Revisão e reescrita no romance The Voyage Out, de Virginia
Woolf
Maria Alessandra Galbiati1
1
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Rua Cristóvão Colombo, 2265 – 15054-000 – São José do Rio Preto – SP.
[email protected]
Abstract. In order to get the final version of her first novel The Voyage Out
(1915), Virginia Woolf wrote and rewrote it many times. One of these
rewritings is Melymbrosia, completed around 1912. Thus, this aim of this
paper is to point out some of the differences of form and content found in
Melymbrosia and The Voyage Out, checking out how these modifications are
relevant and important to characterize this process of revision and rewriting
in the construction of the novel.
Keywords. Virginia Woolf; Melymbrosia; The Voyage Out; rewriting; novel.
Resumo. Para se chegar ao texto final do seu primeiro romance The Voyage
Out (1915), Virginia Woolf promoveu um movimento intenso de revisão e
reescrita, gerando vários pré-textos, sendo um deles, Melymbrosia, terminado
em 1912. Assim, este trabalho tem como objetivo principal apontar as
diferenças encontradas de forma e de conteúdo entre Melymbrosia e The
Voyage Out, verificando como essas modificações são relevantes e
importantes para caracterizar esse processo de revisão e reescrita na
construção do romance.
Palavras-chave. Virginia Woolf; Melymbrosia; The Voyage Out; reescrita;
romance.
Introdução
Este trabalho tem como objetivo principal apontar as diferenças encontradas de
forma e de conteúdo entre Melymbrosia e The Voyage Out, ambos textos escritos por
Virginia Woolf. Além disso, torna-se essencialmente relevante verificarmos como essas
modificações entre um texto e outro são importantes para caracterizar o processo de
revisão e reescrita da autora britânica, bem como apontá-los como dois textos
diferentes, cada um com suas especificidades.
Para observarmos mais atentamente esse processo, fizemos um levantamento de
trechos de assuntos políticos, indicadores das preocupações e angústias da jovem
Virginia, que foram tratados explicitamente em Melymbrosia; e no momento da
comparação, verificamos se os mesmos trechos foram excluídos, mantidos e/ou editados
em The Voyage Out. Esse levantamento e comparação de trechos é importante porque
sabemos que Virginia teve de fazer modificações em seu texto para que o mesmo
pudesse ser publicado, e desta maneira, a autora pudesse ser reconhecida como uma
romancista promissora. Além disso, esse levantamento mostra-nos uma mudança no
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grau de conscientização política de Virginia Woolf, ao escrever Melymbrosia e depois,
The Voyage Out.
Desta maneira, nossos objetos de análise já citados são: o primeiro romance de
Virginia, The Voyage Out (edição da Oxford University Press, 2001), que é o mesmo
texto publicado em março de 1915 por Duckworth & Company e o livro Melymbrosia
(Cleis Press, 2002), texto finalizado por volta de 1912, que foi transcrito, editado e
publicado por Louise DeSalvo em 1982. Com ambos os textos, procuramos observar
quais eram as angústias, os anseios e os tópicos políticos no início do século XX,
vivenciados por Woolf e que seriam retratados por toda sua obra, de maneira implícita.
Revisões e reescritas
Para chegar à publicação de seu primeiro romance, a jovem Virginia Stephen
estabeleceu um intenso processo de revisão e reescrita. De acordo com as observações
feitas por Lorna Sage na introdução do livro The Voyage Out (Oxford University Press,
2001), Virginia começou a escrever por volta de 1907 e só conseguiu ter seu romance
publicado em 26 de março de 1915. É fato que, desde 1908, seu texto passou por um
número grande de revisões, inclusive alguns capítulos foram dados a Clive Bell para ler.
Entre 1912 e 1913, Virginia fez a revisão maior e final de seu texto, com adição
de alguns capítulos e mudança em outros. O livro foi entregue à Duckworth &
Company em março de 1913, mas foi somente publicado dois anos depois devido às
crises de depressão e ansiedade e também pela tentativa de suicídio em 1913, logo após
Woolf ter feito mais uma correção e revisão no seu texto. Assim, a autora teve seu livro
finalmente publicado quando ela tinha 33 anos de idade.
Após a edição britânica de 1915, sabemos também que Virginia Woolf
modificou mais vezes o texto de seu primeiro romance para outras edições. De acordo
com Haule (1996), no inverno de 1919-1920, a autora recebeu uma proposta da
Macmillan para publicar The Voyage Out em Nova Iorque, mas o negócio não foi
fechado devido às condições impostas por Duckworth & Company. No entanto, na
mesma época, outra proposta surgiu, dessa vez, foi de George H. Doran Company.
Virginia fez novas correções e alterações em cima das cópias da edição de Duckworth
(1915) e as mandou diretamente para Doran Company. Ao mesmo tempo, a autora
trabalhava com alterações para a segunda edição britânica, agora publicada pela
Hogarth Press em 1920. Ainda, segundo Haule (1996), em nenhum outro momento da
vida de Woolf, um texto acabado foi tantas vezes revisado e modificado, especialmente
depois de tantos anos da primeira data de publicação. Com exceção de The Years
(1937), nenhum de seus romances demorou tanto na preparação ou na finalização.
Sabemos que, em 1958 e 1962, um conjunto de manuscritos foi adquirido por
Berg Collection da Biblioteca Pública de Nova Iorque. Desse conjunto, foram
identificados, por Louise DeSalvo, 9 rascunhos ou fragmentos de rascunhos, incluindo 2
cópias datilografadas quase completas, sendo que um deles, Melymbrosia, completado
em 1912, foi transcrito, editado e publicado nos Estados Unidos, com o mesmo título
por DeSalvo em 1982.
Adequação do conteúdo à forma: motivações político-históricas
Desde a publicação de Melymbrosia em 1982, texto considerado por muitos
críticos como um dos rascunhos anteriores à versão final e oficial do que viria a ser seu
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primeiro romance (The Voyage Out), podemos notar as modificações que o pré-texto
sofreu, inclusive a mudança do título.
No entanto, não houve grandes mudanças no enredo, permanecendo basicamente
o mesmo em ambos os textos. O enredo é desenvolvido durante uma excursão à
América do Sul num navio cargueiro. Rachel Vinrace viaja com seu pai (Willoughby
Vinrace), seu tio (Ridley Ambrose) e sua tia (Helen Ambrose). No caminho, a viagem
tem duas paradas: a primeira é em Lisboa onde acontece a primeira tempestade e eles
encontram os Dalloways (Richard e Clarissa), que desembarcam na costa da África; a
segunda acontece num hotel na vila imaginária de Santa Marina (na costa do Mar
Mediterrâneo). No hotel, Rachel conhece um grupo de turistas britânicos, Terence
Hewet e seu amigo de Cambridge, St John Hirst. Com eles, Rachel acompanha os
Flushings e um par de excêntricos admiradores de arte primitiva numa viagem (a
segunda do romance) acima do rio e dentro da floresta. Lá, Rachel e Terence declaram
seu amor um ao outro e ficam noivos. Algumas semanas após o retorno à Santa Marina,
Rachel entra num estado febril e morre, a segunda tempestade estoura e vai diminuindo
até que desaparece; e ficamos com a cena incômoda das pessoas do hotel arrastando-se
para suas camas e voltando logo depois para a Inglaterra.
De um modo geral, sobre o uso da linguagem, podemos observar que Virginia se
expressa mais aberta e francamente em Melymbrosia. Suas angústias são mais claras,
suas posições político-sociais são explícitas e suas críticas à sociedade britânica
predominantemente masculina são mais afiadas e diretas. Já, em The Voyage Out,
notamos uma abordagem um tanto diferente: Virginia Woolf trabalha o significado de
maneira mais ambígua; as críticas ao imperialismo britânico são suavizadas; suas
preocupações femininas em relação à posição da mulher nesta sociedade machista
tornam-se mais implícitas. Enfim, esse processo de revisão e reescrita, a nosso ver,
trata-se de um movimento de recriação. The Voyage Out é um texto reelaborado no qual
notamos a adição de capítulos, apagamento de referências explícitas sobre assuntos
polêmicos, refinamento no uso da linguagem culta, entre outras coisas, faz com que The
Voyage Out se torne uma obra de arte mais mítica e metafísica, segundo as observações
de Lorna Sage (2001) e nossa leitura comparativa.
Para ilustrar o que acabamos de dizer sobre as mudanças sobre o uso da
linguagem, trazemos um trecho no qual há uma discussão sobre religião. Nesta
conversa, participam as personagens Helen, Willoughby e Ridley.
‘I’m almost sure that the nurse has taught Margaret the Lord’s Prayer by this time!’
‘She’ll soon forget it’ Ridley growled. ‘You atribute too much power to Christianity,
my dear. I’ll sweep her little head clear in half an hour. Besides, the child is sensible.’
‘It’s the waste I hate’ said Helen.
‘Oh a little religion hurts nobody’ said Mr Vinrace, awkwardly trying to turn the
conversation with a laugh.
‘Don’t you think so?’ said Helen, fixing him with her large severe eyes.
‘I would rather my daughter told lies than believed in God; only they come to the same
thing.’
‘If you think that,’ shrugged Willoughby, ‘we can’t argue; and we don’t want to quarrel,
do we Helen?’
‘There is no reason for quarrelling because one disagrees’ said Helen. ‘But when I think
of a child of mine sitting up on its haunches and babbling nonsense to a God because an
ignorant woman cajoles it, my blood boils!’ (Melymbrosia, p.23-24).
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‘At this moment I have a nurse. She’s a good woman as they go, but she’s determined
to make my children pray. (...) what shall we do if we find them saying the Lord’s
Prayer when we get home again?’
But Willoughby, whose discomfort as he listened was manifested by a slight rocking
movement of his body, said awkwardly, ‘Oh, surely, Helen, a little religion hurts
nobody.’
‘I would rather my children told lies,’ she replied, and while Willoughby was reflecting
that his sister-in-law was even more eccentric than he remembered, pushed her chair
back and swept upstairs. (The Voyage Out, p. 23)
Em Melymbrosia, percebemos que as falas da personagem Helen são agressivas
e diretas em relação a sua posição sobre religião. Já, em The Voyage Out, o momento da
discussão entre Helen e Willoughby foi excluído e há a presença do narrador para
mediar o diálogo, suavizando, de alguma maneira, às críticas feitas por Helen.
Uma informação relevante sobre o processo de composição de seu primeiro
romance é que Virginia Woolf seguiu conselhos, principalmente os de Clive Bell
(segundo constam cartas escritas supostamente entre 1907 e 1909), para modificar seus
ataques e críticas político-sociais, bem como a própria constituição dos personagens e
do romance no geral (seu estilo, a dificuldade em situar realidade dentro da ficção, o
tratamento sombrio sobre o amor e o casamento, etc.)1. Toda essa preocupação é
justificada pelo fato de que um livro como Melymbrosia poderia ser uma tragédia,
prejudicando sua carreira como romancista. Dizemos isso porque, em sua época, a
presença do homem em todos os setores da sociedade, inclusive na literatura, era algo
predominante e suas críticas não apenas à sociedade como também a assuntos
polêmicos (homossexualismo, religião, educação, direitos iguais entre os sexos) eram
muito diretas e severas.
Além disso, sabemos que Virginia lutava por um espaço no meio literário. A
autora britânica sabia que, publicar seu primeiro romance era assumir um risco muito
grande: ela estava receosa pela exposição, já que ela mesma, “numa carta a sua irmã
Vanessa Bell, disse que ela tinha medo de alguém ver e criticar seu manuscrito, tanto
que ela o escondeu numa sala onde ninguém poderia encontrá-lo” (DeSalvo, 2002,
p.xxi). No entanto, graças à multiplicidade de leituras, seu primeiro romance The
Voyage Out pode ser interpretado de algumas maneiras: podemos entendê-lo como uma
grande metáfora: a representação de sua primeira viagem na arte da ficção; poderia ser
uma referência a sua primeira viagem de navio a Portugal ou também poderia ser a
passagem de uma mulher da inocência à descoberta do mundo e de si mesma. Desta
forma, ela não poderia se arriscar a publicar um romance cuja linguagem fosse tão
direta, agressiva e, por vezes, crua; já que, no início da composição, a autora Virginia
Stephen era jovem e no final da produção, quando o livro foi publicado em março de
1915, ela estava casada com Leonard Woolf e havia comprado a casa de publicação
Duckworth & Company, que viria a ser a Hogarth Press.
Ao abordarmos o dilema de Virginia Woolf na composição do texto de seu
primeiro romance, percebemos a preocupação da autora em achar a forma mais propícia
para expressar seus conteúdos. Pelo fato de ser uma mulher, escrevendo um romance
numa sociedade patriarcal e lutando por um espaço no meio literário, Virginia Woolf
revisou e reescreveu seu texto várias vezes, substituindo formas obsoletas, que não
tinham mais função por novas formas, novas maneiras de expressão. Assim,
percebemos que o conteúdo possui uma lógica e, sendo histórico e social em si mesmo,
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requisita formas adequadas. É o processo que Fredric Jameson chama de lógica do
conteúdo, explicado em Marxismo e Forma.
Quando abordamos a questão entre literatura, gênero e autoria, sabemos que, no
meio literário, sempre houve muita discussão. O fato de uma mulher, vinda de uma
família nobre e de intelectuais, com uma educação fundamentalmente vitoriana, ser
escritora era algo polêmico e discriminatório em si. Neste ponto, talvez seja importante
mencionarmos a tendência de ligação entre a autora Virginia Woolf, sua obra e o
feminismo. Com todas essas informações contextuais, o leitor já está condicionado a
fazer um certo tipo de leitura da obra de Virginia Woolf. Em outras palavras, o leitor
possui seus conceitos e ativando-os no momento da leitura, não permitindo com que o
mesmo faça outras leituras ou consiga sair do nível superficial do texto woolfiano. As
ideologias pré-existentes condicionam nossas leituras, são formas de repressão de novas
interpretações. São as chamadas estratégias de contenção propostas por Jameson em O
Inconsciente Político.
Não negamos a aproximação e influência de cunho feminista na escrita
woolfiana, principalmente no tocante a referências à luta por direitos políticos e sociais,
ao voto, ao direito à educação e a condições mais justas de trabalho. David Bradshaw
(2001), na introdução do livro The Mark on the Wall and Other Short Fiction, explicanos que a posição política feminista de Virginia está disseminada em vários textos.
Inclusive em The Voyage Out, o escritor diz que a autora faz uma clara ligação entre a
masculinidade, o sistema e o poder do estado. Contudo, vale ressaltar que a obra de
Virginia não se limita a isso. Notamos que muitos trabalhos desenvolvidos a respeito de
Virginia Woolf remetem-se basicamente a sua causa feminista2 ou a análises
psicológicas e existenciais, sendo, a nosso ver, restritas ou como Carvalho (2001)
defende em sua dissertação de mestrado, distorcidas e/ou equivocadas; visto que
entendemos que Virginia Woolf se interessou profundamente por causas sociais e
políticas, não como militante, mas como uma cidadã “enquanto representante da
humanidade, independentemente de sua origem, classe, ou orientação sexual”
(Carvalho, 2001, p.57).
Falando sobre crítica literária e gênero, Terry Eagleton (1998, p.182)
mostra-nos que a crítica feminista não estuda representações de gênero simplesmente
porque ela acredita que isso favorecerá seus fins políticos. Ele também acredita que
gênero e sexualidade são temas centrais na literatura e em outros tipos de discurso, e
que, qualquer causa crítica que os omita está seriamente incompleto. De certa maneira, a
questão literatura-gênero está ligada à crítica feminista.
A respeito da relação entre crítica literária e política, Eagleton (1998, p.182)
explica-nos que toda crítica “lê” textos literários na luz de certos valores que estão
relacionados a crenças e ações políticas. A idéia de que exista uma crítica ‘não-política’
é simplesmente um mito que favorece certos usos políticos da literatura de forma mais
eficaz. O autor acrescenta ainda que a diferença entre um crítico convencional, que fala
sobre o ‘caos da experiência’ em Conrad ou Woolf, e um crítico feminista, que examina
as imagens de gênero desses escritores, não é uma distinção entre a crítica política e
não-política. É, de fato, uma distinção entre formas diferentes de política – entre aqueles
que aceitam a doutrina que história, sociedade e realidade humana são fragmentárias,
arbitrárias e sem direção, e aqueles que têm outros interesses os quais implicam visões
alternativas sobre como é o mundo. Dessa forma, não é uma questão de debater se
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‘literatura’ deve ser relacionada a ‘história’ ou não: é uma questão de leituras diferentes
da própria história.
Desta maneira, na natureza da política feminista, sinais e imagens, experiências
escritas ou dramatizadas possuem significação especial. O discurso, em todas as suas
formas, é uma preocupação óbvia para feministas, tanto em lugares onde a opressão da
mulher pode ser interpretada como aqueles onde a opressão pode ser desafiada. Por isso,
o feminismo não faz distinção entre questões do sujeito humano e questões de luta
política. Há vários momentos em The Voyage Out nos quais o leitor pode perceber a
inferiorização da mulher perante a sociedade britânica no que diz respeito à capacidade
de pensar, à busca por trabalho, ao direito à educação, entre outros. Um exemplo dessa
inferiorização é o diálogo entre St John Hirst e Rachel. Nele, há claramente o
questionamento sobre a capacidade de pensar e de entender feminina, já que Hirst,
sendo um homem culto e de Cambridge, não acredita que o sexo feminino tenha
habilidade para discutir qualquer tipo de assunto nem tenha a capacidade de
compreender aquilo que lê (apenas aquelas mulheres que saibam ler efetivamente):
‘About books now,’ said Hirst. ‘What have you read. Just Shakespeare and the Bible?’
‘Why can’t he talk simply.’ Rachel again reflected.
‘I don’t read much’ she said aloud.
‘D’you mean you’ve reached the age of twenty four without reading Gibbon?’
‘Yes’ she answered.
‘Then you must begin tomorrow. What I want to know is – can one talk to you? I should
have thought you might be intelligent.’
‘It’s the Decline and Fall isn’t it?’ said Rachel.
‘But what’s the use of your reading it if you can’t understand it?’ said Hirst fixing her
with his severe honest eyes. ‘I should think it quite possible that you have a mind, but it
is doubtful if you can think honestly because of you sex you see.’
‘Well after all,’ sighed Rachel, ‘we can only wait and see.’ (Melymbrosia, p.175-176)
Pensando especificamente em Melymbrosia e The Voyage Out, o processo de
alteração feito por Virginia Woolf indica-nos uma busca por uma constante atualização
político-social da própria autora, que consegue manter-se informada e engajada nos
assuntos políticos de sua época; sempre colocando sua visão e posição a respeito de
arte, literatura, história e política. Além disso, Virginia foi uma pessoa que se
preocupava não apenas com a questão da mulher na sociedade britânica, mas sim com a
relação entre os seres humanos, o significado da vida. A maneira pela qual organizamos
nossa vida social e as relações de poder que a envolve significa ser político, significa o
engajamento com a natureza dos indivíduos e sociedades e é o que podemos dizer de
Virginia: uma mulher totalmente ciente, atualizada e engajada na sociedade britânica no
início do século XX.
Análise comparativa
Ressaltamos que Virginia Woolf fazia uso idiossincrático e experimental de
pontuação e paragrafação. Na edição da Oxford (2001), há uma nota, explicando ao
leitor, alguns ajustes feitos na pontuação em The Voyage Out: hifenização (palavras
separadas por hífen foram unidas); substituição do sufixo “-ize” por “-ise”; subtração do
ponto final depois de “Mr” e “Mrs” e uso de aspas simples ao invés de aspas duplas
para seguir o uso padrão. Todas essas alterações na pontuação foram desconsideradas
no momento da comparação em nosso trabalho.
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Para fazer a leitura comparativa entre os dois textos, utilizamos como parâmetro
o trabalho citado por Louise DeSalvo na Introdução do livro Melymbrosia (2002, p.xix)
no qual a autora identificou 29 tópicos políticos, históricos e sociais da época de
Virginia Woolf. Foi, por meio desses assuntos, que procuramos extrair trechos
relevantes, que nos indicariam alguns dos procedimentos utilizados por Woolf no
processo de revisão e recriação de seu primeiro romance.
Durante a leitura de Melymbrosia, 73 trechos foram selecionados. Como esse
texto foi editado, os capítulos I, II, XIII, XIV e XIX foram emprestados de The Voyage
Out para completar a seqüência narrativa. Por isso, os 15 trechos pertencentes a esses
capítulos, foram desconsiderados em nossa pesquisa, restando-nos 58 a serem
analisados. Então, comparamos os 58 trechos em The Voyage Out, a fim de
observarmos qual foi o tratamento dado por Virginia Woolf, durante seu processo de
recriação. Após comparação, chegamos aos seguintes números. Dos 58 trechos
analisados, 16 foram excluídos, 28 sofreram algum tipo de alteração e 14 não foram
modificados.
Neste ponto, faz-se importante explicar como atribuímos a classificação para os
58 trechos analisados. Para isto, trazemos uma espécie de legenda explicativa e
exemplos de trechos que possam ilustrar nossa classificação:
a) diferente: classificamos como “diferente” todo o trecho com alteração
(modificação/edição/adição/subtração) significativa;
Then came the narrative of a strike among native workmen, which Willoughby had
subdued by leaning out of his bedroom window in his shirt sleeves and roaring loudly in
English. He was up to his eyes in work, triumphant over Germany (Melymbrosia, p.211212).
(...) and then half a page about his own triumphs over wretched little natives who went
on strike and refused to load his ships, until he roared English oaths at them, ‘popping
my head out of the window just as I was, in my shirt sleeves. The beggars had the sense
to scatter.’ (The Voyage Out, p.221)
b) excluído: foi classificado como “excluído” aquele trecho cortado/retirado na
escrita de The Voyage Out;
c) não-alterado: é o trecho que não sofreu alterações e foi preservado no texto de
The Voyage Out. Esse tipo de excerto refere-se basicamente aos capítulos V e
VI, provenientes de versões datilografadas posteriores a Melymbrosia;
d) desconsiderado: todo o trecho pertencente aos capítulos emprestados de The
Voyage Out para completar a seqüência narrativa em Melymbrosia.
Neste ponto, seria interessante ressaltarmos que os trechos referentes a assuntos
bastante polêmicos, como: religião, ciência, artes, colonialismo britânico, inferiorização
do sexo feminino, casamento e morte sofreram algum tipo de alteração. Em alguns
trechos, as críticas foram suavizadas; em outros, houve uma metaforização do sentido;
outros ainda, o assunto foi simplesmente excluído.
Também é interessante apontarmos que houve alguns trechos que se
apresentavam pouco diferentes entre um texto e outro. Às vezes, havia a inserção de
uma oração no meio do parágrafo; outras, mudança de algumas palavras dentro do
trecho; outras ainda, inversão sintática e, por fim, outras, com pequenas alterações
ortográficas. No total, foram classificados 6 trechos deste tipo. Todavia, preferimos
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juntá-los à categoria “diferente”. Vejamos um exemplo de trecho que consideramos
pouco diferente:
’It was impossible to combine the image of a lean black widow, gazing out of her
window, and longing for someone to explain about the soul, with the image of a vast
machine, such as one sees at South Kensington, thumping, thumping, thumping.’
(Melymbrosia, p.76, grifo nosso)
It was impossible to combine the image of a lean black widow, gazing out of her
window, and longing for someone to talk to, with the image of a vast machine, such as
one sees at South Kensington, thumping, thumping, thumping. The attempt at
communication had been a failure. (The Voyage Out, p.69, grifo nosso)
Em nossa pesquisa, os 14 trechos considerados não-alterados foram retirados dos
capítulos V, VI e XVII de Melymbrosia. Os dois primeiros capítulos citados vêm de
versões datilografadas posteriores ao pré-texto supostamente terminado em 1912 e o
capítulo XVII deve ser provavelmente do próprio Melymbrosia.
Conforme já dissemos, Melymbrosia foi editado. Desta maneira, para se criar um
texto coerente, DeSalvo preencheu as lacunas narrativas com versões datilografadas
posteriores a Melymbrosia, com um rascunho manuscrito e com capítulos da primeira
edição de The Voyage Out (1915). A fim de se evitar muitas sub-classificações,
preferimos estabelecer classificações que fossem mais amplas e conseguissem abordar
os trechos, independentemente do texto-origem do qual foram retirados.
Os dados da pesquisa revelam que a maioria dos trechos selecionados em
Melymbrosia sofreu algum tipo de alteração no romance The Voyage Out. Se somarmos
os trechos excluídos e alterados, temos 44 excertos. Este número representa mais da
metade do total selecionado, indicando-nos que o processo de revisão e recriação de
Virginia Woolf é um fator a ser bastante considerado nesta obra. Também podemos
dizer que o retrabalho feito em The Voyage Out é extremamente relevante porque temos
adição de capítulos; exclusão de assuntos políticos (por exemplo: não há referência aos
Dreadnoughts, grandes navios de batalha britânicos usados no início do século XX, em
The Voyage Out); desenvolvimento maior das discussões sobre arte no geral e um
tratamento diferenciado da linguagem utilizada, sendo que os diálogos entre os
personagens são muito mais longos e ricos em informações históricas e sociais e a
presença do narrador é facilmente observada.
Este movimento de alteração de um texto para outro pode nos indicar, além dos
fatores já comentados, uma busca incessante e experimental por novas formas de
expressão artística, característica marcante na vida da autora britânica, visto que
Virginia foi reconhecida como uma escritora inovadora em seus romances, tentando
criar seu próprio estilo romancista. Além disso, segundo Carvalho (2001, p.19) e a
nosso ver, Virginia Woolf buscava a estética da arte, a perspectiva do autor conjugada à
experiência do leitor da obra, além da regeneração do romance, de acordo com os
princípios da criação artística enquanto expressão da experiência humana observada no
mundo real, analisada e exposta através de personagens autônomas que assumem o
controle de suas próprias vidas no romance, independentemente de qualquer escola
literária. Enfim, sua ficção está longe de ser somente representante da arte. É muito
mais do que isso: a obra woolfiana está repleta de uma crítica social, história (e por que
não política) latente que se revela no comportamento e nas palavras de suas
personagens.
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Considerações finais
Neste trabalho, nosso objetivo era comparar os textos Melymbrosia e The
Voyage Out, de Virginia Woolf. A idéia da comparação surgiu da necessidade de se
investigar o fato de que, para se chegar ao texto final que culminaria na publicação de
seu primeiro romance em março de 1915, a autora britânica revisou e reescreveu
repetidamente seus textos a ponto de serem encontrados 9 registros textuais por Louise
DeSalvo. Um desses registros seria o texto datilografado Melymbrosia, de 1912,
considerado por muitos críticos como o texto-rascunho de The Voyage Out.
Após o levantamento de 73 trechos indicadores das preocupações e angústias
políticas e históricas da jovem Virginia tratadas explicitamente em Melymbrosia,
buscamos saber em The Voyage Out, qual foi o tratamento dado a eles, isto é, se os
mesmos foram excluídos, alterados ou mantidos na edição de 1915, a qual viria a ser
seu romance de estréia.
Ao finalizarmos a comparação, constatamos que houve modificações tanto de
forma quanto de conteúdo, entre Melymbrosia e The Voyage Out. Observamos a
inserção de novos capítulos e um tratamento bastante diferenciado de assuntos políticos,
artísticos, religiosos e científicos em The Voyage Out. Suas críticas a presença
predominante do homem em todos os setores da sociedade britânica e a discussões
polêmicas, como o homossexualismo, a religião, o casamento e a morte foram
suavizadas e, em alguns casos, metaforizadas, cabendo ao leitor, penetrar nas camadas
mais profundas do texto, para tentar apreender e compreender o significado implícito.
Os dados obtidos ajudam-nos a confirmar a preocupação excessiva de Virginia
ao escrever seus textos. A partir de informações já mencionadas ao longo deste artigo,
inferimos que o processo de reescrita pode ser marcado por uma busca constante de
atualização da autora e, conseqüentemente, de seus textos, pois sabemos que Virginia
sempre se envolveu em assuntos políticos, históricos e sociais, principalmente no
tocante à posição da mulher na sociedade britânica, à busca por direitos iguais, por
melhores condições de trabalho e pelo voto. Em outras palavras, a partir das mudanças
nas relações humanas, que alteram o curso das instituições e dos princípios, tanto o
autor, o crítico e o leitor devem estar atualizados para compreender a vida e a arte e,
segundo Carvalho (2001, p.24), “Virginia Woolf prestigiava o processo contínuo da
vida, então romances em que a narrativa é uniforme e os personagens não se modificam
em função dos acontecimentos é impossível”.
Esse forte movimento de modificação do texto de seu primeiro romance também
indica-nos uma busca pelo romance perfeito, além de uma releitura do mundo que está
ao seu redor, já que o texto Melymbrosia foi finalizado por volta de 1912 e The Voyage
Out, em 1915. A demora de tantos anos para que seu primeiro romance fosse publicado
faz-nos pensar que Melymbrosia e The Voyage Out são dois textos específicos, cada um
com suas características e particularidades, que devem ser levadas em consideração pelo
crítico, pois foram escritos em momentos diferentes, com conscientização política e
literária diferentes. Assim sendo, ao passo que Virginia Stephen foi descobrindo o
mundo que a rodeava, ela foi se tornando consciente da fragilidade das relações
humanas, buscando novas formas e técnicas narrativas, sabendo deixar implícito todo e
qualquer significado relevante. A autora britânica mostra-nos que seus textos devem
estar tão atualizados quanto o próprio escritor. Por isso, o processo de recriação seja tão
importante na criação literária e na vida de Virginia Woolf.
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Notas
1. Cf. Quentin Bell. Virginia Woolf: uma biografia (1882-1941). Trad. Lya Luft. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1988, p.256-262.
2. Para uma melhor definição do uso deste termo dentro da crítica sobre a obra literária
de Virginia Woolf, consultar a dissertação de mestrado, de Mônica Hermini de Carvalho
(USP, 2001).
* Este artigo conta com o auxílio de bolsa de mestrado financiada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Referências bibliográficas
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Estudos Lingüísticos XXXVI(3), setembro-dezembro, 2007. p. 310 / 310
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