Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
22 e 23 de setembro de 2015
CADA PONTO TEM UMCONTO: MANIFESTAÇÕES URBANAS DE
MATRIZES AFRICANAS NOS ESPAÇOS URBANOD DA CIDADE DE
CAMPINAS
Stephanie Cristina Mendonça Ribeiro
Wilson Ribeiro dos Santos Junior
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
CEATEC PUC-Campinas
[email protected]
POSURB PUC-Campinas
CEATEC PUC-Campinas
[email protected]
Resumo: Este plano de trabalho insere o Urbanismo
e a História no vasto universo dos acontecimentos
que afetam os homens e que são por eles impulsionados. Para estabelecer essas relações entre o que
é designado patrimônio histórico cultural material e
imaterial e os espaços da cidade torna-se fundamental que sejam ressaltadas algumas questões sobre a
natureza do espaço.O espaço urbano é uma construção social produzida pelo e registra um vasto campo
de ações materiais e imateriais homem em diferentes períodos históricos. Este mesmo espaço assume
diferentes funções e múltiplas formas ao se tornar o
foco dos debates e das ações comprometidas com a
satisfação de diferentes necessidades de cunho material, imaterial, econômico, social, cultural e afetivo.
Funções estas que, de uma forma ou outra, irão desembocar nos objetos e dar novos significados a sua
representação. Neste Plano de Trabalho de Iniciação
Científica, pretende-se verificar como a representação dos segmentos do patrimônio cultural que se
manifesta nos espaços urbanos da cidade de Campinas através da nomenclatura das ruas da cidade
retratou e deu visibilidade à presença negra na cidade oriunda do processo de escravidão, mas que atualmente é desconhecida por pgrande parte da população. Neste sentido, este Plano de Trabalho de
Pesquisa tem como objetivo contribuir para o resgate deste patrimônio imaterial relevante para a cidade
visibilizando aspecto da presença das matrizes africanas no espaço urbano de Campinas.
Palavras-chave: requalificação urbana, matrizes africanas, patrimônio material e imaterial
Área do Conhecimento: Grande Área do Conhecimento – Sub-Área do Conhecimento – CNPq.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como foco analisar as ruas da
cidade de Campinas, buscando com isso as evidências da influência negra no contexto urbano, silenciada ou evidenciado por meio dos nomes de ruas.
Os nomes dados aos logradouros nos primórdios das
cidades brasileiras, em geral, vinham dos primeiros
moradores e eram simples como, a rua de “Cima”
conhecida assim por conseqüência da topografia que
se elevava, a rua “São João” tinha esse nome pois
João Felipe Xavier costumava dar ruidosas festas
anualmente em homenagem a São João Batista naquele lugar e a rua do “Teatro” era denominada assim, pois existiu o Teatro de São Carlos.
Essas denominações citadas acima remetem a algumas ruas da cidade de Campinas, em meados do
século XIX, nessa época as ruas da cidade ganhavam suas identificações em placas feitas de forma
artesanal pintadas com pincéis e tinta, esses nomes
precisavam ser constantemente refeitos, só em 1894
que as placas de ferro ou bronze surgiram, em virtude da Lei nº 25 de 1893, promulgada pelo intendente
José Maximiniano Pereira Bueno. E por sinal nessa
época muitas delas ganharam novos nomes, (...)
“com o decorrer do tempo, os nomes das ruas e praças vão se alterando, acompanhando a dinâmica
urbana, no sentido de acompanhar uma nova época,
um novo tempo, um novo fato ou um novo mito. Essas mudanças nem sempre são simples ou aceitas
tão facilmente”. [1]
Por isso são inocentes os que acreditam que logradouros são apenas identificações e que as mudanças desses nomes feitas por vereadores são um ato
sem importância. Estamos falando de poder e reafirmação histórica, trata-se de recorrente forma de
reprodução e perpetuação da chamada história oficial, baseada no culto à genealogia da nação e edificação do Estado nacional, assim como aos fatos e personagens correspondentes (DIAS, 2000) [2].
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2. CAMPINAS, A PRESENÇA NEGRA NAS ÁREAS
CENTRAIS E AS RUAS COMO MANUTENÇÃO DE
PODER
A origem do povoamento de Campinas está ligada à
abertura dos caminhos para o sertão de Goiás e Mato Grosso, no século XVIII. No ano de 1774, foi celebrada a primeira missa da cidade numa capela provisória, essa é a data oficial da fundação de Campinas,
embora tenha sido elevada à categoria de cidade
apenas em 1842. As populações africanas começaram a chegar no território campineiro nas últimas
décadas do século XVIII, com o desenvolvimento da
lavoura canavieira e a indústria açucareira, a cidade
chegou a ficar conhecida nesse época como o maior
centro escravocrata da Província. Com isso a população negra da cidade viria a ganhar um destaque
significativo em termos de porcentagem sobre a população absoluta, sendo em determinado momento
maioria da população.
Os números indicam que em 1.775 a população negra correspondia a cerca de 50 pessoas escravizadas para cada 247 pessoas, em 1.797 por volta de
29% africanos escravizados entre 2.107 pessoas, em
1.814 o número passou para 33% e no ano de 1.829
ultrapassou metade da população chegando em
56,7%. A povoação foi crescendo lentamente durante
os primeiros anos do século XIX, nessa época a riqueza do município era basicamente vinda da exploração da cana de açúcar, o negro essa essencial
para o desenvolvimento das atividades nesse contexto tanto no meio rural quanto o urbano. No final do
mesmo século o café começou a se tornar a principal
economia da cidade, e a implantação da economia
cafeeira foi um marco no desenvolvimento e transformação na região, com a construção da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, em 1.872 se alterou inclusive as configurações urbanas da cidade e
fez Campinas entrar para o “ranking” das maiores
cidades do Brasil.
Contudo o afloramento da sociedade não era paralelo aos desenvolvimentos sociais, sendo assim características da sociedade escravocrata eram mantidas
mesmo com os significativos avanços, por exemplo,
em 1.872 escravos ainda eram proibidos de transitar
pela cidade à noite sem bilhetes com a permissão,
ou ordens de seus senhores.
Nesse mesmo período o país começa a incentivar as
migrações de europeus para trabalharem nas lavouras brasileiras, mesmo com a mão de obra negra
sendo abundante, esse processo que visava o “embranquecimento” da população também tinha como
intuito impedir a ascensão social negra por meio do
trabalho.
Parte das famílias negra no pós abolição continuaram morando em áreas rurais, entretanto alguns se
deslocaram para os centros urbanos, em áreas hoje
consideradas nobres, nesse momento alguns espaços nas regiões centrais, até então desvalorizadas na
cidade de Campinas começaram a passar por um
processo de mudança, deslocamentos, valorização e
ocultamentos.
Essas mudanças urbanas que visavam sempre privilegiar os desejos da elite vigente, estavam além da
transferência de negros de determinados bairros e a
marcação de áreas destinadas a equipamentos urbanos indesejados, elas se estendiam para os nomes de ruas, esses que estão intrinsecamente ligados com a manutenção de poder, tanto que na cidade de Campinas nesse mesmo período houve um
processo de alteração dos nomes principalmente nas
áreas centrais.
Ou seja, no período após a abolição da escravidão,,
Campinas passou por um processo de mudança
grande, um redesenho do urbano. É, portanto errôneo associar a presença negra neste território apenas à periferia, já que seria ignorar esse passado
que inclui não só a existência negra nas áreas centrais, como também acreditar que a construção da
modernidade campineira e sua reconstrução urbana
era apenas uma busca de uma cidade “ideal”, sendo
que ela foi uma política racista e higienista onde nesse contexto era necessário que negros fossem excluídos de determinados espaços.
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3. ÁREA ANALISADA
O recorte urbano usado para a pesquisa foi feito na
área central exatamente para evidenciar os fatos já
elucidados sobre a presença e o ocultamento nos
espaços centrais da cidade de Campinas, foi portanto delimitada uma área incluída na Macrozona 4. As
Macrozonas são “um referencial espacial para o uso
e a ocupação do solo na cidade, em concordância
com as estratégias de política urbana” (BRASIL,
2002, p. 41 [3], a selecionada para área de estudos
compreende o centro histórico de Campinas e o centro expandido, onde se localizam os bairros de maior
intensidade de ocupação e verticalização.
Figura 2. Em vermelho recorte analítico dos bairros
estudados.
4 METODOLOGIA UTILIZADA
Revisão inicial da bibliografia que enfoca como
temática o processo de urbanização da cidade de
Campinas, as diretrizes de desenvolvimento desses
processos articulados com cada período da consolidação da cidade de Campinas e de suas leis urbanas, a logística de implantação até a oficialização dos
nomes dados a esses espaços urbano incluindo o
período contemporâneo visando construir um referencial teórico para o desenvolvimento da pesquisa.
O estudo foi levantado através do levantamento, sistematização e análise de dados coletados juntos a
órgãos públicos e levantamentos de campo, sobretudo junto a Câmara dos Vereadores e Prefeitura de
Campinas e posteriormente a análise crítica sobre os
dados obtidos.
5. RESULTADOS
Figura 1. Macrozona 4 localizada na cidade de Campinas e em vermelho localização da área de estudos.
Os bairros selecionados foram: Cambuí, Jardim
Guanabara, Botafogo, Vila Industrial, Vila Lidia e Vila
Itapura.
É inegável que o negro foi essencial para a formação da cidade de Campinas. Entretanto no levantamento dos logradouros públicos dos bairros centrais usados para a pesquisa (Cambuí, Jardim Guanabara, Botafogo, Vila Industrial, Vila Lidia e Vila Itapura), que ao todos resultou em 271 nomes de ruas,
desses, seis foram identificados como referentes a
personalidades e,ou fatos históricos relacionados a
negros dentro do recorte urbano proposto. As ruas
encontradas foram:
➢ Avenida 13 de Maio;
➢ Avenida Francisco Glicério;
➢ Rua António Cesarino
➢ Rua Luis Gama;
➢ Rua Santana Gomes;
➢ Rua Benedito Otavio.
6. CONCLUSÃO
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Diante dos resultados apresentando é evidente
que é desproporcional a quantidade de ruas existentes, em relação a toda presença negra que existiu na
cidade de Campinas. Os nomes que se destacaram
e por isso, foram de alguma forma homenageados,
foram reconhecidos pelas contribuições acadêmicas
ou artísticas à comunidade, principalmente relacionadas à luta abolicionista que foram incorporadas na
história nacional, entretanto no decorrer da pesquisa
encontrar quem eram os personagens negras da história de Campinas, foi uma tarefa árdua, já que as
origens negras de todos os citados não são evidentes nos registros, foi necessária avaliação da família
e fotos desses, e mesmo assim algumas haviam
passado por um processo de embranquecimento
quando comparadas com outras.
O ato de dar nomes a ruas, não é realmente algo
casual, durante a pesquisa foram constantes a presença de Coronéis, Barões principalmente nos bairros onde a característica predominante é mais nobre,
no bairro do Guanabara algumas ruas tinham donos
com origem estrangeira como “Carlos Sheffer”, em
contrapartida às das ruas da Vila Industrial que em
nenhum momento apresentaram nomes que remetem a estrangeiros, tendo sido concedidos à maioria
dos logradouros nome de pessoas que segundo registros pertencem a ofícios mais simples e relacionados a alguma ação no bairro. No caso do Cambuí
nenhuma rua foi encontrada com nome de negros
conhecidos,a predominância nessa área é de ruas
com nomes que remetem as figuras poderosas da
época como “Rua Barão de Ataliba” e “Rua Coronel
Quirino”, há também registros que são mais recentes
de nomes que homenageiam médicos como a rua
“Dr. Guilherme da Silva” e homens ligados a cargos
políticos, como “Dr. Carlos Guimarães”.
É compreensível que os nomes de ruas sejam
uma forma de homenagem, mas eles acabam sendo
influenciados pelas características daquela região e
nesse bairro onde a característica principal é ele ser
ocupado pelas classes predominantes economicamente, a nomenclatura de seus s logradouros reforçam a manutenção desse status sendo destinados a
nomes celebres ou de pessoas pertencentes a elite
campineira, em sua maioria. Tanto que a maioria das
fontes encontradas como nomes de ruas, referentes
a personalidades negras foram nas áreas próximas
ao bairro do Botafogo e da Vila Industrial, denominada como Vila Lidia, áreas que possuem em comparação ao Cambuí e o Jardim Guanabara, um status
menor e uma população majoritariamente de uma
classe social de renda mais baixa.
Assim, podemos concluir que a discriminação nas
representações no espaço urbano se dá quanto à
posição social e racial, os negros destacados são
aqueles que de alguma forma obtiveram ascensão
social e mesmo assim seus nomes são destinados a
bairros de menor destaque por questões sociais e
econômicas. A discriminação está evidente e marcante, quando se encontra, tendo em vista a importância da população negra em Campinas, não só um
número pequeno de ruas que homenageiam negros,
no caso seis, como pela dificuldade de se obter informações sobre essas personalidades e sua negritude, quanto pela localização dessas, a rua Benedito
Otavio é por exemplo isolada e pouco conhecida,
mesmo esse tendo sido um homem de destaque na
literatura nacional e campineira. As duas ruas com
maior destaque são a Avenida Francisco Glicério,
entretanto Francisco Glicério não é citado como afrodescedente, na maioria das fontes que trazem sua
história e a 13 de maio que está relacionada a data
da Abolição. As ruas com figuras negras que tiveram
destaque acabam sendo de pouca relevância urbana,
à exceção dessas duas.
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, pelo apoio em toas as minhas escolhas e lutas. E ao meu orientador.
Aqui podem ser colocadas as expressões de reconhecimento a colaboradores, entidades e agências
ainda não citados no trabalho.
REFERÊNCIAS
[1] SOUZA, C F. O sentido das palavras nas ruas da
cidade. Entre as práticas populares e o poder do Estado (ou público) IN: BRESCIANI, Maria S. (org.) Palavras da cidade. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001.
P.138.
[2] COSTA SANTOS, Antonio da. CAMPINAS, DAS
ORIGENS AO FUTURO, Compra e venda de terra e
água e um tombamento na primeira sesmaria da
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das
Campinas do Mato Grosso de Jundiaí (1732-1992),
Editora da UNICAMP, 2002.
[3] BRASIL. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. 2 ed. Brasília:
Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.
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