A invenção da América Latina IV – O século XX e a modernização A Revolução do México Prof. José Alves de Freitas Neto UNICAMP [email protected] OBJETIVOS • Apresentar os principais episódios que constituem a Revolução Mexicana • Discutir as principais interpretações historiográficas sobre o tema • Qual o papel da Revolução no processo de modernização da América Latina? • Analisar os discursos e memórias sobre a Revolução e seu significado para o México atual e para a América Latina A questão da modernização • • • • O problema da “modernização incompleta” Modernidade: etapa histórica Modernização: processo sócio-econômico. Modernismos: projetos culturais que renovam as práticas simbólicas com sentido experimental ou crítico Desafio interpretativo • Pensar a América a partir de seu processo cultural e político • Metáfora da América em seu labirinto • A Revolução Mexicana é vítima da adoção de modelos explicativos para pensar um processo específico: socialista, liberal, apenas uma rebelião? • Orozco. Zapata O espaço da Revolução do México • • • Interesse pela Revolução: Revolução Cubana 1959 Primeiro grande movimento popular do século XX Questões híbridas: – – Inspiração liberal: alternância de poderes, eleições periódicas, independência entre os poderes. (plano de San Luis de Potosi (out./1910) Pressão camponesa: reforma agrária e posse comunal da terra (ejidos) Antecedentes da Revolução Porfiriato (1876-1911) • Porfírio Diaz assumiu o poder com uma plataforma liberal laicização do Estado e reformas políticas • “muita administração e pouca política” • Período de crescimento econômico e consolidação da fronteira norte • Grandes investimentos externos na mineração O Porfiriato (1876-1911) • Concentração agrária (haciendas) nas mãos dos guachupines (3% pop.). 95% dos camponeses não eram proprietários. • Construção de 20 mil Kms de ferrovias • Crescimento populacional e de renda (duplicou em 10 anos) “A revolução não nasceu como filha da miséria e da estagnação, e sim da desordem provocada pela expansão e mudança” (CAMÍN & MEYER . À sombra da Revolução Mexicana.) O “crescimento desordenado” • • • • • investimento estrangeiro transformou as cidades Provocou aumento de custos Aliança com o capital estrangeiro crescimento e dependência a mineração pagou altos salários mas criou populações flutuantes e instáveis discriminação anti-mexicana do emprego nacionalismo O custo da modernização • • • as ferrovias encurtaram distâncias e multiplicou os preços das terras concentração de terras modernização agrícola destruição da economia camponesa e dos direitos das comunidades rurais: fome, peonagem e migração cidades opulentas e campo miserável Pax Porfirista • repressão aos caciques agrários e a movimentos reivindicatórios de trabalhadores urbanos • intolerância e repressão contra os novos agentes sociais Os caminhos até a Revolução (1908) • Porfírio Diaz e a manifestação do cansaço político: O México “estava preparado para a democracia” podendo existir oposição. • Não disputaria a reeleição • Criação da Companhia petrolífera El Águila em aliança com a Europa para conter o capital dos EUA • Fatores climáticos e terremotos desmoronaram a produção agrícola. Queda de exportações. Crise econômica. 1909 • criação do Clube Central Anti-reeleição • Liderança de Francisco Madero, de origem latifundiária, que cruza o país pela democracia e contra a reeleição de Porfírio Diaz • “O povo não quer pão, mas liberdade” 1910 • centenário da Independência: o oficialismo das comemorações e a idéia de um país que “cumprira o seu destino” e que superou as desintegrações internas e catástrofes; • candidatura de Madero à presidência que tinha “apoio” dos EUA por causa das medidas recentes de Porfírio Diaz. 1910 • Discurso de San Luis de Potosí: “o povo mexicano está disposto a morrer em defesa de seus direitos”. • Madero foi acusado de insulto às autoridades e tentativa de rebelião • preso durante o período eleitoral e Porfírio Diaz foi reeleito em Julho de 1910. Madero • Após as eleições obteve liberdade condicional e deveria ficar confinado em San Luis • Desobedeceu ao acordo e foi para o Texas de onde liderou a insurreição com o Plano de San Luis Plano de San Luis de Potosi • nulidade das eleições; • ilegalidade do regime reeleito; • nomeação de Madero como novo presidente • conclamava a insurreição para o dia 20 de novembro. • O levante só ocorre em Maio de 1911. Archivo Casasola. 1911 • alianças de Madero com Pancho Villa (norte) e Emiliano Zapata (sul) • formação de governo provisório 21/05, chefiado pelo ministro das Relações Exteriores, Francisco León de la Barra • desmobilização das forças maderistas • reconhecimento do poder do exército federal • a derrubada do porfiriato como “obra de um levante ministerial” Tratados de Ciudad Juárez • Renúncia de Porfírio Diaz (25/05) • Sem menção ao artigo do Plano de San Luís que prometera terra aos camponeses • Eleições em Outubro de 1911 Período Madero (1912/13) • Propostas de abertura política: parlamento, eleições, imprensa • Repressão às reformas sociais • Incapacidade de alterar o exército porfirista • Sensação de imobilidade • Rompimento de Zapata e outros líderes revolucionários pelo não atendimento das reivindicações camponesas; Plano de Ayala (28/11/1911) • proposta camponesa • planos de metas após a repressão maderista que invadiu e destruiu as plantações dos camponeses • Reinicio dos conflitos armados e a promessa de distribuição de terras A rebelião no período Madero • Durou todo o período do governo Madero (fev/13) • Instabilidade política • Madero foi derrubado pelo Gal. Huerta, oriundo do porfirismo, que ordenou o assassinato do ex-presidente em 22/02/13. Archivo Casasola Huerta (1913/14) • Retorno do porfirismo • Carranza, Villa e Zapata se articulam e formam o exército constitucional • restabelecer o maderismo, sob a liderança de Carranza (1914), num gesto de equilíbrio de forças entre as três lideranças. Os líderes da Revolução • Venustiano Carranza • Emiliano Zapata • Pancho Villa Governo Carranza • repetição da experiência dos movimentos camponeses com Madero • Carranza envia uma proposta de reforma agrária tímida e divide os grupos camponeses; Guerra Civil (1915) • guerra civil com a derrota de Villa e Zapata • consolidação do poder de Carranza • reorganização das forças militares • Reconhecimento do governo por outros países • Os exércitos de Villa e Zapata perderam a dimensão nacional confinados em suas áreas. 1916/1917 • 1916: as rebeliões agrárias eram expressões regionais • Sul (Zapata) • Norte (Villa) A Constituição de 1917 • o ensino laico, ao encargo do estado preservando-se ainda um setor privado • a expropriação de terras não cultivadas em favor dos ranchos e dos ejidos • a jornada de trabalho de 8 horas, regulamentação do trabalho do menor e da mulher, salários iguais para tarefas iguais, direito de greve, organização sindical, justiça do trabalho Constituição de 1917 • restringiu o poder da Igreja. • casamento civil obrigatório e o único válido • secularização do clero, transformando os padres em trabalhadores comuns O período carrancista (1914/20) • • • • reativação da atividade econômica recomposição da burocracia aliança com os haciendados criminalização de reivindicações de trabalhadores • Eliminação do zapatismo e assassinato de seu líder em 1919 • Villa fastou-se das lutas em 1920 e foi para sua fazenda. Assassinado em 1923. • Carranza foi assassinado em 21/05/1920 • Cartaz da polícia de Columbus (EUA) oferecendo recompensa pela captura de Villa. Carranza Constituição O governo Obregón • Entre junho e outubro de 1920 houve um governo provisório • após eleições chegou ao poder o general Álvaro Obregón (que lutou ao lado de Zapata, Villa, Carranza contra Huerta) • período de institucionalização das características liberais da Revolução • Assassinado em 1928 por partidários da Cristera Plutarco Elias Calles (24-28) • Estado afirmou a continuidade do processo revolucionário • as mudanças ainda estariam por acontecer • Partido Nacional Revolucionário (PNR) e sua identificação com o Estado mexicano; • Calles, “el Jefe Máximo de la Revolución” maximato (28/35) Lázaro Cárdenas (1934-40) • anos 30 acentuado aumento no número de greves e rebeliões camponesas; • Fortalecimento da ala esquerda do PNR • Eleição de Cárdenas • Rompimento entre Cárdenas e Calles • Renomeação do partido para PRM (38); PRI (48) • retomar os princípios da Revolução com a realização da reforma agrária, a estruturação dos sindicatos e a nacionalização das empresas petrolíferas estrangeiras Legados da Revolução • violência excessiva, muitas mortes (1 milhão): para os revolucionários, mártires; para os reformadores, algo a ser evitado; • prática da simulação como contraponto à violência excessiva • Imobilismo político: construção de um Estado forte que evitasse ações reacionárias ou revolucionárias Legados • redução do pluralismo e ausência do autoritarismo convencional • crescimento econômico baseado numa economia mista: abertura e intervenção • Persistência das desigualdades regionais e sociais • orientação nacionalista, com a origem indígena, mas com um futuro que é o do “mexicano” consolidação da ideologia da mestiçagem Interpretações sobre a Revolução • Até metade do século XX o discurso hegemônico sobre a Revolução dizia “la revolución continua” • propagada pelo governo mexicano • Forma de legitimar o poder político do Partido Revolucionário Nacional • atrai todos os símbolos e conquistas populares da Revolução • Nomeia os opositores de contra-revolucionários • Cuba novo viés socialista Revisionismos historiográficos • 1970: primeiro revisionismo” Adolfo Gilly e Arnaldo Córdova • 1980: segundo revisionismo” Ramón Eduardo Ruiz • diferentes conceitos de revolução, datações e delimitações com perspectivas ideológicas específicas Adolfo Gilly • Influência trotskista • “rememoração” popular sobre a interrupção da Revolução – por intervenção do Estado • preparar as próximas lutas e vitórias do povo mexicano Arnaldo Córdova • o México passou por uma revolução política, burguesa e populista. Eduardo Ruiz • Não houve revolução, mas apenas uma rebelião • aprofundamento nas semelhanças estabelecidas entre o período de Porfírio Diaz e o revolucionário Delimitação temporal • Gilly: 1910 Madero as lutas populares; término: 20 Obregón • Córdova: 1910 Madero jogos políticos / término: 17 Carranza • Ruiz: 1905 ano da crise econômica do porfiriato economia / término: 24 crise da balança mexicana Papel do Estado e da Revolução • Gilly: revolução interrompida retomada nos anos 40 com Cárdenas: mobilização popular; as massas foram “enganadas” • Córdova: aspecto burguês e populista desenvolvimento do capitalismo mexicano “estadolatria” (Alan Knight); as massas não tinham forças para transformar o Estado • Ruiz: não houve revolução, portanto, o Estado não é revolucionário e os camponeses também não tinham o “estofo revolucionário” O problema do modelo • Gilly: a insurreição mexicana não pôde avançar até suas conclusões socialistas porque o México não contava com um proletariado organizado • Córdova: uma revolução social inicia-se com a tomada do poder político produz a abolição do sistema de propriedade • Ruiz: não houve ruptura com o passado: “não se deve confundir violência com revolução” O papel das lideranças: Zapata e Villa • Gilly: não são forças ancestrais como quer a burguesia; representam uma revolução que ainda não terminou. • As atitudes dos revolucionários mexicanos eram empiricamente anticapitalistas . Siqueros As lideranças • Córdova: os camponeses não conseguiram traduzir seu ódio pelos proprietários de terra • Não era uma ação coerentemente anticapitalista; • apenas “joguetes” da burguesia, grupo social melhor preparado para assumir o poder naquele momento As lideranças • Ruiz: sem expressividade política • apenas a eclosão da miserável situação camponesa diante do desenvolvimento capitalista no México As interpretações sobre as conquistas da Revolução (Gilly) • a maior conquista revolucionária foi a segurança histórica do povo de ter feito uma revolução; • a consciência de poder destruir o exército do governo e ocupar sua capital Conquistas (Córdova) • • • • a maior conquista foi do Estado instaurar uma imagem de grande poder Adoção de políticas populistas “não deve a nenhum grupo social” por isso possuía poderes ilimitados; • Possibilidade de desenvolver o capitalismo mexicano Legado (Ruiz) • as conquistas da “rebelião” passam pelo desenvolvimento do capitalismo O problema do modelo • Paz: “Despojada de doutrinas prévias, alheias ou próprias, a revolução será uma explosão da realidade e uma busca às cegas da doutrina universal que a justifique e englobe na história da América e na do mundo “ Questionamentos • O debate sobre as formas de interpretar era uma questão para a Revolução ou para a sua historiografia? • Por que a necessidade de criar um “modelo”? • Onde está a especificidade da Revolução? A quem pertence a revolução? • A partir de 68 massacre de Tlatelolco desvinculação da revolução tutelada pelo Estado • Movimentos indígenas “verdadeiros filhos da Revolução” contra um Estado usurpador daquele passado • EZLN Qual o espaço da Revolução? • Utopia projeção de um futuro; nostalgia de um passado “não vivido” • Memórias fragmentadas e apostas no porvir; • A América é o espaço da utopia • Risco de encobrimento • Possibilidade de redenção “Havia um altíssimo edifício no antigo parque da Lama, na Cidade do México, cuja construção nunca terminava. Ano a ano, sua altura crescia, mas sempre podíamos ver o ar através da sua colméia de cimento. Não sabíamos quando, se é que isso aconteceria, o hotel que viria a ser receberia os seus primeiros hóspedes. Este edifício talvez seja um símbolo apropriado para a América Latina, crescendo, mas inacabada, dinâmica, mas repleta de problemas aparentemente insolúveis (...). À proporção que a América Latina se despojou da sua pele colonial, transformou-se cada vez mais numa parte do mundo, mas deixou para trás a maioria dos próprios latinoamericanos. (...) A história recente da América Latina é caótica, veloz, contraditória. Coexistem o burro e o jato, o castiçal de vela e o letreiro a gás néon. A metade dos duzentos milhões de jovens latino-americanos nasceu depois que Fidel Castro tomou o poder em Cuba, em 1959. E toda criança que nasça daqui até o ano 2000 nascerá devendo mil dólares a um banco estrangeiro. À medida que crescem e olham o mundo que os rodeia, nossos jovens buscam respostas para tais problemas e observam com senso crítico a nossa história recente. Por que ainda não fomos capazes de resolver nosso problema fundamental, que é de unir crescimento econômico com a justiça social, e ambos com a democracia política? Por que não fomos capazes de dar à política e à economia a continuidade existente na cultura? As respostas a essas perguntas são tão variadas como as próprias sociedades latino-americanas, que após a independência se diversificaram extraordinariamente, desenvolvendo-se como estados nacionais. Agora, também a Guerra Fria terminara e a América Latina se encontrava em crise, compreendendo que tanto o capitalismo, como o socialismo, nas suas versões latino-americanas, não haviam conseguido livrar da miséria a maioria da nossa gente. Nossos modelos políticos, de direita e de esquerda, haviam-se despencado sobre as nossas cabeças. Mas tratava-se realmente de modelos nossos? Por acaso, desde a independência, não estivéramos imitando constantemente os mais prestigiosos modelos estrangeiros na economia e na política? Era fatal que a América Latina ficasse capturada entre os Rapazes de Chicago e os Irmãos Marx, ou seja, entre o capitalismo selvagem, irrestrito, e um socialismo ineficaz, centralizador e burocrático? Por acaso não possuíamos a tradição, a informação, as capacidades intelectuais e de organização para criar os nossos próprios modelos de desenvolvimento, efetivamente compatíveis com o que temos sido, com o que somos e queremos ser? No meio da nossa crise dos quatro “Ds” – Dívida, Drogas, Desenvolvimento e Democracia -, demo-nos conta de que só podíamos responder essas perguntas a partir de nós mesmos, isto é, de dentro de nossas culturas. Demo-nos conta de que tínhamos uma política balcanizada e fragmentária, sistemas econômicos fracassados e enormes desigualdades sociais, mas, ao mesmo tempo, contávamos com uma notável continuidade cultural, que se mantinha de pé em meio à crise generalizada da política e da economia. Ao terminar a Guerra Fria, a América Latina esperava livrar-se das grandes potências e de sua opção simplista: comigo ou contra mim. (...) [Diante de um quadro de comunicação global e de problemas anteriores à conquista, nossa obrigação passou a ser] a de compreender a nós mesmos, conhecer a nossa cultura, nosso passado, nossas tradições como fontes de uma nova criação. Mas tampouco nos podíamos compreender sem a cultura dos demais, especialmente a dos dois grandes reflexos de nós mesmos na Europa e nos EUA. (...)” (Carlos Fuentes) Bibliografia • FUENTES, Carlos. O Espelho Enterrado. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. ps. 316-317;328-329. • CAMÍN, Héctor Aguilar. MEYER, Lorenzo. À sombra da Revolução Mexicana: história mexicana contemporânea, 1910-1989. São Paulo – SP, EdUSP, 2000. • CÓRDOVA, Arnaldo. La ideología de la Revolución Mexicana – la formación del nuevo régimen. México – DF, Editora Era. Primeira Edição: 1973. • GILLY, Adolfo. La revolución interrumpida – México, 1910 –1920: una guerra campesina por la tierra y el poder. México – DF, Editora El Caballito. Primeira edição: 1971. • RUIZ, Ramón Eduardo. México: La Gran Rebelión – 1905/1924. México – DF, Editora Era. Primeira edição em Inglês: 1980. • PAZ, Octavio. O labirinto da solidão. Rio de Janeiro: Paz e Terra • PAVANI, Rafael. Modelos e explicações na historiografia da Revolução Mexicana. IFCH: Unicamp, 2007. Rivera. Os heróis do México