagrados da Europa cristã, de Luigi Carlo Schiavi O espaço sagrado da ortodoxia, de Andrea Paribeni Portas e portais de entrada nos espaços eclesiásticos, de Giorgia Pollio Os espaços do poder (eclesiástico e laico), de Luigi Carlo Schiavi 527 534 540 544 544 572 581 581 588 Os programas de imagem 2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDFULVWmQD(XURSDPRVDLFRVSLQWXUDVHVFXOWXUDV vitrais, pavimentos, livros), de Alessandra Acconci 2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDRUWRGR[Dde Francesca Zago Os instrumentos da liturgia e os símbolos do poder O mobiliário eclesiástico (frontais, cátedras, cibórios, púlpitos, círios), de Manuela Gianandrea Os símbolos do poder no Ocidente, de Alessandra Acconci 10 XXXXXXX 594 Os símbolos do poder no Oriente, de Andrea Paribeni 601 601 603 606 609 611 617 620 624 629 Os territórios e as cidades 6DQWD6RÀDHP&RQVWDQWLQRSODde Francesca Zago A Rus’: Kiev, Novgorod, Vladimir, de Francesca Zago A Germânia: Hildesheim, Colónia, Espira, de Luigi Carlo Schiavi A Inglaterra, de Luigi Carlo Schiavi A Sicília normanda: Cefalù, Palermo, Monreale, de Manuela De Giorgi São Marcos em Veneza, de Francesca Zago A Hispânia: Ripoll, Tahull, Jaca, Bagüés, Leão, de Alessandra Acconci A França das catedrais : Sens, Laon, Paris, de Luigi Carlo Schiavi A Terra Santa, de Giorgia Pollio 634 634 641 651 659 As questões Bizâncio e o Ocidente (Teofânia, Desidério de Monte Cassino, Cluny, Veneza, Sicília), de Manuela De Giorgi As vias de peregrinação, de Luigi Carlo Schiavi A arte e a reforma eclesiástica nos séculos XI e XII, de Alessia Trivellone A autoconsciência do artista, de Manuela Gianandrea 665 MÚSICA 667 Introdução, de Luca Marconi e Cecilia Panti 669 669 676 680 O pensamento teórico musical Guido d’Arezzo e a nova pedagogia musical, de Angelo Rusconi A música na cultura enciclopédica medieval, de Cecilia Panti Música e espiritualidade feminina: Hildegarda de Bingen, de Cecilia Panti 684 684 A prática musical Monódia litúrgica e religiosa e primeira polifonia, de Giorgio Monari Trovadores, de Giorgio Monari Troveiros e Minnesänger, de Germana Schiassi A dança nos séculos XI e XII: dança e religião, de Stefano Tomassini A música instrumental, de Fabio Tricomi Festas e cantos da Sicília normanda, de Roberto Bolelli ,FRQRJUDÀDPXVLFDOArs Musica, a jovem Harmonia, de Donatella Melini 689 693 701 705 709 713 719 Índice remissivo 733 CRONOLOGIA 11 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S 12 E CIDADES HISTÓRIA HISTÓRIA 13 HISTÓRIA INTRODUÇÃO de Laura Barletta No século XII, numa crónica de Sigeberto de Gembloux, conta-se que no ano 1000 se deu um terramoto e surgiu um assustador cometa em forma de serpente: a representação do diabo do Apocalipse de João, encarcerado durante mil anos HYLQGRSDUDDQXQFLDURÀPGRPXQGR0DOVDELDPRVKRPHQVGRDQRTXH estavam prestes a viver uma longa e duradoura fase de expansão da sua história. Na verdade, no início do século XI, a população europeia já está em crescimenWRHFRPHODDXPHQWDPRVQRYRVFHQWURVKDELWDGRVDGHQVLGDGHGHPRJUiÀFD nas cidades, a superfície de terra cultivada, as atividades artesanais e comerciais, os mercados, as feiras, as vias de comunicação, os portos, o tráfego marítimo e a circulação monetária. Estas mudanças não surgem uniformemente por WRGDD(XURSD²EDVWDSHQVDUQDGLYHUVDFRQÀJXUDomRJHRJUiÀFDHXUEDQD A Europa das regiões europeias e na incidência das guerras, invasões ou epidemias –, depois do ano 1000 no entanto, trata-se de uma tendência de fundo da sociedade. Grupos de camponeses abandonam os territórios dos senhores feudais e deslocam-se para zonas desabitadas para desbravar e lavrar os terrenos fundando novas alGHLDVDVSRSXODo}HVJHUPkQLFDVH[SDQGHPVHSDUDRULHQWHSDUDDVÁRUHVWDVGH RQGHWLQKDPPLJUDGRVpFXORVDQWHVRVSRYRVPDULQKHLURVFRPRRVDPDOÀWDQRV dirigem-se para oriente e para os países árabes, ou, como os venezianos, para o mundo bizantino, enquanto os frísios e os viquingues rasgam o Báltico e os grandes rios russos; as zonas pantanosas sofrem grandes obras de melhoramentos e saneamento, surgem novas técnicas e instrumentos náuticos (a bússola, os portulanos, as cartas náuticas) e agrários (o arado pesado, a ferradura do cavalo, a rotação trienal das culturas); paralelamente aos bens de primeira necessidade começam a circular com maior frequência os bens de luxo, como os perfumes, as especiarias e as pedras preciosas; a produção decompõe-se em fases de manufatura e organiza-se em lojas artesanais; as cidades antigas assumem um novo papel de centro de produção e de troca, diferente daquele que tiveram no passado enquanto centros de consumo, dando origem a guildas regulamentadas por estatutos e que acabarão por ter um importante peso económico e político. Aquela que enfrenta o novo milénio é, em suma, uma Europa que se liberta WDQWRGDH[SHFWDWLYDGHXPÀPSUy[LPRGRWHPSRWHUUHQRFRPRGDVIURQWHLUDV JHRJUiÀFDVGD$QWLJXLGDGHHGRVOLPLWHVHVWUHLWRVGDVREUHYLYrQFLD 15 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES A Europa política As chamadas segundas invasões, que nos dois séculos precedentes se prolongaram na Europa, vão-se dissipando e se, ainda no início do século XI, a costa a norte do Mediterrâneo é alvo do domínio ou da investida dos muçulmanos, a sua tónica ofensiva enfraquece: a Itália meridional e o Adriático já regressaram ao controlo do Império Bizantino, que vive uma renovada época de esplendor cultural, militar e administrativo; na Península Ibérica, os pequenos reinos das Astúrias e de Navarra e os condados de Castela e de Barcelona consolidam as suas posições contra o califado omíada de Córdova, cujo desmantelamento Consolidações no início do século XI permite a ofensiva cristã. Os húngaros, já submetiterritoriais dos a Estêvão I (c. 969-1038, rei desde 1000/1001), vão-se radicando nas terras ao longo do Danúbio, após as derrotas contra os imperadores da dinastia saxónica e em particular após a batalha de Lechfeld, perto de Augsburgo (955). Os eslavos, já cristianizados no século IX, organizam-se territorialmente e formam reinos e principados que terão uma longa existência nos Balcãs e na Sérvia, na Polónia, em Kiev. Os normandos, provenientes da península da Dinamarca e da Escandinávia, já se estabeleceram ao longo da costa atlântica, na região que virá a chamar-se Normandia, constituindo um ducado vassalo do rei dos francos Carlos, o Simples (879-929), e, durante o século XI, alcançam provavelmente a costa canadiana, com investidas que continuam as dos séculos IX e X às ilhas atlânticas e ao longo dos rios russos. Mas, sobretudo, naquela época, instalam-se decididamente na Itália meridional e em Inglaterra: aproNovas conquistas veitando a luta entre os bizantinos e os lombardos, que solicitam apoios PLOLWDUHVSDUDRVVHXVFRQÁLWRVORFDLV5REHUWRo Guiscardo (c.1010-1085), consegue ocupar grande parte da Itália meridional e da Sicília, enquanto o duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador (c. 1027-1087, rei desde 1066), derrota em Hastings (1066) o exército anglo-saxão de Haroldo e se torna rei de Inglaterra, criando deste modo, além de outros, os pressupostos para os FRQÁLWRVVHJXLQWHVHQWUHD)UDQoDHD,QJODWHUUDHPYLUWXGHGDVOLJDo}HVIHXGDLV TXHXQHPRVGRLVVREHUDQRV1RFHQWURGD(XURSDYmRVHUHGHÀQLQGRUHLQRV e domínios locais, a partir do condado de Paris, onde, após a crise dinástica que se seguiu à destituição de Carlos, o GordoUHLGHDVHDÀUPD solidamente a dinastia capetiana, enquanto em Aix-la-Chapelle acaba de nascer o Sacro Império Romano-Germânico, em redor do qual se desenrolará grande parte da história do continente. O feudalismo maduro Assim se vão delineando as áreas europeias destinadas a serem protagonistas QRVDFRQWHFLPHQWRVGRVVpFXORVVHJXLQWHVHHVWDEHOHFHQGRDVEDVHVGRVFRQÁLWRV HDVUHODo}HVSROtWLFDVGXUDGRXUDV6HSRUXPODGRDJHRJUDÀDSROtWLFDGD(XURSD com a cristianização e a estabilização de novas populações, tende a estender-se para 16 HISTÓRIA RULHQWHSRURXWURHVWDFRQÀJXUDomRWRUQDDVHPSUHPDLVGLVWDQWHHGLVWLQWD GR,PSpULR5RPDQRGR2FLGHQWHFXMDVIURQWHLUDVFRQWLQHQWDLVHVWDYDPÀxadas no Reno e no Danúbio. O sonho da renovatio imperii acalentado pelo Os sonhos imperiais de Otão III casamento entre Otão II (955-983, rei desde 973) da Saxónia e a princesa bizantina Teofânia (c. 955-991, imperatriz de 973 a 983) desvanece-se no FDUiFWHUDEVWUDWRGDVXDFRQVWUXomRLQWHOHFWXDOHGHÀQLWLYDPHQWHFRPDPRUWHGH2WmR,,,LPSHUDGRUGHVGHÀOKRGRLPSHUDGRUHGH7HRIknia. Inspirado pela teorização da sacralidade do título imperial elaborada pelo seu precetor Gerberto de Aurillac, que elege papa em 999 com o nome de Silvestre II (950-1003), Otão III, muito jovem, tem o sonho de reunir sob o império toda a cristandade, provocando uma viva oposição feudal e nobiliárquica sobretudo na Alemanha e em Itália, onde a aristocracia romana o obriga a abandonar a cidade para morrer no ano seguinte, sem herdeiros, no convento de Monte Soratte. No confronto entre o ideal de um império universal, ainda presente nos primeiros séculos do novo milénio, e a concretização do poder territorial prevalece este último, e a capacidade de o feudalismo responder às exigências contemporâneas como modalidade de reorganização do poder público, a sua propagação, o seu profundo enraizamento em todos os aspetos da vida quotidiana são demonstrados pela ampla persistência do direito feudal em contextos muito diverVRVTXDQGRRVHXSDSHOSROtWLFRMiVHHVJRWDUDDWpDRÀPGD,GDGH0RGHUQDH em alguns países, até mais tarde. O feudalismo atinge nos séculos XI e XII a sua idade mais madura, de tal modo que, enquanto alguns historiadores IDODPGHXPVHJXQGRIHXGDOLVPRRXWURVDÀUPDPTXHDSHQDVQRVSUL- Um feudalismo mais sistemático meiros séculos do segundo milénio se assiste a uma idade propriamente feudal. De facto, se a hereditariedade nos feudos maiores foi validada por Carlos, o Calvo (823-877, imperador desde 875), na capitular de Quierzy (877), é apenas em 1037 que se reconhece a dos feudos menores com a Constitutio de feudisGH&RQUDGR,,FLPSHUDGRUGHVGH$VHVWUDWLÀFDções feudais tornam-se mais densas, a fragmentação territorial diminui, cresce a feudalização de funções e jurisdições públicas, nasce a feudalidade ministerial e eclesiástica que estará frequentemente em competição com a da aristocracia, consolida-se a tendência para a formalização das relações. Isto faz do feudalismo um verdadeiro sistema social, económico e político que, juntamente com a relativa continuidade da organização do poder público nas cidades-sedes episcopais e na enorme quantidade de pequenos centros de poder em torno dos castelos, conduz às extremas consequências o particularismo que o costume germânico GDGLYLVmRKHUHGLWiULDGRVEHQVHQWUHÀOKRVMiLQLFLDUD Novas regras para a sociedade É precisamente o contínuo confronto e a recomposição das diversas instâncias particularistas, juntamente com a persistência da ideia de um ordenamen- 17 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES to político universal, que constitui o complexo cenário, onde coexistem tanto a violência generalizada e a preeminência do elemento militar em relação à esfera política, como uma renascida tendência para a formação de regras capazes de WUDYDUHPDFRQÁLWXDOLGDGHGHVDUWLFXODGDGDVRFLHGDGHUHJUDVFRPRDVWUpJXDV de Deus (suspensão das operações militares ordenadas pelas autoridades eclesiásticas de quarta-feira à tarde até segunda-feira de manhã e nos dias feriados) instituídas nos concílios de Arles (1037-1041) ou relativas à cavalaria, decretadas QRÀQDOGRVpFXORXI no Liber de Vita Christiana, de Bonizone di Sutri, que, a partir, não por acaso, de França e com o apoio da Igreja, favorecem a estabilização da sociedade, fornecem um quadro de referência às orlas mais agitadas, difundem uma ética que exalta a justiça, a defesa dos mais fracos e os ideais cristãos. Neste contexto de desenvolvimento civil não é surpreendente o papel mais interventivo da mulher, quer nos mosteiros quer na vida política e social, uma maior atenção aos jogos e ao ócio, uma vida social mais intensa e uma nova difusão da alfabetização e da cultura. A partir do século XI aumenta a disponibilidade dos textos clássicos – já em circulação desde o século VIII – Novo impulso para o sobretudo em traduções do greco, do árabe e do hebraico, aumentam os estudo dos clássicos leitores, multiplicam-se os comentários nas margens dos livros, sinal de um novo interesse pelo seu conteúdo, os mosteiros tornam-se locais de HVWXGRDEHUWRVDRVMRYHQVHDÀUPDPVHFRPRDVSULPHLUDVXQLYHUVLGDGHV laicas, a de Bolonha para o direito, Paris para a teologia. E o direito começa a assumir particular relevo para regulamentar as componentes económicas, políticas e religiosas cada vez mais complexas da sociedade. Paralelamente à continuidade de uma variedade de ordenamentos jurídicos que se justapõem e sobrepõem e de um direito pessoal que varia conforme a etnia, a proveniência, o status, a condição e as tradições, desenha-se a formação de um direito comum sustentado pela ciência dos juristas e fundado na compilação justiniana. Uma necessidade não diferente de clareza e de uniformidade leva à formação de um direito canónico distinto da teologia, com base numa recolha de textos do Velho e do Novo Testamento e dos padres da Igreja, de fragmentos de direito romano, de cânones conciliares e decretos pontifícios, efetuada pelo monge Graciano (século XII) por volta de 1140. O regresso a uma romanidade recuperada através do direito está também na base de uma primeira laicização da política, cujos sinais podem ser LGHQWLÀFDGRVQDVFRPXQDVHP,WiOLDRQGHDÀJXUDFHQWUDOGRELVSRYDLSHUGHQdo centralidade e as instituições políticas se referem à idade da res publica romana. Renovação religiosa e reforma da Igreja Neste contexto dominado pelo particularismo, mas percorrido pela busca de perspetivas mais seguras e amplas, insere-se igualmente a tendência para a renovação religiosa e a reforma da Igreja. Um clero dedicado à simonia e ao concubinato não parece responder à sua função de ligação com o além e, por outro 18 HISTÓRIA ODGRXPDVRFLHGDGHTXHFUHVFHHVHGLYHUVLÀFDH[LJHXPFRUSRHFOHVLiVWLFR PDLVHVSHFLDOL]DGRHPDLVEHPGHÀQLGR2VQRYRVPRYLPHQWRVUHOLJLRsos, apesar das suas diferenças, mostram em substância um elemento co- O regresso às origens mum na aspiração à simplicidade evangélica, muitas vezes à pobreza dos primeiros tempos, e uma adesão ao plano natural que pode chegar até ao respeito pela vida de todos os seres e também à abolição das hierarquias e dos sacramentos e a reivindicações sociais e políticas. Patarinos, cátaros, valdenses, umiliatas, «maniqueístas» da Aquitânia, cânones de Orleães, hereges de Arras, hereges de Monforte e muitos outros permanecem por um tempo mais ou menos longo entre a ortodoxia e a heresia. De resto, muitas das suas preocupações são comuns aos movimentos reformadores que agem no interior da Igreja: basWDSHQVDUQDIXQGDomRGHPRVWHLURVFRPRREMHWLYRGHÀ[DUPXLWRVPRQJHV itinerantes para os controlar, para uniformizar a sua doutrina e para lhes UHWLUDUDLQÁXrQFLDPXQGDQDDFRPHoDUSHORGH&OXQ\TXHQDVFH Mosteiros e monges inclusivamente com o objetivo de libertar a Igreja das ingerências aristocráticas, passando pelo primeiro mosteiro valombrosano (1115), pelo dos cistercienses em Citeaux (1098) ou ainda pelo de Prémontré, para citar apenas alguns dos mais destacados. O resultado nem sempre será duradouro, os próprios mosteiros cluniacenses, inspiradores da reforma, verdadeiras forjas de personalidades políticas e religiosas, são por sua vez alvo de severas críticas e novas ordens religiosas virão impor uma disciplina mais rigorosa. Estas tentativas inserem-se na tendência para devolver dignidade ao clero pela moralização dos seus costumes e prestígio ao papado com a eliminação das LQWULJDVURPDQDVHGDLQÁXrQFLDGRLPSHUDGRUQRkPELWRGHXPYDVWRGHVtJQLR destinado a separar a rede de interesses entre laicos e eclesiásticos, a distinguir a esfera religiosa da esfera secular, a reorganizar o clero e sobretudo a garantir a primazia da Igreja sobre qualquer poder terreno em virtude da sua missão de salvação. O movimento de reforma é favorecido pelo imperador Império e reforma Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), que solicita a Clemente II (papa de 1046 a 1047) que condene a simonia no Concílio de Sutri (1046) e desempenha um papel determinante na nomeação para papa de Bruno, bispo de Toul (1049), que, com o nome de Leão IX (1002-1054, papa desde 1049), chama a Roma os principais reformistas, entre eles Pedro Damião (1007-1072) e Hildebrando de Sovana (c. 1030-1085, papa desde 1073 com o nome de Gregório VII). Esta Igreja forte, que deseja o primatus Pietri e a libertas ecclesiae romanae, rompe, em 1054, todas as relações com a Igreja grega do patriarca Miguel Cerulário (c. 1000-1058) e, após a morte de Henrique III, durante a regência de sua mulher Inês de Aquitânia (1025-1077), promulga, em 1059, o decreto que retira a eleição do papa do controlo imperial, particularmente urgente após a introdução, no século anterior, do privilegium othonis. A assunção do poder imperial em 1066 por Henrique IV (1050-1106, imperador de 1084 a 19 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES 1105) assume uma substancial reviravolta nas relações de força entre o papa e o imperador, obrigado a combater a usurpação de prerrogativas imperais por duques e príncipes alemães apoiados por senhores feudais menores. É durante esta luta que Gregório VII promove um concílio que, em 1075, além de reforçar a condenação da simonia e do concubinato, introduz a interdição da investidura de eclesiásticos pelos laicos, enquanto num texto contemporâneo de 27 máximas, conhecido como Dictatus Papae, se decreta o primado do bispo de Roma, com legitimidade para destituir o imperador. Esta escolha abre o caminho à luta SHODLQYHVWLGXUDHDRFRQVHTXHQWHFRQÁLWRVHFXODUHQWUHD,JUHMDHR(VWDGR1R ano seguinte, concluída vitoriosamente na Alemanha a prova de força contra o feudalismo alemão, Henrique IV, no sínodo de Worms de 1076, destitui o papa TXHSRUVXDYH]RGHVWLWXLHH[FRPXQJDGLVVROYHQGRRYtQFXORGHÀGHOLGDGHDR imperador da aristocracia alemã, cujas franjas rebeldes convocam uma assembleia em Augsburgo (1077) para o avaliar. A Penitência de Canossa (1077), a vitória na Alemanha em 1080 contra Rodolfo, duque da Suábia, e os senhores feudais rebeldes, a expedição em 1081 a Itália contra as tropas da condessa Matilde (c. 1046-1115) e o cerco e tomada de Roma em 1084 representam as etapas de um confronto que termina com a morte de Gregório VII em 1085, em Salerno, onde se refugiara junto dos normandos de Roberto, o Guiscardo. A luta pelo poder terminará com a concordata de Worms (1122) entre Calisto II (c. 1050-1124, papa desde 1119) e Henrique V (1081-1125, imperador desde 1111). O cristianismo em expansão Apesar destes contrastes, a renovação ideológica e política da Igreja mostra toda a sua força com Urbano II (c. 1035-1099, papa desde 1088) na organização – obra do delegado pontifício Ademar, bispo de Puy – da primeira cruzada, iniciada em 1096 e concluída vitoriosamente no verão de 1099 com a conA primeira cruzada e quista de Jerusalém, entendida como uma peregrinação aos lugares santos a conquista e que mobiliza uma vasta massa de penitentes e de militares, na maioria de Jerusalém FDYDOHLURVMRYHQVFRPDQGDGRVSRUFKHIHVORUHQRVIUDQFHVHVÁDPHQJRV e normandos, como Godofredo de Bulhão – futuro rei de Jerusalém –, o seu irmão Balduíno de Bolonha, Raimundo de Tolosa, Hugo de Vermandois, Roberto II da Normandia, Roberto II da Flandres, Tancredo e Boemundo de Altavila, na busca de novos horizontes espirituais, políticos e comerciais. Além da explosão da religiosidade, também existe uma relação das cruzadas com a aceleração nos processos de expansão das atividades das cidades costeiras italianas, como Génova e Pisa, que praticam uma política agressiva contra os muçulmanos, expulsos pelas armas da Córsega e da Sardenha. Expansão Veneza, por sua vez, com as diretrizes favoráveis do imperador Aleixo do cristianismo I Comneno (1048/1057-1118), assume um papel determinante no comércio do Adriático, do Jónico e do Egeu, sob controlo bizantino. Mas 20 HISTÓRIA naqueles anos toda a cristandade se expande. Em Espanha, Rodrigo Díaz, chamado El Cid (1043-1099), participa na conquista de Toledo (1085) e, alguns anos depois, em 1118, Afonso I de Aragão (c. 1073-1134, rei desde 1104) entra em Saragoça, enquanto no Oriente se formam, após a conquista de Jerusalém, pequenos estados cruzados de tipo feudal, como o reino da Arménia Menor, o condado de Edessa, o principado de Antioquia, o condado de Trípoli, além do próprio reino de Jerusalém. São instituídas também ordens religiosas militares, criadas para defender os locais santos, mas presentes onde quer que exista uma OXWDFRQWUDRVLQÀpLVRIHUHFHQGRRFDVLmRGHJOyULDHHQULTXHFLPHQWR1RVpFXOR XII continuará uma segunda e uma terceira cruzada, em que participarão os soberanos europeus, sem sucesso. As autonomias municipais e o império A vitalidade europeia manifesta-se igualmente na nova conceção das comunas que, na Itália setentrional, procuram fazer valer as suas autonomias. É sobretudo na última parte do século XI que as comunas começam a assumir uma organização institucional com base nas assembleias citadinas, chamadas arengo RXSDUODPHQWRTXHHOHJHPRVPDJLVWUDGRVDTXHPFRQÀDPWHPSRUDULDPHQWH por seis meses ou um ano, as funções de governo, e nos conselhos (o conselho maior e o conselho de credenzaFRPIXQo}HVFRQVXOWLYDV1DHVWUDWLÀFDomRVRFLDO GDVUHDOLGDGHVFRPXQDLVFRQÀJXUDVHXPDGLVWLQomRHQWUHJUDQGHVVHQKRUHV (nobres, senhores feudais urbanos e burgueses ricos), povo (banqueiros e grandes comerciantes), povo miúdo (artesãos e comerciantes) e a plebe O sistema comunal sem direitos políticos (servos e assalariados). A complexa articulação do e os conflitos sociais sistema comunal, caracterizado pelo recurso a uma forma associativa para FDGDJUXSRVRFLDOFRPSRUWDXPDLPSRUWDQWHFRQÁLWXDOLGDGHSROtWLFDUHODWLvamente aos grupos hegemónicos e em particular aos grandes senhores de que RVPDJLVWUDGRVDFDEDPSRUVHUDH[SUHVVmR2TXHMXVWLÀFDQRÀQDOGRVpFXORXII, a tendência das comunas para recorrerem a órgãos de governo abstratamente neutrais, como as podestades, verdadeiras especialistas da política, escolhidas entre estrangeiros sem vínculo aparente aos grupos hegemónicos. As comunas italianas assumem um papel particularmente relevante na relação com o império, sobretudo com Frederico, Barba-Ruiva (c. 1125-1190), que assume o poder em 1152 e tem de combater repetidamente em Itália para reativar a autoridade imperial contra ligas capazes de criar uma resistência razoável, como a da Marca de Verona por ocasião da terceira invasão da Itália (1163-1164), ou da Liga Lombarda por ocasião da quarta (1166-1168) e da quinta (1174-1178). Frederico não menospreza nem a via militar, nem os canais diplomáticos, nem os acordos dinásticos, como é tradição [em 1178, em Arles, é coroado rei da Borgonha depois de casar com Beatriz em 1156, mas, por ocasião da sexta invaVmRGD,WiOLDHQWUHHDOLDVHjFRPXQDGH0LOmRRQGHRÀOKR+HQUL- 21 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S As comunas e o império E CIDADES que VI (1165-1197, imperador desde1191) é coroado rei de Itália e se casa com Constança de Altavila (1154-1198), ganhando assim os direitos hereditários sobre a Itália meridional], mas introduz uma novidade a favor do seu desígnio SROtWLFRXPDFLrQFLDFLYLOHQHXWUDGHÀQLGDFRPRMXUtGLFDeQRGLUHLWR romano, na sabedoria jurídica de Bulgarus, Martinus, Jacobus e Hugo, todos discípulos de Irnerius, que, na segunda assembleia de Roncaglia RLPSHUDGRUSURFXUDXPDMXVWLÀFDomRTXHOKHSHUPLWDGHYROYHUj coroa regalias imperiais por parte das comunas. O recurso a esta neutralidade laica é reiterado por Frederico no seu desejo de impor um poder imperial às comunas rebeldes, e volta a surgir quando, entre 1178 e 1180, o imperador promove, primeiro perante o tribunal palatino e depois perante os príncipes da Saxónia, o processo de Henrique, o Leão (c. 1130-1195), acusado de ter negado ajuda militar em Itália durante a quinta invasão. O século XII termina com as mortes súbitas de Henrique VI e de ConstanoDGH$OWDYLODHDVXELGDDRSRQWLÀFDGRHPGH,QRFrQFLR,,, papa desde 1198), que teoriza a superioridade do poder espiritual sobre o político e encontra espaço para a conceção teocrática do poder na fraqueza do império, onde o provável herdeiro Frederico II (1194-1250, imperador desde 1120) é conÀDGRjVXDWXWHODHQRFRQÁLWRHQWUHDPRQDUTXLDLQJOHVDGH-RmR,GH,QJODWHUUD (1167-1216, rei desde 1199) e a França de Filipe II (1165-1223, rei desde 1180). 22 HISTÓRIA OS ACONTECIMENTOS O CISMA DA IGREJA DO ORIENTE de Marcella Raiola As duas sedes relevantes da cristandade ocidental e oriental, Roma e Bizâncio, SHUDQWHXPFRPSOH[RGHVDÀRKLVWyULFRSROtWLFRHGHWUDQVIRUPDomRLQVWLWXFLRQDO atingem, no século XIXPDLUUHYHUVtYHOVHSDUDomRGHFXOWRGRXWULQDOHSROtWLFD A questão do Filioque e o proselitismo cristão no tempo de Fócio $SURJUHVVLYDVHSDUDomRWRUQDGDDUWLÀFLDOPHQWHLUUHYHUVtYHOHQWUHD,JUHMD do Oriente e a Igreja do Ocidente está em correspondência biunívoca com as respetivas aspirações à instauração de uma teocracia que, claramente, não podia deixar de assumir conotações de universalidade e, portanto, de unicidade e XQLYRFLGDGHGHFXOWR$VFLUFXQVWkQFLDVTXHOHYDPHPjUXWXUDGHÀQLWLYD entre as duas Igrejas e as mais ou menos infundadas divergências doutrinais que FRQVWLWXHPDPRWLYDomRRÀFLDOHQFRQWUDPDVXDJpQHVHQRFRQIURQWRMiHVERoDdo dois séculos antes entre as duas sedes. O patriarca Fócio (c. 820-c. 891), não reconhecido pelo dinâmico Nicolau I (810/820-867, papa desde 858), que reivindicava a anterioridade e a primazia do poder espiritual naquelas perturbações perante a pretensa subordinação dos descendentes de Carlos Magno (742-814, rei desde 786, imperador desde 800) (em 824 fora emitida a Constitutio Romana, TXHREULJDYDRSDSDDMXUDUÀGHOLGDGHDRLPSHUDGRUDQWHVGHVHUFRQVDJUDGR providencia uma excomunhão do papa com o pretexto da fórmula do Credo adotada em Roma, que fazia descer o Espírito não só do Pai, segundo o princípio conciliar niceno (saído do concílio de 325), mas do Pai e do Filho (daqui a referência ao motivo da disputa como a «questão do Filioque»). Fócio tencionava reverter as relações de força entre o império cesaropapista e o patriarcado. Por isso, em 870, é destituído. (PMRJRQRHQWDQWRHVWDYDWDPEpPRDODUJDPHQWRGDLQÁXrQFLDRULHQWDODRV povos eslavos, então objeto de conquista e conversão forçada tanto por parte dos francos, que agiam em nome da Igreja de Roma, como por Bizâncio. O rei búlgaro Bóris (?-907, rei desde 852 até 889), de facto, já estreitara relações diplomáticas com Roma para evitar submeter-se ao patriarcado de Constantinopla, ao qual a Igreja búlgara, contudo, permanece submissa mesmo após o afastamento 23 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES de Fócio, por vontade de Basílio I (c. 812-886), com o objetivo de restabelecer as relações com o papado. Pselo contra Cerulário Oriente contra Ocidente Protagonistas e implicações da separação Além da questão dogmática do Filioque, o Oriente e o Ocidente divergem também em relação à adoção de práticas de culto, modelos litúrgicos e estatutos disciplinares. Em particular o Ocidente não consente o matrimónio dos clérigos, enquanto o Oriente, na celebração da Eucaristia, só aceita o uso de ázimos, ou seja, de pão não levedado. O cisma de 1054 tem como protagonista Miguel Cerulário (c. 1000-1058), colocado no trono patriarcal de Bizâncio pelo fraco Constantino IX Monómaco (c. 1000-1055), em março de 1043. O imperador não consegue travar nem orientar as forças dispersas do reino; HPERUDSRXFRGDGRjUHÁH[mRHVSHFXODWLYDHVHPWDOHQWRRUDWyULRDSUR[LPDVH dos mecenas e rodeia-se de numerosos intelectuais «laicistas», entre os quais VHGHVWDFD0LJXHO3VHORFKDPDGRR©F{QVXOGRVÀOyVRIRVª cronista deste tumultuoso período e funcionário imperial sem escrúpulos, além de «adversário» natural e pessoal de Cerulário. A clara vitória deste último provocaria uma reviravolta nas relações entre o império e o patriarcado, libertando a Igreja do pesado jugo da tutela imperial e determinando, no entanto, o reforço das forças centrífugas em ação nas várias regiões do império. 2GRPtQLREL]DQWLQRQD,WiOLDPHULGLRQDOLQHYLWDYHOPHQWHÀHODRSDSDGHsaparece a partir do cisma. 6LJQLÀFDWLYDPHQWH3VHORHVFUHYHTXH&HUXOiULRGHPRQVWUDUDTXHD©GLJQLGDGH bispal prevalecia sobre a púrpura imperial» (Michelle Psello, Epistola a M. Cerulario, editado por Ugo Criscuolo, 1990). É óbvio que a responsabilidade da rutura não recai exclusivamente VREUHHVWDSHUVRQDJHPLQFyPRGDVmRDQWHVRVODWLQRVDDPSOLÀFDUHD enfatizar os efeitos políticos da fratura, ainda que reconhecendo quase RÀFLDOPHQWHPHVPRGpFDGDVGHSRLVGRFLVPDDLQH[LVWrQFLDGHFRQFUHWDV e incuráveis divergências teológicas e litúrgicas. No trono pontifício estava, na época, Leão IX (1002-1054, papa desde 1049), que, através do «diplomático» Argiro, impopular para Cerulário e apreciado por Monómaco, patrocina um acordo entre o papado e Bizâncio em função antinormanda (foi prisioneiro dos normandos em 1053) e antigermânica – devia a sua eleição a Henrique III (1017-1056, imperador desde 1046), mas desejava a emancipação, antecipando o espírito que daria lugar ao Dictatus Papae, criado por *UHJyULR9,,FQRSRQWLÀFDGRGHD Cerulário envia uma carta dogmática bastante provocatória ao bispo de Trani, SDUDTXHDWUDQVPLWDDRSDSDHjTXHOHVTXHGHVGHQKRVDPHQWHGHÀQHFRPR©RV sacerdotes dos francos», chamados a emendarem-se e a abraçarem a ortodoxia. No cabeçalho, Cerulário proclama-se «patriarca ecuménico», epíteto inaceitável 24 HISTÓRIA para o papa, que, na sua resposta, reitera as posições já defendidas em 1049 no concílio de Reims – onde postulou a exigência de que o atributo da «Os sacerdotes universalidade fosse exclusivamente aplicado à Igreja de Roma – e declados francos» ra ilegítima e insolente a pretensão de uma igualdade entre Bizâncio e a sede romana, verdadeira caput et mater ecclesiarum. Uma outra carta vem dirigida a Constantino IX, brando mediador entre os dois, provavelmente pouco consciente da gravidade da rutura em curso. Humberto de Moyenmoutier (1000-1061), conde de Silva Candida, intransigente e impetuoso delegado papal, que já traduzira para Leão IX a epístola de Cerulário para latim, não sem acentuar, obviamente, o seu tom polémico e provocatório, é encarregado de levar a missiva aos destinatários. Teria sido inteligente manter uma abordagem cautelosa, especialmente depois da morte repentina de Leão, mas talvez por já não ter de prestar contas ao papa, Humberto, sua auctoritateHQWUDHP6DQWD6RÀDDGHMXOKRGHSRVLWDQGRQRDOtar, durante um rito solene, uma bula de condenação e excomunhão de Cerulário, onde argumenta que o anátema não procede do papa e prefere evitar atos de represália, interessado em tirar proveito da indignação do seu povo e da reclamaomRGRV©ÀOyVRIRVªGDFRUWHTXHVmRREULJDGRVjWRQVXUDHjFRQYHUVmRIRUoDGD No entanto, o episódio tem graves repercussões no mundo latino. Com efeito, o novo papa Nicolau I (c. 980-1061, papa desde 1058) reconhece, em 1059, ao normando Roberto, o Guiscardo (c. 1010-1085), a soberania nas terras itálicas controladas até há pouco tempo por Bizâncio (Apúlia, Calábria, Sicília – a retirar aos muçulmanos – e Cápua). Como no tempo de Teodorico (c. 451-526, rei desde 474), a Igreja de Roma prefere acordos com bárbaros de ritual latino em vez de ceder às chantagens dos «heréticos» de Bizâncio. Nos séculos seguintes, os imperadores bizantinos procurarão compor a disputa, mas a orientação claramente monárquica da Entre bárbaros Igreja romana a partir do século XI frustraria qualquer tentativa de reae heréticos proximação, dando argumentos aos teólogos bizantinos para levantarem acusações de heterodoxia contra os papas, que, com o aumento dos poderes temporais e do património eclesiástico, abandonavam claramente antigas decisões conciliares, que previam uma administração policêntrica e colegial da fé cristã, provenientes das sedes de Antioquia, Roma, Jerusalém e Constantinopla. A neutralização do poder teocrático. Cisma irreversível Miguel Cerulário permanece o protagonista dos anos que se seguiram ao FLVPDTXHDXPHQWRXLQXVLWDGDPHQWHDVXDLQÁXrQFLD'HSRLVGHIRPHQWDUXPD insurreição popular contra Miguel VI (?-1059, imperador de 1056 a 1057), com o claro objetivo de instaurar uma espécie de hierocracia, o ambicioso patriarca é levado a legitimar a ascensão de Isaac (c.1007-c.1060, imperador de 1057 a 1059), que percebe o perigo e o manda prender (1058) com a intenção de o acu- 25 I D A D E M É D I A – C A T E D R A I S , C AVA L E I R O S E CIDADES sar formalmente num sínodo que seria organizado na Trácia, longe de Bizâncio. No entanto, Cerulário morre subitamente. Segundo as obras de Pselo, Isaac não tinha feito mais do que levar a cabo um plano que a corte manobrava há anos contra o poderoso prelado. O cisma deve, portanto, considerar-se como a projeção, no plano religioso, do profundo fosso histórico e ideológico que se tinha vindo a criar entre as duas sedes. As esperanças de curar esta ferida serão ainda mais diminutas em 1024, durante a quarta cruzada, quando os venezianos de Enrico Dandolo (c. 1107-1025) submetem Bizâncio a um tremendo saque e instauram o chamado «Império Latino». V. também: 5HLQRVGHWDLIDVRV(VWDGRVPXoXOPDQRVQD3HQtQVXOD,EpULFDS 2HVSDoRVDFURGDRUWRGR[LDS2VSURJUDPDVÀJXUDWLYRVGD,JUHMDRUWRGR[DS 6DQWD6RÀDHP&RQVWDQWLQRSODS %L]kQFLRHR2FLGHQWH7HRIkQLD'HVLGpULRGH0RQWH&DVVLQR&OXQ\9HQH]D6LFtOLDS A L U TA P E L A I N V E S T I D U R A de Catia Di Girolamo $,JUHMDHRLPSpULRSRVLFLRQDPVHFRPRSRGHUHVYLUWXDOPHQWHDODUJDGRVDWRGRR mundo cristão medieval. Os seus papéis são aparentemente claros: primeiro, o guia HVSLULWXDOGHSRLVDSROtWLFD2VHTXLOtEULRVUHDLVHQWUHRVSRGHUHVWRGDYLDUHÁHWHPVH sobretudo nas exigências do local e do momento e nas personalidades que, com mão PDLVRXPHQRVÀUPHVHFRORFDPjFDEHoDGD,JUHMDHGRLPSpULRERDSURYDGLVWR será a questão da investidura episcopal, com a qual se cruza, nos séculos XI e XII, a do primado romano sobre a cristandade. Os contornos do problema No limiar do século IX, o imperador assume uma posição de força em relaomRDRSDSDVmROKHFRQÀDGRVRJRYHUQRHDGHIHVDGDChristianitas, em que o SRQWtÀFHWHPVREUHWXGRDIXQomRGHJDUDQWLUDSURWHomRGLYLQD No entanto, muito antes da fundação imperial, já o alto clero exercia funções de governo local e, por isso, os próprios imperadores, a partir de Carlos Magno (742-814, rei desde 768, imperador desde 800), valem-se dessa colaERUDomRGHELVSRVHDEDGHVDÀUPDQGRRVVHXVFDUJRVGHFRPDQGRHIDYRUHcendo-lhes a autonomia perante a instituição da imunidade. Deste modo, os soberanos pretendem ainda fazer oscilar a força dos poderosos laicos através de uma aristocracia diferente, munida de melhores instrumentos culturais, do- 26