UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BERNARDINA SILVA DE CARVALHO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS ALFABETIZADORES DO PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA: Um estudo de caso realizado nos Municípios de Pitimbu e Assunção/PB JOÃO PESSOA - PB 2003 2 BERNARDINA SILVA DE CARVALHO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS ALFABETIZADORES DO PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA: Um estudo de caso realizado nos Municípios de Pitimbu e Assunção/PB Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação, Estado e Políticas Públicas. Orientadora: Profª Drª Rogéria Gaudêncio do Rêgo JOÃO PESSOA - PB 2003 3 C 331p Carvalho, Bernardina Silva. Práticas Pedagógicas dos alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária: Um estudo de caso realizado nos Municípios de Pitimbu e Assunção/PB/Bernardina Silva de Carvalho. – João Pessoa, 2003. 139 p. : il. Orientadora: Orientadora: Rogéria Gaudêncio do Rêgo Dissertação (mestrado)-UFPB/CE 1. Educação. 2. Práticas Pedagógicas 3. Conscientização. 4.Educação de Jovens e Adultos. 5. Educação Popular. UFPB/BC CDU: 37 (043) 4 BERNARDINA SILVA DE CARVALHO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS ALFABETIZADORES DO PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA: Um estudo de caso realizado nos Municípios de Pitimbu e Assunção/PB Aprovada em 04 de junho de 2003 BANCA EXAMINADORA ________________________________ Profª. Drª. Rogéria Gaudêncio de Rêgo Orientadora Universidade Federal da Paraíba – UFPB ___________________________________ Profª. Drª. Lúcia de Fátima Guerra Ferreira Universidade Federal da Paraíba - UFPB _____________________________________ Prof. Dr. Dorgival Gonçalves Fernandes Universidade Federal de Campina Grande - UFCG JOÃO PESSOA 2003 5 Um trabalho que temos a graça e a oportunidade de fazer, é nossa realização. Dedicar a alguém é demonstrar, reconhecer que eles também ajudaram de algum modo. Ao Pai por me permitir desfrutar de sua fiel companhia durante toda a caminhada Ao meu esposo Paulo Carvalho, pelo apoio e incentivo; também pelo companheirismo e toda beleza de vivermos juntos. As minhas filhas Laryssa, Rayssa e Thayssa, companheiras eternas em minha vida. A minha mãe Júlia, semente de tudo em minha vida. Eu hoje simplesmente aplico suas primeiras lições sobre o lutar e viver com ética e dignidade. A memória de meu pai Inácio Paulo, lavrador, pai amoroso, mas foi impedido de acompanhar o crescimento pessoal e profissional dos seus filhos, porque teve sua vida cessada pela ausência de amor entre os seres humanos. Aos alfabetizadores(as) do PAS que souberam resistir às dificuldades, a favor da utopia da liberdade solidária das suas comunidades. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço a todos alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária, em especial aos que atuaram no módulo XII pela atenção e encorajamento que recebemos para tornar possível este estudo. As professoras Juracy e Luciana, que juntas aos alfabetizadores e alfabetizandos, através do processo de alfabetização de jovens e adultos têm lutado pelas causas legítimas e concretas da comunidade. A minha Orientadora professora Drª Rogéria Gaudêncio de Rêgo, faço questão de agradecerlhe calorosamente pela confiança depositada em mim e por ter alimentado a minha autoestima a cada encontro nosso. Juntas conseguimos transformar os problemas em possibilidades. À minha professora Maria Edna Aguiar Gomes, cuja presença está muito viva nas páginas deste trabalho. Ao caro amigo Severino Bezerra da Silva, pelas valiosas orientações, e sobretudo, pelo incentivo primeiro para a realização deste curso de pós-graduação. Ao professor Dr. Roberto Jarry Richardson, pelo carinho com me ensinou os primeiros passos para uma pesquisa científica. Temos muitos colegas, amigos e parentes cujo apoio e incentivo nos permitiram empreender este trabalho. Entre eles, queremos agradecer de forma muito carinhosa a Vaz Néto, Vilma de Lurdes, Aparecida de Lourdes, Luciano Silva, Belijane Feitosa, Edseuda Marques, Vilma Assis, Rosilene Mariano e Ednée Dantas. Aos colegas de turma, especialmente a Lúcia Damásio com a qual desenvolvemos maior afinidade, o que nos possibilitou socializar os conhecimentos adquiridos e a partilhar numa atitude de cumplicidade, as dificuldades, as frustrações, mas também o sucesso alcançado. 7 A paz se cria e se constitui com a superação das realidades sociais perversas. A paz se cria e se constitui com a edificação incessante da justiça social. Por isso não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de revelar o mundo das injustiças, o torne opaco e tenda a cegar suas vítimas. Paulo Freire 8 RESUMO Este trabalho surgiu de um estudo de caso realizado nos municípios de Pitimbu e Assunção , ambos localizados no estado da Paraíba, averiguando as Práticas Pedagógicas dos alfabetizadores de jovens e adultos do Programa Alfabetização Solidária, observando como suas práticas refletem nas conquistas, expectativas, necessidades e dificuldades presentes no cotidiano dessa ação pedagógica, procurando entender os significados dessa experiência para suas vivências. Escolhemos, como foco dessa investigação trabalhar com a categoria conscientização, enquanto caminho que poderá possibilitar na emancipação política dos sujeitos sociais envolvidos nesse contexto educacional, pois, entendemos que nesse processo as categorias saber/poder se implicam mutuamente, uma vez que o poder se constitui de um campo de saber e que culturalmente em nossa sociedade isso reflete numa relação de dominação. Portanto, para adentrarmos no interior destas questões que estão presentes nas práticas sociais, especialmente no seio da educação formal é que nos apoiamos na filosofia freireana, através da sua vasta contribuição sobre Educação de Jovens e Adultos e Educação Popular, mediatizadas pela concepção de uma Pedagogia do Diálogo. PALAVRAS-CHAVE: Práticas Pedagógicas; Conscientização; Educação de Jovens e Adultos; Educação Popular. 9 ABSTRACT This work is the result of a study developed in the towns of Pitimbu and Assunção, both located in Paraíba State. The main objective of this research consists in the investigation of the youth and adult’s teaching practices according to the patterns established by the Alfabetização Solidária Programme. The study will analyse the conquests, expectations, necessities and difficulties present in the teachers’ daily pedagogical practice, relating the meaning of this experience to their lives. The investigation focuses on the philosophical category of awareness considering it as the social subjects’ facilitator in the political emancipation process, stage that overlaps the educational competence. In this context, the categories of knowledge and power are mutually involved, considering the second one as a scientific field that, to a cultural extend, reflects a domination relationship. During the examination of these issues, all present in social practices and especially in formal education, the research will be supported by Paulo Freire’s theory, for his wide contribution to the youth and adult education as well as to popular education. These concepts will be mediated by the notion of a dialogical pedagogy. KEY - WORDS: Teaching Practices, Awareness, Youth and Adult Teaching, Popular Education. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 11 CAPÍTULO I: A OPÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA......................................... 18 CAPÍTULO II: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ........................................................ 28 2.1 Panorama da Educação de Jovens e Adultos no Brasil................................................. 29 2.2 Educação Popular – “Possibilidade da emergência de uma educação para o povo” .... 33 2.3 A teoria Freireana: “O diálogo como o encontro entre os homens para sua libertação” .................................................................................... 43 CAPÍTULO III: O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA E A PARCERIA COM A UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. .......................... 54 CAPÍTULO IV: OS ALFABETIZADORES: EDUCANDO NA PERSPECTIVA DE APROXIMAR OS ALFABETIZANDOS PARA A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE MAIS SOLIDÁRIA ............................................................................ 73 CAPÍTULO V: ANALISANDO OS DADOS PARA COMPREENDER A REALIDADE .................................................................................................................... 89 NOSSAS CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 109 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 121 APÊNDICES ..................................................................................................................... 126 APÊNDICE A – Esquema para realização das anotações durante as observações ............ 127 APÊNDICE B – Roteiro para entrevista semi-estruturada realizada com os Alfabetizadores do PAS, módulo XII, no município de Pitimbu. .......... 128 APÊNDICE C – Questionário ao educador ........................................................................ 129 ANEXOS............................................................................................................................ 132 ANEXO A - Texto de Bertold Brecht “O Analfabeto Político”. ANEXO B – Produção discente: “Defeito do Cidadão”. ANEXO C – Texto de Rubem Alves “Gaiolas e Asas”. ANEXO D – Produção discente “Rimas de um Sonhador”. ANEXO E – Poesia finalista de uma alfabetizando “Assunção minha cidade querida”. 11 INTRODUÇÃO Um projeto que visa erradicar o analfabetismo no Brasil carece de uma vontade política que o proponha e o execute efetivamente em função da superação da carência existente, o que implica planejamento satisfatório e gerenciamento do projeto por profissionais com competência pedagógica e administrativa, mas também com comprometimento político no sentido de trabalhar com adequação científica, cultural e técnica em função da emancipação dos sujeitos que se submetem ao seu processo. Entretanto, do ponto de vista pedagógico, entendemos que esse processo de alfabetização deve caracterizar-se por uma aprendizagem dinâmica e politicamente integrada nas condições sócio-econômicas e culturais dos alfabetizandos, tanto na esfera individual quanto social, para tanto, fazendo uso dos mais significativos mecanismos da pedagogia, seja no desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, nas psicomotoras e nas afetivas. A alfabetização de adultos no Brasil é uma demanda muito desafiadora, porque os adultos que não sabem ler e escrever são, na maioria, oriundos do sistema escolar regular e muitas vezes trazem experiências frustrantes por não terem conseguido dominar a palavra escrita (Ação Educativa / MEC 1998). No Brasil o percentual da população de 15 anos ou mais, sem instrução ou com menos de um ano de estudo no censo de 1996 é de 39,4%. No caso específico da população rural é de 28,9%, e da população urbana é de 10,5%. Nessa mesma categoria a Região Nordeste 12 apresenta o índice na zona rural de 41,9%, e na zona urbana é de 18,4%. No caso específico da Paraíba, a zona rural apresenta um percentual de 44,0% e a urbana 22,7% na faixa etária indicada (MEC/INEP, 2000). Na tentativa de contribuir para minimizar os dados dessa calamidade educacional brasileira e paraibana a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) se dispôs fazer parceria com Programa Alfabetização Solidária (PAS) (implantado para reduzir o índice acima apresentado), objetivando contribuir, através do processo de formação dos alfabetizadores nos municípios de Assunção e Pitimbu – PB, para a criação de uma sociedade mais reflexiva e crítica, portanto, menos desigual. A alfabetização é um processo cultural que pode gerar poder, pois a cultura escrita e o letramento ganham a legitimidade necessária nas lutas sociais dos subalternos. Assim, lendo Vygotsky (1984) escreve Tfouni (1997, p. 21): O letramento representa o coroamento de um processo histórico de transformação e diferenciação no uso de instrumentos mediadores. Representa também a causa da elaboração de formas mais sofisticadas do comportamento humano que são os chamados “processos mentais superiores”, tais como: raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de problemas, etc. Entendemos que uma sociedade menos desigual só poderá emergir com uma alfabetização que objetive a emancipação dos seus agentes sociais. Daí, surge o objetivo central deste estudo – analisar se o Programa Alfabetização Solidária possui uma perspectiva freireana, considerando a prática político-pedagógica dos alfabetizadores de Pitimbu e Assunção. Assim, tomamos para este estudo, as bases teóricas de alfabetização idealizadas e concretizadas pelo educador Paulo Freire, uma vez que sua teoria defende a formação e não apenas a capacitação de educadores. A formação exige um esforço mais amplo, ou seja, exige compreender os fenômenos e os problemas, e desenvolver competências teórico-práticas para identificá-los e resolvê-los em seu próprio âmbito profissional ou de trabalho; já a dimensão necessária de capacitação exige 13 desenvolver habilidades necessárias para cumprir com tarefas específicas, como por exemplo, o domínio das técnicas para ensinar a ler e a escrever. Para melhor compreensão e delineamento do fenômeno estudado, ou seja, da formação e atuação dos alfabetizadores do PAS, foram definidos outros objetivos específicos que podem promover a complementaridade desse estudo: 1) traçar o perfil do alfabetizador, considerando os aspectos da sua formação e ação no meio onde vive. 2) avaliar a concepção política dos alfabetizadores antes e após o PAS nos municípios de Assunção e Pitimbu; 3) perceber se houve ou não mudanças sociais, promovidas pela atuação do PAS nos citados municípios, especialmente no tocante à alfabetização de jovens e adultos; 4) averiguar a atuação políticopedagógica dos alfabetizadores após participarem dos cursos de formação para alfabetizadores; 5) entender como a atuação pedagógica dos professores/coordenadores na UFPB, contribui na formação e ação dos alfabetizadores. O incentivo para esta pesquisa deu-se a partir de vários dados empíricos percebidos durante o trabalho de acompanhamento pedagógico aos dois municípios da Paraíba onde trabalhamos diretamente, a saber: Pitimbu e Assunção. Esses dados foram colhidos através das observações, visitas e diálogos mantidos com alfabetizadores e pessoas da comunidade, os quais descrevemos adiante. O município de Pitimbu está localizado no litoral sul da Paraíba, a 72 Km da cidade de João Pessoa. Entre sua atividades econômicas se destaca a pesca e a produção agroindustrial canavieira, o que causou muitos conflitos sociais entre os moradores e os grandes proprietários rurais, na década de 80 (Moreira, 1997). Sua população é de 13.927 mil habitantes, com 7.130 homens e 6.797 mulheres, sendo 7.911 residentes na zona urbana e 6.016 na zona rural. Em termos educacionais, 63,2% da sua população apresenta-se como alfabetizada. (IBGE, censo 2000) 14 O município de Assunção está localizado na região do Cariri da Paraíba, a 235 Km da cidade de João Pessoa. Sua principal atividade econômica é a agricultura e o minério. Com uma população geral de 2.960 habitantes, com 1.481 homens e 1479 mulheres, sendo 2.142 residentes na zona urbana e 818 na zona rural. E apresenta um percentual de 73,1% da sua população alfabetizada. (IBGE, censo 2000). Estamos no século XXI e ainda vemos, através dos fatos que abaixo discriminamos, o descaso do poder público com as classes populares. Através de informações fornecidas pela secretária de educação, por diretoras de escolas e depoimentos de mães de alunos, verificamos que nas comunidades campo deste estudo, é alarmante o índice de crianças que já cursam 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, mas ainda não estão alfabetizadas1; a prostituição entre crianças e adolescentes para adquirirem o auto-sustento e de familiares; os trabalhos comunitários existentes quer sejam através de órgãos governamentais, quer seja através da Igreja ou (ONGs) são insuficientes para responder à demanda, sendo que parte dessas ações são assistencialistas ou populistas; falta um trabalho junto aos jovens na prevenção e combate ao uso de drogas, principalmente as ilícitas que promovem óbitos; inexistência de mercado de trabalho, por elementar que seja; falta de incentivo ao precário comércio existente; enfim, o cuidado com o ser humano e com o meio ambiente são ações tímidas das práticas dos governos federal, estadual e municipal. Essas informações adquirimos através das conversas informais com pessoas da comunidade e das nossas observações. Talvez esse descaso com as pessoas, sobretudo, as pertencentes às classes populares, surjam por força do assistencialismo e da ausência de homens e mulheres mais atuantes na nossa sociedade. Desse relato vem a nossa proposta de ao tempo em que estudamos, interferirmos também nessa realidade, utilizando os métodos e as técnicas necessárias ao fazer político, buscando concretizar os princípios freireanos para uma educação emancipatória. Como toda 1 Das dez salas de aulas do PAS destinadas a alfabetização de jovens e adultos, duas são destinadas a alunos de 3ª e 4ª séries do ensino fundamental, na tentativa de contribuir com a escola para superação do problema. 15 pesquisa deve ter um fim social, esperamos que ao concluirmos nosso estudo, tenhamos também subsidiado educadores a prosseguirem com um processo de alfabetização que leve os educandos não apenas a fazerem uso da leitura e da escrita, mas que percebam a opção política que subjetivamente encontra-se nas entrelinhas de uma leitura realizada. Freire (1969, p. 13) nos diz que: Conocer no es el acto a través del cual un sujeto transformado en objeto, recibe dócilmente los contenidos que outro le regala o le impone. El conocimiento, por el contrario, implica una presencia curiosa del sujeto frente al mundo. Implica su acción transformadora sobre la realidad. Implica una búsqueda constante. Implica invención y reinvención. A reflexão, a valorização da própria cultura, o posicionamento crítico e sem medo, a busca da liberdade e da autonomia, retomar caminhos que conduzam à esperança e ao sonho, caracterizam esses princípios. Acreditando também nessa perspectiva, buscamos aprimorar diuturnamente o nosso trabalho visualizando a promoção social das classes populares. Para conquista dessa emancipação, a alfabetização pode ter um papel de destaque, fornecendo caminhos para que o educando se torne um sujeito participante no seu meio social. Não estamos afirmando que a alfabetização garante ao aluno a inclusão social, mas a falta da relação que cada aluno precisa estabelecer com a língua escrita contribui com a exclusão. Percebemos na sociedade hodierna que aqueles que têm poder são letrados ou podem comprar os serviços dos que o são. Surgem então as questões: como conquistar espaços e mudanças possíveis frente à realidade perversa existente? Como convencer pedagogicamente a comunidade da força do trabalho e da luta coletiva? Como fazer da educação um ato político? Que caminho seguir para a conquista da humanização? Enfim, como fazer entender que o processo de alfabetização vai além do saber ler e escrever? São questões polêmicas que problematizamos na intenção de chamar ao compromisso político todos os profissionais envolvidos no PAS, sejam os professores e técnicos pedagógicos da UFPB que atuam no Programa, para o cumprimento da sua função de educador, especialmente os alfabetizadores que atuam diretamente com os educandos. 16 Resultados parciais desse trabalho coletivo já podem ser percebidos e estão abordados no desenvolvimento e conclusão desta dissertação. Além da parte introdutória onde constam os objetivos e as razões motivadoras do nosso estudo, o trabalho está estruturado em cinco capítulos, os quais, de forma breve, apresentamos a seguir. O Capítulo I destinamos a opção teórico-metodológica por nós assumida, que tem base na concepção crítico dialética da educação, por apresentarmos a realidade vivenciada e, posteriormente, reapresentá-la com uma visão critica a partir de outros pontos de vista construídos com base teórica e que suscitarão a discussão. Também detalhamos sobre os instrumentos de coleta de dados, seus objetivos e como se deu sua aplicação. Ainda, sublinhamos a teoria central que norteou todo o processo de construção deste estudo, a saber: A Pedagogia do Diálogo do educador brasileiro/nordestino Paulo Freire. No Capitulo II traçamos um panorama da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, e situamos o PAS neste contexto político-educacional; apresentamos a concepção de educação popular do professor Luiz Eduardo Wanderley, por perceber a importância e os valores externos no trabalho com grupos populares, desde que estes estejam comprometidos com os interesses do grupo. Por fim, expomos as idéias político-pedagógicas de Paulo Freire e sua contribuição a essas duas categorias. O Capítulo III, fizemos uma apresentação do PAS, sobretudo a parceria com a UFPB, fazendo algumas intervenções com base na Pedagogia do Diálogo, do educador Paulo Freire. No Capítulo IV, apresentamos alguns resultados parciais do trabalho desenvolvido com os alfabetizadores respondendo aos objetivos das ações desencadeadas nos cursos de formação e durante as visitas de acompanhamento pela equipe de coordenadores setoriais da UFPB, bem como as mudanças de atitudes e de comportamentos ocorridas após a atuação do PAS/UFPB. 17 No Capítulo V, descrevemos e analisamos os dados obtidos através dos instrumentos de coleta (observação, diário de campo, questionário e entrevista) utilizados. Finalmente, elencamos as nossas considerações finais e apresentamos algumas recomendações de ação educativa que poderá ser viável como forma de otimizar o tempo que os coordenadores setoriais passam nos municípios por ocasião das visitas de avaliação e acompanhamento, podendo assim, certificar que a UFPB faça extensão buscando rigor na qualidade de suas ações. A seguir, apresentamos os pós-textos que são as referências, apêndices e anexos. 18 CAPÍTULO I: A OPÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA O ponto de partida para elaborar este estudo se deu a partir da nossa inserção na Coordenação do Programa Alfabetização Solidária (PAS) como Coordenadora Setorial nos municípios de Pitimbu e Assunção. Ao aceitarmos o convite emergiu, concomitantemente, nosso interesse em investigar os objetivos do PAS, entender as relações com o trabalho da UFPB na sua práxis político-pedagógica e, em especial, no que se refere à atuação dos alfabetizadores. Decidimos pelos municípios de Pitimbu e Assunção, onde temos uma atuação mais direta como coordenadora, para sediar esta pesquisa, por termos optado por desenvolver uma metodologia de investigação participativa, somada às análises documental e bibliográfica. A coleta de dados, através da observação e do diário de campo, teve início com a implantação do PAS nos municípios de Pitimbu e Assunção, o que ocorreu no 2º semestre de 1999 e 1º semestre de 2001, respectivamente. Com esta pesquisa pretendemos contribuir com os princípios teórico-filosóficos que, somados aos conhecimentos práticos (vivência, experiências dos alfabetizadores e alfabetizandos), possam fazer emergir uma educação emancipatória que visualize seus agentes como sujeitos autônomos, críticos e criativos na 19 construção da sua história e, doravante, um membro político atuante na sua comunidade, onde poderá lutar por uma sociedade sustentável, ou seja, uma sociedade que alimente física e moralmente seus integrantes. Para isso, buscamos na proposta pedagógica do educador Paulo Freire saídas para o labirinto que é a educação destinada aos jovens e adultos. No nosso entender, Paulo Freire apresenta reflexões teóricas que surgem como possibilidades para as camadas populares desfavorecidas promoverem sua autonomia a partir da superação de uma educação voltada para a elite dominante e buscarem a construção de sua identidade, bem como o reconhecimento da necessidade de inserção no contexto sócio-político, na perspectiva de uma atuação crítica que objetive mudanças significativas favoráveis aos seus agentes. A opção metodológica por nós assumida neste estudo, apresenta-se embasada na concepção crítico dialética da educação, no sentido de apresentar a realidade vivenciada e, posteriormente, reapresentá-la com uma visão crítica apresentando outros pontos de vista que suscitarão a discussão. Dito de outra forma, pretendemos promover a problematização do objeto de estudo dessa pesquisa e a contestação de conceitos legitimados pelo discurso do ensino oficial. Conforme lemos em Fourez (1995, p. 37): Este método é chamado de dialético, pois reproduz um esquema muito difundido desde Hegel: primeiro, se afirma uma tese, isto é, a maneira pela qual a realidade se apresenta. Depois, apresenta-se uma antítese, ou seja, a negação da tese, negação que é provocada pela aparição de outros pontos de vista, surgidos com base no exame crítico que se fez, resultante do processo crítico. O método crítico dialético admitido por Paulo Freire, o fez pensar uma alfabetização que resgate os oprimidos da subserviência, possibilitando uma tomada de consciência da realidade que o cerca em sintonia com outras realidades, como também de sua própria capacidade para transformá-la. Freire (1980, p. 41) escreveu: Pensávamos numa alfabetização que fosse ao mesmo tempo um ato de criação, capaz de gerar outros atos criadores; uma alfabetização na qual o homem [e a mulher], que não são passivos nem objetos, desenvolvessem a 20 atividade e a vivacidade da invenção e da reinvenção, características dos estados de procura. A filosofia freireana situa a conscientização como método pedagógico de libertação para os analfabetos e, nesse sentido, apresenta-se como perspectiva de transformação da sociedade e não da sua reprodução. Por isso é que nos apoiamos neste pensar e fazer pedagógico como mecanismos de superação de uma educação alienadora que tanto contribuiu com a escravidão dos homens e mulheres, transformando-os em massas oprimidas na sociedade. Conforme Freire (1980, p. 94) Na medida, porém, em que a consciência dos homens está condicionada pela realidade, a conscientização é, antes de tudo, um esforço para livrar os homens dos obstáculos que os impedem de ter uma clara percepção da realidade. Neste sentido, a conscientização produz a repulsa dos mitos culturais que alteram a consciência dos homens e os transformam em seres ambíguos. Entendemos que a emersão dos agentes sociais das classes oprimidas, a partir da participação direta destes na construção de uma nova história poderá articular-se à perspectiva de uma educação popular, apresentada por Wanderley (In BRANDÃO, 1984, p. 63) que assim define: “Como primeira aproximação, vamos entender legitimamente por educação popular aquela que é produzida pelas [grifo nosso] classes populares, ou para [grifo nosso] as classes populares, em função de seus interesses de classe.” Com esta definição, o autor nos leva a refletir sobre diferentes concepções acerca da educação popular, as quais trataremos com mais aprofundamento no Capítulo seguinte. Na perspectiva de efetuarmos uma educação com princípios populares, evidenciamos também os conteúdos subjetivos trabalhados pela UFPB no Programa Alfabetização Solidária. Os conteúdos são destinados a solucionar os problemas concretos e específicos da população atendida pelo Programa, a curto e a longo prazo. Registramos que, como as perspectivas não são universais, isto é, cada alfabetizando tem traçado seus objetivos pessoais visualizando a aquisição da leitura e da escrita, buscamos reconhecer a complexidade e heterogeneidade interna do grupo. Acreditamos que essas diferenças elevam a importância da educação 21 popular como uma educação diferente do modelo adotado pelas instituições que homogeneizam os alunos, desconsiderando questões da subjetividade. Durante todo o desenvolvimento da pesquisa, preocupamo-nos em não reduzir a metodologia às técnicas e instrumentos de trabalho. Também cuidamos em não tomarmos posições extremas, por um lado supervalorizando o saber científico e, por outro, o saber popular, porque acreditamos que esta divisão de saberes impede o desenvolvimento de um novo saber construído coletivamente através do diálogo ativo e crítico que favoreça a especificidade do indivíduo e o crescimento da autonomia dos sujeitos na busca de uma sociedade mais fraterna. A definição de três categorias delinearam o perfil do nosso objeto de estudo. A saber: conscientização, saber e poder, por entendermos imprescindíveis à compreensão de alguns dados empíricos que advêm das implicações que estes têm nas reflexões acerca do papel de uma educação voltada à manutenção da classe burguesa. Em oposição a essa ideologia burguesa, entendida como conjunto de idéias que defendem que uma categoria desfrute de status e direitos especiais dentro da sociedade, chamamos atenção para reflexões que se realizam em outros campos e esferas do saber: valorização do cotidiano; resgate do sócio cultural sobre a lógica econômica; resgate e valorização da concepção pedagógica da educação popular. Não podemos construir uma sociedade alternativa, isto é, uma sociedade onde os seres humanos possam ter direito e acesso às condições básicas de sobrevivência, e mais democrática, sem a superação da concepção clássica de poder vigente. Neste estudo aproximamo-nos da metodologia de uma abordagem qualitativa, uma vez que consideramos o contexto histórico e a conjuntura política relacionados com a particularidade onde ocorre o fenômeno, verificando suas propostas e ações, o que pode suscitar novas indagações e novas respostas. Assim, Richardson (1999, p. 102) afirma que: 22 O objetivo fundamental da pesquisa qualitativa não reside na produção de opiniões representativas e objetivamente mensuráveis de um grupo; está no aprofundamento da compreensão de um fenômeno social por meio de entrevistas em profundidade e análises qualitativas da consciência articulada dos atores envolvidos no fenômeno. Como um dos recursos básicos trabalhados, a observação favoreceu adentrar no objeto em estudo por intermédio dos contatos/visitas/conversas que tivemos com os alfabetizadores. Isto nos fez observar o objeto através da convivência, o que foi fundamental para uma relação dialógica entre os diversos sujeitos envolvidos com a pesquisa, como também para responder novas indagações. Como esclarece Fourez (1995, p. 40) A observação não é puramente passiva: trata-se antes de uma organização da visão, se observo o que está em cima da minha escrivaninha é uma maneira, para mim, de colocar uma ordem naquilo que observo. Só verei as coisas na medida em que elas corresponderem a determinado interesse. (...) uma observação é uma interpretação da realidade: é integrar uma certa visão na representação teórica que fazemos da realidade. Para que os dados analisados através desse recurso pudessem garantir a veracidade dos resultados apresentados, possibilitando uma análise menos superficial, optamos pela observação direta, pois segundo André (1986, p. 26-27) A observação direta permite que o observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo na s abordagens qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações. (...) permite a coleta de dados em situações em que é impossível outras formas de comunicação. Por exemplo, quando o informante não pode falar – quando a pessoa deliberadamente não quer fornecer certo tipo de informação, por motivos diversos. Esse instrumento foi estruturado seguindo as orientações de uma “observação livre” apresentadas por Triviños (1995) por ser uma técnica privilegiada pela pesquisa qualitativa, ademais, oportunizou-nos analisar com mais precisão o desenvolvimento dos alfabetizadores em suas salas de aulas, avaliando as formas e intensidade de manifestação dos seguintes aspectos: participação e compromisso com as atividades planejadas quinzenalmente; interesse em desenvolver um trabalho de qualidade; interesse em melhorar os conhecimentos adquiridos na capacitação, inclusive aumentando seu nível de escolaridade; interesse em 23 motivar os alfabetizandos para que concluíssem esta fase de aprendizagem; introdução de novos recursos didáticos e pedagógicos em suas aulas e a promoção de atividades que proporcionassem o desenvolvimento global dos alfabetizandos. O “diário de campo” apresentou -se como um recurso bastante “revelador” da realidade social, ao possibilitar adentrar de forma tênue no universo do grupo estudado. Neste caso foi exigido do pesquisador o devido cuidado para que a reprodução da realidade pudesse se dar a partir de uma postura científica e política do mesmo, com bastante fidelidade. Com base nos conceitos teóricos de Triviños (1995), usamos o “diário de campo” para anotações descritivas e reflexivas. As anotações de natureza descritiva nos possibilitaram descrever os comportamentos, ações, atitudes dos observados, atividades específicas na sala de aula e dos diálogos ocorridos por ocasião das entrevistas. Já as anotações reflexivas, fomentaram um permanente “estado de alerta intelectual”, propiciando a todo tempo o cuidado para evitar os preconceitos, juízos de valores - elementos que impedem alcançar a exatidão das observações. Também se fez necessária uma análise documental, que se deu por intermédio de diversas fontes como: relatórios de atividades dos alfabetizadores; termo de adesão da parceria PAS/UFPB; planos de trabalho dos Coordenadores Setoriais; revistas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP; revistas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO; revistas do Programa Alfabetização Solidária - PAS e publicações do Governo Federal, destinados à Educação de Jovens e Adultos, em especial, o material do Programa Alfabetização Solidária, instrumento direto deste estudo. Essa técnica foi utilizada para complementar as informações obtidas pelos outros instrumentos de coleta, conforme explicamos a seguir. A leitura dos relatórios de atividades dos alfabetizadores, objetivou verificar se as atividades didático-pedagógicas planejadas eram executadas, quais as dificuldades por eles 24 encontradas e se conseguiam superá-las. Já com o termo de adesão, nossa intenção foi conhecer os constituintes legais da parceria institucionalizada. Através dos planos de trabalho dos Coordenadores Setoriais, pudemos conhecer a proposta político-pedagógica de atuação da equipe, bem como os conteúdos selecionados, a metodologia adotada e a filosofia abraçada para conduzir o processo de formação dos alfabetizadores durante o Curso de Capacitação. Os demais materiais consultados possibilitaram conhecer e refletir no diagnóstico da situação educacional de jovens e adultos, sobretudo na Paraíba e, mais especificamente, nos municípios de Pitimbu e Assunção. A leitura desses materiais ofereceu-nos conhecimentos sobre as preocupações e propostas do Governo Federal e da UNESCO para resgatar essa dívida social que é o analfabetismo. Por fim, o material do PAS foi básico para conhecermos e analisarmos a organização e estruturação do Programa, bem como, seus objetivos e metas definidas para minimizar os dados alarmantes de analfabetismo no Brasil. Dispusemos ainda do uso de questionário, uma vez que esse instrumento de pesquisa “cumpre pelo menos duas funções: descre ver as características e medir determinadas variáveis de um grupo social” (Richardson, 1999, p.189). Esse instrumento constou de questões “abertas”, que evidenciaram concepções nas falas dos pesquisados, quando os mesmos expressaram seus pontos de vista a respeito das questões abordadas. Também constou de questões estruturadas de forma diretiva, que nos subsidiaram a traçar um perfil sócioeconômico e cultural dos alfabetizadores. Com as questões de nº 1 e 2 do Questionário, queríamos saber se a escolaridade dos alfabetizadores estava condizente com sua faixa etária, conforme está previsto na Lei federal n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa informação possibilitou-nos situar os alfabetizadores no seu contexto sócio-educacional. Com as questões de nº 3 e 4, objetivamos conhecer a ocupação dos sujeitos pesquisados, revelando o grande problema do desemprego nos dois 25 municípios já citados. Com as questões 6 e 7, pretendíamos verificar a qualidade do curso de formação dos alfabetizadores. As respostas nos revelaram que o período da capacitação é marcante nas suas vidas, tanto no aspecto profissional, quanto no pessoal. As questões 8 e 9, foram elaboradas visando conhecer os benefícios e os pontos negativos do PAS e a última questão, mais subjetiva, intencionou conhecer os resultados da experiência por eles vivida junto à comunidade através do trabalho no PAS. As entrevistas semi-estruturadas foram aplicadas com sete alfabetizadores, a monitora pedagógica e a coordenadora municipal de Pitimbu, com vistas a aprofundar a compreensão de alguns elementos abordados no questionário; apreender sua visão sobre ações, identificar a estratégia de intervenção e limites encontrados no momento do exercício da sua atividade profissional; verificar se o trabalho da UFPB tem sido edificante, ou seja, se essa IES promove um trabalho esclarecedor e construtivo com os alfabetizandos no que se refere à questão política da educação e em relação aos conteúdos e objetivos de ensino. Por serem semi-estruturadas, permitem uma maior liberdade no percurso das mesmas. Conforme Triviños (1995, p.146) [É] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. As entrevistas constituíram um instrumento que nos aproximou dos agentes sociais de forma espontânea, devido à relação construída entre o pesquisador e os pesquisados. Esse instrumento, na concepção de Richardson, é uma técnica importante que permite o desenvolvimento de uma estreita relação entre as pessoas. (Richardson, 1999, p. 207) Por estarmos usando o gravador, o que às vezes intimida o entrevistado, percebemos que antes de cada entrevista era necessário uma conversa informal sobre o uso do gravador, 26 oportunizando-lhe ouvir sua própria voz gravada. Foram cuidados que deram confiança e liberdade no momento em que ocorreram os diálogos. Como forma de garantir a objetividade, a coerência e uma seqüência lógica por assunto abordado, elaboramos um roteiro com perguntas dos seguintes tipos: descritivas, explicativas e avaliativas, conforme a seqüência que a seguir apresentamos. As perguntas de 1 a 6 visaram conhecer com mais especificidade as ações didáticopedagógicas dos alfabetizadores em suas salas de aulas: o que fazem, como fazem, os desafios, as dificuldades e como são superadas. A pergunta de nº 7 destinou-se a aprofundar as respostas dadas no item 6 do questionário e as perguntas finais, consideradas avaliativas, foram semi-estruturadas com o objetivo de anunciar, denunciar, questionar, os elementos visíveis ou apenas percebidos nas falas dos entrevistados, com relação à presença da UFPB como parceria e do Programa em si, no município de Pitimbu, o qual selecionamos para aprofundamento da análise dos dados. Esse caminho metodológico nos proporcionou estudar, analisar e interpretar os dados obtidos na pesquisa, de maneira que, concatenados ao referencial teórico, nos possibilitaram estabelecer as mediações dos objetivos propostos face aos alcançados, bem como a função social do PAS e, em especial, a prática político-pedagógica dos alfabetizadores objeto dessa pesquisa participativa, nos municípios de Pitimbu e Assunção. Em um trabalho de mapeamento da produção discente da pós-graduação sobre a Educação de Jovens e Adultos – EJA, no período de 1986 a 1998, Haddad (2000) apresenta 202 dissertações e 20 teses, sendo que o Sudeste sai em primeiro lugar com 128 dissertações e 17 teses. Já o Nordeste se coloca em segundo lugar com 37 dissertações e desse contigente a Paraíba se sobressai com 16 trabalhos de dissertações em EJA. Vale salientar que as IES públicas federais e estaduais respondem por quase 71% dessa produção nacional, enquanto, que as privadas produziram apenas 29%. 27 Em se tratando da proximidade das IES com a comunidade pública escolar, as pesquisas coordenadas por Haddad (2000, p. 13) denunciam: As pesquisas analisadas ainda não revelam um vínculo de proximidade entre universidades e redes públicas de ensino, as poucas experiências existentes são de trabalhos da universidade dentro dela mesma. Espera-se para os próximos anos, em função do PAS e do PRONERA, um maior número de pesquisas que revelam esta relação das universidades com as redes de ensino e a contribuição destas para a EJA. Percebe-se que a maioria dos estudos prioriza a formação tão peculiar do educador de EJA. Consideramos de grande importância tais estudos, mas queremos também registrar que os conteúdos e objetivos de ensino devem merecer igual importância para podermos evitar a continuidade de uma educação assistencialista e filantrópica que de certa forma nega o direito de cidadania. Nosso estudo pretendeu esclarecer a dimensão política da educação, do fazer pedagógico do educador, como também a prática dos alfabetizadores e das teorias trabalhadas pela UFPB enquanto parceira do PAS. Através dessa discussão buscamos desmistificar a realidade opressora, com proposições que ultrapassaram os discursos e se concretizaram nas relações pedagógicas de alfabetizadores e alfabetizandos. 28 CAPÍTULO II: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 29 Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. (Morin, 2001, p.47) Sabe-se que o desenvolvimento cultural, político, econômico e social de uma nação tem forte influência no processo educacional por ela adotado e vice-versa. A sociedade é tão complexa que só com dificuldade pode-se perceber a verdadeira natureza do processo educativo integral e sua relação com a vida social como um todo, mas reivindicar integralmente os direitos do ser humano é uma tarefa política de responsabilidade coletiva. Acontecimentos que denotem o desrespeito pelos princípios de convivência democrática e formas de doutrinação, que colocam seres humanos uns contra os outros, necessitam ser erradicados das instituições sociais. Durante toda a história da sociedade brasileira, a marca da exclusão educacional esteve nítida, tendo a classe dominante procurado manter seu poder através dos métodos e conteúdos escolares. Contudo, e ainda assim, parafraseando Gadotti, a educação torna-se uma faca de dois gumes, pode ela atuar como reprodutora das desigualdades sociais ou como inovadora, buscando caminhos para a transformação da sociedade. Tratando, em especial, da exclusão educacional entre jovens e adultos no Brasil, veremos aqui as principais iniciativas em âmbito nacional para a sua superação. 2.1 Panorama da Educação de Jovens e Adultos no Brasil A educação de adultos só conquistou seu espaço na história da educação do Brasil a partir do ano de 1930, quando o Governo Federal consolidou um sistema público de educação elementar no país. (Proposta Curricular- 1º segmento, 1998) 30 A partir dos anos de 1930, o Brasil deixou a sua tão decantada “vocação” agrícola para ingressar no mundo da revolução industrial. Doravante, o Brasil agrário cedeu lugar, gradativamente, a uma sociedade moderna, com base na industrialização, reestruturando-se sob as exigências de um capitalismo sempre voltado para suas matrizes externas. Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República e criou o Ministério da Educação e da Saúde Pública. Em 18 de novembro de 1930, Francisco Campos assumiu esse Ministério, dentro de uma linha político-filosófica autoritária, sendo a educação, portanto, instrumento de controle da reprodução da força de trabalho e das elites dirigentes. De forma autoritária, foi introduzido o ensino religioso, elaborou-se a reforma do ensino secundário e criou-se o Conselho Nacional de Educação, sem que fosse estabelecido um planejamento prévio. Buscou-se reforçar o aparelho ideológico do estado, permitindo-lhe inculcar ideologias tendentes a impedir os trabalhadores e as camadas médias de se organizarem politicamente e de ameaçarem a ordem capitalista. (Paiva, 1987) No ano de 1945 o totalitarismo que norteou o governo de Getúlio Vargas, chegou ao fim, o que ensejou a volta da “democracia”, amparada pela nova constituição de 1946. A Constituição de 1946 defendia: a liberdade de pensamento; o direito à educação; a descentralização administrativa e pedagógica e o fornecimento de recursos financeiros à educação para que fosse garantido o acesso à mesma. Também garantiu um sistema contínuo e articulado de educação para todas as classes, desde o ensino infantil até o superior. (Romanelli, 1978, p. 170) Em 20 de dezembro de 1961 foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) apoiada no trabalho de uma comissão de educadores que elaborou um anteprojeto de lei e que fora transformado em projeto no ano de 1948. (Id., 1978, p. 179) Como vimos, desde a constituição de 1946, temos a garantia institucional de uma educação não discriminadora, embora sua prática seja difícil em decorrência de fatores 31 políticos e econômicos determinantes. Assim sendo, temos um sistema educacional que impõe suas regras à sociedade, oprimindo seus agentes. Conforme definição do professor Saviani (1981, p. IV) Se a educação é promoção do homem; se promover o homem significa libertá-lo de toda e qualquer forma de dominação; se nas sociedades em que vigora o modo de produção capitalista, a dominação se manifesta concretamente como dominação de classe, então educar, isto é, promover o homem, significa libertá-lo da dominação de classe, vale dizer superar a divisão em classes antagônicas e atingir o estágio da sociedade regulada. Segue-se, pois, que a educação é fundamentalmente, um ato político. A educação, sendo um “ato político”, deve contribuir para a constru ção de uma sociedade solidária, que auxilie as transformações das pessoas, objetivando prepará-las para atuar no seu mundo de forma a tornar a convivência mais humana e cooperativa, capacitandoas a escolher e a decidir os seus caminhos na construção de um projeto político pedagógico que amplie a cidadania para todos os brasileiros. Tratando-se em especial da erradicação do analfabetismo entre jovens e adultos, tivemos no período de 1946 a 1958 a “Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos” e a “Campanh a Nacional de Educação Rural” como os principais programas de EJA a nível nacional (Paiva, 1987). De 1958 a 1964 surgiram novas idéias em matéria de educação de adultos. Foi lançada a “Campanha de Erradicação do Analfabetismo” em 1958. Através do Decreto 5 0370 de 21 de março de 1961, a Confederação dos Bispos do Brasil - CNBB, criou o Movimento de Educação de Base – MEB e, mais adiante, em 1962, conforme Paiva (1987), foi apresentado ao País o Sistema Paulo Freire com uma representação técnica, unindo conquistas da teoria da comunicação, da didática contemporânea e da psicologia moderna. O pensamento pedagógico de Freire, bem como sua proposta, inspiraram vários programas, entre eles, o “Plano Nacional de Alfabetização” que recebia apoio de estudantes, sindi catos e católicos dentre outros, oficializado em 21 de janeiro de 1964 e interrompido em 14 de abril do mesmo ano, por decreto dos militares que haviam tomado o poder duas semanas antes. 32 Os programas de Alfabetismo (1961-1964) foram duramente reprimidos pelo governo que os via como grave ameaça à ordem. Apenas o MEB sobreviveu. Esse movimento constituiu-se na seqüência das atividades de educação pelo rádio, promovidas pelo episcopado nas arquidioceses de Natal e Aracajú. Com apoio nessas experiências, a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) elaborou um plano de um movimento educativo a nível nacional, que ganhou caráter oficial pelo Decreto 50.370 de 21 de março de 1961, mediante o qual o Governo Federal fornecia recursos. Segundo Wanderley (1984, p. 60), De um total de escolas radiofônicas em 1961, que chegou a 2.687, o máximo foi atingido em setembro de 1963 com 7.353 escolas, com uma redução brusca para 5.573 em dezembro de 1963, em virtude da ampliação da “A Voz do Brasil”, de 30 para 60 minutos. Contud o novas escolas foram radicadas, contando com 6.218 em março de 1964, com nova queda motivada pela crise política, chegando a 4.554 em dezembro de 1964, número que se manteve mais ou menos inalterado até fins de 1965. “O MEB gradativamente foi restringin do sua atividade e em 1969 o movimento contava com 1.238 escolas perfazendo um total de 18.039 alunos em todo o país” (Paiva, 1987, p.284). Programas assistencialistas e conservadores continuaram sendo permitidos, até que em 1967, o então Governo General Costa e Silva assumiu o controle da situação, lançando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), através da Lei 5379 de 15 de dezembro de 1967 cuja metodologia e recursos didáticos não contemplavam o sentido crítico e problematizador da educação de adultos. A luta das classes populares promoveu um avanço democrático e, com isso, foram criados canais de troca de experiência, reflexão e articulação entre os grupos que continuavam com suas pequenas e isoladas experiências de alfabetização de adultos com propostas críticas. Desacreditado nos meios educacionais e políticos, o MOBRAL foi extinto em 1985, surgindo a Fundação Educar, que veio apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas do governo, entidades civis e empresas a ela conveniadas. Com o fim da Fundação Educar em 1990, 33 observou-se um enorme vazio em termos de políticas públicas para a educação de jovens e adultos. Passados seis anos, no Governo de Fernando Henrique Cardoso surgiu o Programa Alfabetização Solidária (PAS), concebido pelo Conselho da Comunidade Solidária, reunindo cinco parceiros, os quais apresentamos no Capítulo III desse estudo, quando serão detalhadas suas ações e filosofia. O PAS teve início em agosto de 1996 e no ano seguinte foi implementado em 38 municípios das regiões Norte e Nordeste, ambas com índices de analfabetismo superiores a 55% na faixa etária de 15 a 17 anos (CCS - 1995-1996). Diante do exposto, percebemos que a intenção dos governantes com a criação dos programas citados era consolidar o aumento das bases eleitorais. Paralelo ao trabalho dos Governos, o Brasil contou com vários grupos de brasileiros e brasileiras que viam no impedimento do voto do analfabeto, a raiz das tentativas de mudanças na sociedade através da educação. Conforme Paiva (1987, p. 299) (...) a educação também passou a ser vista como instrumento de mudança das estruturas da sociedade e de tomada do poder, quando a diferenciação ideológica se configurou com nitidez entre nós e os grupos contrários à ordem vigente pensaram em utilizá-la como veículo de conscientização das massas de sua situação de exploração. Nessa perspectiva, a Educação Popular ganhou relevância pelo caráter político que configurou o núcleo da sua prática educativa junto às camadas oprimidas da sociedade. Por isso, é indispensável falarmos um pouco dessa educação, na qual a maioria do povo brasileiro deposita suas esperanças. 2.2 Educação Popular - “possibilidade da emergência de uma educação para o povo” 34 Buscar o significado de Educação Popular (EP) é entrar em um campo ambíguo, porque não só existem várias definições de Educação Popular, mas várias denominações com significados que pouco se distinguem entre si: educação de adultos, educação de base, educação informal, educação extra-escolar, educação permanente, conforme observações de (Freire & Nogueira 1989). Objetivando identificar e compreender os elementos dessa complexidade, buscamos referência em alguns autores para apreendermos alguns significados da Educação Popular. Em Paulo Freire a EP é também uma prática política, associada à tarefa educativa, levando em conta que a sociedade se transforma passo a passo com respostas populares em educação. É ainda um “esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares: capacitação científica e técnica. A entendo como organização popular para o exercício do poder que necessariamente se vai conquistando” (FREIRE,1989, p.19). O autor referiu-se ao “trabalho” como categoria nuclear discursiva na sua pedagogia, uma vez que a emancipação popular e a emersão de uma sociedade mais solidária depende da relação social de produção estabelecida entre os donos dos meios produção e os trabalhadores. Daí sua preocupação com uma educação voltada para a educação e o trabalho. Educação Popular buscava compreender bem juntos: o mundo do trabalho e o mundo dos pensamentos escritos. Ela trazia inovações, nesse sentido também; é aquilo que comumente denominamos “aproximação entre teoria e prática”. A isso se chamou de “educação conscientizadora”. (I bid. p.62-63) Carlos Rodrigues Brandão define a EP mais como sendo um modo de presença assessora e participante do educador comprometido, do que um projeto próprio de educadores a ser realizado sobre pessoas e comunidades populares. Ela se realiza em todas as situações onde as pessoas trocam experiências, recebem informações, criticam ações e situações, aprendem e se instrumentalizam. Para ele, a EP é um trabalho coletivo em si mesmo, ou seja, é o momento em que a vivência do saber compartido cria a experiência do saber 35 compartilhado. O autor declara que “o horizonte da educação popular não é o homem educado, é o homem convertido em classe. É o homem libertado” (BRANDÃO, 1984, p. 129). Para J. B. Libâneo (1983) a EP é a educação que as classes populares praticam em relação a si próprias. Por isso, elas são o sujeito e o destinatário, o agente educador e o educando, sem interferência de agentes externos a elas. Naturalmente essa educação é das classes populares para as classes populares. Acontece no interior delas. O lugar privilegiado é a família e o que a cerca de perto. A educação popular é, portanto, uma questão de saber e poder. Saber no sentido de reconhecer sua existência. Saber que nasce da vida, da experiência, das lutas populares. Saber que é produto de uma história. Poder porque as classes populares não são simplesmente aquelas que assimilam um saber popular mas participam consciente e explicitamente da sua produção. Poder porque o processo educativo também é comandado por elas (Libâneo, 1983). Não excluindo os agentes externos no pensar e no fazer no processo da educação popular, Luiz Eduardo Wanderley (1984) apresenta algumas características fundamentais. Eilas: histórica; democrática; relaciona a teoria com a prática; conscientizadora das relações sociais; relaciona educação com o trabalho das pessoas; é um instrumento a serviço do povo; é produzida pelas classes populares, com as classes populares ou produzida para as classes populares de acordo com os seus interesses. Com esta definição o autor nos leva a refletir que pelas classes populares refere-se a uma educação na qual os grupos populares proporcionam educação a si próprios, ou seja, são os agentes internos aos movimentos que pensam e executam sua própria educação. E educação para as classes populares trata dos agentes externos com proposta de trabalho de uma educação emancipatória que possibilite uma mudança qualitativa, geradora de possibilidades concretas que efetivem seus interesses de classe. 36 A visão política e a conscientização de classe a que se propõem as ações da educação popular, exigem dos seus agentes o reconhecimento das experiências e da própria cultura provenientes dos grupos de base que, às vezes, confronta-se com os conhecimentos do educador-agente externo. Esse confronto não pode determinar uma relação de poder do educador sobre os participantes. Necessário se faz um entendimento interno para se eliminar posturas autoritárias e dominadoras dentro do grupo. Nesse processo é enfatizada a autonomia que subentende a ausência de dependência na capacidade de decisão dos participantes do grupo. A autonomia não deve impedir a realização do trabalho coletivo e nem isentar o educador, mesmo que esse educador seja um agente externo dos grupos de base (GADOTTI e TORRES, 1994). Nossa perspectiva nessa pesquisa, como agente externo ao grupo onde ocorre o fenômeno, é estimular o trabalho coletivo, é pensar e atuar com o grupo na luta pela emancipação política da população - público alvo. Daí abraçarmos a concepção de Wanderley, uma vez que ele reconhece a riqueza que a soma do trabalho de intelectuais com as experiências dos agentes internos poderá proporcionar a definição de novas estratégias de ações coerentes com a realidade. Corroborando com essa concepção, Freire (1985, p.68b) também sublinha o trabalho dos intelectuais com as classes populares (...) os intelectuais que aderem a esse sonho...têm que selá-lo na passagem que devem realizar ao universo do povo. No fundo, têm de viver com ele uma comunhão em que, sem dúvida, terão muito o que ensinar se, porém, com humildade e não por tática, aprenderem o renascer como um intelectual ficando novo. Quanto mais o intelectual se exponha a esse aprendizado, tanto mais percebe que o ponto de partida para a transformação da sociedade não está própria e exclusivamente no seu sonho, não está na sua compreensão da história, mas na compreensão das classes populares. É a partir daí, molhando-se das águas culturais e históricas, das aspirações, dos anseios, dos medos das classes populares que, organicamente, vai inventando com elas caminhos verdadeiros de ação, distanciando-se cada vez mais dos descaminhos da arrogância e do autoritarismo. 37 Com efeito, é pertinente tratarmos das políticas públicas destinadas às classes populares. Aranha e Martins (1992, p.138) assinalam: A política é a atividade que diz respeito à vida pública. Etimologicamente, polis, em grego, significa “cidade”. A política é portanto a arte de governar, de gerir os destinos da cidade. O homem político é aquele que atua na vida pública e é investido de poder para imprimir determinado rumo à sociedade, tendo em vista o interesse comum. Entendemos que a ação política não pode ser exclusividade de alguns. Cada cidadão deverá ter espaços de participação efetiva que não se resumem ao exercício do voto, mas compreendam uma dimensão política atuante na sociedade. Nesse sentido, tudo que ultrapassa o âmbito estritamente pessoal e incida sobre qualquer realidade social é político. Existe também a tendência que relaciona política com poder e o poder, por sua vez, se encarna na sociedade política. Assim, uma ação política é aquela que visa a obtenção do poder, a sua conquista ou sua manutenção. Por um lado, as ações dos indivíduos produzem efeitos sobre a organização da sociedade, seu funcionamento e sobre os seus objetivos e, por outro, a estrutura de poder procura atender à necessidade natural de convivência dos seres humanos. A estrutura de poder aqui mencionada é entendida como sociedade política, que se legitima com a realização do bem comum e o bem comum entendido como a finalidade da sociedade política, ou seja, como garantia total dos direitos humanos. As ações humanas, mesmo aquelas que não envolvam os órgãos de poder legitimamente constituídos, são políticas quando vinculadas à finalidade última da sociedade política, pois esta não é excludente, ao contrário, é envolvente e abrange a todos de maneira compulsória. O homem não pode ser entendido como um ser isolado, mas em comunhão com os outros homens. Esse “ser de relações” é sempre realçado no seu existir concreto: um ser que existe no mundo e com o mundo. Se entendemos o homem dentro dessa perspectiva evolutiva, admitimos que a vida do homem é uma vida em projeto, num contínuo fazer-se. Aí está o fundamento para a necessidade da participação política: é a partir destas que as relações 38 se concretizam. As relações, portanto, o próprio homem, fazem-se como resultado da participação política, que nada mais é do que a práxis transformadora. Antropologicamente, a política tem como princípio a igualdade entre os seres humanos, portanto, não se entende a existência de um homem ou de uma elite de homens com poderes para permitir ou exigir que o outro seja objeto de manipulação. Ninguém tem esse direito. Quando há a opressão, a tortura, o autoritarismo, tanto os agentes passivos quanto os agentes ativos dessas relações não são plenamente humanos. É uma anormalidade social e a participação política contribui para a sua superação tornando, todos, partícipes da construção da sociedade. E quando se tem participação política, nesse sentido, não só as anormalidades são superadas como se adquire mecanismos que impeçam a existência de tais anormalidades. Portanto, a vida em sociedade é uma necessidade fundamental da natureza humana. Outra característica da antropologia política decorre da primeira: o homem se confronta com os desafios próprios de sua época e, ao respondê-los, torna-se histórico, historiciza-se, sendo um ser que pergunta, interroga-se e se altera no próprio ato de responder. É o processo praxiológico da libertação. O isolamento significa a destruição; e a construção, a partir desse movimento praxiológico, supõe a comunhão entre os membros de tal sociedade. Freire (1974) assinala que “a práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimido.” Por esse raciocínio, cremos ser urgente a luta contra a alienação e contra a massificação do homem. Todo aquele que mutila ou limita a história humana, seja através da ignorância, da manipulação por mitos, por ideologias alienantes, necessita de urgente conscientização, que se realiza através da prática da participação política. Os problemas políticos são de todos nós, temos o direito e o dever de participar das suas soluções. Mesmo que os interesses não nos digam respeito diretamente, não podemos esquecer que fazemos parte do todo, da comunhão, então nos dizem respeito porque somos integrantes de uma 39 coletividade. Assim, o indivíduo comprometido com a realidade em que vive e/ou trabalha absorve a consciência de que os problemas políticos são, sempre, problemas de todos os membros da coletividade. Trabalhando a questão da conscientização, em uma perspectiva de educação popular, Barreiro (1980, p. 93) afirma que: O fundamental é compreender-se a consciência oprimida com um esquema defensivo de representação, através do qual aquele que existe na opressão de impedir a si próprio de representá-la tal como é, por não poder, concretamente, elaborar a angústia decorrente da descoberta de como é sua existência. (...) Conscientizar seria, consequentemente, criar situações e provocar reações pelas quais o oprimido transportasse, sem distorções mistificadoras, a sua existência oprimida para a sua consciência de oprimido (passa as experiências da consciência visceral para as representações da consciência clara). Nesse âmbito, fica claro que essa luta é ao nível de consciência/ideologia. Reconhecer-se como oprimido e tentar suprimir essa situação é uma tarefa difícil uma vez que, conforme Freire, “a libertação é um parto doloroso. O homem que nasce desse parto é o homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressor-oprimido, que é a libertação de todos” (1974, p. 36), confirmando que a maior dificuldade do oprimido é se libertar da ideologia do opressor. A liberdade está na potencialidade do indivíduo tomar decisões que tragam conseqüências para a sua vida e, especialmente, para a vida social. É inegável que ninguém pode viver sem tomar decisões, entretanto, muitas pessoas insistem em não fazê-lo, seja por comodismo ou por medo de represálias, perseguições. Esse medo implica em permitir que alguns decidam pela maioria e tal omissão impede o sistema de ser democrático, tendo em vista que a democracia compreende o espaço onde as decisões são tomadas com liberdade, respeitando-se a vontade da maioria. A tomada de decisão por uma minoria caracteriza a não democracia. A omissão de muitos, a dependência econômica da maioria da população e, ainda, a forma de gerenciar os recursos públicos destinados aos municípios, são aspectos que tendem a 40 limitar qualquer ação que vislumbre uma reflexão crítica por parte dos “oprimidos”. Contudo, nossa pesquisa ganha relevância por procurar esclarecer e promover questionamentos entre os alfabetizadores, que ainda em um processo de “consciência ingênua”, atribuíam a sua condição precária de vida a uma vontade divina. Nossa práxis foi voltada para desmistificar esse discurso de interesse da elite para fazer emergir uma nova visão de mundo e de sociedade que venha garantir os direitos básicos inalienáveis aos agentes sociais que direta ou indiretamente foram envolvidos no presente estudo. Essa proposta popular deve passar de uma educação para o povo, e adotar uma educação criada, idealizada pelo povo; transitar de sujeito econômico para sujeito político. Assim, conforme Brandão (1984, p.163): A educação popular é a negação da negação. É a negação de uma educação dirigida às camadas populares ser uma forma compensatória que consagra a necessidade política de manter sujeitos populares fora do alcance de uma verdadeira educação. É, portanto, a afirmação, não apenas da possibilidade da emergência de uma educação para o povo – o que implicaria a reprodução legitimada de duas educações, condição da desigualdade - , mas da necessidade de transformação de todo o projeto de educação a partir do ponto de vista do trabalho popular. A educação, por si só, não transforma, é necessária uma educação conscientizadora, ou seja, uma educação que vá de encontro à defendida pela burguesia, pois a iniciativa de uma ação transformadora é função do homem enquanto sujeito da história. Nesse âmbito, Brandão aponta três modelos de educação que se completam na dimensão de uma prática social chamada educação. A saber: EDUCAÇÃO DE ADULTOS – qualificação de força de trabalho subalterno; formação cívica do cidadão popular; integração do indivíduo em uma ordem social a ser preservada. EDUCAÇÃO DA COMUNIDADE – formação de quadros de subalternos ativos em projetos e processos de mudanças qualitativas da vida social a nível comunitário; preparação crítica e criativa de sujeitos subalternos na vida social e política de uma sociedade a ser democraticamente desenvolvida no interior de um sistema de relações de bens, trabalho e poder não alterado substantivamente. EDUCAÇÃO POPULAR – participação de uma educação libertadora nos movimentos sociais de orientação popular e nos movimentos populares de libertação; conscientização etc., do militante popular constituído como sujeito 41 e classe de condução de transformações sociais de alteração estrutural do sistema vigente. (BRANDÃO, p.168-9). Pode parecer repetitivo, mas afirmamos que a grande missão da educação popular é trabalhar por uma educação democrática, emancipatória, solidária e ética que possibilite às classes subalternas a concretização dos seus objetivos. Infelizmente, percebemos um distanciamento entre o discurso e a efetivação nas práticas político-pedagógicas. Nesse contexto, percebe-se várias experiências que são entendidas como educação popular, mas que não são sistematizadas nem respondem à concepção de educação popular. Essa discussão, por um lado, tem como base o novo contexto econômico político em países da América Latina que, antes submetidos à ditadura militar, hoje estão no caminho da democratização com o aparecimento de novos movimentos sociais questionadores das estruturas de poder da sociedade. Por outro lado, a crise do socialismo causou grande impacto na América Latina. Vejamos as observações de Barreiro (1980, p. 45): Desde quando começou a se configurar, na América Latina, uma educação que não propunha apenas a simples promoção dos trabalhadores, mas uma transformação das estruturas de opressão, começou-se também a descobrir que não se tratava de programas de instrução e instrumentalização de grupos populares para um aproveitamento mais adequado dos recursos e benefícios do sistema capitalista, mas era necessário estabelecer uma metodologia educativa de descoberta dos fatores de opressão e dos processos de transformação: não do educando oprimido para manter a sociedade opressora (modificar o homem para conservar a estrutura social), mas da própria sociedade opressora para libertar o homem oprimido (transformar a sociedade para humanizar o homem). Mesmo tendo a educação popular caminhado sempre em prol da democratização, a crise do socialismo exigiu um questionamento de seus paradigmas. Em decorrência do contexto histórico e dos problemas enfrentados na trajetória da educação popular, exige-se enfrentar os desafios para construir novas formas de atuação no trabalho com os grupos populares (Gadotti e Torres, 1994). 42 Estando em crise o socialismo, ganhou terreno o capitalismo que se desenvolveu excluindo e discriminando a classe operária de bens materiais e educacionais. Nesse sentido, descreveu Wanderley (1984, p. 68) em um dos seus trabalhos: Nas sociedades industriais desenvolvidas, consideradas em sua globalidade e com honrosas exceções, as classes operárias organizam movimentos sociais que se caracterizam por ações coletivas defensivas e reivindicatórias, cujas finalidades predominantes são as de defender o emprego e a estabilidade, a autonomia profissional, a melhoria das condições de trabalho, etc.os operários mais qualificados, de modo mais acentuado são envolvidos pelas tentações da mobilidade social e de aperfeiçoamento do Estado do BemEstar Social. Sua estratégia política normalmente não questiona o sistema enquanto tal. Basta lembrar as afirmações de Gramsci no sentido das enormes dificuldades de obtenção da hegemonia nessas sociedades onde a sociedade civil é completa, com suas “casamatas” e “trinheiras”, mas onde a hegemonia das classes subalternas continua sendo necessária e possível. Daí o fato de Freire considerar a massificação cultural trazida pelo capitalismo internacional como o fator determinante do processo de desenraizamento cultural, destemporalização, acomodação e desajustamento de muitos povos e culturas (Brennand, 2002, mimeo). Essas novas práticas estão voltadas para uma dimensão cultural onde se observa a subjetividade inerente aos sujeitos, valorizando os processos relevantes, a aprendizagem e a transmissão dos conhecimentos e sua articulação com o saber popular que, na ótica de Benjamim Garcia, é fruto de experiências de vida, acrescentando: É a partir deste saber que o grupo se identifica como tal, troca informações entre si, interpreta a realidade em que vive. (...) é uma força débil mas, potencialmente, mais forte do que qualquer outra. (...). O saber popular não é algo “puro”, inteiramente distinto de um outro saber (não popular). Na realidade os saberes dominante e dominado interagem e se confrontam – um não existe sem o outro. Imaginar um saber sem o adjetivo popular é imaginar uma sociedade sem classes distintas. (1984, p.109) A autonomia educativa de interesse popular, a qual já frisamos, envolve em seu bojo questões subjetivas que delineiam formas e caminhos para se concretizar a ampliação da cidadania às classes populares. A participação, a atuação, o agir para construir seu próprio destino, são características inerentes à idéia de cidadania. O que muda, ao longo dos tempos, são o grau e as formas de participação e sua abrangência. 43 Dentro desse contexto, a ideologia desempenha papel importante. Um dos objetivos da comunhão e participação para garantir a supremacia popular é promover uma contínua conscientização política, base no processo de humanização. Enfim, a comunhão e participação de todo o povo, com sua práxis social, é essencial para que interesses de grupos conservadores não imperem ou se coloquem como interesses da coletividade como um todo. 2.3 A Teoria Freireana: “O diálogo como o encontro entre os homens para sua libertação” No Brasil, a educação de jovens e adultos recebeu grande influência no suporte teórico-metodológico e político nas idéias e propostas do educador nordestino, o pernambucano Paulo Freire. A importância das suas reflexões é atribuída à sua teoria, que contrapõe toda prática mecanicista e alienante de educação até então existente e por ser ele o criador do método e da filosofia pedagógica que revolucionaram o sistema de alfabetização em dezenas de países. Dada a universalidade e riqueza ideológica de uma obra que contempla diversas ciências, como a Pedagogia, a Sociologia, a Antropologia e a Filosofia, entre outras, torna-se difícil sintetizar as reflexões e contribuições de Freire, principalmente para o povo latinoamericano. Assim, para Moura (1999, p. 13-14), essa constitui-se uma tarefa difícil e árdua. Em primeiro lugar, pela amplitude e profundidade de seu trabalho, pois sua produção teórica constituí-se numa teoria da educação, em que a alfabetização de adultos representa tão somente um “capítulo”; em segundo lugar, porque existem centenas de trabalhos espalhados no Brasil e no mundo sobre suas idéias e sobre sua prática; em terceiro lugar, porque até bem recentemente ele estava entre nós, nós estávamos com ele, tentando acompanhar o seu pensamento, beber nas fontes de sua inteligência e lucidez, extrair elementos de sua longa caminhada para iluminar e rever a nossa própria caminhada. De forma que falar de um autor que está longe ou em outra esfera é mais fácil - por mais complexo que seja o seu trabalho – do 44 que falar daquele que nos deixou há tão pouco tempo que suas palavras e o seu olhar ainda estão ressoando nos nossos ouvidos e nas nossas cabeças, no nosso corpo e em todo o nosso ser. [...] além disso, pesa sobre nós o sentimento de incompetência e o medo de cometermos injustiças, comportamento que jamais desejaríamos, até porque sua trajetória profissional foi perseguida e marcada pela injustiça política e epistemológica, tanto na academia, quanto nas experiências práticas, fruto de incompreensões de suas idéias e equívocos em relação às suas proposições metodológicas. O legado de Paulo Freire é principalmente o de ser humano e, acima de tudo, do homem que deu esperança a milhares de trabalhadores e a tantos outros oprimidos brasileiros que, através do exercício de ler palavras, foram convidados a aprender a “ler o mundo”, significando tal leitura mais que uma simples decodificação de símbolos mas a conscientização da força de transformação do mundo. Em Freire, a superação da relação opressor/oprimido dar-se-á com uma educação libertadora que elimine a alienação política, que problematize a realidade, que desenvolva o homem na sua totalidade rumo a humanização. Por isso, Freire insiste na “reeducação dos educadores” fazendo desse tema uma constante realimentação de sua pedagogia política. Assim, entendemos que nosso papel de educador é contribuir com um trabalho político pedagógico para transformar a realidade estudada, a partir das necessidades, interesses e valores dos alfabetizadores do PAS nos municípios de Assunção e Pitimbu – PB. Tal concepção acerca de nossa prática resulta da compreensão do pensamento de Freire (1974, p. 39) que responsabilizou os homens pela práxis transformadora: A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condicionam, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens. Ao fazer-se opressora, a realidade implica na existência dos que oprimem e dos que são oprimidos. Estes, a quem cabe realmente lutar por sua libertação juntamente com os que com eles em verdade se solidarizam, precisam ganhar a consciência crítica da opressão, na práxis desta busca. 45 Na sociedade hodierna, a realidade objetiva do oprimido é estar a serviço do outro, e para revertê-la necessário se faz uma práxis autêntica em que o homem e a mulher reflitam dialeticamente sobre suas ações sobre o mundo para transformá-lo e poder atingir a eliminação das relações de mando vertical que oprimem e discriminam as classes populares. Essa superação Freire chamou de conquista da criticidade pelos subalternos. Paulo Freire, em sua filosofia, também apontou como princípio para emancipação dos oprimidos, a humanização da sociedade, que se dará por via educacional. Para ele “a humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão” (Id.,1974, P. 30). E, continua afirmando que: A desumanização, que não se verifica, apenas, nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do SER MAIS. É distorção possível na história, mas não vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como “seres para si”, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos. (FREIRE, 1974, p. 30) Quanto mais as classes populares conhecem a realidade para transformar, mais adquirem criticidade e convicção do poder que têm suas lutas comunitárias. Em Freire o conhecimento dessa realidade se dá pelo diálogo. Segundo Brennand (2002): O princípio da Pedagogia do Diálogo é recusar a neutralidade de valores da educação convencional e afirmar que toda educação serve para propósitos passíveis de definição. Daí não ocultar que pretende se constituir numa educação política não apenas porque busca formas de democratizar o poder político, mas também, porque pretende contribuir para aprofundar processos de distribuição social do conhecimento disponível e provocar mudanças na sua forma de produção tendo em vista o desenvolvimento da solidariedade e da justiça social. Ainda conforme Brennand, as bases teóricas da Pedagogia do Diálogo remetem à busca da igualdade e da liberdade, tentando integrar sob seu comando a verdade e o ético no movimento da educação e da política. 46 Assim como a religião não existe sem a convicção, a participação política, que exige tomada de decisões, também não pode prescindir da convicção. A convicção é o princípio da sociedade humana. Portanto, podemos afirmar que uma das formas mais eficientes da participação política está nos trabalhos de conscientização que, por sua vez, usam da dialeticidade, da atividade crítica, para alcançar a consciência da necessidade de luta pela conquista e preservação da liberdade de pensar e agir e à igualdade de oportunidades e responsabilidades para a concretização da atividade crítica. Para Freire, “o diálogo é o encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu.” (1974, p.93) . Esse encontro não é doação mas um ato de criação que, para se dar, precisa de amor ao mundo a aos homens. Nessa lógica, advoga Freire no seu discurso acerca do ato dialógico: Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de amor; sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico. (Id., p. 93-94) Por essa reflexão, lendo Gramsci, entendemos tratar-se de um círculo dialético. A ação é a consciência lógica que levará a alterações da compreensão de mundo ou da cultura, através de novas expressões culturais daí surgidas, que poderão gerar novas reflexões, novas formas de convivência social que aproximem mais os seres humanos uns dos outros. Se na essência todos os homens são iguais, se todos são dotados de inteligência e de vontade, não se justifica que só alguns possam tomar decisões políticas e todos os demais sejam obrigados a obedecer. Para que exista justiça é preciso a participação de todos nas decisões. 47 Participar politicamente é um ato cuja eficiência só se pode julgar testando-o, pois os atos de participação política reagem diferentemente dependendo das condições em que forem aplicadas. Portanto, as formas se descobrem no próprio ato de participar. Acreditamos na educação popular como via à concreção da participação dos homens nas decisões políticas da sua comunidade. Essa educação, seguindo os princípios freireanos, deverá se opor à educação “bancária”. Ela deve favorecer espaço aos educandos para que estes problematizem sua realidade buscando transformá-la. Daí denominar-se “problematizadora”. Freire a justifica da seguinte maneira: Enquanto a prática bancária, ... implica numa espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de capacitá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com os outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (FREIRE, 1974, p. 80) É certo que para a concreção de uma educação problematizadora, faz-se necessário a adesão das lideranças a um projeto popular emancipatório no qual o convencimento esteja presente nas relações pedagógicas, sem caracterizar a manipulação dos programas populistas mas que estabeleçam o diálogo como direção. A emergência da Educação Popular no Brasil resultou de questões econômicas conhecidas, associadas a um período de hegemonia populista. A luta pela hegemonia ideológica constituiu uma das bases da filosofia de Antônio Gramsci. Pelas mãos de Manfredi (1984, p. 51), Maria Antonieta Macciochi (1977) trabalhou o conceito de hegemonia com o seguinte entendimento: O conceito de hegemonia, entendido como momento de direção políticoideológica, comporta implicações teórico-políticas importantes, no que se refere ao exercício e à conquista do poder, à edificação de um novo Estado e à construção da futura hegemonia que permita os proletariados afirmar-se 48 enquanto classe dirigente à medida que se for configurando um bloco histórico. A partir daí, e sobre determinada situação histórica, gera-se o que Gramsci denominou de “bloco histórico” constituído por três componentes: exploração econômica, dominação política e hegemonia ideológica. (Scocuglia, 1988). Apesar da importância dada a imposição de uma ideologia, Gramsci também observou que a sociedade civil é aberta a outras concepções de mundo, nela há espaço para outras ideologias além da dominante. Por isso, aconselhou, que os subalternos devem ocupar os espaços deixados pela burguesia. Em estudos sobre a teoria gramsciana, Carlos Nelson Coutinho, esclarece que: “a ‘sociedade civil’ em Gramsci é uma importante arena da luta de classes: é nela que as classes lutam para conquistar hegemonia, ou seja, direção política, capacitando-se para a conquista e o exercício do governo” (Folha de São Paulo, 21 de novembro de 1999). Assim sendo, a luta pela hegemonia ideológica, torna-se imprescindível contra a ideologia burguesa, no sentido de não permitir que as classes subalternas absorvam a concepção de mundo imposta pela classe burguesa. Nesse contexto, a ação pedagógica é uma ação política. Para Gramsci, toda relação de hegemonia é necessariamente uma ação pedagógica. No momento é pertinente destacar a inegável contribuição de Gramsci para as Ciências Sociais. Apesar das repressões e ditaduras que marcaram a época em que viveu, não se calou; ao contrário, defendeu uma teoria que certamente poderá trazer o equilíbrio para uma convivência digna entre as nações, a saber: a teoria da humanização. Por essa razão, percebemos uma grande analogia na sua filosofia com a filosofia do educador Paulo Freire. Para Gramsci, as mudanças sociais virão através das lutas ideológica e políticas encetadas pela classe trabalhadora; para isso, faz-se necessário construir a hegemonia entre as classes subalternas, buscando o predomínio das idéias. 49 Sabendo que no sistema capitalista a classe trabalhadora é expropriada de todos os bens materiais, torna-se indispensável a hegemonia entre as classes subalternas para que haja o controle político e das forças produtivas. Ainda em Gramsci, percebemos também a importância dada às “crenças populares” como “forças materiais”. Aliás, esse é um ponto analógico entre ele e Freire. Para esse último, os valores, as crenças e convicções expressas na linguagem popular, constituem pontos de partida da prática pedagógica. Daí seu enfoque na conquista da consciência crítica das classes populares. Dada a importância ao estudo da cultura para se constituir uma contra-hegemonia, Gramsci toma como aporte a “ crise da hegemonia entre as camadas burguesas,” a “hegemonia entre as classes subalternas” e o “papel dos intelectuais”. Sua preocupação com o “novo intelectual”, caracterizou -se pela ação prática que este deveria ter. Além disso, na sua ótica, o novo intelectual deveria ser o iniciador da formação da vontade coletiva que unificaria as massas populares em suas lutas contra a burguesia. Na ênfase dada à cultura, percebemos sua preocupação com as diferenças existentes entre a cultura burguesa e a cultura subalterna. Para os burgueses a cultura está nos livros, enquanto que para os subalternos, a cultura é uma maneira de organizar, de assumir sua personalidade própria. Essa diferença ocasiona uma sociedade dividida em classes e, por conseqüência, temos uma escola de classe social. Nesse sentido, sublinhamos a denúncia de Paulo Freire que afirmou existirem dois tipos de educação: uma para servir, outra para ser servida. Para Freire e Nogueira (1989, p. 61-62), cultura não seria entendida apenas como aquilo que está condenado dentro de livros e dentro de museus. Cultura seria, também, os gestos das pessoas se esforçando nos grupos e no trabalho. Cultura seria o que dá sentido nas relações humanas. [...] E a cultura popular nascia não apenas da cultura de livros ou de museus; ela nascia da cultura que os movimentos populares usam e criam em suas lutas. 50 Conforme as observações de Brennand (2002), ressaltamos a devida importância dada por Paulo Freire à estreita relação da cultura com a compreensão da realidade vivida pela classes populares. Freire privilegia a herança cultural como determinante na evolução da compreensão de mundo. Pela herança cultural e pela experiência adquirida através da linguagem os indivíduos criam, recriam, integram-se ao seu contexto, respondem aos desafios, transcendem e dominam sua história e sua cultura. Essa integração faz criar as raízes de sua identidade. A impaciência, a invenção e reinvenção são elementos essenciais na proposta de autonomia educativa de interesses populares, que objetive alterar o quadro de dominação, seletividade e discriminação que sustentam o sistema capitalista e que garantem aos seus inventores escrever sua própria história. Ademais, esse processo de criação poderá encontrar novas formas de educação, articuladas e promovidas pelos seus próprios intelectuais, via ação dialógica. Essa concepção dialética de educação almeja alcançar a emancipação de uma educação onde o oprimido ganhe voz e força política para usar na luta contra a estratificação classista do capital, que está sempre a conduzir os interesses e vontades de todas as camadas da sociedade. Segundo Manfredi, nessa autonomia educativa a que nos referimos, deve existir uma prática educativa que pretenda ser um veículo de contra-ideologia. Assim, afirma a autora: A independência e a autonomia ideológica deveriam expressar em essência uma prática educativa que, embora respeitando e tomando como ponto de partida os interesses específicos e por vezes imediatos dos diferentes grupos que compõem as classes subalternas, tenha por objetivos levá-los a perceberem os seus interesses mais gerais e históricos e possibilitar o depuramento da ideologia subalterna, exorcizando-a dos elementos estranhos que a permeiam e que pertencem à ideologia dominante. (1984, p. 55) Aos agentes educadores e educandos da Educação Popular, cabe pensar em uma possível redefinição das suas atribuições, iniciando um processo de articulação teoria-prática como perspectiva da construção de um novo saber, fruto de uma ação dialógica entre intelectuais orgânicos e grupos populares para, a partir daí, “garantir para a Educação Popular 51 uma perspectiva mais condizente com os interesses e necessidades das classes subalternas” . (Ibid. p. 58). Estabelecer uma ação dialógica exige um certo grau de perseverança do educador. Para Freire, é a perseverança que conduz à realização do seu sonho profético - a humanização. Por isso, suas obras estão sempre a incentivar as classes populares para a organização do trabalho coletivo, com o objetivo de aproximar os homens e as mulheres, também para o mesmo fim. Para ele, “a organização diminui a distância entre o sonho e a concretez do sonho. O sonhador se junta a outro sonhador e eles encurtam a distância entre o sonho e a vida sonhada. Pra isso mesmo é que nós inventamos a Educação Popular a cada dia” . (Freire & Nogueira, 1989, p. 44) Por esse motivo, desperta-nos a pedagogia do diálogo, para fundamentar nossa pesquisa, por também acreditarmos ser o diálogo um mediador eficiente entre homens e mulheres que buscam e lutam constantemente por uma sociedade mais solidária. Sendo assim, não poderíamos prescindir dessa pedagogia. Discutindo o conceito de diálogo em Paulo Freire ratifica Brennand (2002). O diálogo vai instigar a consciência asfixiada pela força da opressão e incentivar a emergência da compreensão da condição social de cada sujeito. O seu caráter relacional dá força à exteriorização da razão subjetiva e permite ao indivíduo participar da construção de sua história de forma consciente, reflexiva. É possível buscar a integração no plano da relação educador-educando através de um diálogo livre onde ambos se coloquem como intérpretes, pesquisadores e decodificadores do real. A prática educacional que tenha como objetivo a efetividade e eficácia deverá ter como princípio a participação livre dos educandos na conquista da linguagem, e o diálogo é a condição essencial para esta tarefa. Para Freire, o diálogo é uma necessidade existencial, portanto, aproxima homens e mulheres para a conquista de uma educação para a decisão, para o compromisso social e político. Essa educação à qual nos referimos deve apresentar características peculiares de uma educação voltada para os anseios da maioria da população excluída dos modos e dos meios de produção. Essa educação não deve temer o debate para análise da sociedade, por isso se 52 configura como um ato de coragem, de amor. São atitudes indispensáveis à batalha pela humanização da sociedade brasileira. Entendemos ser o diálogo pedra angular da pedagogia de Paulo Freire, uma vez que o mesmo tem como categoria central que conduz à reflexão e ação de homens e mulheres na luta constante e diária por uma educação libertadora e uma sociedade mais justa. Na sua conceituação, o diálogo exige amor, fé e esperança entre os que dialogam. O diálogo não pode existir sem um profundo amor pelo mundo e pelos homens. Designar o mundo, que é ato de criação e de recriação, não é possível sem estar impregnado de amor. [...] O amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo. [...] O diálogo exige igualmente uma fé intensa no homem, fé em seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar, fé em sua vocação de ser mais humano. [...] O “homem de diálogo” é crítico e sabe que embora tenha o poder de criar e de transformar tudo, numa situação completa de alienação, pode-se impedir os homens de fazer uso desse poder. [...] o diálogo não pode existir sem esperança. A esperança está na raiz da inconclusão dos homens, a partir da qual eles se movem em permanente busca. Busca em comunhão com os outros. Contudo, a esperança não consiste em cruzar os braços e esperar. Na medida em que luto, estou amadurecido para a esperança. ( FREIRE, 1980, p. 83-84) Com essa exposição acerca da pedagogia do diálogo, pretendemos que o leitor deste trabalho passe a conhecer, refletir e argüir sobre as contribuições de Freire para a educação do povo brasileiro, especialmente para a educação de adultos pertencentes às camadas populares da sociedade. Também, não temos a pretensão de abordar todo o conteúdo dessa pedagogia, por absorvermos a sua ideologia de que somos incompletos, inacabados, inconclusos. Como dito no início deste texto, falar de Paulo Freire não é tarefa fácil, pela multiplicidade, transdisciplinaridade e complexidade das suas idéias e proposições. Mas, lendo Moura, podemos apresentar também a nossa gratidão ao educador Paulo Freire como tantos (as) educadores (as) que buscam na pedagogia do diálogo referência para suas práticas educativas. Paulo Freire deixa ao mundo um legado teórico e práxico norteado pela ética e pelo compromisso político, incomensurável. Um legado teórico que, pelo seu caráter dialético, nos oferece uma totalidade de idéias e experiências que, ao tempo em que requer uma visão interdisciplinar do mundo e da educação, fornece elementos de análise para entender essa interdisciplinaridade, 53 possibilitando aberturas para que suas contradições e limitações sejam apontadas e consequentemente introduzidas novas sugestões e modificações. Temos certeza de que alguns limites identificados no trabalho de Freire não diminuem as contribuições à área da alfabetização de adultos. Muito pelo contrário, nós só podemos apontar estes limites porque ele construiu uma proposição incompleta, inacabada, e conseqüentemente aberta, e também essas suas formulações se constituíram durante quatro décadas no único paradigma sistematizado para a área. Sua incompletude abre espaço para que possamos buscar elementos em outras teorias, seguindo os seus conselhos para que as suas idéias e as suas práticas sejam recriadas. (MOURA, 1999, p. 22) Tratando-se da missão política que deve estar presente nos processos educativos e nas ações dos educadores, acreditamos termos apresentado algumas das contribuições desse educador para a Educação Popular e a Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Com Freire e demais estudiosos citados, podemos aqui registrar que as políticas sociais existentes, na sua maioria, são injustas e demonstram pouco interesse em atender aos anseios populares. Mas, apesar das dificuldades, cremos nas contribuições da filosofia freireana e na pedagogia do diálogo como vias que poderão suprimir o mando vertical, o preconceito, a massificação de homens e mulheres, enfim, rejeitar todo poder que cria vítimas. 54 CAPÍTULO III: O PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA E A PARCERIA COM A UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA 55 O analfabeto aprende criticamente a necessidade de aprender a ler e a escrever. Prepara-se para ser o agente desta aprendizagem. E consegue fazê-lo na medida em que a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler. Com efeito, ela é o domínio das técnicas em termos conscientes. É entender o que se lê e escrever o que se entende. (Freire, 1983, p. 71-72) A educação é um fenômeno social e político. Sendo assim, é necessário analisá-la em sua totalidade e considerar todos os elementos que influenciam seus valores reais e como eles se articulam entre si, se buscamos a concretização de uma educação que liberte seus sujeitos do jugo da dominação. Conforme Freire (1974, p. 44) A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação. Daí, essa concepção de educação apresentar caráter revolucionário, pois a classe subalterna não suprirá a situação de explorada se não buscar a transformação radical da sociedade. Por isso é que Freire afirma ser a educação um “ato político” e, como tal, faz -se necessário emergir um “novo educador”, o que exige uma permanente retroalimentação das suas prática olítico-pedagógicas. A educação como processo de mudança não pode se submeter a modelos autoritários que alienam e reproduzem as desigualdades existentes. Para transformar, a educação precisa atender aos princípios de uma educação popular progressista que não se resume na simples universalização do ensino defendida pelas camadas burguesas, mas aquela voltada para os interesses das classes populares, capacitando-as na construção da sua própria história. 56 Partindo da realidade educacional compreendida na sua dinamicidade, como uma totalidade complexa, buscaremos aprofundar os limites dos dados empíricos para além da aparência dos fenômenos, para que possamos apreender as particularidades do objeto que queremos investigar – a Prática Pedagógica dos Alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária. Por isso, indispensável se faz desenvolver uma relação de proximidade entre as dimensões política, social e cultural da Universidade, enquanto instituição integrante na sociedade e parceira no Programa Alfabetização Solidária, por entendermos que só reconhecendo a dimensão política da educação é que podemos entender o ato pedagógico também como um ato político. Em Rezende (1987, p.79), “uma das tarefas culturais é mostrar a falsidade epistemológica e ideológica do discurso oficial dominante” . A missão de qualquer instituição pública é garantir o bem-estar geral da população. Sendo assim, as IES públicas devem também assumir esse compromisso. Segundo Rezende (1987, p. 74-75) O bem comum não é o resultado de uma operação aritmética em que, abstratamente, se demonstre a relação entre o número de habitantes do país e o montante global da produção nacional. O bem comum é a eliminação da situação de dominação, a superação da relação de exploração, o desaparecimento da opressão. Para efetivação desse compromisso social, torna-se imprescindível que a Universidade efetive uma prática politicamente comprometida com a sociedade na qual se insere. Sabemos que o sistema escolar sempre foi um instrumento de destaque da estrutura social de qualquer país, portanto, educar nas palavras de Gutiérrez (1988, p.19) “é socializar, preparar indivíduos para uma sociedade concreta e ideologicamente definida”. Se o sistema educacional é produto de uma sociedade definida, é nesse mesmo sistema que a sociedade encontra terreno fértil para se manter e reproduzir. Dessa forma, a escola não pode ser uma instância neutra do aparelho estatal. Não sendo neutra, a escola perpassa politicamente a sua ideologia. Na ótica de Gutiérrez (Ibid. p. 22) 57 A escola faz política não só pelo que diz, mas também pelo que cala; não só pelo que faz, mas também pelo que não faz. Calar o que deve ser proclamado aos quatro ventos é uma das formas políticas mais freqüentes entre os que têm “a faca e o queijo na mão”. É fazer uma política hipócrita, por exemplo, insistir teimosamente no caráter técnico da educação, ou manter – ainda que inconscientemente – um estilo aristocrático e barroco, reminiscência de épocas passadas, quando a escola estava a serviço exclusivo das classes abastadas. Não havendo escola neutra, não há também “ pedagogia neutra”, e a Universidade precisa, com clareza, apresentar as características do seu trabalho acadêmico, social e político a toda população por ela assistida. No caso em evidência, a Universidade Federal da Paraíba, especialmente, no seu trabalho de extensão, apresenta-se em contínuo processo de interação com a sociedade. Conforme lemos (UFPB/PRAC, 1993, p.2) a extensão se realiza das seguintes formas: Cursos de treinamento profissional; estágios ou atividades que se destinem ao treinamento pré-profissional de pessoal discente; prestação de consultoria ou assistência a instituições públicas ou privadas; atendimento direto à comunidade [grifo nosso] pelos órgãos de administração, ou de ensino e pesquisa em termo de aspectos de natureza cultural; estudo e pesquisa em termo de aspectos da realidade local ou regional; promoção de atividades artísticas e culturais; publicação de trabalhos de interesse cultural; divulgação de conhecimentos e técnicas de trabalho; estímulo à criação literária, artística, científica e tecnológica; articulação com o meio empresarial; interiorização da universidade. Diante dessas diversas formas do trabalho de extensão, situamos o Programa Alfabetização Solidária como uma atividade educativa de promoção cultural que a UFPB, através da sua Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PRAC), vem desenvolvendo como sendo uma das cinco parcerias do citado programa. As demais parcerias indicamos adiante. O PAS faz parte do Conselho da Comunidade Solidária, que teve início em fevereiro de 1995 oferecendo um novo espaço de interlocução entre Governo Federal e organizações da sociedade civil. Conforme está explícito no Relatório de Atividades 1995/96 do Conselho da Comunidade Solidária (1997, p. 4) 58 A função básica do Conselho da Comunidade Solidária é de indutor de idéias, promotor de parcerias, mobilizador de energias e de recursos em prol do desenvolvimento social. Seu papel é elaborar e experimentar novas formas, modelos e padrões de relacionamento e de colaboração entre atores públicos e privados, para o enfrentamento da pobreza e da exclusão social. O PAS é um dos programas desenvolvidos pelo Conselho da Comunidade Solidária e seu propósito é a redução do analfabetismo no Brasil. Sua atuação foi direcionada inicialmente a pessoas jovens e adultas de municípios das regiões Norte e Nordeste cujos índices de analfabetismo representam as maiores taxas. Posteriormente, buscou atuar também nos grandes centros como: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Para isso, o Conselho da Comunidade Solidária mobilizou parcerias no âmbito do Governo e da sociedade civil. Cinco parceiros atuam no PAS: o Governo Federal (através do MEC), o Conselho da Comunidade Solidária, Universidades públicas e privadas, empresas privadas, prefeituras e comunidades dos municípios onde o Programa acontece. Cada parceiro contribui com recursos humanos, técnicos, ou financeiros, conforme sua área de competência. Os módulos de Alfabetização têm a duração de cinco meses e o custo por cada alfabetizando/mês é de R$ 34,00 divididos igualmente entre o MEC e as empresas privadas, governos estaduais e órgãos públicos conveniados. O programa ainda oferece recursos para compra de merenda escolar no valor de R$ 900,00 mensais, para atender a 10 salas de aula, com 25 alunos em cada sala, perfazendo um total de 250 alfabetizandos, atendidos a cada módulo. No que se refere ao material didático-pedagógico, o Governo Federal por meio do MEC, financia os livros que são distribuídos para todos os alfabetizandos, além do guia para os educadores. Em 1997, na sua implantação, o MEC disponibilizou para o Programa, os manuais de alfabetização elaborados pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba. O material era composto de 4 módulos: Pré-Livro Alfabetização – 1ª parte; Pré-Livro Alfabetização – 2ª parte; Alfabetização I; Alfabetização II; Pré-Livro Matemática; Matemática I e Matemática II. 59 Por não contemplar a realidade regional, a cotidianidade dos sujeitos e, por apresentar características dos métodos tradicionais de ensino, as Universidades em luta constante conseguiram junto à Coordenação Nacional do Programa adotar um outro material com metodologia e filosofia que mais se aproxima da realidade onde estão inseridos os sujeitos dessa aprendizagem, já que o Programa não pode oferecer as condições necessárias para que cada IES junto aos municípios possam elaborar seu próprio material de trabalho. Assim, no segundo semestre de 2000 o MEC disponibilizou para o Programa Alfabetização Solidária a coleção Viver, Aprender composta de 6 módulos para os alfabetizandos e guias para o educador. Abrange as áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Estudos da Sociedade e da Natureza. Esse material foi produzido por Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação, baseado na Proposta curricular para o 1º segmento do ensino fundamental. Embora nosso estudo não tenha como foco o livro didático, ressaltamos que em nosso entender esse instrumento constitui um dos mais importantes suportes pedagógicos no trabalho do professor, devendo receber, portanto, um considerável investimento que o Estado deve fazer na educação pública. Conforme Silva, 2003, p.1) O livro didático como instrumento de auxílio no trabalho do professor, faz parte de um conjunto de ferramentas, e vai cumprir um papel de difusão do conhecimento. A educação enquanto partícipe da prática social utiliza-se desta ferramenta. Porém, com maior ou menor grau de penetração, o livro didático, reflete nos seus conteúdos, a concepção de mundo de quem o organizou. Seja o(s) autor(es) ou uma editora, ou até mesmo uma instituição específica. Portanto, ele não está isento dos aspectos político-ideológicos, que vinculam idéias e valores que, em relação ao real, podem não suprir as necessidades específicas da comunidade educativa ao qual foi adotado. Pelo o exposto, o livro didático na vida escolar passa a ser um instrumento que pode desempenhar um importante papel, auxiliando ou deformando as informações acerca da construção do conhecimento. Por isso, sua escolha é muito importante. Nesse momento o professor deverá garantir o melhor material para atingir os objetivos propostos no projeto pedagógico da escola. 60 No caso específico do Programa Alfabetização Solidária, a política de seleção e distribuição do livro didático é feita a nível de Coordenação Nacional ouvindo o Conselho Consultivo das IES. O PAS poderia dotar as IES de condições para elaborar ou escolher o material didático que mais se aproximar da realidade de cada região, de cada Estado. Não se pode elaborar um livro observando uma realidade para ser adotado em todo o Brasil. Pois, muitas vezes, eles não contemplam nem acompanham os acontecimentos Históricos e sócioeconômicos de cada realidade. Ademais, essa decisão contrapõe os Parâmetros Curriculares Nacionais que em uma proposta construtivista recomenda que o conhecimento seja construído em conjunto com os próprios educandos, a partir de uma reflexão solidária, respeitando a concepção pedagógica própria e a pluralidade cultural brasileira. Tomando como base o enfoque freireano na alfabetização de jovens e adultos, o material didático a ser utilizado deveria ser construído pelas IES ouvindo alfabetizadores e alfabetizandos, já que o método Paulo Freire prescinde as cartilhas de alfabetização por priorizar trabalhar com o universo vocabular dos alfabetizandos. Sendo assim, somente a competência dos alfabetizadores, das IES e demais profissionais envolvidos no processo educacional possibilitará a adequada elaboração, ou seleção de um livro didático capaz de atender às necessidades de uma sociedade que privilegia ler a palavra concomitantemente com a leitura do mundo. Pois, todo processo educacional precisa estar a serviço de uma prática política que necessita criar sua própria cultura, sua própria história para que possa ocorrer a emancipação das classes populares. Um outro aspecto no modelo do Programa, refere-se aos alfabetizadores. Eles são selecionados na própria comunidade pelas IES e podem participar dessa seleção pessoas que cursaram ou estejam cursando o Magistério, o Ensino Médio ou a oitava série do Ensino Fundamental. Feita a seleção, os classificados passam por um curso de capacitação, de no mínimo 140 horas, nos campi das Universidades parceiras. (Conselho da Comunidade 61 Solidária. 1997). O detalhamento sobre a seleção e classificação dos alfabetizadores encontrase no Capítulo seguinte. Compete a cada parceiro as seguintes atribuições: AO GOVERNO FEDERAL (MEC), fornecer o material didático e bibliotecas; AO CONSELHO DA COMUNIDADE SOLIDÁRIA, cabe a articulação dos parceiros e das ações dos programas; AS EMPRESAS PRIVADAS E ÓRGÃOS PÚBLICOS adotam os municípios, cobrindo as despesas de hospedagem e alimentação durante o curso de capacitação dos alfabetizadores. Também oferecem uma ajuda de custo de R$ 300,00 ao professor universitário em suas viagens de acompanhamento e avaliação aos municípios, bem como uma bolsa no valor de R$ 120,00 aos alfabetizadores, além da merenda diária para os alfabetizandos. OS MUNICÍPIOS fornecem o espaço físico para a realização das aulas e ajudam a mobilizar a comunidade para divulgar a realização do Programa, indicando aqueles que necessitam de alfabetização e buscando garantir a continuidade da educação para os egressos do Programa. Também é de responsabilidade do município, junto à Coordenação Nacional, escolher um Coordenador Municipal. Aqui cabe explicar, que essa escolha se dá através de uma prova escrita aplicada pela própria Coordenação Nacional, com 3 ou 4 pessoas da comunidade convidadas pelos Prefeitos; entretanto, quando ocorre mudança de coordenador, essa nova seleção deve ser realizada ouvindo as IES. O público alvo do Programa é constituído de pessoas com 15 anos ou mais, embora verifique-se um contingente significativo de pessoas com menos de 15 anos de idade. A realidade paraibana, sobretudo, nos dois municípios já citados, apresenta maior concentração de alfabetizandos nas zonas rurais. Esses alunos dão a contrapartida. Persistem no aprendizado, superando o cansaço das longas jornadas de trabalho, geralmente braçal, e 62 atravessam como podem os quilômetros que separam suas casas das salas onde assistem às aulas noturnas na esperança de que o aprendizado lhes dê novas perspectivas de vida. O aprendizado da escrita e da leitura é o primeiro sinal, mas a valorização da noção de cidadania de cada aluno e da capacidade de mobilização dos grupos, a partir da experiência nas classes de alfabetização, também dão frutos. ÀS UNIVERSIDADES compete indicar o Coordenador Pedagógico, os Coordenadores Setoriais e o Gestor Administrativo que juntos respondem pela execução de todas as ações pedagógicas e administrativas que estão sob sua responsabilidade. No caso particular da Universidade Federal da Paraíba, essa indicação é feita pela Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários. Já o Monitor Pedagógico é escolhido pelo Coordenador setorial dentre os alfabetizadores que mais se destacaram na sua prática de sala de aula. (Conselho da Comunidade Solidária, 1997). O contato direto com as comunidades por meio da alfabetização possibilitou ao PAS o desenvolvimento de sub-projetos. Doação de óculos, salas de leitura, acesso à informática e a promoção da saúde são alguns exemplos. Incentivo à leitura – o PAS mobiliza parceiros para a organização de kits com livros e revistas para a formação de salas de leitura. Participam desse esforço o Ministério da Cultura, as editoras: Abril e Globo e demais parceiros que doam livros ao Programa. Fortalecendo ainda essa ação, o Programa, em parceria com o Ministério da Cultura, tem levado às localidades atendidas pelo projeto Uma Biblioteca em Cada Município, que consiste no envio de um kit com 198 livros, de estantes para acomodação dos livros e treinamento para gestores das bibliotecas. (PAS, 2002, p.41) O Projeto Ver foi criado em 1999 a partir de uma constatação: “os problemas de visão eram a principal causa da evasão nas turmas do PAS, atingindo cerca de 18% dos alunos 63 que deixavam as salas de aulas. Entre 2000 e 2001, foram distribuídos 50.000 óculos. No primeiro semestre de 2002, foram 40.000”. (Ibid., p. 42). O Projeto Rádio Escola foi criado em 2001, em parceria do PAS com a Secretaria de Educação à Distância do Ministério de Educação. Os programas de rádio são gravados, reproduzidos em fitas cassete e usados para estimular o interesse de alfabetizandos e alfabetizadores. Os temas são ligados à cultura e à literatura popular regional. Também são usados pelas IES nas capacitações e em sala de aula pelos alfabetizadores. (Ibid., p.42) O projeto conhecido como Alfabetização Digital, foi desenvolvido em “parceria com 20 IES, responsáveis pela coordenação da iniciativa, em 20 municípios. Os computadores são doados por pequenas empresas públicas e privadas, a partir da renovação de seus próprios equipamentos e constitui-se em um grande aliado da democratização da informática” . (Ibid., p. 43) O projeto Promoção da Saúde foi desenvolvido desde 2001, em parceria do PAS com o Ministério da Saúde, objetiva melhorar a qualidade de vida nas comunidades. Conforme está explícito em Revista do PAS (Ibid., p.43), Usando a Cartilha de Promoção da Saúde, os alfabetizadores fazem com que os alunos conheçam temas como o direito à saúde, o desenvolvimento de hábitos saudáveis e aspectos sociais, ambientais e culturais determinantes na prevenção de doenças. O ganho é grande nessa experiência: ao mesmo tempo que o aluno aprende a melhorar sua condição de saúde, o uso da cartilha é agregado ao aprendizado da leitura e possibilita o desenvolvimento do processo de alfabetização num contexto de exercício de cidadania. Como forma de garantir a formação continuada dos alunos egressos, o PAS desenvolveu em dezembro de 2000 um projeto emergencial com recursos adquiridos por meio de um convênio com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) o que possibilitou, conforme informação do próprio PAS, a continuidade de estudos para mais de 233.442 alunos matriculados em todo o país. 64 Atualmente o Programa sensibiliza os municípios para elaborarem seus projetos para solicitação de financiamento junto ao FNDE, como forma de garantir a continuidade escolar, através do Programa Recomeço – Programa do Governo Federal - que apóia Estados e Municípios para a Educação de Jovens e Adultos. Esse Programa do Ministério da Educação repassa diretamente para os municípios o valor de R$ 230,00 por aluno/ano. Conforme documento do Conselho Consultivo das Universidades Parceiras do PAS, o processo de alfabetização em nosso país necessita de reflexões mais profundas e contextuais como: • • • • • • urgência do atendimento à população com pouca ou nenhuma escolaridade; desenvolvimento da leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático como contribuição à ampliação da cidadania; construção de um projeto educacional de qualidade que respeite o saber dos alunos e possibilite o acesso às informações em diferentes áreas do conhecimento e suas articulações com a prática social; planejamento dos estruturantes do ensino (objetivos, conteúdos, recursos e procedimentos, avaliação/recuperação), buscando concretizar o princípio de que aprendizagem gera desenvolvimento; revisão das concepções de ensino-aprendizagem para níveis diferenciados de organização do trabalho pedagógico; aprofundamento das reflexões sobre a formação de professores de educação de jovens e adultos. (Revista Científica 1999, p.7) Estamos diante de mais um programa de alfabetização de pessoas jovens e adultas. Por isso, pretendemos em nosso estudo investigar e aprofundar a compreensão dos aspectos políticos e educacionais, objetivando analisá-los à luz da “Pedagogia d o Diálogo” e, em especial, analisar se as práticas educativas dos alfabetizadores são fundamentadas na concepção freireana de educação de jovens e adultos, como propõe a equipe de Coordenadores da UFPB. Também se fez necessário analisar os constituintes legais determinados na parceria do Governo Federal com a Universidade Federal da Paraíba, na tentativa de investigar se ocorre, ou não, uma melhoria na qualidade de vida do público assistido por esse programa. 65 A Universidade Federal da Paraíba vem participando do PAS desde 1997, quando foi assinado o convênio com a Coordenação Executiva Nacional pelo Reitor Professor Jáder Nunes de Oliveira. Por ocasião do convênio, a UFPB ficou responsável pelos municípios de Barra de Santa Rosa e Cacimba de Dentro, sob a Coordenação Pedagógica do Prof. Severino Bezerra da Silva, convidado pela Pró-Reitora, a Profª. Rossana Souto Maior Serrano. Posteriormente outros municípios foram aderindo ao Programa e, paralelamente, a UFPB também foi ampliando sua parceria, chegando a atuar em 44 municípios, sendo 22 do Estado da Paraíba, 12 do Estado de Goiás e 10 do Estado do Espírito Santo. Alegando não ter renovado a parceria com o Governo do Estado Goiás, e Espírito Santo, a Coordenação Nacional do Programa não autorizou o seu funcionamento em todos os municípios dos dois Estados. Sendo assim, no módulo XII, (agosto a dezembro/2002), a UFPB atuou em 28 municípios da Federação, sendo 20 na Paraíba, 4 em Goiás e 4 no Espírito Santo. Para atender a essa demanda, 16 Coordenadores(as) Setoriais formaram a equipe pedagógica, para cuja constituição, normalmente, são convidados pelo Coordenador Pedagógico, considerando o interesse, a disponibilidade, e a formação acadêmica, de cada profissional, priorizando os de formação em educação e ciências humanas, conforme demonstrativo abaixo: Formação Acadêmica dos Coordenadores Setoriais da UFPB/PAS FORMAÇÃO ACADÊMICA COORDENADOR(A) SETORIAL Lic. Plena em História 03 Lic. Plena em Psicologia 03 Lic. Plena em Pedagogia 03 Lic. Plena em Letras 02 Comunicação Social 01 Licenciatura em Física 01 Ciências Biológicas 03 TOTAL: 16 Fonte: Cadastro dos Coordenadores Setoriais/UFPB/2002 66 Uma Universidade, em princípio, deve estar voltada para os anseios, desejos e carências da sociedade e que suas atividades (ensino, pesquisa e extensão) estejam voltadas a um compromisso social e político com a sociedade, já que entendemos que o saber tem uma função social de esclarecer, libertar, servir e não pode ser usado para sujeição dos seus agentes. Um processo de alfabetização deve buscar potencializar seus sujeitos; não pode se conformar com o simples “decifrar de símbolos”, mas também reconheça o homem como sujeito da sua história culturalmente construída, promovendo uma alfabetização potencializada, lendo o mundo e a palavra, para em seguida transformar a sua realidade. É com esse desafio que a Universidade Federal Paraíba, na sua atuação como parceira no Programa Alfabetização Solidária, assessora a formação de alfabetizadores de jovens e adultos, em 28 municípios da Federação Brasileira, localizados no interior dos Estados da Paraíba, Espírito Santo e Goiás. Grupos de trabalho, atividades peculiares a cada realidade, oficinas pedagógicas, atividades culturais e de cunho político-pedagógicas compõem a gestão e a realização dos cursos de capacitação e dos encontros mensais nos municípios com o conjunto dos participantes, num processo educativo onde todos ensinam e aprendem, criando e difundindo sonhos e utopias possíveis na esperança de uma cidadania ampliada às classes populares desassistidas. Analisando as atribuições de cada parceiro no Programa, percebemos que os responsáveis pelo financiamento estão sempre em atraso com os recursos para a compra da merenda escolar e o pagamento das bolsas dos alfabetizadores. Somada a essas dificuldades, ainda enfrenta-se a ingerência negativa de muitos executivos ou de seus representantes que tentam, a todo custo, monopolizar os recursos da merenda e que ainda tentam intervir na metodologia e na filosofia de trabalho abraçada pela Coordenação do PAS na UFPB que incomoda, por fazer os alfabetizadores pensarem de forma mais crítica, e, consequentemente, 67 promovendo uma nova visão crítica também nos alfabetizandos. Esses são problemas presentes no cotidiano dos(as) Coordenadores(as) da UFPB e que, muitas vezes, impedem ou dificultam uma prática de alfabetização libertadora norteada pela pedagogia freireana, trabalhada pela Universidade Federal da Paraíba. Conforme Moura (1998/1999, p. 21) Uma escola que, voltada para os interesses e as necessidades das classes populares, tem o dever de ser problematizadora, para que possa conduzir os sujeitos à transformação das formas de pensar e analisar o mundo e para intervir nele. Enfatiza que quanto mais a sociedade se moderniza tecnologicamente, tanto mais os mercados e os meios de produção se universalizam e mais requerem sujeitos críticos e conscientes do seu papel no mundo. Trabalhar na perspectiva de estimular os alfabetizadores a transformar suas formas de pensar e analisar a sociedade, constitui um grande desafio para os Coordenadores(as) da UFPB, uma vez que sentem-se sempre vigiados, principalmente pelo poder político local que se vê ameaçado pelo processo de conscientização política que cada sujeito pode vir a construir por intermédio da proposta que Freire apresenta para emancipação das classes populares. Lendo Weffort, através de Scocuglia (1997, p. 52) compreendemos a importância da conscientização como categoria de análise. Uma pedagogia da liberdade pode ajudar uma política popular, pois a conscientização significa abertura à compreensão das estruturas sociais como modos de dominação e violência. (...) A experiência brasileira nos sugere algumas lições curiosas, às vezes até surpreendentes em política e educação popular. Foi-nos possível esboçar, através do trabalho de Freire, as bases de uma verdadeira pedagogia democrática. Foi-nos possível, além disso, começarmos, com o movimento de educação popular, uma prática educativa voltada de modo autêntico, para a libertação das classes populares. Sem a consciência crítica da sua realidade, alfabetizadores e alfabetizandos não construirão um saber autônomo necessário a uma educação que promova condições reais para emancipação das classes populares, desassistidas pelos poderes constituintes. Para que essa autonomia se efetive na prática pedagógica, necessário se faz uma educação que dê valor à ajuda mútua e não ao individualismo. Os indivíduos socializados, pensando e agindo coletivamente, intervém no mundo para realizar fins. Daí a importância que Freire dá a 68 conscientização quando construída através do processo pedagógico. Conforme Scocuglia (1997, p. 46) O processo de “conscientização” não será apenas resultante das modificações econômicas, por mais importantes que estas sejam. Para ele, a criatividade seria resultado de um trabalho pedagógico apoiado em condições históricas propícias. Na busca da criticidade, a conscientização não poderia fazer parte de uma educação qualquer, mas de um processo voltado para a responsabilidade social e política, para a decisão. Daí ser a alfabetização, um processo político-pedagógico que apoiado no contexto histórico e na cotidianidade, pode fazer emergir um “novo sujeito” da aprendizagem, mais crítico, lendo o mundo para em seguida ler a palavra escrita, e se beneficiando desse conhecimento sistematizado para melhorar sua vida. Em relação a essa concepção de alfabetização, Paulo Freire fez o seguinte pronunciamento em Angicos – RN na solenidade de encerramento da sua primeira experiência de alfabetização, na presença do Presidente João Goulart e que agora podemos relê-lo através de Scocuglia (Id. p. 37) (...) Concluindo, eu apenas gostaria de citar duas coisas aqui de Angicos. É quando os homens começam a criar palavras, eles criam palavras que não são apenas vocábulos, mas que são conceitos; ora são conceitos do seu universo, não do nosso. Eles chamam a estas palavras que não existem e que eles criaram e depois descobrem que não têm uma existência funcional, eles chamam de palavras mortas e chamam as palavras que existem de palavras de pensamento. No que há, aliás, uma coisa até certo sentido poético e daí em diante. Senhor Presidente, apenas onze situações sociológicas foram necessárias para nós deixarmos estes 300 homens de Angicos, não apenas podendo dizer conscientemente que de hoje em diante estes homens vão votar não nos homens que lhes peçam um voto, vão votar não nos padrinhos, vão votar não nos políticos que somente porque sejam políticos se apoderam do seu destino; vão votar não somente nos coronéis ou porque coronéis, mas vão votar precisamente na medida em que estes candidatos revelem uma possibilidade de realmente e de legalmente servir ao povo e servir a eles mesmos. Aqui, Paulo Freire nos chama atenção para o binômio alfabetização de adultos/conscientização que se constitui com a ultrapassagem da “consciência ingênua” para a “consciência crítica”. Portanto, fica claro que a al fabetização de jovens e adultos, sendo um processo de libertação, não pode ser realizada de cima para baixo, nem de fora para dentro, 69 pois não é ela uma doação, mas uma construção que sugere novos horizontes. Assim, o alfabetizando prescinde da condição de objeto para assumir a posição de sujeito no interior desse processo, agora, com uma nova forma de pensar, de ver e discutir a realidade nacional, os seus problemas, e não apenas serem representados na história. Por isso, sua teoria encampa também, um sistema criado e voltado especificamente para a educação e a alfabetização dos adultos das classes populares. Corroborando com Freire assinala Gadotti (2000, p. 32) Um programa de educação de adultos, por essa razão, não pode ser avaliado apenas pelo seu rigor metodológico, mas pelo impacto gerado na qualidade de vida da população atingida. A educação de adultos está condicionada às possibilidades de uma transformação real das condições de vida do alunotrabalhador. (...) o analfabetismo não é uma questão pedagógica, mas uma questão essencialmente política. A partir desse diálogo com os autores citados, podemos inferir que uma proposta para alfabetização de jovens e adultos que prescinda da política como eixo norteador é irreal porque não contempla as possibilidades de mudanças significativas nas condições de vida dos alfabetizandos. O discurso que todos os políticos usam para sua permanência no poder é sempre voltado para convencer a população, ainda imersa numa “consciência ingênua”, da garantia da “cidadani a para todos os cidadãos”. Sabemos da falsidade ideológica desse discurso uma vez que cidadania tutelada prima pelo paternalismo e clientelismo gerando a alienação ao invés da ação política. É esse tipo de cidadania que subsiste, muitas vezes, na consciência de muitos alfabetizadores, sendo fomentada por procedimentos didático-pedagógicos exigidos por muitos programas de alfabetização de adultos. Refletindo sobre essa situação, gostaríamos de saber o que diria Paulo Freire diante de tal situação? Certamente ele nos diria que a alfabetização não é domesticação; é educação; que a liberdade é uma conquista, e não uma doação exige uma permanente busca, e que precisamos de coragem para reagir à violência dos que nos impõem silêncio. Também diria 70 para não abandonarmos a convicção que sempre tivemos, de que só nas bases populares, e com elas, poderemos realizar algo de sério e autêntico para as mesmas. Ainda nos aconselharia sermos mais tolerantes, já que para ele a tolerância é uma virtude revolucionária. Só assim iríamos ajudando o homem e a mulher brasileira, no clima cultural da fase de transição, a aprender democracia, com a própria construção desta, pois é uma hipocrisia darmos aulas de democracia e, ao mesmo tempo, considerarmos como absurda e impossível a participação do povo no poder. Daí a necessidade de uma educação corajosa, que enfrente a discussão com os homens e as mulheres, de seu direito àquela participação. A expansão de direitos de participação política não acontecerá numa sociedade excludente. É bem mais fácil continuar repetindo antigas “verdades” e, desta forma, manter a escola como está. A ruptura com o conservadorismo implica assumir o risco de construir uma nova sociedade e, consequentemente, uma escola crítica. A concretização desse sonho só será possível se vencermos diuturnamente a batalha da humanização dos homens e das mulheres brasileiras. Ainda ressaltando o aspecto político do processo de alfabetização, Freire (1989, p. 41-42) declara: A alfabetização de adultos enquanto ato político e ato de conhecimento, comprometida com o processo de aprendizagem da escrita e da leitura da palavra, simultaneamente com a ‘leitura’e a ‘reescrita’ da realidade, e a pósalfabetização, enquanto continuidade aprofundada do mesmo ato de conhecimento iniciado na alfabetização, [...] Uma alfabetização de adultos que em lugar de propor a discussão da realidade nacional e de suas dificuldades, em lugar de colocar o problema da participação política do povo na reinvenção da sua sociedade, estivesse girando em volta dos ba-bebi-bo-bu, a que juntasse falsos discursos sobre o país -, como tem sido tão comum em tantas campanhas -, estaria contribuindo para que o povo fosse puramente representado na sua História. Além das iniciativas governamentais já mencionadas no Capítulo anterior, diferentes organismos multilaterais têm procurado estimular a alfabetização, sobretudo nos países em desenvolvimento. A UNESCO é a organização que tem liderado esses esforços, já que um dos objetivos políticos declarados em sua constituição de 1945 é a erradicação do analfabetismo no mundo todo. (Wagner 2000, p. 71/72) 71 Apesar dos esforços, dos projetos e dos sonhos dos educadores, a educação, no século XX, foi negada à maioria do povo brasileiro. Segundo Scocuglia (1998/1999, p. 38) O que significou manter a taxa de analfabetismo quase intacta nesses últimos trinta/quarenta anos na Paraíba e em outras regiões do Brasil? Não resolver esse problema significou conservar milhões de paraibanos/brasileiros sem chances de construir suas condições mínimas de cidadania e significa: negar a milhões de brasileiros seus mínimos direitos (entre eles o de “possuir saber para exercer poder”); ter quase certeza da continuidade de uma série de disparidades entre os grupos sociais e os indivíduos; enfim, impedir/negar o direito dos homens e das mulheres de “serem mais humanos”, através da educação. Não resolver esse problema significa perpetuar a exclusão social e fazer com que a história pareça se repetir para milhões de indivíduos. No final do século XX, sem alfabetização e escolarização, a massa dos excluídos (do mundo do trabalho, do consumo e da sobrevivência digna) tende a aumentar em progressão geométrica. Muito mais que nos anos sessenta, quando o desenvolvimento não se faria tão aceleradamente, a informática ainda engatinhava e a “globalização” esbarrava em grandes estados nacionais e imperialismos, impedida pela “guerra fria”. Essas considerações nos revelam que o conhecimento está diretamente relacionado com a estratificação social, com o binômio saber-poder. Atualmente, o conhecimento sistematizado tornou-se condição indispensável devido às exigências básicas do mercado de trabalho e para a vida cotidiana. O que assistimos são contradições estruturais como o analfabetismo que resiste até no século XX meio à proposta de modernização, na qual ocorre um grande avanço tecnológico, tendo em vista as grandes transformações do mundo do trabalho e, com isto, uma grande população de analfabetos jovens e adultos que, como conseqüência da exclusão do mundo da escola, são também excluídos do mundo do trabalho, e lamentavelmente, a tecnologia por ser empregada pelo homem, não tem apontado soluções para minimizar essas disparidades sociais. Neste contexto, temos observado que a UFPB vem privilegiando trabalhar junto aos alfabetizadores com conteúdos que os estimulam a refletirem suas práticas pedagógicas, para que a partir dessa reflexão, eles possam redefinir seus objetivos de ensino. Assim, apresentamos no próximo Capítulo desta pesquisa, acontecimentos, depoimentos e dados empíricos, que comprovam as mudanças que vêm ocorrendo por interferência da UFPB na 72 realidade social, educacional e política dos alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária, nos municípios de Pitimbu e Assunção/PB. 73 CAPÍTULO IV: OS ALFABETIZADORES: EDUCANDO NA PERSPECTIVA DE APROXIMAR OS ALFABETIZANDOS PARA A FORMAÇÃO DE UMA COMUNIDADE MAIS SOLIDÁRIA. 74 Uma sociedade livre, aberta e soberana, na qual o homem goze da participação política e possa realizarse plenamente, constitui a utopia que está na base de toda experiência alternativa em educação. (Francisco Gutiérrez, 1988, p. 69) A educação de jovens e adultos representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso à escola e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e têm sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea. (Cury, 2000). Um processo de alfabetização não é apenas “decodificar” letras para escrever palavras. Alfabetizar vai além do saber mecanizado que leva o alfabetizando a ler a palavra, mas sem dela saber fazer uso. (Freire apud Calado, 2000, p. 21) assinala: O ato de alfabetizar implica uma dimensão política, até quando se trata de mera reprodução ou de mera transferência de conteúdos. Em seu sentido libertador – perspectiva caracteristicamente freireana – alfabetizar tinha que ir bem além de uma transferência de conhecimentos, sob pena de se estar a reforçar o analfabetismo político. Se ensinar é verbo transitivo-relativo entendemos que quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso, todo educador deve preocupar-se com os conteúdos da sua prática educativa. Conforme Freire (1992, p.110) O problema fundamental, de natureza política e tocado por tintas ideológicas, é saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o seu ensino, contra quem, a favor de que, contra que. Qual o papel que cabe aos educandos na organização pragmática dos conteúdos; qual o papel, e níveis diferentes, daqueles e daquelas que, nas bases, cozinheiras, zeladores, vigias, se acham envolvidos na prática educativa da escola; qual o papel das famílias, das organizações sociais, da comunidade local? Seguindo o pensamento freireano, metodológica e filosoficamente, a Universidade Federal da Paraíba, através de professores e técnicos educacionais que atuam na capacitação dos alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária, planeja as atividades didático- 75 pedagógicas que compreendem Metodologia da Linguagem, Metodologia da Matemática, Ciências Naturais, Ciências Sociais e Planejamento de Ensino, com temáticas abordando: Meio Ambiente, Cidadania, Educação Rural, entre outras, e oficinas pedagógicas, por entender que um processo de alfabetização pode se constituir num rico processo de potencialização dos historicamente condenados ao analfabetismo, “sujeitos que vão construindo a sua autonomia, tornando-se autoconfiantes e capazes de ler criticamente a palavra do outro e a escrever criativamente a sua própria palavra”. (Garcia, 2001, p.27 ) Os alfabetizadores do PAS são selecionados pelo(a) Coordenador(a) Setorial através de uma redação com temas referentes à educação de jovens e adultos, temas da atualidade ou temas que retratem o cotidiano da realidade onde estão inseridos. Também utiliza-se de entrevista como forma de aproximar-se mais dos candidatos para melhor inferir sobre os interesses que os levam a concorrerem à seleção. No momento seguinte, que é o da capacitação, procura-se, através de uma avaliação diagnóstica, conhecer os capitais cultural e social trazidos pelos alfabetizadores, suas competências, habilidades, conhecimentos e atitudes construídos pela experiência de vida pessoal e pela vida escolar. Durante o curso de capacitação, teve duração de 140 horas–aula, os alfabetizadores vivenciam alguns dos meios de construir o saber, produzindo-o e apropriando-se do conhecimento geral e especialmente do referente à alfabetização de jovens e adultos. Foto 01 e 02: Alfabetizadores socializando os saberes construídos durante o curso de capacitação capacitação. 76 Além das aulas em sala, o curso de capacitação, com o apoio de órgãos públicos da cidade de João Pessoa, propicia atividades culturais, como visita ao Museu São Francisco, ao Planetário, a Estação Ciência (Espaço Cultural), a Fortaleza de Santa Catarina. O passeio no Parque Arruda Câmara e no Centro Histórico é feito no mesmo dia em que é oportunizado aos alfabetizadores conhecer um lado da realidade pessoense retratada no Lixão do Roger. A formação desses alfabetizadores compreende um processo contínuo do qual o curso acima citado é apenas uma etapa inicial intensiva. Foto 03: Do hotel globo Coordenador Setorial e Alfabetizadores observam o lixão do Roger em contraste com o Manguezal ao lado. O processo de formação continuada se dá uma vez por mês durante as visitas de avaliação e acompanhamento realizadas aos municípios pelo(a) Coordenador(a) Setorial. Nesse momento são trabalhados conteúdos que tentam atenuar algumas das lacunas 77 percebidas na formação dos alfabetizadores, bem como aprimorar os novos conhecimentos adquiridos no próprio grupo de trabalho. Em qualquer conteúdo trabalhado durante e após o Curso de Capacitação, o instigar para uma reflexão crítica faz parte de um processo permanente, onde se busca orientar os alfabetizadores para uma prática educativa que objetive minimizar as diferenças sociais. Para reforçar esse objetivo refletimos nas idéias de Gutiérrez (1988, p.117) Essa conscientização e essa opção político-pedagógica é, a nosso ver, a condição necessária para fazer de toda experiência alternativa um processo liberador. Educar na justiça envolve, por parte dos educadores e dos educandos, adoção de valores diametralmente opostos aos valores da ideologia dominante, como “adquirir, possuir e lucrar”. Portanto, como requisito básico para educar na justiça impõe-se uma retificação desses falsos valores. Em outras palavras, não se pode educar na justiça sem uma grande clareza sobre as causas produtoras da miséria humana, da injustiça e da opressão. Só assim, pela adoção de novos valores, poder-se-á organizar todo o trabalho educativo para conseguir despertar a faculdade crítica e detectar as causas estruturais da injustiça; sacudir as consciências adormecidas com o propósito de que saibam reagir frente a elas, e formar homens novos, decididos e capazes, que sejam agentes eficazes da transformação social. Educar para a justiça exige o cuidado para evitar a fragmentação na prática de sala de aula, não dissociando o pedagógico do social, pois entendemos que ao desconsiderar as condições de vida dos alfabetizandos, o alfabetizador tende a absolutizar o método, descontextualizando seu trabalho pedagógico. Como considera-se que o ponto de partida do ensino é o conhecimento que o aluno já possui, é fundamental construir ligações entre o que se vai ensinar e o já conhecido. Assim, o que é ensinado na escola passa a ficar articulado ao que o aluno já sabe, superando, então, a dissociação entre o que se conhece e o que se utiliza deste saber escolar para viver. Uma outra preocupação é evitar que muitos alfabetizadores que já têm experiências com o ensino regular infantil e, baseados nessas experiências, tendam a infantilizar os educandos, pois os métodos e conteúdos da educação infantil não servem para os jovens e adultos. É necessário reconhecer as especificidades dessa faixa etária. Essas são questões 78 discutidas com eles, para compreenderem que o ato de alfabetizar jovens e adultos é, essencialmente, um ato político; que os conteúdos devem responder às suas necessidades mais imediatas e que a metodologia deve ser uma “arma” que poderá desencadear um processo permanente de busca pela liberdade dos seu sujeitos. Para trabalhar essas questões é trabalhado com os alfabetizadores, o método de alfabetizar de Paulo Freire, somado a palestras e mini-cursos abordando os temas: gerontologia, características do aluno adulto e habilidades de ensino. Nesse momento o alfabetizador se reconhece como sujeito de um processo de alfabetização que ao ensinar também aprende, e aprender significa reconstruir criticamente a realidade que o cerca, do ponto de vista do sujeito capaz de história própria. Dessa forma, é estabelecida uma relação dialética entre alfabetizador e alfabetizandos, uma vez que o educando deixa de ser um mero “depósito de informações” para assumir uma posição de destaque no processo de alfabetização. O alfabetizador, por sua vez, admite e respeita a autonomia que se vai construindo pelos alfabetizandos. Conforme Freire (1989, p. 25-26) O fato de não ser o educador um agente neutro não significa, necessariamente, que deve ser um manipulador. A opção realmente libertadora nem se realiza através de uma prática manipuladora nem tampouco por meio de uma prática espontaneísta. O espontaneísmo é licencioso, por isso irresponsável. O que temos de fazer, então, enquanto educadoras ou educadores, é aclarar, assumindo a nossa opção, que é sermos coerentes com ela, na prática. (...) nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores que proclamamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso avançado. Daí que o nosso discurso, incoerente com a nossa prática, vire puro palavreado. Daí que, muitas vezes, as nossas palavras “inflamadas”, porém contraditadas por nossa prática autoritária, entrem por um ouvido e saiam pelo outro – ouvidos das massas populares, cansadas, neste país, do descaso e do desrespeito com que há quatrocentos e oitenta anos vêm sendo tratadas pelo arbítrio e pela arrogância dos poderosos. Faz-se necessário, portanto, pensar uma formação que capacite seus sujeitos para uma prática educativa coerente com o discurso ideológico. Uma nova forma de pensar dos alfabetizadores resultará numa nova forma de pensar e agir também dos alfabetizandos, confirmando desta maneira um processo de alfabetização para a libertação e não para a sujeição. Para sublinhar, ressaltamos Freire (1989, p. 30) 79 Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra, palavra doada pelo educador aos analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam muito mais de que desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. Desta forma, estamos falando de uma educação emancipatória que, por sua vez, não pode prescindir de uma postura democrática que, ao contrário de doutrinar, problematiza a experiência vivida pelo indivíduo no grupo. O conhecimento com uma reflexão crítica da realidade possibilita ao sujeito desalienar-se, desocultar e redimensionar suas condições de vida, mantendo-se num processo permanente de expansão do conhecer com uma visão política também mais ampliada. Se o ato educativo é essencialmente político, o papel do educador é também político. Gadotti (1980, p. 57) afirma: Sempre que o pedagogo deixou de “fazer política”, escondido atrás de uma pseudo-neutralidade da educação, estava fazendo, com a sua omissão, a política do mais forte, a política da dominação. Não acredito numa educação neutra: ou fazemos uma pedagogia do oprimido ou fazemos uma pedagogia contra ele. Para trabalhar a questão política da educação, no curso de capacitação, a equipe de Coordenadores da UFPB procura utilizar materiais intelectualmente desafiadores (textos, artigos, vídeos, etc.). Como exemplo, registramos uma atividade realizada na sala de aula utilizando-se o texto de Bertold Brecht intitulado “O analfabeto Político” (Anexo A). Depois de uma discussão abordando a política dos municípios e a função do voto, percebeu-se um resultado positivo no sentido de que a grande maioria da turma se reconheceu como um analfabeto político. Como registro dessa atividade colocamos em anexo a produção textual da monitora pedagógica Maria Vitória do Município de Assunção (Anexo B). 80 Foto 04: A monitora pedagógica apresentando sua produção para o grupo. A proposta político-pedagógica da Universidade Federal da Paraíba como parceira do Programa Alfabetização Solidária sublinha uma formação continuada, com pressupostos de uma educação progressista, com conteúdos e procedimentos metodológicos fundados na problematização, na dialogicidade, na criticidade, na produção do conhecimento, primando pelo exercício da coerência: realizar com o alfabetizador o que se propõe que ele realize com o alfabetizando. Com esse objetivo, foi trabalhado durante o Curso de Capacitação para o módulo XII, um texto que trata de um diálogo de Freire com um camponês chileno, em assentamento de Reforma Agrária próximo de Santiago, mas que retrata tão bem a realidade a qual observamos. Os oprimidos tendem a buscar explicações para as suas dores, suas necessidades no determinismo. Para eles, as coisas são como são, porque é o destino, e vontade de Deus. Vejamos o teor do texto em Freire (1992, p. 49-50): 81 (...) - Muito bem – disse eu a eles. – Eu sei. Vocês não sabem. Mas por que eu sei e vocês não sabem? Aceitando o seu discurso, preparei o terreno para minha intervenção. A vivacidade brilhava em todos. De repente a curiosidade se acendeu. A resposta não tardou. - O senhor sabe porque é doutor. Nós não. - Exato, eu sou doutor. Vocês não. Mas, por que eu sou doutor e vocês não? - Porque foi à escola, tem leitura, tem estudo e nós, não. - E por que fui à escola? - Porque seu pai pôde mandar o senhor à escola. O nosso, não. E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola? - Porque eram camponeses como nós. - E o que é ser camponês? - É não ter educação, posses. Trabalhar de sol a sol sem direitos, sem esperança de um dia melhor. - E por que ao camponês lhe falta tudo isso? - Porque Deus quer. - E quem é Deus? - É o Pai de nós todos. - E quem é pai aqui nesta reunião? Quase todos de mão para cima, disseram quem o era. Olhando o grupo todo em silêncio, me fixei num deles e lhe perguntei: Quantos filhos você tem? - Três. - Você seria capaz de sacrificar dois deles, submetendo-os a sofrimentos para que o terceiro estudasse, com vida boa, no Recife? Você seria capaz de amar assim? - Não. - Se você – disse eu -, homem de carne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça desta, como é possível entender que Deus o faça? Será que Deus é o fazedor dessas coisas. Um silêncio diferente, completamente diferente do anterior, um silêncio no qual algo começava a ser partejado. Em seguida: - Não. Não é Deus o fazedor disso tudo. É o patrão! Fazer os alfabetizadores problematizarem sobre seus problemas e suas possíveis soluções constitui a atividade nuclear na prática pedagógica de todo educador. Dessa prática emana a preocupação no trabalho com a politização dos conteúdos e do ensino. Dito de outra forma, isto significa não disjungir o político do pedagógico. O estudante politizado, que atua dentro e fora da escola, é um estudante que tem motivação pela qualidade, pela relevância social e teórica do que é ensinado. É um estudante questionador, pede explicações, motiva o professor, interessa-se pelas relações humanas estabelecidas no interior da escola e na comunidade. 82 Daí ser urgente a implementação de uma alfabetização que instigue a conscientização das massas em um País onde os analfabetos constituem a maioria dos pauperizados, vítimas de um sistema social marcado pala desigualdade e pela opressão. Portanto, todo aprendizado deve encontrar-se intimamente associado à tomada de consciência da situação real vivida pelos educandos. Essa opressão não será suprimida enquanto o oprimido não se libertar da ideologia do opressor, pois, conforme Freire, “a idéia da liberdade só a dquire plena significação quando comunga com a luta concreta dos homens por libertar-se”. Essa libertação é precedida pelo saber democrático que, por sua vez, jamais se incorpora autoritariamente, pois só tem sentido como conquista comum do trabalho do alfabetizador e do alfabetizando. Sendo um trabalho de construção coletiva, é preciso que os alfabetizadores reconheçam o saber diário e das experiências trazidas pelos alfabetizandos. Se os seres humanos são inacabados, seu saber não pode ser absoluto. Daí a afirmação de Freire (2000, p.113) Ninguém ignora tudo. Ninguém tudo sabe. A absolutização da ignorância, ademais de ser a manifestação de uma consciência ingênua da ignorância e do saber, é instrumento de que se serve a consciência dominadora para a manipulação dos chamadas “incultos”. Dos “absolutamente ignorantes” que, “incapazes de dirigir -se”, necessitam da “orientação”, da “direção”, da “condução” dos que se consideram a si mesmos “cultos e superiores”. O texto acima foi amplamente discutido com os alfabetizadores em um dos momentos da capacitação continuada, por ocasião da 1ª visita de acompanhamento no módulo XII aos municípios campo desta pesquisa. Para ilustrarmos e ratificarmos a discussão, voltamos à Pedagogia da Esperança e retomamos mais um trecho de um diálogo entre Freire e um camponês em Santiago do Chile, por ocasião da sua vista a um dos “círculos de cultura”, onde o camponês expressa ser o seu saber inferior ao saber adquirido dentro da escola formal. Falou o camponês “Desculpe, senhor, o senhor é que podia falar porque o senhor é o que sabe. Nós não”. Dando início ao diálogo Freire respondeu: “Muito bem”. Aceito que eu sei e vocês não sabem. De qualquer forma, gostaria de lhes propor um jogo que, para funcionar bem, exige de nós 83 absoluta lealdade. Vou dividir o quadro negro em dois pedaços, e que irei registrando, do meu lado e do lado de vocês, os gols que faremos eu, em vocês; vocês, em mim. O jogo consiste em cada um perguntar algo ao outro. Se o perguntado não sabe responder, é gol do perguntador. Começarei o jogo fazendo uma primeira pergunta a vocês. Primeira pergunta: _ Que significa a maiêutica Socrática? Gargalhada geral e eu registrei o meu primeiro gol. _ Agora cabe a vocês fazer a pergunta a mim – disse. Houve uns cochichos e um deles lançou a questão: _ Que é curva de nível? Não soube responder. Registrei um a um. _ Qual a importância de Hegel no pensamento de Marx? Dois a um _ Para que serve a colagem do solo? Dois a dois. _ Que é um verbo intransitivo três a dois. _ Que relação há entre curva de nível e erosão Três a três. _ Que significa epistemologia? Quatro a três. _ O que é adubação verde? Quatro a quatro. (FREIRE, 1992, p. 48) O diálogo prosseguiu até um empate de dez a dez. Nesse momento, Freire fez o camponês refletir sobre a importância do seu saber popular, valorizando e tomando como ponto de partida para a aprendizagem a cultura e o conhecimento que cada educando construiu ao longo da vida nas experiências diárias. O objetivo com a discussão e análise do texto acima foi induzir os alfabetizadores a reverem suas atitudes, descobrindo-se como seres participantes na construção do mundo da cultura, ou seja, serem sujeitos construtores e não objetos arrastados pela História. A pretensão da equipe de coordenadores(as) da UFPB era fazer com que cada um dos alfabetizadores atuem junto aos alfabetizandos como agente de transformação social, sendo multiplicador de novos valores sociais e de uma visão mais ampliada de ver o mundo e a sociedade. Essa visão de alfabetização acreditamos só ser possível se for admitido como método de trabalho o diálogo. Como o diálogo é nuclear na metodologia freireana, é importante 84 conhecermos com mais profundidade seu significado para melhor ser aplicado dentro dos seus princípios norteadores. Conforme o autor (2000, p.115) Diálogo é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. Daí que o papel do alfabetizador seja fundamentalmente dialogar com o alfabetizando, sobre situações concretas, oferecendo-lhe os instrumentos com os quais ele se alfabetiza, fazendo-o ver que se alfabetiza para aprender e não somente para conhecer, pois “con hecer orienta-se sobretudo pela qualidade formal; aprender destaca a qualidade política, sem dicotomias (Demo, 2002, p. 37) Para melhor compreender a força que o saber opera nas classes populares, percebemos a necessidade de trabalhar, ainda que sucintamente, as categorias poder e saber como forma de compreender sua dialética. Conforme Demo, “conhecimento e poder são gêmeos, mesmo que cada qual tenha traços próprios de personalidade, um não ande sem o outro” . (Ibid., p.10). Esse processo de mudanças torna-se difícil porque sabemos que uma vez no poder muitas pessoas que antes defendiam a democracia, pode agora querer desarmá-la. Demo (Ibid. p.20) nos convida à seguinte reflexão: A dialética não-linear do poder não pode ser seu novo disfarce; ao reconhecer que os comandados também possuem chance de comandar, não resulta disso que, de repente, o fenômeno do poder se tornou apelo à solidariedade; a cidadania é a conquista mais importante da sociedade humana precisamente porque não cai nesse “conto -do-vigário”, s em falar que, dialeticamente falando, se o comandado chegar ao poder; se antes pregava o controle democrático, pode, agora no poder, não gostar do controle, apelando para todo tipo de ideologia para desarmar os comandados; a história está repleta de líderes críticos que, uma vez críticos, quando não os eliminam; para que os comandados possam virar a mesa é mister cidadania de qualidade histórica monumental, um feito tão possível quanto complexo. No contato com os alfabetizadores nos deparamos com duas situações: a pobreza política e a pobreza material. Ouvimos de muitos deles que muitas vezes são submetidos ao domínio dos que se encontram no poder por força da carência material, dito de outra forma, as 85 pessoas desprovidas de recursos financeiros para atender as suas necessidades básicas, muitas vezes se submetem ao mando vertical dos opressores para garantir o básico para sua sobrevivência. Nesse contexto surge um desafio para ser enfrentado pelos alfabetizadores: o de buscar satisfazer as necessidades materiais básicas, mas sem perder a perspectiva de conquistar a emancipação política, entendendo que o poder e o saber estão interligados; que o poder está presente nas “micro relações” e que sendo assim, as classes populares encontram aí um espaço para ocupar com os seus ideais de liberdade. Nos momentos em que prega a verdade, o saber faz uso do poder. Segundo Demo (Ibid. p.63) (...) poder é fenômeno que aparenta ser forte porque sempre é também fraco – quem está no poder teme ser contestado, ou mesmo eliminado; a história está repleta de dominadores que se deram mal, ao lado de outros que se deram bem. (...) o poder como força bruta é menos efetivo do que o poder inteligente, o que teria permitido que um animal em si frágil, relativamente pequeno, muito depende dos outros mormente na infância, como é o ser humano, pudesse chegar a tamanhas pretensões de domínio da natureza e da sociedade. Tal afirmação nos leva a compreender que todo saber implica exercitar também o poder e que todo ser humano é produção do saber e do poder. Para Machado (1985, p. XXI) Não há saber neutro. Todo saber é político. Isto porque todo saber tem sua gênese em relações de poder. O fundamental da análise é que saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. O autor supracitado ainda nos assinala que “a genealogia considera o saber – compreendido como materialidade, como prática, como acontecimento - como peça de um dispositivo político que, enquanto dispositivo, se articula com a estrutura econômica” (Ibid. p. XXI) Essas afirmações nos fazem refletir que não há poder de todo impenetrável nem saber soberano, na verdade existem poderes e saberes que se infiltram nas relações sociais para se manterem dominando. Por isso, o indivíduo que pensa politicamente é mais temido pelo sistema do que um pobre com fome. 86 Nesse contexto é que a educação deve fazer a diferença na formação dos agentes sociais das classes populares. Numa visão freireana, a educação por si só não transforma, mas sem ela não pode ocorrer as mudanças que o povo deseja e precisa. Daí ser urgente desideologizar o discurso fatalista e determinista da educação burguesa que nega o sonho e a utopia dos alfabetizadores. Sobre essa situação, esclarece Tfouni (1997, p. 27-28) A alienação, portanto, é um produto do letramento. A ciência, produto da escrita, e a tecnologia produto da ciência, são elementos reificadores, principalmente para aquelas pessoas que, mesmo não sendo alfabetizadas, são, no entanto, “letradas”, mas não têm acesso ao conhecimento sistematizado nos livros, compêndios e manuais. Muitas vezes, como conseqüência do letramento, vemos grupos sociais não-alfabetizados abrirem mão do próprio conhecimento, da própria cultura, o que caracteriza mais uma vez essa relação como de tensão, fatores que não podem ser ignorados quando se procura entender o produto humano por excelência que é a escrita, e seus decorrentes necessários: a alfabetização e o letramento. A “alienação” tem sido uma categoria discutida constantemente nos encontros entre Coordenadores e Alfabetizadores. Daí surge à preocupação dos Coordenadores/UFPB em oferecer aos alfabetizadores subsídios para uma formação crítica, diferente da educação oferecida pelo sistema de ensino brasileiro e de programas alternativos de Alfabetismo que ainda não contemplam as reais necessidades da maioria dos seus educandos, não observando a cultura, a geografia e a carência financeira, entre outros elementos. Objetivando uma discussão mais ampliada das questões político-pedagógicas que envolvem o processo de alfabetização de jovens e adultos e por perceber a multiplicidade de vivências em situações semelhantes, na prática pedagógica dos alfabetizadores do PAS, foram promovidos dois encontros intermunicipais durante o módulo XI, com os municípios paraibanos de Assunção, Pitimbu e Juazeirinho. O interesse maior do encontro foi manter intercâmbio para socializar os conhecimentos produzidos pelos alfabetizadores e a troca de experiências adquiridas entre eles mesmos e com os alfabetizandos. No segundo encontro, registramos um momento especial: após ser aplicada uma dinâmica a qual envolvia palavras retiradas do vocabulário usado no texto trabalhado no mês 87 anterior – “ Asas e Gaiolas” - de Rubens Alves (Anexo C), foi realizada com o grupo uma atividade de produção de texto. O resultado foi considerado excelente, uma vez que todos participaram expondo suas idéias, lendo suas produções, sugerindo novas posturas para o educador preocupado com a emancipação e a maneira própria de fazer cultura de cada grupo social. Uma poesia produzida pela alfabetizadora Maria do Socorro, pode ser encontrada neste trabalho (Anexo D). Foto 05: Registro do 2º encontro intermunicipal. Entendemos que o processo educativo não se dá sozinho, de forma isolada. Ao contrário, ele ocorrerá com o encontro entre os próprios educandos. Para (Freire apud Demo, 2002, p. 32): Educar-se não significa permanecer fechado em seu próprio mundo cultural, num gesto hermenêutico enclausurado sobre si mesmo. Ao contrário, implica inovar, sobretudo inovar-se, mas a partir de dentro, plantado sobre seu mundo cultural. (..) O oprimido tem o direito sagrado de falar como fala. Mas, tomando-se em conta que o opressor não fala como ele fala, mas de modo culto, torna-se fundamental que aprenda a língua culta, para poder lutar com as mesmas armas. 88 Por essa afirmação pode-se inferir que educar-se para a nossa sociedade capitalista, que sobrevive das desigualdades sociais, faz-se necessário uma formação cultural contínua e permanente, com uma linguagem à altura da usada pelos dominantes, para que os oprimidos usufruam também dos elementos que podem oportunizar lutarem com as mesmas armas dos dominantes. Essa consciência crítica do fazer pedagógico exige que o processo educativo, seja essencialmente político, para que cada sujeito seja capaz de história própria e coletiva. Na opinião de Demo (Ibid. p. 11) Ser político é aquele que sabe planejar e planejar-se, fazer e fazer-se oportunidade, constituir-se sujeito e reconstruir-se de modo permanente pela vida afora, conhecer fins e ajustar meios para os atingir, exercer sua liberdade e sobretudo, lutar contra quem a queira limitar, gestar-se cidadão capaz de história própria, aprender de modo reconstrutivo-político. Esse, é um dos grandes desafios que os educadores comprometidos com as classes populares precisam enfrentar, buscando adquirir a competência didático-pedagógica e a construção de uma visão crítica que, por sua vez, poderá conduzi-lo ao compromisso político com a causa popular. A formação do educador torna-se tarefa complexa para as Instituições formadoras, que precisam também estar capacitadas para conduzir esse processo de formação, de forma que não fragmente o papel fundamental da educação (formação bio-psico-social) à necessidade de distribuir eqüitativamente os conhecimentos e o domínio dos códigos, pelos quais circula a informação necessária à participação cidadã. É indispensável considerar a experiência e a participação ativa dos educadores nas definições de suas próprias necessidades de aprendizagem. Não obstante, responder às necessidades percebidas pelos educadores é apenas o ponto de partida. O próprio processo de formação e capacitação deve permitir ampliar e reorientar suas necessidades, para o desenvolvimento de um conhecimento e um papel cada vez mais profissional e autônomo. 89 CAPÍTULO V: ANALISANDO OS DADOS COLETADOS PARA COMPREENDER A REALIDADE 90 “O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e não a solidariedade com os que negam o compromisso solidário, mas com aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em ‘coisas’.” Paulo Freire. A natureza deste estudo coloca-nos diante de questões discutidas pela sociedade brasileira há bastante tempo e, mais precisamente, a partir das mudanças rápidas e constantes no dia-a-dia da vida dos brasileiros, provocadas pelo desenvolvimento da informática. Entretanto, ainda presenciamos um índice significativo de pessoas analfabetas na nossa sociedade, sem poderem fazer uso dessa tecnologia não só por problemas econômicos, mas também por não possuírem instrução acadêmica básica para operá-la. Neste contexto, optamos por analisar as práticas pedagógicas dos alfabetizadores do Programa Alfabetização Solidária, partindo da concepção de pesquisa pensada por Demo (1991, p.44). Dialogar com a realidade talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha com o princípio científico e educativo. Quem sabe dialogar com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania. A tentativa de estabelecer um diálogo durante este estudo ocorreu desde seu início quando elegemos a teoria “Pedagogia do Diálogo” do educador Paulo Freire para subsidiá -lo, por entendermos que o diálogo gera maior aproximação entre o pesquisador e os pesquisados, além de trabalharmos com uma metodologia que primou pela construção coletiva por tratarse de uma pesquisa participativa numa abordagem qualitativa. Ressaltamos ainda que este caminhar metodológico nos possibilitou uma reflexão sistemática e analítica do foco deste estudo. Os dados quantitativos/qualitativos nos 91 ofereceram a oportunidade de traçarmos um perfil social e educacional dos alfabetizadores(as), além de nos apresentar um diagnóstico do fazer pedagógico das suas práticas pedagógicas em sala de aula. Neste caso, a coleta e a análise dos dados objetivos e subjetivos se complementaram. Segundo Richardson (1999, p.79) O aspecto qualitativo de uma investigação pode estar presente até mesmo nas informações colhidas por estudos essencialmente quantitativos, não obstante perderam seu caráter qualitativo quando são transformadas em dados quantificáveis, na tentativa de se assegurar a exatidão no plano dos resultados. No decorrer do trabalho, para facilitar nossa análise, agrupamos as idéias, conceitos e expressões dos alfabetizadores para melhor articular o todo do trabalho. Assim formamos grupos de idéias a respeito de um determinado tema, partindo das falas dos pesquisados. A observação foi fundamental para analisarmos as práticas pedagógicas dos alfabetizadores, tanto no interior da sala de aula, como nos encontros/visitas/diálogos fora da sala de aula. Apesar de não estarmos fazendo um estudo comparativo, entendemos ser necessário fazer uma ressalva, uma vez percebida, por ocasião das nossas observações, uma acentuada diferença, entre os alfabetizadores dos dois municípios acerca de alguns aspectos analisados. Não obstante, consideramos que essa ação mostrou resultados bastante satisfatórios, por revelar-nos os seguintes dados: a disposição que todos apresentaram em realizar um trabalho de qualidade junto aos alfabetizandos, buscando diferenciar nas técnicas de ensino para melhor compreensão dos alfabetizandos diante do assunto abordado e motivando-os a continuarem com a escolarização, apresentou-se como um elemento convergente entre os dois municípios. No que se refere ao crescimento intelectual pessoal, apenas os alfabetizadores de um dos municípios, denotaram, estarem mais fomentados a essa conquista. Muitos deles voltaram para concluírem o ensino médio, outros formaram um grupo de estudos para se prepararem para vestibulares, enfim, estão buscando acrescentar os conhecimentos adquiridos por meio 92 do curso de capacitação. Já a maioria dos alfabetizadores do outro município apresentaram preocupação com a qualidade de suas práticas dentro da sala de aula, mas ainda não despertaram para a necessidade de seu próprio crescimento intelectual. Na perspectiva de alcançarmos nossos objetivos, trabalhamos com a aplicação de um questionário composto de questões estruturadas e semi-estruturadas. Esse instrumento foi aplicado aos 26 (vintes e seis) alfabetizadores(as) dos municípios de Pitimbu e Assunção que atuaram no módulo XII do Programa Alfabetização Solidária. Em relação ao grau de escolaridade e a faixa etária dos alfabetizadores a computação dos dados nos revelou os resultados apresentados nos quadros 1 e 2 respectivamente. Quadro: Grau de Escolaridade dos Alfabetizadores dos Municípios de Pitimbu e Assunção/PB ESCOLARIDADE MÉDIO COMPLETO MAGISTÉRIO FUNDAMENTAL COMPLETO FUNDAMENTAL INCOMPLETO TOTAL: Nº DE ALFABETIZADORES(AS) 14 02 08 02 26 Fonte: Dados obtidos através da aplicação do questionário. Quadro 2: Faixa Etária dos Alfabetizadores dos Municípios de Pitimbu e Assunção/PB FAIXA ETÁRIA 16 A 20 21 A 25 26 A 30 30 A 35 ACIMA DE 35 TOTAL: Nº DE ALFABETIZADORES(AS) 11 11 03 00 01 26 Fonte: Dados obtidos através da aplicação do questionário.2 2 Embora tenhamos trabalhado com um intervalo de 5 números entre os grupos, esclarecemos que a faixa etária mínima para o ingresso no PAS é de 18 anos. 3 Embora a pesquisada tenha citado os nomes de dois colegas, consideramos conveniente omitir suas identidades para não gerar conflitos entre os envolvidos e o poder local. 93 Os quadros acima nos revelam que, se estabelecermos uma relação entre a instrução acadêmica com a faixa etária dos pesquisados, podemos inferir que a maioria dos alfabetizadores deveria possuir uma escolaridade de nível superior, entretanto, as precárias condições econômicas impedem esses agentes sociais de prosseguirem seus estudos. No decorrer da pesquisa, através do contato direto/visitas/diálogos mantidos com os pesquisados, certificamo-nos que o poder aquisitivo dos alfabetizadores e de suas famílias é bastante baixo e os municípios não oferecem as condições necessárias para que todos possam ingressar em uma universidade. Desse contigente pesquisado apenas 01 ingressou na universidade após, conforme seu próprio depoimento, ter ingressado no Programa Alfabetização Solidária. Através do Programa Alfabetização Solidária eu renovei minha vontade em aprender mais. Acreditei que apesar do tempo que estava parada, eu podia voltar a estudar para aprimorar meus conhecimentos e me melhorar como pessoa. Agora estou fazendo Pedagogia. (...) mas eu sinto por [ x e y ]3 que estão estudando para o vestibular, mas mesmo que passem não vão poder estudar, porque não têm como ir para a universidade. A secretária não vai deixar eles irem no ônibus, porque são de oposição. Essa fala revela-nos o quanto o nosso sistema é opressor e tenta a todo custo calar os que se opõem aos seus interesses. No contato direto com os alfabetizadores, alfabetizandos e outras pessoas da comunidade percebemos que nesse município a política partidária está acima de qualquer interesse popular. Verificamos que muitas pessoas ainda que estando conscientes dessa situação de opressão, ainda que se mostrem sensibilizadas com as dificuldades que passam os excluídos do sistema local, se acomodam por medo de também serem perseguidas, perderem seus empregos4. Alegam que precisam sustentar a família, por isso, o que podem fazer é serem solidários, ajudando os esfaimados. Freire (2000, p.79) explica muito bem esta questão quando diz que: O discurso da acomodação ou de sua defesa, o discurso da exaltação do silêncio imposto de que resulta a imobilidade dos silenciados, o discurso do elogio da adaptação tomada como fado ou sina é um discurso negador da humanização de cuja responsabilidade não podemos nos eximir. 4 Verificamos que a maioria dos trabalhadores municipais não possui vínculo empregatício. Trabalham por contrato temporário. Talvez, isso justifique a relação de poder existente entre empregador e empregados. 94 A superação da acomodação, a consciência crítica, a solidariedade e a socialização do conhecimento são elementos que se configuram como um desafio, que a UFPB vem trabalhando junto aos alfabetizadores na perspectiva de construção de um capital cultural pessoal e coletivo, utilizando-se o aporte teórico-metodológico da “Pedagogia do Diálogo”, que busca concretizar uma “educação libertadora” para as classes populares. A educação é, portanto, compreendida como um dos instrumentos de apoio na organização e na luta do povo pelos direitos à igualdade de oportunidades. Mas essa luta não obterá sucesso se os sujeitos não perceberem que a liberdade depende do grau de consciência construída. Na visão de Triviños (1995, p. 62): A consciência é uma propriedade da matéria, a mais altamente organizada que existe na natureza, a do cérebro humano. Essa peculiaridade surgiu como resultado de um longo processo de mudança da matéria. (...) A grande propriedade da consciência é a de refletir a realidade objetiva. Assim surgem as sensações, as percepções, representações, conceitos, juízos. Todos eles são imagens. Reflexões adequadas, verdadeiras, da realidade objetiva. Refletir a realidade objetiva é lutar para que o Estado garanta e assegure a qualquer cidadão, um padrão mínimo de renda, saúde, educação, moradia, como um direito político e não como benefício. Entende-se, portanto, que a educação como uma política pública apresenta função essencialmente social. Os quadros acima ainda revelam-nos que a procura das pessoas por uma ocupação é preocupação de todos, em qualquer idade. Os jovens das camadas pobres da população residentes nos municípios de Pitimbu e Assunção constituem a maioria na grande procura por uma vaga como alfabetizador(a) no PAS a cada seleção realizada. Isto porque não há programas locais de geração de renda e emprego, ficando a população mais carente a mercê de programas e/ou projetos temporários das outras esferas de governo. Quando perguntamos se possuíam outra ocupação além da que exerciam no momento, 6 (seis) dos pesquisados responderam que sim, sendo 2 (dois) agentes de saúde, 2 (duas) 95 professoras, 1 (um) agente comunitário trabalhando no Portal do Alvorada (todos trabalhos temporários recebendo 1 salário mínimo) e 1(um) agricultor. Este estudo nos propiciou condições de durante nossa convivência com o grupo pesquisado registrar que cinco deles são trabalhadores rurais, entretanto, apenas um se identificou como agricultor. Para nós ficou um questionamento: porque quatro pessoas não identificaram sua ocupação? Ou eles não reconhecem o trabalho no campo como uma atividade profissional? Uma possível explicação poderia estar no fato de em nossa sociedade o trabalho mais reconhecido ser de natureza intelectual e o Brasil ainda não ter consolidado uma política de investimento que valorize o trabalho dos pequenos proprietários rurais. No quadro 3 apresentamos dados referentes ao local de residência e gênero dos pesquisados. Quadro 3: Número de Alfabetizadores por Sexo e local de Residência nos Municípios de Pitimbu e Assunção. LOCALIDADE ZONA RURAL ZONA URBANA TOTAL HOMENS 05 01 06 MULHERES 13 07 20 TOTAL 18 08 26 Fonte: Dados obtidos através da aplicação do questionário. Esse demonstrativo apresenta uma predominância do sexo feminino na atividade de ensino. Isso pode ser explicado pela própria história educacional do país. Durante muitas décadas ensinar era uma profissão destinada somente para mulheres. A exemplo, citamos as escolas normais existentes desde o século passado, com função essencialmente feminina, embora o seu corpo docente se resumisse a apenas um professor, que além de ser o diretor da escola ainda ministrava todas as disciplinas do currículo. Essa primeira escola foi “criada em Niterói no ano de 1830, sendo a pioneira na América Latina e, de caráter público, a primeira de todo o continente, já que nos Estados Unidos as que existiam eram escolas particulares.” Romanelli (1980, p. 163) 96 O quadro ainda nos mostra que o fato de a maioria residir na zona rural justifica o atraso no processo formal de escolarização dos alfabetizadores. No nosso diário de campo registramos que uma das alfabetizadoras foi obrigada a interromper seus estudos por residir em um sítio de difícil acesso, onde a locomoção é feita a pé ou por apenas uma jabiraca (como é chamada por eles uma caminhonete, por ser bastante velha). Portanto, é um esforço sobre humano alguém descer e subir a serra Samambaia (localizada na cidade de Assunção-PB) para ter seu direito a educação assegurado. Essa realidade parece ser responsável por muitas desistências escolares de moradores de zona rurais, sobretudo, as mais distantes. Acerca das respostas referentes aos motivos que os levaram a pleitear uma vaga de alfabetizador(a) no Programa Alfabetização Solidária, as respostas que prevaleceram foram a de obterem uma oportunidade de arranjarem um emprego e a de adquirirem mais conhecimentos, já que uma boa parte havia deixado a escola há bastante tempo. A análise dos dados acima descritos nos faz corroborar com a fala de Garcia (2001, p.12-13) que assim analisa a sociedade brasileira: Sociedade perversa que só concede quando pressionada, para retirar mais na frente o que fingiu dar. Abre as portas das escolas por pressão dos movimentos populares organizados e não lhes concede sequer o direito ao letramento, “alfabetiza” quando pressionada pelo direito de todos à linguagem escrita, mas despotencializa ao “alfabetizar”. (...) Podemos imaginar o que aconteceria nesta sociedade se um dia toda a população brasileira se alfabetizasse potencializada, lendo o mundo e a palavra, e tomando a palavra para dizê-la sobranceira para o mundo. Nesta tarefa conjunta todos somos sujeitos, o trabalho coletivo e solidário é o único caminho para a construção de uma “nova socie dade” com mais espaço para todos viverem dignamente, estabelecendo uma convivência solidária e ética. A partir dos dados apresentados, percebemos que os alfabetizadores(as), em sua quase totalidade, não trazem nenhum conhecimento específico para seu campo de atuação, ou seja, o conhecimento didático-pedagógico para atuar como alfabetizador de pessoas jovens e adultas, pois na sua maioria são alunos do ensino médio. A não formação adequada dos professores 97 somada às dificuldades de infraestrutura, à baixa remuneração e à falta de vontade política para levar educação a todas as pessoas não escolarizadas são elementos fundamentais para avaliarmos o trabalho da UFPB como um desafio que vem promovendo espaços de discussão entre os alfabetizadores(as) e a comunidade, provocando as classes populares a reagirem contra o descaso das autoridades locais com a educação para pobres. Por isso, caracteriza-se como um trabalho que exige ação-reflexão-ação. Neste contexto, é fundamental uma visão crítica do alfabetizador(a) para que na prática possa repensar os conteúdos de ensino de forma a considerar a cotidianidade dos educandos na perspectiva de formar sujeitos para o verdadeiro exercício da cidadania. Assim, faz-se necessário oferecer aos alfabetizadores uma formação constante e condizente com a sua cotidianidade. Por essa razão, a UFPB ao efetuar a parceria com o PAS desencadeou uma proposta de ação político-pedagógica que contempla atividades educativas de criar, recriar, refletir, criticar, de construir novos conhecimentos, de propor participação ativa dos alfabetizadores em sala de aula durante o período da capacitação inicial e garantir que esse fazer pedagógico se estenda até os alfabetizandos como forma de considerar suas potencialidades criativas e respeitar seus saberes construídos ao longo de suas vidas, além de se potencializarem para fazerem uso da leitura e da escrita. Através dos questionários ainda obtivemos outras informações relacionadas ao funcionamento do PAS e ao curso de capacitação ministrado pela equipe de coordenadores da UFPB. Quando perguntamos sobre a relevância do PAS nos seus municípios, as respostas na sua maioria se repetiram. Vejamos algumas das expressões dos alfabetizadores: Para mim foi a felicidade dos alunos quando conseguiram ler e escrever seu próprio nome. Eu adorei a criação de uma sala de leitura para ser usada pela comunidade. 98 Eu achava que era um negócio de cartas marcadas, mas depois eu vi que na seleção não tinha política. A Alfabetização Solidária me despertou para voltar a estudar. Com a finalidade de fazermos uma leitura avaliativa do Programa, perguntamos sobre os aspectos positivos e os negativos. No tocante aos aspectos considerados positivos estão: o curso de capacitação, retomar os estudos, as amizades construídas, o intercâmbio com os Estados de Goiás e Espírito Santo, conhecer outras culturas, experimentar outras comidas, etc. Dentre os registros, um deles escreveu: “vi o mar pela primeira vez ” e a maioria sublinhou a oportunidade de terem se hospedado em um hotel. Dar a essas pessoas a oportunidade de estudar, possibilitar-lhes novas oportunidades de vida por meio da educação, significa mudar o panorama e a perspectiva de cada um e consequentemente da comunidade. A abertura de novos horizontes no que se refere à educação – o contato com o universo acadêmico, durante o processo de capacitação, constitui-se num grande incentivo para a melhoria da escolaridade. O próprio exercício do ensino os motiva ao aperfeiçoamento dessa habilidade, o que significa o retorno à sala de aula para desenvolvimento do grau de instrução. As duas frases imediatamente acima destacadas nos revelam que as pessoas pertencentes às classes populares são tão desassistidas que o mínimo feito por elas tem uma grande representação em suas vidas. A carência financeira dessa gente é tão grande que por mais que tentássemos não seríamos fiéis na sua descrição. Só convivendo, é que podemos realmente, sentir, compartilhar e nos juntarmos a eles nas suas lutas diuturnas por uma vida menos sofrida, mais digna. Os alfabetizadores apontaram os seguintes aspectos negativos: o baixo valor da bolsa e o seu atraso, a merenda que atrasa e às vezes falta, a mudança de alfabetizador(a) a cada cinco 99 meses já que cada módulo tem duração de apenas cinco meses, os livros didáticos, entre outros, foram elementos que se repetiram nas respostas dos pesquisados. Questões de ordem estrutural e financeira são os elementos que impedem a garantia de um trabalho de melhor qualidade no Programa Alfabetização Solidária, sentidos e percebidos por todos os alfabetizadores. Com o atraso dos recursos para compra da merenda, ocorre uma baixa freqüência de parte dos educandos que têm na merenda sua única refeição do dia. Os mais idosos alegam o cansaço da luta dura no campo (roça). O baixo valor das bolsas e o seu atraso são bastante questionados pelos alfabetizadores, entretanto, não se constituiu em um problema suficiente para provocar o abandono das suas tarefas educativas junto aos alfabetizandos, ao contrário, verifica-se que a cada seleção, aumenta o número de candidatos. A questão acima reflete a necessidade de se buscar construir novas relações sociais de produção, e isso, é fruto de uma conquista diária, coletiva, não emerge automaticamente ou por decreto, se assim não procedermos, torna-se apenas um sonho pensarmos numa sociedade onde todos tenham a garantia de trabalho – categoria nuclear para o exercício da verdadeira cidadania. Tratando-se de tarefa conjunta, também constituiu uma das questões do questionário, saber dos alfabetizadores se eles acreditavam no trabalho coletivo como forma de minimizar as diferenças sociais nos seus municípios. Todos responderam que sim, porque o trabalho coletivo “faz todos lutar por todos” (sic); “o trabalho c oletivo torna-se forte para enfrentar o opressor”(sic). Essas foram frases que se encontram registradas no material coletado. Neste caso é pertinente ressaltar que quando a equipe de coordenadores trabalhou com os alfabetizadores sobre o tema em questão, além do enfoque dado ao planejamento participativo para o ensino-aprendizagem, este tema foi estendido ao processo de 100 conscientização política que deve ser trabalhado no conjunto da comunidade, como forma de esclarecer a população da força que ela possui quando unida num só objetivo. Neste momento surgiram os mais diversos questionamentos, denúncias e muitos mostraram-se revoltados com as injustiças que presenciam no dia-a-dia em suas comunidades. Nesse sentido, o trabalho político pedagógico dos alfabetizadores e alfabetizandos ultrapassa os limites da sala de aula, para conquistar espaço no seio da comunidade. Para tanto, eventos como: comemorações de festas regionais como via para o resgate da cultura local e valorização dos artistas da terra; palestras com profissionais abordando temas sobre saúde, trabalho e cidadania com profissionais da área têm apresentado bons resultados, uma vez que muitas pessoas da comunidade, sobretudo na zona rural, têm procurado somar forças para criar associações de moradores, reativar outras e participarem efetivamente das mesmas, buscando através da força conjunta alcançar as instituições públicas que podem satisfazer às necessidades e prioridades da comunidade. A partir dessa ação, foi realizada nos dois municípios a 1ª Feira de Arte e Cultura do Programa Alfabetização Solidária promovida pelos alfabetizadores e alfabetizandos, que na ocasião tiveram a oportunidade de exporem trabalhos artesanais, culinários e de apresentarem a cultura oral. Vale salientar, que a renda obtida foi destinada as pessoas que expuseram seus produtos na feira. Foto 06: Acaú – Pitimbu. Módulo XI 101 Assunção/PB 1ª Feira de Arte e Cultura do PAS Foto 07: Alfabetizando mostrando sua habilidade com o pandeiro Foto 08: Alfabetizando-sanfoneiro Foto 09: Os repentistas valorizando a cultura oral Também foi indagado sobre o que significava para eles estarem trabalhando com a comunidade. As respostas foram escritas de diferentes maneiras, entretanto, expressaram o mesmo sentido. Abaixo transcrevemos originalmente dois pequenos textos de dois entre os pesquisados: Eu agora sei o que é viver em comunidade depois desse trabalho, antes eu não sabia. Quando agente divide os conhecimentos com a comunidade aprende a ver a realidade com crítica, para a partir daí agente luta para mudar a si mesmo e também mudar as injustiças no meu município. Quando compartilhamos os conhecimentos que aprendemos, também estamos aprendendo coisas novas com as outras pessoas. Objetivando avaliar o curso de capacitação, perguntamos para os alfabetizadores, se houve mudanças na sua forma de pensar e ver a realidade social, educacional e política do país, após terem participado do referido curso. Todos responderam que sim. Foram várias as 102 respostas, mas todas enfatizaram que foi uma oportunidade ímpar participar de um curso oferecido pela UFPB, pela riqueza de conteúdos didático-pedagógicos e por sublinhar durante todo o curso, o enfoque político da educação, sobretudo, da educação popular. Vejamos o que alguns responderam: Esse curso me despertou para a construção de uma consciência crítica. Aprendi a gostar de política porque eu detestava. Hoje eu descobri que política tem em todo lugar até dentro da Igreja Evangélica. Estou feliz porque aprendi o método Paulo Freire. Eu nunca tinha ouvido falar em Paulo Freire. Sinto por não ter conhecido, mas depois da capacitação adorei ler sobre ele. Ele foi quase como Jesus Cristo. Agora que estou na universidade quando a professora de filosofia fala em Paulo Freire eu fico feliz e orgulhosa porque participo das aulas. Os meus colegas ficaram admirados quando eu falei sobre a educação bancária e a educação problematizadora e a professora me elogiou bastante. Isso foi muito bom para a minha auto-estima. Essa última transcrição nos faz relembrar do grande educador Paulo Freire. Homem que se deu ao Brasil e ao mundo pela causa dos oprimidos, mostrou-se comprometido com o fazer político-pedagógico ao desenvolver um método de alfabetização ancorado na realidade cotidiano das classes populares e que pela sua aproximação com o Cristianismo5, desenvolveu um pensamento filosófico generoso, marcado por uma crítica radical, pela tolerância, pela humildade, amor, solidariedade e pela esperança de se construir uma “nova sociedade” mais justa para os brasileiros. Objetivando conhecer mais de perto as práticas dos alfabetizadores no seu fazer pedagógico diário, fizemos visitas periódicas às salas de aula. Na ocasião, percebemos que a maioria deles está sempre desenvolvendo atividades que constituem numa tentativa de resgate 5 “O cristianismo é para mim, uma doutrina maravilhosa. Algumas pessoas já me acusaram de ser comunista, porém, nenhum comunista seria capaz de dizer o que acabei de dizer. Nunca me senti tentado a deixar de ser, a cessar de existir. A razão disto é que eu ainda não sou um católico completo, mas continuo tentando sê-lo mais integralmente, dia após dia. A condição de ser é continuar a ser. Nunca senti que precisaria abandonar a igreja ou pôr de lado minhas convicções cristãs para poder dizer o que digo, ou ir para a prisão – ou, mesmo, recusar-me a fazê-lo. Apenas sinto, apaixonadamente, intimamente, organizadamente, com todas as forças do meu ser, que minha posição é a de um cristão pois ele é 100 por cento revolucionária, humana e libertadora e, portanto, engajada e utópica. E esta, a meu ver, deve ser a posição de todos nós, a posição de uma Igreja que nunca pode esquecer que se acha conclamada, por suas 103 da cultura regional e local, o que vem despertando os talentos imersos na capacidade criadora dos alfabetizandos, mas que, por razões diversas, nunca tiveram oportunizado sua revelação. Assim, durante um concurso nacional de poetas populares com os alunos do PAS, a alfabetizadora Mônica P. G. Martins destacou-se na orientação e coordenação dessa atividade, o que fez seu aluno João Fernandes Pimenta Neto, de 50 anos, um dos finalistas no citado concurso. (Anexo E) Foto 10: Alfabetizando apresentando sua poesia finalista Assunção – PB. Percebe-se com esse relato que o homem privado de manifestar e usufruir dos bens culturais não pode desenvolver-se em sua plenitude. Morin (2001, p. 56), nos esclarece sobre a sua concepção de cultura: A cultura é constituída pelo conjunto de saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da origens, a morrer tiritando no frio. Isto é uma utopia, uma denúncia e uma proclamação com compromisso histórico que acrescenta uma dimensão heróica ao amor.” (Freire apud Lima, 1981, p. 22 -23) 104 sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas (grifo do autor). Apesar do esforço concentrado pela maioria dos alfabetizadores em renovar suas técnicas de ensino para melhor motivar a aprendizagem dos alfabetizandos de forma mais crítica numa perspectiva conscientizadora, constatamos que na prática é preciso enfrentar grandes desafios, uma vez que no contato direto com os alfabetizandos é comum ouvirmos deles que estão estudando para “recuperar o tempo” que passaram fora da escola. Outras justificativas como: ensinar a tarefa do filho, garantir a permanência no emprego que se torna mais exigente, ler a Bíblia e, em primeiro lugar, escrever seu próprio nome. Sabemos que tudo isso é muito importante na vida do ser humano, mas, se o enfoque político da educação não estiver presente nos planos e nas atividades de ensino, o máximo que essa educação pode conseguir é livrar os sujeitos do analfabetismo absoluto, entretanto, farão aumentar o índice de analfabetos funcionais já existentes no país. É por essa razão que os alfabetizadores precisam estar em constante formação teórica e capacitação técnico-pedagógica, para que o processo de construção da consciência crítica, se traduza em vontade de realizar a cidadania. Segundo Gadotti (1983, p.148) Apesar das dificuldades encontradas, o educador pode ainda ensinar não só a ler e escrever, mas ensinar a falar. Ensinar a falar, a gritar, que é o papel político do educador. Não se trata apenas de deixar espaço para a participação. A tarefa do educador é motivar para a participação, é criar canais de participação e de comunicação. Isso porque o regime educou (domesticou) grande parte da população a não participação. Arvorando-se em único intérprete dos interesses da sociedade, marginalizou sistematicamente toda a população das decisões. Ao lado do papel técnico de ensinar a ler, escrever e pesquisar, o educador, o dirigente da aprendizagem e da educação tem um papel político de organizar, de mobilizar para a participação. Só uma população organizada será capaz de derrotar a impostura e a prepotência que ainda dominam a sociedade brasileira. (grifos do autor) Aqui ressaltamos o trabalho de incentivo a promoção da auto-estima com os alfabetizadores, feito pelos coordenadores setoriais da UFPB durante os treinamentos. 105 Atualmente, tem-se comprovado que seis pessoas entre os pesquisados retomaram seus estudos, sendo que cinco ingressaram em universidades e uma retornou a escola para concluir o ensino médio. Com isto, estão melhorando suas práticas educativas, tornando-se respeitáveis educadores nos seus locais de trabalho e reconhecidos no município. Mormente, eles(as) compreendem o que Paulo Freire quer alcançar quando afirma que “Estudar para servir ao povo não é só um direito mas também um dever revolucionário.” (Freire, 1989, p. 67) Com as entrevistas objetivamos aprofundar a compreensão de alguns elementos levantados no questionário e na observação direta; o fato de serem semi-estruturadas permitiu-nos uma maior liberdade no percurso da mesma, o que promoveu adentrar-nos um pouco mais na subjetividade dos pesquisados com relação às mudanças de comportamentos e atitudes ocorridas após sua inserção do Programa Alfabetização Solidária. As perguntas de ordem descritiva, relacionadas diretamente com as práticas didáticopedagógicas dos alfabetizadores, revelaram que todos trabalharam junto aos alfabetizandos conforme os conhecimentos práticos e teóricos adquiridos durante o curso de capacitação. O trabalho com o método Paulo Freire foi ponto comum em suas falas. O uso de fichas com as sílabas da palavra geradora, retirada do próprio vocabulário dos alfabetizandos; a utilização de álbuns seriados; uso de textos; pesquisa em jornais e revistas para identificação das palavras geradoras, também constituiu-se uma prática comum a todos os alfabetizadores, embora tenhamos observado em sala de aula, que às vezes eles tendem a misturar o método freireano que parte da palavra, com o método tradicional de alfabetização, que trabalha a partir da apresentação do alfabeto. Não obstante, a escolarização que eles possuem e o pouco tempo do curso de capacitação, acreditamos ser uma experiência de sucesso para alfabetizadores e alfabetizandos que, conforme suas próprias falas, estão aprendendo a reler a realidade onde estão inseridos. 106 Os que afirmaram terem sentido dificuldades nas primeiras aulas, falaram que superaram retomando o material usado no curso de capacitação e, conforme uma das falas, pedindo a Deus para iluminá-la. Além do livro didático do próprio programa “Viver, Aprender”, todos utilizam outros materiais como: textos, confecção de cartazes com os alunos, desenhos, mapas, jornais e revistas. Um deles respondeu que trabalhava muito com os programas de televisão, principalmente, os noticiários. Visando identificar quais os elementos utilizados por eles para superarem suas dificuldades, perguntamos sobre suas preferências pela leitura, pois queríamos saber se a leitura constituía-se em um elemento para tal superação. Pelas respostas inferimos que eles não possuem o hábito de ler com regularidade. Das 9 pessoas entrevistadas, a monitora pedagógica respondeu: “ Eu gosto de ler livros qu e tratam da realidade brasileira. (...) que eu veja o outro lado da História. (...) como funciona a política”(Márcia) Outras duas pessoas responderam que atualmente estão lendo a Bíblia. A coordenadora municipal assim respondeu:“ Eu agora estou lendo a Bíb lia e estou encontrando explicações para coisas que acontece na minha vida” (Juracy). Os demais entrevistados afirmaram gostar de ler romances. Quando perguntamos sobre algumas leituras relacionadas diretamente com a função que exerciam, responderam que estão com essa dívida, mas que a partir do nosso diálogo, naquele momento da entrevista, foi-lhes despertado a responsabilidade de ler mais para atuar melhor. A questão que mais nos detivemos foi a de nº 7, através da qual intencionados aprofundar a questão de nº 6 do questionário, uma vez que todos afirmavam ter sido o curso de capacitação responsável por uma nova visão da realidade vivenciada por eles, pela elevação da auto-estima, por despertarem para o trabalho coletivo, para a luta comunitária, vencer a timidez de falar em público, entre outras. O que ficou como predominância foram as respostas que todos sublinharam acerca do entendimento que agora têm do que significa ser 107 um “sujeito político”. Por isso, achamos importante transcrevermos algumas falas, cujas autorias fomos autorizadas a identificar: Antes eu achava que os problemas da comunidade não me diziam respeito, mas hoje, vejo que eu também sou comunidade e portanto, sou também responsável e posso ajudar de alguma forma mostrando as pessoas que podemos ser fortes diante do prefeito se agente lutar unidos. (Márcia) Quando eu falei que não gostava de política, era porque eu era bem por fora, não gostava, não me ligava, não sabia o que acontecia por trás...não sabia das verbas que vinham ...mas, depois do Programa, da capacitação em João Pessoa, passei a me interessar mais, inclusive fui algumas reuniões na câmara municipal para ver os assuntos do município que eles estavam debatendo e alguns assuntos eu trouxe para a sala de aula. A partir daí, eu vi a outra cara da política, não só do Brasil mas também do meu município. Inclusive, este ano eu me envolvi bastante nas eleições e gostei muito. (Lucinaldo) Eu votava em quem minha família votava, pelo partido. Depois do curso de capacitação, estou certa de que sou eu quem tenho que escolher, pela proposta do candidato. (Cristiane) Sobre a política, eu tinha uma visão diferente do que ela realmente é. Eu votava e pronto. Ali eu achava que tinha feito tudo, mas hoje sou consciente de que o voto é uma arma de luta. Por isso, temos que votar consciente. Saber como votar e em quem votar. Numa aula que falei do voto meus alunos disseram: voto em qualquer um, o negócio é assina o título, aí eu comecei passar para eles que agente pode votar num candidato que futuramente pode nos fazer mal. E aí! você votou, você mesmo decidiu. (Adriana) Em relação à questão de nº 8, sobre a atuação da UFPB, foram unânimes as respostas que afirmaram ser a principal responsável por todo esse ganho, pois, em nenhuma sala de aula em sua vida escolar, tinham visto tantos conteúdos novos, que os despertassem para construção de um “olhar crítico” em torno da própria realidade. “Foi uma grande abertura na minha mente,” ressaltou Rosivaldo, um alfabetizador. Finalmente, ouvimos suas sugestões de mudança no Programa. Ei-las: 1 (um) entrevistado respondeu que gostaria que o curso de capacitação fosse mais prolongado; 6 (seis) responderam que a duração de cada módulo era muito curta e que deveria ser pelo menos 1 ano; e 2 (duas) fizeram suas observações acerca do papel da prefeitura como parceira. 108 Precisamos de apoio. Aqui, a prefeitura não dá nenhum apoio aos professores. Precisamos de apoio da prefeitura. Eles não nos considera, não dá atenção ao Programa como dá a outros que entra no município. Como o PAS paga pelo correio... A merenda mesmo, não está vindo por causa de uma prestação incorreta do módulo VIII. Já falei com a secretária, com o secretário de administração e eles nem se preocupam em falar com a coordenadora anterior para refazer essa prestação de contas para que o Programa volte a mandar o dinheiro da merenda. O relato acima leva-nos a inferir que o município não demonstra a intenção de encontrar os meios para realizar a mais ampla condição de igualdade e bem-estar da população, e que, portanto, os alfabetizadores do programa Alfabetização Solidária têm trabalhado com bastante dificuldade. Não obstante, têm superado todas as dificuldades com dedicação, amor e compromisso com a causa abraçada. Entendemos, portanto, que o investimento nos recursos humanos não beneficiam a todos de maneira democrática. Prevalece, portanto, o descaso com uma educação que estimule o sujeito a problematizar os conteúdos de ensino, ao invés de simplificá-los. Vale os interesses da política partidária local e não a emancipação dos sujeitos da educação. 109 NOSSAS CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo realizado mostra que o Programa Alfabetização Solidária nos municípios de Assunção e Pitimbu/PB, favoreceu acontecimentos sócio-educacionais relevantes, uma vez que conseguiu a adesão da Universidade Federal da Paraíba e a sensibilização dos alfabetizadores para se infiltrarem na batalha contra o analfabetismo em suas comunidades. É certo que o compromisso assumido para com a sociedade teve seus limites ultrapassados por meio das ações que se mostraram capazes de garantir a efetividade dos 5 sub-projetos citados no capítulo III, entretanto, sua execução não se deu de maneira total. Nenhum dos municípios acompanhados pela UFPB foi contemplado com o sub-projeto “Alfabetização Digital”; o sub -projeto “Ver” que intencionava resolver os problemas de vista dos alfabetizandos, forneceria os óculos mas, os exames oftalmológicos deveriam ser pagos pelo município já que o PAS só disponibilizava uma bolsa de R$300,00 para o médico oftalmologista, o que não resultou numa ação de êxito total, porque a maioria dos prefeitos alegou não poder assumir essa despesa; quanto ao sub-projeto destinado à criação de uma biblioteca, verificamos que todos os municípios foram contemplados com um kit de 198 livros, entretanto, não receberam estantes para acomodá-los, nem treinamento para gestores 110 da biblioteca como informa a Coordenação Nacional do PAS. A maioria dos municípios não as implantou alegando falta de espaço físico e outros, nem mesmo, valorizou essa ação. Nos poucos municípios que implantaram suas bibliotecas, verificou-se grande esforço por parte da coordenação setorial da UFPB e dos próprios alfabetizadores. E, na grande maioria dos municípios, os livros encontram-se encaixotados sob a responsabilidade da coordenadora municipal, sem que ninguém faça uso. Nos municípios campo deste estudo, constata-se que esta ação foi efetivada. No município de Assunção, a Prefeitura Municipal, a Coordenação Setorial da UFPB, a Coordenação Municipal do PAS, e mais o apoio da Universidade Solidária,6 foi implantada uma biblioteca municipal localizada na rua Tereza Balduino da Nóbrega, nº 93, onde serve a toda a comunidade. Fotos 11, 12, 13, 14: Fachada e o interior da Biblioteca Municipal de Assunção – PB No município de Pitimbu, apesar dos esforços dispensados para sensibilizar os dirigentes municipais, não se conseguiu alcançar o objetivo maior de implantação de uma 6 A Universidade Solidária é também um dos projetos da Comunidade Solidária presidida por Ruth Cardoso. No Município de Assunção, o Projeto é coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 111 biblioteca que servisse a toda comunidade, entretanto, o trabalho dos alfabetizadores foi louvável. Apenas com o apoio da Coordenação Setorial da UFPB, alfabetizadores e alfabetizandos numa soma de esforços, fizeram rifas e arrecadaram o suficiente para alugar um pequeno espaço (quarto) localizado na rua do Campo, em Acaú (Distrito de Pitimbu), para sediar a Coordenação Municipal. Aproveitando esse mesmo espaço, expuseram os livros encaminhados pela Coordenação Nacional do PAS e fizeram uma campanha de divulgação juntos às escolas locais. Dessa forma, fundou-se uma pequena sala de leitura que serve a comunidade escolar local. Com essa ação acreditam que após despertarem na população a importância da leitura na vida dos educandos, terão consequentemente, mais aliados para reivindicarem das autoridades o cumprimento do dever público para com a população. Foto 15: Sala de Leitura de Acaú Pitimbu/PB Já com relação ao sub-projeto Rádio Escola, verificou-se que houve êxito junto aos alfabetizadores e alfabetizandos. Os Programas gravados e reproduzidos em fitas cassetes 112 foram trabalhados no Curso de Capacitação e em atividades nas salas de aulas com os alfabetizandos, durante os trabalhos para o concurso de redações. Com relação ao sub-projeto Promoção da Saúde, sua ação foi reduzida a divulgar apenas dentro da própria UFPB. Constatamos que nenhum exemplar chegou aos municípios para ser trabalhado com os alunos. Vale salientar, que a Universidade Federal da Paraíba foi uma parceira na elaboração desse material. Um fato constrangedor é termos que acompanhar os alfabetizadores trabalhando por uma bolsa de R$ 120,00 e mesmo assim, ainda recebê-la com muito atraso. Muitos dos alfabetizandos têm na merenda escolar sua única refeição diária, e, mesmo sabendo desses fatos, a Coordenação do Programa se mostra pouco sensibilizada a atenuar o problema. Diante dos relatos, podemos inferir que a Coordenação Nacional do PAS precisa ser mais ágil em relação aos trâmites burocráticos, capacitar o pessoal administrativo e de apoio, distribuir eqüitativamente os recursos de forma que todos os municípios possam trabalhar com mais tranqüilidade, recebendo os recursos financeiros sem atraso. Este estudo ratifica o já dito por outros autores, que a crise da educação não pode ser encarada como um problema apenas da escola em si. Mas reflete, sobretudo, a inexistência de uma política educacional que garanta um ensino público de qualidade social, democrático e para todos. Se não houver alterações fundamentais da situação econômica não vai mudar o panorama da educação dos brasileiros. Segundo Lemme (1997, p. 196) Acho que o problema fundamental do Brasil não é a escola, não é educação, é o problema da distribuição de renda. Quando nem 5% da população brasileira se apropria de mais de 50% da renda nacional, e daí se agravando a miséria geral, como é que você vai imaginar que se pode organizar qualquer sistema de educação estável? Você vai querer resolver o problema da miséria através da escola? Não compreendo isso. Frente às conclusões apresentadas, acreditamos que a resposta para nossa pergunta central: analisar se o PAS possui uma perspectiva freireana, considerando a prática políticopedagógica dos alfabetizadores nos municípios de Pitimbu e Assunção feita no início deste 113 trabalho, não é de todo satisfatória. O PAS respeita e apóia a proposta teórico-metodológica das IES, entretanto, os alfabetizadores se depararam com muitas limitações para atuar junto aos alfabetizandos na concepção freireana de uma educação libertadora, visto que, problematizar a realidade para entendê-la constitui numa tarefa árdua e revolucionária, pois a elite política e econômica tenta inibir de todas as maneiras, ações que tentam comprometer seu poder de mando vertical sobre as camadas mais pobres da sociedade. Não obstante, a comunidade indiretamente obteve ganhos educativos, pela maturidade ideológica e o crescimento intelectual dos alfabetizadores que diuturnamente continuam atuando ao lado das camadas populares de suas comunidades. A Coordenação Nacional do PAS apresenta resultados de qualidade significativa. Contribui para isso, o trabalho dos alfabetizadores que, num trabalho coletivo solidário de ensinar e aprender lutam juntos na esperança de realizar seus sonhos. Não sonhos de vôos altos, apenas de verem-se inseridos numa sociedade mais humanizada, menos desigual. Em termos de processo, a alfabetização continua sendo uma batalha e um desafio para Programas de Educação de Jovens e Adultos que foram deixados à margem do sistema escolar. O sentido da alfabetização está em motivar e garantir que o educando leia e desfrute da leitura, escreva e desfrute da escrita. Só assim o sujeito estará apto para fazer uso consciente do seu aprendizado. Nesse contexto, a informação e o conhecimento em torno da alfabetização requerem ampla difusão para chegar em primeiro lugar às instituições e programas de formação docente. Ao mesmo tempo, é indispensável contar com novo conhecimento relevante e produzido localmente, a fim de pôr em prática políticas e programas educacionais, específicos e sensíveis às peculiaridades de cada contexto. Aqui as IES têm um papel importante a cumprir. A alfabetização é uma necessidade básica de toda a população, principalmente, nos países em desenvolvimento. Ela representa um pilar fundamental da aprendizagem 114 permanente e uma dimensão crítica da cidadania e da eqüidade social. Por isso, a reflexão e a sistematização da própria prática pedagógica aparecem como melhor ferramenta que têm os alfabetizadores(as) - educadores(as) para avançar em seu desenvolvimento profissional. Os alfabetizadores(as) só podem mudar sua prática de maneira consciente e criativa se compreenderem o porquê da necessidade de tais mudanças e se desenvolverem uma capacidade criativa para analisar criticamente essa prática. Por essa luta constante e diária é que não se pode negar a contribuição que têm os educadores(as) em trabalhar as relações sociais no interior do sistema, cimentando uma contra-ideologia que favoreça as classes populares. Segundo Gadotti (1983, p. 162-163) A mudança de qualidade nas relações que mantém a sociedade ativa é fruto de uma lenta e por vezes violenta maturação quantitativa, no interior dessas mesmas relações. É uma guerra surda, cotidiana, e, até certo ponto inglória. É um trabalho muitas vezes anônimo, do professor por exemplo. A educação só pode ser transformadora nessa luta surda, no cotidiano, na lenta tarefa de transformação da ideologia, na guerrilha ideológica travada na escola. Por que ela pode ser transformadora? Porque o trabalho educativo é essencialmente político e é o político que é transformador. Essa fala reanima-nos, acende a esperança na educação como via para se atingir a humanização. Estimula os profissionais de educação a lutar por uma educação emancipadora onde a competência técnica esteja cimentada num compromisso político, onde o educador(a) busca compreendê-la para justamente compreender o que faz. Morin (2001, p.72), também nos convida a essa esperança. Se é verdade que o gênero humano, cuja dialógica cérebro/mente não está encerrada, possui em si mesmo recursos criativos inesgotáveis, pode-se então vislumbrar para o terceiro milênio a possibilidade de nova criação cujos germes e embriões foram trazidos pelo século XX: a cidadania terrestre. E a educação, que é ao mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente para receber o novo, encontra-se no cerne dessa nova missão. A educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da qual se substituíssem no brasileiro, antigos 115 hábitos culturais de passividade, por novos hábitos de participação. Esse constitui um dos motivos pelos quais Freire (2000, p. 65) condena o assistencialismo. O assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua própria recuperação. (....) O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo, que impondo ao homem mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a “abertura” de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais crítica. Sem esta consciência cada vez mais crítica não será possível ao homem brasileiro integrar-se à sua sociedade em transição, intensamente cambiante e contraditória. Por essa razão, torna-se muito difícil trabalhar na perspectiva de uma educação para a responsabilidade social e política, quando prioritariamente se investe nos dados quantitativos, ou seja, procura-se colocar em evidência percentuais de baixa nos elevados números de analfabetos no Brasil. Sabemos que uma proposta de autonomia em um processo de alfabetização deve buscar a qualidade do ensino-aprendizagem; deve buscar alcançar o objetivo maior que consiste em trabalhar com os alfabetizadores e alfabetizandos na perspectiva destes fazerem uso da aprendizagem para melhorar sua qualidade de vida e não apenas fazer número para a divulgação dos dados estatísticos. Talvez, essa prioridade no quantitativo esteja fundada nos dados apresentados pelo IBGE, que exibiu, no ano de 1996, um total de 15.560.260 pessoas analfabetas na população de 15 anos de idade ou mais no país, perfazendo 14,7% do universo de 107.534.609 pessoas nesta faixa etária populacional. (DCN, 2000, p. 16-17). Também fica claro que os programas alternativos de alfabetização de jovens e adultos que surgem de tempos em tempos na forma de propaganda institucionalizada são apresentados como “salvadores de dívidas sociais”. Na verdade são apêndices do sistema educacional que facilmente perdem sua força, sem conseguir mobilizar a sociedade para mantê-los, especialmente quando ocorrem mudanças de governos. Pelo que se observa a UFPB tem conseguido administrar os problemas e vencer as dificuldades encontradas para efetivação de uma prática pedagógica crítica, reflexiva e 116 participativa junto aos municípios. Para isso, o PAS abre espaço para essa atuação mesmo estando evidente também na sua prática, uma proposta de assistência, talvez porque seu objetivo primeiro seja erradicar o analfabetismo absoluto, como forma do Governo pagar uma dívida social. Sabemos que todo processo emancipatório precisa de assistência, mas essa assistência deve ser manejada com a competência política necessária para fazer emergir a autonomia. “Emancipar, por isso, é bem mais decisivo que assistir. (..) Mais decisivo deve ser o “ato pedagógico” implícito, voltado para a cidadania, tendo -se sempre em conta o caráter dialético complexo e contraditório deste desafio”. (Demo, 2000, p. 111-112) Outra dificuldade encontrada para efetivação da proposta político-pedagógica dos Coordenador(as) da UFPB nos municípios onde ocorre o fenômeno estudado, está presente no relacionamento com o poder político local. Constitui um grande desafio implantar uma proposta de trabalho que ajude os alfabetizadores e alfabetizandos a refletirem de forma crítica a sua realidade social, educacional e econômica, sem “comprar uma briga” com esse mesmo poder. Durante as visitas mensais de avaliação e acompanhamento ao PAS, os coordenadores setoriais/UFPB ficam cientes de atitudes tomadas por representantes dos municípios que tentam inibir, e, muitas das vezes, interromper os trabalhos dos alfabetizadores junto aos alfabetizandos por considerarem contrários aos interesses do poder político institucional. Não é permitido um educador crítico porque ele, com certeza, vai incomodar a normalidade das decisões políticas que nunca contemplam as reais necessidades da maioria da população. Os coordenadores setoriais ainda enfrentam outras situações constrangedoras como, por exemplo, não aceitar interferência do município no resultado da seleção dos alfabetizadores e, em outros momentos, provar para a comunidade a seriedade e imparcialidade da seleção, dado o fato que não são uma prática democrática os concursos públicos realizados nesses municípios. Portanto, ouve-se a cada seleção, expressões como: é 117 um jogo de cartas marcadas; tem o dedo da secretária; isso tem QI (QI significa: quem indica?); não adianta fazer se é contra o prefeito, etc. Por outro lado, foi preciso não deixar que se estabelecesse um clima competitivo entre a UFPB e os municípios, evitando que elementos negativos pudessem impedir a UFPB de alcançar um de seus objetivos, que era consolidar a formação continuada dos alunos egressos do Programa Alfabetização Solidária. Outro grande problema por nós percebido no PAS durante nossas observações, referese ao atraso do pagamento das bolsas dos alfabetizadores e no repasse dos recursos financeiros para aquisição da merenda escolar. Percebemos, que mesmo tendo que enfrentar essas dificuldades, em pouquíssimas situações, vimos alguns dos alfabetizadores desestimulados. O que torna essa situação mais constrangedora é sabermos que muitos deles, têm na bolsa de R$ 120,00, sua única fonte de renda, o que, em muitos casos, especialmente entre alfabetizadores da zona rural, constitui a renda da família. Essa situação nos conduz a uma reflexão crítica de que o PAS não foi estruturado para atender às demandas sociais da população por ele assistida, mas se faz referência no combate ao analfabetismo entre jovens e adultos e implementa políticas de sensibilização junto ao executivo municipal para garantir a formação continuada dos alunos egressos. Também se mostrou como alternativa para reparar a dívida social que o Brasil vem acumulando desde a sua colonização com as classes populares. Entretanto, sabemos que tal situação não será reparada se o Estado Nacional não reconhecer a necessidade de construção da escola democrática para consolidar a igualdade de oportunidade ao acesso a todos os brasileiros. Em Cury (2000, p. 21) É esta uma das funções da escola democrática que assentada no princípio da igualdade e de liberdade, é um serviço público. Por ser um serviço público, por ser direito de todos e dever do Estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas públicas. 118 Essa afirmação deixa claro que a Educação de Jovens e Adultos necessita de políticas públicas efetivas e permanentes que não ajam apenas como reparação de um déficit mas que permitam aos educandos enfrentar os desafios da vida social e os capacitem para o mercado de trabalho. Apesar das diversas dificuldades e limitações acima descritas, que tentam inibir uma atuação política nesse programa junto aos municípios de Pitimbu e Assunção, a Universidade Federal da Paraíba tem procurado, numa ótica gramsciana, ocupar os espaços deixados pela burguesia. Percebemos que o trabalho da UFPB junto aos alfabetizadores está no sentido de fazer da educação um instrumento para conquista da liberdade do povo pauperizado. Neste sentido, diz Freire (1980, p. 34): “a educação não é um instrumento válido se nã o estabelece uma relação dialética com o contexto da sociedade na qual o homem está radicado” . Por essa razão, um dos objetivos da UFPB enquanto parceira do PAS, é promover espaço de discussão e questionamentos entre os alfabetizadores acerca dos problemas vivenciados e dos direitos básicos da população. Assim, a UFPB não omite sua posição político-ideológica frente ao trabalho que vem desenvolvendo nos municípios parceiros. Sabendo que os interesses na educação do povo sempre foram definidos pela necessidade de reprodução das idéias e dos hábitos sociais de dominância estabelecida, se possível sem ser contestada, fica, portanto, estabelecido, que os interesses do capital passam por cima dos interesses do homem, como “sujeito do trabalho”. Porém, a UFPB enq uanto produtora do saber e comprometida com a sociedade e com a ética jamais poderá se posicionar neutra diante de ações e comportamentos de pessoas que, no poder, acham-se no direito de determinar a vida de uma população carente de bens materiais e de bens culturais sistematizados. Portanto, não pode a UFPB se posicionar neutra, pois “quem fala de 119 neutralidade são precisamente os que temem perder o direito de usar a sua ineutralidade em seu favor” (Freire apud Calado, 2000, p. 21). Movidos pela esperança, pela solidariedade e por acreditar num trabalho coletivo foi que, junto ao grupo pesquisado, mobilizamos a comunidade e conseguimos realizar algumas ações significativas de interesse popular as quais nos trouxe o amadurecimento profissional e pessoal. Foram elas: • Por ocasião das visitas mensais de avaliação e acompanhamento conseguimos estimular 75% dos pesquisados para a prática da leitura no seu cotidiano; • Num esforço conjunto PAS/UFPB/Municípios foi implantada uma biblioteca pública municipal como forma de contribuir para o desenvolvimento sócioeducacional e cultural da população; • Através de danças, músicas e artesanatos, conseguimos dar início a um trabalho de resgate da cultura popular local existente; • Criamos um grupo de estudos onde os alfabetizadores e demais pessoas da comunidade, podem socializar conhecimentos adquiridos e novos saberes construídos, como forma de melhorarem suas ações como profissionais, bem como, se prepararem teoricamente para enfrentarem outros desafios, como concursos públicos e vestibulares; • Nas reuniões realizadas tentamos sensibilizar as secretarias de educação para a implantar e consolidar a Educação de Jovens e Adultos nas zonas rurais onde os educandos continuam nas salas de aulas do PAS, por que os municípios não oferecem condições para que eles continuem com sua escolarização. Outras ações planejadas que consideramos indispensáveis à formação dos alfabetizandos, não alcançamos em sua totalidade tendo em vista a falta de recursos alegada pelos municípios, além da não qualificação profissional dos professores que trabalham com 120 EJA. Por isso, como forma de garantir a qualidade do trabalho desenvolvido pela UFPB através do acompanhamento mensal aos municípios, apresentamos uma proposta de ação educativa que não se resume apenas ao processo de alfabetização de jovens e adultos, mas objetiva, também, garantir o acesso e a permanência dos alfabetizandos jovens e adultos na escola, através do resgate de sua auto-estima, num processo de planejamento participativo e valorização da cultura própria e dos saberes acumulados e posteriormente encaminhá-los para programas que os possibilitem continuar seu processo de formação escolar, através de cursos supletivos, nos municípios onde estes existem. Este estudo assinala que, através de pequenos trabalhos extensionistas, a Universidade Federal da Paraíba pode estar cumprindo com parte do seu compromisso educativo e cultural para com a sociedade paraibana, levando um serviço de qualidade para todos como patrimônio comum. A experiência adquirida somada aos dados colhidos por esta pesquisa, leva-nos a afirmar que a equipe experimentou, na prática, os limites e conflitos inerentes ao trabalho participativo, crítico e renovador. A troca de experiências, as discussões de ordem políticopedagógica, e o “olhar” atento -participativo dos alfabetizadores para a descoberta de novos conhecimentos, foi sem dúvida um dos maiores ganhos deste trabalho. Neste sentido, a pesquisa teve um caráter essencialmente formativo para pesquisadora e pesquisados. 121 REFERÊNCIAS ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU 1986. ANPED. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n. 12, set/dez. 1999. AZEVEDO. J. M. L. de. 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