CONTEXTOS ECONÔMICOS PARA A CRIAÇÃO DA NOVA LEGISLAÇÃO DA
TV POR ASSINATURA NO BRASIL
Ana Carolina Westrup1
1
Mestre em Comunicação e Sociedade (PPGCOM) da Universidade Federal de Sergipe/Brasil e Pesquisadora do Observatório de
Economia e Comunicação da UFS e do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS).
*[email protected]
INTRODUÇÃO
A criação do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), coloca sob as mesmas normas as
modalidades de TV por assinatura, antes regulamentadas de forma diferenciada: satélite (DTH),
microondas (MMDS), TV à cabo (TVC) e Serviço Especial de Televisão por assinatura (TVA).
Em síntese, o texto aprovado permite a entrada de operadoras de telefonia no mercado (elas passam a
explorar o setor de TV a cabo em suas áreas de concessão), e o fim dos limites impostos ao capital
estrangeiro que ainda existiam em algumas plataformas, além de estabelecer cotas de programação nacional
para os canais, colocando sob a responsabilidade da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o poder para
regular e fiscalizar o exercício da produção, programação e empacotamento de conteúdo.
A Lei 12. 485 ainda disciplinou a distribuição obrigatória dos canais legislativos e dos canais do
STF, de radiodifusão pública, do Poder Executivo federal, educativo e cultural, comunitário, de cidadania e
universitário – nas regulamentações anteriores, somente os serviços de TV a cabo é que estavam obrigados a
distribuir os canais obrigatórios, ficando livres deste ônus as outras plataformas –, e um incremento
financeiro, através de recursos do BNDES e uma nova Condecine1, a ser paga por empresas de
telecomunicações, para o Fundo Setorial de Audiovisual (FSA), para o fomento da produção independente.
No que diz respeito ao conteúdo nacional, a SeAC obriga a veiculação de conteúdos brasileiros nos
canais de espaço qualificado2, com uma cota de 3 horas e 30 minutos semanais de seu horário nobre3, sendo
que no mínimo metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente. A implantação dessa
obrigatoriedade foi de forma gradativa, até o ano de 2014.
A SeAC também regulamentou o obrigatoriedade dos canais brasileiros dentro de cada pacote
ofertado ao assinante, através do dispositivo presente no Capítulo V, determinando que todos os pacotes
oferecidos aos consumidores incluiriam 1 canal de espaço qualificado de programadora brasileira para cada 3
canais de espaço qualificado.
Ao mesmo tempo em que a Lei 12.485 é vigorosa na defesa do conteúdo nacional, ela supera todas
as barreiras à entrada das empresas de telecomunicação. O contexto econômico no qual a SeAC foi
construída, explica tanto o posicionamento das empresas de telecomunicação quanto das empresas nacionais
de comunicação para o resultado dessa nova legislação para a TV por Assinatura.
Negociação entre a concepção conservadora e liberal
Antes de discutirmos sobre os contextos econômicos específicos que regem a SeAC e os papeis entre
as empresas nacionais de comunicação e as telecomunicação, vamos contextualizar, a partir das contribuição
1
Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).
2
Pela regulamentação da Ancine, canais de espaço qualificado são aqueles que, no horário nobre, veiculam obras
audiovisuais de espaço qualificado em mais da metade da grade de programação
3
A Instrução Normativa 100 da Ancine estabeleceu o horário nobre, nos canais direcionados para crianças e
adolescentes das 11h às 14h e das 17h às 21h; para os demais canais, das 18h às 24h.
da Economia Política da Comunicação, a disputa entre três principais concepções presentes nos marcos
regulatórios para a televisão no Brasil: a conservadora, a progressista e a liberal.
Para Bolaño (2007) duas concepções hegemônicas foram responsáveis pelos modelos de legislação
para o mercado do audiovisual brasileiro: uma corrente conservadora, predominante no período da ditadura
militar, defendia um modelo para a televisão brasileira concentrado e nacional e a corrente liberal, emergindo
de forma mais veemente a partir das reformas liberalizantes no Governo de Fernando Henrique e a
privatização das telecomunicações. No exercício da contra-hegemonia, atua a concepção progressista, em
defesa da comunicação como direito humano e serviço público, a partir da pluralidade e democratização do
acesso aos meios de comunicação.
As empresas de telecomunicação atuam na abertura dos mercados do audiovisual brasileiro para o
capital estrangeiro, defendendo a concepção liberal que já se forjava na Lei Geral das Telecomunicações, e
as empresas nacionais de comunicação atuam na manutenção do modelo concentrador e nacionalista para a
TV Aberta no Brasil, traduzido no Código Brasileiro de Comunicação, ao mesmo tempo em que defendem
uma participação ativa dessas empresas no mercado de TV por Assinatura.
Resultado desse esforço promovido pela concepção conservadora são as barreiras legais ao capital
estrangeiro, principalmente na Lei do Cabo, que restringiam à entrada de novos concorrentes e consolidavam
dois grupos nacionais - Organizações Globo e o Grupo Abril - que atuavam em quase todos os segmentos do
mercado de TV por Assinatura: distribuição, programação ou produção de conteúdos.
Entretanto, a capacidade de investimento necessário para a criação de uma infraestrutura capaz de
ampliar a transmissão se tornou cada vez mais difícil para as empresas nacionais de comunicação. A
dificuldade financeira se deve ao fato da disponibilização de um grande volume de recursos, desde a
promulgação da Lei do Cabo em 1995, para a ampliação do mercado. Entre os anos de 2002 e 2003, os
grupos de comunicação entram em uma profunda crise e são socorridos por empréstimos do BNDES.4
Ao mesmo tempo, a partir da promulgação da Lei Geral das Telecomunicações em 1997, com a
privatização das telecomunicações no Brasil, a concepção liberal atinge o mercado de TV por Assinatura,
com a entrada de duas plataformas consideradas como serviços de telecomunicações: a MMDS e DTH.
Nos dois casos, ao contrário da TV a Cabo e da Televisão por Assinatura (TVA), não há qualquer
restrição ao capital estrangeiro, sendo apenas necessário que a empresa esteja constituída segundo as leis
brasileiras com sede e administração no país, sujeitos a Lei Geral de Telecomunicação..
Para Brittos e Bolaño (2007), com a permissão de entrada de capital internacional nas empresas
prestadoras de serviço de TV por Assinatura, o mercado ganha uma nova complexidade: aumento da
concorrência envolvendo blocos de capital nacional e internacional, articulações entre empresas nacionais e
conglomerados mundiais e a maior ampliação da oferta de produção internacional.
Enquanto isso, os grupos nacionais, pioneiros no mercado de televisão por Assinatura, passam a se
organizar para atuar somente em um segmento de mercado: a produção e programação de conteúdo. A
estratégia comercial das Organizações Globo é um exemplo dessa opção. Investindo nos canais Globosat, de
quatro canais, no seu lançamento em 1991, a Globosat chega a marca de 41 canais no final de 2014. 5 Essa
reorganização das empresas de comunicação nacional, principalmente as Organizações Globo, foi
fundamental para as cotas de conteúdo nacional presentes na SeAC.
Inicia assim a negociação entre a concepção conservadora e liberal. Enquanto para o modelo de
negócios das empresas nacionais de comunicação, a garantia de uma reserva para a produção e programação
4
Folha de São Paulo em 15/02/2004: ‗‘Mídia nacional acumula dívida de R$ 10 bilhões‘‘: ‗‘[...] O endividamento
da Globo vem dos investimentos feitos, a partir de 95, em TV a cabo (Net Serviços), em TV por satélite (o projeto
Sky,
em
parceria
com
Rupert
Murdoch)
e
na
Globosat.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u80744.shtml, acessado em 15 de março de 2015.
5
Ver dados em: http://www.robertomarinho.com.br/obra/globosat/divisao/divisao-entre-producao-edistribuicao.htm
- acessado em 17 de março de 2015
de conteúdo atendia a sua estratégia comercial no mercado de TV por Assinatura, para a concepção liberal, a
abertura do capital internacional, mesmo que limitada à distribuição de conteúdo, foi fundamental para as
empresas de telecomunicação, já com vistas as redes de transmissão, a partir da convergência de serviços
que combina voz, dados e multimédia sob um único canal de comunicação de banda larga: o chamado triple
play.79
CONCLUSÕES
Como vimos acima, a crise de investimento das empresas nacionais de comunicação no início na
implantação da TV por Assinatura no Brasil, junto com a abertura do capital estrangeiro promovido pela
LGT e as plataformas MMDS e DTH, foram elementos importantes para a formulação de uma nova
legislação que atendessem os duas concepções hegemônicas no mercado audiovisual brasileiro: a liberal e a
conservadora.
A primeira questão se dava na unificação de uma legislação para a TV por Assinatura, independe de
tecnologia/plataforma que derrubasse a entrada do capital estrangeiro, a segunda a divisão de papéis entre as
empresas nacionais e as de telecomunicações no mercado, e por fim, a capacidade de investimento para
infraestrura e redes de transmissão e uma reserva de programação nacional. Em síntese, esse foi o espelho da
SeAC.
Embora a negociação entre a concepção liberal e conservadora tenha sido o elemento principal para a
aprovação da SeAC, a convergência entre a concepção progressista, principalmente em relação a defesa pelo
conteúdo nacional, esteve presente nessa legislação, contudo, a atuação dessa última corrente, como em
outros momentos da formatação das políticas de comunicação, tenha sido coadjuvante, não na sua pressão,
mas no reconhecimento desses atores na que temos como resultado legislativo.
Trocando em miúdos, se não houvesse essa confluência de interesses econômicos entre as duas
concepções (liberal e conservadora), um dos principais ganhos apontados pelos setores progressistas – as
cotas para conteúdos nacionais – não seriam concretizadas.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BOLAÑO, César. Qual a lógica das Políticas em Comunicação no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007.
------------, e BRITTOS, Cesar e Valério. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e
movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007.
RAMOS, Murilo. Televisão a Cabo no Brasil: desestatização, privatização e controle público. Intexto,
Porto Alegre: UFRGS, v. 2, n. 4, p. 1-20, julho/dezembro 1998
RAMOS e SANTOS, Murilo e Suzy. Políticas de Comunicação: Buscas teóricas e práticas; São Paulo:
Paulus, 2007.
Legislação
BRASIL. Lei nº 12.485, 12 de setembro de 2011. Dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso
condicionado
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