Claudio Vaz
refúgio
criativo
É no ateliê, onde
já chegou a
passar 16 horas
ininterruptas
pintando, que
Reconstrução
traçada
Patric Chagas
patric.chagas!diariosm.com.br
Quem caminha pelas ruas da
pacata Itaara não imagina, mas em
uma delas,há algo grande acontecendo. Essa é a sensação de quem cruza
o verde das cercas vivas e adentra a
casa de tijolos à vista, onde o incansável artista plástico João Luiz Roth
se refugia. Aos 63 anos, Tite, como
também é conhecido, passa por um
difícil processo de reconstrução.
Tite sempre levou uma vida agitada. Graduado em Desenho e Plástica
pela UFSM e com pós-graduação na
Escuela Superior de Bellas Artes de
San Fernando, na Espanha, também
é doutor em Letras pela PUC-RS.
Atuando como profissional desde
1971, participou de dezenas de exposições mostrando suas criações
em salões de arte de países como
Estados Unidos, Grécia e França. Ao
longo da carreira, recebeu inúmeros
prêmios e distinções, além de encarar as secretarias municipais de Cultura e de Educação.
Há cerca de dois anos, passou por
uma mudança drástica em sua rotina. Após sofrer um aneurisma, ficou
11 dias na UTI. Com o lado esquerdo
do corpo paralisado, Tite precisou
de dedicação e muitas sessões de
fisioterapia e de fonoaudiologia para
reaprender coisa básicas como falar.
Nesse período, no qual não tinha
ânimo para nada, surgiu também o
apoio irrestrito dos amigos e, principalmente, da família.
– Não sabia que tinha tantos
amigos. É algo extremamente positivo. Todos sempre tiveram muita
generosidade comigo no sentido de
estimular e dar força – conta.
Repentinamente jogado em um
“vácuo”, acabou enchendo o saco
desse “período de grande vazio”.
Sem poder trabalhar, resolveu retomar seu verdadeiro ofício: as artes.
Apoiado em uma bengala, desce
cotidianamente o lance de escadas
que o leva ao seu ateliê particular. Na
sala simples, onde pinceis são vistos
por todos os lados, vem reaprendo
a se perder no silêncio e, traço após
traço, exercita seu olhar detalhista.
– São caminhadas com grandes
desafios. Embora tenha sido do lado
esquerdo, afetou o direito (ele é destro). É um exercício de superação.
É lógico que o resultado está muito
aquém. Mas a gente vem insistindo e
fazendo.Vou devagarinho, sem muita pretensão – conta, emocionado.
Ao que parece, o desânimo foi definitivamente deixado para trás. Rodeado de quadros e de uma coleção
de chapéus, Tite revela estar cheio de
planos. Por insistência dos amigos,
retomou um antigo projeto de publicar seus desenhos no Facebook.
A ideia de montar uma exposição,
segundo ele, “está sempre na cabe-
A série Grandes
Mestres destaca a
retomada do artista
João Luiz Roth
ça”. Ontem, uma aluna da UFSM –
onde lecionou por mais de 30 anos
– começaria a ajudá-lo a catalogar
cerca de 300 obras, que vão dos retratos aos “desenhos e experiências”.
Também iniciou um estudo sobre
Teogonia, poema grego que conta a
gênese do universo e o nascimento
dos deuses primitivos.
– É uma história cheia de arabescos que estou estudando para
entender como posso representá-la
– adianta Tite.
Quando levou a série Reprise
a Porto Alegre, em 1979, Tite não
apresentou comentários críticos ou
mesmo dados sobre seu currículo. O
motivo: acreditava que era chegada
a hora de a obra falar por si mesma.
Passados mais de 35 anos da exposição, na qual mostrava sua convicção de que apenas a natureza se
perpetua, a história parece se repetir.
Afinal, por mais enferrujado que
acredite estar, sua minuciosa construção de traços em bico de pena e
aquarela, que forma uma detalhada
trama de tons que passeiam entre o
branco e o preto com maestria, segue discursando em causa própria.
– Não mudei a forma de desenhar porque é o que sei fazer. É lógico que agora sinto como se estivesse na prorrogação. Então, tudo para
mim tem um sabor muito grande.
Sempre cabe um traço a mais –
conclui o artista incansável.
santa maria
quarta-feira
20 maio 2015
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Reconstrução traçada