DINÂMICAS SOCIOCOMUNITÁRIAS NO ESPAÇO URBANO
Julio Francisco Alves Fernandes – UFMS ([email protected])
Lais Cristina de Oliveira – UFMS ([email protected])
Sérgio Ricardo Oliveira Martins – UFMS ([email protected])
Resumo: O romantismo da comunidade traz na essência o refúgio da sociedade em
meio ao caos dos sentimentos individualistas. O fenômeno sociocomunitário se
apresenta no espaço urbano com grande plasticidade, assumindo múltiplas formas e
dinâmicas. Para dar conta de tal plasticidade adota-se aqui o conceito de
performance sociocomunitária, um arranjo socioespacial dinâmico de
relacionamentos e coabitação territorial. Como casos analisados, tem-se o bairro
Maria Aparecida Pedrossian e o condomínio Village Parati, ambos em Campo
Grande/MS. O objetivo foi analisar tais casos como arranjos associativos em que
princípios comunitários e societários se mesclam e oscilam no cotidiano relacional
dos moradores. A análise contou com dados quali-quantitativos secundários,
gerados por levantamentos em estudos anteriores. A fundamentação teórica parte
de autores clássicos como Ferdinand Tönnies e Martin Buber, que fundam os
princípios axiológicos do fenômeno comunitário; passa em Durkheim, sobre a
relação comunidade e sociedade; e chega a Zygmunt Bauman, que discute as
(im)possibilidades da vida em comunidade no mundo atual. Entende-se que
aspectos significativos da vida urbana atual – como a insegurança, a “correria” e
isolamento espaço-relacional – representam barreiras e forças contrárias aos
relacionamentos primários, fundados na compartilha e na intimidade relacional e
simbiótica. Verificou-se que em ambos os casos os relacionamentos formam
performances sociocomunitárias, a partir dos seguintes fatores indutores:
proximidade, comunicação/participação e insegurança. No bairro Maria Aparecida
Pedrossian, a necessidade de enfrentar os problemas e melhorar as condições de
moradia levou à ação coletiva e organizada, formando um sentido cada vez mais
claro de vizinhança. No condomínio Village Parati, a proximidade espacial tem
induzido relacionamentos que se estreitam na coabitação. Nos dois casos, a
convivência e comunhão de problemas e objetivos tem levado a alguma dose de
aproximação social.
Palavras-chave: Comunidade; Sociedade; Urbano.
Resumen: La visión romántica de la comunidad trae en su esencia el refugio de la
sociedad en medio del caos de los sentimientos individualistas. El fenómeno
sociocomunitario presenta gran plasticidad en el espacio urbano, asumiendo
múltiples formas y dinámicas. Comprender esta plasticidad requiere el concepto de
performance sociocomunitaria, un arreglo socioespacial dinámico de las relaciones
territoriales y de la convivência humana. Los casos analizados ha sido el barrio y
Maria Aparecida Pedrossian y el condomínio Village Parati, ambos en Campo
Grande/Mato Grosso do Sul/Brasil. Este trabajo examina estos casos como arreglos
asociativos, en los quales los principios societarios y comunitarios se mezclan y
oscilan en la vida cotidiana de los residentes. Un análisis secundario incluyó datos
cualitativos y cuantitativos generados por las encuestas realizadas en estudios
anteriores. El marco teórico de autores clásicos como Ferdinand Tönnies y Martin
Buber, que fundó los principios axiológicos de la comunidad; en Durkheim se
observa la relación dicotómica entre comunidad y sociedad. En Zygmunt Bauman,
se discute las (im)posibilidades de la vida comunitaria en el mundo de hoy. Se
entiende que los aspectos negativos importantes de la vida urbana contemporánea como la inseguridad, la carrera diaria y el aislamiento en el espacio - representan
barreras a las relaciones primarias, basadas em el compartir, la intimidad y La
convivência afectiva y simbiótica. Se encontró que en ambos casos las relaciones
forman performances sociocomunitarias, inducidas por los siguientes factores: la
proximidad, la comunicación/participación y la inseguridad. Em el barrio Maria
Aparecida Pedrossian la necesidad de enfrentar los problemas y mejorar las
condiciones de vida llevó a la acción colectiva organizada, la formación de un
sentido cada vez más claro de vecindad. En el condominio Village Parati, La
proximidad espacial ha inducido y reforzado las relaciones. En ambos casos, la
convivencia y el comunión de problemas y objetivos han dado lugar a un cierto grado
de aproximación social.
Palabras clave: Comunidad; Sociedad; Espacio Urbano.
Introdução
O individualismo e o isolamento social marcantes no espaço urbano
contemporâneo não favorecem a consciência e o sentido de interdependência e
vizinhança, que poderiam advir da convivência e coabitação territorial. Os princípios
da vida em comunidade, em meio à vida urbana pressionada por formas de
violência, insegurança e medo, parecem resistir em ressurgências na tessitura dos
relacionamentos humanos. De fato, o fenômeno sociocomunitário se apresenta no
espaço urbano com grande plasticidade e dinamismo, assumindo múltiplas formas e
configurações. Para dar conta de tal plasticidade adotou-se aqui o conceito de
performance sociocomunitária, um arranjo socioespacial de relacionamentos e
convivência resultante do processo de comunitarização. Como casos analisados,
foram selecionados o residencial Maria Aparecida Pedrossian e o condomínio
Village Parati, ambos em Campo Grande/MS. O objetivo foi analisar tais casos como
arranjos associativos em que princípios comunitários e societários se mesclam e
oscilam no cotidiano relacional dos moradores. Em ambos os casos, a análise se
baseia em dados e observações secundários resultantes de pesquisas qualiquantitativas. Neste sentido, este texto é muito mais uma aproximação ao cotidiano
urbano, com o propósito de identificar e compreender o fenômeno sociocomunitário
em sua dinâmica e manifestações.
Espaço Urbano e o fenômeno comunitário
Da dinâmica relacional humana, diante dos desafios colocados pela
modernidade, resulta que os fenômenos societários se (re)configuram em arranjos
socioespaciais diversos. No espaço urbano, sobretudo na atualidade, em que
comportamentos, atitudes e valores individualistas cada vez mais orientam as
relações humanas, esmaecendo e sufocando o sentido de vizinhança, persistiria
com alguma relevância o fenômeno comunitário? Pressupõe-se neste trabalho que a
comunidade sobrevive em seus princípios, que se presentificam na tessitura dos
relacionamentos interpessoais cotidianos em espaços de moradia na cidade.
A comunidade é um fenômeno societário mais complexo do que sua oposição
dicotômica à sociedade faz crer. Sua natureza orgânica e fraterna a definiria como
oposta à impessoalidade e artificialidade que marcam as relações na sociedade
(TÖNNIES, 1947). Esta distinção axiomática entre comunidade e sociedade é, pois,
mais teórica do que prática. Na sociedade a ligação entre seus membros seria
orgânica, decorrente da divisão social do trabalho, enquanto na comunidade a
ligação entre as pessoas é mecânica, direta e sem intermediação (DURKHEIM,
1978). Assim, os relacionamentos primários são marcados pela intimidade, já os
secundários, intermediados por papéis ou funções sociais desempenhadas por
indivíduos “anônimos”. Em uma visão atual, a comunidade seria caracterizada pelo
predomínio dos relacionamentos primários sobre os secundários (ÁVILA ET AL,
2000). Sociedade e comunidade marcam dinamicamente o balanço entre os dois
tipos de relacionamentos. No cotidiano, comunidade e sociedade não são
fenômenos isolados ou delimitados com precisão e clareza. Relacionamentos
primários e secundários se imbricam nas relações entre as pessoas, na formação,
evolução e desintegração de grupos societários, processo dinâmico que, na cidade,
pode ser favorecido ou obstado por variáveis espaciais como proximidade e
localização.
Considera-se aqui que os princípios comunitários perfazem a vida em grupo,
com base na interação, coabitação territorial e na reciprocidade de relações, em que
se compartilham objetivos e meios comuns (FERNANDES, 1973 e BUBER, 1987).
Caberia perguntar que chances tem o fenômeno comunitário de subsistir na
atualidade em meio ao espaço urbano?
Para Bauman (2003), a comunidade não pode se constituir na atualidade,
diante das tensões da vida urbana moderna, que oscilam entre a liberdade e o
medo. Para Spinelli Júnior (2006), sociologicamente ante a modernidade atual, a
comunidade perdeu seu caráter delimitado, assumindo significativa plasticidade, ou
seja, variações de forma e conteúdo conforme os contextos e circunstâncias
socioespaciais em que (res)surge. Albuquerque (1999) discute os efeitos da
“modernidade”, em especial da crença no progresso material e ilimitado, sobre os
comportamentos e sentimentos das pessoas, que desta forma experimentam o
medo da violência e a insegurança da vida urbana, os “custos humanos da
modernidade”.
Em Simmel (1987), a modernidade é simbolizada pela metrópole e pelo
dinheiro, que juntos reproduzem e diversificam as relações cada vez mais
individualizadas e impessoais, eis o que caracteriza essencialmente o modo de vida
urbano e moderno. Neste contexto, as necessidades humanas ocorrem para muito
além das fundamentais1, pois ampliadas pela indução onipresente ao consumo e
mediadas por um “livre” exercício da subjetividade. Comportamento individualizado e
relações cada vez mais impessoais teriam orientado a vida urbana moderna para um
sentido oposto ao sentido agregador, moralmente comprometido, pessoal e íntimo
da comunidade. Eis porque, para Tönnies (1947), a sociedade moderna teria
emergido sobre a vida comunitária (fatual ou idealizada) cada vez mais sufocada
pelos “prazeres” e “negócios” da vida urbana moderna. Tal visão dicotômica, de uma
sociedade moderna e vitoriosa sobre uma comunidade arcaica e decadente, desvia
de uma questão mais importante e mais pertinente, qual seja a persistência dos
princípios comunitários na convivência humana em um contexto claramente adverso.
Entende-se que decadente é o ideal comunitário, de um idílico desejado, que de fato
não pode ser mais que uma abstração teórica.
Durkheim (1978) parece ter percebido que a comunidade subsistiria na
interdependência da vida social moderna e urbana, que individualiza e interliga em
uma trama funcionalizada pela divisão social do trabalho. O sentido comunitário
estaria então nos “cantos” familiares e íntimos da vida cotidiana, mas ainda assim
1
Na ótica do desenvolvimento a escala humana, há nove necessidades humanas fundamentais:
subsistência, procriação, proteção, comunicação, entendimento, participação, ócio, identidade e
liberdade. Todas seriam inerentes ao ser humano e independentes de qualquer aspecto que os
diferencie. (Cf: MAX-NEEF, M., ELIZALDE, A., HOPENHAYN, M. Desarrollo a Escala Humana: una
opción para el futuro. Londres: CEPAUR, 1986).
como fenômeno controverso e confrontado, por isso mesmo resistente e real,
representativo de valores pautados pela amizade, confiança, interdependência e
proximidade física e relacional.
A formação e manutenção de relações afetivas no espaço urbano atual, sem
embargo, parece pouco ultrapassar o âmbito familiar. A busca por relações de
amizade e confiança, todavia, estão associadas a necessidades tão fundamentais
quanto a própria subsistência, como a identidade, comunicação, afeto e, claro, a
proteção. Esta última, especialmente, se expressa na busca por segurança e
certamente constitui um imperativo cotidiano à vida urbana. Neste sentido, na
convivência e coabitação territoriais, que se dinamizam em bairros e condomínios da
cidade (neste caso, Campo Grande), os relacionamentos humanos assumem
múltiplas formas, configurações e delimitações societárias, nas quais se incluem os
princípios comunitários. Não significa dizer que bairros e condomínios sejam
comunidades, mas de verificar como, em meio aparentemente tão desfavorável, os
princípios comunitários subsistem e ressurgem no cotidiano urbano. Não são,
todavia, resquícios de um modus vivendi ultrapassado e fadado a desaparecer, mas
expressões socioespaciais do como as pessoas se agrupam e se arranjam (em uma
dinâmica societária de afastamentos e aproximações sociais e espaciais – ou sejam,
performances sociocomunitárias), para atender a necessidades e interesses ante os
desafios e dificuldades da vida urbana e moderna. A seguir, “voos panorâmicos”
sobre um condomínio e um bairro de Campo Grande.
Moradia e relacionamentos em chão urbano compartido: os condomínios
O urbano, mais amplo e complexo, tornou-se o espaço sui generis da
mercantilização, em que a vida e as relações são mediadas pela produção e
consumo de mercadorias. Carlos (2007) mostra que é essencialmente na
mercantilização do espaço urbano, sobretudo o acesso e uso deste para fins de
moradia, que residem as distintas formas de segregação. Os condomínios fechados
são precisamente espaços segregados de moradias valorizadas por infraestruturas e
equipamentos de conveniência lazer e segurança. Mediadas pela individualidade
que caracteriza a satisfação das necessidades, via capacidade (desigual) de
consumo de mercadorias, as referências e os valores relacionais no cotidiano
urbano sofreram um deslocamento de consciência e práticas: do sentido da
existência coletiva e interdependente à vida individualizada e independente. É nesta
atomização da vida urbana que reside a sensação de medo e insegurança,
explorado por Bauman (2003) em sua crítica à comunidade idealizada e desejada.
Para este autor, esta dependência do indivíduo, em meio a uma coletividade de
“estranhos”, de desconhecidos que moram ao lado, em relação à sua (in)capacidade
financeira acaba por produzir ou reforçar a insegurança da qual ele deseja escapar.
Uma forma “moderna” e mercantil de explorar esse medo e insegurança que
marcam a vida urbana atual é oferecer “recantos de segurança”. Neste sentido, a
construção de condomínios residenciais fechados, “fortificados” e cada vez mais
afastados, materializa e territorializa a pretensão de viver com segurança e
tranquilidade. Em tal situação, supõe-se aqui que a proximidade física e comunhão
de necessidades e interesses condominiais favoreçam, em alguma medida, a
formação de laços de amizade e relacionamentos do tipo primários.
Um condomínio fechado, ainda que se entenda como forma de segregação
residencial, constitui uma vizinhança espacial, implicando compartilha territorial.
Entendemos que a proximidade espacial propicie entre os moradores (não em sua
totalidade, nem com a mesma intensidade) a formação de relacionamentos mais
estreitos, primários.
Em meio ao medo contemporâneo a sociedade busca lugares que sejam
favoráveis aos seus anseios. O espaço se torna mercantilizado e é oferecido
àqueles que podem pagar pela sua segurança, lazer e infraestrutura. Apesar das
adversidades encontradas dentro da divisão territorial em um condomínio, os
moradores que ali residem estão em constante contato, estabelecem contatos
físicos ou visuais diariamente.
A convivência e compartilha territorial, estabelecida pelos muros de um
condomínio, favorece o reconhecimento e aproximação dos moradores. Afirma-se
que a vizinhança espacial induz a vizinhança social. Tal processo, porém, é
controverso
e
conflituoso.
No
condomínio,
atitudes
e
comportamentos
individualistas, de moradores que buscam no isolamento social maior sensação de
segurança, se confrontam com comportamentos sociáveis e interdependentes de
outros moradores que buscam a mesma coisa que os primeiros, porém a partir
tessitura de novas amizades e relacionamentos. São estes últimos que suscitam
uma vizinhança social em um território compartido.
A racionalidade social viceja o território como uma porção de interesses
comuns, e isso não é diferentes dentro dos condomínios. Os laços sociais
estabelecidos no intramuros condominial se orientam para necessidades e
interesses comuns, como a vigilância interna, as regras de conduta e normas de
utilização dos espaços coletivos.
O Condomínio Village Parati está situado em Campo Grande/MS, possui um
total de 2.256 casas, das quais 1826 vendidas, em uma área de 412.908 m 2, sendo
considerado o maior condomínio horizontal de casas conjugadas da América Latina.
Levantamento realizado verificou que apesar da “fortificação” e extenso espaço
territorial, os moradores do Condomínio Village Parati possuem rendas bem
diversificadas, o que pode geral em sua totalidade certa proximidade dentro de seu
âmbito de convivência.
Pesquisa realizada a partir de entrevistas com moradores desse condomínio
(GOMES et al, 2014) revelou que não há diferenciação socioeconômica muito
significativa entre eles, já que os que ganham até 5 salários mínios perfazem 82,5%
dos entrevistados. Este é um dado importante, na perspectiva da performance
sociocomunitária, uma vez que uma maior desigualdade entre os moradores
tenderia a anular o efeito vizinhança propiciado pela proximidade espacial. Neste
sentido, para Ribeiro (2008), em situações de coabitação entre pessoas socialmente
muito distintas ocorre uma combinação entre proximidade física e distanciamento
social. Para o autor, a proximidade espacial não gera necessariamente proximidade
social, podendo até mesmo aprofundar a relação de dominação comum entre
“socialmente distantes”.
Assim,
proximidade
(vizinhança
espacial)
favorece
a
tessitura
de
relacionamentos pessoais diretos, sobretudo considerando que a coabitação
condominial significa a compartilha de necessidades, recursos e objetivos. Neste
sentido, a mesma pesquisa verificou que a quantidade de moradores conhecidos
pelos entrevistados aumenta com o tempo de moradia. É claro que um maior tempo
de moradia resulta em maior conhecimento e relação com os vizinhos. Em que pese
a personalidade do morador, que pode apresentar maior ou menor disposição e
facilidade de se relacionar e criar novas amizades, é coerente afirmar que a
proximidade espacial tem um peso importante na tessitura, quantidade e qualidade,
das relações com a vizinhança.
Outro dado importante, que reforça a importância da proximidade, conjugada
ao tempo de moradia, está no fato de que a quase totalidade dos moradores com os
quais os entrevistados tem maior contato pessoal é formada por vizinhos. Sem
dúvida, um maior contato pessoal com vizinhos atende ao desejo de mais segurança
e tranquilidade. Não é por outra razão que 62,5% dos entrevistados afirmaram
manter contato diário com seus vizinhos mais próximos, aqueles que moram ao
lado.
O condomínio em análise revela em seu interior a tessitura incipiente de laços
sociais pautados na confiança recíproca. Tais laços se estabelecem com poucos
moradores, em média 1 ou 2 que moram no entorno adjacente. A formação desses
laços é, sobretudo, induzida por necessidades tão importantes quanto recorrentes à
residência urbana, qual seja a segurança, comunicação e participação. De fato,
conhecer e conversar com os vizinhos mais próximos, sobretudo os que moram ao
lado, amplia a sensação de segurança, além de garantir um interlocutor acessível e
identificado na mesma situação.
No Village Parati, a segurança foi o motivo mais importante para 70% dos
entrevistados optarem pela moradia em condomínio fechado.
Está claro que a
busca por segurança, no contexto urbano contemporâneo, tem sido apontada como
a principal motivação pela compra da moradia em condomínios. Mesmo que se
considere o discurso “antiurbano” do medo da violência, verifica-se que a busca por
segurança e tranquilidade pesa nesta decisão. Low (2001) vê no consumo dos gated
communities (condomínios fechados) um meio de segregação social. No mesmo
sentido, Mendes e Viana (2009) questionam a real segurança nos condomínios, que
seriam adquiridos muito mais pela “distinção social” que representam. Por
segurança ou distinção social, a opção crescente pela moradia isolada ou segregada
em condomínios fechados se expressa na reprodução cada vez maior e variada
deste segmento imobiliário em Campo Grande2.
Condomínio não é uma comunidade, senão por uma acepção genérica ( e por
isso mesmo com sentido esvaziado) do termo. Não obstante, trata-se de um arranjo
socioespacial de moradias, infraestruturas, expectativas e necessidades em que,
contraditoriamente, relacionamentos pautados pela amizade e confiança são
formados.
2
Não
constitui
comunidade,
mas
uma
incipiente
performance
A forte e recente expansão de condomínios verticais e horizontais em Campo Grande pode ser
dimensionada por números como: 5 a 6 mil unidades residenciais lançadas somente a partir de 2011.
Ademais, tal “explosão residencial” ocorre a olhos vistos (fonte: Rede de Obras, revista digital
disponível
em:
<http://www.aecweb.com.br/cont/m/rdo/a-explosao-do-residencial-em-campogrande_5677>.
sociocomunitária.
Bairro Maria Aparecida Pedrossian
O Parque Residencial Maria Aparecida Pedrossian (MAP) fica localizado na
porção oeste de Campo Grande, em contato com a área rural. De acordo com o
último censo do IBGE (2010), o bairro Maria Aparecida Pedrossian contava com
9.326 moradores divididos em 3.496 domicílios. Neste residencial, fatores
fundamentais da coesão sociocomunitária vem sendo apresentados desde sua
fundação. Devido à distância dos centros sociais e comercias da cidade, a união dos
moradores em prol dos seus objetivos e necessidades se fez primordial. A
compartilha desses fez com que alguns moradores se organizassem a favor da
solução dos problemas. Essa organização no pensamento, ação e sentimento de
coletividade resultou na estruturação da AMAPE, Associação dos Moradores do
Residencial Maria Aparecida Pedrossian, protagonista da organização e mobilização
social no bairro.
A distância do centro da cidade se apresenta como um dos maiores fatores
de implicação da ligação entre os moradores, a segregação diante da malha urbana
e a partilha dos mesmos objetivos definiu que esse grupo de pessoas e famílias se
unissem. No Maria Aparecida Pedrossian, o fator “segregação” aponta para um
desenvolvimento de um arranjo societário orientado por princípios sociocomunitários
dentro da sociedade contemporânea. Marques (2007) trata esse fator como
isolamento social de grupos internamente homogêneos. Estabelecendo outro olhar à
segregação de grande escala, a qual não representa apenas um fator de exclusão
social dentro da sociedade capitalista, mas soma características comuns às relações
cotidianas.
Marques (2007) explica que a distância do centro às áreas periféricas urbanas
caracteriza a “desigualdade de acesso” e a segregação, sendo essas classificações
recíprocas, uma vez que “não é apenas a segregação que especifica acesso
desigual, mas também (e ao mesmo tempo) a desigualdade de acesso que
especifica e reproduz a segregação”. A união dos moradores mobilizados e
organizados pela associação (AMAPE), fortalecendo a ação coletiva em prol de
conquistas para o bairro diante do poder público municipal, se estabelece no
cotidiano, resultando em um progressivo sentimento de pertença e identidade com o
lugar. A coesão se manifesta em ligações de caráter afetivo, familiar e de amizade,
os relacionamentos primários. Este é um ponto fundamental do desenvolvimento
local, fundado no protagonismo sociopolítico e em um progressivo sentimento
topofílico.
Num conjunto habitacional que foi planejado, sem sucesso, para abrigar
servidores públicos, o nível de qualidade de vida era superior ao dos demais bairros
da cidade à época, o que despertou interesse nos futuros moradores. Em sua
fundação, em 1983, o parque residencial já contava com local para abrigar uma
delegacia, local para abrigar um centro comercial e a associação de moradores,
asfalto, iluminação pública, rede própria de água tratada, e uma linha de transporte
coletivo “que atendia aos moradores de forma um tanto precária” (GUIMARÃES,
2012).
A AMAPE tomou para si a responsabilidade social do bairro, a partir de sua
estruturação e formação. Manteve-se então com recursos provenientes do aluguel
dos boxes do centro comercial, o que fez com que se estruturasse e se organizasse
rapidamente. A associação cumpriu, pois, um importante papel ao promover e
mediar a relação entre os moradores. Considerando a comunidade como um grupo
de pessoas que coabitam e interagem com base na reciprocidade de relações,
compartilhando objetivos comuns, a AMAPE concretiza esse sentido comunitário,
fomentando o contato mais próximo entre os moradores, base para a tessitura de
novos laços de amizade e fortalecimento da ação coletiva. Os moradores do bairro
viam-se nesse contexto como atores sociais, participando de um protagonismo
sociopolítico que produz espaço social dentro da cidade (GUIMARÃES, 2012).
A performance sociocomunitária, enquanto arranjo societário em processo,
aparece mais evidente ante ao protagonismo da AMAPE, que resulta em conquistas
coletivas, de vez que supre necessidades humanas fundamentais, como a de
comunicar-se, tomar parte e identificar-se com um grupo e seus objetivos; amplia-se
a satisfação e o bem estar, além da topofilia.
Atualmente no bairro, os moradores continuam a demonstrar o sentido
sociocomunitário, como demonstra Guimarães (2012):
Tem chamado atenção, nos dias atuais, o grau de mobilização e
organização atingido pelos moradores desse bairro no exercício da
função social da propriedade. Ela pode ser apreciada no Parque
Residencial Maria Aparecida Pedrossian por meio do bem-estar
social e da qualidade do ambiente urbano já conquistado
coletivamente, em direção da promoção das condições e da
dignidade de vida (GUIMARÃES, 2012, p. 53).
Outras ações e projetos promovidos pela AMAPE no bairro reforçam o sentido
sociocomunitário. Há, por exemplo, atividades extraescolares oferecidas às crianças
da escola estadual do bairro. Podem ser frequentadas apenas por alunos que
apresentam bom desempenho escolar. Dentre os projetos desenvolvidos no
residencial, Guimarães (2012), destaca ainda oficinas sobre o uso social dos
espaços públicos, como o uso de áreas verdes e praças para uma comunicação e
maior interação dos moradores. Em 2012, a associação de moradores (AMAPE)
“concentrava cerca de 30 projetos de interesse social que envolve oficinas, cursos e
outras práticas profissionalizantes, culturais, esportivos e recreativos, assim como
disponibilização de alguns serviços”, prevalecendo o uso do espaço publico em sua
“função social”. Outra conquista importante dos moradores foi a instalação de uma
Unidade Básica de Saúde (UBS) / Programa de Saúde da Família (PSF) que oferece
médicos, dentistas, psicólogos e vários outras especialidades da área de saúde,
proporcionando-lhes melhor qualidade de vida. Reitera-se que a mobilização dos
moradores para resolver problemas do bairro acaba por fortalecer as ligações e a
coesão, delineando um processo de comunitarização em ascensão.
Considerações finais
O fenômeno comunitário sobrevive, desaparece e ressurge nas relações
humanas, mesmo na cidade, onde a mercantilização e funcionalização das ações,
necessidades e interesses marca o tom da produção e reprodução do espaço
urbano.
O lugar, enquanto condicionante e resultado da apropriação afetivo-simbólica
de ações e objetos espaciais, presentifica-se na essência da territorialidade em meio
urbano. No lugar, o fenômeno comunitário parece resistir e se sustentar, replicandose em articulações e conexões constituídas para enfrentar os problemas inerentes à
vida urbana moderna. Neste sentido, tanto o bairro Maria Aparecida Pedrossian
quanto o condomínio Village Parati podem ser vistos como performances
sociocomunitárias, isto é, como arranjos socioespaciais em que princípios
comunitários e societários se mesclam e oscilam no cotidiano relacional dos
moradores, diante da convivência e compartilha de problemas e objetivos comuns.
Afirmar que a comunidade sobrevive em princípios de socialização e ação
coletiva, que geram e estreitam laços entre moradores de um bairro ou de um
condomínio fechado, é verificar que a dinâmica urbana, especialmente quanto aos
relacionamentos humanos, é certamente rica em contradições. A presentificação do
fenômeno comunitário no espaço urbano atual, sem dúvida, reforça tais contradições
diante de um modo de vida, do cotidiano urbano, pautado no consumo e em
comportamentos cada vez mais individualistas.
No Maria Aparecida Pedrossian, a performance sociocomunitária se evidencia
no âmbito das ações coletivas, com vistas ao atendimento de demandas dos
moradores, sendo eles movidos por interesses comuns que, em última análise,
estão voltados para a melhoria das condições de vida no bairro.
No caso do condomínio, é importante ressaltar que não se considera aqui que
a proximidade espacial seja fator suficiente de comunitarização, ou seja, de
formação de uma comunidade. De fato, relações primárias podem até mesmo
prescindir da proximidade espacial entre as pessoas. Acredita-se, tal como Santos
(2006, p. 216), que a proximidade em um “[...] território compartido impõe a
interdependência como práxis”, que leva ao sentido da existência comunitária. Um
condomínio fechado não pode ser considerado uma comunidade em si, senão por
um reducionismo conceitual. Todavia, a convivência com base na proximidade
espacial, ainda que seja esta imposta pelas circunstâncias condominiais, favorece
os relacionamentos primários sem nenhuma pretensão de torná-los predominantes.
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DINÂMICAS SOCIOCOMUNITÁRIAS NO ESPAÇO URBANO Julio