ESCOLA NO HOSPITAL: ESPAÇO DE ARTICULAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO FORMAL E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL PAULA*, Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula- UEPG. [email protected] Resumo Este trabalho apresenta reflexões sobre as características das práticas educativas realizadas em hospitais do Brasil. Nas escolas nos hospitais, a pluralidade de experiências é enriquecedora e demonstra a tentativa dos profissionais envolvidos de propor metodologias adequadas para o contexto. Todavia, faz-se necessária uma discussão mais aprofundada a respeito dessas práticas. A escola no hospital localiza-se em uma espécie de “entre lugar” na educação, pois faz parte do sistema oficial de ensino e também é espaço de educação não formal, pois necessita de currículos flexíveis, abertos e adequados às necessidades dos alunos. Todavia, essas articulações não estão muito claras para muitos dos professores que estão atuando, pois, ora predominam práticas tradicionais de educação e ora predominam os aspectos lúdicos nos currículos das escolas nos hospitais. Este artigo faz parte de uma pesquisa a qual venho desenvolvendo sobre a caracterização de práticas e análise de produções acadêmicas realizadas em escolas hospitalares de diversos Estados brasileiros. Os resultados deste trabalho revelam que os currículos das escolas nos hospitais são construídos pelos seus professores através das experiências que os mesmos adquirem no contexto. Algumas características destes currículos são muito próximas as dos projetos de educação não formal e oferecem resultados positivos na escolarização dos alunos hospitalizados. Entretanto, o sistema oficial de ensino tem dificuldades de reconhecer estes currículos como complementares na educação das crianças e adolescentes hospitalizados. Portanto, faz-se necessário acompanhamento mais próximo dos órgãos responsáveis pelas práticas educativas nos hospitais, a escuta dos professores e suas dificuldades. Este auxílio contribuirá para a construção de currículos que integrem os aspectos lúdicos e escolares e possam oferecer às crianças e adolescentes hospitalizados o desenvolvimento de seus conhecimentos e noções éticas, estéticas e políticas. Palavras-chave: Escola no Hospital; Aluno hospitalizado; Práxis Pedagógica; Currículo. Introdução Na realidade brasileira é preciso discutir o papel e a necessidade do Estado em relação às Políticas Públicas para educação e para o cuidado integral com as crianças e adolescentes. Entretanto, é preciso considerar também que, os movimentos de expansão da Educação Não Formal que vem se expandido no Brasil, têm-se inserido nas “brechas” das funções que a escola, o Estado e a educação formal, têm deixado de cumprir. * Professora Doutora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Pedagogia Social da UEPG. 2425 Existem muitas escolas de Educação Formal no Brasil que adotam currículos voltados para as classes mais abastadas, reproduzindo valores da ideologia dominante e desprestigiando a cultura e aspectos sociais das classes sociais menos privilegiadas. Este tipo de abordagem, que desprivilegia a diversidade étnica e multicultural brasileira, faz com que muitos alunos, principalmente das classes populares, não se sintam motivados para freqüentar as aulas e sintam-se excluídos na escola por não serem reconhecidos como protagonistas sociais. Sendo assim, muitas crianças e adolescentes permanecem na escola enfrentando dificuldades ou a abandonam. Com esse modelo excludente, uniformizador e segregacionista, muitas escolas têm tido dificuldades de cumprir o seu papel em relação às minorias, principalmente no que diz respeito às crianças e os adolescentes hospitalizados. Quando uma criança, que está sendo escolarizada é internada em um hospital, muitas vezes, os professores das escolas regulares não se preocupam com o que está ocorrendo em suas vidas. Para muitos destes professores, as condições precárias de trabalho associados ao desinteresse pela realidade dos alunos faz com que essas crianças sejam esquecidas. As escolas nos hospitais no Brasil, embora existam desde a década de 50, começaram a se expandir em consonância com os movimentos de humanização nas instituições hospitalares e dos movimentos internacionais em defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Na década de 90 no Brasil, por força dos movimentos sociais e ações do poder público, foram criadas leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e a lei dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes Hospitalizados (2007) elaborada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Essas leis visam a proteger a infância e juventude e servir como instrumento para garantia de uma sociedade mais justa. Neste período, a Educação Não Formal também passou a ser pauta de discussões em decorrência das mudanças na economia, na sociedade e no mundo do trabalho. Porém, apesar das escolas nos hospitais ainda estarem a “margem” do sistema oficial de ensino, não se pode desprezar a iniciativa de alguns órgãos governamentais como: Secretarias de alguns Estados e Municipais brasileiros, bem como os Hospitais da Rede Sarah, os quais têm se preocupado em realizar concurso público para professores hospitalares na tentativa de oficializar este trabalho. Outros movimentos têm procurado dar visibilidade a esta área como os encontros científicos de Classes Hospitalares, realizados nos últimos anos no Brasil nos Estados: Rio de Janeiro (2000); Goiás (2002), Bahia (2004), Rio Grande do Sul (2006). Recentemente, foi organizado o I Fórum Nacional de Atendimento Escolar Hospitalar em São Paulo (2006). 2426 Nestes eventos, o que se verificam são preocupações dos estudiosos da área com a expansão e profissionalização deste setor. Observa-se, nestes encontros, que as escolas nos hospitais estão se expandindo em diferentes Estados, mas, ainda não se tem clareza dos currículos a serem adotados. É preciso destacar que a proposta deste artigo, não é estabelecer modelos de currículos a serem adotados, pois, de certa maneira, a diversidade e a flexibilidade dos currículos nas escolas nos hospitais, é o que enriquece este trabalho. Entretanto, é preciso considerar que a construção do currículo para crianças e adolescentes hospitalizados requer não somente conhecimento técnico e formação pedagógica dos professores para realização desse trabalho, mas conhecimento das características sociais, emocionais, culturais das crianças hospitalizadas e de suas patologias. É preciso que o professor conheça as normas e regras hospitalares, a estrutura hospitalar, suas nuances e tenha capacidade de adequar os seus conhecimentos a esta estrutura. Além destes aspectos, este profissional precisa ter clareza do papel do professor no hospital e a metodologia de trabalho que irá adotar, pois, as salas de aula nos hospitais são multisseriadas com crianças e adolescentes com idades, níveis de escolarização, patologias e cidades diferentes. Elementos como criatividade, capacidade de resolver problemas em situações inesperadas e de lidar com a diversidade, também precisam ser incorporadas na dinâmica de trabalho do professor. O professor hospitalar precisa estar atento a estas questões, pois senão pode reproduzir no hospital, práticas mecanicistas, excludentes, as quais ocorrem em algumas escolas do ensino regular que podem levar as crianças a se sentirem duplamente excluídas: por estarem hospitalizadas e por não conseguirem acompanhar as aulas na escola do hospital. É preciso considerar que, muitas crianças e adolescentes que estão internados em hospitais públicos no Brasil, em sua maioria, apresentam um quadro de extrema miséria e exclusão social e tiveram o seu primeiro contato com a escola, dentro do hospital. Portanto, esta escola, possui um significado expressivo na vida dessas crianças, pois, faz com que elas se sintam sujeitos de direitos, e que pertencem a uma sociedade que todos devem ter acesso a escola, independente de suas condições físicas, econômicas e sociais. Lopes (1995) defende a idéia de que é necessário entender historicamente propostas pedagógicas que durante muito tempo não foram preteridas, nunca tiveram voz e foram silenciadas pelo Estado brasileiro. Neste sentido, é preciso desvelar o silêncio de práticas educacionais formais e não formais que ainda são desconhecidas por muitos. 2427 As escolas nos hospitais situam-se em um “entre lugar” da Educação Formal e Educação Não Formal. Elas fazem parte da modalidade oficial de ensino, mas, em suas práticas, estão expressas características significativas da Educação Não Formal. No que se refere aos estudos sobre Educação Formal e Não Formal, a definição expressa por Afonso (1989, p.81) faz uma descrição significativa das semelhanças e características destas práticas: Por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto que educação informal abrange todas as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo permanente e não organizado. Por último, a educação não formal, embora obedeça também a estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto. Nas práticas educativas construídas pelos professores nos hospitais, existem características do currículo que se assemelham as escolas formais como: os conteúdos, as avaliações e relatórios dos alunos hospitalizados. Todavia, a questão do tempo, do espaço e da forma de realização das aulas, não apresenta um caráter disciplinador como o da escola formal. O tempo depende da organização da rotina interna do hospital (horários de medicamentos e disponibilidade das crianças para as atividades), os locais das atividades são determinados pela estrutura dos hospitais (alguns hospitais apresentam sala de aula separadas das enfermarias, em outros, as aulas ocorrem nos leitos). No que se refere a questão da realização das aulas, elas dependem também da predisposição física dos alunos e vão ser construídas no ritmo dos mesmos, pois estas atividades não são obrigatórias. Cabe lembrar aqui também que, em muitas práticas educativas nos hospitais, os professores têm procurado avançar nas propostas curriculares respeitando a diversidade étnica, a cultura, os diferentes níveis de escolarização e a condição física dos alunos. Mas, nem sempre isso ocorre. Garcia (2001) através da análise e de estudo de currículos de projetos de Educação Não Formal, verificou que os educadores destes projetos, compreendem que os mesmos representam espaços escolares diferenciados, mas, ainda predomina o modelo escolar na prática desses educadores. Outro aspecto que o currículo das escolas nos hospitais apresenta problemas com as escolas regulares, uma característica muito próxima aos projetos de Educação Não Formal, diz respeito a certificações. As escolas nos hospitais têm fornecido aos professores das escolas regulares relatórios, fichas de avaliação dos alunos e as próprias avaliações realizadas no 2428 hospital, as quais as escolas de origem das crianças, muitas vezes não consideram. Desta forma, embora os professores hospitalares realizem atividades por longos meses com seus alunos no hospital, muitos desses trabalhos ainda são desprezados por escolas que negam o papel destes professores nos hospitais por não compreenderem a lógica da dinâmica do funcionamento das escolas nos hospitais que corresponde a uma articulação entre a Educação Formal e Não Formal. Escola no hospital como Espaço de Articulação entre Educação Formal e Educação Não Formal : Uma questão curricular No campo da educação, os projetos de Educação Não Formal estão se expandido a cada dia em diferentes contextos: hospitais, presídios, sindicatos, no campo, etc.. Portanto, esses diferentes cenários estão constituindo a cultura da educação escolar atual que vem sendo alterada em função das transformações sociais. A Pedagogia, diante destas transformações da realidade econômica, política e cultural que o Brasil enfrenta, tem feito com que cada vez mais novas tarefas sejam atribuídas para o educador e para a população a quem atende. Nóvoa (2002) considera que a escola atualmente está enfrentando uma crise devido ao fim do “Estado educador” e está em um momento de transição, uma zona intermediária, que atende, tanto aos interesses do Estado, como do setor privado, que estão oportunizando novos espaços públicos de educação. Ele propõe um “novo” espaço público da educação, que não se limite a pequenos retoques na escola pública estatal. Desta maneira, defende a idéia de que é preciso renovar a escola como espaço público. Os currículos das escolas nos hospitais, de certa forma, representam esta renovação do espaço público proposta por Nóvoa (2002) pois, muitas das práticas educativas procuram atender às crianças e adolescentes, respeitando as suas características culturais e sociais, construindo propostas de currículos alternativas, inovadoras e necessárias para a transformação social. Muitos desses currículos são mais flexíveis, enfatizam o aspecto cultural como uma de suas principais diretrizes. Alguns professores que trabalham nestes projetos têm consciência que a reprodução de métodos e técnicas tradicionais de ensino, não conseguem atingir os resultados esperados de envolvimento das crianças e adolescentes nas atividades propostas. Mas, não se pode deixar de refletir que também existem práticas que são tradicionais e excludentes neste cenário. Este artigo traz reflexões que são provenientes da atuação ora como professora hospitalar e pesquisadora desta área. O início desta trajetória ocorreu quando fui trabalhar no 2429 Hospital Sarah de Brasília e posteriormente, em São Luís do Maranhão no período de 1994 a 1997. Nos anos de 1998 a 2000, a atuação como docente de uma Universidade Estadual do interior do Paraná, propiciou a participação em um Projeto de Extensão Pedagogia Hospitalar realizado em dois hospitais da cidade. No período de 2001 a 2005, a realização da tese de doutorado em uma escola de um hospital filantrópico da Bahia, trouxe elementos para rediscutir a questão do currículo no ambiente hospitalar. Em 2006, a atuação como docente de um curso de Especialização em Pedagogia Hospitalar em Curitiba e, neste mesmo ano, a implantação de uma brinquedoteca em um Hospital no interior do Paraná, têm possibilitado, diferentes olhares e reflexões. Nesta trajetória profissional e através da análise da literatura da área, tem sido possível constatar que muitos hospitais, nos últimos anos, têm contratado equipes multidisciplinares para atender às crianças e adolescentes como: professores, arte-educadores, profissionais do teatro, dança, psicologia, musicoterapia, palhaços, dentre outras profissões. Esses profissionais desenvolvem práticas educativas, lúdicas e artísticas. Portanto, o currículo das escolas nos hospitais não tem sido construído somente por professores hospitalares. Todavia, essas práticas, apresentavam características diferenciadas e em alguns aspectos, são comuns. As fronteiras são tênues e os objetivos muito próximos, o que muitas vezes gerava conflitos nas equipes muldisciplinares no exercício de suas funções. Essas práticas se complementam e estão intrinsecamente relacionadas, porém, cada qual apresenta sua especificidade. A seguir, será realizada uma breve diferenciação destas práticas: a) Práticas Educacionais – Caracterizam-se por atividades de acompanhamento da escolarização (para crianças que permanecem muito tempo internados), reabilitação da escrita (para as crianças e adolescentes que perderam essa habilidade), avaliação e acompanhamento de crianças e adolescentes com distúrbios de aprendizagem, alfabetização, encaminhamento de crianças a escolas regulares (inclusão de crianças nas escolas), assim como discussões culturais e construção de conhecimentos. Esses trabalhos normalmente são realizados por professores. Pode-se encontrar essas referências nas produções de Barbosa (1991), Ribeiro (1993), Borges (1996), Ceccim (1997), Araújo (1998), Cavalcante (1998), Fonseca (1999), Barros (1999a, 1999 b), Kosinski (1997, 2000), Matos (1998) Paula e Gil (1999) Matos (1998), Matos e Mugiati (2001) e Fontes (2003), Nascimento (2004) e Amorim (2004), Paula (2005), Vasconcelos, (2006) e Darela(2007). b) Práticas Recreativas, Artísticas e Culturais – Caracterizam-se pelo aspecto da socialização, da integração das crianças e adolescentes no ambiente hospitalar e definem-se pelo trabalho com o lúdico, a cultura e a recreação. As atividades estão voltadas para 2430 brincadeiras de natureza diversas, visitas de palhaços aos leitos, gincanas, confraternizações, festas comemorativas, oficinas de arte, música, dança, manifestações populares, atividades com fantoches e literatura infantil, passeios fora do hospital (para aquelas crianças que podem se locomover) às instituições como museus, galerias de arte, teatro e cinema. As atividades também são realizadas nas brinquedotecas hospitalares. Esses atividades normalmente são realizadas por artistas, palhaços, musicoterapeutas, bibliotecários, brinquedistas, animadores culturais, assim como pelos professores. Alguns trabalhos estão sendo documentados, como a obra produzida por Massetti (1998), referente aos Doutores da Alegria em São Paulo e de Wuo (1999), que revela a ação dos clowns do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Vários outros grupos se expandem a cada dia na realidade brasileira e em lembrança vale ressaltar os Terapeutas do Riso, na Cidade de Salvador que visitam crianças do Hospital da Criança das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID); O que diferencia essas práticas é a natureza do trabalho com as crianças e adolescentes hospitalizados, bem como os significados diversos que assumem nas instituições hospitalares. Todavia, há de se considerar que os significados se entrelaçam. Uma prática educativa não necessariamente trabalha somente com os aspectos educativos. Essa práxis envolve o trabalho com recreação e, em alguns momentos, os aspectos psicológicos e cuidados de assistência dos enfermos também são considerados, mesmo que não se trabalhe diretamente com aspectos psicoterápicos. Assim como as práticas recreativas muitas vezes contém elementos educativos envolvidos. Portanto, essas áreas têm relações bem estreitas. Entretanto, a forma de atuação dos profissionais possui ações específicas. As ações educativas dos professores compõem uma práxis pedagógica particular neste contexto. Os professores atuam em todas essas práticas, no entanto, as crianças e adolescentes, dependendo das ações do professor, conseguem definir o papel da escola e os seus objetivos no hospital. Os registros dos professores, avaliações e acompanhamento no cotidiano da criança no hospital, são elementos que validam a aprendizagem do aluno e a prática dos professores. Afonso (2001) chama a atenção para o fato do campo da Educação Não-Escolar (informal e não formal) hoje é disputada por diferentes racionalidades políticas e pedagógicas. Para ele, os educadores que estão trabalhando nesta área precisam de uma vigilância epistemológica redobrada para referenciar suas práticas educativas e reflexões para consolidálas. Gohn (1999) descreve que a Educação Não Formal é promotora de mecanismos de inclusão social e que promove o acesso a cidadania. Desta maneira, ela afirma que existem 2431 cinco dimensões da educação não formal: 1) a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; 2) capacitação dos indivíduos para o trabalho; 3) aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários; 4) aprendizagem dos conteúdos de escolarização formal escolar e 5) educação desenvolvida pela mídia. O fato de alguns Estados e municípios brasileiros já contratarem ou realizarem concursos para professores trabalharem nas escolas nos hospitais, representa a primeira dimensão apresentada por Gohn (1999) em relação aos aspectos da Educação Não Formal. Cabe destacar que as escolas nos hospitais fazem parte do sistema oficial de ensino, portanto, são da Educação Formal. Quando as crianças e adolescentes têm aulas no hospital, este aspecto representa que elas estão tendo o seu direito à educação, assegurado, o que já é previsto e garantido em lei. A existência de professores nos hospitais, gera no imaginário das pessoas, a conscientização dos indivíduos sobre os seus direitos sociais. A segunda característica apontada por Gohn (1999) em relação a Educação Não Formal no que diz respeito a capacitação para o trabalho, também existe no hospital. Embora essa não é e também não deva ser a meta do currículo das escolas nos hospitais, para não existir essa lógica capitalista nestas instituições, não se pode negar que, muitas crianças e seus familiares aprenderam a ler, escrever, utilizar o computador, fazer tricô, crochê, tear e artesanatos nos hospitais, que, em alguns casos, acabaram funcionando como projetos de geração de renda para essas famílias. As salas de aula no hospital também são espaços de promoção do exercício da solidariedade e de práticas comunitárias. Conviver com a dor do outro, compartilhar alegria e auxiliar no momento do sofrimento, são aspectos vivenciados por todos que estão inseridos nas escolas dos hospitais. No que se refere a aprendizagem dos conteúdos escolares, essa é considerada a meta principal das escolas nos hospitais. A mídia tem divulgado esse trabalho, mas ainda de forma muito incipiente e o apresenta com caráter assistencialista. Mas, é preciso se ater a forma como essa educação está sendo realizada. Gohn (1999) também considera que é preciso unir os conteúdos da Educação Formal com o da Educação Não Formal para auxiliar no sucesso dos alunos. Desta maneira, os currículos das escolas nos hospitais precisam estar atentos a essas articulações, principalmente em relação as questões escolares e lúdicas. A seguir, serão apresentadas algumas análises realizadas de produções acadêmicas que abordam questão da organização dos currículos nas escolas nos hospitais. 2432 Análise de produções acadêmicas sobre práticas realizadas com crianças e adolescentes hospitalizados Atualmente existem diferentes produções acadêmicas que tratam a respeito do currículo das escolas nos hospitais. Neste artigo, serão apresentados alguns recortes e breves análises de algumas produções. Um material que apresenta referências significativas sobre a diversidade de currículos realizados nas escolas nos hospitais está contido nos resumos expandidos dos Anais do I Atendimento Escolar Hospitalar, organizado por Fonseca (2000). No que se refere a questão das atividades e informalidade dos currículos, próximas as características da Educação Não Formal, essas questões foram apresentadas no artigo de Ribeiro e Ribeiro (2001, p. 39). Neste texto, o usuário de uma classe hospitalar, um aluno descreveu suas representações sobre o trabalho realizado na Classe Hospitalar Jesus: Antes da escolaridade formal, eu aprendia muito com as atividades de educação infantil. Embora ainda fosse muito pequeno, me lembro das músicas, das brincadeiras e experiências e das muitas atividades cheias de criatividade pois a professora tinha idéias “sinistras”. Eu também nunca me esqueci da voz da professora. O apoio da escolinha quando eu estava no hospital foi muito importante para minha escolaridade quando deixava o hospital. (RIBEIRO, 2001, p. 39) Neste mesmo material, o artigo de Silva (2001, p. 45) apresenta o trabalho do professor no Hospital Sarah, e a forma de construção das suas atividades que mescla o lúdico com o escolar: Atendimento Pedagógico durante o período da internação dos pacientes envolvendo atividades de acompanhamento escolar, hora do conto, recreação, jogos, artes, etc. [...] Em relação as atividades escolares, a possibilidade da criança estudar no hospital evita a defasagem de conteúdos e uma possível exclusão escolar. Esta mesma professora também apontou as dificuldades do professor hospitalar para que seu trabalho fosse reconhecido pelas escolas regulares: Algumas vezes precisamos esclarecer famílias e escolas sobre o direito legal das crianças estudarem no seu período de hospitalização. Muitas crianças perdem o ano pelas faltas e algumas vezes a escola não libera o material para do aluno para que ele possa estudar no hospital. Algumas escolas chegam a estimular que a criança desista daquele ano e que só recomece os estudos quando liberada do tratamento clínico. (SILVA, 2001, p. 45) 2433 Este problema reflete o mesmo problema da Educação Não Formal em relação as certificações. O desconhecimento e da falta de articulação das escolas regulares com o trabalho realizado nas escolas nos hospitais, mais especificamente, da escola no hospital Hospital Infantil Joana de Gusmão de Santa Catarina, também foi muito bem explorado e analisado criticamente na dissertação de Darela (2007). Na sua pesquisa Darela (2007) a autora entrevistou diferentes professores e coordenadores de escolas públicas e particulares daquele Estado e chegou a conclusão que existe pouca valorização do trabalho das escolas nos hospitais pelas escolas regulares. Nas falas dos entrevistados, os depoimentos sugerem que o fato das escolas nos hospitais não seguirem o mesmo currículo das escolas regulares ocasiona, uma não aceitabilidade do trabalho desenvolvido. Outra característica importante evidenciada foi que, se a escola regular legitimar o papel da escola no hospital, auto- desligitima seu papel que é atribuído enquanto autoridade educacional. A pesquisa também apontou para o fato de que; o currículo da escola no hospital tem valor em si mesmo pelos alcances realizados na vida dos sujeitos que dela participam. Desta maneira, não precisam das escolas regulares para serem legitimados, muito embora as certificações sejam exigidas para o sistema oficial de ensino. Nos resultados encontrados na tese de doutorado de Paula (2005) através da análise1 das práxis pedagógicas realizada pelas professoras da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e Médio, que trabalhavam em uma escola de um Hospital Filantrópico da Bahia, o que foi possível evidenciar é que: embora a escola no hospital possuísse um Projeto Político Pedagógico estruturado e comum, a prática das professoras era diferenciada. Na prática pedagógica da professora de Educação Infantil o modelo de alfabetização tradicional e escolar de ensino era predominante. O brincar era pouco presente na sala de aula. Em muitos momentos, essa proposta curricular excluía as crianças pequenas da sala de aula que não sabiam ler e escrever. Esse aspecto era evidente na saída das crianças da sala de aula e retorno aos seus leitos. Já em relação a prática da Professora do Ensino Fundamental e Médio, a professora possuía muita flexibilidade, competência técnica e capacidade de lidar com os imprevistos e circunstâncias que o cotidiano hospitalar apresentava. As aulas eram baseadas na perspectiva multicultural implicada, com conteúdos voltados para a realidade dos alunos. As aulas eram realizadas com muitas brincadeiras e também discussões críticas sobre a sociedade. 1 As aulas das professoras foram filmadas em vídeo durante um ano e depois transcritas e analisadas de forma crítica. 2434 A dissertação de Fontes (2003) também buscou compreender o papel da educação para a saúde da criança hospitalizada em enfermarias pediátricas, analisando a ação do professor em um hospital público - Hospital Universitário Antônio Pedro – Niterói, RJ. Através da análise de diferentes episódios interativos realizados com as crianças, a autora concluiu que a educação no hospital possibilitou às crianças ressignificarem suas vidas. A escuta pedagógica atenta e sensível era um elemento importante para o resgate da subjetividade e da auto-estima infantil que contribuía para o bem-estar e a saúde da criança hospitalizada. Os episódios analisados mostravam brincadeiras intercaladas com diálogos reflexivos entre as crianças e a pesquisadora. Fontes (2003) também considera que a escola no hospital revela que são grandes as possibilidades de ação do professor nesse novo espaço de atuação; no entanto, a autora também chama a atenção para o grande o desafio de construir uma prática educativa diferenciada da que ocorre na instituição escolar que requer princípios específicos e outros níveis de conhecimento para respaldar o complexo trabalho pedagógico no campo hospitalar. O trabalho de Vasconcelos (2006) realizado com professoras do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará que fizeram estágios em um hospital público da cidade, também objetivou perceber o papel das atividades escolares nos leitos de hospitais infantis na contribuição da reconstrução da identidade social de crianças e adolescentes. Através de observação participante e análise do discurso da história de vida dos sujeitos: profissionais de saúde, os pedagogos, os pacientes e os acompanhantes, a autora revelou que a escola no hospital, era um recurso de ocupação para as crianças e de recuperação da auto-estima dos doentes. Outro aspecto evidenciado revelou o papel do professor e da escuta pedagógica neste contexto: Os adolescentes demonstraram um forte desejo de falar sobre a situação que estavam vivendo naquele momento e sobre sua própria historia. A intervenção pedagógica era pedida pelos adolescentes como uma maneira de ter junto a eles alguém que fosse exterior ao serviço médico e familiar e que lhes garantisse a manutenção de sua identidade escolar tida como principal identidade social. (VASCONCELOS, 2006, p. 1) A escuta sensível e pedagógica, termo este defendido por Ceccim (2000), é um conceito utilizado por todos esses pesquisadores em seus trabalhos. Este termo funciona como um articulador entre a teoria e as práticas realizadas, pois, revela que os currículos das escolas 2435 nos hospitais não podem ser baseados somente nas brincadeiras, ou em atividades escolares, mas fundamentalmente, nos diálogos e na escuta. Algumas considerações Nestas diferentes experiências e produções acadêmicas, foi possível compreender as características e concepções educacionais que permeiam as ações realizadas nos hospitais. O que se verifica nestes trabalhos é que, os projetos pedagógicos das escolas nos hospitais têm sido construídos a partir das percepções, experiências, boas intenções para com a população atendida e busca de aperfeiçoamento profissional de seus professores. Assim como ocorre nos projetos de Educação Não Formal, na maioria das práticas educativas que vem sendo realizadas nos hospitais, os professores não recebem capacitação e tem pouca formação em serviço para realizarem estes trabalhos. Desta maneira, muitos professores, ficam sem saber como estruturar suas ações e acabam reproduzindo os mesmos valores tradicionais das escolas regulares. Este trabalho não tem a intenção de negar o trabalho realizado nas escolas regulares e afirmar que todos esses trabalhos são tradicionais. No entanto, é preciso pensar, que, alguns parâmetros que são utilizados nas escolas oficiais de ensino, não se adaptam nas escolas nos hospitais. Todavia, as escolas nos hospitais, embora apresentem algumas especificidades, também trabalham com conteúdos escolares. O professor que irá trabalhar neste contexto, precisa ter clareza desses paradoxos e da dialética existente no currículo das escolas nos hospitais para articular os elementos da Educação Formal com os da Educação Não Formal. REFERÊNCIAS AFONSO, A. J. “Sociologia da educação não–escolar: reactualizar um objeto ou construir uma nova problemática? In: A.J. Esteves, A sociologia na escola – Professores, educação e desenvolvimento. Biblioteca das Ciências do Homem. Porto: Afrontamento, 1989. p. 81-96 ________. Os lugares da educação. In: VON SIMSON, Olga R. M. (org) A educação não formal: cenários da criação. Campinas: Editora da Universidade, Centro de Memória, 2001. p. 29-38 AMORIM, Ivani C. Atendimento psicopedagógico em enfermaria pediátrica. In: Psicopedagogia. 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