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ANÁLISE DO CURTA-METRAGEM O ÚLTIMO DIA
Tamires Ferreira Coêlho1
RESUMO
O último dia é um curta-metragem que se destaca por sua repercussão no meio
cinematográfico e por elementos de sua estrutura narrativa – como a justaposição da
história de Cristo e da temática da violência urbana. Buscamos entender porque esse
filme obteve tanta repercussão, já que, mesmo apresentando uma boa fotografia e
elementos contemporâneos de produção, pode ser considerado bastante linear e
conservador. Trazendo à discussão teóricos como Aumont (1994), García Jiménez
(1993), Kristeva (1988), Navarro (2006), Zani (2009) e Zavala (2005), podemos afirmar
que o filme é eminentemente “clássico”, apresentando um roteiro padrão com começo,
meio e final esperado, partindo de uma polarização entre bem versus mal. A análise
deste curta pode também sugerir uma reflexão sobre quais aspectos são valorizados
atualmente no meio cinematográfico.
PALAVRAS-CHAVE: Cinema. Curta-metragem. Narrativa.
1. INTRODUÇÃO
O último dia é um curta-metragem que chama a atenção pela repercussão2 que
ganhou em festivais – sendo selecionado para vinte festivais dentro e fora do Brasil e
tendo nove indicações para prêmios. Essa repercussão nos festivais e no meio
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Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS; Bolsista do
CNPq; graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI); membro dos grupos de
pesquisa PROCESSOCOM e NUJOC; orientada pela Profa. Dra. Jiani Bonin; e-mail:
[email protected].
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Festival Art Deco (São Paulo, SP, 2011): Melhor Filme Júri Popular e Melhor Direção de Arte; Guarú
Fantástico. 1ª Mostra de Curtas Fantásticos (Guarulhos, SP, 2011): Melhor Efeito Especial e Melhor
Fotografia; 12º Festival Internacional de Cinema Fantástico (Buenos Aires Rojo Sangre, Argentina,
2011); Montevideo Fantástico VI (Uruguai 2011); 2ª Mostra CORTADOS (Argentina, 2011); 9º Arouca
Film Festival (Portugal 2011); VII Festival Latino-Americano de Curtas Metragens de Canoa Quebrada
(Ceará, Fortaleza, 2011); CineFantasy - Festival Internacional de Cinema Fantástico (SP, 2011); V
Festival Curta Cabo Frio (RJ, 2011); Mostra especial na CINEMATECA (SP, 2011); Cineclube Auditório
da ONG Ação Educativa (SP, 2011); Cineclube LUNETIM MÁGICO (SP, 2011); 3º Festival Art Déco
de Curtas e Docs (SP, 2011); 2º Festival de Cinema CurtaAmazônia (2011); Guarú Fantástico. 1ª Mostra
de Curtas Fantásticos (Guarulhos, SP, 2011). TAKE 1 (Indaiatuba, SP, 2011); 5ª Mostra de Cinema e
Vídeo de Miracema (Tocantins, 2010); 2º Curta Neblina - Festival Latino Americano de Cinema
(Paranapiacaba, SP, 2010); 1ª Mostra do Clube Glória (SP, 2010); 3º Curta Taquary (Taquaritinga do
Norte, PE, 2010); Pré-estreia no Xtreme Club (São Paulo, SP, 2010).
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cinematográfico foi inclusive incorporada à montagem do filme em seus primeiros trinta
segundos de apresentação e em sua descrição – na versão oficial do curta-metragem
disponível no Youtube3. O filme também se destaca por manter uma estrutura narrativa,
que, apesar de ser considerada linear e comum, consegue justapor originalmente duas
histórias (ou temáticas): a história de Jesus Cristo e a temática da violência urbana – tão
comumente abordada no nosso cotidiano.
Com boa produção em termos de fotografia e maquiagem, o curta-metragem fala
de um grupo de extermínio – que envolve policiais e um jovem de classe alta –, cujo
objetivo é poder fazer justiça por conta própria, assassinando pessoas que se encontram
numa posição de marginalização social, no contexto de uma cidade grande. A polícia –
a corporação/instituição como um todo, excluindo-se aí os policiais envolvidos no
grupo de extermínio – tenta localizar os criminosos e desmontar o grupo. A história
constrói uma espécie de “apocalipse urbano”, trazendo a temática da violência associada
às drogas de forma a afetar vários sujeitos direta ou indiretamente. As duas principais
vítimas do filme são um morador de rua cujo nome é Jesus e uma prostituta, os quais
participam de muitas cenas de violência do curta.
O objetivo desta pesquisa foi analisar o curta tendo em vista entender porque um
filme que não é tem uma grande produção, que pouco inova e que tem uma narrativa
com características conservadoras teve uma repercussão tão relevante no meio
cinematográfico, sendo inserido entre os festivais da área. A análise é feita partindo da
observação de elementos narrativos do filme associada a uma pesquisa bibliográfica e
virtual sobre o objeto em si e sobre teorias que auxiliem a entender o curta e sua
narrativa.
2. ANÁLISE
Nesta análise consideramos que a narrativa pode se dar de maneira distinta,
dependendo do veículo ou meio que a suporta. A narrativa, de acordo com Navarro
(2006, p. 16), “é o ato de converter em uma série de formas inteligíveis uma série de
acontecimentos, de maneira que a transmissão, em qualquer suporte, desta forma gere
um conhecimento sobre esses acontecimentos [...] A narrativa pode se dar em formatos
distintos e em formas muito diferentes”. Na narrativa ficcional do curta O último dia, as
__________
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Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=A3HewW_9Apo>.
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unidades narrativas mínimas do filme são organizadas segundo um padrão lógico e
cronológico.
Sobre a narrativa audiovisual, mais especificamente, García Jiménez (1993, p.
13) explica que há uma exploração da capacidade de as imagens visuais e acústicas
contarem histórias:
[...] la facultad o capacidad de que disponen las imágenes visuales y acústicas
para contar historias, es decir, para articularse con otras imágenes y
elementos portadores de significación hasta el punto de configurar discursos
constructivos de textos, cuyo significado son las historias, la narrativa
audiovisual es la ordenación metódica y sistemática de los conocimientos,
que permiten descubrir, describir y explicar el sistema, proceso y los
mecanismos de la narratividad de la imagen visual y acústica
fundamentalmente, tanto en su forma como en su funcionamiento.
A junção de temáticas para a construção da narrativa do filme nos sugere que a
intertextualidade e o dialogismo presentes nas produções cinematográficas vão muito
além da técnica e se organizam de modo a gerar novos sentidos.
O cinema não copia de um modo ‘objetivo’, naturalista ou contínuo uma
realidade que lhe é proposta: corta seqüências, isola planos, e recombina-os
através de uma nova montagem. O cinema não reproduz coisas: manipula-as,
organiza-as, estrutura-as. E só na nova estrutura obtida pela montagem dos
elementos é que estes ganham um sentido. Este princípio da montagem, ou
melhor da junção de elementos isolados, semelhantes ou contraditórios, e
cujo choque provoca uma significação que eles não têm em si mesmos, foi
Eisenstein encontrá-lo na escrita hieroglífica. (KRISTEVA, 1988, p. 361)
Faz-se interessante a percepção de que, apesar de ser construído em uma
narrativa linear e de características bastante clássicas, o filme analisado traz alguns
elementos do cinema moderno como cortes bruscos que dão ideia de montagem e
movimentos instáveis de câmera. Simultaneamente, o curta ainda traz uma tentativa de
representação de uma situação “real”, de algo que está no mundo – a violência urbana–,
mesclando elementos históricos religiosos – que aludem a Cristo –, de forma que é
criada uma representação de uma história que nem é totalmente real, pois não há uma
simulação que tenta imitar uma situação que tenha ocorrido com aqueles personagens na
vida “real”, mas também não é totalmente ficcional – já que traz elementos históricos e
do cotidiano.
Para Aumont (1994, p. 100), uma ficção seria uma espécie de representação em
dobro, já que “o cenário e os atores representam uma situação, que é a ficção, a história
contada e o próprio filme representa, na forma de imagens justapostas, essa primeira
representação”. No entanto, apesar de Aumont (1994, p. 100) considerar o filme
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ficcional “duas vezes irreal” – “irreal pelo que representa (a ficção) e pelo modo como
representa (imagens de objetos ou atores)”, não consideramos aqui o curta analisado
como “irreal” no sentido de oposição a produções “reais”. Entendemos que o curtametragem sobre o qual nos debruçamos não é pura e completamente ficcional, porque
até a ficção mais fantasiosa está ancorada na realidade e é nutrida por elementos
concretos.
Evidenciando estruturas narrativas conservadoras e arquétipos de personagens
da tradição clássica, destacamos o roteiro padrão do curta com situações que oscilam
entre tensão e relaxamento e com uma apresentação das situações e do contexto do
filme imerso em uma pretensa realidade.
Uma obra clássica tende a possuir um roteiro padrão e industrial, com doses
bem-estabelecidas em suas situações de tensão e relaxamento. A intenção do
cinema clássico é envolver o espectador e fazê-lo acreditar que a estória
contada é “real”, eliminando-se as lacunas causadas pelo corte da edição e
transmitindo a sensação de tempo corrido, conforme nos define Burch ao
“notar que essa conquista, ou melhor, esse banimento do acaso, caminhou
junto com a progressiva entronização da noção de grau zero do estilo
cinematográfico, que visava [a] tornar a técnica invisível e eliminar quaisquer
‘falhas’ devidas às interferências do acaso (2006, p. 136). Isso quer dizer que
os fatos apresentados na tela não precisam essencialmente ser verdadeiros,
mas necessitam ser fiéis e “realistas” com as diegeses fílmicas, com a linha
narrativa ficcional que está sendo mostrada ao público. (ZANI, 2009, p. 132)
Zani (2009) também explica sobre a “curva dramática” contida nos filmes
clássicos, que têm “um começo, um meio e um fim bem-definidos, e sua segmentação
respeita a distinção por blocos, estabelecendo uma divisão em etapas que permite uma
visão clara dos acontecimentos narrativos, privilegiando-se uma tríade linear, que
determina pontos distintos em um filme” (2009, p. 133). O curta O último dia deixa
perceptível sua curva dramática e sua tríade linear, apresentando um começo
(apresentação do contexto, personagens), um meio (tortura de pessoas no desenrolar da
trama), e o desenlace próximo a um final esperado da trama (punição dos torturadores,
resolução do problema).
Essa tríade é definida pelo início da obra, quando as personagens são
apresentadas, e os protagonistas e seus respectivos antagonistas são
destacados, momento em que o problema principal é apresentado e também é
quando surge o conflito; pelo desenvolvimento da trama, etapa que faz a
ligação entre o início e o fim do filme, sempre desenvolvida numa linha
ascendente, tal etapa também pode ser chamada crise; e pelo desenlace, que
não é necessariamente o fim da obra, mas o ponto de virada da narrativa, o
momento em que as decisões são tomadas, e os problemas começam a ser
resolvidos. no desenlace, o grande motivo da crise torna-se claro, e a
objetividade para a resolução desse é evidenciada. É o antecedente direto do
clímax ou do fim. (ZANI, 2009, p. 133)
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É perceptível que o filme e sua narrativa ao estilo clássico do cinema trazem
uma trilha sonora que parece apenas complementar as imagens. Sobre essa relação entre
som e imagem nas produções cinematográficas, é sabido que o som tem uma alta
capacidade referencial e a potencialidade de produzir imagens – o que não parece ser
muito explorado na narrativa de O último dia.
Em geral, os personagens, à exceção de Jesus, não têm um nome (próprio) na
trama. Dessa forma, os nomes têm pouca relevância no curta, mas sobressaem-se os
papéis que eles desempenham, ora corroborando ora distorcendo estereótipos sobre os
sujeitos que representam. Isso, no entanto, não prejudica as necessidades dramáticas da
narração, tampouco o movimento de acompanhamento do espaço em relação aos
personagens.
La puesta en escena está sometida a las necesidades dramáticas de la
narración, de tal manera que el espacio acompaña al personaje. Esta
preeminencia del personaje sobre la puesta en escena otorga unidad
dramática a cada secuencia, y propone una lógica fácilmente reconocible por
el espectador, al reproducir las convenciones de los arquetipos del héroe, su
antagonista y los demás personajes. (ZAVALA, 2005)
A polícia enquanto corporação é mostrada de forma heroica. Os policiais que
mostram a parte corrompida, arbitrária e autoritária da instituição não representariam a
corporação, mas seriam exceções. No final, é mostrada a maioria “nobre” ou “ética” da
corporação, que acaba com o grupo de extermínio.
3. CONSIDERAÇÕES
O filme é norteado por uma disputa bem definida entre o bem e o mal. O bem é
representado eminentemente pela polícia. O mal é representado pelos torturadores que,
pouco a pouco, perdem a disputa contra o bem, constituindo um final narrativo que traz
resolução aos enigmas da trama.
Bastante conservador e de características clássicas, o filme apela para o clichê da
violência em cenas cuja fotografia e maquiagem chegam a surpreender, mas que não se
sobressaem em relação à linearidade da narrativa e à sua estrutura rígida. A escolha por
fazer movimentos “nervosos” de câmera durante a filmagem é um dos poucos
elementos que fogem ao padrão clássico.
A repercussão do curta-metragem no meio cinematográfico nos leva a refletir e
questionar acerca dos critérios adotados pelos circuitos de festivais. A inserção dos
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filmes nos festivais estaria ligada a escolhas políticas ou a moldes ideais de produção?
Escolhas conservadoras associadas à boa fotografia e a uma narrativa “quadrada”
seriam características desejáveis às produções exibidas/concorrentes nesses festivais?
No entanto, esses questionamentos necessitam de um aprofundamento teórico e
empírico mais denso, constituindo um novo problema de pesquisa.
AN ANALYSIS OF THE SHORT FILM O ÚLTIMO DIA
ABSTRACT
O último dia is a short film that stood out because of its impact on cinematic
environment and also because of its narrative structure's elements as the juxtaposition of
Christ's story and the theme of urban violence. We tried to understand why this film got
so much impact, because even with a good photography and with contemporary
elements of production, it can be considered as a linear and conservative movie.
Constructing a discussion based on researchers as Aumont (1994), García Jiménez
(1993), Kristeva (1988), Navarro (2006), Zani (2009) and Zavala (2005), we can say
that the movie is eminently “classic”, because of its standard script which shows
beginning, middle and expected end, and also because of its polarization between good
versus evil. This analysis can also suggest a reflection about which aspects are currently
valued at the cinema environment.
KEYWORDS: Cinema. Short film. Narrative.
REFERÊNCIAS
AUMONT, J. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1994.
GARCÍA JIMÉNEZ, J. Narrativa audiovisual. Madrid: Cátedra, 1993.
KRISTEVA, J. História da linguagem. Lisboa: Edições 70, 1988.
NAVARRO, J. S. Narrativa audiovisual. Barcelona: Editorial UOC, 2006.
ZANI, R. Cinema e narrativas: uma incursão em suas características clássicas e
modernas. Conexão – Comunicação e Cultura. UCS, Caxias do Sul, v. 8, n. 15,
jan./jun. 2009. Disponível em:
<http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/viewFile/118/109>. Acesso
em: nov. 2012.
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ZAVALA, L. Cine clásico, moderno y posmoderno. Razón y Palabra. n. 46, Ago./Set.
2005. Disponível em: <http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n46/lzavala.html >.
Acesso em: data nov. 2012.
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Análise do curta metragem O Último Dia