Simbolismo Correspondências, Baudelaire A natureza é um templo em que vivas pilastras deixam sair às vezes obscuras palavras; o homem a percorre através das florestas de símbolos que o observam com olhares familiares. Com longos ecos que de longe se confundem numa tenebrosa e profunda unidade vasta como a noite e como a claridade, os perfumes, as cores e os sons se correspondem. Há perfumes saudáveis como carnes de crianças, doces como os oboés, verdes como as campinas, e outros, corrompidos, ricos e triunfantes, tendo a efusão das coisas infinitas, como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso, que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos. Charles Baudelaire 1821, Paris 1867, Paris 1857 Les Fleurs du Mal Charles Baudelaire Charles Baudelaire Charles Baudelaire Simbolismo em Portugal Eugênio de Castro Coimbra, 1869-1944 O exemplo dos vencidos da vida O mapa cor-de-rosa Revistas: Os Insubmissos Boêmia Nova • , Oaristos • musicalidade Oaristos Na messe, que enlourece, estremece a quermesse... O sol, o celestial girassol, esmorece... E as cantilenas de serenos sons amenos Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e crotalos, Cítolas, cítaras, sistros, Soam suaves, sonolentos, Sonolentos e suaves, Em suaves, Suaves, lentos, lamentos De acentos Graves, Suaves... Antônio Nobre Porto, 1867-1900 1892, Só • Intimista • Pessimista Menino e moço Tombou da haste a flor da minha infância alada. Murchou na jarra de oiro o púdico jasmim: Voou aos altos Céus a pomba enamorada Que dantes estendia as asas sobre mim. Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada, E que era sempre dia, e nunca tinha fim Essa visão de luar que vivia encantada, Num castelo com torres de marfim! Mas, hoje, as pombas de oiro, as aves da minha infância, Que me enchiam de Lua o coração, outrora, Partiram e no Céu evolam-se, a distância! Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais: Voltam na asa do Vento os ais que a alma chora, Elas, porém, Senhor! elas não voltam mais... Camilo Pessanha * Coimbra, 1867 + Macau, 1926 - Direito, Coimbra - Professor, Macau - Hábitos orientais, ópio 1920 Clepsidra China Camilo Pessanha Características formais: Características temáticas: • musicalidade suave • fragmentos de realidade • sensações vagas efemeridade da vida impotência humana obsessão pela água, que corre e tudo leva Viola chinesa Ao longo da viola morosa Vai adormecendo a parlenda, Sem que, amadornado, eu atenda A lengalenga fastidiosa. Sem que o meu coração se prenda, Enquanto,nasal, minuciosa, Ao longo da viola morosa, Vai adormecendo a parlenda. Viola chinesa Mas que cicatriz melindrosa Há nele, que essa viola ofenda E faz que as asitas distenda Numa agitação dolorosa? Ao longo da viola, morosa ... Camilo Pessanha Soneto Floriram por engano as rosas bravas No Inverno: veio o vento desfolhá-las... Em que cismas, meu bem? Por que me calas As vozes com que há pouco me enganavas? Castelos doidos! Tão cedo caístes! ... Onde vamos, alheio o pensamento, De mãos dadas? Teus olhos, que um momento Perscrutaram nos meus, como vão tristes! Soneto E sobre nós cai nupcial a neve, Surda, em triunfo, pétalas, de leve Juncando o chão, na acrópole de gelos... Em redor do teu vulto é como um véu! Quem as esparze — quanta flor! — do céu, Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos? Camilo Pessanha Estátua Cansei-me de tentar o teu segredo. No teu olhar sem cor, frio escalpelo, O meu olhar quebrei, a debatê-lo, Como a onda na crista dum rochedo. Segredo dessa alma e meu degredo E minha obsessão! Para bebê-lo Fui teu lábio oscular, num pesadelo, Por noites de pavor, cheio de medo. Estátua E meu ósculo ardente, alucinado, Esfriou sobre mármore correcto Desse entreaberto lábio gelado: Desse lábio de mármore, discreto, Severo como um túmulo fechado, Sereno como um pélago quieto. Camilo Pessanha Florbela Espanca * Vila Viçosa, 8/12/1894 + Lisboa, 8/12/1930 - Apeles - Tenta três vezes o casamento 1919 – Livro de Mágoas 1923 – Livro de Sóror Saudade 1931 – Reliquiae Charneca em Flor Eu Eu sou a que no mundo anda perdida Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou!