A IMITAÇÃO DO TRADE DRESS: CONCORRÊNCIA DESLEAL FERNANDA NEVES PIVA Mestranda em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; advogada. 1. Introdução A sociedade pós-moderna é, incontestavelmente, regida pelo consumo em grande escala. Uma das maiores características do mercado de consumo atual, por conseguinte, é o alto nível de competitividade existente entre os players de cada segmento. Prova disto é a grande quantidade de produtos similares ofertados ao consumidor, das mais diversas marcas. Neste cenário, portanto, cada vez mais importantes são os elementos identificadores das empresas – tais como o trade dress - que desempenham o relevante papel de diferenciá-las dos demais concorrentes de mercado, conferindo a cada uma delas identidade única. a) Conceito de trade dress O trade dress – no Brasil também chamado de conjunto-imagem - nada mais é do que a identidade visual de determinado produto, serviço ou estabelecimento. Como explica JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES, trata-se da “exteriorização do objeto, do produto ou de sua embalagem, é a maneira peculiar pela qual se apresenta e se torna conhecido. É pura e simplesmente a ’vestimenta’, e/ou 1 ‘uniforme’, isto é, um traço peculiar, uma roupagem ou a maneira particular de alguma coisa se apresentar ao mercado consumidor ou diante dos usuários”1 (grifamos). Em aprofundado estudo sobre a matéria, GUSTAVO PIVA DE ANDRADE esclarece que trade dress “é o conjunto dos elementos que compõem a atividade visual de determinado produto ou serviço, distinguindo-o e individualizando-o dos seus congêneres no mercado”2 (grifamos). O conjunto-imagem desempenha papel de extrema relevância, porquanto “muitas vezes exerce um poder de atração equivalente ou até maior do que aquele exercido pela principal marca da empresa”3 (grifamos). É, assim, fator determinante no ato da escolha e da aquisição de determinado bem ou serviço pelo consumidor. A título de exemplo, podemos mencionar, dentre outros, latas e garrafas de bebidas, embalagens de produtos de limpeza, caixas e recipientes de alimentos, e, ainda, layouts de restaurantes, interiores de lojas, fachadas de postos de gasolina, etc. Nas palavras de JOSÉ ROBERTO GUSMÃO e LAETITIA PABLO d’HANENS, o instituto “configura um vínculo entre o empresário e o consumidor, levando este último a optar pelo produto ou serviço baseado na memória da aparência ou da roupagem que os identificava em experiência satisfatória passada”4. No que diz respeito ao destaque de determinado produto, serviço ou estabelecimento, o trade dress é, portanto, figura determinante no mercado. 1 Concorrência Desleal vs. Trade Dress e/ou Conjunto-imagem. Ed. Tinoco Soares, 2004, p. 213. 2 O trade dress e a proteção da identidade visual de produtos e serviços. In: Revista da ABPI, nº 112, mai/jun 2011, p. 4. 3 Gustavo Piva de Andrade. Ob. cit., p. 6. 4 Breves comentários sobre a proteção ao trade dress no Brasil. In: Revista dos Tribunais - RT 919, maio de 2012, p. 591. 2 Em função disso, conjuntos-imagem bem sucedidos e fortes são frequentemente copiados por imitadores que, ao invés de criarem a própria identidade visual, apropriam-se indevidamente daquela desenvolvida por um concorrente, visando a alcançar lucro e sucesso de maneira mais rápida e fácil. b) Trade dress em estabelecimentos comerciais Ainda que, no início, o termo estivesse relacionado apenas a embalagens e rótulos de produtos, a proteção ao conjunto-imagem posteriormente estendeu-se também à impressão visual de estabelecimentos. O leading case, no Brasil, foi a ação proposta pela loja de calçados Mr. Cat, na qual alegava que a forma como decorava suas lojas havia sido copiada por outra empresa do ramo (grife Mr. Foot). A autora sustentava que a porta de entrada dos estabelecimentos, a fachada e até mesmo as prateleiras e balcões internos das lojas haviam sido reproduzidos pela concorrente. O caso foi julgado pelo Juízo da 4ªVara Cível da Comarca de Goiânia, que, reconhecendo a infração ao trade dress da Mr. Cat, entendeu que “os estabelecimentos se confundem pela característica da decoração feita com mobiliário em madeira, saquinhos em algodão ou malha, com logotipo impresso e expostas no interior das lojas, prateleiras em arquibancadas, balcões abertos, caixas recuados ao fundo das lojas e as portas de acesso em estilo boutique, com passagem individual para clientes”5. A ação foi julgada procedente, reconhecida a prática de concorrência desleal pela ré, que foi condenada a alterar o layout de sua loja, bem como ao pagamento de indenização à autora. 5 Processo n° 1101/97, 4ª Vara Cível da Comarca de Goiânia/GO. 3 Ainda sobre trade dresses de estabelecimentos comerciais, pode-se dizer que cada vez mais comuns são os casos em que postos de gasolina copiam as fachadas de seus concorrentes, apropriando-se indevidamente das cores, formas e símbolos que compõem sua identidade visual. Assim ocorreu em caso julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Veja-se: “CONCORRÊNCIA DESLEAL. Utilização do trade dress de marca de distribuidora de combustíveis, com utilização de fachada do posto de gasolina com as cores que caracterizam o conjunto de imagens distintivo. Violação de direitos da propriedade industrial e usurpação que tem finalidade de aproveitamento da bandeira para captação de clientela. Sentença de procedência. Apelo para reconhecimento de ausência de interesse de agir, ou julgamento de improcedência, bem como redução dos honorários. Não provimento”6. O relator, ilustre Des. ENIO ZULIANI, manteve a sentença que julgou procedente a ação proposta pela Petrobras, em virtude do provável desvio de clientela ocasionado pela imitação do trade dress da autora. Segundo ele, “as características inseridas na fachada do estabelecimento comercial da ré são suficientes para causar prejuízos à autora, bem como causar confusão na massa consumidora”. São diversas as ações judiciais, portanto, em que se busca coibir eventuais imitações do conjunto-imagem. A seguir, analisaremos os fundamentos jurídicos de tais ações. Brevemente caracterizado o trade dress e também apontada a possibilidade de aplicação do conceito a estabelecimentos, cumpre-nos examinar a tutela jurídica do instituto na legislação brasileira. Em outras palavras: quais instrumentos legais podem e são utilizados na proteção ao conjunto-imagem? 6 Ap. 0203428-85.2009.8.26.0100, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. 4 2. Tutela jurídica do trade dress no Brasil O instituto teve origem nos Estados Unidos e vem ganhando cada vez mais importância no cenário mundial. Naquele país, é tutelado pelo Lanham Act7, que prevê expressamente a possibilidade de reparação civil em caso de violação do trade dress. No Brasil, o conjunto-imagem ainda não é tutelado por previsão legal específica, mas sua imitação tem sido coibida com base no instituto da concorrência desleal. Essencial ao estudo da proteção jurídica do instituto no ordenamento jurídico pátrio é compreender a distinção entre o trade dress e outros sinais distintivos (marcas, desenhos industriais, etc). Isto porque, como elucidam JOSÉ ROBERTO GUSMÃO e LAETITIA PABLO d’HANENS, “a proteção jurídica ao trade dress, como conjunto de elementos e/ou sinais característicos e distintivos, não afasta nem se confunde com a eventual proteção conferida a cada um deles individualmente considerados como, por exemplo, quando tais elementos ou sinais constituem marcas, desenhos industriais, títulos de 7 Section 43 (15 U.S.C. § 1125): “Any person who, on or in connection with any goods or services, or any container for goods, uses in commerce any word, term, name, symbol, or device, or any combination thereof, or any false designation of origin, false or misleading description of fact, or false or misleading representation of fact, which-(A) is likely to cause confusion, or to cause mistake, or to deceive as to the affiliation, connection, or association of such person with another person, or as to the origin, sponsorship, or approval of his or her goods, services, or commercial activities by another person, or (B) in commercial advertising or promotion, misrepresents the nature, characteristics, qualities, or geographic origin of his or her or another person's goods, services, or commercial activities, shall be liable in a civil action by any person who believes that he or she is or is likely to be damaged by such act. (2) As used in this subsection, the term "any person" includes any State, instrumentality of a State or employee of a State or instrumentality of a State acting in his or her official capacity. Any State, and any such instrumentality, officer, or employee, shall be subject to the provisions of this Act in the same manner and to the same extent as any nongovernmental entity. (3) In a civil action for trade dress infringement under this Act for trade dress not registered on the principal register, the person who asserts trade dress protection has the burden of proving that the matter sought to be protected is not functional” (grifamos e negritamos). 5 estabelecimento, e assim por diante”8. Ponderam os autores, assim, que o instituto pode ser equiparado a um sinal distintivo não registrado. Portanto, apesar de não existir, no Brasil, dispositivo legal específico que proteja o trade dress, os atos de violação do conjunto-imagem podem - e tem sido coibidos por meio da aplicação: (i) do art. 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, que determina que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos...” e (ii) das regras de proteção à concorrência, especialmente os arts. 2º, V9, e 195, III, da Lei de Propriedade Industrial (“comete crime de concorrência desleal quem: II – emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem”). Citamos, a título ilustrativo, recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual, aplicando o art. 195, III, da LPI, o nobre Des. ROBERTO MAIA reconheceu a concorrência desleal praticada por posto de combustível, em virtude do uso indevido de trade dress do seu concorrente: “POSTO DE COMBUSTÍVEL. USO INDEVIDO DE TRADE DRESS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. DANOS MATERIAIS. O réu-apelado utilizou testeira nas cores verde e amarela, com uma fixa branca no meio, em medidas semelhantes às empregadas pelos postos vinculados à autoraapelante. Cartaz com a marca ‘BR’ estrategicamente posicionado. Placa com o valor do litro da gasolina e do álcool, na qual constavam os dizeres ‘De olho no produto’, cartaz muito similar ao da recorrente, o qual anuncia os preços e também o programa de qualidade ‘De olho no combustível’. Uso ilícito de elementos característicos do trade dress da apelante. Concorrência desleal específica. Artigo 195, inciso III, da Lei nº 9.279/1996. O recorrido deverá pagar à recorrente indenização por 8 Ob. cit., p. 592. “A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerando o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: (...) V – repressão à concorrência desleal” (negritamos). 9 6 danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes), em valor a ser apurado na fase de liquidação. Recurso provido, com alteração do ônus da sucumbência” 10 (grifamos e negritamos). No caso, além de condenado à abstenção do uso do trade dress de seu concorrente, o réu foi também obrigado ao pagamento de indenização ao autor, em virtude de sua conduta anticoncorrencial. Vale ressaltar que a reparação civil, nesses casos, tem respaldo no art. 209 da LPI, que assim preconiza: “Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio”. Comentando o instituto, DENIS BORGES BARBOSA pondera que, além “dos artigos da LPI que protegem e possibilitam a tutela civil e o ressarcimento por perdas e danos, ainda é possível se valer dos artigos 186 e 927 do código civil de 2002”11. Importante esclarecer que o trade dress não precisa estar registrado para que se busque sua proteção em juízo. Como explica o especialista na área, GUSTAVO PIVA DE ANDRADE, “a própria lei brasileira, inclusive, salienta que o fato gerador do ato ilícito é o desvio 10 Ap. 0340728-98.2009.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado. Do trade dress e suas relações com a significação secundária. http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/trade_dress.pdf. 11 7 Disponível em: fraudulento de clientela”. Assim, “mesmo que o trade dress não esteja registrado, o empresário pode buscar proteção sobre a impressão visual do seu produto ou serviço com base nas regras de concorrência” (grifamos e negritamos). Além disso, nem sempre o trade dress é passível de registro, porquanto, por muitas vezes, não pode ser enquadrado no conceito de marca ou desenho industrial. É o caso, por exemplo, da identidade visual de lojas, que envolve não apenas cores, símbolos, etc., mas, muitas vezes, a organização e disposição interna de móveis e objetos. Em outras palavras, o registro do trade dress não é condição indispensável para que se pretenda proibir a prática de concorrência desleal por imitação. Assim decidiu o Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em brilhante e recente decisão relatada pelo Des. RAMON MATEO JR.: “É certo inexistir nos autos notícia do registro da marca mista da autora, solicitado antes mesmo do ajuizamento da presente demanda. Esse aspecto, entretanto, não apresenta qualquer relevo. O pedido de registro da marca mista (correspondente ao nome e ao desenho), pendente de aprovação, assegura à autora ‘zelar pela sua integridade material ou reputação. Esse depósito ou requerimento, a princípio, assegura a precedência e a proteção contra a utilização ilícita por terceiros.’ (Apelação Cível n. º 0165677-35.2007.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro). Logo, ainda que ausente o registro, irrecusável possuir a autora direito de ver salvaguardada a trade-dress de seu produto. A alegação da ré, no sentido de comercializar os produtos anteriormente à autora, desde 2002, sobre não haver sido corroborada com qualquer prova nos autos, não merece acolhida. 8 E, de toda sorte, a autora demonstrou que comercializa seus produtos denominados Doguitos, desde 2001 (fl. 95). Logo, ainda que o pedido de registro da marca mista tenha sido levado a efeito em 2012, tal aspecto não possui qualquer relevância. Pois a colocação do produto Doguitos no mercado é anterior ao produto da ré” 12 (grifamos e negritamos). Nos Estados Unidos, igualmente, o Lanham Act confere a mesma proteção para o trade dress registrado ou não registrado, como aponta GUSTAVO PIVA DE ANDRADE em seu detalhado estudo, citando decisão da Suprema Corte Americana nesse sentido: “The Supreme Court interprets this section as having created a federal cause of action for infringement of unregitered trade mark or trade dress and concludes that such a mark or trade dress should receive essentially the same protection as those that are registered’ (Two Pesos, Inc v. Taco Cabana, Inc. 505 U.S. 763, 1992)”13 (grifamos e negritamos). Uma vez registrado, vale dizer, o trade dress estará protegido não apenas pelas regras que regem a concorrência, mas também pelas normas de propriedade intelectual. Eventual imitação do trade-dress, nesses casos, importará também, portanto, em contrafação. São diversas as vantagens de se registrar o trade dress quando possível. Ao fazê-lo, o titular efetivamente adquire direitos de propriedade sobre o signo e pode, pois, licenciá-lo e aliená-lo. Além disso, poderá basear-se nos dispositivos legais 12 Ap. 0011981-66.2013.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. E, no mesmo sentido: TJSP, Ap. 374.951.4/8-00. 13 Ob. cit., p. 8. 9 relativos à infração de marca ou desenho industrial para combater eventuais imitações, como já dito. Ainda, com o registro, o titular adquire direitos exclusivos sobre o trade dress em todo o território nacional, o que afasta eventuais argumentos do infrator no sentido de que inexiste relação de concorrência entre as empresas pelo fato de atuarem em diferentes territórios (estados, por exemplo). De se ponderar, ainda, que a existência do registro facilita também a obtenção de liminares em juízo. Nas palavras do autor supracitado, “influenciados pelas características do sistema atributivo, juízes brasileiros se sentem mais confortáveis em conceder tutelas de urgência baseados em um título de propriedade, validamente expedido pelo órgão competente, do que baseados somente no instituto da concorrência desleal”. Em suma: quando viável, o registro do conjunto-imagem é recomendável – ainda que não seja imprescindível, como visto, para que se busque protegê-lo. Superada a questão do registro, há de se avaliar quais elementos serão considerados pelo juízo quando do julgamento de uma disputa judicial envolvendo a identidade visual de um produto, serviço ou estabelecimento. Ou seja: o que deverá ser demonstrado pela empresa que alega a imitação de seu trade dress para que consiga proibir seu uso por terceiros concorrentes e, ainda, receber indenização pelos danos que experimentou em virtude da suposta infração. 10 3. Elementos caracterizadores da infração do trade dress Essencialmente, são dois os fatores que devem estar presentes para que se consiga obter em juízo a proteção do trade dress: (a) distintividade do conjuntoimagem e (b) possibilidade de confusão ou associação (desvio de clientela). Discorreremos, a seguir, sobre cada um de tais elementos. a) Distintividade A distintividade pode ser descrita como a identidade única conferida ao produto ou ao serviço pelo conjunto-imagem, que o distingue e diferencia dos demais. Como explica CASSIANO RICARDO GOLOS TEIXEIRA em artigo publicado na Revista Eletrônica do IBPI14, “o primeiro ponto da avaliação do conceito de trade dress seria o aspecto inerentemente distintivo que se resume justamente à habilidade do trade dress servir como função para identificar a fonte dos produtos e serviços, sendo adquirida ao longo do uso extensivo da ‘aparência’”. Assim, para ser considerado distintivo, o conjunto-imagem deve ser hábil a destacar determinado produto, serviço ou estabelecimento em relação aos seus concorrentes de mercado. GUSTAVO PIVA DE ANDRADE pondera que “o escopo de proteção conferido ao trade dress é diretamente proporcional ao seu grau de disntintividade. Trade dresses únicos e absolutamente distintitvos são merecedores de um amplo escopo de proteção”15. Caracterizada a distintividade do trade dress, dever-se-á verificar, no caso concreto, se a similaridade existente entre os conjuntos-imagem sob análise causa ou poderá vir a causar, futuramente, confusão entre produtos ou serviços. 14 Concorrência desleal: Trade Dress. In: Revista Eletrônica do IBPI, 2009, p. 8. Disponível em: http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/article/view/17/17. 15 Ob. cit., p. 12. 11 b) Possibilidade de confusão ou associação – Desvio de clientela A simples possibilidade de confusão, vale dizer, é reconhecida pela jurisprudência como suficiente para a proteção do trade dress. Nesse sentido, pontua o mesmo autor, em outro artigo de sua autoria sobre o tema16: “É interessante notar que a lei brasileira proíbe não apenas a confusão concreta como também a possibilidade de confusão entre os produtos. O tipo mais comum de confusão ocorre quando o novo competidor tenta aproximar a embalagem do seu produto da embalagem do produto líder de mercado. Trata-se de uma forma de concorrência desleal e já existem diversos precedentes no Judiciário brasileiro atestando a ilicitude dessa conduta (vide Sanofi v.H.B. Farma, 2003, Sanofi v. Vitapan, 2006)” (grifamos e negritamos). Sobre a confusão, explica o renomado jurista JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES: “Como exemplo flagrante dessa modalidade temos a hipótese em que são reproduzidos ou imitados os característicos do produto, de sua embalagem, de sua forma de apresentação no mercado, aliados ao emprego de sinais distintivos (marcas nominativas ou figurativas, tipos de letra, emblemas, desenhos e outros), com o emprego ou não das expressões de propaganda que salientam as qualidades do produto ou do estabelecimento. O conjunto levará fatalmente os menos avisados a erro e confusão quanto à origem ou procedência do produto”17 (grifamos). De se ponderar, ainda, que não só a confusão, mas também a associação indevida pode ser reconhecida como desvio fraudulento de clientela. A associação indevida, decorrente do chamado “aproveitamento parasitário”, resulta na 16 A proteção do ''trade dress'' na área farmacêutica. Disponível em: http://www.dannemann.com.br/dsbim/Biblioteca_Detalhe.aspx?&ID=392&pp=1&pi=2. 17 Apud NEWTON SILVEIRA. Estudos e Pareceres de Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008, p.437. 12 obtenção de vantagem, pela empresa infratora, a partir do uso de trade dress pioneiro ou já conhecido no mercado. Nesses casos, ainda que não haja aquisição errônea do produto, o infrator se aproveita dos esforços empreendidos pelo criador do conjunto-imagem copiado (especialmente de marketing), visando a facilitar o reconhecimento e a venda de seu bem no mercado. A associação indevida também gera, portanto, desvio de clientela e, assim, é igualmente considerada prática anticoncorrencial, inclusive para a finalidade de proteção do trade dress. Assim, embora menos evidente do que a confusão, a associação indevida tem sido reconhecida como infração pelos tribunais brasileiros. Comenta GUSTAVO PIVA DE ANDRADE nesse sentido: “Hoje já existem diversos julgados que atestam a infração não só em função da errônea aquisição de um produto pelo outro, como também em decorrência da associação fraudulenta, capaz de transmitir indevidamente ao produto entrante os mesmos valores e atributos do produto tradicional”18. Hipótese muito comum e que facilita a visualização da associação indevida na prática diz respeito às fábricas de medicamentos genéricos que, por vezes, lançam novos produtos no mercado, reproduzindo a impressão visual do medicamento de referência, de maneira idêntica, adicionando apenas a letra “G” na embalagem. Haverá nesses casos, indubitavelmente, aproximação indevida pelo consumidor. Em suma, é essencial, portanto, que estejam presentes os dois elementos referidos (distintividade e confusão/associação) para que se reconheça o ato ilícito praticado pelo concorrente e, assim, o dever de indenizar. 18 Ob. cit., p. 13. 13 4. Dever de indenizar No que diz respeito ao dever de indenizar nos casos em que há imitação do trade dress (consagrado, como mencionado, no art. 209 da LPI19), imprescindível examinar como a questão da necessidade de prova dos prejuízos é vista pela doutrina e, ainda, como vem sendo tratada na jurisprudência dos tribunais brasileiros. De acordo com um dos maiores doutrinadores na matéria, GAMA CERQUEIRA, a prática do ato ilícito (anticoncorrencial) é suficiente para que surja a obrigação de reparação: “A simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 159 do Cód. Civil, não sendo, pois, necessário, ao nosso ver, que o autor faça a prova dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (Cód. Civil, art. 1.059), que se apurarem na execução. E não havendo elementos que bastem para se fixar o quantum dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o art. 1.553 do Cód. Civil”20 (grifamos). No mesmo sentido tem se posicionado o Colendo Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 209 da LPI, reconhecendo repetidas vezes o dever de indenizar na hipótese sob análise, em virtude do dano patrimonial presumido sofrido pelo autor da ação: ““PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS. 19 CONTRAFRAÇÃO. NECESSIDADE DE “Fica ressalvado ao prejudicado o direto de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de diretos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previsto nesta Lei, tendentes a prejudicar reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comercias, indústrias ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio” (grifamos e negritamos). 20 Tratado da Propriedade Industrial. São Paulo: Ed. Lumen Juris, 2012, vol. II, p. 218. 14 COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, em se tratando de direito de marcas, o dano material pode ser presumido, pois a violação do direito é capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular, tais como, o desvio de clientela e a confusão entre as empresas. Por outro lado, há a necessidade de comprovação do efetivo dano moral suportado pela empresa prejudicada pela contrafação, uma vez que, a indenização extrapatrimonial está ligada à pessoa do titular do direito. 2. Agravo regimental a que se nega provimento”21. Na linha do entendimento do STJ, veja-se, também, recente julgado do TJSP, em que o ilustre relator do acórdão, Des. CLÁUDIO GODOY, entendeu que o dano material está in re ipsa: “Propriedade industrial. Trade dress. Reprodução pelos réus do mesmo conjunto-imagem para a comercialização de produto concorrente. Concorrência desleal. Conduta predatória tipificada no art. 195, II, da Lei 9.279/96. Divulgação, por ex-representante comercial da autora, da informação de que ela havia encerrado suas atividades. Prejuízo havido e mesmo presumido. Liquidação por arbitramento, nos termos dos artigos 208 e 210 da Lei 9.279/96. Honorários contratuais hão também de ser ressarcidos. Inteligência do art. 389 do CC. Sentença revista. Recurso provido”22 (grifamos e negritamos). Não se trata, porém, de questão sedimentada na jurisprudência. Parte dos julgadores ainda entende que, em se tratando de violação a direito de propriedade intelectual ou ato de concorrência desleal, o dano – assim como o ato ilícito e o nexo causal - deve ser demonstrado pelo autor da ação em que se busca reparação civil23. 21 AgRg no AREsp 51.913/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Ap. 0001513-77.2011.8.26.0176, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. No mesmo sentido: Ap. 0011981-66.2013.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Ramon Mateo Jr. 23 Confiram-se, a respeito, no TJSP, EI 0065228-57.2011.8.26.0576/50000, Rel. Des. Alexandre Marcondes. 22 15 Assim, ideal seria que a questão da necessidade de prova do prejuízo quando evidenciada a imitação do trade dress fosse pacificada na jurisprudência, especialmente em atenção ao princípio da segurança jurídica e da isonomia, assegurados na Constituição Federal. 5. Conclusão Realizadas as breves ponderações acima acerca do tema, verifica-se, em síntese, que, embora não haja previsão legal expressa de proteção ao trade dress no Brasil, o ordenamento jurídico brasileiro conta com meios eficazes de combate à concorrência desleal – perfeitamente aplicáveis às hipóteses de imitação do conjuntoimagem. Nota-se, também, que a jurisprudência dos tribunais brasileiros sobre o tema é bem desenvolvida e conta com diversas decisões que reforçam a importância do instituto, protegendo-o, por exemplo, independentemente de registro no INPI e pela simples possibilidade de confusão ou associação resultante da imitação do trade dress. Repisa-se, por fim, o antes exposto no sentido de que a questão relativa à necessidade de comprovação dos prejuízos materiais decorrentes da violação do conjunto-imagem merece especial atenção da jurisprudência, a fim de que se consolide um entendimento quanto ao dano nesses casos (se presumido ou não). 6. Bibliografia consultada ANDRADE, Gustavo Piva de. O trade dress e a proteção da identidade visual de produtos e serviços. In: Revista da ABPI, nº 112, mai/jun 2011. 16 ANDRADE, Gustavo Piva de. A proteção do ''trade dress'' na área farmacêutica. Disponível em: http://www.dannemann.com.br/dsbim/Biblioteca_Detalhe.aspx?&ID=392&pp=1&pi=2 . BARBOSA, Denis Borges. Do trade dress e suas relações com a significação secundária. Disponível em: www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/trade_dress.pdf CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2012. GUSMÃO, José Roberto d’Affonseca; d’HANENS, Laetitia Maria Alice Pablo. Breves comentários sobre a proteção ao trade dress no Brasil. In: Revista dos Tribunais - RT 919, maio de 2012. SILVEIRA, Newton. Estudos e Pareceres de Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008. SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal vs. Trade Dress e/ou Conjuntoimagem. Ed. Tinoco Soares. TEIXEIRA, Cassiano Ricardo Golos. Concorrência desleal: Trade Dress. In: Revista Eletrônica do IBPI, 2009. http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/article/view/17/17. http://www.tjsp.jus.br/. Acesso em: 10/3/2015. http://www.tjgo.jus.br/. Acesso em: 10/3/2015. 17 Disponível em: