ESTUDO COMPARATIVO DO USO DO FORMOL E GLICERINA
SEMIPURIFICADA NA CONSERVAÇÃO DE PEÇAS ANATÔMICAS E SUA
RELAÇÃO COM ENSINO-APRENDIZAGEM
Thaís Brasil Silveira1, Luciana dos Santos Medeiros2, Soraia Figueiredo de Souza2,
Rui Carlos Peruquetti2, Yuri Karaccas de Carvalho2
1.Graduanda em Medicina Veterinária, Centro de Ciências Biológicas e da Natureza
2.Professor(a) Doutor(a), Centro de Ciências Biológicas e da Natureza, Universidade
Federal do Acre
([email protected])
Recebido em: 30/09/2014 – Aprovado em: 15/11/2014 – Publicado em: 01/12/2014
RESUMO
Buscam-se atualmente diversas alternativas à utilização de formol na conservação
de cadáveres. A glicerina é um subproduto do Biodiesel e mostra-se uma boa
substituta na conservação de peças anatômicas. Porém, o uso da técnica de
glicerinização na conservação de peças anatômicas utilizando glicerina refinada,
torna-se cara e inviável para muitos laboratórios de anatomia do país. O objetivo
desse estudo foi comparar a utilização de glicerina semipurificada e formol na
conservação de peças anatômicas e sua relação com ensino-aprendizagem. Foram
utilizadas peças provenientes de frigoríficos as quais foram dissecadas, conservadas
e formolizadas. Posteriormente, as peças anatômicas foram distribuídas em três
grupos: (A) In natura – Referência; (B) Glicerina Semipurificada subproduto do
biodiesel; (C) Formol. Após o tratamento, as peças foram apresentadas aos alunos
da graduação para que fossem avaliadas quanto à textura, odor, estruturas, aspecto,
manipulação e coloração por meio de um questionário. Após a interpretação dos
resultados obtidos, observou-se que os alunos demonstraram um alto grau de
aceitação para com a peça glicerinizada em função da praticidade, ausência de
odor, fácil manipulação e por não possuir efeitos tóxicos. Este achado estimula a
utilização deste produto no ensino-aprendizado como substituto do formol na
preservação de peças anatômicas.
PALAVRAS-CHAVE: Formol, Glicerina Semipurificada, Biodiesel.
COMPARATIVE STUDY ON THE USE OF FORMALDEHYDE AND GLYCERIN
SEMIPURIFIED IN CONSERVATION OF ANATOMICAL PARTS AND ITS
RELATION TO TEACHING-LEARNING
ABSTRACT
Currently several alternatives to the use of formaldehyde in the preservation of
corpses are seeked. Glycerin is a biodiesel product and proves to be a good
substitute on the preservation of anatomical specimens. However, the use of refined
glycerin on conservation of anatomical parts becomes expensive and unaffordable
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for many anatomy laboratories. The aim of this study was to compare the use of
semipurified glycerin and formaldehyde on the preservation of anatomical specimens
and its relation to teaching and learning. Tissues collected on slaughterhouses were
dissected and preserved. Subsequently, the specimens were divided into three
groups: (A) In natura – cooled tissues as reference; (B) biodiesel semipurified
glycerin; (C) Formaldehyde. After treatment, the tissues were presented to
undergraduate students. The tissues’ texture, odor, structure, appearance, and color
were evaluated by a questionnaire. The students showed a high degree of
acceptance with the glycerin preserved tissue. It was easy to handle, with practically
no odor and toxic effects. This finding encourages the use of this product as a
substitute for formaldehyde on the preservation of anatomical specimens.
KEYWORDS: Formaldehyde, Semipurified Glycerin, Biodiesel
INTRODUÇÃO
O estudo macroscópico das vísceras e estruturas anatômicas é dado pela
Anatomia (DANGELO & FATTINI, 2010). A Anatomia é uma disciplina que faz parte
da matriz curricular de cursos relacionados às Ciências Biológicas (BRAZ, 2009).
Um dos desdobramentos desse estudo é a Anatomia Comparada, a qual busca
semelhanças estruturais e funcionais no processo evolutivo dos seres vivos
(DANGELO & FATTINI, 2010; KARDONG, 2011).
As observações das estruturas tridimensionais são consideradas
fundamentais ao aprendizado (FORNAZIERO & GIL, 2003) e a conservação
adequada se faz necessária. Neste contexto, sabe-se que a conservação de peças
anatômicas vem sendo utilizada a mais de 5000 anos sendo que a utilização de
cadáveres é um método de ensino difundido nas Universidades em todo mundo e
que contribui para o treinamento prático e melhor aprendizado dos alunos (SILVA et
al. 2008; GIGEK et al, 2009).
As técnicas de conservação possuem como principal objetivo preservar as
características morfológicas o mais próximo possível das que são encontradas em
peças anatômicas de animais vivos. Isso inclui cor, consistência dos tecidos,
flexibilidade e aspecto (BRAZ, 2009).
A utilização de formol é popular devido ao baixo custo de produção da
técnica, boa penetração nos tecidos animais, impede a multiplicação de patógenos e
evita a deterioração do material (OLIVEIRA et al., 2013). Entretanto, por apresentar
toxicidade e aos manipuladores a Associação de Saúde e Segurança Ocupacional
(OSHA) em 1987 definiu uma normativa para os padrões de tolerância na utilização
do formaldeído. Já o Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional (NIOSH)
faz a recomendação de que não seja apropriado determinar níveis de tolerância à
exposição ao produto (KIMURA & CARVALHO, 2010).
Segundo RODRIGUES (2010), a glicerina refinada é usada na conservação
de peças anatômicas, sendo esta eficiente e não tóxica durante a sua manipulação,
porém é extremamente cara e inviável para diversos laboratórios de anatomia no
país. Uma alternativa a esta técnica, foi proposta por CARVALHO et al. (2013), os
quais relatam a viabilidade na conservação de peças anatômicas a baixo custo com
o emprego da glicerina semipurificada proveniente do biodiesel. Diante disso, o
propósito deste estudo foi avaliar a viabilidade e possíveis impactos na relação
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ensino-aprendizagem com o uso de peças anatômicas in natura e conservadas em:
solução de formaldeído e em glicerina semipurificada.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado na Universidade Federal do Acre, no Laboratório de
Anatomia Animal do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza, o qual foi
constituído por duas etapas:
1 – Preparação e Conservação de Peças Anatômicas em diferentes fixadores
Foram utilizados 06 (seis) conjuntos de sistema genital feminino de bovinos
provenientes de frigoríficos. O material coletado foi transportado, refrigerado e
dissecado no Laboratório de Anatomia Animal. Para um melhor desenvolvimento do
método. Após a dissecação 02 (dois) conjuntos foram mantidos congelados in
natura, e 04 (quatro) conjuntos foram pré-fixados em solução de formaldeído (4%)
durante 24 horas. Após a prefixação, as peças anatômicas foram distribuídas em
três grupos: (A) In natura – Referência; (B) Glicerina Semipurificada subproduto do
biodiesel; (C) Formol.
As peças do grupo (B) passaram pelo processo de Glicerinação composto por
três etapas: (1) Desidratação, (2) Clareamento e (3) Fixação Secagem, com duração
de aproximadamente de 35 dias. O processo de desidratação teve duração de
aproximadamente sete dias em temperatura ambiente, constituído basicamente pela
imersão das peças em solução de álcool etílico (70%) contida em recipientes
plásticos. O Clareamento foi realizado por meio da perfusão das peças em solução
de água oxigenada 3%, sendo novamente conservada em caixas plásticas com
tampa, por sete dias em temperatura ambiente. Após o clareamento as peças foram
fixadas em solução de Glicerina 98% e Álcool Etílico 100%, na proporção 1:2
durante 21 dias e depois fixadas em solução de formaldeído à 10% por 15 dias.
Após a realização das técnicas de fixação foi feito um registro fotográfico das
peças para a apresentação das mesmas aos alunos da graduação em Medicina
Veterinária para que estes pudessem avaliá-las.
2 - Avaliação da relação ensino-aprendizagem da anatomia com peças
anatômicas conservadas em diferentes fixadores
Uma vez conservadas as peças anatômicas em diferentes fixadores, essas foram
fotografadas e realizou-se então uma avaliação por meio de um questionário com
perguntas de múltipla escolha, a fim de verificar as impressões de alunos a respeito
de parâmetros como textura do material, odor percebido ao manuseio das peças,
estruturas identificáveis, aspecto das peças e suas avaliações, coloração observada
e facilidade de manipulação. O preenchimento do questionário foi realizado por 30
(trinta) alunos de graduação do curso de Medicina Veterinária e ficou condicionado à
observação das peças formolizada (Figura 1) e glicerinizada (Figura 2), levando em
consideração os conjuntos in natura. Após a apresentação e aplicação do
questionário aos alunos, os dados obtidos foram tabulados e analisados.
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c
c
d
d
a
b
b
a
e
FIGURA 1 – Sistema Genital Feminino de
Bovino fixado em solução de formol. a.
Ovário; b. Tuba uterina; c. Corno uterino;
d. Corpo uterino; e. Cérvix. Barra = 5 cm.
Fonte: Thais Brasil
e
FIGURA 2 – Sistema Genital Feminino de
Bovino fixado em glicerina semipurificada.
a. Ovário; b. Tuba uterina; c. Corno uterino;
d. Corpo uterino; e. Cérvix. Barra = 5 cm.
Fonte: Thais Brasil
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As peças anatômicas conservadas em formol e em glicerina semipurificada
proveniente do biodiesel foram avaliadas de acordo com o odor, armazenamento,
manipulação, textura, estruturas anatômicas e quanto a semelhança com a peça
anatômica in natura.
No tópico “odor” houve unanimidade quanto à constatação de algum tipo de
odor na peça formolizada sendo que somente 23,3% dos alunos afirmaram o mesmo
para a peça glicerinizada. Constatou-se ainda que 76,67% das peças em formol
apresentaram odor desagradável; 23,33% odor regular. As peças em glicerina
semipurificada foram classificadas em 16,67% com odor regular; 6,67% odor
agradável e 76,66% não sentiram nenhum tipo de odor (Gráfico 1). Segundo CURY
et al. (2013) a glicerina é um produto inodoro, o qual vai de encontro aos nossos
resultados.
GRÁFICO 1 – Classificação do odor na percepção dos alunos
em desagradável, regular, agradável ou sem cheiro.
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Quanto ao manuseio da peça formolizada, 73,4% dos alunos afirmaram que
houve influência no ensino-aprendizado devido ao odor que as peças exalavam. Já
a respeito da peça glicerinizada, apesar de alguns alunos afirmarem que a peça
possuía algum tipo de odor, estes consideraram que o ensino-aprendizado não seria
prejudicado. Estes relataram ainda que seria necessário buscar lugares abertos para
a realização de algumas aulas práticas devido ao forte odor das peças formolizadas.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA) (2014) a inalação de formol
pode causar irritação nos olhos, nariz, mucosas e trato respiratório superior. Em
altas concentrações pode causar bronquite, pneumonia ou laringite. Os sintomas
mais frequentes no caso de inalação são fortes dores de cabeça, tosse, falta de ar,
vertigem, dificuldade para respirar e edema pulmonar.
A técnica de glicerinização possui vantagens quanto ao armazenamento, pois
não promove a liberação de gases tóxicos, sem causar agressão ao meio ambiente
e aos manipuladores (SILVA et al., 2008; CARVALHO et al., 2013). Os resultados
obtidos acompanham o descrito anteriormente, uma vez que 84% dos alunos
afirmaram que a peça glicerinizada seria bem aceita durante atividades práticas.
Quando avaliado o local de armazenamento, os produtos utilizados para
preservação da peça e o manuseio desta desde o local de preservação até o de
manipulação o método de glicerinização foi classificado como excelente e muito bom
por 90% dos alunos já a técnica de formolização foi avaliada como regular e
péssimo por 76% (Gráfico 2).
Gráfico 2 – Classificação do método pelos alunos
quanto
armazenamento,
produtos
utilizados
para
preservação
e
manuseio das peças em excelente,
muito bom, regular ou péssimo.
Quando indagados se havia necessidade da utilização de algum equipamento
de proteção individual para o manuseio da peça formolizada, 86,7% dos alunos
afirmaram que sim. Estes relataram ainda que ocorreu algum tipo de manifestação
clínica (por exemplo: irritação dos olhos ou nariz) durante a manipulação da mesma,
enquanto que nenhum aluno afirmou o mesmo para a peça glicerinizada.
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A maioria dos alunos (87%) afirmaram que havia o conhecimento de algum tipo
de malefício relacionado a manipulação da peça formolizada sem a utilização de
equipamentos de proteção individual (EPI). De acordo com o INCA (2014), o contato
com o vapor ou com a solução pode deixar a pele esbranquiçada, áspera e causar
forte sensação de anestesia e necrose na pele superficial. O Instituto Nacional de
Segurança e Saúde Ocupacional (NIOSH), desde 1993, passou a considerar o
formaldeído como fator de risco carcinogênico aos trabalhadores com convivência
com essa substância em todas as suas atividades. Estudos recentes reforçam a
necessidade da utilização de EPI durante a manipulação de peças formolizadas
(VERONEZ, et al. 2010; VIEIRA et al., 2013).
Os alunos consideraram a peça formolizada mais flexível que a peça
glicerinizada na avaliação do tipo de textura identificável (Gráfico 3). Quando
questionados se a textura das peças se assemelhava a da peça in natura, 16,7%
dos alunos responderam que sim para a peça glicerinizada e 36,7% para a peça
formolizada. Tais resultados podem ter ocorrido devido à técnica de glicerinização
causar desidratação da peça tratada, levando a perda de fluídos o que torna a peça
glicerinizada menos flexível.
GRÁFICO 3 – Classificação da textura identificada
pelos alunos após análise tátil.
Comparando a coloração das peças analisadas com a peça in natura os alunos
consideraram que a peça formolizada possuía maior semelhança (Gráfico 4).
Conforme GIGEK et al. (2009) o clareamento define aspecto esbranquiçado às
peças tratadas quando utiliza-se glicerina pura e CARVALHO et al. (2013)
complementa afirmando que há um custo alto para produção em grande escala.
Ainda segundo CARVALHO et al. (2013), a técnica utilizando glicerina
semipurificada promove coloração amarelada, tornando-se natural a preferência dos
alunos pela peça formolizada, já que esta mantém aspecto entre o róseo e o roxo,
sendo assim mais semelhante a peça in natura. Reafirma-se desta forma os
resultados descritos anteriormente quando analisada a semelhança entre as peças
anatômicas.
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GRÁFICO 4 – Classificação da semelhança das
estruturas identificáveis nas peças
comparada com a peça in natura.
Adicionalmente, a identificação das estruturas anatômicas, em ambos os
métodos de fixação, não foi prejudicada mesmo que ocorrendo predileção pela peça
formolizada pelos alunos. A semelhança do padrão das estruturas observadas foi
classificado como “regular” para a peça glicerinizada, não havendo diferença
significativa entre os diferentes grupos B e C quando comparados ao in natura
(grupo A).
CONCLUSÃO
Pode-se demonstrar então que a técnica de fixação utilizando glicerina
semipurificada subproduto do biodiesel quando relacionada ao ensino-aprendizado
possui um alto grau de aceitação pelos alunos podendo substituir a utilização de
formol. Isto deve-se ao fato de que a técnica de glicerinização promove um
armazenamento simples das peças, onde as mesmas podem ser guardadas em
recipientes sem a necessidade de preenchimento do mesmo com algum tipo de
produto e também por manter as características morfológicas das estruturas
anatômicas permitindo assim que os docentes e os alunos possam trabalhar com
menos riscos à saúde e maior rendimento no aprendizado.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Universidade Federal do Acre por possibilitar
desenvolvimento deste estudo e pela concessão da bolsa de Iniciação Científica.
o
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