Simbolismo Camilo Pessanha Correspondências, Baudelaire A natureza é um templo em que vivas pilastras deixam sair às vezes obscuras palavras; o homem a percorre através das florestas de símbolos que o observam com olhares familiares. Com longos ecos que de longe se confundem numa tenebrosa e profunda unidade vasta como a noite e como a claridade, os perfumes, as cores e os sons se correspondem. Há perfumes saudáveis como carnes de crianças, doces como os oboés, verdes como as campinas, e outros, corrompidos, ricos e triunfantes, tendo a efusão das coisas infinitas, como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso, que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos. Charles Baudelaire 1821, Paris 1867, Paris 1857 Les Fleurs du Mal Charles Baudelaire Charles Baudelaire Charles Baudelaire Jeane Duval Paul Lafargue 1886 Paul Lafargue: O direito à preguiça 1889 II Internacional Socialista • • • > a volta dos utópicos SAINT-SIMON, PROUDHON, FOURIER, LUIS BLANC Simbolismo na França 1873 - Arthur Rimbaud Uma estação no inferno 1880 - Gustave Moreau 1886 Baju : Decadentismo 1886 - Paul Verlaine O Parnaso Contemporâneo 1886 Jean Moréas : Simbolismo 1897 - Stéphane Mallarmé Um golpe de dados Aos leitores! (excerto) Dissimular o estado de decadência em que chegamos seria o cúmulo da insensatez. Religião, costumes, justiça, tudo decai, ou antes tudo sofre uma transformação inelutável. A sociedade se desagrega sob a ação corrosiva de uma civilização deliqüescente. O homem moderno é um insensível. (...) É na língua sobretudo que se manifestam os primeiros sintomas. A desejos novos correspondem idéias novas, sutis e matizadas ao infinito. Daí a necessidade de criar vocábulos estranhos para exprimir uma tal complexidade de sentimentos e de sensações fisiológicas. Não nos ocuparemos desse movimento a não ser do ponto de vista da literatura. A decadência política nos deixa frios. Ela continua, aliás, conduzida por esta seita sintomática de politiqueiros cuja aparição era inevitável nessas horas enfraquecidas. Nós nos absteremos de política como de uma coisa idealmente infecta e abjectamente desprezível. Anatole Baju, Manifesto Decadente, abril de 1886 O Manifesto Simbolista (excerto) Inimiga do ensino, da declamação, da falsa sensibilidade, da descrição objetiva, a poesia simbolista busca: vestir a Idéia de uma forma sensível que, entretanto, não terá seu fim em si mesma, mas que, servindo para exprimir a Idéia, dela se tornaria submissa. A idéia, por seu lado, não deve se deixar ver privada das suntuosas samarras das analogias exteriores; porque o caráter essencial da arte simbólica consiste em não ir jamais até à concepção da Idéia em si. Assim, nessa arte, os quadros da natureza, as ações dos homens, todos os fenômenos concretos não saberiam manifestar-se: estão aí as aparências sensíveis destinadas a representar suas afinidades esotéricas com as Idéias primordiais. Jean Moréas, setembro de 1886 Arte Poética, Verlaine Antes de qualquer coisa, música, e, para isso, prefere o Ímpar mais vago e mais solúvel no ar, sem nada que pese ou que pouse. É preciso também que não vás nunca escolher tuas palavras sem ambigüidade nada mais caro que a canção cinzenta onde o Indeciso se junta ao Preciso. Porque nós ainda queremos o Matiz, nada de Cor, nada a não ser o Matiz! Oh! o Matiz único que liga o sonho ao sonho e a flauta à corneta. Toma a eloqüência e torce-lhe o pescoço! Tu farás bem, com toda a energia, em tornar a rima um pouco razoável. Se não a vigiarmos, até onde ela irá? Ainda e sempre, música! Que teu verso seja a coisa volátil que se sente fugir de uma alma em vôo para outros céus e para outras paixões. Que teu verso seja o bom acontecimento esparso no vento crispado da manhã que vai florindo a hortelã e o timo ... E tudo o mais é só literatura. Simbolismo em Portugal Eugênio de Castro Coimbra, 1869-1944 O exemplo dos vencidos da vida O mapa cor-de-rosa Revistas: Os Insubmissos Boêmia Nova • , Oaristos • musicalidade Oaristos Na messe, que enlourece, estremece a quermesse... O sol, o celestial girassol, esmorece... E as cantilenas de serenos sons amenos Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e crotalos, Cítolas, cítaras, sistros, Soam suaves, sonolentos, Sonolentos e suaves, Em suaves, Suaves, lentos, lamentos De acentos Graves, Suaves... Antônio Nobre Porto, 1867-1900 1892, Só • Intimista • Pessimista Menino e moço Tombou da haste a flor da minha infância alada. Murchou na jarra de oiro o púdico jasmim: Voou aos altos Céus a pomba enamorada Que dantes estendia as asas sobre mim. Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada, E que era sempre dia, e nunca tinha fim Essa visão de luar que vivia encantada, Num castelo com torres de marfim! Mas, hoje, as pombas de oiro, as aves da minha infância, Que me enchiam de Lua o coração, outrora, Partiram e no Céu evolam-se, a distância! Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais: Voltam na asa do Vento os ais que a alma chora, Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais... Camilo Pessanha * Coimbra, 1867 + Macau, 1926 - Direito, Coimbra - Professor, Macau - Hábitos orientais, ópio 1920 Clepsidra China Camilo Pessanha Características formais: Características temáticas: • musicalidade suave • fragmentos de realidade • sensações vagas efemeridade da vida impotência humana obsessão pela água, que corre e tudo leva Viola chinesa Ao longo da viola morosa Vai adormecendo a parlenda, Sem que, amadornado, eu atenda A lengalenga fastidiosa. Sem que o meu coração se prenda, Enquanto,nasal, minuciosa, Ao longo da viola morosa, Vai adormecendo a parlenda. Viola chinesa Mas que cicatriz melindrosa Há nele, que essa viola ofenda E faz que as asitas distenda Numa agitação dolorosa? Ao longo da viola, morosa ... Camilo Pessanha Soneto Floriram por engano as rosas bravas No Inverno: veio o vento desfolhá-las... Em que cismas, meu bem? Por que me calas As vozes com que há pouco me enganavas? Castelos doidos! Tão cedo caístes! ... Onde vamos, alheio o pensamento, De mãos dadas? Teus olhos, que um momento Perscrutaram nos meus, como vão tristes! Soneto E sobre nós cai nupcial a neve, Surda, em triunfo, pétalas, de leve Juncando o chão, na acrópole de gelos... Em redor do teu vulto é como um véu! Quem as esparze — quanta flor! — do céu, Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos? Camilo Pessanha Estátua Cansei-me de tentar o teu segredo. No teu olhar sem cor, frio escalpelo, O meu olhar quebrei, a debatê-lo, Como a onda na crista dum rochedo. Segredo dessa alma e meu degredo E minha obsessão! Para bebê-lo Fui teu lábio oscular, num pesadelo, Por noites de pavor, cheio de medo. Estátua E meu ósculo ardente, alucinado, Esfriou sobre mármore correcto Desse entreaberto lábio gelado: Desse lábio de mármore, discreto, Severo como um túmulo fechado, Sereno como um pélago quieto. Camilo Pessanha Florbela Espanca * Vila Viçosa, 8/12/1894 + Lisboa, 8/12/1930 - Apeles - Tenta três vezes o casamento 1919 – Livro de Mágoas 1923 – Livro de Sóror Saudade 1931 – Reliquiae Charneca em Flor Eu Eu sou a que no mundo anda perdida Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou!