BIOMONITORAMENTO DE MUTAGÊNESE AMBIENTAL Renata Maria Augusto da Costa PESQUISA Aluna do programa de doutorado do Depto. de Biologia/Genética Instituto de Biociências/USP [email protected] Carlos Frederico Martins Menk Professor titular do Depto. de Microbiologia Instituto de Ciências BiomédicasII/USP [email protected] Emprego de plantas transgênicas em mutagênese ambiental Fotos cedidas pelos autores s organismos vivos estão freqüentemente expostos a agentes ambientais que podem induzir modificações químicas no DNA, a molécula responsável pela informação genética das células. As lesões no DNA podem ser induzidas por agentes químicos, provenientes do meio ambiente ou resultantes de reações químicas que ocorrem nas próprias células; ou ainda por radiações, tais como a luz ultravioleta (UV) e raios-X. Estas modificações na estrutura do DNA são prejudiciais às células, uma vez que podem prejudicar processos vitais, tais como a duplicação do DNA e a transcrição gênica. Elas também podem causar mutações e aberrações cromossômicas, fenômenos estes que podem levar ao desenvolvimento de processos cancerosos e morte celular. Pelo fato de causarem lesões no material genético e potencialmente gerarem tumores em seres humanos, esses agentes são normalmente conhecidos como genotóxicos ou carcinogênicos. A presença de produtos químicos carcinógenos no meio ambiente vem sofrendo um crescente aumento, devido à atividade humana, tanto rural e industrial, quanto urbana . A detecção destes produtos e seus prováveis efeitos nos organismos é importante no estudo do impacto que eles podem trazer às populações animal, vegetal e humana. Uma boa alternativa no emprego de bioindicadores é a utilização de organismos fenotipicamente mais sensíveis às lesões no DNA. O objetivo do nosso trabalho tem sido a obtenção de um indicador vegetal sensível à uma grande variedade de produtos lesivos ao DNA. 24 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Figura 1Arabidopsis thaliana adulta O organismo estudado foi Arabidopsis thaliana (figura 1), que apesar de não ser nativa da flora brasileira e não apresentar interesse econômico, é ideal para estudos em laboratório. O pequeno porte, a alta produção de sementes (cerca de 10.000 por indivíduo) e o rápido ciclo de vida de cinco semanas facilitam a análise genética e a identificação de mutantes. Para a obtenção de uma planta mais sensível, optamos pelo emprego de uma variedade que apresentasse alteração em alguma via de reparo das lesões no DNA. Todos os organismos vivos apresentam mecanismos que reparam, revertem, ou simplesmente toleram a persistência da lesão. O reparo por excisão de nucleotídeos (NER- nucleotide excision repair) é uma via de reparo geral, que reconhece e remove lesões que distorcem a dupla hélice em um processo multi-enzimático (para revisão, Petit and Sancar, 1999). Após o reconhecimento, o segmento de DNA ao redor da lesão é removido (~30 nucleotídeos), formando uma lacuna que é preenchida por meio da polimerização de uma nova fita, usando como molde a fita não danificada e sua posterior ligação (veja figura 2). Devido à esta atuação bastante abrangente, optamos pela obtenção de uma planta deficiente no reparo por excisão de nucleotídeos. A obtenção dessa planta não é uma tarefa fácil, uma vez que o estudo do reparo de DNA em plantas está apenas começando a despertar interesse científico recentemente Vornarx et al., 1998; Britt, 1999). Desta forma, iniciamos a clonagem de genes envolvidos nesta via em Arabidopsis thaliana. Para isso, escolhemos uma proteína de função essencial na remoção de lesões no DNA e bastante conservada entre diferentes organismos. Essa proteína é uma helicase, componente do fator de transcrição da RNA polimerase II, denominada XPB (veja figura 2). A proteína vegetal deduzida a partir da seqüência de DNA clonado por nós (atXPB1) apresentou cerca de 50% de homologia com as proteínas humana e de levedura (Ribeiro et al., 1998). Entretanto, diferindo de outros organismos, a proteína vegetal está representada em duas cópias gênicas, expressas em todos os tecidos e todas as fases do desenvolvimento. A ação da proteína vegetal atXPB1 na remoção de lesões no DNA foi inicialmente verificada por meio de ensaios de complementação em leveduras mutantes para o gene rad 25, homólogo à XPB. Após exposição à doses crescentes de luz UV, as leveduras que expressavam a proteína vegetal apresentaram significativo aumento no nível de sobrevivência. Este resultado sugere que atXPB1 atua na remoção das lesões induzidas por UV. Após a primeira indicação de que a proteína clonada estaria, de fato, envolvida no reparo por excisão de nucleotídeos, prosseguiu-se o estudo através da obtenção de uma planta mutante transgênica para esse gene, e portanto, mais sensível aos compostos genotóxicos. Para a obtenção de mutantes, a metodologia mais utilizada em organismos animais e em leveduras é a inserção de um fragmento de DNA conhecido no gene de interesse. Entretanto, essa mutagênese dirigida ainda não é possível em plantas, uma vez que requer recombinação somática, a qual é quase inexistente em células vegetais (Leehan e Feldmann, 1997). Dessa forma, a integração de um DNA de transferência (T-DNA) é um sistema alternativo para mutagênese em A.thaliana. O TDNA é o segmento de um plasmídeo indutor de tumorogênese de Agrobacterium tumefaciens, delimitado por seqüências de repetições imperfeitas. Como mostrado na figura 3, o T-DNA, incluindo qualquer seqüência inserida entre as bordas, pode ser transferido por meio de Agrobacterium às células vegetais e ser inserido aleatoriamente no genoma. Vale lembrar que nesta metodologia a seqüência de T-DNA foi modificada geneticamente através da eliminação do promotor de tumorogênese. No lugar desta seqüência indutora de tumores, está presente um marcador de resistência ao Figura 2- Modelo para o reparo por excisão de nucleotídeos (NER) em eucariontes. Em amarelo são representados os componentes desta via de reparo já identificados em plantas antibiótico que permite a seleção de plantas transformadas. Nós empregamos uma biblioteca de Arabidopsis thaliana com cerca de 30.000 plantas contendo, em média, 1,5 insertos independentes por genoma (gentilmente cedida por D. Bouchez). A identificação da planta contendo o gene atXPB1 interrompido foi feita por meio de triagem via PCR (polymerase chain reaction, ou reação em cadeia por polimerase, técnica que permite amplificação de seqüências específicas de DNA). A escolha dos iniciadores utilizados foi muito importante para o sucesso da seleção e está esquematizado na figura 4. Foram desenhados oligos para o gene atXPB1 distantes entre si cerca de 1 Kpb, o que permitiu uma total cobertura do DNA genômico durante a triagem. Nas reações de PCR foram empregados pares de iniciadores correspondentes ao gene em questão e às bordas do TDNA inserido. A identificação da planta contendo o gene interrompido foi realizada gradativamente, partindo de hiper pools com cerca de 750 plantas, reduzindo o número de plantas na amostra testada até a obtenção da planta positiva. A confirmação da disrupção do gene atXPB1 foi obtida após o sequenciamento de bases do fragmento gerado na reação de PCR. Como pode ser visualizado na figura 5, este está localizado na extremidade do último domínio de helicase da proteína, o que provavelmente resulta em perda da atividade enzimática. Após a obtenção da planta mutante para o gene de reparo atXPB1 foram iniciados os primeiros testes de sensibilidade a agentes genotóxicos. A sensibilidade da planta mutada foi testada para o agente químico metilante, metil metano sulfonato (MMS), que lesa o DNA por inserção de um grupo metila nas bases nitrogenadas dessa molécula. O tratamento foi realizado em plântulas de cinco dias e, após alguns dias, as plântulas mutantes apresentaram sensível redução no crescimento em doses baixas do agente químico. Em doses superiores de MMS, as plântulas mutantes apresentaram porcentagem de sobrevivência muito inferior às plântulas selvagens (figura 6). Esse resultado sugere que a planta mutante para atXPB1 apresenta deficiência na remoção das lesões no DNA, resultando em uma maior sensibilidade aos agentes genotóxicos. Os dados apresentados indicam que dispomos de uma planta que pode servir de modelo como bioindicadora na detecção de mutagênese ambiental. O fato desta planta estar adaptada a climas temperados, limita o seu emprego no Brasil a estudos no laboratório, isto é, na detecção de agentes genotóxicos. Por Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 25 Figura 3- Esquema representativo da obtenção de plantas transgênicas mutadas através da inserção de seqüência de T-DNA. Plantas adultas com flores são co-cultivadas com Agrobacterium contendo a construção do DNA de transferência (LB e RBseqüências repetitivas nas bordas esquerda e direita, respectivamente, da inserção) mais o gene para resistência à antibiótico (KAN). As sementes destas plantas são coletadas e crescidas em meio contendo o antibiótico. As plântulas resistentes, portanto,portando a seqüência de interesse, são crescidas até o estágio maduro para obtenção de sementes. A progênie é crescida a fim de que se possa extrair o DNA para reação de PCR e identificação da planta contendo o inserto de T-DNA no gene de interesse Figura 4- Esquema representativo da escolha e uso dos iniciadores empregados no PCR Figura 5- Localização da inserção de T-DNA na proteína vegetal at XPB1 exemplo, em amostras de solo potencialmente contaminado, ou resíduos de filtrados a partir de poluição atmosférica urbana. Entretanto, como Arabidopsis é uma planta bastante conhecida geneticamente, sistemas que revelam mutações já existem e podem ser incorporados à este modelo por simples cruzamentos com a planta at XPB1. Como resultado, teremos uma linhagem de plantas altamente sensível a agentes genotóxicos, possibilitando a detecção de níveis menores de produtos mutagênicos. Dessa forma, esperamos que em breve esta e outras plantas que serão obtidas possibilitem o desenvolvimento de sistemas vegetais úteis no monitoramento ambiental para a presença de produtos que sejam tóxicos e nocivos à saúde humana. Referência Bibliográfica Britt A.B.- Molecular genetics of DNA repair in higher plants- Trends in plant science. 4: 20-25 (1999). Leehan R.A., Feldmann K.A.-T-DNA insertion mutagenesis in Arabidopsis: going back and forth- Trends in Genetics 13: 152-156 (1997). Petit C., Sancar A.- Nucleotide excision repair: From E.coli to man. Biochemie 81: 15-25 (1999). Ribeiro D.T., Machado C.R., Costa R.M.A., Praekelt U.M., Van Sluys M.A., Menck, C.F.M.- Cloning of a cDNA from Arabidopsis thaliana homologous to the human XPB gene- Gene 208: 207213 (1998). Vornax E.J., Mitchell H.L., Karthikeyrn R., Chatterjee I., Kunz B.A.- DNA repair in higher plants- Mutation Research 400: 187-200 (1998). Figura 6- Sensibilidade das plantas araXPB1-/- ao MMS 26 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento