INFLUÊNCIA DA ADIÇÃO DE FIBRAS DE AÇO NA TENACIDADE DE CONCRETO DE CIMENTO PORTLAND R. J. C. Cardoso ; A. T. Machado Rua Aristides Novis, 02, Federação. CEP 40210-630. Universidade Federal da Bahia – Departamento de Ciência e Tecnologia dos Materiais. Universidade Federal da Bahia – UFBA. E-mail: [email protected] RESUMO O desenvolvimento de materiais mais resistentes e de alta tenacidade constitui- se num dos maiores desafios para o desenvolvimento novos materiais com aplicações estruturais, pois o aumento desta propriedade evita o colapso repentino dos elementos estruturais. As argamassas de cimento Portland são materiais frágeis e as fibras de aço têm se apresentado como uma alternativa para melhorar as propriedades mecânicas dos compósitos formados a partir desta matriz. Este trabalho investiga a influência da adição de fibras de aço na tenacidade de corpos-deprova cp’s prismáticos de concreto endurecidos com adição de microssílica. Ensaios mecânicos de flexão foram utilizados para a determinação das curvas de força X deflexão em cp’s contendo fibras de aço na proporção de (0, 1, 3, 4, 5) % (em volume do compósito). A tenacidade de cada corpo-de-prova foi calculada através da determinação da área sob a curva (força X deformação) conforme a norma da ASTM C 1018-92. Os resultados mostraram que adições de fibras de aço — 0 a 5 % — aumentaram substancialmente a tenacidade dos compósitos — verificou-se que a tenacidade do concreto aumentou cerca de 24 vezes com adição de 5 % de fibras, em relação ao concreto sem fibras. Palavras chaves: concreto, fibras de aço, tenacidade. 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento de materiais mais resistentes e de alta tenacidade constitui- se num dos maiores objetivos em muitas aplicações estruturais. A e t nacidade é a medida da energia (em Joules -SI), necessária para romper um material. Esta energia traduz-se como o produto de uma força multiplicada por um deslocamento e está intimamente relacionada com área sob a curva [1]. tensão versus deformação Os corpos de prova – cp’s, foram reforçados com fibras de aço carbono. Materiais de alta tenacidade significa segurança contra falhas súbitas de estruturas. Materiais de alta ductilidade apresentam uma maior capacidade de se deformarem sob esforços [2]. estáticos conforme mostrado nas Figuras 1a e 1b. Aumentar a tenacidade dos materiais é um tópico de muito interesse dos cientistas e engenheiros, particularmente dos metalurgistas e tecnologistas de concreto. Eles buscam o mesmo objetivo: obter materiais de alta tenacidade e resistência. Um dos maiores objetivos e desafios é tornar a resistência e a tenacidade desses materiais próxima à do aço [3, 4] como mostrado na Figura 2. O aumento da tenacidade significa uma melhoria de sua resistência à fadiga, a fratura, ao impacto, ao carregamento brusco, e à durabilidade dos materiais. As pastas de cimento são materiais frágeis e a iniciativa de reforçar matrizes frágeis e de baixa resistência à tração para se obter materiais mais resistentes e dúcteis é relativamente antiga [5], como em casos, de fibras de palhas ou cabelos de cavalo usados para melhorar as propriedades de tijolos por milhares de anos. O uso de fibras em concreto teve início na década de 1960 [6] e muitos trabalhos estão sendo desenvolvidos nesta área, inclusive em compósitos com adições de fibras vegetais [7].. O objetivo do presente trabalho é avaliar a influência da adição de fibras de aço carbono comum na tenacidade de corpos de prova – cp’s de compósitos de concreto endurecido (concreto + fibras) contendo microssílica. 578 Figura 1. a) Diagrama tensão - deformação para um aço resistente e frágil (1) e para materiais de baixa resistência e dúcteis (2); b) Diagrama tensão - deformação para um concreto de alta resistência (1) e para um de alta tenacidade (2). Figura 2. Resistência e tenacidade relativas de diferentes materiais cimentícios e aço, [2] adaptado 2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Materiais utilizados Aglomerante Cimento Portland composto com escória classe 40 (CP II E - 40); 4 % retido #200; início de pega o em 146 min., fim 334 min; expansibilidade de 1,08 mm; resistência à compressão (MPa): 1 dia o o (18,4), 3 dia (30,0), 7 dia (34,6). Agregados Agregado Graúdo: O agregado graúdo utilizado possuía dimensão típica máxima de 9,5 mm, módulo de finura 5,85; 3 3 massa unitária 1.480 kg/m e massa específica 2.770 kg/m . 579 Miúdo A composição granulométrica do agregado miúdo utilizado estava na zona 2 da NBR 7212. Este agregado apresentou dimensão típica máxima de 1,2 mm, módulo de finura 2,22; massa unitária 3 3 1.530 kg/m e massa específica 2.620 kg/m . Fibra A fibra utilizada foi de aço carbono comum, fornecida pela SHEIKAN – Arcon Jet de perfil ondulado com as seguintes dimensões: 25,4 mm de comprimento; 2,3 mm de largura e 0,2 mm de espessura. Métodos Dosagem do concreto Foi determinado o traço inicial de 1,0; 2,58; 2,11; 0,45; 0,05; 0,003 (cimento, brita, areia, água, micro-sílica, aditivo retardador de pega) As quantidades de fibras adicionadas ao concreto foram: Vf = (0, 1, 2, 3, 4, 5) %, em volume, e calculadas conforme a relação: Vf = (volume de fibras) / (volume de fibras + volume de concreto) x 100. O volume das fibras de aço = Mf /? onde Mf é a massa das fibras e ρ a massa específica do aço (7.800 kg/m3) . Manufatura do Concreto com Fibras e Preparação dos Corpos de Prova As misturas para a preparação dos cp’s foram realizadas em um misturador de argamassa de eixo vertical durante dois minutos. A seqüência de colocação dos materiais foi a seguinte: areia, cimento e brita enquanto se adicionava a água. As misturas do concreto fresco com as fibras foram realizadas manualmente com uma colher de pedreiro. O conteúdo máximo de fibras adicionadas ao concreto fresco foi de 5%. A determinação da trabalhabilidade da mistura fresca foi realizada através do teste de abatimento do tronco de cone conforme a norma NBR 7223. Observou-se um decréscimo de 10 para 0 com 5% de adição de fibras. As misturas de concreto com ( 0, 1, 2, 3)% de fibras foram moldadas e adensados em mesa vibratória durante 5 minutos enquanto as de (4 e 5) % foram adensadas durante 7 minutos. Os cp’s foram retirados das formas após um período de 24 horas e em seguida imersos em água a temperatura ambiente durante 14 dias. Ensaios Os ensaios mecânicos foram realizados em uma máquina universal de ensaios modelo ZDTe I-30 compressão axial: os testes foram realizados conforme a norma: NBR 5739. As seções transversais dos cp (s) cilíndricos (100x200) mm foram capeadas e em seguida efetuados os testes. As tensões de fraturas foram calculadas em conforme a fórmula σc = Fr /A o, onde σc é a tensão de ruptura, Fr é a força máxima para ruptura do cp e Ao a área da seção transversal do cp = 2 p. D / 4. Tenacidade na flexão: a determinação da tenacidade foi feita através de ensaios mecânicos de flexão a 4 pontos em cp‘s prismáticos de (50x50x300)mm, conforme a configuração da Figura 3. As cargas foram continuamente aplicadas em dois pontos na face superior do cp a 1/3 do comprimento do vão central. A velocidade de deslocamento do travessão durante os ensaios de flexão foi aproximadamente 0,1 mm/min. As deflexões foram medidas através de um relógio comparador marca Mitutoyo (precisão de medida de milésimo de milímetro) posicionado na face inferior do vão central do cp. A tenacidade na flexão foi calculada através da área sob a curva força - deformação conforme a norma ASTM C 1018-92. Determinou-se a deflexão para a carga correspondente ao comprimento d, distância OB conforme mostrado na Figura 4. Em seguida calcula-se a área sob a curva força-deflexão para uma deflexão de 5,5x δ (área OAEF) equivalente ao valor da energia absorvida do compósito em Joules. 580 Figura 3. Configuração do sistema de ensaio de flexão para obtenção das curvas: força – deflexão Início de A Trinca C E F orça G d O 5,5 d B F D H Deflexão Figura 4. Determinação gráfica da energia absorvida na flexão (tenacidade) segundo a norma da ASTM C 1018/92 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados da resistência a compressão axial e tenacidade dos cp’s em função da adição de fibras de aço V r = (0, 1, 2, 3, 4, 5) % (em volume) são mostrados na Tabela. 1. Tabela 1. Resistência a compressão axial e tenacidade dos compósitos em função da adição de fibras - V f (% em volume) Percentual fibras — Vf (%) Comp. Axial (MPa) Tenacidade (J) 0 38,0 0,29 1 39,0 2,54 2 40,0 3,68 3 41,0 6,6 4 42,0 7,0 5 43,0 7,1 581 Os efeitos mais sensíveis observados nas propriedades dos compósitos com adição de fibras no concreto foram os aumentos dos valores das deflexões e da tenacidade na flexão. A tenacidade sob flexão aumentou consideravelmente com o aumento do teor de fibras Figura 5 (a). Cresceu quase linearmente até 3% de fibras e na faixa de 4 a 5% atingindo um valor máximo da ordem de 07 Joules o que corresponde a um au mento de energia da ordem de 23,5 vezes em relação a energia absorvida pelo compósito sem fibras. Na Figura 5 (b), observa-se que a resistência à compressão axial do concreto não foi muito afetada com adição de fibras de aço. No caso observa-se um discreto acréscimo da ordem de 13 % na resistência a compressão dos cp’s com 5 % de fibras, em relação aos cp’s sem fibras mostrando que estas adições afetaram pouco a resistência a fratura dos compósitos sob cargas compressivas. Na Figura 6, observa-se uma superposição de pontos na região linear das curvas indicando que a adição das fibras na proporção de (0-5% ) em volume no concreto não afetou o módulo de elasticidade do compósito. Assim a propriedade do compósito (concreto + fibra) foi mais influenciada pelas características da matriz do que pelas adições das fibras utilizadas. O aumento do teor de fibras no concreto resultou num discreto aumento do ponto de carga máxima (ponto onde se inicia o processo de fissuração dos cp’s). Observa-se que a carga máxima para o início de fissuração aumentou moderadamente com adições de fibras e que após este ponto, a queda da resistência dos compósitos foram mais lentas nos cp’s com maiores adições de fibras. Neste sentido, as fibras de aço influenciam pouco a resistência para iniciar a primeira trinca, mas evitam falhas mecânicas súbitas ou frágeis dos componentes estruturais. 44 Compressão Axial (M Pa) Tenacidade (Joules) 8 6 4 2 0 (a) 40 36 0 1 2 3 4 5 6 Percentual de fibras - V f ( %) (b) 0 1 2 3 4 5 6 Percentual de fibras - Vf (%) Figura 5. a) Tenacidade e b) Resistência à compressão axial em função do teor de fibras – Vf (% em volume) 8 Força (KN) 6 4 0% VF 1% VF 2 3% VF 5% VF 0 0 500 1000 1500 2000 2500 Deformação (micra) Figura 6. Comportamento dos compósitos fibras - V f : (0, 1, 2, 3, 4, 5) % em volume na flexão em função das adições de 582 CONCLUSÕES Adições de fibras de aço carbono comum no concreto (com adição de microssílica) na faixa de 0 a 5 % (em volume), influenciaram as propriedades mecânicas dos cp’s de compósitos da seguinte forma: a) Aumentou acentuadamente a tenacidade dos compósitos em cerca de 24 vezes com 5 % de fibras, em relação aos compósitos sem fibras. b) Aumentou moderadamente a resistência à compressão axial em cerca de 13 % com 5 % de fibras em relação aos compósitos sem fibras. c) Aumentou moderadamente a resistência para início de fissuração dos cp’s. d) Não modificou o módulo de elasticidade dos cp’s. 4. REFERÊNCIAS a [1] WILLIAM D. CALLISTER, Jr., Ciência e Engenharia de Materiais: Uma Introdução. 5 Edição, LTC Editora, Rio de Janeiro, 2000. [2] BERGAMINI, A, "High Fracture Energy, High Ductility" Proceedings of a RILEM- WTA - Seminar nd on High Performance of Cement - Based Materials, ETH Zürich, September 22 , p.73, 1997. [3] SHAH S.P.: Recent trends in the science and technology of concrete, Concrete Technology: new trends and applications, RILEM, London, 1994. [4] BALAGURU, P.N.,SHAH, S.P, "Fiber- Reinforced Cement Composites " McGraw -Hill, Inc. International Edition, 1992. [5] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. Design considerations for steel fiber reinforced concrete. ACI. ACI Structural Journal. Detroit, USA, september-october, 1988. p.563-80.. [6] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. Standard Specification for Fiber Reinforced Concrete and Shotcrete. ASTM C1116. Separata ASTM. ASTM, Philadelphia. 1995. [7] GUIMARÃES, S.S., " Some Experiments on Vegetable Fiber - Cement Composites. ESCAP RILEM - CIB - SYMPOSIUM - On Building Materials for Low Income Housing in Asia and Pacific, Bangkok, 20-26 Jan. 1987 • NBR 5739 - Ensaio de compressão axial em corpos de prova de concreto. • NBT 12142 - Ensaio de tração na flexão em corpos de prova de concreto. • ASTM C 1018 - 92 - Standard Test Method for Flexural Toughness and First - Crack Strenghth of Fiber-Reinforced Concrete. • AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. Standard Specification for FiberReinforced Concrete and Shotcrete. ASTM C1116. Separata ASTM. ASTM, Philadelphia. 1995. • INFLUENCY OF THE ADDITION OF CARBON STEEL FIBERS ON THE TOUGHNESS OF PORTLAND CEMENT- BASED COMPOSITES ABSTRACT The development of high toughness materials is one the major concerns in most structural applications. Toughness means security against sudden failure of the structure. The quest for increased toughness is a topic of interest not only to scientists and engineers dealing with cementbased materials but also to metal scientists and technologists. This work searchs the influence of the addition of carbon steel fibers on the toughness of Portland cement based composites. It has been used a flexural mechanic test to assess the toughness of the prismatic samples. Flexural tests were carried out to obtain curves load x deflexion in samples containing carbon steel fibers in the ratio of (0, 1, 3, 4, 5) % (in % volume). The toughness of the samples was calculated by the area under the curve load x deflexion, according to ASTM C 1018-82 standard. It has been found that the addition of carbon steel fibers between – 0 to 5 % have increased substantially the toughness proprieties of the composites. The concrete toughness has increased about 24 times, with 5 % of carbon steel fibers, in relation to the concrete without fibers. 583 AGRADECIMENTOS A SHEIKAN ARCOR - JET , Comercial e Industrial Ltda., pela doação das fibras metálicas para realização da pesquisa; Ao aluno de iniciação científica Joelito Jr.; Aos técnicos: Manuel Nascimento, Orlando B. Lima e Paulo C. Sant'Anna pelo apoio no desenvolvimento do trabalho no laboratório de argamassa do DCTM/UFBA; A pesquisadora da UNEB, Suely Guimarães pelas informações técnicas, normas e opiniões prestadas sobre concreto reforçado com fibras; Ao Grupo GEMAC- UFBA e em especial aos alunos de iniciação cientifica Daniel Veras, Cleber Dias, Aline Caires, Patrícia Massarutto, André Tachard, Lourdimine Santos e Andréia Borges. FAPESB — Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia CNPq — Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico UFBA — Universidade Federal da Bahia DCTM — Departamento de Ciência e Tecnologia dos Materiais RECICLAR - BAHIA / DCTM / UFBA 584