A CRISE DA AVIAÇÃO COMERCIAL E O PROCESSO DE (RE)CAPITALIZAÇÃO DA
VARIG
CÉSAR BARBIERI
ADMINISTRADOR – VARIG
PROF.A DR.A ROSALINDA CHEDIAN PIMENTEL
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO E COMERCIO EXTERIOR- UNIVERSIDADE
DE RIBEIRÃO PRETO- UNAERP- RIBEIRÃO PRETO, SÃO PAULO, BRASIL
Resumo
O mercado aeronáutico nacional e internacional, enfrenta atualmente uma série de
problemas econômico-financeiros. As empresas têm recorrido a procedimentos e ações, visando
reduzir seus custos operacionais, reavaliar seus investimentos, recursos patrimoniais e humanos
para se adequarem à transformação do mercado, que reduziu substancialmente sua demanda. O
objetivo do artigo é apresentar um breve histórico sobre a aviação comercial, analisando os
principais motivos relacionados à crise que afeta o desempenho das empresas aéreas, e
destacando a importância da VARIG, desde a sua implantação, sua atuação no mercado, bem
como as contingências que vêm afetando a operacionalização das atividades daquela companhia
aérea e os esforços no sentido de preservá-la no mercado.
PALAVRAS-CHAVES: Aviação, Fusão.
Abstract
The national and international aeronautic market, faces a diversity of economic-financial
problems. The companies have adopted actions, intending to reduce their operational costs, to
(re)estimate their investments, human and patrimonial resources to apply to the market changes
and challenges, which have decreased drastically its demand. The goal of this paper is to show up
a brief history about the commercial aviation, analyzing the causes related to the present crisis
that affect the air companies performance, highlighting the VARIG´s importance, from its
beginning, its actuation in the market, to the difficulties that have been affecting the operational
activities and the effort to keep the company in the market.
KEY-WORDS: Aviation, fusion.
A CRISE DA AVIAÇÃO COMERCIAL E O PROCESSO DE (RE)CAPITALIZAÇÃO DA
VARIG
Introdução
Atualmente, as empresas da aviação comercial têm enfrentado uma série de dificuldades,
no que tange à operacionalização de suas atividades frente à economia oscilante e ao mercado de
extrema concorrência. Esse cenário, muitas vezes, as obriga a diminuir os preços de venda de
bilhetes aéreos, acarretando diminuição crescente das receitas operacionais em detrimento do
aumento de seus custos operacionais. A grande maioria acumulou pesados prejuízos nos últimos
anos, que acabaram por gerar alto estoque de dívidas.
O presente trabalho visa analisar os problemas da indústria da aviação comercial brasileira
e internacional, os motivos do endividamento e queda da rentabilidade das empresas aéreas e o
conseqüente agravamento das operações nacionais e internacionais.
Dentro desse contexto, é destacada a situação econômico-financeira da VARIG, a maior
empresa de aviação comercial da América Latina1, e as ações que vêm sendo adotadas, visando
encontrar soluções viáveis para o processo de reestruturação e de (re)capitalização da empresa.
São abordadas as estratégias adotadas pela presidência, assim como o processo de renegociação
das dívidas com os principais credores: a GE, a BR-Distribuidora, a Infraero, o UNIBANCO e
Banco do Brasil, e os respectivos resultados para a empresa e para o mercado nacional da
aviação.
Também, são estudadas as medidas governamentais implementadas e os acordos de
entendimentos, assim como a abertura de capital da VARIG para novos aportes e investimentos
estrangeiros, como forma de controlar o crescente endividamento, na tentativa de aumentar a
receita e diminuir constantemente os custos de operação.
Apesar dos problemas enfrentados, a VARIG ainda prova ser uma empresa econômica e
operacionalmente viável, haja vista os resultados obtidos nos últimos anos. Continua suas
operações com êxito e satisfação de seus clientes, honrando o título de melhor companhia aérea
brasileira.
A Indústria da aviação brasileira
A indústria de aviação, criada há menos de 90 anos, desenvolveu-se rapidamente e ocupa
hoje uma posição de relevo no contexto mundial de produtos e serviços de alto valor agregado.
Com destaque, o transporte aéreo de passageiros e de cargas, com sua capacidade de se deslocar
velozmente, firmou-se como opção segura para o tráfego rápido, estabelecendo uma expressiva
rede de comunicação, que na atualidade cobre um amplo número de localidades e países em
todos os continentes.
O impacto econômico deste modal de transporte no mundo moderno é expressivo,
constituindo-se em um dos maiores negócios integrados, mostrando significativos números:
• “ emprega mais de 40 milhões de pessoas especializadas, de elevado poder de compra,
contribuindo significativamente para o giro econômico da riqueza mundial;
• constitui-se num dos maiores exportadores, produzindo expressivos resultados positivos
nas contas do comércio exterior de uma quantidade de países, em particular do primeiro
mundo;
1
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 2002.
•
•
mais de 1,7 bilhões de passageiros foram transportados no último ano;
o turismo foi largamente incrementado pelo transporte aéreo, tornando-se numa atividade
comercial essencial nas mais diferentes regiões do Globo;
• mais de 400 milhões de toneladas-quilômetro de carga, têm sido deslocadas pelo ar a cada
ano, desde a última década do Século XX, mostrando acentuada e constante taxa de
crescimento;
• o setor por inteiro, considerando as atividades industriais e comerciais, diretas e indiretas,
além do movimento nos modernos aeroportos metropolitanos - hoje verdadeiras cidades -,
gera pelo menos 10 trilhões de dólares de transações anualmente”. ( )
Os dados dessa atividade pesam em qualquer análise e, embora levando-se em conta o
caráter ainda elitista do transporte aéreo, os custos incidentes sobre as operações dificultam sua
penetração na gama dos serviços prestados às classes de rendas mais baixas das populações
mundiais.
A partir da década dos 1980, os textos legais que normatizam as empresas e operadores
mundiais, passaram a ser vistos pela ótica da simplificação, garantidos por regulamentos mais
fáceis de serem observados e sob fiscalização mais eficaz. Foram constituídos métodos visando a
redução das interferências exageradas dos governos, em prol de níveis mais altos de eficiência e
de custos mais baixos.
O Brasil, infelizmente, atrasou-se neste processo de mudanças e, em 2001, o governo
passou a buscar fórmulas para a criação de novas bases regulamentares. Entre elas foi concebida
a criação de uma Agência Nacional de Aviação Civil, independente, como órgão central do
sistema de gerenciamento das concessões de serviço público no setor. Inicia-se, portanto, no
alvorecer do Século XXI o debate público para determinar qual tipo de serviço a sociedade
brasileira deseja dispor. De modo objetivo, o público está interessado numa oferta de serviços
eficiente, abrangente, em permanente disponibilidade e de custos progressivamente mais baixos,
num contexto de crescentes níveis de segurança, tanto no setor doméstico como no internacional.
Para que tudo isto possa se tornar realidade, ações mais transparentes precisam ser
colocadas no centro das discussões. A competição necessária pode ser harmonizada com as
dimensões do negócio, gerando investimentos possíveis num país que participa com não mais
1,5% do tráfego mundial2. Enfim, o Brasil oferece um mercado de menores dimensões, quando
comparado com o gigantesco movimento internacional de pessoas e cargas que se deslocam pelo
ar .
O ano de 2001, desde cedo, se apresentou difícil, não apenas para o Brasil, mas de forma
geral para todos os mercados. Os balanços das principais empresas de transporte aéreo norteamericano registraram perdas líquidas bastante acentuadas. Na Europa não foi diferente. As
principais empresas brasileiras, no mesmo período, perderam cerca de um bilhão de Reais,
registrado em suas demonstrações de resultados. Como causa fundamental, os analistas
responsabilizam a redução da dinâmica e do ritmo de prosperidade da economia dos Estados
Unidos, que se refletiu diretamente em todos os outros países do mundo, por conta da
globalização crescente da economia internacional.
As estatísticas mostraram um claro declínio da demanda de passageiros iniciados no
primeiro semestre, ao mesmo tempo em que se observou um acentuado aumento da oferta nos
mercados de maior demanda e rentabilidade. Isto foi certamente agravado pelo nascimento de
uma série de novas empresas, as quais, não influenciadas por fatores do passado, estão se
()
2
SILVA, Ozires. Relatório Anual: mensagem do presidente, 2001 (www.varig.com).
Fonte: dados extraídos da página da VARIG na Internet; acesso em agosto/2002 (www.varig.com)
mostrando capazes de ocupar espaços no mercado e induzir os passageiros a conseguir suas
viagens, pela via atrativa de passagens a preços mais baixos, como é o caso da GOL Linhas
Aéreas. Embora estas novas empresas, que se intitularam de “baixo custo”, estejam longe de
oferecer a multiplicidade de serviços globais, passaram a ser vistas como uma nova solução que
deveria ser copiada pelas tradicionais marcas presentes no mercado. Entretanto, os problemas
estruturais que dificultam o trabalho das operadoras mais antigas, estão presentes e, se nada for
feito para alterar esse cenário, “as novas”, poderão sofrer, em futuro não muito distante,
dificuldades semelhantes de resultado e de liquidez.
Portanto, a situação do transporte aéreo que já não era adequada antes de 11 de Setembro
de 2001, piorou consideravelmente depois dos ataques que atingiram Nova York e Washington.
Os eventos de setembro nos EUA só fizeram agravar a já difícil situação do transporte aéreo em
todo o mundo. Nesse contexto, as empresas brasileiras de aviação enfrentaram crescentes
problemas operacionais e de caixa e, a partir do último trimestre de 2001, tiveram de se desdobrar
para manterem as suas operações.
No exterior, ocorreram reações rápidas de empresas e de governos. Cortes de custos, de
investimentos, demissões, redução das encomendas de novos aviões, supressão de vôos para
destinos menos rentáveis, etc. Do lado governamental, a reação mais rápida veio dos Estados
Unidos. Lá, o Congresso reagiu com rapidez. Apenas 11 dias corridos após a destruição do World
Trade Center e de parte do Pentágono, o Presidente norte-americano foi autorizado a oferecer
alternativas de subsídios diretos às empresas, garantias para o levantamento de empréstimos,
suspensão temporária de impostos e modificação das legislações relativas aos custos de infraestrutura e aos de segurança nos aeroportos, disponibilizando apoio adicional para a cobertura
dos novos níveis de seguros de responsabilidade civil.
No Brasil, ainda em setembro de 2001, foram iniciadas as negociações com todos os
arrendadores de aeronaves com o objetivo de reduzir os preços de aluguéis aos novos níveis de
mercado. Ao final do exercício de 2001, o Governo, através da criação do Fórum de
Competitividade, iniciou os estudos para melhoria de trabalho, de regulamentação e de tributação
sobre o setor, para que se mostrasse competitivo e equivalente com o que aconteceu no exterior.
As negociações, praticamente encerradas em dezembro de 2001, determinaram economias anuais
da ordem de US$ 90 milhões (segundo os relatórios financeiros) e a extensão dos contratos e das
novas condições de preços, por dois anos adicionais aos prazos anteriores.
Na VARIG, tais eventos motivaram um amplo programa de ajustes das operações,
envolvendo redução e cancelamento de serviços, desativação de aeronaves mais antigas (frota
Boeing 737-200), renegociação de contratos – em especial de “leasing” de aeronaves –, redução
dos quadros de pessoal e outras medidas, que trariam economias anuais da ordem de US$180
milhões e, portanto, com melhoria nos indicadores de competitividade.
Com poucas exceções, 2001 foi um ano de desempenho fraco para todas as
transportadoras mundiais. Praticamente a totalidade delas conseguiu porcentagens de
rentabilidade que, de nenhum modo, puderam satisfazer os acionistas. No caso brasileiro, e em
especial a VARIG, cuja operação internacional representa a maior parcela das receitas e custos, o
quadro foi agravado pelos:
• “impostos bastante mais altos do que os que afetam os concorrentes internacionais;
• custos de operação da infra-estrutura em geral maiores do que os encontrados em países
que ostentam as melhores empresas do setor;
• combustíveis e lubrificantes que, onerados pela tributação, aumentam significativamente
os custos operacionais;
•
compras financiadas dos aviões importados (praticamente a totalidade) mais onerosas,
com prazos menores do que aqueles conseguidos pelas concorrentes americanas e
européias;
• estoques de peças de reposição os quais, devido às dificuldades para importação, são mais
altos do que, por exemplo, as empresas norte-americanas e européias (pátrias dos usuais
fornecedores de equipamentos e componentes aeronáuticos)”. ( )
Embora este quadro seja pouco favorável, é forçoso reconhecer que as empresas e as
autoridades aeronáuticas têm feito um esforço significativo tanto do ponto de vista operacional
como de segurança de vôo, ostentando o Brasil os melhores índices do mundo.
VARIG – Sua história e seu comportamento atual no mercado
No ano de 1927, a aviação comercial alça seus primeiros vôos no mundo. No Brasil, numa
pequena sala da Associação Comercial de Porto Alegre, ocorreu uma reunião de idealistas – mais
audaciosos que sonhadores – tendo à frente Otto Ernst Meyer, o criador da VARIG, marcando a
decolagem do primeiro e mais importante capítulo da história do transporte aéreo brasileiro. Em 7
de maio de 1927, nascia a S.A Empresa de Aviação Aérea Rio-Grandense, a VARIG. Os
estatutos da empresa, aprovados pelos primeiros acionistas, eram não mais do que um documento
com vários propósitos e muitas assinaturas, símbolos de compromissos pela construção de um
ideal que a história provou ser nobre e que é motivo de orgulho para o Brasil e para os brasileiros.
Durante 15 anos, Otto Ernst Meyer dirigiu a VARIG, tendo Ruben Berta sempre a seu
lado. Em 1941, quando o Brasil tomou posição na guerra ao lado dos Aliados contra a Alemanha,
Otto Ernst Meyer, considerando sua origem e para evitar possíveis dificuldades à empresa, achou
por bem renunciar à presidência, embora fosse instado a não fazê-lo. Ruben Berta foi, então,
eleito presidente. Começava uma nova fase na vida da VARIG, sendo uma das primeiras
iniciativas de Berta um novo plano de rotas domésticas e internacionais.
Depois de ter assumido a presidência da VARIG e de estruturar a empresa para enfrentar
um novo estágio de expansão no pós-guerra, Berta conquistou uma vitória mais decisiva que
qualquer progresso técnico: a lealdade e a admiração de seus funcionários. Ao fim da II Guerra
Mundial, com a empresa em ritmo de franco desenvolvimento, resolveu dar novos rumos à
valorização do empregado e às suas relações com o empregador. Com esse propósito, aproveitou
a Assembléia Geral de Acionistas, realizada em 29 de outubro de 1945, para apresentar uma
proposta que surpreendeu a todos: sugerir a transferência de metade das ações da empresa para
uma Fundação de Funcionários que idealizara, com base em suas convicções pessoais, no
Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau, e nos princípios da Encíclica Rerum Novarum, do
Papa Leão XIII.
A iniciativa representava idéias socialmente muito avançadas, gerando benefícios e
aplicando o conceito de co-participação, que só anos mais tarde seriam incorporados à legislação
dos países mais adiantados. A proposta foi aprovada por unanimidade, constituíndo-se, então, a
Fundação dos Funcionários da Varig que, em 1966, passou a se chamar Fundação Ruben Berta.
Do primeiro avião – o Atlântico, 9 passageiros, 180 Km/horários – ao Boeing 777 de hoje
(o avião comercial mais moderno do mundo), com capacidade para transportar mais de 400
passageiros a uma velocidade de quase mil Km/horários, conta-se uma verdadeira epopéia de
homens e máquinas, onde o nome Ruben Berta – o primeiro funcionário da VARIG e seu
()
SILVA, Ozires. Relatório Anual: mensagem do presidente, 2001(www.varig.com).
presidente de 1941 a 1966, quando faleceu – destaca-se não apenas como um símbolo, mas como
exemplo de desprendimento e dedicação à Organização.
Após várias sucessões de presidentes na companhia, Ozires Silva foi escolhido como
novo ocupante do cargo, em maio de 2000. Com um dos currículos mais ricos entre os
administradores públicos e privados do país, mestre em Ciências Aeronáuticas pelo California
Institute of Technology, Ozires foi fundador e presidente da EMBRAER durante 17 anos.
Ozires Silva, com o pleno e integral apoio da Fundação, adotou várias medidas para a
redução de custos, inclusive a dispensa de grande número de colaboradores, das quais resultou
economia equivalente a US$ 262 milhões anuais. Além disso, foram cortados US$ 370 milhões
de dívidas, por negociação conduzida com a Boeing. Ozires Silva, porém, renunciou ao cargo em
meados de 2002, em meio a um período de muitas dificuldades econônico-financeiras enfrentadas
pelo endividamento crescente e incontrolável da empresa.
Assumiu, então, Arnim Lore com a responsabilidade de renegociar as dívidas da empresa
e criar uma estratégia de (re)capitalização para a Varig. Porém, as estratégias de Arnim Lore
contrariavam os interesses dos dirigentes da Fundação Ruben Berta. Arnim renunciou em
novembro de 2002, para assumir o cargo de diretor-presidente da empresa, o Sr. Manuel Eduardo
Domingues Guedes.
O Comportamento da VARIG no Brasil
Numa economia globalizada e em clima de incerteza interna e externa, o Brasil enfrentou
nos últimos anos a desaceleração da indústria, do comércio e da área de serviços, provocada pela
queda da renda da maioria da sociedade, que não ficou a salvo dos indesejáveis desequilíbrios,
levando inúmeras empresas à insolvência e à paralisação, com a eliminação de centenas de
milhares de postos de trabalho. Os efeitos danosos deste panorama começaram a ser diretamente
sentidos pela aviação comercial brasileira a partir do congelamento das tarifas aéreas, ditado pelo
chamado "Plano Cruzado", em 1986.
A VARIG, com um contingente de 20 mil funcionários e cerca de 95 mil pessoas
dependentes das atividades de todo o Grupo (do qual fazem parte Rio Sul, Nordeste, SATA e
Rede Tropical de Hotéis), como as demais congêneres nacionais, começaram, desde então, a
acumular prejuízos motivados pela defasagem entre preço de venda e custo de operação, situação
que permanece até os dias de hoje.
A gravidade do problema, exposto ao Governo Federal pelo SNEA – Sindicato Nacional
das Empresas Aéreas – em consistente estudo do setor, datado de 4 de fevereiro de 1992, alertava
as autoridades para os prejuízos causados pela defasagem entre preço de venda e custo de
operação, numa equação impossível de ser solucionada sem a flexibilização das tarifas.
Afirmava o documento que: "com a quebra do equilíbrio econômico-financeiro dos
contratos de concessão de modo unilateral pelo Poder Concedente, a indústria passou a operar,
desde maio de 1985, sob a égide de uma pratica de insuficiência tarifária. Esta prática
continuada é que está, ressalvadas as acentuadas diferenças entre as empresas, a esgotar a
capacidade física, econômica, financeira e patrimonial da indústria, impossibilitando-a de
promover, de modo próprio, o correto re-equacionamento de sua posição econômicofinanceira". 3
A VARIG, como empresa líder do setor, foi a mais penalizada à época, sendo obrigada a
alongar dívidas, negociar com fornecedores e a captar novos recursos.
3
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 25/11/2002.
O trabalho do SNEA sugeriu a imediata aplicação de um "Programa de Recapitalização da
Indústria Brasileira de Transporte Aéreo", provendo recursos capazes de reparar os danos
causados pela "prática de insuficiência tarifária", no montante equivalente a US$ 2,2 bilhões
(dois bilhões de dólares americanos). Os valores requeridos pela VARIG, incluindo a Cruzeiro,
eram de US$ 986 milhões.
As conseqüências da situação, no período, motivaram:
• prejuízos, pela deterioração do desempenho econômico-financeiro das empresas;
• incapacidade de geração de recursos próprios;
• erosão do capital circulante líquido;
• aumento sensível do nível do endividamento;
• alienação de ativos produtivos, tais como a oficina de motores e sale lease-back de
aeronaves;
• descapitalização, pela deterioração da estrutura de capital da indústria em seu conjunto.
A insensibilidade governamental persistiu e as negociações e renegociações com os
credores e fornecedores, no caso da VARIG, também até os idos de 1998. Durante todo esse
tempo, a Fundação Ruben Berta (FRB), que detém o controle acionário do Grupo VARIG, esteve
ausente da gestão operacional diária das empresas, não podendo, portanto, ser indicada causadora
dessa situação crônica de descapitalização, que também atingiu às duas outras empresas com
relevância na época: a VASP e a TRANSBRASIL.
Foi a contínua erosão do patrimônio da FRB que levou o Conselho de Curadores da
Fundação a acompanhar mais de perto a administração das empresas por ela controladas.
Primeiramente, através da constituição da FRB-Par Investimentos S.A., com a finalidade de
separar os investimentos da Fundação de suas atividades sociais, procurando administrá-los e
gerenciá-los de forma profissional. Em seguida, pela contratação da consultoria internacional da
Delloite Touche, que, depois de amplo estudo, sugeriu a segregação das unidades de negócio,
com a criação de uma empresa para cada uma delas, como forma de promover uma administração
mais objetiva e, assim, agregar valor ao patrimônio.
A idéia era, e continua sendo, a de procurar parceiros estratégicos e ou financeiros para
essas atividades, que possam capitalizar o Grupo. É importante ressaltar que jamais foi intenção
reduzir garantias ou fugir de responsabilidades perante os credores. Tanto assim, que as cisões
levadas a cabo, para criação das empresas, foram feitas com total solidariedade dessas empresas
delas resultantes, do que resultou o surgimento de duas companhias abertas, com a obtenção de
todas as aprovações dos órgãos competentes, inclusive da Comissão de Valores Mobiliários –
CVM.
O processo de particularização de atividades já demonstrou resultados: a VEM – VARIG
Engineering & Maintenance, já está prestando serviços a terceiros; a Tropical – Companhia
Tropical de Hotéis tem vida própria; a SATA – Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo ampliou
o rol de clientes. A integração da malha aérea das três empresas – VARIG, Rio Sul e Nordeste –
foi concebida pela antiga gestão e já estava em início de implantação, quando assumiram os
novos administradores indicados pelo Comitê de Credores.
Neste quadro, inesperadamente e à revelia dos controladores, surgiu um "Memorando de
Entendimentos com os Credores", consolidando uma dívida de US$ 118 milhões, para pagamento
em 30 de novembro de 2002, com insistente e vigorosa pressão para assinatura imediata pela
FRB.
Na análise do documento, estava claro que:

“Não havia recursos novos, apenas uma consolidação de débitos e uma distribuição dos
mesmos entre os credores;
 Os contemplados foram apenas alguns credores, em detrimento de um grande número de
fornecedores;
 Não havia qualquer informação de como seriam pagos os valores em 30 de novembro de
2002;
 Não havia qualquer garantia por parte do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, que também pressionava para a assinatura do documento, da
liberação de recursos para a capitalização da empresa;
 Não havia informações sobre como os valores haviam sido calculados.” ( )
A par destas deficiências, foi mencionada a existência de relatórios elaborados pelas
empresas de consultoria Bain Company e KPMG, cujos conteúdos a Fundação desconhecia.
Tornava-se impossível a qualquer administração aceitar tal documento, que reconhecia
inadimplência, e, mais do que isso aceitava, sem questionar, o pagamento de valores para alguns
dias após a assinatura, sem mencionar a fonte de tais recursos. Diante dessa situação, tornou-se
inevitável a rejeição, pela Fundação Ruben Berta, do "Memorando de Entendimentos" proposto
pelos demissionários administradores das empresas controladas.
A Fundação Ruben Berta e a VARIG foram submetidas a violentas pressões políticas e
econômicas nos últimos meses de 2002. Por isto, decidiram contestar a intervenção branca à qual
foram submetidas, principalmente porque não identificaram nos propósitos dos administradores
atuais a disposição de dar continuidade nos negócios do Grupo, após o dia 30 de novembro de
2002, em condições seguras para resguardar o patrimônio dos controladores e para evitar que a
maior companhia de transporte aéreo brasileira corresse o risco de sucumbir.
Desempenho da VARIG nos últimos anos
As tabelas 1 e 2 referenciam o desempenho financeiro e operacional da VARIG, nos
exercícios dos anos de 1997 a 2000. Compara-se esses resultados com os do relatório trimestral
enviado a CVM (último disponível para consulta na página da VARIG na Internet, até a finalização
do artigo), relativo aos três primeiros trimestres dos exercícios de 2000 e 2001, que foram os anos
em que os problemas econômico-financeiros da empresa se agravaram (perdas líquidas e aperto no
fluxo de caixa). Apesar da liderança de mercado, do aproveitamento de assentos em rotas
domésticas e internacionais e dos resultados operacionais conquistados, a empresa acumulou
prejuízo nos últimos anos.
Tabela 1. Desempenho Financeiro
Em R$ mil
Janeiro a Setembro
Janeiro a Dezembro
2001
2000
2000
1999
1998
1997
Receita Operacional Líquida
3.856.862 3.350.658 5.322.011 4.446.785 3.622.835 3.369.061
Lucro Bruto
927.017 1.113.319 1.755.977 1.450.425 1.132.789 1.167.308
Resultado da Atividade
(114.646) 182.972 227.706 126.244
36.473 131.190
Lucro (Prejuízo) Líquido do Período
(608.306) (24.756) (178.539) (94.820) (25.356)
27.837
Patrimônio Líquido no Final do Período (756.958) (148.652) (148.652)
29.887
94.545 286.895
()
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 25/11/2002.
Lucro (Prejuízo) por Ação no Final do
Período (R$)
(8,70)
(0,35)
(2,55)
(1,36)
(0,36)
0,40
Fonte: dados sobre desempenho financeiro extraídos da página da VARIG na Internet
Percebe-se, pelos dados apresentados na tabela 1, o prejuízo acumulado pela empresa até
o final de 2001. O resultado refletiu diretamente no prejuízo por ações e considerável queda da
rentabilidade da empresa, agravando o interesse de investimentos internacionais no processo de
recapitalização proposto pela Diretoria.
O Balanço e o Relatório do primeiro semestre de 2002 (Janeiro a Junho), que a VARIG
entregou à CVM – Comissão de Valores Mobiliários, mostrava a continuidade de uma situação
difícil, mas já revelava algumas evoluções positivas que decorriam da decisão da empresa de
enfrentar, com vigor, a crise que é do conhecimento dos acionistas, das autoridades, dos credores
e do mercado.
A companhia continuou operando com prejuízo líquido que atingiu, no período, o valor de
R$ 1.041 milhões. Desses, no entanto, cerca de R$ 815 milhões eram referentes a perdas
cambiais decorrentes da desvalorização da moeda brasileira e de passivos contingenciais, além de
R$ 169 milhões ao custo financeiro de manutenção da dívida.
O Relatório mostrou ainda que, apesar do prejuízo, o resultado da atividade foi o
indicador mais expressivo, alcançando R$ 1,5 milhão positivo contra um prejuízo de R$ 75
milhões no mesmo período do ano passado. Este resultado é reflexo do programa de equação de
custos (leasing dos aviões e pessoal, em especial), iniciado no final de 2001.
Outro item que merece destaque é o custo financeiro, que apresentou redução de R$ 25.2
milhões (R$ 195 milhões no primeiro semestre de 2001), refletindo na redução do
endividamento, especialmente em razão da operação feita com a Boeing no final do ano passado.
O Relatório registrava, ainda, que a VARIG dispunha de um patrimônio líquido negativo de R$
1.564 milhões, contra R$ 658 milhões, registrados em março de 2002.4
A tabela 2 sintetiza o bom desempenho da VARIG no mercado da aviação comercial
brasileira, com a média de 70,6% de aproveitamento de passageiros por Km em todas as rotas.
Percebe-se uma queda no número de passageiros transportados devido ao crescimento da
principal concorrente no transporte aéreo em rotas domésticas nos últimos anos.
Tabela 2.Desempenho Operacional
Janeiro a Setembro
Janeiro a Dezembro
2002
2001
2000
2000
1999
1998
1997
Horas Voadas
227.335
243.011
227.962
310.364
290.360
320.928
289.538
Km Voados (000)
167.413
177.477
166.378
226.493
211.812
235.250
213.709
Passageiros
Transportados
Ass/Km Oferecidos
(000)
Ton. x Km Transp.
PG (000)
7.247.693 7.944.839 8.120.968 10.896.720 10.064.748 11.019.399 9.937.912
28.424.357 28.899.831 26.872.188 36.607.128 35.436.676 41.049.146 37.325.262
853.468 19.810.672 19.788.152 3.723.676 3.273.861 3.806.782 3.691.448
Pax X km
Transportados (000) 19.657.322 2.741.394 2.732.101 26.598.815 23.623.655 27.055.819 25.251.589
4
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 2002.
Aproveitamento Pax
/Km (%)
69
69
74
67
64
61
Fonte: dados sobre desempenho operacional extraídos da página da VARIG na Internet
Apesar do market share diluído pela penetração de novas companhias e do surgimento
das operações de “baixo custo”, as estatísticas do DAC (Departamento de Aviação Civil) e da
INFRAERO apontaram a VARIG como a empresa de melhor desempenho no transporte aéreo
nacional.5 Os números, divulgados pela Comissão de Coordenação de Linhas Aéreas
(COMCLAR), confirmaram que as empresas do grupo permaneceram na liderança do ranking do
mercado de aviação comercial brasileiro. Em novembro de 2002, o Grupo VARIG foi o que
ofereceu maior número de assentos, com 36,02% do total dos vôos nacionais. Ao mesmo tempo,
registrou índice de aproveitamento de 40,34%, bastante superior à segunda colocada, que não
ultrapassou os 32,40%.
Na Ponte Aérea, os resultados também foram significativos: os vôos integrados VARIG/
RIO SUL/ NORDESTE atingiram, em novembro, 10% a mais de ocupação do que no mesmo
período do ano passado, e maior aproveitamento desse serviço. Somente em Congonhas, o Grupo
VARIG foi responsável pelo embarque de 352.076 passageiros (38% do movimento total).6
As Estratégias adotadas pela VARIG no processo de (re)capitalização
Muitos foram os esforços da empresa em prol do fortalecimento de sua situação
econômico-financeira, principalmente a partir dos efeitos dos atentados em Washington e Nova
York, difundidos pelo processo de globalização. A violenta crise cambial que atingiu o país nesse
período, obrigou a VARIG a iniciar sucessivas tentativas de renegociação com os credores, a
adotar uma série de ações no sentido de cortar drasticamente os custos de operação, a reavaliar
seus investimentos, recursos patrimoniais e humanos.
A partir do ano de 2002, a VARIG iniciou o processo de renegociação de parcelas
atrasadas com a INFRAERO, num total de R$161 milhões7. Pelo acordo ficou estabelecido que a
VARIG continuaria fazendo pagamentos diários de suas operações a INFRAERO, sem que fosse
aumentada sua exposição com a empresa. Também naquele ano, iniciaram-se as negociações com
a BR-Distribuidora, que fornece o combustível para as aeronaves da empresa. No início dos
entendimentos, apesar de todas as garantias oferecidas pela VARIG, as negociações não
alcançaram os resultados desejados. Além dos pagamentos diários de combustível, a estatal
passou a executar também os recebíveis da VARIG, como, por exemplo, as faturas das
administradoras de cartões de crédito, acelerando, portanto, a liquidação dos valores em atraso.
Essa posição da BR-Distribuidora levou a VARIG a um considerável aperto no fluxo de
caixa, sendo adotadas novas medidas de controle para compensar tais pagamentos. Finalmente,
em janeiro de 2003, depois de uma longa negociação e de um grande esforço de todas as partes
envolvidas, foi estabelecido um acordo parcial, retomando o relacionamento comercial normal
com a BR-Distribuidora. Por esse novo acordo, assinado em 14 de janeiro de 2003, a VARIG
5
6
7
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 09/12/2002.
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 09/12/2002.
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 05/12/2002.
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passou a ter crédito equivalente a 10 dias de abastecimento, ou seja, R$40 milhões8. Por outro
lado, todos os valores que se encontravam em atraso foram liquidados, não existindo, portanto,
faturas em aberto e a BR passou a considerar novamente a VARIG uma empresa adimplente,
podendo usufruir condições mais favoráveis para negociar o restante dos débitos.
Nesse contexto, no dia 30 de janeiro de 2003, a ILFC (International Leasing Finance
Corporation), tomou uma atitude que surpreendeu a Diretoria e os funcionários da VARIG. De
forma inusitada, a ILFC recorreu à Justiça francesa para arrestar uma das aeronaves da VARIG
no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. A ILFC é uma das mais antigas e tradicionais
parceiras da VARIG e a empresa vinha mantendo negociações que apontavam para uma solução
satisfatória a ambas as partes, assim como para as demais empresas de leasing. De qualquer
forma, as negociações prosseguiram, e ambas chegaram a um acordo que permitiu a liberação do
B-777, no dia 03 de fevereiro de 2003, retomando as operações normais e reintegrando a frota da
VARIG9. A companhia encerrou, assim, um primeiro ciclo de negociações com seus principais
credores, permitindo condições de trabalhar com um fluxo de caixa de maior liquidez.
Esses esforços despendidos pela VARIG na correção de rumos e na reestruturação da
Organização, adequando-a a enfrentar os desafios da competição nos mercados em que atua,
passou a ser constante, exigindo sacrifícios, renúncias e muita determinação para consolidar as
difíceis conquistas, alcançadas ao longo de 75 anos de existência.
Algumas das medidas adotadas pela empresa, a partir do final do ano de 2001, visando a
adequação das despesas ao fluxo de caixa e superação dos abalos provocados pelas oscilações da
economia do país foram:
♣ “suspensão temporária de alguns auxílios;
♣ alteração nos percentuais de concessão de medicamentos;
♣ reajuste no valor das refeições nos restaurantes próprios;
♣ limite de crédito para operações de compras de produtos e serviços disponibilizados pela
empresa e pela Fundação;
♣ quadro de lotação efetivo com cancelamento de todas as posições (vagas) que estavam
abertas até Outubro/2002 e suspensão das reclassificações de posições (vagas);
♣ suspensão dos aumentos salariais espontâneos, por qualquer motivo, exceto promoção por
substituição (até 31 de Dezembro de 2002);
♣ redução das viagens nacionais e internacionais de funcionários;
♣ incentivo ao desligamento espontâneo antecipado por aposentadoria;
♣ postergação do pagamento da 1ª parcela do 13º salário de 2002;
♣ postergação para o 1º Trimestre de 2003 todos os reajustes salariais individuais, a
qualquer título;
♣ prorrogação do pagamento das verbas rescisórias dos funcionários que optaram pelo
desligamento antecipado por motivo de aposentadoria;
♣ suspensão temporária (90 dias) de todos os contratos de prestação de serviços que não
afetaram as operações da empresa ou o atendimento aos clientes;
♣ redução de pedidos de materiais de escritório e informática;
♣ postergação do pagamento do saldo pendente do 13º salário/2002”.( )
O Protocolo de Entendimentos: provável processo de fusão
8
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 16/01/2003.
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, 03/02/2003
()
Fonte: Comunicação Interna – VARIG, julho/2002 a maio/2003.
9
Apesar de todos os esforços no sentido de capitalizar a companhia, a VARIG procurou
investidores interessados em participar do processo, não obtendo êxito. Esses potenciais parceiros
demandariam algum tempo para a integralização do capital, o que não seria interessante, dada a
situação emergencial em que se encontrava a empresa.
Durante todo o processo de renegociação de dívidas, a VARIG não descartou qualquer
alternativa ou proposta que pudesse vir a colaborar com a resolução de suas dificuldades. Entre
elas, indicada pelo próprio Governo – interessado em reestruturar a aviação comercial brasileira –
estava a assinatura de um Protocolo de Entendimentos para a análise da possibilidade de criação
de uma nova empresa aérea em conjunto com a TAM.
Foi através dessa busca de uma solução conjunta para a reestruturação da aviação civil
brasileira, que a FRB-Par Investimentos S.A, acionista controladora da VARIG, da Rio Sul e da
Nordeste decidiu assinar, no dia 06 de fevereiro de 2003 um Protocolo de Entendimentos para
criação conjunta de uma nova empresa aérea, de capital aberto, de controle privado
compartilhado entre os sócios, gestão profissional e elevado padrão de governança corporativa.
A “solução para a crise da VARIG” tinha como objetivo revigorar a indústria do
transporte aéreo nacional, com uma empresa eficiente, competitiva, ganhando em escala, para ser
forte no Continente e capaz de responder prontamente aos desafios e às exigências dos mercados
doméstico e internacional, através da racionalidade nas operações de ambas as empresas.
Através desse acordo operacional entre as duas maiores empresas aéreas brasileiras, a
nova empresa contaria, de início, com 218 aeronaves (116 da VARIG e 102 da TAM) e 26 mil
funcionários, preservando o interesse dos usuários, prestando serviços de padrão internacional e
continuando a atrair investidores para ingresso de recursos novos, além de buscar “uma solução
socialmente responsável” para os empregados.
Em 24 de fevereiro de 2003, após a assinatura do Protocolo de Entendimentos, a VARIG
e a TAM definiram a primeira ação conjunta. A partir do dia 10 de março do ano corrente, as
duas empresas passaram a operar em sistema de code-share (compartilhamento) em 113 vôos
diários, para nove destinos. Segundo Alberto Fajerman (então vice-presidente de Planejamento da
VARIG) e Wagner Ferreira (então vice-presidente Comercial e Marketing da TAM), com a
medida, as duas companhias eliminariam a sobreposição de vôos para os aeroportos centrais,
enxugando a oferta, mas garantindo serviços regulares e de alta freqüência.
A princípio, as empresas continuariam operando com seus respectivos canais de
distribuição, centrais de reservas, balcões de check in, lojas nos aeroportos e salas de embarque,
mantendo a identidade de cada uma delas. Nas rotas compartilhadas, VARIG e TAM passariam a
intercalar as decolagens de suas aeronaves, dividindo a oferta em 50% nos nove destinos. As duas
empresas também utilizariam aviões de categoria semelhante nos vôos em code-share: a VARIG
com o Boeing 737-300 (132 assentos) e a TAM com a Airbus A319 (132 assentos).
Por uma expressiva maioria de votos, a 42ª Assembléia Geral Extraordinária do Colégio
Deliberante da Fundação Ruben Berta aprovou a continuidade dos trabalhos para a constituição
de uma nova empresa de aviação comercial no Brasil, objetivo básico do Protocolo de
Entendimentos assinado com a TAM, em 6 de fevereiro de 2003.
Reunidos no Rio de Janeiro no dia 30 de abril do mesmo ano, nas instalações da Fundação
no Rio de Janeiro, 95,8% dos membros do Colégio, aceitaram as recomendações de
representantes do Banco Fator e do economista Luciano Coutinho, consultores contratados pelas
empresas. Segue o documento aprovado:
“Ao Colégio Deliberante
Tendo em vista o Protocolo de Entendimentos firmado em 06 de fevereiro de 2003 entre a
FRB-Par Investimentos S.A. e a TAM S.A. e considerando os entendimentos desde então havidos,
inclusive com a participação de órgãos governamentais, e as recomendações do Banco Fator
S.A. e do Professor Luciano Coutinho, na qualidade de consultores de ambos os grupos,
submetemos ao Colégio Deliberante a proposta a seguir.
a-) autorizar a fusão da atividade de transporte aéreo regular e não regular de passageiros da
VARIG S.A. – Viação Aérea Rio-grandense, RIO-SUL Linhas Aéreas S.A. e NORDESTE Linhas
Aéreas S.A., com a idêntica atividade da TAM Linhas Aéreas S.A., subsidiária da TAM S.A.;
b-) delegar poderes ao Conselho de Curadores da Fundação Ruben Berta e ao Conselho de
Administração da FRB-Par Investimentos S.A., para discutir e celebrar o instrumento jurídico
necessário, constando algumas condições exigidas pela Fundação, como: a criação de uma
Nova Sociedade aberta, com administração profissional e submetida aos princípios de uma boa
governança corporativa; seja ela designada VARIG e use a marca VARIG, na sua conformação
atual; a Nova Sociedade terceirize o serviço de engenharia e manutenção com a VEM – Varig
Engenharia e Manutenção S.A.; garantia de participação de 5% no capital da Nova Sociedade
para VARIG S.A. – Viação Aérea Rio-grandense, RIO-SUL Linhas Aéreas S.A. e NORDESTE
Linhas Aéreas S.A. pelo prazo de 2 (dois) anos a contar da data do fechamento da operação.”
Conclusão: a possível criação de uma nova estatal
A nova companhia aérea que surgirá da fusão da VARIG com a TAM, caso o contrato
entre as duas empresas seja firmado, vai se tornar uma estatal federal dentro de dois anos. A
expectativa de executivos envolvidos no negócio é de que o governo (via Banco do Brasil,
Infraero, BR Distribuidora e BNDES) terá cerca de 60% da “nova VARIG” a partir de 2005. 10
A “nova VARIG” somente não será uma estatal já em 2003, por causa das exigências da
Fundação Ruben Berta (controladora da VARIG). Por causa disso, o vencimento das debêntures
da garantia de um empréstimo de R$1 bilhão reivindicado pelos executivos ligados à fusão ao
BNDES seria em 2005.
A VARIG quer garantir que sua participação de 5% na nova empresa não seja reduzida
nos próximos dois anos. As debêntures do BNDES, caso conceda o empréstimo, venceriam então
em 2005, um ano antes do final do governo do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Executivos ligados ao processo de fusão entendem que o BNDES não conseguiria receber
o pagamento do empréstimo de R$1 bilhão, nem repassar as debêntures para outras empresas. Em
2005, portanto, caso a nova empresa seja criada, o BNDES passaria a ser sócio da “nova
VARIG”.
Mesmo assim, seguindo o projeto de fusão que tem sido elaborado pelo banco Fator e
outros consultores, o governo passaria a ser o principal controlador da “nova VARIG” já no seu
nascimento, previsto para meados do segundo semestre de 2003. Isso porque a Infraero, Banco do
Brasil e BR Distribuidora, entre outros credores da VARIG e da TAM, teriam 40% do capital da
“nova VARIG”. A carta-consulta da VARIG e da TAM sobre o projeto de modelagem da “nova
VARIG” está pronta devendo ser entregue ao BNDES.
O projeto prevê as seguintes participações na “nova VARIG” em 2003: 5% do capital
seria da VARIG (a Fundação Ruben Berta teria pouco mais de 2,5% e outros acionistas da
empresa o restante), a TAM teria 35%, as estatais federais 40% e os credores internacionais 25%.
10
VARGA, Lázló. Folha de São Paulo, caderno Dinheiro, 08/05/2003, p.B7
Tendo em vista o atual cenário da aviação comercial brasileira e a não adequação das
estratégias e ações em prol da recuperação da saúde econômico-financeira da VARIG, a fusão
com a TAM tornou-se uma medida inevitável.
O processo de (re)capitalização estendeu-se por mais de dois anos, sempre apoiado em
renegociações com credores, fornecedores e Governo para manutenção das operações da
empresa. Assim, as propostas e ações já estavam delineadas e encaminhadas, visando a
reestruturação da VARIG. Nesse contexto, o Sr. Manuel Eduardo Domingues Guedes, que ficou
à frente da Diretoria Executiva da empresa como Diretor-Presidente durante 04 meses, sendo
responsável por essas renegociações, deixou a empresa. Assumiu o cargo, então, o Sr. Roberto
Macedo (ex Diretor Comercial da VARIG), colaborador da empresa desde 1979 e afastado há
alguns meses.
A TAM também enfrentava diversos problemas econômico-financeiros, agravados pelos
mesmos motivos que abalaram a VARIG, analisados nesse trabalho. Desde a redução dos preços
dos bilhetes aéreos, num cenário de extrema competição, era praticamente impossível a geração
de lucro operacional e os custos operacionais eram crescentes. As dívidas e os prejuízos
acumulados aumentavam gradativamente. Segundo ambas as Diretorias, consultores e
economistas, esses problemas tenderiam a piorar, colocando em risco as operações das maiores
empresas de aviação comercial brasileiras.
No início das negociações entre as empresas, o acordo estabelecia apenas uma fusão
operacional, com a manutenção das marcas e compartilhamentos de vôos em rotas domésticas.
Porém, o desdobramento do Protocolo de Entendimentos, da data de finalização desse trabalho,
apontava para o processo de fusão, visando a criação de uma nova e saudável empresa.
Após o aceite Colégio Deliberante da Fundação Ruben Berta da fusão das companhias
aéreas, tornava-se necessária apenas a discussão e celebração de um instrumento jurídico comum,
contendo, no mínimo, certas condições previamente estipuladas. A segunda etapa das discussões
do Protocolo de Entendimentos tinha previsão para junho de 2003, onde seriam revistas as
últimas condições do processo e delineado o futuro das companhias, ou da nova companhia.
Referências Bibliográficas
Comunicação Interna – Veículo de Comunicação de informações sobre a VARIG para
funcionários da empresa, transmitido via e-mail (Julho/2001 a Maio/2003).
Página Virtual da VARIG na Internet (www.varig.com): consulta acessada em 17/03/03 e revisão
atualizada em 22/05/03.
Encarte promocional: VARIG – 75 Anos; projeto produzido pelo departamento de Marketing da
empresa e veiculado junto à mídia, aos clientes e fornecedores no 1º Semestre/2002.
VARGA, Lázló. Plano prevê VARIG/TAM estatal em 2 anos. São Paulo: Jornal Folha de São
Paulo, Caderno Dinheiro, 08/05/2003, p. B7.
Jornal O Estado de São Paulo – acompanhamento das matérias veiculadas diariamente no
Caderno Economia, para atualização de dados, de Agosto/2002 a Maio/2003.
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A CRISE DA AVIAÇÃO COMERCIAL E O PROCESSO