PSA no rastreamento do Câncer de Próstata Sessões Clínicas em Rede nº 06 | 15/10/2012 1. 2. 3. 4. 5. Introdução Fatores de risco Diagnóstico Conclusão Bibliografia Introdução O câncer de próstata (CP) é o sexto tipo mais comum mundialmente e o mais prevalente em homens, correspondendo a aproximadamente 10% da totalidade de cânceres. Sua taxa de incidência é maior nos países desenvolvidos em comparação aos países em desenvolvimento. É considerado um câncer da terceira idade, já que cerca de três quartos dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos.1 No Brasil, o CP é o segundo mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não-melanoma), sendo estimado mais de 60.000 novos casos em 2012.2 O aumento observado nas taxas de incidência no Brasil pode ser explicado, em parte, pela evolução dos métodos diagnósticos, pela melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e pelo aumento na expectativa de vida. A história natural do CP apresenta curso variável, sendo que alguns tumores podem crescer de forma rápida, espalhando-se para outros órgãos e podendo levar à morte. Entretanto, a grande maioria cresce de forma lenta, demorando cerca de 15 anos para atingir 1 cm³, não chegando a apresentar sinais e sintomas durante a vida e nem a ameaçar a saúde do homem. A maioria dos casos de CP tem um bom prognóstico, mesmo sem tratamento e o risco de morrer de câncer de próstata é de 2,8%.3 Como ainda não se dispõe de tratamento para a doença avançada, a detecção precoce da doença clinicamente significativa parece ainda oferecer a melhor opção para o paciente. Todas as recomendações atuais para rastreamento do CP incluem a dosagem sérica do antígeno prostático específico (PSA, do inglês Prostate-Specific Antigen) e outros métodos de detecção, tais como exame do toque retal ou ultrassonografia transretal. Em geral, há duas abordagens para a detecção precoce de cânceres: (a) rastrear todos dentro de uma determinada faixa etária (por exemplo, câncer de mama e câncer de colo do útero) ou (b) rastrear seletivamente com base em fatores de risco (por exemplo, câncer de pulmão). Existem dados convincentes de que programas de rastreamento baseados no PSA resultam na detecção de muitos casos de CP assintomáticos. Há também evidências convincentes de que um grande percentual de homens portadores de câncer assintomático, detectado pelo exame de PSA, tem tumores que vão ou não progredir, ou o farão tão lentamente que permanecerão assintomáticos por toda a vida.3 Portanto, o rastreamento em massa não é recomendado porque se associa a danos consideráveis, tais como biópsias desnecessárias, superdiagnóstico, e tratamentos que resultam em sequelas.4,5,6 Estima-se que 5,2 milhões dólares teriam de ser gastos no rastreamento (e as intervenções posteriores) para evitar uma morte por câncer de próstata.7 Adicionalmente, apesar de o rastreamento proporcionar o aumento de diagnóstico de tumores em estágio inicial, reduzir a incidência de metástase e melhorar as chances de cura, ainda não está claro o seu impacto na redução de mortalidade por qualquer causa relacionada à doença.8 Até o momento, não há evidências científicas de que o rastreamento do CP possa produzir mais benefício que dano. Por outro lado, a estratificação dos pacientes em relação ao risco de CP e agressividade pode ser útil para identificar homens que estão em risco e que podem realmente se beneficiar da detecção precoce.9,10 Uma estratégia baseada em fatores de risco poderia prevenir dosagens de PSA desnecessárias e superdiagnósticos e, consequentemente, melhorar a eficiência do rastreamento.11 Fatores de risco Idade Existe uma forte associação entre a idade e o risco de CP. Este tumor é raro antes dos 50 anos de idade, e muito poucos homens morrem de CP antes dos 60 anos de idade. Setenta por cento das mortes por CP ocorre após os 75 anos de idade.12 Etnia Diferenças no risco de CP relacionadas à raça podem refletir múltiplos fatores, incluindo diferenças de exposição, em particular relacionadas à dieta, ao acesso aos cuidados médicos e genéticas. Alguns estudos recomendam que, devido ao maior risco de CP e à maior gravidade da doença, assim como o maior número de mortes relacionadas ao CP, rastreamento mais intensivo deve ser garantido aos pacientes afrodescendentes.11 Por outro lado, em 2007 a proporção de mortes nos estadunidenses atribuídas ao CP foi 3,3% entre negros e 2,3% entre brancos; essas taxas são muito próximas para embasar diferenças específicas no rastreamento. Além disso, não há evidências de que o balanço entre benefícios e danos do rastreamento com PSA seja diferente para negros e brancos.7 História Familiar História familiar de CP é um fator de risco importante para o desenvolvimento da doença. O risco depende do grau de parentesco, do número de parentes afetados e idade do parente ao diagnóstico (inferior a 65 anos). Entre parentes de primeiro grau, o risco mostrou ser significativamente maior para os homens com um irmão afetado quando comparado com aqueles com um pai afetado.13,14 Caso um parente de primeiro grau tenha CP, o risco é de pelo menos o dobro, se dois ou mais parentes de primeiro grau são afetados, o risco aumenta em 5 a11 vezes. Apenas uma pequena proporção de indivíduos (cerca de 9%) apresentam CP verdadeiramente hereditário. Isto é definido quando três ou mais parentes são afetados, ou pelo menos dois parentes que apresentaram diagnóstico precoce, ou seja, a doença, antes dos 55 anos.15 Comorbidades A existência de outras morbidades tem sido associada à incidência de CP fatal, porém o papel exato da obesidade, diabetes, e síndrome metabólica no desenvolvimento e progressão do CP e na mortalidade específica por CP não foi ainda elucidado.16,17,18,19,20,21,22 Alguns estudos sugerem que somente homens saudáveis se beneficiem do rastreamento de CP e que este seja menos efetivos naqueles que apresentam comorbidades.23,24,25 Diagnóstico Os principais métodos diagnósticos para evidenciar o CP incluem o exame do toque retal, dosagem sérica do PSA e a ultrassonografia transretal. O diagnostico definitivo se baseia nos achados histopatológicos de adenocarcinoma em espécimes obtidos através de biópsia ou cirurgia prostática. Exame do toque retal. A maioria dos CP se localiza na periferia da próstata e podem ser detectada pelo toque retal quando o volume for igual ou maior a 0,2 mL. Em aproximadamente 18% dos pacientes, o CP é detectado pelo toque retal, independentemente da concentração sérica do PSA.26 Um toque retal suspeito em pacientes com concentração sérica de PSA até 2 ng/mL tem valor preditivo positivo entre 5 e 30%.27 Um toque retal suspeito representa forte indicação para a realização de biópsia, por ser preditor de CP mais agressivo (escore de Gleason > 7).28,29 Antígeno Prostático Específico (PSA) A dosagem de PSA foi um marco revolucionário no diagnóstico do CP.30,31 A concentração sérica de PSA é uma variável independente preditora de CP, sendo superior ao exame do toque retal e a ultrassonografia transretal.32 O PSA é uma protease da família da calicreína, produzida pelo epitélio da próstata que possui a função de solubilizar o esperma após a ejaculação. Pequenas quantidades são liberadas na corrente sanguínea e seu nível sérico pode ser medido. O PSA é produzido exclusivamente pela próstata, mas não é específico do CP, podendo se elevar em outras doenças da próstata como, hiperplasia prostática benigna (HPB), prostatites, isquemia e infarto prostáticos. Além disso, pode haver aumento da concentração sérica após manipulação cirúrgica: biópsias prostáticas, ressecções transuretrais e cistoscopias.33 Antes da realização do exame é recomendado que se aguarde pelo menos 48 horas após o toque retal. A influência da atividade sexual e de exercícios, como o ciclismo, sobre os níveis de PSA permanece controversa, embora aparentemente não exista uma correlação importante, alguns autores sugerem aguardar ao menos 24 horas após para a dosagem do PSA.33 Os inibidores da 5-a-reductase (finasterida, dutasterida) utilizados no tratamento farmacológico da HPB podem reduzir os níveis séricos de PSA aproximadamente à metade, quando utilizados continuamente por um período maior do que seis meses.33 Existem diversos reagentes comerciais disponíveis para dosagem do PSA, entretanto, não existem padrões internacionais disponíveis, dificultando a comutatividade dos resultados de exames entre diferentes laboratórios.34 Inicialmente, o valor de 4,0 ng/mL foi considerado ponto de corte útil para o rastreamento do CP. Posteriormente, o limite de 2,5 ng/mL passou a ser largamente utilizado uma vez que se observou uma taxa de 22% de CP em pacientes com concentração de PSA entre 2,5 e 4,0 ng/Ml.35 A relação entre concentração sérica de PSA (valores iguais ou inferiores a 4 ng/mL) e a prevalência de CP e de grau elevado da doença (escore de Gleason igual ou maior que 7) é apresentada na Tabela 1.36 Os achados demonstram que não existe uma concentração sérica de PSA ideal capaz de detectar tumores não palpáveis, porém clinicamente relevantes. O nível de PSA é um parâmetro contínuo: quanto maior o valor, mais provável a existência de CP. TABELA 1: Relação entre o nível sérico de PSA, a Prevalência de Câncer de Próstata (CP) e grau elevado da doença* Nível de PSA (ng/mL) Prevalência de CP (%) Prevalência de Grau Elevado da Doença (%) 0 – 0,5 6,6 12,5 0,6 – 1,0 10,1 10,0 1,1 – 2,0 17,0 11,8 2,1 – 3,0 23,9 19,1 3,1 – 4,0 26,9 25,0 Os dados se restringiram a homens que apresentaram concentração sérica de PSA igual ou inferior a 4,0 ng/mL. Vários marcadores relacionados ao PSA têm sido descritos visando aumentar sua especificidade na detecção precoce do CP. Dentre outros destacam-se o PSA ajustado pela faixa etária, a velocidade do PSA, e Relação PSA Livre/Total. PSA ajustado pela faixa etária: como a concentração sérica de PSA tende a aumentar com a idade. O uso de um intervalo de referência único para todas as faixas etárias pode levar a não indicação de biópsia em indivíduos mais velhos, com risco de não se detectar cânceres de grau elevado nesses indivíduos. Por outro lado, pode ocasionar sobrediagnóstico em homens mais jovens. A Tabela 2 apresenta intervalos de referência de PSA por faixa etária e etnia, propostos na literatura.37 * Grau elevado de doença foi definido como escore de Gleason igual ou maior a 7. TABELA 2: Intervalos de referência de PSA por faixa etária e etnia Faixa etária Intervalos de Referência (ng/mL) (anos) Asiáticos americanos Afro-americanos Brancos 40 – 49 0 – 2,0 0 – 2,0 0 – 2,5 50 – 59 0 – 3,0 0 – 4,0 0 – 3,5 60 – 69 0 – 4,0 0 – 4,5 0 – 4,5 70 – 79 0 – 5,0 0 – 5,5 0 – 6,5 Velocidade do PSA: A velocidade de aumento do PSA parece ser útil na distinção de homens com e sem CP e na identificação de homens com doença clinicamente significante e com CP fatais.38,39,40,41,42,43 O aumento de PSA acima de 0,75 ng/ml por ano parece estar associado ao alto risco de CP em homens com PSA inicial entre 4 e 10 ng/ml. Porém, valores da velocidade de elevação do PSA de 0,4 ng/ml por ano podem ser usados com PSA inicial abaixo de 4,0 ng/ml, principalmente em homens mais jovens.44 Vale ressaltar que estudos prospectivos demonstraram que a velocidade do PSA não adiciona valor ao diagnóstico de CP quando comparado com a dosagem de PSA isoladamente.45,46,47 Relação PSA Livre/Total: é o marcador mais amplamente investigado e utilizado na prática clínica para distinguir a hipertrofia prostática benigna do CP. Homens com relação igual ou menor a 15% apresentam maior chance de detectar CP.48 A relação é utilizada para estratificar o risco de CP em homens que têm concentração sérica de PSA total entre 4 a 10 ng/mL e toque retal negativo. Entretanto a relação PSA Livre/Total deve ser interpretada com cautela devido aos vários fatores pré-analíticos e interferentes como a instabilidade do PSA livre, variabilidade de desempenho dos ensaios e na hipertrofia prostática benigna com próstata de grande volume.49 Além disso, essa relação não deve ser utilizada quando os valores de PSA total são maiores do que 10 ng/mL ou no seguimento de pacientes sabidamente portadores de CP. Idade e intervalo para o rastreamento do CP: a American Urological Association, a European Association of Urology e a National Comprehensive Cancer Network recomendam o rastreamento com PSA a homens assintomáticos com idade de 40 anos ou mais, que desejam ser avaliados, e com expectativa de vida maior do que 10 anos.50,51,52 Já a American Cancer Society recomenda que homens recebam as informações sobre rastreamento a partir dos 50 anos de idade e dos 45 anos para afroamericanos.53 A European Association of Urology, a American Cancer Society e a U.S. Preventive Task Force não recomendam o rastreamento após 75 anos.51,53,54 Acima dessa idade, se o homem não tiver no mínimo 10 anos de expectativa de vida haveria baixo potencial de benefício com o rastreamento. Apesar de existirem relatos de intervalo anual ou bianual de rastreamento, o intervalo ideal para realização do rastreamento não está claro. Há evidências de que homens com PSA inicial muito baixo (ex. <1,0 ng/ml) raramente apresentarão indicação de biópsia prostática em dois, quatro anos ou até mesmo oito anos.55,56 A periodicidade do teste com PSA e toque retal é motivo de discussão, mas é consenso que sempre deve-se levar em consideração vários fatores de risco, como faixa etária, raça, história familiar, níveis iniciais de PSA, velocidade do PSA, entre outros fatores.57 Conclusão: Quarenta anos após a identificação do PSA e quase 20 anos após este marcador ter sido disponibilizado para o rastreamento do CP, ainda há controvérsia sobre o seu real impacto na redução da mortalidade por esse câncer. Recentemente, a US Preventive Task Force se posicionou contra a realização do rastreamento, considerando que os danos causados pelo rastreamento podem superar os benefícios, gerando grande debate sobre o rastreamento do CP, com pronunciamentos pró e contra a esse posicionamento.3,7,58,59 Não há ainda evidências científicas de que esse rastreamento possa produzir mais dano do que benefício ou se há indicação para ser realizado de forma generalizada. A decisão de iniciar ou continuar o rastreamento do CP será individualizada, considerando fatores de risco do indivíduo. O médico assistente deverá informar sobre os riscos e benefícios dessa prática.58 Bibliografia 1. Parkin DM, Bray FI, Devesa SS. Cancer burden in the year 2000: the global picture. Eur J Cancer 2001;37(Suppl 8):S4-66. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2010: Incidência de Câncer no Brasil: Introdução. Rio de Janeiro: INCA, 2010. [Acesso em 10 ago 2012]. 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