1 Sumário Introdução .......................................................................................2 Espaço postulado e espaço produzido ...................................................3 Território e Lugar ..............................................................................4 Ação, interação e interatividade...........................................................5 Cultura, função comunicacional e simbólica. ..........................................8 A lógica e a axiologia do “lugar”. ....................................................... 11 Habitabilidade e o espaço e tempo comuns.......................................... 14 Espaços domésticos contemporâneos ................................................. 18 O corpo inteiro e alguns personagens do espaço tridimensional .............. 30 Linguagem, significados culturais e visuais .......................................... 36 Diagrama hoje é arquitetura ............................................................. 38 A superação da idéia de ordem e de composição .................................. 39 Bibliografia..................................................................................... 40 Glossário ....................................................................................... 43 2 Introdução A primeira parte faz delimitações conceituais e didático-operativas, sobre espaço e interação. Trata das questões relativas as funções simbólicas e comunicativas relacionando a construção, percepção do espaço. A abordagem a seguir visa entender o espaço fenomenologicamente. Lança um aporte histórico (parcial) sobre o corpo e os sistemas perceptivos, visando a compreensão do usuário. Coloca aspectos constitutivos da linguagem e significado concentrando-se na matéria e na forma. O curso procura dar meios para compreender as transformações do modo produtivo, as tecnológicas, mudanças de comportamento e os problemas e soluções para a concepção de espaços Está previsto abordar o espaço doméstico, escalas, dispositivos; espaços efêmeros, de exposição, de comunicação e informação; novas afinidades entre arte, arquitetura e design; a interação de inovações tecnológicas: materiais e natureza. Finalmente, deve colocar questões sobre a relação entre desenho, design e projeto com finalidades de basear conceitos reflexivos sobre o projeto e construção de espaços contemporâneos. Clara Luiza Miranda 13 de maio de 2009 3 Espaço postulado e espaço produzido “E se o verdadeiro luxo fosse o espaço. (...). Por que não m³ em vez de m²? WM O curso trata da interação de espaços, a ação recíproca entre coisas e entre espaços, entre pessoas, coisas e espaços; o intercâmbio e a inter-relação nos espaços e entre espaços mediante o sistema de trocas e de processamento de informações orgânicos ou artificiais, somáticos ou midiáticos. O espaço é um “fato” aberto há uma série de especulações. Metodologicamente (e didaticamente) podemos dividi-lo nas categorias espaço postulado1 e espaço produzido como fez Fábio Duarte (2002). A definição de espaço infinito e abstrato da ciência moderna, que não corresponde as noções adquiridas com a vivência, só pode ser formulado mediante linguagem científica, só pode ser postulado. Mesmo a perspectiva central como técnica de representação do espaço, como construção geométrica, simbólica e ideológica determina um espaço postulado. O espaço do convívio coletivo, que possui orientação, limites, fronteiras; objetos que o demarcam e obstruem, códigos que os representam e é apropriado pelas pessoas, é o espaço produzido socialmente. Contudo mesmo o espaço produzido carrega fatores ficcionais (ideológicos). Com base em Henri Lefebvre, quer dizer, baseado em estudos da fenomenologia da gênese do urbano, Fábio Duarte subdivide a compreensão do espaço produzido em três categorias: o espaço praticado, o de representação e as representações do espaço. O espaço praticado é o que permite a formação lenta dos lugares, assegurando a coesão social e determinando segregações. O espaço de representação é o espaço simbólico, é o espaço do tecido social, repleto de signos e modos culturais de apropriação de seus objetos pelos habitantes. O espaço das representações é o espaço concebido. O espaço que “espelha” as relações de produção, a ordem social, a estrutura dos conhecimentos enuncia seus códigos. É o que tende a 1 Postulado: 1.Filos. Proposição não evidente nem demonstrável, que se admite como princípio de um sistema dedutível, de uma operação lógica ou de um sistema de normas práticas./ 2.Fato ou preceito reconhecido sem prévia demonstração. 4 formar o sistema de signos do espaço (LEFEBVRE apud DUARTE, 2002, p. 43) Território e Lugar “Não há espaço que não seja arquitetônico”. Contudo, como instrumentos teórico-didáticos utilizaremos os termos território e lugar. Território é aplicado articulando as noções de espaço vivido e de espaço codificado, enquanto que o termo lugar designa o espaço praticado. “Os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e coletiva e o espaço está ligado mais às relações funcionais de toda espécie. O espaço funciona como uma referência extrínseca em relação aos objetos que ele contém. Ao passo que o território funciona em uma relação intrínseca com a subjetividade que o delimita” Felix Guattari O território pode ser relativo tanto ao espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual o sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos. Os códigos territoriais de uma cultura são estruturas simbólicas e epistemológicas, que incluem a ciência, o senso comum e o verossímil. Estes constituem a linguagem, regem os esquemas perceptivos, as trocas, as técnicas, os valores e a hierarquia das práticas no espaço social. O território se organiza de acordo com certos critérios de partilha e de contigüidade e/ou de condutas sociais de estar junto ou separado; próximo ou distante; só ou em grupo. Já o termo lugar manifesta fisicamente ou simbolicamente a sedimentação de valores, de referências culturais e existenciais de grupos ou indivíduos. O termo lugar está associado a uma materialidade definida por relações simbólicas, míticas, identitárias e históricas do grupo social que ali reside ou o reverencia. Lugar define-se como funcionalização do mundo e este é percebido empiricamente por isso (Milton Santos apud FERRARA). Ambos os termos designam práticas subjetivas de construção (apropriação) do espaço. Estas envolvem necessariamente interações entre práticas de concepção, representação, intervenção, 5 regulação, mercantilização, consumo, apropriação, fruição, planejamento e gestão do espaço construído. Estas práticas são mediadas, se articulam mediante meios epistemológicos e se especificam pelos objetos técnicos que lidam com a matéria. A intensificação da metropolização com a globalização também torna complexa a relação entre espaços. O território urbano ultrapassa a estrutura física tradicional da cidade, através do processamento e combinação de informações simultâneas (tanto localizadas quanto deslocadas no espaço). O território contemporâneo é produzido por meio de superposições, combinações e interações entre (e intra) territórios. Este aspecto relacional remete ao processo informacional, designando um território multimídia, pois, recorre a multimeios como forma de comunicação, informação e formação. As condições globais dos espaços urbanos estão progressivamente híbridas e multifacetadas, superpõem flutuações e mutações, acumulando camadas de realidade e camadas de informações (GAUSA et al, 2000). Estas possibilidades se chocam com a condição de objeto da manufatura, compreendido como localização e posição sensível, e com a noção de espaço como aquilo “que impede que tudo esteja no mesmo lugar” (VIRILIO, 1993). Ação, interação e interatividade O Dicionário Digital Aurélio enuncia que interação é um substantivo que advém de [inter + ação.]. Designa ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas, ou duas ou mais pessoas; ação recíproca; (...). Como o radical ação se destaca no termo, vamos abordá-lo primeiro. O verbete ação no dicionário Metápolis, escrito por Manuel Gausa, relaciona ação à arquitetura e assinala que ação é o efeito de expressar, operar, executar e fazer. Requer energia, decisão e capacidade. Quer dizer, disposição. Segundo Manuel Gausa: “Interessa hoje uma “arquitetura-ação”, definida desde uma vontade “atuante”, de (inter)atuar. Quer dizer, de ativar, de gerar, de produzir, de expressar, de mover, de intercambiar e de relacionar. De agitar acontecimentos, espaços e conceitos e inércias, propiciando interações entre as coisas mas que intervenções nelas mesmas. Movimentos mais que posições. Ações, pois, mais que figurações. Processos mais do que sucessos.” 6 A ação é apontada por Manuel Gausa como o meio de entender o espaço construído como realidade e o melhor modo de afetá-la. É a possibilidade de materialização direta. Implica na “desmesura” do corpo trabalhando e correndo entre coisas, nos edifícios e na paisagem. Isso distingue, além disso, a qualidade pré-espacial das arquiteturas. Gausa ainda discute as posturas da ação (operação) e da contemplação. Esta definida como uma atitude reflexiva (que se mantém a distância de seu objeto). Afirma que o mundo contemporâneo é decididamente midiático e interativo. “A interação abarca tudo, desde as sensações aos objetos”. No dicionário Metápolis, o verbete interação também é escrito por Manuel Gausa. “interação é (inter)câmbio e (inter)relação. Informação transmitida, transferida e transformada entre energias, acontecimentos e/ou cenários diversos e simultâneos”. Vicente Guallard diz sobre interatividade. “Se os objetos pensam, reagem e atuam, além de suas qualidades materiais, os espaços e os lugares devem [responder] relacionar-se com eles. Os objetos pensam porque alguém pensou neles. Programou-os e lhes atribuiu qualidades para que se integrem em uma nova lógica do mundo em que tudo está conectado com tudo”. Para Guallard o meio atmosférico-climático tradicional será superposto pelo meio digital. E isso deve abalar profundamente as relações espaço-temporais planetárias. Segundo ele será insuflada inteligência aos edifícios, aos espaços públicos, as cidades, mediante códigos precisos que proporcionem a relação entre os espaços, os objetos e as pessoas, e ainda possibilitem o conhecimento mútuo entre eles assim como suas diferenças. Há um excerto (publicado em 1967) do músico John Cage que contém um bom insight sobre a interação entre pessoas, coisas e outros seres, e indica uma possível conseqüência acerca da possibilidade da mudança da mente. “Ele era um físico e um compositor-de-computador nas horas vagas. Por que era tão estúpido? Porque era de opinião que a única coisa que pode engajar o intelecto era a medição entre as coisas? Quando alertado para o fato de que sua mente podia mudar, sua resposta foi “Como? Por que?” “o conflito não estará entre pessoas e pessoas mas entre pessoas e coisas. Neste conflito vamos tentar regular as coisas de forma que o resultado, como em filosofia nunca seja decisivo. Trate os pinheiros, por exemplo, como entidades que têm ao menos uma chance de vencer”. 7 Há alguns anos vem ocorrendo uma reformulação sobre as fronteiras das ciências e sobre os limites do conhecimento do mundo por meio de “conceitos”. Isso delineia uma mudança paradigmática da ciência, para um viés mais compreensivo do que analítico. Compreender inverte a abordagem positivista, pois em vez de analisar, dissecar e apartar, acolhe metodologicamente os verbos abarcar e abranger. Porém, o que pode dar a verdadeira chance aos pinheiros sugerida por Cage, advém de uma mudança no estatuto do tratamento da natureza pela ciência ou pela economia “determinista” antropocêntrica. José Carlos Rodrigues adverte que “a concepção de um homem fechado em si, do lado de cá da fictícia linha de separação entre natureza e cultura” deverá ceder lugar a integração do homem na natureza levando à abolição do “antropocentrismo”. Por outro lado, as novas tecnologias da informação e da comunicação consolidam novas atividades imateriais. As NTIC impõem uma radical transformação das formas de produção e consumo (que se torna produtivo) num mundo cada vez mais desenhado por um “emaranhado de redes e redes”. As novas tecnologias jogam com a interação entre as possibilidades oferecidas pelo sistema e a integração criativa do usuário. A base operacional do sistema (o hardware e o software) complementa-se e interage produtivamente com a netware e o wetware (uso, consumo). Neste processo de produção e circulação de informação e de produtos, as referências tradicionais materiais do valor se perdem e a ênfase na cognição cresce. O saber se manifesta como força produtiva nas economias contemporâneas. As redes provocam novas formas de cooperação entre sujeitos, atualizando a virtualidade produtiva constituída pela sociedade (COCCO & SILVA & GALVÃO, 2003). Pierre Lévy observa que com a tecnologia digital verifica-se a ampliação da consciência. O pensamento deixa de ser uma experiência predominantemente interna, e passa a interagir com o sistema operacional dos computadores e com as redes. Por isso, multiplicam-se as redes de relacionamento entre pessoas. As novas tecnologias da informação e da comunicação multiplicam também as possibilidades oferecidas pelo sistema para a integração criativa do usuário (LÉVY, 1993). Com as novas possibilidades da informática, o pensamento assume a condição de mapeamento, que ajuda a simplificar (sintetizar) a realidade, a diagramá-la e modelá-la. 8 A publicação Verb Connection discorre sobre a condição mutante da cidade, da arquitetura e do urbanismo. A geração de atividade, que vincula fisicamente programas, pessoas e usos. Então serão mostrados exemplos sobre projetos de conexão, interação e comunicação: OMA_ Biblioteca pública de Seattle, 2004. A biblioteca pública de Seattle é uma afirmação potente sobre seu papel fundamental como o primeiro, e talvez único, edifício autenticamente público. Desde sua inauguração em maio de 2004, tem causado um grande impacto na cidade e seus arredores, como catalizador urbano que ativa e redefine seu contexto no centro da cidade, e como protótipo arquitetônico cujas inovações estruturais e programáticas oferecem novas possibilidades para criar um espaço público. SHINOBU HASHIMOTO, RIENTS DIJSKTRA_ Chip City , 2000. Propõe imaginar uma cidade sem placas publicitárias, semáforos, anúncios ou barreiras arquitetônicas. Com um sistema GPS aderido ao corpo, navegamos pela cidade livremente, de uma maneira fácil e eficiente. Mediante a tecnologia de posicionamento global (PosTec), o sistema GPS se integra à qualquer atividade humana, e se converte no catalizador que desencadeia a transformação do entorno urbano. MICHELLE PROVOOST, WOUTER WANSTIPHOUT_ WiMBY! , Hoogvliet – Rotterdam, 2004. A antiga cidade de Hoogvliet experimenta, nos últimos trinta anos, a decadência e abandono de seus habitantes. Para revitalizá-la, é proposto o WiMBY!, sigla para Welcome to my backyard ( “Bem-vindo ao meu quintal”), uma construção de caráter expositivo e internacional. São estudadas questões características da população, e pensadas alternativas coletivas que integrem os habitantes da cidade. Para propor os módulos parasitas, a equipe estudou o programa das escolas, suas tipologias, e percebeu uma deficiência em espaço físico para salas de música e dança, refeitórios, lugares para em horários extracurriculares, entre outros. A solução foram módulos de baixo valor, externos aos prédios escolares já existentes, com plantas multiuso, em sintonia com as questões existentes levantadas pela população. Cultura, função comunicacional e simbólica. Para além de sua origem etimológica como culto e cultivo do termo cultura. Até mesmo, ultrapassando a idéia do romantismo de cultura 9 como criação coletiva. Interessam os desdobramentos que envolvem o conceito desde a formação da era da comunicação de massas, em que se constitui a indústria cultural com seu mercado lucrativo. Com a formação da era da informática outras questões emergem, ligadas às novas técnicas de comunicação e de produção dos laços sociais. A produção da indústria cultural é extremamente hierarquizada, molar, pois considera as coisas no atacado, em massa e de maneira entrópica. Em contraposição a esta produção comunicacional molar, as técnicas de comunicação em redes seriam moleculares (LÉVY, 2003), pois possibilitam a partilha coletiva da produção, da gestão e do consumo da informação. A inteligência coletiva não é exclusiva da netware mas é inerente à sua configuração caracterizada pela mobilidade dos centros. Visto que é um conjunto extensível, auto-organizável, que não possui unidade orgânica. Nas redes a noção de sujeito comunicante se apaga em proveito da produção global de comunicações. Nas redes, ainda, há prevalência do continente (a rede prevalece sobre o conteúdo). Contudo, as funções comunicacionais como práticas interativas no espaço concreto ou virtual requerem esclarecimentos a fim de estabelecer o papel dos sinais e símbolos, que são abordados em várias passagens do curso desde a abordagem das problemáticas da linguagem, da percepção e do uso, à concepção de espaços incluindo a descrição e análise de espaços. A etimologia de símbolo, do verbo grego "symbállein", "lançar com", "com-jogar". O símbolo é a expressão de um conceito de equivalência. Símbolo é um tipo de signo, algo que está no lugar de algo, que representa algo. No entanto, o signo é menor do que o conceito que representa, enquanto o símbolo representa mais do que seu significado evidente e imediato. O símbolo tem autonomia sobre seu referente. O livro Antropologia e Comunicação, princípios radicais (2003) de José Carlos Rodrigues fornece os fundamentos para discussão das questões sobre das funções comunicacionais e das funções simbólicas. Entre as funções comunicacionais e as funções orgânicas há uma estreita reciprocidade. O mecanismo pelo qual o organismo se insere e se adapta ao ambiente é precisamente o comportamento. Estudos (em etologia) têm apontado que grande parte dos problemas referentes à relação do individuo com o ambiente, residem na relação 10 do indivíduo com outros da mesma e de outras espécies – no ambiente social e comunicacional, portanto. Deste modo, os ambientes dos seres vivos estão submetidos por regras de linguagem, submerso “em um enorme rumor de mensagens”. Não é prerrogativa de humanos, mas ”o que há de mais universal”. Em todas as sociedades o contato dinâmico é um processo comunicacional. Os processos sociais básicos – cooperação, competição, conflito, imitação, associação são fundamentalmente processo comunicacionais. Rodrigues diferencia os sinais, organicamente programados, componentes da constituição biológica; dos símbolos que são socialmente programados. Os símbolos dependem de convenções que são estabelecidas entre indivíduos que constituem o grupo. Para apreender este sistema de símbolos o individuo precisa conviver e embeber-se no grupo. A possibilidade de utilização deste sistema depende do “amadurecimento social” dos indivíduos e de um “adequado grau e tipo de socialização” José Carlos Rodrigues demarca mais algumas características dos símbolos que valem ser ressaltadas. Dentre elas está a figuração originária das convenções e dos símbolos nos grupos, ou seja, é coletiva antes de ser individual O símbolo é eminentemente transformável diferentemente do sinal, que é feito de “matéria orgânica”. Os símbolos são feitos de outra matéria. A conversibilidade e mutabilidade dos símbolos permitem aos homens diferirem, abrirem-se a diversidade cultural, à alteridade. Segundo Rodrigues a capacidade de comunicação simbólica impõe a diferença. A diferença constitui aquilo que há de comum entre os homens: a cultura. De acordo com Christian Norberg-Shultz a simbolização é um dos aspectos do processo geral de fixação em um lugar, de habitar. Simbolização significa traduzir para outro meio um significado experimentado, que se torna autônomo da situação imediata, e se torna um “objeto cultural”. É um processo de imaginação e reunião, supõe a transposição de sentidos para um lugar. De qualquer modo, historicamente, observa-se uma circularidade dos signos e uma multiplicidade dos círculos, porque o signo remete a signos em um mesmo círculo, que passam de um círculo a outro por meio de migrações, viagens, relatos, midias. A idéia mais simples é a idéia de um signo ou representação, é anterior àquele caráter cognitivo, soma-se a dimensão representativa 11 e ambos constituem a chave semiótica. Esses elementos devem ser computados quando se constrói significados a partir de representações visuais por meio do desenho e do design. Isso equivale perguntar quais são os significados que o design pode produzir quando se põe a arquitetar o mundo, a cidade e as relações humanas no embate individual e coletivo” (FERRARA, 2002). A lógica e a axiologia do “lugar”. Podem-se discriminar dois grupos de teorias sobre o espaço: o grupo das concepções do espaço; e as teorias do espaço da cidade ou do urbano. A problemática do urbano é indissociável da interatividade seja doméstica e privada seja coletiva e/ou pública. No quadro destes estudos há aqueles que se debruçam especificamente sobre a lógica e a axiologia do lugar. O lugar é algo que acompanha o homem. (Jean François Lyotard chega a dizer que cada um carrega o seu consigo); Por outro lado, para a definição da estrutura do lugar há uma infinidade de teorias opostas desde o distante mundo cultural grego diz Josep Muntanola Thornberg. Como indicam Aristóteles e Hegel, “o lugar é sempre lugar de algo ou de alguém”. O que interessa expor são as inter-relações entre este algo ou alguém que habita (ou tem relações com) o lugar e descrever o próprio lugar. Além disso, a capacidade de construir o lugar distingue o homem, ou melhor, a capacidade de “espaciar-se em um espaço” como diz Heidegger. Para ele, a comunicação lingüística no homem está subordinada ao seu "ser no mundo" que é espacial. A arquitetura organiza os lugares para viver mediante a transformação da matéria física. Esta transformação tem a ver com este "espaciar-se em um espaço" heideggeriano. Pode-se discriminar um grupo de ciências que se ocupam do lugar, tendo as via de análise predominante: operativa, figurativa, semiótica, e ainda tendo como objeto de análise a pessoa humana, a sociedade, o meio ambiente arquitetura e urbanismo, a tecnologia são apenas algumas das disciplinas. Josep Muntanola Thonemberg distingue autores que tratam a lógica do lugar (ver tabela em Thonemberg p. 12), dentre estes estão Aristóteles e Hegel. Para Aristóteles o lugar não é um vazio espacial 12 desassociado daquilo que preenche o lugar. Ao contrário é um "intervalo corporal" (Aristóteles) que pode ser ocupado sucessivamente por diferentes corpos físicos e que está criado pelo próprio lugar em si mesmo. A noção de lugar de Aristóteles é muito "moderna", diz Thonemberg pois está articulada à noção de limite. Donde existe uma "constância vicinal" entre o continente e o conteúdo. Esta noção de lugar se identifica com a noção de contato como limite dos corpos em afinidade, determinando-se num equilíbrio variável, e cada vez mais difuso em relação à medida que nos afastamos da escala humana Para Hegel, lugar é tempo no espaço. Além disso, entre espaço e tempo distingue duas uniões: o movimento e a matéria. A primeira é o movimento, passagens entre espaço e tempo e espaço, e também pode ser definida como mudança de lugar. La segunda unia- espaciotemporal é a matéria, é a existente união do espaço e do tempo, por uma parte, e do lugar e do movimento, por outra parte (ver Thonemberg p. 19). Josep Muntanola Thonemberg explica que a abordagem sobre a lógica do lugar realista, física e geométrica é contraposta pela axiologia do lugar (valores espaciais). Thonemberg destaca neste contexto Gaston de Bachelard. “Tornar geométrica a representação, isto é, delinear os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência, eis a tarefa primordial em que se firma o espírito científico. De fato, é desse modo que se chega à quantidade representada, a meio caminho entre o concreto e o abstrato, numa zona intermédia em que o espírito busca conciliar matemática e experiência, leis e fatos. Essa tarefa de geometrização que muitas vezes pareceu realizada — seja após o sucesso do cartesianismo, seja após o sucesso da mecânica newtoniana, seja com a óptica de Fresnel — acaba sempre por revelar-se insuficiente. Mais cedo ou mais tarde, na maioria dos domínios, é forçoso constatar que essa primeira representação geométrica, fundada num realismo ingênuo das propriedades espaciais, implica ligações mais ocultas, leis topológicas menos nitidamente solidárias com as relações métricas imediatamente aparentes, em resumo, vínculos essenciais mais profundos do que os que se costuma encontrar na representação geométrica. Sente-se pouco a pouco a necessidade de trabalhar sob o espaço, no nível das relações essenciais que sustentam tanto o espaço quanto os fenômenos. O pensamento científico é então levado para "construções" mais metafóricas que reais, para "espaços de configuração", dos quais o espaço sensível não passa, no fundo, de um pobre exemplo. (BACHELARD, 1995). 13 Gaston de Bachelard incentiva a ruptura com o racionalismo da ciência para ele deve-se esquecer este saber, se a proposta é estudar os problemas colocados pela imaginação poética. “Só a fenomenologia, isto é, o levar em conta a partida da imagem numa consciência individual – pode ajudar-nos a restituir a subjetividade das imagens e a medir a amplitude, a força, o sentido da transubjetividade da imagem”. Bachelard faz distinção entre imagem e conceito. A imagem é vivida, o conceito é construído, são termos que não admitem síntese. Estão em dois pólos divergentes da vida, intelecto e imaginação. O conceito é um centro de significação isolado. Já na imagem tem autonomia em relação aos seus objetos. A imagem ultrapassa sua significação: “A imagem poética é essencialmente variacional. Ela não é como o conceito, constitutiva” (BACHELARD, 1989). A imagem possui uma existência que lhe é própria, singular, é produto da criação, ela não é derivada da experiência. Christian Norberg-Schulz, no quadro da fenomenologia heideggeriana, parte do mundo-da-vida cotidiana que consiste de “fenômenos concretos” e os menos tangíveis como sentimentos. Assim, interessado nas qualidades complexas dos lugares abre mão de conceitos analíticos científicos, aponta como Bachelard a poesia, como fonte de informação sobre os lugares. Interessa-se pela estrutura do lugar. No âmbito fenomenológico de Norberg-Schulz, os lugares têm propriedades básicas que são a concentração e o cercamento. Na abordagem de Norberg-Schulz a noção de interação é constitutiva do lugar, pois este reúne o que é conhecido. “the thing things world” [“a coisa reúne o mundo”]. Os ambientes, os artefatos ou coisas servem de focos, sublinhando a função de reunião do “assentamento” (de diferentes escalas). Juntamente com estes, os caminhos que conectam os assentamentos humanos entre outros elementos espaciais configuram a paisagem cultural. Norberg-Schulz recorre ao conceito de caráter para expressar a dimensão intangível da atmosfera do lugar, distinguindo lugar e espaço. Este é uma abstração feita a partir da totalidade intuitiva tridimensional da experiência cotidiana. A captação dessa atmosfera, o espírito do lugar, o genius loci, refere-se à essência do lugar. 14 Muito diferente da cristalização cultural e simbólica que um lugar pode manifestar por meio de seu genius loci, os não lugares são o lócus da indiferença emocional e política. “Um não-lugar "é um espaço destituído das expressões simbólicas de identidade, relações e história: exemplos incluem aeroportos, auto-estradas, anônimos quartos de hotel, transporte público. Jamais na história do mundo os não-lugares ocuparam tanto espaço'.” (BAUMAN, 2001) Zygmund Bauman relata ainda sobre os espaços vazios, que são aqueles a que não se atribui significado. Não precisam ser delimitados fisicamente por cercas ou barreiras. No Brasil seriam chamados terra de ninguém. “Se o fazer sentido é um ato de padronização, compreensão e criação de significado, a experiência dos espaços vazios não inclui o fazer sentido. Os espaços vazios são antes de mais nada vazios de significado”. Os espaços vazios são espaços não-colonizados e lugares que nem os projetistas nem os gerentes dos empreendimentos reservam para colonização. Estes vazios são interstícios, resíduos, que sobram depois da reestruturação de espaços realmente importantes. São margens negligenciadas das visões do urbanista. Contudo, eles seriam uma “presença fantasmagórica” que o projeto poderia ter evitado? Habitabilidade e o espaço e tempo comuns A lógica do lugar expressa em sua própria estrutura a dialética entre razão e história, por isso a lógica de representar lugares sempre tem comportado um equilíbrio entre experiência e racionalização de acordo com Thonemberg. “Acordo febril entre mobilidade conceitual e forma figurativa (entre movimento e repouso, diria Spinoza), a lógica do lugar marca sempre a medida sobre a qual a humanidade é capaz de representar a si mesma.” Segundo Thonrmberg este fato é próximo “do coração da arquitetura como lugar para viver”. “O que é a experiência da construção?” A pergunta é de Nelson Brissac Peixoto que a seguir apresenta o argumento de Aldo Rossi de que a ”arquitetura é o instrumento que permite um fato ocorrer”. “Construção do lugar do advento”, é um lugar onde se desenrola a vida. 15 Brissac ainda aponta o paradoxo do projeto, o lugar, aquilo que dá vida à arquitetura, “é em última análise irredutível ao projeto”. É certo que a axiologia do lugar pode escapar ao desenho, pois não é da ordem da medida (matemática), mas lógica do lugar carrega sempre uma medida representável, portanto passível de ser criada no desenho e materializada na obra. A noção de dobra pode ser um recurso (apontado por Michel Serres) para aproximar-se deste intangível. Ela implica o volume e começa a construir o lugar. A dobra que implica e multiplica também permite passar do lugar ao espaço. Por outro lado, na “poética do espaço” Bachelard fala dos cantos referindo-se a intimidade humana, a sensação de “estar em paz”, a noção de conjunção com o espaço onde está: “Sou o espaço onde estou”. Michel Serres conta a história de Diógenes o filósofo que se desfez de todas as propriedades exteriormente atribuídas e habitava um tonel. Este lhe pertence e “à noite, espacialmente, e quase matematicamente, ele pertence ao seu tonel, como se fosse um elemento desse conjunto”. Figurativamente, o tonel constituía uma dobra. O termo propriedade deriva de prioridade, de acordo com Serres, não se refere ao primeiro morador (dono), mas ao primeiro objeto, o mais próximo do corpo. O habitat deve ser atribuído àquele que o habita. Para Serres o homem não consegue viver sem abrigo, isto é publicamente, sem vida privada. “Se você não tem um lugar para chamar de seu você não sabe onde está. Não pode haver aventura sem uma base para retornar: todo mundo precisa de alguma espécie de ninho para pousar” (HERTZBERGER, 1996). O confronto entre a constituição da paisagem e a domesticidade feita por Nelson Brissac Peixoto corrobora com a dialética necessária entre esfera pública e privada para constituição do bem estar humano, para o sentido mesmo da existência. Brissac diz que: “Há paisagem sempre que o olhar se desloca, o desenraizamento é sua condição. A paisagem é o lugar dos que não têm lugar. O contrário do que é ligado à destinação, à domesticidade. Do que é habitável, morada”. Para ser “passível da paisagem é preciso ser impassível ao lugar: (...), onde tudo se oferece ao saber, ao passo que a paisagem é demasiada presença”. “O domus é um espaço e um tempo comuns”, um dos aspectos que constitui o lugar. Um espaço-tempo doméstico é compartilhado, é 16 “onde cada um encontra seu lugar e seu nome ”. A cidade apresenta outra regulagem do espaço e do tempo, sob o ritmo da informação e dos transportes. O espaço doméstico é o da casa, que não se refere apenas a um edifício destinado à habitação, uma morada e suas dependências. O termo comporta toda uma dimensão diferencial e simbólica. O viver com (conviver), o comer na mesma mesa, para os gregos antigos, ocorria na oiko (casa) dirigida por (nomia) regras, normas da casa, do lugar. Oikós (de onde deriva economia) significa a “arte de administrar a casa”, as propriedades de terra, os recursos materiais, e também as relações matrimoniais, paternas, maternas. Com o tempo, surge toda uma “engenharia da casa”: uma “parafernália” constituída de objetos úteis à vida da casa, (LIRA, s. d.). Ou seja, a vida dos lugares depende além do agenciamento do espaço, de uma série de gestões, dispositivos, instrumentos móveis e imóveis, úteis e inúteis que lhe conferem habitabilidade, que o projeto dos espaços tem que considerar. Segundo Carlos Antonio Brandão, “A habitabilidade vem de habere, do ter e do ter-se no mundo, de tomar posse dele e de si: uma das formas do ser humano constituir sua posse de si e do mundo é edificando o seu habitat, no qual define e funda seus hábitos, sua habitualidade, e dá-lhes lugar, ou seja, cria uma morada, abriga os seus costumes, more. A habitabilidade de um espaço cria o bem-estar quando se conforma um meio através do qual o habitante se conquista, se identifica, se vê abrigado em seus costumes, seus hábitos, e encontra no habitat um modo de se ter, de encontrar-se depois de girar o mundo, a cidade ou o dia de trabalho. O bem-estar varia no transcurso do tempo e com a variação dos costumes: o bem estar na história (...). Esta divergência de bem-estares conforme as diferenças culturais giram em torno de um único núcleo: produzir a habitabilidade e o sentimento do habitar nos habitantes do espaço. Assim, se o bem-estar diverge entre vários tempos e culturas, (...) também serão diversos os espaços que o produzem, mas todos se orientando para um único projeto: produzir a efetiva habitação do sujeito, e não seu mero alojamento ou abrigo. Por isso, a habitabilidade e o bem-estar vão além da constituição da forma que abriga o hábito cotidiano, a habitudine, e requerem o decoro, os objetos que me confirmam, que me assentam em mim mesmo, os objetos próprios ao lugar e a mim e que dão-me um pouco de certeza da história que sou. O decoro não é decoração e o ornamento não é ornamentação, mas os instrumentos visíveis que fazem com que me encontre, que esteja num lugar este alguém que sou eu, com desejos e 17 possibilidades a serem realizadas. Quando acontece este eu estou, este eu sou e este posso ser eu, minhas circunstâncias e minhas possibilidades o bem-estar vem e me põe em repouso ou em movimento. Quando, ao contrário, eu vejo o indecoroso à minha volta, este “não-eu” que me contradiz e me faz sentir alienado e não estando em um lugar, vem a insatisfação, o mal-estar no espaço e o estar mal em mim e comigo.” Os objetos que criam o lugar (Cf. Norberg-Shulz) são imprescindíveis à habitabilidade. Objeto (do latim objectus,us 'ação de pôr diante) significa interposição, obstáculo, barreira; objeto que se apresenta aos olhos'. (HOUAISS). Os objetos situam-se no espaço, que por sua vez “não é nem um objeto exterior nem uma vivência interior” ao homem, como diz Heiddeger. Para ele, homem e espaço são termos que dizem respeito ao modo de habitar. A linguagem é o modo como o homem exterioriza e converte em objetos da consciência, as coisas, o espaço e o seu modo de habitar o mundo. Hannah Arendt distingue labor, trabalho e ação. Diz que é o trabalho que produz o mundo artificial das coisas, que sua condição humana é a “mundanidade”. Arendt diz que os homens são condicionados (1995): “tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se uma condição de sua existência (...). Tudo que adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. O impacto da realidade do mundo sobre a existência humana é sentido e recebido como força condicionante. A objetividade do mundo – o seu caráter de coisa ou objeto – e a condição humana complementam-se uma á outra; por ser uma existência condicionada, a existência humana seria impossível sem as coisas (...)”. Em arquitetura, o objeto que se pretende absoluto e único, é clássico, diferencia-se do seu entorno pela precisão de suas partes constituintes e pela clara demarcação de seus limites. A arquitetura clássica, “em contraste com o que a rodeia é completa e total, tem unidade”. A unidade entre a casa (pequena cidade) e a cidade (grande casa), alegada por Leon Batista Alberti em seu De Re Aedificatoria (1443-1452), é estabelecida como um procedimento intelectual, em que o objeto e a relação entre objetos não se opõem como figura e fundo, antes constituem resultado de uma ação histórica com critério universal (CHOAY, 1985). A cidade é configurada pela prática social, esta precede a idéia de espaço no contexto Albertiano. “Não há espaço que não seja 18 arquitetônico” (CHOAY, 1985). Porém, arquitetura está associada a outras artes intelectuais e representativas da cidade, o desenho e a construção confrontam-se com as forças da natureza, articulando a separação da concepção do fazer a forma sensível. Por mais distanciamento que se constate no campo da construção entre a concepção, o desenho e o canteiro, a arquitetura se concretiza em sua existência material. O arquiteto, como diz Louis Kahn, ao recorrer à matéria, comparte ao fazer, ao fazer ser, à criação de presenças. Pois a matéria é “o elemento que introduz o mensurável [na] obra. Até que não entre em ação, tudo é essencial e coerentemente incomensurável.” Arquitetura é assim considerada como presença, como intervenção num espaço complexo, num sistema de interfaces, em integração com outras linguagens, técnicas e suportes. Toyo Ito em Arquitetura dos Limites Difusos reflete sobre a distância entre os espaços que conforma as experiências dos seres humanos e o espaço construído por um arquiteto; o primeiro é “uma casa onde se pode viver” e o segundo é uma “casa obra de um arquiteto”. Os argumentos desta “autocrítica”, que se reveste de grande importância pois se trata do espaço da vida cotidiana, advém do filósofo Koji Taki: “Por que apareceu esta diferença? (...) O espaço projetado pelo arquiteto não é resultado do tempo vivido por alguém; a cada como morada não se construiu a priori para as coisas que residem no futuro. Estas revelam os aspectos espaciais do lugar habitável como um conceito lírico codificado. Entre as contradições e as relações interativas destes aspectos surgem nossas reflexões sobre o espaço habitável. As diversidades lingüísticas do espaço habitável estão relacionadas. (...). A criação do arquiteto aparece de modo que extrai aquilo essencial do conceito de arquitetura que passa desapercebido mas além do caráter vivente da casa. Ao dispor o modo como os demais vêem as coisas, se desvelam e se expressam os limites do espaço que um indivíduo pode visualizar no presente”.(KOJI apud ITO, 2006) Toyo Ito deduz que há uma defasagem entre o corpo como “experiência vivida” e o “outro corpo”, que aspira a tal linguagem lírica (conotativa, subjetiva, pessoal), um corpo criado mediante a consciência ampliada da tecnologia moderna. Espaços domésticos contemporâneos 19 Diane Ghirardo em Arquitetura Contemporânea (2002) diz que entre os anos 1970 e os anos 1980, os arquitetos se preocuparam com temas formais quando trabalhavam sobre o tema arquitetura de espaços domésticos, alegando que se debruçavam sobre a “linguagem da arquitetura”, mesmo sendo a habitação o esteio da prática profissional. Mesmo assim a mudança das relações familiares, outros tipos de associações, casamentos, ou de vida solitária, faixas etárias diferenciadas mereceram tratamentos especiais. Ghirardo menciona o IBA em Berlim, iniciado em 1977, como exemplo do período. A proposta de repensar tipologias para habitação acontece mais recentemente, destinado a responder as constantes demandas colocadas mudanças nos perfis dos moradores. O grupo HARO apresentou no Programme de D’Architecture Nouvelle propostas de arranjos espaciais que se adequavam ao tipo de usuário: tipologia da liberdade para adolescentes, tipologia da solidão para terceira idade, tipologia da ausência para divorciados, tipologia do equipamento ligada a valorização da imagem, tipologia da contemplação e tipologia do corpo, ligada à saúde, e a tipologia “separadamente” cada um na sua (TRAMONTANO, 1999). Outro grupo citado o Lauvergeat apresenta várias tipologias de apartamento que tentam otimizar e partilhar alguns equipamentos e unidades de serviço e preservar a intimidade das unidades privadas destinadas a pessoas sem vínculo conjugal ou de parentesco (TRAMONTANO, 1999). No que diz respeito a inserção tecnológica o conceito de domótica, cujo termo resulta da junção da palavra latina domus com robótica (controle automatizado). Este último elemento rentabiliza o sistema prometendo proporcionar a simplificação da vida diária das pessoas, satisfazendo as suas necessidades de comunicação, de conforto e de segurança. A tecnologia permite o uso de dispositivos para automatizar as rotinas e tarefas de uma casa. O forte do projeto são as intalações de comunicação, som, quadros de luz, a posição dos quadros de controle com base nas demandas dos usuários. Outro fato importante refere-se a inserção das preocupações ecológicas, desde o ponto de vista da proteção do meio ambiente as soluções técnicas sobre conforto e economia de materiais. Os padrões são diversificados, o que proporciona margem de manobra na concepção dos espaços podem-se listar como fatores ecológicos 20 desde a opção por medidas passivas tecnologicamente (MUNSTER et. al, 2008) à soluções avançadas A concepção dos lugares considerando a estrutura O projeto sempre é crítico, sempre quer modificar uma situação precedente que o demandou. É do âmbito das relações entre homens (ação) e da liberdade. Pela própria natureza, um projeto, uma obra não pode garantir o sucesso de sua apropriação, ou ainda, que este espaço não será utilizado para opressão. Pois, a apropriação dos espaços resulta das práticas sociais. Porém, há um conjunto de experiências que assimiladas podem auxiliar a criar espaços mais aprazíveis, confortáveis, polivalentes, até mesmo sublimes ou deslumbrantes. O livro Lições de Arquitetura de Herman Hertzberger traz algumas sugestões para concepção de lugares e territórios que motivam a apropriação pelos usuários. O projeto é o campo de sua articulação do sistema de interfaces, da integração entre linguagens e técnicas que deve resultar da obra, objeto ou lugar. (GREGOTTI, 1975). “projeto é o modo através do qual intentamos transformar em ato a satisfação de um desejo nosso (...). Existe, porém, implícito na palavra projeto um sentido de distância entre desejo e a sua satisfação, o sentido de um tempo preenchido pelo esforço em organizar uma série de fenômenos voltados para uma finalidade, num momento determinado do processo histórico. Tal objetivo deve realizar-se como ponto concreto que vem a ser presença e significado, para passar logo a ser matéria a re-significar e satisfazer um desejo ulterior”. Vitório Gregotti Neste tópico o livro de Herman Hertzberger será a linha condutora. Hertzberger propõe que os conceitos de público e de privado sejam traduzidos em termos espaçais por coletivo e individual. O público, a priori, garante o acesso a todos, a responsabilidade de manutenção do espaço público deve ser assumida coletivamente. O privado é de acesso restrito e sua manutenção é responsabilidade do seu habitante. Os termos público e privado podem ser compreendidos no quadro de uma série de qualidades espaciais, que em diferentes graus, referem-se ao acesso, à responsabilidade, à gestão e manutenção destas unidades espaciais concernentes. No mundo inteiro, em todos os tempos, encontram-se demarcações territoriais, acompanhados pela sensação de acessibilidade e ou de 21 barreira. O grau de acesso é uma questão de convenção, norma cultural ou de legislação. Há toda uma série de elementos e de procedimentos que garantem acesso ou filtragem dos usuários ou dos pretendentes a usuários. Todavia, há aqueles que são concebidos explicitamente como barreira, “elementos que encerram, limites, de caráter físico, intransponíveis” (ROCHA, 2008) ou inacessíveis ou incômodos: Steven Flusty (apud BAUMAN, 1999), reúne um repertório de espaços contemporâneos destinados a interceptar, repelir ou filtrar pretendentes a usuários, espaços que exigem senhas de entrada e protocolos de comportamento, que implicam na manifestação concreta da inclusão diferenciada na sociedade globalizada. Os tipos de espaços de “barreira” catalogados por Steven Flusty são espaço esquivo — que não pode ser alcançado, as vias de aproximação se contorcem, prolongam ou inexistem. Espaço espinhoso — não pode ser confortavelmente ocupado, pois tem mecanismos agressivos de expulsão. Espaço nervoso — espaço que não pode ser utilizado distraidamente, pois é monitorado por mecanismos de controle telemáticos ou por patrulhas ambulantes. No entanto, num mundo menos controlado, a demarcação de gradações de acesso público podem ter função de segurança para habitantes e vistantes e otimização dos usos na clivagem de espaços no caso de hospitais, indústrias, e outros locais de trabalho, de instituições públicas e coorporativas. Hertzberger sugere a confecção de um mapa de diferenciação espacial, que funciona como uma espécie de divisão de responsabilidades relativos aos cuidados com manutenção dos diferentes espaços. Esta clivagem de espacialidades espaciais garante também o bom desempenho e organização das atividades programadas para os espaços projetados. A previsão de gradações de acesso e visando à interação com os usuários pode ser estimulada para divisão de responsabilidades de manutenção ou de apropriação simplesmente. A demarcação territorial e as formas concomitantes de acessos aos espaços específicos ou contíguos podem ser expressas pela articulação da forma, material, luz e cor. Isso introduz certo ordenamento ao projeto globalmente. Consequentemente, o sucesso dessa intenção, pode dar ao usuário ou visitante a consciência do conceito daquele projeto, formado por diferentes níveis de acesso, trânsito e permanência. São padrões de concepção do espaço possíveis pela 22 maneira como se determina a escolha de motivos arquitetônicos, sua articulação, forma e material. A meta de Herman Hertzberger é converter o usuário em morador. Segundo ele é possível tomar medidas para que o usuário/ habitante possa dar sua contribuição onde é relevante. Pode-se mesmo ter a expectativa de uso ativo, criativo dos espaços por parte dos usuários. No agenciamento do espaço por meio do desenho e também na distribuição das instalações podem-se proporcionar meios para criar senso de responsabilidades e gerar envolvimento no arranjo, na ocupação, no movimento, enfim, na vida de um espaço. De modo que os usuários se tornem moradores mesmo em espaços de uso coletivo. Hertzberger destaca os lugares de transição ou de conexão entre áreas com demarcações territoriais divergentes. Os intervalos constituem-se locais de diálogo e intercâmbio entre áreas de ordens diferentes. O intervalo é muito diferente dos espaços vazios citados por Bauman anteriormente. Pois, os intervalos configuram-se como uma pausa, um lugar de repouso. Nesta problemática do habitar também se pode recorrer a NorbergShultz para assinalar elementos da estrutura do lugar. Toma-se a premissa que exterior e interior são dois fundamentos da construção do espaço arquitetônico, que formam “sistemas de lugares”. A relação entre exterior e interior é constitutiva do espaço concreto que possui variados graus de extensão e cercamento. Este freqüentemente se manifesta como “figura” em fundo vasto ou limitado Do fechamento ou do enquadramento de um espaço podem emergir elementos que exerçam a função de foco ou centro para o entorno. O espaço em extensão ou cercado possui direções cósmicas ou coordenadas físicas (céu, terra, acima, abaixo, leste-oeste, norte-sul, atrás-adiante) e pode manifestar ritmos segundo a composição ou a disposição de elementos ou os movimentos da topografia. “Portanto, centralização, direção e ritmo são importantes propriedades do espaço concreto”. Os próprios elementos naturais podem agrupar-se modo a formar senso de escala, de proximidade ou de distância (NORBERG-SHULZ, 2006). Gaston de Bachelard, em Poética do Espaço, alude à imagem de imensidão íntima para a floresta; um “antes de nós”, diferente da planície tranqüilizadora ou dos campos e das pradarias que recordam a lavoura e as colheitas. Bachelard também se refere à experiência 23 temporal diferenciada proporcionada pelo deserto ou pelo mergulho no oceano, e inclusive, à força do alhures na passagem pelo deserto, à sensação de profundidade das águas do lago ou do oceano. Christian Norberg-Shultz (op. cit.) chama atenção que todas estas propriedades espaciais mencionadas são de natureza topológica2. Ou seja, não dizem respeito somente a um enquadramento geométrico ou físico. O “princípio de vizinhança” está na base da noção de distância, sendo mais profícuo e geral do que os enquadramentos sucessivos e concêntricos aristotélicos, diz Bachelard (BACHELARD apud THONRMBERG, op. cit.) O espaço cercado ou confinado se define por limites (borda) ou fronteiras (onde algo começa a se fazer presente). O chão (piso), a parede (muros, vedações) e o teto (coberturas) são fronteiras de uma edificação ou lugar (NORBERG-SHULZ, op. cit.). As gradações do confinamento de um espaço são determinadas pelas aberturas ou permeabilidade das vedações. Para romper com o caráter monolítico ou maciço, as permeabilidades (para luz, ventilação, visualidades) podem ser proporcionadas por membranas “elementos etéreos, que sugerem divisões espaciais, sem limites físicos rígidos” (ROCHA, op. cit.). As aberturas são a janela, a porta e a soleira. A soleira segundo Hertzberger é a chave para o intervalo, a transição e a conexão entre as áreas. Na soleira de uma casa se lida com o encontro a reconciliação entre a rua (domínio público) e o domínio privado. As soleiras, umbrais, são espaços de transição por excelência. O local da despedida e das boas vindas. À tradução arquitetônica para hospitalidade (um dever para algumas culturas). O intervalo elimina as divisões territoriais rígidas. A soleira é tão fundamental para o contato social quanto os maciços são para a privacidade. Os espaços contemporâneos submetidos ao desequilíbrio do binômio capacidade de uso e capacidade de significação em qualquer dos seus componentes (Bru apud FAILLA, 2002) podem “demandar” projetos. 2 A ciência que estuda a proximidade e as distâncias é chamada topologia, enquanto a ciência das distâncias estáveis é a geometria métrica (euclidiana). A topologia estuda a posição e as propriedades provenientes dela, que devem satisfazer as noções de vizinhança e de proximidade. A topologia enfatiza não as propriedades extensivas e estáveis, mas as intensivas e intermitentes. Na teoria topológica, o espaço-tempo é visto como dobrado e multidimensional. 24 Vale prestar atenção nestes espaços fragmentados e desterritorializados, seu papel no urbano como limites e passagem; se atuam como espaços de negociação, de coexistência e de transformação. Isso equivale a perceber novos territórios de atuação. Como interstícios, espaços entre (caros a Peter Einseman) estes espaços podem funcionar como zonas de encontro entre elementos globais e locais, onde há ricos fenômenos de interação e hibridismo como observa Nestor Canclini (2003). No contexto da fratura e diante da característica “espectral” da cidade e de seus habitantes (segundo Paul Virilio) pode aparecer o espaço liminar (em latim, transição). As zonas de "liminaridade" (entre) são potencialmente regiões livres e experimentais da cultura, nas quais se podem introduzir novos elementos e novas regras combinatórias. Na liminaridade, se provam novos modos de atuar, novas combinações de símbolos, para aceitálos ou rechaçá-los. A essência é sua multidimensionalidade e a polifonia de seus símbolos (LIE, 2002). Pablo Ocampo Failla diz que os espaços não dados à percepção visual, mas a percepção háptica (veremos em breve), mas ai o arquiteto não pode atuar como um maquiador. Estes são espaços “sem limites” precisos (colocam dificuldade de dimensionamento quando exteriores), são lugares de trânsito, marcados pela perda de identidade, portanto. Sua característica principal é a direção. A estrutura operativa do projeto tem que captar o estado material do contexto físico. O modo de atuar é mediante atividades intermitentes (FAILLA, 2002) Linguagem e expressão “A linguagem é o mesmo que caráter”, assim o significado deve aparecer na forma. Etiene Louis Boullé (Sec. XVIII) diz que ao olhar um objeto, o primeiro sentimento experimentado “é de que maneira o objeto nos afeta”. Denomina de caráter “o efeito que resulta deste objeto e que causa em nós uma determinada impressão”. “Introduzir caráter em uma obra é empregar com equidade todos os meios próprios para fazer-nos experimentar sensações além daquelas que devem resultar do tema”. (BOULLÉ, p. 67). O caráter é expresso por motivos arquitetônicos podem ser convencionais ou inesperados. Norberg-Schulz adverte que o caráter depende de como as coisas são feitas, determinado pela realização técnica, a construção. Uma fenomenologia do lugar deve abordar os 25 métodos básicos de construção e suas relações com a articulação formal. Isso fornece a base concreta da teoria da arquitetura. Pode-se definir o tectônico como “certa” expressividade decorrente da resistência estrutural estática da forma de tal modo que a expressão resultante não poderia ser contabilizada unicamente em termos de estrutura e construção. Pode ser demonstrado que semelhantes combinações de estrutura e construção podem proporcionar sutis diferenças de expressão. (Eduard Seckler apud FRAMPTON, 1995). Essa manifestação da poética da estrutura retoma a poiesis (criação) o ato de revelar, fazer. As opções estruturais contra e favor da gravidade, o peso versus a leveza estrutural expressam para Kenneth Frampton contraposições entre a solidez e a desmaterialização. Na poética tectônica defende a “probidade material e estrutural”; a junta torna-se o nexo em torno do qual o edifício começa a existir, o detalhe volta a adquirir um papel simbólico. O movimento tectônico se opõe declaradamente ao galpão decorado e ao pato proclamados por Robert Venturi em Aprendendo com Las Vegas. Um arquiteto que recorre à poética tectônica é Louis Kahn. Ele enuncia em sua obra uma síntese entre a forma estrutural e a técnica material moderna. Em dado momento do seu trabalho momento, o principio estruturalista de dar primazia as juntas e as transmissões de esforços não se restringe a uma cuidadosa pormenorização construtiva, mas é, além disso, a amplificação via geometria para prover a hierarquia espacial, de uma clara separação entre o espaço servidor secundário e o espaço servido constituído geralmente por um volume primário principal (FRAMPTON, 1995). Em 1954, na Galeria de Arte Yale a tectônica é expressa através da monumentalização de paredes, de pisos e de limites. O volume ortogonal principal é animado por uma forma cilíndrica que aloja o acesso e a circulação vertical. Neste edifício, o cilindro é o "espaço servidor" e o retângulo "o espaço servido". Este procedimento já não se relaciona a manifestação da estrutura como estrutura, mas, a manipulação da superfície como o último agente para a revelação de luz, de espaço e de continente. Sobre um breve curso da matéria na arte: Os filósofos pré-socráticos eram em sua maioria materialistas. Significa que acreditam que o universo (tudo o que existe) é formado 26 de matéria, inclusive as idéias, que são resultado do movimento da matéria (ou de energia). Estes filósofos são chamados da physis porque suas investigações giravam em torno do mundo material e físico, Mas, a matéria não teve muita autonomia nas concepções sobre arte e artesanato desde a antiguidade. Na concepção de Platão a matéria é por natureza algo imperfeito que não consegue manter a identidade das coisas (muda sem cessar). O mundo da experiência é mutável. Por isso a filosofia deveria ocupar-se com o mundo verdadeiroinvisível aos sentidos, o mundo do puro pensamento, o mundo das essências. Para Aristóteles a idéia não tem existência em si, é abstraída pelo sujeito, o que importa é a realidade, para conhecê-la é preciso reduzi-la as suas causas primeiras, a pesquisa causal: material, motora, formal, causa final (a que se destina o objeto). Para Aristóteles a arte é uma forma de téchne, cujo o exercício depende de uma série de requisitos. Arte hábito de produzir com reta razão. Téchne significa meio de fazer, de produzir, assim os processos artísticos são aqueles mediante o emprego de meios adequados, permite fazer bem determinada coisa. Assim, Aristóteles coloca os requisitos da arte nas habilidades do artista que configura pela força de sua imaginação, as estruturas criadoras, a poiesis, que é produção e fabricação. É um produzir que dá forma, uma criação que organiza e instaura uma realidade nova. Idéia para Aristóteles significa o mesmo que forma, essências, substratos metafísicos, responsáveis pelo ser das coisas. No seu pensamento não há o antagonismo platônico entre matéria e idéia, pois as coisas passam a existir, na medida em que a essência, a forma universal se individualiza na matéria. Entre a arte como poiesis, atividade formadora e a idéia de belo, objeto de contemplação, há uma boa distância. A produção da arte decorrente da atividade prática depende do sujeito para acontecer, da ação formadora mobilizada pelas necessidades humanas, acrescenta uma dimensão puramente artificial à natureza. Em Aristóteles a matéria é principio ativo, principio originário e organizador. A forma é a idéia concebida pelo artista. Portanto é um ato de inteligência que através da prática, determina a matéria, gerando um novo ser, que se denomina obra. O movimento da obra é 27 prático. A arte como poiesis assemelha-se à natureza, seja no processo formativo seja na própria forma. De acordo com Fayga Ostrower, o mundo de nossa sensibilidade é um mundo de diálogos com as formas das matérias, físicas ou psíquicas. Nas várias linguagens da arte, o conteúdo expressivo da obras, é articulado de modo formal, nos termos característicos de cada linguagem, sendo os valores e as vivências traduzidos em formas espaciais. Forma: modo de ser, feitio, aparência, configuração, disposição. A idéia de forma sempre abrange um princípio organizador, estruturador, uma ordenação que se torna manifesta. Na arquitetura moderna os procedimentos de projeto baseavam-se numa visão da resistência dos materiais e do cálculo estrutural - a verdade (científica) dos materiais. Segundo o holandês Petrus Berlage só deve ser construído o que for claramente edificado – com o emprego lógico, adequado, segundo a lógica estrutural e a natureza do comportamento deste material. Na estética da vanguarda simular materiais era considerado kitsch. A estética da máquina confrontava-se com a manufatura – havia o desejo de fazer crer nenhuma mão havia tocado seus objetos. A idéia de começar do zero, de apagar os rastros, determinava a escolha dos materiais: Não há como deixar rastros no vidro (nem no aço), material liso e frio, onde nada se fixa. “As coisas de vidro não têm nenhuma aura. O vidro é em geral o inimigo do mistério” diz Walter Benjamin. Gaston de Bachelard em contraponto com a idéia “racionalista” reafirma as poéticas do fogo (o motor do mundo), do ar (movimento), da água (matéria: massa é o esquema fundamental da materialidade) e da terra (a dialética entre as matérias duras e moles, respectivamente entre as forças e a intimidade). Exalta a imaginação produtiva e a energia do trabalhador. Destaca: mão, matéria e mãe, as palavras plásticas. Reabilita a alquimia da água e do fogo, “na condução das metamorfoses que transitam entre a terra e o ar, na dinâmica dos ciclos de criações, contínuas florescências”. O espaço de fluxos globalizado com a sua aceleração just in time, facultadas pela logística e pelo tempo real “comprimem o espaçotempo”. A extrema circularidade das imagens midiáticas, as relações comunicacionais telemáticas (internet) admitem propriedades de ubiqüidade, de co-presença e configuram uma estética da 28 desaparição. Neste contexto, o espaço material e as experiências concretas são subestimadas como dimensão significativa do pensamento e ação humanos. Vilém Flusser contrapondo-se à antítese entre cultura material e cultura imaterial, aponta uma relação mediada pelo design entre forma e matéria. A forma é o “como” da matéria e “matéria” é o “que” da forma, o design é um dos métodos de dar forma à matéria, fazendo-a parecer como ela é. Matéria, no design, como qualquer outro aspecto cultural, é o modo como as coisas aparecem. Portanto material é design, é a forma como a forma aparece. Téchne quer dizer revelação criativa segundo Heidegger. Como reação ao essencialismo, ao desejo do etéreo, ao não corporal das novas tecnologias e poéticas artísticas, a matéria ganha na arte contemporânea um papel de destaque. A arte conceitual gera, nos anos 1970, o conceito de "instalação" – um arranjo cênico de objetos, que vem a se tornar a linguagem predominante da arte no fim de século. Variante da arte conceitual é a land art (arte da terra), dos ingleses Richard Long e Robert Smithson, que intervêm em formas da natureza. Nos anos 70, na Itália, sob influência da arte conceitual e também como reação à "assepsia" minimalista, surge a arte povera (arte pobre). O material das obras é inútil e precário, como metal enferrujado, areia, detritos e pedras. Na combinação dos elementos, a arte povera põe em questão as propriedades intrínsecas dos materiais (que podem mudar de características com o tempo, ou ter qualidade estética inesperada) e o valor de uso na economia capitalista contemporânea. Wolfgang Iser descreve que nas artes experimentais contemporâneas a matéria protagoniza o ressurgimento da estética: “Forjar e modelar pressupõe, como vimos, um material a ser moldado. O que a arte experimental moderna e pós-moderna, entretanto, fazem em grande parte não é tanto moldar a matéria, mas exibi-la. A tinta, o timbre, a tonalidade estão livres da subserviência de retratar algo, de serem constituintes do compasso, do ritmo, da melodia, em vez disso, tornam-se o próprio processo de apresentação. A matéria não é forjada, mas apresentada por aquilo que ela é. Ainda assim, tal apresentação requer alguma sutentação, cujas formas aparecem num estado neutralizado. A ‘matéria’, escreve Lyotard, ‘é precisamente considerada como algo que não está finalizado, que não é proponente de algo ou designado para algo. Não é mais tomada como um material cuja função seria preencher uma forma ou permitir-lhe 29 realizar. A matéria nesse contexto seria essencialmente o que não está endereçado, o que não se endereça à mente (aquilo que de modo algum participa numa pragmática da destinação comunicacional e teleológica)’. A matéria como sujet é tornada tangível até o grau no qual a forma de sua apresentação cancela a si mesma. Essa reversão tem duas implicações importantes. O que era antes estrutura tradicional da obra de arte, a saber, dar forma à matéria foi herdado pela estética tal como funciona no mundo contemporâneo. A proeminência dada à matéria na arte moderna atesta o relacionamento dos dois componentes do estético, que molda e exibe a matéria através do cancelamento da forma. (...) Embora as artes experimentais tenham se tornado marginais, o estético faz um retorno triunfante porque, num mundo cada vez mais desorientado, somente ele pode comunicar ou enfrentar uma realidade de finalidade aberta” (WOLFGANG, 2001). Em arquitetura, a publicação Verb Matters faz uma prospecção de possibilidades formais e materiais no contexto atual da era da informação. Substância construída e ativa na forma de redes que se desenvolve em todas as escalas, desde a maior à menor. O Verb Matters aborda as possibilidades formais e materiais que existem na construção contemporânea. Primeiro, reflete sobre o resultado real das idéias mais sofisticadas que se aplicam em dar forma aos edifícios. Depois, tenta abordar as possibilidades crescentes da tecnologia atual: uma matéria viva, construída, artificial, que processa a informação e interage com os seres naturais Contudo, ainda pode se fazer uma distinção entre matéria e material (do tratamos anteriormente) diz Vitório Gregotti. A matéria da arquitetura, segundo Gregotti, é uma resposta significativa ao problema do habitat, mais propriamente, é a definição do ambiente, que é o campo de ação do arquiteto. Por isso o arquiteto deve tomar consciência do modo cada vez mais diferenciado da natureza e dimensão de sua ação e de suas possibilidades (GREGOTTI, 1977). A correlação entre matéria e forma, a necessidade de aprofundamento na linguagem leva-nos a inserir as expressões formais na abordagem do curso de maneira analógica com fez Monataner (historicizando): os organismos, as máquinas, as estruturas, as dispersões e os realismos. Remetendo a problemática de que as formas quando incorporam conteúdos, equivalem a conteúdos como diz Fayga Ostrower. Este sentido da arte enquanto linguagem (a comunicação de conteúdos expressivos), também define o sentido da arte enquanto objeto: as 30 obras são símbolos da humanização do homem. Trazem conhecimentos que se transformam simultaneamente em autoconhecimento, aprofundando a experiência do viver. Os processos de criação são essencialmente processos de transformação, cujas formas de desdobramento revelam aspectos característicos da própria matéria. Cada matéria permite determinadas formas de desdobramento, que por sua vez caracterizam esta matéria (termo utilizado aqui no sentido que Gregotti atribui). “Só se cria dentro da especificidade de uma determinada matéria e só com o pleno domínio da linguagem” (OSTROWER, 1990). O corpo inteiro e alguns personagens do espaço tridimensional Este tópico trata de maneira enviesada de como historicamente foram compreendidos a sensibilidade, o corpo e os comportamentos humanos pelas ciências e nas artes. O papel fundamental que o discernimento do sistema háptico coloca para fruição do espaço tridimensional. Com a finalidade de mostrar a transformação do comportamento humano, identificamos figurativamente alguns personagens como: o contemplador, o flaneur, a multidão (e o operário e o burguês), o telespectador, a persona, e, na cultura contemporânea em vez do artista produtor, o usuário-produtor (tal como na netware) e o consumidor esteta. O corpo inteiro por dentro e por fora é uma novidade para ciência, sua abordagem se faz a menos de 400 anos. Do mesmo modo, a admissão dos sentidos como objeto de interesse da ciência e da arte é relativamente novo para a humanidade (Sec. XVII com os empiristas e com a criação da Aesthetica de Baumgarten 1750 e ainda, com a Faculdade do Juízo de Kant 1790). Por muito tempo os sentidos foram fonte de desconfiança, que levava a ignorar (e reprovar) o prazer dos sentidos, a emoção, a aparência, a inspiração que conduzia o mundo para dentro, o maravilhamento, o espanto, a fantasia. Com o restabelecimento da estética (estesia, sentir, sentir comum), o sentimento partilhado, o mundo assume-se como imagem. 31 Os sentidos tornam-se objeto das ciências, da teoria do conhecimento, ao mesmo tempo em que ganham autonomia na teoria do gosto e da sensibilidade com a criação da Estética. No século XVIII, a história natural dirige um olhar minucioso sobre as coisas e transcreve. O gabinete de história e o jardim expõem as coisas em quadro. O sentido é a visão, metódica e científica. A imaginação no século XVIII não é mais o lugar do erro (da semelhança) e também não é um dom da loucura. Os sentidos, objeto de desconfiança e da obscuridade, ganham estatuto na ciência e filosófica, “o sujeito opera associando sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos retidas na memória” dizem os empiristas. Há, então, o deslocamento do estudo do objeto da beleza, para o sujeito que a percebe (Kant), base para o nascimento da crítica de arte: juízo e reflexão sobre as obras de arte. A grande questão da estética era saber se o juízo é subjetivo ou objetivo. Enfim, se conclui, as aparências estéticas não enganam, porque elas têm a ver com a beleza e não com o conhecimento. Verdade e erro relacionam-se ao entendimento não ao mundo da arte e da beleza. Tudo que se pode fazer é discutir sem chegar nunca a uma conclusão conceitual (à verdade). Kant desconfia das regras da arte, para ele a natureza é que coloca questões desconhecidas e admiráveis, a arte deve proceder do mesmo modo. As regras da arte são conceitos. A obra de arte que revela seu conceito não é obra de belas artes, mas arte mecânica ou aplicada ou ainda funcional. Não deve haver regras para a arte a fim de se criar algo diferente do habitual. A ausência de regras distingue a crítica da doutrina. kant não se interessa pelo trabalho do artista e o processo criativo, isto diz respeito as teorias da arte, para ele, apenas o resultado deste trabalho deve interessar ao julgamento estético. A expectativa da renovação dos sentidos pela criação o inesperado por Kant abre as portas para o moderno, para a solicitação recorrente do novo, de renovação da experiência estética A estética na perspectiva kantiana não oferece instrumentos para compreender as obras de arte mecânicas e funcionais, (como a arquitetura e o design), obras para as quais estão colocadas regras e conceitos, por exemplo as obras dos movimentos modernos e pósmodernos. Estas obras assumem o caráter de necessidade diante da 32 cultura. Por isso Hegel diz que a estética, exatamente por ser ligada ao sensível e não ao cognitivo, não tem capacidade de dar conta da compreensão da arte e funda a história da arte (GOMBRICH, 1988). No contexto das artes modernas, há o descentramento da preocupação com o belo e ocorre uma atomização cada vez maior da estética em versões particularizadas e dispares. Surgem inúmeras teorias da arte. Muitas enfocando predominantemente a problemática da visualidade. Praticamente fora da filosofia, a estética cede terreno para as incontáveis teorias da arte: empatia, purovisibilismo, formalismo, icolologia, às quais ainda se soma a fenomenologia. A arte de expressão e o organicismo adotam a empatia, projeção sentimental e a intersubjetividade como invariantes. Enquanto as artes construtivas apóiam-se no purovisibilismo, no formalismo e na gestalt. O homem do espaço clássico é o contemplador. O desvio etimológico de teoria ocorre nesta época do mero ato de olhar para o de contemplar e gradualmente adquirindo o significado de concepção mental. Contemplação- neste sentido o espaço visual, acima de tudo torna-se uma construção de bom senso, resultado de uma percepção unisensorial baseada na interação mente-olho (GROSSMAN, 1996). Este se concentrava no sentido da visão, em sua uniformidade abstrata e estática. O sujeito que contempla colocava-se num ponto de vista: o belvedere, a janela, a tela do quadro à distância do objeto a ser contemplado. Assim, o sujeito, divorciado da paisagem ou objeto observados, não necessitava de acionar outros sentidos (GROSSMAN, 1996); utilizava somente a visão e seu conhecimento prévio, fundamentando-se na nas normas predispostas e não através da interação da sua experiência com o objeto. Na pintura moderna "As figuras e o espaço formam, pois, um único contexto: Manet promove as figuras dentro, e sim com o ambiente". O ambiente ou espaço neste caso não é o da natureza, mas explicitamente o da própria pintura, sua tradição. Manet buscou representar, através de sua visualidade contemporânea, a história da pintura, a história da representação. O externo, para este pintorhistoriador é um elemento puramente pictórico, parte da composição da pintura, que, acima de tudo, é um meio decididamente bidimensional. O trabalho de Manet é um exercício da auto-crltica que é operacionalizada no interior do próprio meio empregado através de seus próprios recursos técnicos. Vale lembrar, que o emprego da 33 auto-critica não visa a subversão do meio, mas o seu fortalecimento (GROSSMAN, 1996). A arte permanece com Manet no contexto intelectualista. No século XIX, o século da emergência das multidões aparece o do flâneur cuja principal característica é o prazer de olhar caminhando pela cidade, recorre aos sistemas visual, tátil e háptico. A multidão insere-se na imagem da cidade do século XIX. Uma paisagem industrial, moldada pela técnica, em substituição à paisagem natural e cultivada. A formação da paisagem moderna, essencialmente moldada pelas leis de consumo, designa um movimento impessoal de massas passando umas pelas outras, maravilhadas com as novas mercadorias. Mercadorias que se tornam fetiche, principalmente às que dizem respeito à aparência, vida pública, à aquilo que marca o espaço urbano. A tecnologia é o instrumento que a multidão (o operário e o burguês) utiliza para olhar e conceber o mundo à sua volta. O flâneur e a multidão são adventos do espaço da disciplina e do confinamento. O homem passa de um espaço confinado para outro da casa para escola, daí para o quartel e/ou para a fábrica. O espaço do homem contemporâneo é o espaço do controle que exige protocolos, senhas de acesso. É espaço dos fluxos mecânicos e digitais veremos adiante. Herança da modernidade é a civilidade, sua principal característica é a interação com estranhos, sem usar a estranheza contra eles e aceitá-la. A modernidade e a contemporaneidade têm em comum disporem de espaços públicos, não civis, onde ocorre a dispensabilidade daquela interação. Bauman (2001) diz que: “Se a proximidade física não puder ser evitada, ela pode pelo menos ser despida da ameaça de "estar juntos" que contém, com seu convite ao encontro significativo, ao diálogo e à interação. Se não se puder evitar o encontro com estranhos, pode-se pelo menos tentar evitar maior contato.” Não obstante, a indiferença em relação ao outro tratada acima, o que se ressalta no comportamento em público da interação à distância, é possibilidade da experiência da diversidade. Os estudos sobre a percepção modernos são promissores e abrem novas perspectivas de compreensão da sensibilidade e do corpo. Kent Bloomer e Charles Moore indicam como mudança paradigmática da relação entre o corpo e espaço tridimensional o trabalho de J. J. 34 Gibson, um psicólogo ambiental. Gibson parte do pressuposto que os sentidos são ativos de sensações, solicitando incessantemente informação do ambiente exterior. Gibson utiliza como variável em seus estudos os tipos de informação que o corpo maneja, no lugar da multiplicidade de aparatos e de respostas sensoriais que se dão no corpo. Para Gibson o sistema sensorial funciona independente do processo intelectual. Os sistemas sensoriais são o visual, o auditivo, o gustativo e o tato, tendo em vista as informações recebidas em vez de abordar o funcionamento fisiológico receptor. Dentre os sistemas estudados por Gibson, interessam os sistemas de orientação e o háptico, pois são os intervenientes na experiência tridimensional do espaço arquitetônico (BLOOMER & MOORE, 1982). O conceito de orientação faz referencia ao senso de posição, à dependência da gravidade, da consciência do nível do solo. O sentido háptico é o tato ativo. É o sentido do tato incluindo o corpo inteiro. Como sistema perceptivo o sistema háptico é um sistema complexo, encarregado de apreender e codificar o estímulo que chega aos receptores cutâneos e cinestésicos. Se trata de um sistema que incorpora e combina informações a partir de distintos subsistemas tácteis, como o cutâneo (percepção da pressão e da vibração), o sistema térmico e as terminações nervosas da dor. O sistema cinestésico processa informação sobre a posição e o movimento por meio de receptores existentes em articulações do corpo, músculos e tendões. Este mecanismo somático do corpo conecta-se também ao senso de orientação e de centramento emocional. Quer dizer, o sistema háptico tem a ver com os aspectos da percepção sensível que se relacionam ao contato físico dentro ou fora do corpo. Segundo Kent Bloomer e Charles Moore este é o sistema mais importante para o universo tridimensional, é o que tem mais condições para alterar o ambiente, pois opera simultaneamente sentimento e ação, é o menos abstrato dos sentidos, o mais apropriado para as experiências concretas. A busca de um corpo real habitado parece ainda não ter terminado. Mesmo a fenomenologia, de Merleau Ponty, que trabalhava o espaço topológico, não pensou o corpo por dentro, não aderiu ao psicossomático Diz José Gil. José Gil diz que se a pele e o sistema motor nos fornecem o contato com o mundo físico, além de mobilidade; se a pele é superfície de inscrição das emoções; o corpo interno, as vísceras são a interface 35 entre a psique e o soma, onde se dão principalmente os agenciamentos afetivos. Mas do que ser capaz de imaginar esta face do corpo é a que se abre para o outro, para as forças expressivas do corpo do outro. Ou seja, este espaço visceral dos afetos e dos desejos é o que se abre para a ação e para a interação de modo afetivo e efetivo. O homem contemporâneo é praticamente um telespectador, que vê as coisas pela janela do carro, pela vitrine e pela tela da TV, do cinema, do computador. O trânsito do telespectador diferentemente do flaneur não tem o fim de descobrir a cidade ou os outros personagens da cidade, porém, quer evadir dos lugares, passar por eles apressadamente. A promenade barroca não tem paralelo no espaço de fluxos acelerados. O telespectador atua comumente como turista. Uma das características deste “personagem” é a atrofia da percepção tátil e háptica, pois, não enfrenta diretamente as coisas. No mundo do self-service e do delivery, emergem as categorias estéticas do insípido, insosso, no lugar das potências do sublime, do belo e do trágico do passado. Evidentemente, este é apenas um grupo de personagens do período contemporâneo. Teóricos como Michel Mafessoli conseguem enxergar em vez do hiperindividualismo, a emergência da pessoa, isto é, da persona e suas máscaras, com múltiplas identificações sucessivas. Enxerga também o retorno aos valores dionisíacos hedonistas e outro retorno ao nomadismo, que traz uma era pós-sedentária para a megalópole. Michel Mafessoli propõe substituir a razão cognitiva da Modernidade pela razão sensível. Um saber que o sociólogo afirma que passa pela conscientização da pele que, afinal, dá forma ao corpo, que é matéria. O período, em que se torna difícil discernir tendências, a direção, o sentido, o papel da arte e do artista na sociedade, pode ser denominado de poscrítico. Neste advém o tema da morte do homem, o fim da história, que remete à crise do estatuto do autor, do sujeito pensante como criador, implicando na valorização do observador. Neste período, entre as várias mortes anunciadas está a do autor e do artista, o que coloca a valorização do leitor, no caso da arte do observador, no caso da arquitetura do usuário/ habitante. Neste contexto mais cultural do que artístico, a especificidade dos meios de cada manifestação e o aspecto puramente visual são substituído pela noção de dimensionalização (afastando-se definitivamente do ponto 36 de vista). Com a emergência da dimensionalização Martin Grossman descreve que o ambiente, o mundo se abre a experiência coletiva de sujeitos conscientes do ato e da interpretação artística: são produtores, observadores simultaneamente; e os produtos e outros elementos componentes se articulam em rede. No caso da apropriação do espaço e das coisas, Michel de Certeau defende que o consumo é criativo, é um ato estético. Linguagem, significados culturais e visuais A classificação da arquitetura, por Vitrúvio, em três categorias, permanece com bastante sentido até os dias atuais. Em sua ordem, ele identifica firmitas como força, utilitas, como utilidade e venustas como graça. Se tal classificação fosse proposta hoje, teríamos, provavelmente, tecnologia, função e design (CAMPOMORI, s. d.) Como herança da academia no discurso de J. N. Durand se tem que a arquitetura é a arte de compor e de realizar todos os edifícios públicos e privados. O raciocínio econômico predomina, pois conveniência e economia são os meios que a arquitetura deve seguir e as fontes das quais se deve extrair os meios e instrumentos para exercer a arquitetura e esta seja sólida, salubre e cômoda. Na arquitetura acadêmica sempre foi clara a articulação entre plano de expressão, a função primeira: construção, morfologia, estrutura, inserção e o plano de conteúdo, a função simbólica, representação, ornamento e significado. O movimento moderno coloca nos seus primeiros manifestos sua diferença para o academicismo, pois este manipula um repertório restrito e obedece a uma sintaxe rígida e limitativa, enquanto que sua arquitetura (em tese) derivaria de um processo de seleções múltiplas, realizadas dentro de um repertório amplo, com uma sintaxe flexível e potencialmente criativa. Os arquitetos modernos criaram uma série de procedimentos sintáticos, balizados aos da arte moderna com sua nova plástica, nova espacialidade e temporalidade, novos aspectos perceptivos e de fruição da forma. As funções básicas da linguagem (Lucrecia Ferrara cita Jakobson) geram distintos processos de significação. A função referencial é mimética; a função representativa com forte apelo comunicativo “salienta o caráter produtivo da linguagem quando iconiza uma 37 qualidade ou propriedade do seu próprio processo construtivo”, e a função metalingüística que registra a lógica de um significado, salientando sua dimensão crítica (FERRARA, 2002). Os veículos, meios e linguagens podem aprender e complementarem diz Lucrecia Ferrara, e isso deve ocorrer no processo produtivo. A relação direta com o modelo original é inerente a função referencial; enquanto que a representativa se autonomiza do referente e seu desempenho criativo é plural. A referencialidade da primeira e a reprodutibilidade da segunda, sugere que a sua recepção depende da performance e suscita “argúcia do sentido interpretativo. A função metalingüística suscita mais ainda esta argúcia interpretativa conforme as condições de sua elaboração. Se nos referirmos simplesmente às técnicas construtivas, a arquitetura seria um exemplo da função referencial, em face das implicações dimensionais e de sua reprodutibilidade limitada. Embora modelos (a serem repetidos) sejam corriqueiros, cada projeto ou inserção no sítio tem sua individualidade. Podem-se listar exemplos na expressão de significados de todas as funções, no entanto, um recurso mais consciente no projeto destas funções requer uma clivagem entre os conceitos de desenho e design. O design - de-sign - o que desenha a informação se diferencia o desenho para o consumo em série, para o consumo de massas. Design etimologicamente de quer dizer segundo, conforme, saído de e signum (latim) sinal, representação e também desenho (FERRARA, op. cit). Para Vilém Flusser o design está por trás de toda cultura: “enganar a natureza, substituir o natural pelo artificial”, pare ele tudo depende de design. A operação crítica metalingüística se coloca no processo de concepção e se reflete sobre a tecnologia e o saber-fazer. Por outro lado, a cultura assenta na produção e difusão de informação. O desenho de informação exige competência técnica. Coloca em confronto expressão e representação, afastar-se de pensar verbalmente, linearmente, pensar simultaneamente. Ferrara cita Valery: “pensar profundamente é pensar cada vez mais longe da estrutura verbal”. Saber operar e utilizar as competências tecnológicas (que hibridizam manufatura, mecânica, eletrônica em várias extensões) supõe re conhecer e distinguir os traços e as atuações criativas dos padrões tecnológicos. Reconhecer suas dinâmicas e suas falhas para qualificar a relação entre produto (espaço) e uso cotidiano. O design e o 38 desenho desenvolvem possibilidades de extensão do homem e se transformam em signo. A arquitetura é um projeto global (integrado) onde design entra no todo e em projetos parciais, exemplos estão no trabalho de Frank Ghery (uso de softwares para revelar o volume, o cálculo da estrutura), Santiago Calatrava, Renzo Pianno e Foreign Office Architects (o desenho dos componentes de suas estruturas). Lucrecia Ferrara diz que o projeto aliado ao design impede que desenho se esterilize na repetição. Mas a reflexão sobre o design pode, “em notável capacidade comunicativa, ensinar desenho à máquina”. Deve-se buscar a dimensão social de “transformar competência do saber fazer no desempenho do saber por que faz”. Neste âmbito “projeto é claramente atenção, observação e comparação entre projetos”. Também Vilém Flusser ressalta o aspecto metalingüístico, crítico relativamente ao projeto de objetos de uso (etimologia de obstáculo). O designer (projetista) faz cultura, lança obstáculos no caminho dos demais. De modo que, deve-se refletir no processo de criação de objetos, fazer presente a questão da responsabilidade. Pois se trata da “decisão de responder por outros homens”. Neste caso é o fator subjetivo que se sobrepõe ao objetivo no utilitário ou lugar proposto. Flusser indica que se deve prestar atenção menos ao objeto e mais ao seu destino, logo, estorvará menos seus sucessores e não “encolherá o espaço da liberdade na cultura”. Por outro lado se design é astúcia contra a natureza, se é engano, é prudente perguntar: O que é natureza? Como podemos modificar a natureza? Qual é a natureza da natureza? (Verb Natures, 2006) Diagrama hoje é arquitetura O aspecto não expressional referido por Lúcrecia Ferrara é possibilitado pelo uso do diagrama no processo projetual, que compatibiliza o desenho e o design. Não necessita de tradução de uma linguagem a outra, não carrega expressividade do autor, com um mínimo de elemento gráfico explica um conceito, são medulas de forma e/ou conteúdo, são nós de informação. 39 São mais sintetizadores do que redutores. Mapa é uma convenção lingüística do território, desenho representa uma organização formal-construtiva, o diagrama, ao contrário é um procedimento, para auxiliarem aos processos produtivos que se aceleraram e demandam maior flexibilidade. Reforça a intenção de uma obra aberta, sem fim, sem acabamento, é uma máquina de instruções, um procedimento de decisões. É um recurso para eliminação da metáfora e da analogia, redução de linguagem É um recurso para execução direta, comprime o tempo da concepção, registro e execução. Federico Soriano A superação da idéia de ordem e de composição “A idéia tradicional de ordem que havia marcado a interpretação clássica de espaço era baseada na idéia de composição como relação hierárquica, mas também como figuração coesa, fechada, predeterminada entre as partes. O ideário moderno postulou uma nova ordem alternativa associada a uma interpretação relativista do espaço e do tempo. Esta baseada na posição espacial como vinculação livre, mas não por isso menos estrita nem menos mensurável entre objetos. Posição como organização, todavia também como princípio inalterável, afiliador, em sintonia como o próprio momento ideológico, dogmático de espaço-tempo. A mudança do paradigma contemporâneo, e a nova idéia de tempo propiciam uma nova ordem informal, mais elástica, baseada não mais em composições nem em posições, mas em disposições, abertas com variações individuais e, portanto na diversidade. Em direção a uma articulação dinâmica e plural da informação.(...). Se o espaço moderno significou no seu tempo, a superação da idéia de composição como regulação em direção à posição como correlação, o espaço contemporâneo significa, agora a superação da idéia de posição em direção a idéia de disposição, como decisão operativa, mas também, como possível combinação ou distribuição indeterminada de posições e ou camadas de informação. De uma visão predeterminada do universo temos passado para uma mensurável e agora, diferencial (não universal). (GAUSA et. al., 2000)” 40 Bibliografia ANDRÉE PUTMAN, Sophie Tasma-Anargyros, 1997, Laurence King Publishing, Londres. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 1989. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes. 1995 BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70, 1996 BASKARAN, Lakshmi. El diseno em El tiempo. Movimientos y estilos del diseno contemporâneo. Madri: H. Blume, 2005 BAUMAN, Zygmund. Globalização, as conseqüências humanas. 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O decalque pode estruturar um rizoma, codificá-lo, "neutralizando assim as multiplicidades segundos eixos de significância e de subjetivação", mas o que o decalque reproduz do rizoma são apenas os impasses, os bloqueios, seus pontos de estruturação. (DELEUZE e GUATARRI, 1995). Diagramas : Diagramas são ferramentas visuais usadas para compreender diversos tipos de informações. O seu uso na arquitetura vem buscando ampliar o leque de possibilidades de representação para situações que demandam de um alto grau de articulações. Uma das características fundamentais destes métodos comunicacionais é seu forte poder de síntese, que permitem a produção de imagens esquemáticas contendo mais informações de que em muitas linhas escritas. Esta técnica envolve uma convergência entre idéias e formas, conteúdos e estrutura, através da inserção de elementos sugestivos. Mas não é uma imagem aleatória. O diagrama envolve o uso e aplicação de aspectos como tempo, ação, personagens, lugar, eventos, duração e trajetória combinados entre si de forma a permitir não apenas o entendimento de uma situação específica, mas das causas que levaram a ela. Embora o diagrama explique as relações em um objeto arquitetônico, ele não necessariamente reproduz sua forma física, ele faz a representação de forma diferente, tentando revelar estruturas de organização. Ou seja, ele é a representação de algo que não é a coisa em si. O diagrama não é apenas uma explicação, como algo que vem depois, ele atua com algo intermediário, tocando no processo de geração do espaço. São relações de força, que indicam momentos de constância, de ações que se parecem, de locais que se interagem em termos de usos. É um tipo de representação que nunca está liberada de valores ou significados, mas sempre relaciona espaços com as atividades que neles ocorrem, com a duração e a intensidade destas atividades, com quais objetos são por elas envolvidos dentro de cada espaço, de forma que partindo de qualquer um dos itens envolvidos, possa se apreender sua forma de articulação com os demais. O diagrama é uma forma de representação que é ao mesmo tempo explicativa e 44 analítica, que mostra e também relaciona os diversos fatores envolvidos num dado processo. Ao contrário das formas tradicionais de representação, o diagrama funciona como um mediador entre o objeto palpável e as ações e relações que nele se desenvolvem. Bruno Massara Rocha.