ISSN: 1981-3031 POSITIVISMO, PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO: UMA POSSÍVEL LEITURA DA OBRA DE CRAVEIRO COSTA Thiago do Nascimento Falcão1 RESUMO Este artigo visa analisar as principais tendências teóricas que nortearam os escritos de João Craveiro Costa. A partir de seu artigo intitulado “Ensino de Historia Pátria”, publicado na Revista de Ensino (1927), analisaremos a relação entre as concepções teóricas pragmáticas, positivistas e liberal com o contexto em que vivia o intelectual, jornalista, professor e político alagoano. No que tange a este período histórico, cabe ressaltar que se trata do início da República brasileira, palco de grandes mudanças no âmbito político e social influenciadas por ideologias e mudanças já consolidadas principalmente na Europa. Tendo como base os pressupostos positivistas de Augusto Comte (1988), os princípios pragmatistas de John Dewey (1959) e a crítica apurada do educador brasileiro Dermeval Saviani (2003) nortearemos a leitura demonstrando os aspectos ora conservador, ora progressista da visão educacional de Craveiro Costa. Palavras-chave: Craveiro Costa – Positivismo – Pragmatismo – Tendências pedagógicas INTRODUÇÃO Para compreendermos as posições político-ideológicas na produção intelectual de Craveiro Costa, faz-se necessário nos remeter ao período em que elas foram produzidas. Período em que o regime Republicano se consolidava e marcado pela centralização política, início do processo de urbanização/industrialização além de uma divisão “mais definida” de três grupos sociais (surge a classe média). A partir desta contextualização poderemos compreender sua defesa de um ensino utilitarista que visava à preparação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, cuja defesa já se fazia desde os primeiros anos do Império brasileiro, e progressista no sentido de tecer criticas as administrações públicas conservadoras do Império, que não zelavam pela escolarização do povo alagoana. Ao discorrer sobre o ensino de História Pátria na coluna onde assinava na Revista de Ensino (1927), caracterizava-a como fastigiosa e meramente expositiva. Esta posição do intelectual parece ser bastante progressista, própria da ideologia Positivista e Liberal. Porém 1 Aluno mestrando do mestrado em Educação Brasileira da Universidade Federal de Alagoas. Integrante do grupo de pesquisa “Ética e Ensino de filosofia”. E-mail do estudante-pesquisador: [email protected]. 2 ao darmos continuidade à leitura, o intelectual se mostra bastante tendencioso quando defende que não há nenhum empecilho nesta abordagem educacional se os temas trabalhados forem fatos diretamente relacionados ao estabelecimento da República, com suas palavras: Na escola primária o ensino de história nacional devia girar em torno dos seguintes fatos: a proclamação da República; o segundo Império; a Regência; a Independência. Dos fatos coloniais apenas narrativas, singelas e rápidas, sobre a luta holandesa, no que ela tivesse de mais dramático e para frisar o relevo dos três tipos modelares das raças que se fundiam – Camarão, Henrique Dias e Fernandes Vieira; a epopéia dos Palmares, como definição sugestiva do espírito de liberdade, e as agitações nacionalistas visando a autonomia política do Brasil. (COSTA, 1927.) 2 A presença de um pressuposto positivista em seus escritos é por deveras marcante, especialmente se fizermos analogias com a proposta de Augusto Comte (1988) sobre a reforma da sociedade, bastante condizente com o espírito da época. Costa faz a defesa de um ensino útil à Pátria. Nessa compreensão mantêm-se os dois princípios. Para o liberal o ensino deveria ser útil, não necessariamente à Pátria, mas ao trabalho. Para o Positivismo, especialmente esta vertente que se consolidou no Brasil, o ensino de História deveria estar a serviço da pátria, pois se o trabalho é benéfico à pátria então o ensino deve formar para tal. Observa-se também uma postura pragmática ao defender um novo modo de se ensinar história da pátria e o próprio intelectual cita o precursor do pragmatismo para dar sustentação a suas críticas: Se encararmos a historia como narração de fatos passados é bem difícil legitimar-se-lhe a presença do programa de instrução primária. O passado é o passado: é preciso deixar que os mortos enterrem os seus mortos. O presente e o futuro nos chamem com excessiva insistência para que tenhamos ousiu de imergir a criança no oceano dos fatos para sempre desaparecidos. (Dewey)3 O trecho supracitado pelo intelectual alagoana vai ao encontro com os posicionamentos pedagógicos do pragmatismo de John Dewey (1959). Segundo o filósofo, o desenvolvimento tecnológico e a vida democrática tinham na escola um instrumento ideal, por meio do qual os benefícios da educação seriam estendidos a todos, indistintamente, 2 Fonte: Revista de Ensino – Orgam Official da Directoria da Instrução Publica. Anno I. Num. 2. Maceió, Março – Abril de 1927. 3 Craveiro faz essa citação de Dewey de uma conferência de que participou, não citando onde nem maiores detalhes. 3 ressaltando a função democratizadora da escola de equalizar oportunidades, bastante condizente com o espírito republicano da época. Apesar de esta análise dar ensejo a contradições, devemos ter em mentes que os ideais positivistas foram fundamentais para a instauração da República brasileira e os intelectuais da época absorveram seus princípios. Desta forma, apesar de ser paradoxal ao criticar a metodologia do ensino de História caracterizado pela memorização e erudição, por outro lado, parece bastante familiarizado e simpático com teorias educacionais consideradas modernas para a sua época como o pragmatismo. Vale lembrar: interessa a ele um ensino útil à Pátria; mesmo que fosse mnemônico, mas estava a serviço da república. O intelectual somente faz criticas ao ensino decorativo quando não tem finalidades, como pensava ser a memorização da maioria fatos históricos relativos ao período imperial. Observemos os seguintes extratos de seu artigo que ilustram bem esses paradoxos ideológicos: “Obedecido o programa, o ensino de Historia é um esforço que se perde. Para desenvolvê-lo, o professor parte do fato mais recuado – o descobrimento. Leva semanas expondo-o, fazendo copiar o ponto e obrigando à decoração” (COSTA, 1927)4 Não é preciso muito esforço para se compreender sua crítica a um ensino tradicional, marcado por uma metodologia na qual é valorizada a aula expositiva, centrada no professor, com destaque para situações, em sala de aula, permeadas de exercícios de fixação, como leituras repetidas e cópias. Numa outra passagem de seu artigo (observar a primeira citação deste artigo), Craveiro Costa além de reforçar suas críticas ao método tradicional de ensino da disciplina, sugere mudanças expondo qual seria o método mais apropriado de seu ensino. Devemos observar aqui que ensino tradicional para Craveiro Costa é aquele que estão conectados ao período anterior ao da República (no caso do artigo Ensino de História Pátria isso é bastante relevante) já que decorar fatos pode ser importante, desde que sejam fatos da vida republicana. O ensino assim processado não pode deixar de ser fastidioso, mortificante e ineficaz. E para que ofereça atrativos precisa ser ministrado por meio de historietas, de contos interessantes, que o professor engendrará, onde o fato a ensinar tenha maior dramaticidade, esteja palpitante e sugestivo, vivendo nele os personagens o seu papel histórico. (COSTA, 1927). Parece que o intelectual alagoano estava bastante familiarizado com os princípios da Escola Nova ao demonstrar sua preocupação com uma metodologia que pudessem captar o 4 Fonte: Revista de Ensino – Orgam Official da Directoria da Instrução Publica. Anno I. Num. 2. Maceió, Março – Abril de 1927. 4 interesse da criança, com base em historietas e contos. Como se sabe, um dos princípios norteadores, deste movimento, é de que a aprendizagem precisa ser compreendida, não decorada; daí sua crítica à escola acadêmica e livresca e sua exaltação a uma metodologia que leve em consideração não só a razão, mas sentimentos, emoções e ação. Além do mais, cabe ressaltar que os ideários escolanovistas casam-se muito bem como as mudanças concernentes a crescente industrialização e urbanização que a nação brasileira vivia no contexto histórico do intelectual alagoano; lembrando que sempre que a escola nova é típica representante da pedagogia liberal. Podemos então compreender porque Costa se apóia em John Dewey para justificar seus posicionamentos quanto ao ensino de História, já que o pragmatismo do filósofo norte americano (base da Escola Nova) critica severamente o intelectualismo e a ênfase na memorização. Tendo como base as ideologias aqui destacadas, podemos perceber então que apesar de parecer contraditório e às vezes até incoerente nos seus posicionamentos, o intelectual alagoano está em sintonia com as ideias do seu tempo, no entanto, não devemos nos esquecer que o lugar de que Costa fala é bastante revelador de seu discurso: pertencente a elite alagoana seu discurso é dirigido a grande massa da população, frequentadora da escola pública. A seguir, destacaremos alguns elementos importantes referentes ao período em que viveu Craveiro Costa para podermos então entender a relação entre seu posicionamento educacional e os pressupostos positivistas e pragmatistas presentes em sua produção intelectual. 1 - COEXISTÊNCIA ENTRE TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS EM CRAVEIRO COSTA: POSITIVISMO E PRAGMATISMO A recorrência de postulados positivistas e pragmatistas na leitura de Craveiro Costa (1927) nos instiga a aprofundar de que forma essas teorias foram assimiladas pelo intelectual alagoano e os motivos que o levaram a utilizá-las de modo bastante atípico, ou seja, ressaltando delas aspectos que de um modo geral se caracteriza por uma defesa do liberalismo5, mas afeito a questionamentos quando deixa subtender a defesa de uma maior praticidade e funcionalidade para os fins educacionais. Para compreendermos como essas 5 Para os Pioneiros da Escola Nova no Brasil a educação é vista como instrumento essencial de reconstrução da democracia, com a integração de todos os grupos sociais. 5 duas tendências educacionais coexistiam na obra de Craveiro Costa analisaremos quais características foram elencadas de cada uma delas com o artigo em questão. 1.1 POSITIVISMO EM CRAVEIRO COSTA Em sua Obra “Curso de Filosofia Positiva”, Comte (1983) trata da educação como o principal instrumento para manter a ordem e é nesse sentido que defende uma educação principalmente dos trabalhadores (a serviço da pátria). O posicionamento educacional do filósofo francês nos ajuda a compreender a necessidade de reforma da educação por Craveiro Costa que como Comte defende uma educação homogênea, com a finalidade de apaziguar e preparar futuros proletariados. No artigo em questão, Craveiro critica o processo de ensino de História como puramente mnemônico e necessitando de uma reforma radical. O processo pedagógico de transmissão dessa matéria, por sua vez, carece, entre nós, de uma reforma radical. O processo é ainda puramente mnemônico. A lição é dada por meio de pontos, à decoração, nas classes mais adiantadas, e narrativas diante da classe, nos anos inferiores. Ha ainda o processo da decoração nos próprios compêndios, socraticamente, ficando o aluno com o duplo trabalho de decorar perguntas e respostas. (COSTA, 1927). A ideia de “reforma social”, pressuposto positivista, é repetidamente enfatizado nos artigos de Craveiro Costa, depositando na educação (apêndice da sociedade, conforme Comte) papel fundamental para que ocorresse tal mudança. Fica evidente também a consonância entre o pensamento do jornalista alagoano com o contexto histórico em que vivia: Início da República, patrocinada pelos ideários positivistas. Outra influência ideológica que marca os artigos de Craveiro Costa condiz com os pressupostos escolanovistas, tendo no pragmatismo de Dewey seu principal alicerce. Como observamos, tais posições harmonizam-se muito bem com os pressupostos positivistas. 2 - ESCOLA NOVA E EDUCAÇÃO Como assinalado anteriormente, o jornalista alagoano insere-se num período de grandes transformações do cenário político-econômico brasileiro. A crescente industrialização e urbanização, iniciadas no princípio da República, requerem a ampliação da rede escolar, bem como, uma escola que prepare para o novo. Além do mais, a esperança de superação das desigualdades sociais encontra na adequada escolarização uma promessa de mobilidade social. 6 É nesse ambiente de agitação e transformação social que Craveiro esboça suas críticas à escola tradicional e, para tanto, se utiliza de maneira não muito fiel das ideais em vigor naquele momento(a crítica lançada quanto a falta de fidelidade teórica do intelectual aos pressupostos da escola tradicional não deve ser vista aqui de maneira depreciativa, apenas como observação quanto ao modo que Craveiro se utilizava das ideias da época). Podemos deduzir isto, pelo posicionamento um tanto elitista de seus escritos, ao se referir a métodos e mudanças na educação quando esta é dirigida a maioria da população alagoana e não se referindo, de maneira alguma, de como se daria aos representes mais abastados da sociedade. Esta faceta elitista da aplicação dos ideais escolanovistas não foi privilégio apenas de Alagoas, já que se constatou uma maior elitização do ensino em todo o Brasil. Alguns autores perceberam que isto se deve a má assimilação dos princípios da Escola Nova, porém não devemos esquecer que seus defensores tecem elogios a essa nova corrente pedagógica tendo a falsa ilusão de que a escola teria a função democratizadora de equalizar oportunidades. Podemos inferir que Costa não pretendia ser um escolanovista ou positivista, mas aproveitar intuitivamente do que lia e estava em voga à época. Ele não propôs se apoiar nessas correntes de pensamento, utilizava-se dela quando necessário. No que concerne aos ideais escolanovistas observa-se sua faceta progressista ao criticar o modo como os alunos eram avaliados, pois diante de examinadores era verificado se o estudante havia decorado, ou não, a lição. “Esta lição, para ser bem decorada e bem repetida diante de examinadores carrancudos e sabichões, no fim do ano, precisa de um mês de esforço inaudito à meninada e ao próprio professor.” (CRAVEIRO,1927.) Como sabemos, para a Escola Nova a avaliação não visa apenas os aspectos intelectuais, mas também as atitudes e aquisição de habilidades. Além do mais, a avaliação é compreendida como um processo válido para o próprio aluno, não para o examinador. No âmbito do pragmatismo, Dewey (1959) ressalta o papel da Educação pela ação criticando severamente o intelectualismo e ênfase na memorização, típicos da escola tradicional. Dito isto, percebemos claramente a influência do pensamento escolanovista em Craveiro Costa. Após esta breve exposição das principais características do pensamento escolanovista e positivista na obra de Craveiro Costa, resta compreendermos quais fatores propiciaram essas coexistências teóricas na obra de Craveiro. À guisa de conclusão, pautaremos nossa reflexão pelo olhar apurado do filósofo e educador brasileiro Dermeval Saviani. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve como bojo central a discussão da produção intelectual de João Craveiro Costa, mais especificamente, acerca dos pressupostos teóricos subjacentes aos seus escritos. Desta forma, a partir do seu artigo “Ensino da História Pátria” podemos evidenciar a clara influência das teorias escolanovistas e positivistas, justificada pelo momento histórico vivido pelo jornalista alagoano que demonstra ter sido influenciado por essas tendências educacionais. O que podemos inferir é que Craveiro Costa defende uma educação humanística para uma elite (se utilizando dos pressupostos da Escola Nova) e uma educação funcionalista e instrumental para a maioria da população (dispondo dos pressupostos positivistas). O que nos leva a esta conclusão preliminar é seu entusiasmo na defesa de um ensino mais centrado na formação cívica e de conteúdo moderno para a época, e sua condenação ao eruditismo e conteudismo presente na educação tradicional, de tradição jesuítica. 8 REFERÊNCIAS BBLIOGRÁFICA COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva; discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1988. COSTA, João Craveiro. Ensino de História Pátria. In: Revista de Ensino. Revista de Ensino – Orgam Official da Directoria da Instrução Pública. Anno I, novembro-dezembro de 1927, num 6. DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. RUCKSTADTER,Vanessa Campos Mariano. Positivismo e Educação: Alguns Apontamentos. Unioeste – Campus de Cascavel.2005 SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 36ª edição revista. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.