SOBRE O 3º VAMOS FALAR DE SAÚDE MENTAL? MAÍRA FERREIRA1 Como membro da Comissão Impermanente dos encontros Vamos falar de Saúde Mental? compartilharei, com os leitores deste Boletim, alguns momentos experienciados no 3º Encontro, realizado no último dia 21 de maio de 2011 – plena semana da luta anti-manicomial – no Instituto Sedes Sapientiae2. Para tal relato, me utilizarei de trechos das convocatórias de Patrícia Villas-Boas (psicanalista do Departamento Formação em Psicanálise e Coordenadora do curso de expansão cultural "Reforma Psiquiátrica e Saúde Mental) e das atas de Maria Silvia Bolguese (psicanalista do Departamento de Psicanálise e membro da Diretoria do Instituto Sedes Sapientiae). Para introduzir o tema, embora muito brevemente3, o espaço "Vamos falar de Saúde Mental?" é um desdobramento de importantes e urgentes efervescências políticas em Saúde Mental - fortemente mobilizadas no ano de 2010, ano da IV Conferência Nacional de Saúde Mental-Intersetorial, e da reunião de diferentes grupos e departamentos do Instituto Sedes em prol da criação de um espaço aberto para os trabalhadores de Saúde Mental de São Paulo. Nos dois primeiros encontros do "Vamos falar de Saúde Mental" (dezembro de 2010 e março de 2011), os participantes que se encontraram discutiram sobre a realidade de suas práticas, as angústias envolvidas e, ainda, sobre as articulações/respostas que esse coletivo poderia pensar e produzir. Com a participação média de 60 pessoas em cada encontro, foram levantadas questões como: a desarticulação da rede de atenção em saúde mental; os ataques às políticas do SUS e à reforma psiquiátrica brasileira; a delicada questão das OS na parceria com a saúde pública; o isolamento dos trabalhadores e serviços e a necessidade de formação e informação para as pessoas que estão ingressando nos serviços. Assim, os caminhos apontados como possíveis encaminhamentos destas demandas foram: a criação de um fórum no qual os trabalhadores de Saúde Mental pudessem apresentar e discutir suas práticas (conquistas e dificuldades); a discussão e definição de posicionamentos políticos coletivos e institucionais diante das políticas públicas do município de São Paulo; debates e estratégias de intervenção no campo da Saúde Mental; criação de um Observatório de Saúde Mental para onde convergiriam os principais problemas enfrentados no Estado e a necessidade de articulação com outras redes e movimentos de Saúde Mental. Desta forma, abrimos o 3º Encontro retomando estas indicações do coletivo a fim de gerar um movimento no sentido da realização destes anseios. Em seguida, Pedro Mascarenhas assumiu a coordenação e o Sociodrama teve seu início. A partir do pedido de Pedro Mascarenhas, as pessoas começaram a andar e se apresentar umas às outras. Rapidamente, o grupo começou a interagir. Passado um tempo, Pedro fez uma intervenção: “Sejam todos muito bemvindos. Temos muito para conversar. Vamos nos concentrar no trabalho de Saúde Mental. Vamos pensar em fortalecer as práticas anti-manicomiais. Pensem em uma cena, utilizem as mãos para expressar como se sentem em relação a esta cena”. Poucas conseguiram expressar visualmente o que sentiam. Então Pedro Mascarenhas pediu que as pessoas falassem uma palavra sobre a cena. Algumas palavras foram: “solidão, apertado, amarrado, fechamento, culpa, tensão, escapa, fazer o quê, acolhimento, não acredito, acredito, jogo de poder, tudo que eu já sabia, em suspenso, decepção...” A pedido de Pedro todos voltaram a caminhar pela sala buscando tocar o ombro direito de um desconhecido com que gostaria de conversar. Formaramse vários grupinhos de duas, três e quatro pessoas. Alguns diálogos foram registrados por Maria Silvia Bolguese: “a situação lá é gravíssima, há um índice enorme de rotatividade, ninguém tem projeto coletivo... na Brasilândia não, tem equipe, tudo funciona coletivamente, não posso falar de lá, tudo vai bem; grupo fala de ameaça de morte de um paciente, ficam muito em silêncio, e alguém fala do próprio consultório; há muito autoritarismo, me sinto ameaçada na prefeitura... eu penso nas crianças que atendo no consultório e que são largadas por pais que trabalham demais; tem um paciente psicótico internado no Mandaqui, a mãe só fala em medicação..”. Pedro Mascarenhas colocou uma cadeira branca no meio da sala e disse que aquela representava as políticas antimanicomiais. Logo as pessoas começaram a se expressar (registros da ata de Maria Silvia Bolguese): "A política antimanicomial é muito solitária, está engatinhando, espaço para pensar, pequenas violências em diversos lugares, gestão honesta, espaço de construção, pode funcionar, sozinho nunca mais, projetos de vida alternativos a projetos mortíferos, como cuidar do outro?, o movimento não pode parar, formação de rede, acredito na caminhada, construir alternativas de vida, esforço para manter, melhor do velho e melhor do novo, como cuidar da gente mesmo?, a inclusão..." Então Pedro Mascarenhas colocou uma cadeira preta em frente a cadeira branca: “Esta é a política manicomial. O que vocês podem dizer em relação a ela?” E algumas falas foram: "Acho que eu sei tudo, quanta grana ganhamos, eu sei tudo, falta de respeito, isolamento, emburrecimento, laboratórios, prepotência, preconceito, violência, exploração da família, poder, o que for mais fácil pra mim, exclusão, vamos acabar com o SUS". Pedro Mascarenhas continuou intervindo e o grupo começou a tecer considerações: "O isolamento está em ambas as cadeiras? Onde está a nossa história? Nós da cadeira branca também temos pensamentos reativos? Estamos aprisionados? Eu me sinto como se fosse um personagem…Qual personagem?…Um ogro, louco com medo de perder a cabeça, um cabo de guerra, um transformador, uma guerreira, dividida, chamando parceiros...isto é ingenuidade?…Sou Dom Quixote, sou uma pessoa angustiada…um adolescente querendo abraço…um navegante em meio à tempestade…Vamos afastar mais as cadeiras? Isto é demasiadamente humano.Quero virar a cadeira preta de cabeça pra baixo e deixar a branca de lado". Muitos riram e falaram: "Gostei". Timidamente e espontanemante, as pessoas começaram a cantar: “Alegria, Alegria” de Caetano veloso, “Tanto Amar” de Chico Buarque, “Timoneiro” de Paulinho da Viola, “O Bêbado e o Equilibrista” de João Bosco. Todos cantaram e alguns choraram. Pouco a pouco as discussões fecharam o sociodrama e abriram a plenária de encaminhamentos: "O que cada um pode fazer? "Podemos ser um observatório e promovermos os fóruns de discussão. Algumas equipes poderiam apresentar inicialmente as suas práticas, poderíamos produzir textos concisos para divulgar as questões importantes; temos que ser um espaço inclusivo, ouvir a todos e qualificar as propostas; Vamos acompanhar as etapas municipal, estadual, até a nacional a 14ª Conferência de Saúde; Vamos fazer rede; Precisamos conhecer melhor a situação atual; Também temos que participar da mobilização política dos usuários; Produzir pensamento é fundamental...É preciso falar do miúdo, das práticas, da micro-política, deixar as pessoas apresentarem o que estão fazendo; Podemos fazer reuniões temáticas, montar uma programação das questões importantes a serem discutidas; O Observatório não exclui essa discussão; Mas para alimentar um Observatório precisaríamos de uma equipe só para dar conta disso; Ainda não sabemos se há fôlego para o Observatório; O grupo da Comissão pode coordenar a recepção de material importante para inserir no site do SEDES (link do encontro); Precisamos ser propositivos, Falar das políticas de saúde mental, tentar intervir; Temos que tentar fortalecer o SUS, não podemos ser só anti-tudo; Vamos fazer uma cartografia da saúde mental na Grande São Paulo a partir das experiências dos trabalhadores... É isso, vamos discutir sobre as práticas, falar da micro-política, das políticas do cotidiano que corroem as práticas aos poucos". Ao fim, o grupo decide que no 4º Vamos falar de Saúde Mental? o coletivo dará início à construção de uma cartografia do território por meio da apresentação e discussão das experiências dos participantes-trabalhadores em saúde mental. Com este propósito, para o próximo encontro, teremos a discussão das práticas cotidianas preparadas por Denise Fontana e Renata Lins (Pinheiros); Danielle Antonelli e Érika Fontana (zona norte); e Maria Verônica Telênia (Mauá). Para finalizar, este terceiro encontro parece ter confirmado a importância de um espaço ético para as mais diversas trocas de experiências entre os trabalhadores de Saúde Mental. Diante disso, o seguinte contrato foi estabelecido no coletivo: “vamos sempre proteger as fontes, ou seja, os trabalhadores que pedirem apoio ou vierem denunciar casos terão este coletivo para ouví-los e protegê-los”. E foi assim que se encerrou o encontro, com intensa participação e comprometimento do grupo ali presente. Contamos com a colaboração de todos para o fortalecimento deste espaço e, para tanto, o link na página do Sedes - "Vamos falar de Saúde Mental?" - está aberto para receber textos, artigos, ensaios, links referentes à toda esta temática. O grupo é aberto a todos os interessados, bastando inscrever-se pelo email [email protected]. O próximo encontro será no dia 6 de agosto às 10:00 hs. . Psicanalista, mestre em Educação e Psicanálise pela FE/USP, aluna do 3º ano do curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e membro da Comissão Impermanente do 3° Vamos Falar de Saúde Mental?, da qual fizeram parte: Lilian Ferrarezi; Marcio Farias; Maíra Ferreira; Maria Veridiana S. Paes de Barros; Maria Silvia Bolguese; Patricia Villas-Boas; Rodrigo Nóia Montan; Pedro Mascarenhas. 2 O 4º encontro “Vamos falar de Saúde Mental?” está previsto para o dia 6 de agosto de 2011 e tem como integrantes de sua Comissão Impermanente: Antonio Sérgio Gonçalves, Danielle Antonelli, Erika Fontana, Lilian Ferrarezi, Marcio Farias, Maíra Ferreira, Patricia Villas-Boas, Pedro Carneiro, Pedro Marcarenhas, Renata A. Lins e Rodrigo Nóia Montan. 3 Para maiores explicações sobre a história do "Vamos falar de Saúde Mental?", sugerimos o artigo de Maria Silvia Bolguese publicado no Boletim Online n°16. 1