Revista Instituinte nº 1 – 1º semestre de 2013
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A SAÚDE DO TRABALHADOR NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
OCCUPATIONAL HEALTH IN THE UNIFIED HEALTH SYSTEM
Andréia De Conto Garbin
Doutoranda na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Psicóloga, atua
na Secretaria Municipal de Saúde de São Bernardo do Campo.
[email protected]
Agradeço as contribuições das psicólogas Eliana Pintor (CEREST Diadema) e Nancy
Yasuda (CEREST SBC) sobre a versão final do artigo.
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar a estruturação da área da saúde do
trabalhador no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). São apresentados aspectos
histórico–conceituais, a estruturação da Rede Nacional de Atenção em Saúde do
Trabalhador e estratégias de ação para garantir a atenção integral aos trabalhadores. Os
primeiros serviços de saúde com foco na saúde dos trabalhadores foram constituídos em
meados dos anos 80, fruto da mobilização dos trabalhadores, sob influência do modelo
operário italiano, no qual a participação dos trabalhadores era fundamental para o
reconhecimento dos riscos aos quais estavam expostos no trabalho. A área da saúde do
trabalhador constitui um campo de conhecimentos e práticas, cuja finalidade é estudar,
analisar e intervir nas relações entre trabalho e saúde e doença, desenvolvidas na rede de
serviços de saúde pública. A criação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST) objetivou integrar os serviços do SUS, de diferentes níveis de
complexidade, com uma rede regionalizada de Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador que desenvolvem o papel de centros articuladores e organizadores no seu
território de abrangência de ações intra e intersetoriais de saúde do trabalhador. Assumem
a função de pólos irradiadores de ações e ideias de vigilância em saúde, de caráter sanitário
e de base epidemiológica. O CEREST passa a atuar como apoiador matricial, oferecendo
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às equipes de referência da Atenção Básica retaguarda assistencial, suporte técnico e de
educação permanente para o desenvolvimento das ações em saúde do trabalhador. Conclui
que a efetivação da política de saúde do trabalhador no SUS passa por tornar viável a
execução das ações de Saúde do Trabalhador em todos os níveis do sistema, em especial,
mediante a incorporação de ações na atenção básica, haja vista a possibilidade de
desenvolver as ações de prevenção e promoção da saúde.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador; Sistema Único de Saúde; políticas públicas.
ABSTRACT
This essay aims to present the structure of the health worker under the Brazilian
National Health System (SUS). There are presented historical and conceptual aspects, the
structure of the National Network of Occupational Health and action strategies to ensure
comprehensive care workers. The first health services focused on health workers were
recorded in the mid 80s, thanks to the mobilization of workers, under the influence of the
italian workers, in which worker participation was essential for the recognition of the risks
they were exposed in work. The health of the worker constitutes a field of knowledge and
practices whose purpose is to study, analyze and intervene in relations between labor and
health and disease, developed in the network of public health services. The creation of the
National Worker Health Care (RENAST) aimed at integrating the SUS services, deferent
levels of complexity, with a regionalized network of Centers of Reference in Occupational
Health to develop the role of makers and organizers in centers territory-wide intra and inter
actions of the worker health. Assume the role of poles irradiators of actions and ideas of
health surveillance, sanitary character and epidemiological basis. The CEREST passes to
act as matrix support giving teams in reference the primary care, care support, technical
support and continuing education for the development of actions in occupational health.
The effective policy of workers’ health in SUS goes through to secure the implementation
of the actions of ST on all levels of the system, in particular, through the merger of actions
in primary care, there are already considering the possibility of developing preventive
actions and health promotion.
Key-words: Occupational Health; Unified Health System; Public Policies.
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Este artigo tem por objetivo apresentar a estruturação da área da saúde do
trabalhador no âmbito do Sistema Único de Saúde. Inicialmente, são apresentados aspectos
histórico–conceituais. Em seguida, a estruturação da Rede Nacional de Atenção em Saúde
do Trabalhador e, por fim, apresenta-se o matriciamento das ações como um dispositivo a
garantir a atenção integral aos trabalhadores.
ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA ESTRUTURAÇÃO DA SAÚDE DO
TRABALHADOR NO SUS
Os primeiros serviços de saúde com foco na saúde dos trabalhadores foram
constituídos em meados dos anos 80, fruto da mobilização dos trabalhadores. Anterior à
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), foram organizados os primeiros serviços de
atenção à saúde do trabalhador na estrutura da rede básica de saúde, sob influência do
modelo operário italiano, no qual a participação dos trabalhadores era fundamental para o
reconhecimento dos riscos aos quais estavam expostos no trabalho (LACAZ, 1996;
MAENO & CARMO, 2005).
No contexto da rearticulação do movimento sindical brasileiro, as questões de
saúde no trabalho ganham espaço na agenda e as concepções construídas nesta área vão
assumindo lentamente o caráter de uma verdadeira contrapolítica (RIBEIRO et al., 1985)
porque adotam pressupostos que divergem das ideias hegemônicas da época. A produção
do conhecimento teórico e prático, por trabalhadores e profissionais de saúde, considerava
que “as condições de trabalho são determinadas pela posição que o trabalho ocupa na
sociedade em relação ao capital” (SATO: 1992, p. 104); que “a melhoria das condições de
trabalho passa necessariamente pela participação dos trabalhadores e pela integração do
saber do trabalhador com o conhecimento técnico-científico” (MAENO & CARMO:
2005, p. 68).
A abertura política, a mobilização sindical e dos movimentos sociais constituíram o
ambiente favorável à articulação dos primeiros programas de saúde do trabalhador do
Estado de São Paulo, cujo esforço era implantar ações de saúde pública com foco na
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intervenção nos ambientes de trabalho para eliminar os riscos à saúde dos trabalhadores
(COSTA et al.: 1989).
As políticas públicas de atenção à saúde dos trabalhadores germinaram sob os
auspícios do movimento em defesa de uma saúde pública que garantisse a toda população a
atenção e cuidado integral. A mobilização do movimento sindical e sanitário refletiu na
promulgação da Constituição Federal de 1998 e, posteriormente, na Lei Orgânica da Saúde
– Lei nº 8.080/90 (BRASIL: 1990a). No texto constitucional, a saúde foi definida como
direitos de todos os cidadãos e dever do Estado (BRASIL: 1988). No Sistema Único de
Saúde (SUS), os princípios estabelecidos definiram uma nova estratégia de atenção e
proteção aos trabalhadores. O princípio da universalidade estabeleceu a atenção a todos os
trabalhadores, independente do vínculo empregatício; o princípio da equidade conduziu à
atenção diferenciada para os trabalhadores em situações mais vulneráveis; e a integralidade
exigiu a articulação de ações intra e intersetoriais.
Deste modo, a legislação definiu que as ações em saúde do trabalhador devem
contemplar promoção, prevenção, assistência, reabilitação e vigilância à saúde, com
participação e controle social. A lei nº 8.142/90 dispõe sobre a participação da comunidade
na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros,
com as seguintes instâncias colegiadas: Conferência de Saúde e Conselho de Saúde
(BRASIL: 1990b).
Para Lacaz (1996), a área da saúde do trabalhador constitui um campo de
conhecimentos e práticas, cuja finalidade é estudar, analisar e intervir nas relações entre
trabalho e saúde e doença, desenvolvidas na rede de serviços de saúde pública.
A
emergência da área pode ser considerada:
Conceitualmente, pode-se dizer que a saúde do trabalhador surge
enquanto uma prática social instituinte, que se propõe a contribuir para
a transformação da realidade de saúde dos trabalhadores, e por extensão
da população como um todo, a partir da compreensão dos processos de
trabalho particulares, de forma articulada com o consumo de bens e
serviços e o conjunto de valores, crenças, idéias e representações sociais
próprios de um dado momento da história humana (DIAS: 1995, p. 27).
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Para a autora, as ações de saúde do trabalhador visam à mudança nos processo de
trabalho, por meio de uma abordagem transdisciplinar e intersetorial, com participação dos
trabalhadores. Trata-se, portanto, de um campo teórico e prático que exige a articulação de
diversos saberes.
Portanto, os instrumentos normativos da Saúde do Trabalhador, elaborados a partir
da vigência da carta magna de 88, divergem das diretrizes adotadas até então nas normas
legais relacionadas à segurança e medicina do trabalho, dispostas nas legislações
trabalhista e previdenciária, pois estas priorizavam os controles de saúde impondo uma
visão reducionista processo saúde-doença, conforme disposto a seguir:
Por terem um caráter normativo extremamente detalhado tornamse rígidas o suficiente para deixarem descoberta uma ampla gama de
situações. Além disso, baseiam-se na concepção do ‘homem-médio’, no
sentido estatístico do termo, o que exclui as variações individuais e a
variabilidade (SATO: 1992, p.106).
A implementação do SUS estruturou a área de atenção aos trabalhadores com
intervenções nos diferentes níveis (básico, especializado e urgência/emergência) e práticas
diversificadas na atenção e cuidado, na proteção e vigilância à saúde e no pronto
atendimento.
Em 2002, a Portaria MS/GM nº 1.679, criou a Rede Nacional de Atenção Integral à
Saúde do Trabalhador (RENAST), cujo objetivo é integrar os serviços do SUS, de
diferentes níveis de complexidade, estabelecendo um fluxo contínuo de financiamento para
os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST´s) habilitados (BRASIL,
2002). Em 2005, a Portaria MS/GM nº 2.437, ampliou a rede CEREST definindo que as
ações em Saúde do Trabalhador devem ser desenvolvidas, de forma descentralizada e
hierarquizada, em todos os níveis de atenção do SUS, incluindo as de promoção,
preventivas, curativas e de reabilitação. A implementação da RENAST dar-se-á com a
inclusão das ações de saúde do trabalhador na atenção básica, a implementação das ações
de promoção e vigilância em saúde do trabalhador e a instituição de serviços de Saúde do
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Trabalhador de retaguarda, chamados de Rede de Serviços Sentinela em Saúde do
Trabalhador (BRASIL: 2005).
A implementação de uma rede regionalizada de Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador pressupõe que estes não sejam portas de entrada do sistema de saúde pública,
mas desenvolvam o papel de centros articuladores e organizadores no seu território de
abrangência de ações intra e intersetoriais de saúde do trabalhador. Assumem a função de
pólos irradiadores de ações e ideias de vigilância em saúde, de caráter sanitário e de base
epidemiológica (BRASIL: 2006).
Assim, a partir desta data, os Programas de Saúde do Trabalhador (COSTA, et al.:
1989) ou os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST´s) passam a integrar a
rede nacional com a denominação de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
(CEREST´s) constituindo-se como serviços que integram a rede de atenção do SUS, em
nível especializado, articulando conhecimentos tecnológicos e participação social.
São estabelecidos dois tipos de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador: os
estaduais e os regionais, com foco na promoção de ações para melhorar as condições de
trabalho e a qualidade de vida do trabalhador. Atualmente, no Brasil, existem mais de 200
CEREST´s, regionais e estaduais, devendo ampliar para 210. No estado de São Paulo são
42 serviços dessa natureza (RENASTONLINE: 2012).
Os CEREST´s regionais têm as atribuições de suporte técnico, de educação
permanente, de capacitar a rede de serviços de saúde na estruturação da assistência,
promoção e vigilância à saúde dos trabalhadores. A vigilância em saúde tem por objetivo a
observação e análise permanente da situação de saúde da população, visando controlar os
determinantes, riscos e danos à saúde. As ações de vigilância da saúde do trabalhador
caracterizam-se por atividades de promoção e proteção, recuperação e reabilitação da
saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de
trabalho. A vigilância em saúde deve estar inserida em todos os níveis de atenção
articulando o conhecimento da vigilância epidemiológica, ambiental, sanitária e da saúde
do trabalhador, sendo a territorialização a base do trabalho das equipes de atenção básica
para a prática da vigilância em saúde (BRASIL: 2009).
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De acordo com o Manual da RENAST (BRASIL: 2011), as atribuições dos
CEREST´s abarcam as dimensões: político-institucional, por meio da articulação da
elaboração e da execução da Política de Saúde do Trabalhador loco-regional; gestão e
organização dos serviços, subsidiando o planejamento das ações transversais,
contribuindo na elaboração de projetos de cooperação técnica atendendo as prioridades
regionais, apoiando e incentivando a estruturação da rede de serviços sentinela 1; a
implementação das diretrizes clínicas e dos protocolos de atenção em saúde do
Trabalhador, dentre outras; vigilância e sistemas de informação, inclui o monitoramento
dos indicadores e análise das informações sobre a saúde dos trabalhadores, a produção de
dados e a referência para a investigação dos casos; formação em saúde do trabalhador,
desenvolvimento de ações de educação permanente, capacitação para fortalecimento da
rede e disseminação do conhecimento; ações intra e intersetoriais, ênfase na inserção das
ações de saúde do trabalhador nas linhas de cuidados em todos os níveis de organização do
SUS e articulação interinstitucional para vigilância dos processos produtivos e dos seus
impactos no meio ambiente; controle social, articulação e incentivo a ampla participação
dos trabalhadores e fortalecimento do controle social.
Deste modo, a estruturação da RENAST visa garantir, em todos os níveis do SUS, a
inclusão do olhar para a saúde dos trabalhadores, dentre outras estratégias, por meio da
ampliação da rede de CERESTs, cuja atribuição é disseminar e articular a inserção da
Saúde do Trabalhador na atenção básica e nos níveis de maior complexidade do sistema de
saúde; direcionada ao acompanhamento dos setores produtivos que se destacam na
determinação de agravos à saúde dos trabalhadores.
Deve-se, ainda, ressaltar que a Saúde do Trabalhador, enquanto política de saúde
pública, focaliza as atividade de trabalho, formal e informal, que ofereçam riscos à saúde e
à segurança dos trabalhadores e fomenta a participação dos trabalhadores.
1
A Rede Sentinela é composta por unidades de saúde (chamadas de unidades sentinela) que identificam,
investigam e notificam, quando confirmados, os casos de doenças, agravos e/ou acidentes relacionados ao
trabalho, de acordo com o art. 2º da Portaria GM/777, de 2004, criou a Rede Sentinela de Notificação
Compulsória de Acidentes e Doenças Relacionados ao Trabalho (BRASIL: 2004).
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A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora instituída pela
portaria 1.823, de 23 de agosto de 2012, estabelece que:
Art. 3º Todos os trabalhadores, homens e mulheres, independentemente
de sua localização, urbana ou rural, de sua forma de inserção no
mercado de trabalho, formal ou informal, de seu vínculo empregatício,
público ou privado, assalariado, autônomo, avulso, temporário,
cooperativados,
aprendiz,
estagiário,
doméstico,
aposentado
ou
desempregado são sujeitos desta Política.
Parágrafo único. A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora alinha-se com o conjunto de políticas de saúde no âmbito
do SUS, considerando a transversalidade das ações de saúde do
trabalhador e o trabalho como um dos determinantes do processo saúdedoença.
Art. 7º A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
deverá contemplar todos os trabalhadores priorizando, entretanto,
pessoas e grupos em situação de maior vulnerabilidade, como aqueles
inseridos em atividades ou em relações informais e precárias de trabalho,
em atividades de maior risco para a saúde, submetidos a formas nocivas
de discriminação, ou ao trabalho infantil, na perspectiva de superar
desigualdades sociais e de saúde e de buscar a equidade na atenção.
Parágrafo único. As pessoas e os grupos vulneráveis de que trata o
"caput" devem ser identificados e definidos a partir da análise da
situação de saúde local e regional e da discussão com a comunidade,
trabalhadores e outros atores sociais de interesse à saúde dos
trabalhadores, considerando-se suas especificidades e singularidades
culturais e sociais.
Art. 8º São objetivos da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora:
I - fortalecer a Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) e a
integração com os demais componentes da Vigilância em Saúde;
II - promover a saúde e ambientes e processos de trabalhos saudáveis;
III - garantir a integralidade na atenção à saúde do trabalhador, que
pressupõe a inserção de ações de saúde do trabalhador em todas as
instâncias e pontos da Rede de Atenção à Saúde do SUS, mediante
articulação e construção conjunta de protocolos, linhas de cuidado e
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matriciamento da saúde do trabalhador na assistência e nas estratégias e
dispositivos de organização e fluxos da rede;
IV - ampliar o entendimento de que de que a saúde do trabalhador deve
ser concebida como uma ação transversal, devendo a relação saúdetrabalho ser identificada em todos os pontos e instâncias da rede de
atenção;
V - incorporar a categoria trabalho como determinante do processo
saúde-doença dos indivíduos e da coletividade, incluindo-a nas análises
de situação de saúde e nas ações de promoção em saúde;
VI - assegurar que a identificação da situação do trabalho dos usuários
seja considerada nas ações e serviços de saúde do SUS e que a atividade
de trabalho realizada pelas pessoas, com as suas possíveis conseqüências
para a saúde, seja considerada no momento de cada intervenção em
saúde; e
VII - assegurar a qualidade da atenção à saúde do trabalhador usuário
do SUS (BRASIL: 2012).
Considerando as diretrizes da atual Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora discutiremos, neste artigo, os desafios para organização das ações em saúde
do trabalhador em âmbito municipal e suas as interfaces com a rede de saúde.
DESAFIOS ATUAIS: DISSEMINAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE DO TRABALHADOR
NA REDE SUS
O processo de implantação das ações em Saúde do Trabalhador por meio da
RENAST, tendo os CEREST´s como apoiadores técnicos, encontra dificuldades para
disseminar na rede do SUS as ações de saúde do trabalhador, pois
Embora a Renast atribua ao CEREST o papel de dar suporte
técnico e científico às intervenções em ST: […] a rede SUS ainda não
incorporou, de forma efetiva, em suas concepções, paradigmas e ações o
lugar que o Trabalho ocupa na vida dos indivíduos e suas relações com o
espaço socio-ambiental. Diante do crescimento do mercado informal, do
trabalho familiar e em domicílio, a inserção efetiva das ações de ST no
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SUS está diretamente relacionada à sua assimilação pela rede básica
(SANTOS & LACAZ: 2012, p. 1144).
O trabalho como determinante do processo saúde-doença ainda não foi incorporado
na prática das ações em saúde. Embora estudos e legislações divulguem amplamente o
potencial adoecedor do trabalho e seus impactos ao meio ambiente, na prática, fatores
relacionados à formação profissional, à falta de suporte técnico e às carências da rede de
atenção interferem na articulação das ações da rede de atenção em saúde do trabalhador
(CHIAVEGATTO: 2010).
Este contexto impõe o desafio de investigar o cotidiano das ações de saúde
tratando-o como um campo de problematização, proporcionando novas possibilidades de
apreensão e de produção do cuidado, para buscar quais são os dispositivos que podem
disparar movimentos transformadores na articulação da rede de saúde do trabalhador do
SUS.
Para Merhy (2002, p. 160) o cotidiano em saúde é o terreno da produção e da
cristalização dos modelos de atenção à saúde e, também, da produção de novos arranjos
que configuram “novos espaços de ação e novos sujeitos coletivos, bases para modificar o
sentido das ações de saúde, em direção ao campo das necessidades dos usuários finais”.
No atual contexto de articulação das ações em saúde do trabalhador, as equipes dos
CEREST´s são demandadas por necessidades dos trabalhadores atendidos nas unidades
básicas de saúde, por problemas identificados pelos agentes comunitários de saúde e outros
serviços da rede de saúde, portanto, para além dos muros do serviço especializado
emergem as necessidades do território.
Para reconhecer seu território de responsabilidade para além da
paisagem, não basta a equipe da unidade de saúde o olhar desarmado,
que não ultrapassa a superfície dos fenômenos. Recomenda-se a
aproximação com o olhar do antropólogo, que procura ativamente
estranhar o que lhe é familiar e familiarizar-se com o que lhe é estranho
(CHIESA & KON: 2007, p. 313).
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Este movimento das equipes dos CEREST´s tem como principal articulador a área
da Atenção Básica (AB) e suas equipes do Programa da Saúde da Família (PSF) e dos
Agentes Comunitários (PACS) que atuam com base na identificação dos problemas de
saúde nos territórios. Portanto, o CEREST passa atuar como apoiador matricial,
oferecendo, às equipes de referência da AB, retaguarda assistencial, suporte técnico e de
educação permanente para o desenvolvimento das ações em saúde do trabalhador.
Entende-se o apoio matricial como um arranjo institucional criado para promover a
interlocução entre as equipes de saúde, no qual há espaço permanente de diálogo, com o
intuito de ampliar as possibilidades de concretizar a clínica ampliada e oferecer retaguarda
especializada às equipes (CAMPOS & DOMITTI: 2007; BRASIL: 2003). Portanto, o
matriciamento produzido pelas equipes dos CEREST´s favorece o aprimoramento do olhar
da vigilância da saúde considerando os determinantes sociais, os riscos ambientais,
epidemiológicos e sanitários na compreensão dos problemas, ou seja, leva em conta os
múltiplos fatores envolvidos no processo de adoecimento e, também, o cuidado integral
aos trabalhadores, de acordo com a gravidade e complexidade do caso, com resolutividade.
Assim, as ações de atenção, proteção e vigilância priorizadas pelas equipes dos
CEREST´s se estruturam no contexto territorial para definir problemas e prioridades a
partir do reconhecimento das atividades produtivas e ocupacionais e das necessidades de
saúde
dos
grupos
de
trabalhadores.
Desempregados,
crianças
e
adolescentes
economicamente ativos, gestantes, trabalhadores em atividades perigosas em domicílio e
com deficiências constituem grupo de trabalhadores mais vulneráveis.
O território é entendido como o espaço onde vivem grupos sociais,
suas relações e condições de subsistência, de trabalho, de renda, de
habitação, de acesso à educação e o seu saber preexistente, como parte do
meio ambiente, possuidor de uma cultura, de concepções sobre saúde e
doença, de família, de sociedade, etc. Além de mudanças teóricas e
metodológicas que permitem a ampliação de tecnologias para fazer
frente aos problemas de saúde, a vigilância da saúde propõe que os
agentes sociais sejam os responsáveis pelo processo de definição de
problemas e pelo encaminhamento das soluções. O indivíduo é o objetivo
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final da vigilância da saúde, mas deve ser considerado parte da família,
da comunidade, do sistema social, do ambiente (CAMPOS: 2003, p. 578).
O autor considera que a saúde da família oferece um espaço no qual as práticas de
um novo modo de conceber o sistema de saúde podem ser exercitados a partir do
desenvolvimento de ações direcionadas à solução dos problemas específicos de cada
território, articulando os saberes das diversas áreas técnicas e contribuindo para que as
equipes locais possam estar capacitadas a tratar problemas de forma integral.
Diante dos desafios a serem superados para que a categoria trabalho passe a ser
considerada nas investigações clínicas, nas anamneses, nos grupos de acolhimento, tem se
mostrado potente a articulação das ações em saúde no trabalhador na atenção básica.
Verifica-se a disseminação dos conceitos e ações em saúde do trabalhador na rede do SUS
por meio das reflexões produzidas no cotidiano de trabalho. Deste modo, as ações de
educação permanente repercutem na reformulação do sistema e das práticas em serviço.
Alguns estudos e experiências municipais, nesta área, apontam que a estratégia do
matriciamento das ações e o aprimoramento do olhar da vigilância em saúde começam a
ser incorporados pela rede de saúde auxiliando na superação das dificuldades apresentadas.
A experiência do município de Amparo, interior do Estado de São Paulo, mostra que o
aumento do vínculo entre os profissionais da área da saúde do trabalhador e atenção básica
produziu “uma articulação intrasetorial sem precedentes na história do município, visto que
foram constituídos espaços de interlocução, com maior responsabilidade sobre a saúde dos
trabalhadores” (SANTOS & LACAZ: 2012, p. 1149).
As ações de matriciamento desenvolvidas pelas equipes da área da Saúde do
Trabalhador incluem a discussão de casos e apoio no desenvolvimento do plano
terapêutico adequado, elaboração do mapa de atividades produtivas do território e eleição
de prioridades considerando o perfil epidemiológico dos trabalhadores, suporte técnico nas
investigações dos agravos relacionados ao trabalho, orientações e capacitações
permanentes (SECRETARIA DE ESTADO DE MINAS GERAIS: 2011).
Dias, Bertolini e Pimenta (2011) apresentam, ainda, outras estratégias de ação no
cotidiano do trabalho articuladas entre as áreas de saúde do trabalhador e atenção básica
sustentadas no dispositivo do matriciamento, quais sejam: padronização de fluxos;
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notificação de todos os acidentes e doenças relacionados ao trabalho; publicação de lei
tornando obrigatória em todos os serviços de saúde do município a notificação de acidentes
e doenças do trabalho; reuniões periódicas; elaboração de material educativo em saúde do
trabalhador; eventos educativos.
O apoio matricial desenvolvido pelo Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador de Diadema, município da região do Grande ABC do estado de São Paulo, em
cinco Unidades Básicas de Saúde, propiciou a escuta aos profissionais da Atenção Básica,
privilegiando a reflexão quanto às questões biológicas, emocionais e sociais afetas à Saúde
do Trabalhador; enfatizou o papel do CEREST como retaguarda para os atendimentos;
fortaleceu o sistema de referência e contra referência e sensibilizou as equipes das
unidades na relação do processo de saúde e doença.
Os encaminhamentos dos trabalhadores por essas unidades básicas
ao CEREST tornaram-se mais próximos e efetivos, havendo troca de
informações e acompanhamento dos casos, seja via telefone, impresso,
referência e contra referência, ou nas reuniões, contribuindo, dessa
forma, para um atendimento efetivo, eficaz e integral à saúde do
trabalhador (KANASAWA, MONTEIRO & PINTOR: 2011, p. 34).
Deste modo, verifica-se que a implantação de ações intra e interinstitucionais
articulando os diversos atores envolvidos com o mundo do trabalho favorece um cuidado
integral ao trabalhador.
RELATO DE
UMA EXPERIÊNCIA:
A
CONSTRUÇÃO DAS
AÇÕES
DE
MATRICIAMENTO EM SAÚDE DO TRABALHADOR NO MUNICÍPIO DE SÃO
BERNARDO DO CAMPO
O CEREST de São Bernardo do Campo2, município localizado na região do Grande
ABC do estado de São Paulo, iniciou uma reestruturação na organização das suas ações em
2009 em consonância com as mudanças na política municipal de saúde. A organização da
2
O CEREST de São Bernardo do Campo tem abrangência municipal e a cidade possui uma população
estimada de 800 mil habitantes (PMSBC, 2012).
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atenção integral à Saúde do Trabalhador apoiou-se no plano de gestão do sistema em que a
AB é ordenadora do cuidado. Deste modo, passa a ser atribuição do CEREST oferecer
suporte técnico ao trabalho das equipes da rede de saúde.
As ações de matriciamento na área da saúde do trabalhador foram definidas com
foco em três prioridades:
Articular as ações em saúde do trabalhador e saúde mental, considerando os dados
insipientes de notificação de casos no município e as dificuldades inerentes à estruturação
das duas áreas, conforme disposto por Bernardo e Garbin (2011).
Acolher os trabalhadores, independente do vínculo empregatício, inserindo-os na
rede de atenção e cuidado, por meio da rede básica, reconhecer os potenciais riscos e
perigos para a saúde e o meio ambiente decorrentes das atividades produtivas e identificar
o perfil de morbimortalidade dos trabalhadores do município visando ofertar uma atenção
integral qualificada, à luz da experiência de Dias, Bertolini e Pimenta (2011).
Investigar os acidentes graves, fatais e com trabalhadores adolescentes ocorridos no
município ampliando as ações de vigilância em saúde e as notificações das situações de
violência e acidentes e intoxicações no trabalho visando à adoção de medidas de prevenção
e controle nos ambientes e locais de trabalho, conforme estudado por Cordeiro et. al.
(2005).
Os primeiros resultados sinalizam a crescente incorporação das ações de saúde do
trabalhador pela rede de saúde. O processo de trabalho da equipe do CEREST foi
reorganizado com foco nas novas atribuições do serviço, deste modo, foram visitadas todas
as unidades de urgência e emergência para apresentação e discussão de uma ficha de
notificação dos acidentes de trabalho atendidos na rede. O Relatório de Atendimento de
Acidente de Trabalho (RAAT) foi apreciado pela rede e recolhidas sugestões de mudanças.
A implantação desta ficha de notificação representou o aumento do número de registros,
maior agilidade nas ações de vigilância, em relação à ocorrência do acidente, a inclusão de
inspeções em situações de trabalho informal e o acompanhamento da conduta terapêutica
conjuntamente com o serviço de saúde. Foi iniciada a notificação dos agravos relacionados
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ao trabalho pela rede pública e privada de serviços de saúde do município possibilitando a
reorganização da rede de serviços sentinelas.
Outra estratégia articulada em rede foi o registro dos casos de violência
relacionados ao trabalho notificados pelas unidades de saúde, que desencadearam a
investigação pela equipe do CEREST, integrando a Rede de Atenção às Pessoas em
Situação de Violência (SECRETARIA DE SAÚDE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO:
2010). As situações de violência notificadas evidenciaram a violência física e psicológica
vivenciada por trabalhadores do mercado formal e informal. As intervenções foram
direcionadas ao cuidado do usuário e às ações de vigilâncias nos locais.
Outra temática importante refere-se à saúde mental no trabalho pautada na agenda
municipal de saúde em SBC. O reconhecimento das demandas apresentadas por
trabalhadores do setor público de saúde, dentre eles os agentes comunitários de saúde,
impulsionaram a Secretaria de Saúde de São Bernardo do Campo a introduzir o tema na
agenda de discussão das áreas da saúde do trabalhador, saúde mental e na atenção básica,
prioritariamente. Os principais objetivos foram: disseminar as discussões sobre a
preservação da saúde mental no trabalho na sociedade, aos profissionais de saúde, aos
trabalhadores, sindicalistas, empregadores...; reconhecer os transtornos mentais decorrentes
do trabalho, notificar os casos e promover intervenções nos locais de trabalho; ofertar
projetos terapêuticos aos trabalhadores nos processos de adoecimento relacionados ao
trabalho e reconhecer a ocorrência desses casos como um evento sentinela para
desencadear a investigação.
Foi constituído um grupo de trabalho com profissionais do CEREST, das áreas de
Saúde Mental e de Atenção Básica para reconhecer a problemática e estruturar propostas
de ações, em rede, articulando cuidado e prevenção no âmbito da secretaria e para a
população trabalhadora. Os principais resultados obtidos neste percurso foram: o
acolhimento e cuidados aos casos identificados de sofrimento mental; as rodas de conversa
com chefias e trabalhadores ofertando espaços de escuta no âmbito da Atenção Básica;
notificações dos casos no CEREST e na Atenção Básica; organização de evento para
discussão da saúde mental na rede de saúde municipal; oficina para definição dos temas a
serem trabalhados no Programa de Educação pelo Trabalho (PET Saúde), com ênfase nos
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processos de trabalho dos agentes comunitários de saúde; realização do VI Seminário
Regional sobre Saúde Mental e Trabalho; inspeções em locais de trabalho com registro de
violências, agressões e assédio moral no trabalho.
O aprimoramento das orientações ao trabalhador sobre a sua situação de saúde e a
relação com o trabalho e os direitos foi desencadeado em reuniões e discussões de casos
com os profissionais das unidades. Os profissionais puderam acompanhar períodos de
atendimentos ao trabalhador no próprio CEREST. Ainda, com o intuito de desenvolver
ações estratégias intersetoriais, no âmbito da educação em saúde, a equipe do CEREST
passou a desenvolver atividades educativas, Rodas de Conversa sobre Saúde do
Trabalhador, ao público atendido na Central de Trabalho e Renda 3, equipamento que
oferece reinserção no mercado de trabalho e requalificação profissional, como o objetivo
ofertar os serviços do CEREST orientando a população quanto às medidas preventivas e de
promoção à saúde e introduzir a temática da Saúde do Trabalhador na agenda das ações
municipais relacionadas ao trabalho. Verifica-se que há desinformação por parte da
população no que se refere à temática da saúde do trabalhador, o que pode limitar a
percepção de riscos em ambiente de trabalho, e o interesse, quando manifestado, decorre
da vivência de um acidente ou doenças no trabalho, o que indica a necessidade de se
investir mais em ações educativas/ preventivas, não somente nas empresas, mas também
em instituições de formação, haja vista que alguns dos participantes relatavam ter feito
cursos em diversas áreas, porém desconheciam o serviço CEREST e os direitos em
situações de agravo à saúde decorrente do trabalho.
As situações de vulnerabilidade social e as precárias condições de trabalho
constatadas nos estabelecimentos que lidam com materiais recicláveis promoveram
incômodos na equipe, pois se constata que a reciclagem é umas das alternativas para o
tratamento dos resíduos urbanos e contribui diretamente para a conservação do meio
ambiente, porém, muitas vezes, a cadeia produtiva envolve catadores ou cooperativas de
trabalho dos programas de coleta seletiva, que se encontram em situações precárias. Nestes
3
A Central de Trabalho e Renda integra os serviços oferecidos pela Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Trabalho e Turismo à população.
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casos, identificam-se, na atividade laboral, diversos riscos à saúde dos trabalhadores, estes,
muitas vezes, com grau de parentesco ou uma rede de apoio social, que buscam
alternativas ao desemprego conseguindo renda para manterem suas famílias. A equipe do
CEREST, juntamente com a equipe da Vigilância Ambiental, ao se deparar com a
demanda de inspeção nos locais, advinda de órgãos públicos, vizinhanças, população,
profissionais etc., realizou a vigilância e reconheceu imediatamente que, os instrumentos
tradicionais utilizados em inspeções sanitárias de trabalho não alcançariam os objetivos de
uma intervenção em prol da saúde dos trabalhadores envolvidos, da população do entorno
e benefícios ambientais. Diante dos desafios apresentados, optou-se pela estruturação de
intervenções a partir das equipes de saúde do território, com a participação das agentes
comunitárias de saúde e da equipe das unidades básicas, com ênfase no diálogo e análise
psicossocial. Foram realizadas orientações de caráter preventivo, atualização das
vacinações, indicação do uso de equipamento de proteção individual, organização geral
dos materiais e do ambiente de trabalho, avaliação social dos trabalhadores e orientações
previdenciárias e dos programas sociais. As equipes de saúde incluíram estes
estabelecimentos em suas visitas e os trabalhadores passaram a usar os serviços da
unidade. Foram dados os passos iniciais para a participação da equipe do CEREST e da
Vigilância Ambiental na construção de projetos terapêuticos envolvendo este público de
trabalhadores.
A estreita relação entre as áreas da saúde do trabalhador e a vigilância ambiental
tem pautado discussões relativas aos processos de degradação ambiental e suas
repercussões à saúde humana. Para a equipe apresentou-se como um desafio dialogar com
a rede de saúde sobre a forma como vivemos, as marcas no meio ambiente e os impactos à
saúde. Desta forma, foi planejada a oficina Pegada Ecológica: que marca deixamos no
planeta? As oficinas foram desenvolvidas nas unidades de saúde, com trabalhadores e
usuários, oferecendo um espaço de reflexão e vivência para descobrir qual o impacto de
pequenos gestos do nosso dia-a-dia na natureza. A Pegada Ecológica foi criada para ajudar
a perceber o quanto de recursos naturais é utilizado para sustentar o estilo de vida,
incluindo usos da água, energia, alimentação, consumo e descarte de lixo, transporte, entre
outros, por isso os “rastros” e “pegadas” podem ser maiores ou menores, dependendo de
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como caminhamos. Outra questão abordada nas oficinas tratou dos resíduos dos serviços
de saúde e potencial de risco para a saúde dos trabalhadores e para o meio ambiente e a
população (GALLO et al.: 2012).
O olhar sobre este processo de implantação das ações de saúde do trabalhador nos
serviços da rede de saúde do município de São Bernardo do Campo indica que a estratégia
de matriciamento, promovendo um diálogo entre as equipes, e as atividades de educação
permanente possibilitaram reestruturar o processo de trabalho na equipe do CEREST de
SBC com foco na melhor identificação das necessidades da população adscrita no
território, de acordo com as características das atividades produtivas, perquirindo uma
atenção integral e resolutiva ao trabalhador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A efetivação da política de saúde do trabalhador no SUS passa por tornar viável a
execução das ações de ST em todos os níveis do sistema, em especial, mediante a
incorporação de ações na atenção básica, haja vista a possibilidade de desenvolver as ações
de prevenção e promoção da saúde. Assim, poderão ser atendidas as diretrizes da política
nacional fortalecendo a vigilância em ST, promovendo à saúde e ambientes de trabalho
saudáveis e garantindo a integralidade na atenção à saúde dos trabalhadores.
A implementação da atual política nacional de saúde do trabalhador e trabalhador
pressupõe a adoção de novos paradigmas para estruturação das ações nesta área, portanto
trata-se de considerar as prioridades de maior vulnerabilidade em saúde do trabalhador:
chefe da família desempregado ou subempregado, crianças e adolescentes trabalhando,
gestantes, portadores de algum agravo à saúde relacionado com o trabalho e atividades
produtivas no domicílio, com o olhar para o território. As estratégias de ação devem
constituir o apoio matricial visando o exercício de práticas interdisciplinares na perspectiva
da clínica ampliada, da promoção e da vigilância em saúde do trabalhador com o
fortalecimento da participação da comunidade, dos trabalhadores e do controle social.
A incorporação das ações de Saúde do Trabalhador nas redes de atenção à saúde
apresenta-se como um desafio. Incluir o trabalho como determinante do processo saúde-
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doença e, portanto, investigado como tal, é uma meta a ser perseguida e uma atribuição da
área de saúde do trabalhador.
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