Pesquisas e Práticas Educativas A MATEMÁTICA NO TEXTO E NO CONTEXTO DA COMUNIDADE: UMA EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR Izabel Jaguaiara C. de Oliveira Cláudia Roseane P. de A. Capistrano Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Este trabalho trata de uma experiência desenvolvida no âmbito da Capacitação de Alfabetizadores do PAS/UFRN, tendo por objetivo discutir o trabalho com a Matemática numa perspectiva interdisciplinar no contexto da realidade sócio-econômica da comunidade. Tomou-se como procedimentos técnicos, o estudo bibliográfico e registros oriundos da observação participante. Como resultado apontamos a aceitação do grupo em relação ao trabalho desenvolvido, a interação com textos, produções elaboradas e o intercâmbio de idéias pertinentes ao desenvolvimento de uma boa prática. Dessa forma, acreditamos ser necessário redimensionarmos nossa ação, fazendo uso de informações significativas, já que, a base da proposta é a contextualização. Pesquisas e Práticas Educativas A MATEMÁTICA NO TEXTO E NO CONTEXTO DA COMUNIDADE: UMA EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR Izabel Jaguaiara C. de Oliveira Cláudia Roseane P. de A. Capistrano Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Apresentação O presente trabalho trata de uma experiência desenvolvida no âmbito da Capacitação inicial de alfabetizadores (Módulo XIX) do Programa Alfabetização Solidária – PAS, realizada no município pólo de Monte Alegre, da qual participaram os municípios de Monte Alegre, Nova Cruz e Santo Antônio, situadas no Estado do Rio Grande do Norte, sob coordenação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem por objetivo discutir o trabalho com a Matemática numa perspectiva interdisciplinar, no contexto da realidade sócio-econômica da comunidade local, interrelacionando conhecimentos e socializando informações a serem utilizadas posteriormente em sala de aula, nas mais diversas situações de ensino-aprendizagem. Dessa forma, tomando por base observações realizadas anteriormente nos municípios citados, as quais evidenciaram uma prática que, na maioria das vezes, não se constituía numa ação interdisciplinar, pensamos em um trabalho a ser desenvolvido no espaço da Capacitação inicial, que inter-relacionasse a Matemática e os Estudos da Sociedade, no intuito de comprovar junto ao grupo a viabilidade de uma prática marcada por “espaços de interseção” (Furnaletto, 1998), compreendendo a interdisciplinaridade enquanto integração de disciplinas e áreas do conhecimento, forma de trabalho que busca “... localizar possíveis pontos de convergência entre as várias áreas e a sua abordagem conjunta, propiciando uma relação epistemológica entre as disciplinas.” (Garcia, 2005). Dessa forma, contemplamos a dimensão tecnológicoprojetiva da Psicologia Educacional, a qual orienta a elaboração de ações, modelos e/ou programas de intervenção em função de situações observadas. Em seguida, elaboramos a oficina, a ser desenvolvida em 8 hora/aula, enfocando a dimensão técnico-prática, a qual prevê o planejamento de atividades que colaborem para a compreensão e resolução de situações-problema. Por fim, pautamo-nos em algumas proposições teóricas no intuito de buscar teorias explicativas acerca dos processos educativos, encerrando a dimensão teóricoconceptual da Psicologia Educacional. A Experiência ... Iniciamos a intervenção apresentando a proposta de trabalho e realizando um levantamento das expectativas sobre o trabalho a ser desenvolvido, tomando por base o tema da oficina. Alguns alfabetizadores do grupo questionaram a proposta em questão: “Porque Estudos da Sociedade com Matemática e não com Estudos da Natureza?” (Leandro, 16.07.2005) Tal questionamento parece ter suscitado um estranhamento em todo o grupo, dando início à discussão e criando mais expectativas em torno do trabalho. Como esclarecimento, apresentamos novamente o objetivo da oficina e partimos para o desenvolvimento das atividades. Iniciamos o primeiro momento realizando a leitura do texto “Latifúndio e Morte” (João de Barros), o qual serviu de suporte para reflexões sobre a questão do latifúndio improdutivo, da Reforma Agrária e da violência no campo, presentes no cotidiano de muitos alfabetizadores, já que estes devem sempre considerar, nas discussões em sala de aula, a realidade social do grupo com o qual estão trabalhando. Após a discussão e formação dos GT´s (Grupos de Trabalho), partimos para a identificação das informações numéricas presentes no texto e organização destas, segundo a função de ordenar, quantificar ou codificar dados. A compreensão de tais funções contribui para a formação do sentido numérico fundamental para o aprendizado de conceitos e procedimentos matemáticos. Em seguida, orientamos para a construção de uma linha do tempo contemplando os acontecimentos narrados no texto. Esta atividade buscou inter-relacionar a leitura e interpretação textual com o conteúdo matemático “medida de tempo” e, além disso, discutir a problemática social questionando se há ou não morosidade por parte da justiça no julgamento de questões agrárias, sendo comprovada a improdutividade da terra em questão, tomando por base o tempo decorrido entre os acontecimentos. Encerramos o primeiro momento refletindo sobre o texto “Caminhos para o fazer matemático” (Luís Antônio Garcia), a partir da leitura e realização de uma síntese oral por parte dos grupos. Iniciamos o segundo momento compartilhando um texto informativo intitulado “O porquê da nossa pobreza”, o qual atenta para a falta de políticas que reorganizem o espaço rural, discutindo as dificuldades econômicas enfrentadas pelos municípios da região do semi-árido norte-riograndense, nos quais as maiorias das famílias sobrevive da aposentadoria dos idosos, única garantia de renda permanente. Dando continuidade à discussão, propusemos a construção de um texto que retratasse a realidade sócio-econômica do município, incluindo as atividades econômicas desenvolvidas no mesmo. Em seguida, discutimos o texto “Como trabalhar com situações-problemas?” (Viver, Aprender 1 – Guia do Educador) e, posteriormente, solicitamos aos grupos a elaboração de situações-problemas tomando por base os textos produzidos, anteriormente, sobre os municípios, os quais seriam trocados entre os grupos, socializados e comentados, considerando que devemos sugerir “... problemas da vida cotidiana, que inicialmente, são discutidos e contextualizados para, posteriormente, através do cálculo que o problema possa envolver verificar a resposta encontrada,...” (Garcia, 1999). Para finalizar, realizamos a avaliação da proposta no grande grupo, já que as oficinas desenvolvidas habitualmente na área da Educação Matemática possuem como objetivo: Propiciar reflexões sobre o processo de Alfabetização Matemática na EJA, bem como, desenvolver atividades que oportunizem a exploração dos conteúdos matemáticos em situações cotidianas, sem outras preocupações. Algumas produções... A seguir apresentaremos dois textos produzidos pelos grupos, os quais retratam a realidade do município em forma de cordel: Texto 1: Conhecendo Santo Antonio Hoje iremos falar Da situação do município Iremos destacar Alguns casos ocorridos Empregos poucos existem Para aqueles que moram lá Muitos terminam seus estudos E não tem onde trabalhar Coitados dos agricultores O que tem a esperar Não tem estudo nem terra Mas vontade de trabalhar Os feirantes por sua vez Quase morrem de ralar Para conseguir o pão E as famílias sustentar A nossa feira tem de tudo Que se possa imaginar Feijão, farinha e carne Na feira você vai encontrar A batata e a macaxeira O peixe e o guiné Tem até roupa barata Calça, camisa e boné Se você tem curiosidade Vá logo nos visitar Tem a pedra da onça Para você turistar Iniciei este cordel E agora vou encerrar Rimando do mesmo jeito Para a vida melhorar Seja um bom professor E um ótimo cidadão Trabalhe com amor E construa a educação Autores: Aguinaldo, Célia Magnólia, João Maria, Luzia, Maria da piedade e Suelmo Texto 2: É hora de mudar Santo Antonio é uma cidade Com muito o que se dizer de lá Da pobreza da sociedade Vocês vão muito escutar O desemprego é um problema Que atinge muita gente Alguns jovens vivem um dilema: Sou bandido ou inocente? A falta de moradia É o maior vilão Causa transtorno e agonia Na vida de qualquer cristão! Como a fome saciar ? Não sei mais o que fazer Para esta falta matar Não quero só comida e lazer Mas algo produtivo pra fazer Vou buscar na cidade Algo de melhor pra crescer Tentar viver com qualidade E a miséria esquecer! Autores: Lídia, Lucineide, Maria José, Josenildo e Maria Daluz Alguns comentários... Considerando que dentre os pressupostos didáticos que orientam uma prática construtivista, destaca-se a criação ou planejamento de situações de ensinoaprendizagem em que haja a máxima coincidência possível entre “versão escolar” e “versão social” das p ráticas e conhecimentos que se convertem em conteúdos escolares (PCN’ s, 1997) e, além disso, considerando que a grande maioria dos sujeitos que compõem nossa demanda são provenientes de áreas rurais, possuindo experiência com o trabalho desde a infância e opiniões próprias sobre o mundo, sobre si e sobre os outros, mesmo não se dando conta disso, muitas vezes, pensamos ser necessário e urgente redimensionarmos nossa prática pedagógica, buscando inserir nesta elementos que realmente sejam significativos e interessantes para o grupo em questão, oferecendo atividades e uma intervenção pedagógica adequada às suas necessidades possibilidades de aprendizagem. (PCN’s, 1997) Dessa forma, tomando por base a Avaliação realizada pelo grupo e por nós, a qual considerou a boa receptividade, a interação e participação dos professores com a temática proposta, com os textos e produções elaboradas, bem como, o intercâmbio de idéias pertinentes ao desenvolvimento de uma boa prática pedagógica, a qual prima, sobretudo, por contextualização, consideramos bastante satisfatório o resultado que obtivemos, já que pudemos, mais uma vez, comprovar a possibilidade da prática pedagógica interdisciplinar. Referências Bibliográficas FURLANETTO, Ecleide. A prática interdisciplinar. In Revista Educação e Formação. Taubaté. 1998:37/38. BARROS, João. Latifúndio e Morte. Revista Caros Amigos Especial. Nº 6. Out/2000. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2000. BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: UNESP, 1999. BRASIL, Secretaria de Educação à Distância. Viver, Aprender: Educação de Jovens e Adultos. Livro 1. Brasília: MEC/SED, 1998 BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais. MEC/SEF, 1997. GARCIA, Lenise A. M. Transversalidade e interdisciplinaridade. Disponível em: http://www.ensino.net/ Acesso em 03 Ago. 2005.