AUSTÊMPERA DE TIRAS DE AÇO CARBONO EM FORNO CONTÍNUO Bruno Geoffroy Scuracchio Engenheiro de Pesquisa e Desenvolvimento da Mangels Divisão Aços – [email protected] Carlos Roberto Gianini Jr Supervisor de Tratamento Térmico da Mangels Divisão Aços Ricardo Borges Arias Estudante de Engenharia de Materiais – FEI Gilberto Belan Técnico de Pesquisa e Desenvolvimento da Mangels Divisão Aços Luis Fernando Maffeis Martins Gerente da Engenharia, Qualidade e Tecnologia da Mangels Divisão Aços Resumo O presente trabalho tem como objetivo mostrar as particularidades do processo de austêmpera em tiras de aço carbono em fornos contínuos para a obtenção de materiais com elevada dureza, limite de escoamento, e limite de resistência, aliados à resistência ao desgaste, alongamento, resistência ao impacto e resistência à fadiga. A influência das variáveis do processo nas propriedades finais do produto também é discutida, assim como algumas características gerais do forno. Este tipo de tratamento térmico visa obter estruturas bainíticas, que normalmente possuem maior tenacidade quando comparadas às estruturas martensiticas em tipos similares de aços. Palavras-Chave: Austêmpera, bainita, laminação Introdução A necessidade de inovação aliada ao desenvolvimento de novos materiais que tenham custo de produção e lead-time mais baixos, sem detrimento à qualidade e às propriedades mecânicas em geral, vêm sendo assunto constante entre os produtores de aço. Tanto as usinas siderúrgicas, quanto a indústria de beneficiamento e de transformação necessitam de novas soluções para competir em um mercado globalizado de necessidades cada vez mais extremas em relação aos custos de produção X propriedades mecânicas. Quando falamos em elevada dureza, limite de escoamento, resistência ao desgaste, e limite de resistência, logo pensamos em peças temperadas e revenidas, ou de estrutura martensítica. Quando aliamos estas propriedades a um maior alongamento, maior resistência ao impacto, e maior resistência à fadiga, podemos dizer que as estruturas bainíticas vêm cada vez mais sendo utilizadas, a ponto de substituir aplicações tradicionais em alguns tipos de molas, anéis e pinos elásticos, peças de máquinas agrícolas, etc. [1,2] Bainita nos Aços O processo de austêmpera leva à formação de estruturas bainíticas. A bainita é um constituinte metalográfico formado por ferrita e carbonetos, resultante da decomposição da austenita super-resfriada a temperaturas onde a formação da perlita não é a termodinamicamente mais favorável. Observada por microscopia óptica, a bainita resultante da austêmpera feita em meio isotérmico é formada por ripas ou agulhas de ferrita, com aspecto similar ao da martensita. Os carbonetos normalmente estão dispostos de duas maneiras principais, que dividem as bainitas em dois grupos distintos: a bainita inferior e a bainita superior. A bainita inferior (Figura 1) possui “bastonetes” de carbonetos dispostos no interior das ripas de ferrita, alinhados com ângulos de aproximadamente 50o ou 60o. Os carbonetos na bainita inferior são extremamente finos, com espessura da ordem de dezenas de nanômetros e comprimento da ordem de centenas de nanômetros. Uma vez que eles precipitam no interior da ferrita, uma pequena quantidade é dividida com a austenita residual. Isto significa que um número pequeno de carbonetos finos precipita entre as ripas de ferrita, diferentemente da bainita superior onde esta é a principal morfologia. Figura 1 - Microestrutura da bainita inferior.[3] A bainita superior, por outro lado, não apresenta praticamente carbonetos precipitados no interior das lâminas de ferrita, sendo que estes estão quase em sua totalidade precipitados nas interfaces entre as ripas. As finas ripas de ferrita nesta fase possuem espessura da ordem de 0,2 micrômetro e comprimento de 10 micrômetros, como podemos observar na Figura 2. Figura 2 - Microestrutura da bainita superior.[3] Se uma certa quantidade de elementos de liga (como por exemplo silício ou alumínio, que retardam a formação da cementita) é adicionada ao aço, é possível suprimir a formação da cementita. A microestrutura da bainita então será formada de ferrita bainítica e austenita retida enriquecida de carbono. A microestrutura resultante também pode conter a fase martensítica, se ocorrer a decomposição da austenita residual durante o resfriamento à temperatura ambiente. As características morfológicas são semelhantes à ferrita de Widmanstätten, diferenciando as duas somente por meio de microscópio eletrônico. [4] Usualmente a bainita inferior apresenta maior tenacidade que a bainita superior, apesar de possuir maior resistência mecânica. Além disso, os carbonetos grosseiros de cementita na bainita superior possuem tendência em serem pontos de nucleação de microcavidades e de trincas de clivagem.[3,5,6] O teor de carbono tem um grande efeito na determinação da faixa de temperatura que ocorre a formação da bainítica. A temperatura BS (temperatura onde ocorre o inicio da transformação bainítica) pode ser reduzida por alguns elementos de liga, mas o carbono exerce o maior efeito, como indicado pela equação empírica: BS (°C) = 830-270C -90Mn-37Ni-70Cr-83Mo.[3] O carbono tem maior solubilidade na austenita do que na ferrita, e tem um grande potencial para estabilizar a austenita, o que leva ao atraso da cinética da reação ferrítica. A fração de carbonetos encontrada na microestrutura final aumenta com a concentração de carbono, assim a concentração deste elemento deve ser mantida abaixo de 0,30% para garantia das propriedades mecânicas. Foi constatado também que o aumento do teor de carbono torna a formação da bainita inferior mais fácil, porque torna mais difícil para as ripas de ferrita bainítica supersaturadas sofrerem descarbonetação antes da precipitação da .[3,7,8] cementita Nos aços carbono, em resfriamentos contínuos, é difícil obter a estrutura bainítica, como podemos observar na Figura 3. A adição de elementos de liga que retardam as reações ferrítica e perlítica contribui para a transformação bainítica, e a temperatura BS é deslocada para menores temperaturas. Estes efeitos causam uma grande separação na reação e a curva TTT, para um grande número de aços, como podemos observar na Figura 4. No entanto, devido à proximidade das reações martensítica e bainítica, é bastante difícil de se obter uma microestrutura 100% bainítica. [9,10] Uma separação efetiva da reação bainítica em aços baixo carbono pode ser obtida pela adição de aproximadamente 0,002% de boro em solução e de 0,5% de Molibdênio. Enquanto o Mo induz a reação bainítica, o B retarda marcadamente a reação ferrítica (e em conseqüência a reação perlítica), permitindo que a reação bainítica ocorra mais facilmente. Ao mesmo tempo, a curva bainítica é fortemente afetada pela adição de boro, em conseqüência, não ocorre à formação da martensita. Deste modo, para uma grande faixa de velocidades de resfriamento é possível obter aços completamente bainíticos.[3] Figura 3 - Aço SAE 1045 com reações de transformação da perlita (P) e ferrita natural (F), deixando a faixa da transformação bainítica (B) difícil de se alcançar em tratamentos contínuos. [11] Figura 4 - Aço SAE 1045 com adição de boro, com reação da perlita (P) e ferrita (F) retardas, ampliando o campo de transformação bainítica (B) facilitando a austêmpera. [11] Usualmente, quando precisamos de peças com mais alta dureza, 40 a 50 HRC, o material é temperado (martensítico) após a estampagem, devido à baixa ductilidade que as estruturas martensiticas conferem, dificultando qualquer transformação mecânica após o tratamento térmico. Já os materiais austemperados, pegando como exemplo o BKB29,5 produzido pela indústria Mangels – Divisão Aços (composição química similar ao DIN 27MnCrB5), podem atingir, com microestrutura bainítica, durezas de 30 a 50 HRC, com ótima estampabilidade. Assim, o material pode ser estampado após o tratamento térmico de austêmpera, eliminando uma etapa do processo. Austêmpera O tratamento térmico de austêmpera em forno contínuo (Figura 5 e 6) se inicia com a introdução da fita em uma câmara de austenitização. Nessa etapa, normalmente é utilizada uma atmosfera que possibilite uma boa convecção (N2, ou H2, ou uma mistura dos dois, por exemplo), além de evitar a ocorrência de descarbonetação pelas altas temperaturas utilizadas. A relação entre temperatura e velocidade deve ser adequada para garantir o aquecimento uniforme do material, assegurando que a sua microestrutura esteja completamente austenítica e homogênea. Figura 5 - Forno de austêmpera Figura 6 – Esquema de um forno de austêmpera Na saída da austenitização o material é mergulhado em um banho metálico (liga chumbo-bismuto), visando um resfriamento rápido até um patamar definido. O banho metálico garante uma rápida extração de calor, impedindo a transformação perlítica no resfriamento. Em seguida, o material é mantido na temperatura do banho metálico em uma câmara de revenimento, visando a total transformação da austenita em bainita com níveis de dureza e ductilidades adequados para a aplicação do produto final. A grande diferença entre o processo de têmpera convencional (ou martêmpera) e a austêmpera é justamente a temperatura em que o material será resfriado desde a austenitização, maior na segunda, e o revenimento, que é na verdade utilizado para homogeneizar a estrutura bainítica. Figura 7 – Curva de austêmpera, resultando em uma estrutura bainítica (B) originada da decomposição da austenita (A). Figura 8 – Curva de martêmpera (ou simplesmente têmpera), resultando em uma estrutura martensítica originada da decomposição da austenita. As Figuras 7 e 8 mostram curvas típicas de austêmpera e de martêmpera em resfriamento constante, ressaltando a diferença entre a temperatura do centro e da superfície do material. Esta diferença deve ser levada em conta quando trabalhamos com uma gama muito grande de espessuras, pois é necessário garantir primeiro a completa austenitização, e depois a completa transformação do material na microestrutura desejada. As principais variáveis no processo de austêmpera são: • Temperatura do forno de austenitização – É a temperatura que podemos garantir que 100% do material está na fase austenítica. Variando-se esta temperatura podemos aumentar ou diminuir o grão austenítico, aumentando e diminuindo a temperabilidade (ou “austemperabilidade”) do material. • Temperatura do banho metálico – É a temperatura em que se garante a formação da estrutura bainítica desejada. Variando-se esta temperatura podemos definir a morfologia da bainita (superior, inferior ou mista). • Velocidade de passagem do material – É a velocidade em que garantimos o tempo necessário para que tenhamos 100% de estrutura austenítica no forno de austenitização, ao mesmo tempo garantindo a estrutura bainítica no final do processo. Conclusão O processo de austêmpera de fitas de aço carbono se mostra como uma excelente alternativa para a produção de materiais com boa estampabilidade, porém com elevada dureza, resistência ao desgaste, e à fadiga. A configuração do equipamento utilizado para este tratamento térmico é semelhante ao equipamento usado na têmpera, alterando basicamente apenas as variáveis de processo. Fica clara a grande importância do controle destas variáveis (temperatura do forno de austenitização, temperatura do banho metálico, e velocidade de passagem do material) no processo de austêmpera. Tanto as propriedades mecânicas finais do material, como a sua microestrutura, são completamente dependentes de como estas variáveis são manipuladas durante o tratamento térmico. Referências 1. Martins, L. F. M.; Belan, G., Desenvolvimento de Rolos de Aço Austemperado para Indústria Automotiva, Congresso SAE Brasil 2006, São Paulo, 2006. 2. Lazzarini, R.; Belan, G.; Martins, L. F. M., Desenvolvimento de Rolos de Aço Austemperado para Indústria de Embalagem, 61o Congresso Anual da ABM, Rio de Janeiro, 2006. 3. Bhadeshia, H.K.D.H., Bainite in Steels, 2nd edition, Institute of Materials, London, 1-458, 2001. 4. Irvine, K. J. and Pickering, F. B., Low-carbon bainitic steels, J. I. S. I., 187, 292, 1957. 5. Edgar Bain 80th Birthday Seminar, Metallurgical Transactions, 3, 1031, 1972. 6. Hehemann, R. F., The Bainite Reaction, Phase Transformations, American Society for Metals, 397, 1970. 7. Iron and Steel Institute, Physical Properties of Martensite and Bainite, Iron and Steel Institute Special Report No. 93, 1965. 8. Goldenstein, Helio . Bainita nos aços. In: Ivani Bott; Paulo Rios; Ronaldo Paranhos. (Org.). Aços: Perspectivas para os próximos 10 anos. 1a ed. Rio de janeiro: Ivani Bott, 2002, v. unico, p. 77-88. 9. Christian, J. W. and Edmonds, D. V., The Bainite Transformation, Phase Transformations in Ferrous Alloys, TMS-AIME, 293, 1984. 10. American Society for Metals, The Bainite Transformation, Metallurgical Transactions, 3, 1972. 11. Atlas of isothermal transformation and cooling transformation diagrams, American society for metals, Metals Park, Ohio 44073, 1977. STEEL STRIPS AUSTEMPERING ON CONTINUOUS FURNACES Abstract The objective of this revision is to show some characteristics of austempering process on continuous furnaces for carbon steel strips, looking for improved hardness, yield strength, and ultimate tensile strength, allied with wear resistance, elongation, impact and fatigue resistance. The influence of some process variables is also discussed, as well as some furnace particularities. This kind of heat treatment is applied in order to obtain bainitic structures, normally with better ductility than martensitic structures on similar steel grades. Key-words: Austempering, bainite, cold-rolling