O siriri Cuiabano: a saga de uma busca bibliográfica
Aaron Lopes
1. Introdução
Meu projeto de mestrado tem o objetivo de fazer um estudo sobre a inserção do
siriri no contexto cultural cuiabano contemporâneo. O siriri é um estilo típico matogrossense que envolve música e dança, existente há mais de 200 anos em comunidades
ribeirinhas ao longo do rio Cuiabá e Coxipó e em cidades como Cuiabá, Poconé,
Cáceres e Leverger.
O siriri é uma música em compasso binário, no estilo responsorial, onde um
solista canta (pergunta) e o coro formado pelos dançarinos responde1.
Segundo
GRANDO (2005)2, “o siriri é considerado uma dança que lembra os divertimentos
indígenas. Dançado por homens e mulheres – as crianças também dançam – tanto na
sala de uma casa quanto no terreiro, sua coreografia é bastante variada e sem
interpretação definida”.
Os instrumentos utilizados no estilo são a viola-de-cocho (cordofone da família
dos alaúdes feita de madeira inteiriça esculpida), o ganzá (idiofone de raspagem da
família do reco-reco feito de madeira de taquara ainda verde, tocado com uma vara de
ferro ou osso) e o mocho ou tamboril (unimembranofone quadrado percutido por
baquetas de madeira, uma espécie de banco de madeira coberto de couro cru pregado
sobre o corpo do banco onde se localiza o assento).
Sendo o Siriri meu principal objeto de estudo, minha pesquisa bibliográfica ao
decorrer do curso foi sobre o estilo, e, quando não encontrei nada referente ao termo,
1
SANTOS, Abel. Viola-de-cocho: Novas Perspectivas/ Abel Santos. – Cuiabá: Editora da UFMT, 1993.
GRANDO, Beleni Salete (org.). Cultura e Dança em Mato Grosso: Catira, Curussé, Folia de reis,
Siriri, Cururu, São Gonçalo, Rasquedo e Dança Cabocla na região de Cáceres. Cuiabá, MT: central de
texto; Cáceres, MT: Unemat Editora, 2005.
2
procurei por temas afins, como Mato Grosso, Cuiabá, Cultura mato-grossense, cultura
do centro-oeste, cururu e rasqueado.
2. Molusco mitilídeo, ave tiranídea, siriruia, pantufo ou cupim?
Ainda não se sabe a origem e a etimologia do termo siriri. Segundo SIQUEIRA
(2002) 3, “sua origem é muito discutível, alegando alguns que é um misto da
musicalidade e da arte africana com a indígena; outros afirmam ainda que ela é uma
mistura das artes branca, negra e índia”. Atribui-se ainda a origem do siriri ser francesa,
trazida pelos jesuítas aos moradores do lugar (RODRIGUES, 2000) 4.
A Enciclopédia de Música Brasileira (2000)
5
tenta fazer uma busca da origem
do termo. Segundo ela, o siriri é uma dança de provável origem européia e diz que siriri
vem da palavra siriricar, “que designa o puxão dado num determinado tipo de anzol
(siririca). Formada a roda, o cavalheiro faz defronte à dama um gesto que imita a
fisgada do anzol, siriricando sua parceira”.
Esta foi a única definição encontrada tanto nos dicionários quanto nas
enciclopédias e livros específicos da área, o que nos leva a crer que ela é no mínimo
discutível6.
3
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: Da ancestralidade aos dias atuais/
Elizabeth Travassos Madureira. – Cuiabá: Entrelinhas, 2002.
4
RODRIGUES, Maria Benedita Deschamps. Movimento musical em Cuiabá/ Dunga Rodrigues. Cuiabá,
Ed. Da Autora, 2000.
5
ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA : popular, erudita e folclórica. 3 ed. São Paulo : Art
Editora, 2000.
6
No Dicionário Etimológico de CUNHA (1987) também não se encontrou nenhuma definição da origem
desta palavra.
Essa falta de dados sobre o estilo é também refletida nos dicionários da língua
portuguesa. O CALDAS AULETE (1964) 7, além de não fazer nenhuma menção a ele,
define a palavra siriri como sendo:
Siriri¹, s.m. (Bras.) molusco mitilídeo, o mesmo que sururu.
Siriri², s.m. (Bras.) ave tiranídea, o mesmo que suiriri.
Siriri³, s.m. (Bras.) nome dado ao reprodutor de certas espécies de Térmites.
Cf. siriruia e pantufo².
Talvez o fato de ser uma edição de dicionário muito antiga explique esta
ausência de referência do estilo musical siriri no Caldas Aulete. Nas edições mais
recentes de dicionários, o estilo já é citado, o que talvez reflita o momento de
esquecimento e conseqüente revalorização que sofreu durante o fim do século XX
(década de 1990)8.
O Dicionário MICHAELIS (1998)
9
dá quatro definições do termo. As duas
primeiras definições são iguais ao Caldas Aulete: 1. “molusco mitilídeo” e 2. “ave
tiranídea”. A terceira define siriri como um “nome popular em algumas regiões do
Brasil dado às formas aladas de cupins, que aparecem por ocasião da revoada, largando
as asas pelo chão”.
Percebe-se, portanto, pelas definições do Caldas Aulete e do Michaelis que a
palavra siriri está sempre relacionada a termos populares dados a animais os mais
diversos (variando desde espécies de moluscos até aves e cupins). Estas definições
também aparecem nos outros dois dicionários pesquisados – o Houaiss e o Aurélio, o
AULETE, F. J. Caldas, et al. Dicionário contempora ̂neo da língua portuguesa Caldas Aulete . [Rio de
Janeiro]: Editora Delta, 1974.
8
Sobre esse processo de revalorização, SANTANA (s/d) afirma: “A partir da segunda metade da década
de 1990 há, no Estado de Mato Grosso assim como já vinha acontecendo em todo o Brasil, uma crescente
preocupação com a revalorização do patrimônio cultural, das singularidades que se materializam na
paisagem e „instituições de memória‟ que ainda sobrevivem no cotidiano dos lugares”.
9
DICIONÁRIO MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia
Melhoramentos, 1998.
7
que talvez demonstre alguma possível relação da origem do nome do estilo musical com
algum destes animais.
A quarta definição da palavra, segundo o Michaelis (id.), é a definição musical
do termo - siriri é “Brinquedo de roda e dança popular em Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul”.
No Dicionário HOUAISS (2004)10 aparecem duas definições. Segundo ele, siriri
é “1. B. NE. MT. Dança de roda infantil. 2. MT Espécie de dança de roda para adultos,
modalidade do samba rural.” O dicionário explica ainda que o significado etimológico
do termo é de “origem duvidosa”, o que acentua ainda mais a falta de informações sobre
a origem e a etimologia da palavra. As definições do AURÉLIO (2004)11 são muito
parecidas com as do Houaiss, mas sem a busca etimológica.
Se nos dicionários o siriri é citado de uma forma bastante resumida, nas
enciclopédias ele não é sequer citado. Na verdade, as culturas cuiabana e matogrossense foram sumariamente excluídas de todas as enciclopédias pesquisadas. A
BARSA (1988) 12, apesar de ter um tópico chamado “vida cultural” para o verbete Mato
Grosso, assim a define:
Cuiabá possui dois importantes museus: o de Arte e Cultura popular e o
Marechal Rondon (antigo museu do índio), ambos no campus da
Universidade Federal de Mato Grosso. Situa-se na Cuiabá antiga o
monumento do antigo Centro Geodésisco da América do Sul (o novo marco
do ponto Geodésico está localizado na chapada dos Guimarães, a setenta
quilômetros de Cuiabá).
10
HOUAISS, A. VILLAR, M. e FRANCO, F. M. M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa . Rio de
Janeiro: Objetiva, 2004.
11
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, et al. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa .
Curitiba: Editora Positivo, 2004.
12
NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil publicações, 1988.
O artigo fala de economia, geografia e história tanto do estado como da cidade,
mas não faz nenhuma citação às suas manifestações culturais. A Enciclopédia DELTALAROUSSE (1978)13 também tem um tópico chamado “vida cultural”. Nele diz:
Possui Cuiabá 84 estabelecimentos de ensino de 1º grau e dez cursos de 2º
grau, dos quais três de ensino industrial e cinco de ensino comercial. O
ensino superior conta apenas com uma universidade, que é um
estabelecimento federal.
Após esta breve explanação sobre o contexto escolar cuiabano, o tópico termina
com uma relação das rádios então em atividade na cidade. A Enciclopédia GLOBO
(1971)
14
, ao se referir à cultura mato-grossense, apenas diz: “numerosas tribos
indígenas vivem ainda no Mato Grosso em completa liberdade, praticando em toda
plenitude, seus costumes, religião, danças, festas, etc.”.
As
Enciclopédias
BRITANNICA
(1998)15
e
MIRADOR
INTERNACIONAL(1990)16 não fazem qualquer referência à cultura ou à vida cultural,
tanto do estado quanto da capital.
Percebe-se, portanto, nas enciclopédias pesquisadas, uma grande falha no que se
refere à cobertura da cultura e da vida cultural cuiabana e mato-grossense. Talvez isso
se deva ao fato da falta de valorização que a cultura do estado sofreu durante as décadas
em que foram feitas estas enciclopédias (décadas de 1960 a 1980)17.
13
NOVÍSSIMA DELTA-LAROUSSE. Rio de Janeiro, Editora Delta S.A. 1978.
MAGALHÃES, Alvaro (org.). Enciclopédia Brasileira Globo. Porto Alegre: Ed. Globo, 12 ed. 1971.
15
THE NEW ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Chicago, Encyclopaedia Britannica, 1998.
16
ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil
publicações, 1990.
17
Segundo ARRUDA( 2007) esta crise se deveu a vários fatores: a modernidade; os fluxos migratórios;
os sistemas de comunicação e de mídia e a uniformização da produção cultural, com regras estabelecidas
nos grandes mercados (globalização).
14
3. O que é o Siriri?
A pesquisa em dicionários e enciclopédias de música foi mais fecunda, apesar de
muita pouca coisa de música ser dita nelas. O Dicionário do Folclore Brasileiro, de
CASCUDO (1988)18 dá duas definições de manifestações culturais para a palavra siriri:
Ronda infantil, e dança popular em Mato Grosso, inteiramente
diversas. A primeira tem área funcional muitíssimo mais vasta,
abrangendo todos os estados do nordeste. (...) A Dança em Mato
Grosso (...) era das preferidas do povo, não apenas os mestiços
mas também os indígenas.
Cascudo cita um viajante, Max Schmidt, que, segundo ele, foi o primeiro a fazer
menção ao estilo. Segundo SCHMIDT (1942, apud CASCUDO id.):
Enquanto se dançava o cururu dentro de casa, lá fora se
realizava outra espécie de dança, muito apreciada em Mato
Grosso, o ciriri, acompanhado,também por música e versos
cantados. Como não se dispunha de mais instrumentos,
cobriram-se algumas cadeiras com o couro à guisa de tambores
e os pratos fizeram de caracachá, em que tocavam ritimicamente
por meio de garfos.
O autor se detém, basicamente, na descrição da dança e do instrumental utilizado
pelo estilo, sem nenhuma informação musical. Também cita uns versos de uma música,
recolhidos por Schmidt. BASTOS (1977)
19
registra a palavra ciriri como sendo “o
mesmo que siriri. Dança popular, ao ar livre, acompanhada por música e versos
cantados, muito apreciada em Mato Grosso, onde, dentro de casa, é muito comum o
cururu”.
18
CASCUDO, Luís da Camara. Dicionário do folclore brasileiro/ Luís da Camara Cascudo. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 6 ed. 1988.
19
BASTOS, Wilson de Lima. Danças no Registro do Folclore Brasileiro. Coleção Arquivos de Folclore,
vol.6. Juiz de Fora, MG: Centro de Estudos Sociológicos de juiz de Fora, 1977.
Mas, em todas as outras fontes, a palavra escrita com c não foi encontrada e nem
sequer citada como uma outra forma de se escrever o termo. Aparentemente, ciriri
parece ter sido apenas alguma forma extinta de escrita da palavra.
O artigo da Enciclopédia da Música Brasileira (2000) se refere ao siriri como
uma música “monótona” com acompanhamento de tambor e reco-reco. Ainda sobre a
música diz: “inicialmente os homens cantam o baixão em ai, lai-lai-lai, acompanhados
pelos instrumentos e palmas. A seguir um cantador lança uma quadrinha, logo repetida
por todos.”
Muito difícil entender o que o autor quis dizer com “o baixão em ai, lai-lai-lai”.
Muito provavelmente, o autor do artigo – que a enciclopédia não especifica quem seja não deve ser músico, o que torna este trecho incompreensível. Mais adiante, o artigo se
refere ao siriri como “uma espécie de samba cadenciado” próximo do “samba-lenço de
São Paulo20”.
Algumas enciclopédias e dicionários se referem também ao siriri como uma
dança, muito popular no nordeste - principalmente na região do Rio São Francisco21. No
entanto, na pesquisa de outras bibliografias não foi encontrada nenhuma referência a
este outro estilo.
20
Apesar desta aproximação do siriri com o samba, através de observações in loco do pesquisador e de
algumas gravações percebeu-se ser a música do siriri bem diferente deste estilo. Sua característica mais
marcante, o ritmo, é marcado por uma polirritimia de um compasso binário com um ternário, diferente do
ritmo apenas binário do samba. As suas características de dança e melodia também aparentam sem
completamente diversas do samba.
21
ANDRADE (1989) vai ainda mais longe ao afirmar que o siriri é uma “Dança generalizada em quase
todo o Brasil, Segundo João Ribeiro, que o coloca no ciclo do Vem cá Bitu, pela semelhança que
apresenta com essa cantiga, na sua variante pernambucana. Esta, para esse escritor, nada tem de comum
com a mato-grossense, a não ser o nome. Não consegui nenhuma indicação coreográfica dessa dança, que
em todo caso parece de roda. A variante nortista, porém, fala de piano, o que faz a gente crer tenha sido
transportada para dança de salão. Villa-Lobos fez um arranjo de siriri, mas dizendo-o canção, e segundo a
versão de Pernambuco.”
4. Conclusão
Todas estas referências - tanto dos dicionários quanto das enciclopédias gerais e
de música - são muito carentes de informação sobre o estilo musical do siriri matogrossense, o que nos mostra a necessidade de mais estudos sobre ele, principalmente
etnomusicológicos, já que a música é abordada de uma forma extremamente superficial.
Quanto à bibliografia geral sobre o estilo, a situação não é muito diferente. Não
foi encontrado até o momento nenhum estudo etnomusicológico do siriri, apenas um
breve artigo22. Sua parca bibliografia se concentra em outras áreas como antropologia,
sociologia e gênero, abordando a música de forma bastante superficial23. Muitas das
informações encontram-se apenas na internet, em sites de cultura mato-grossense e da
secretaria de cultura do Mato Grosso, blogs, além de algumas matérias jornalísticas muitas dessas fontes sem confiabilidade acadêmica.
Meu projeto de mestrado buscará preencher um pouco essa lacuna e dar uma
contribuição ao estilo musical e à cultura mato-grossense. Este estudo se faz necessário
também para que se possa entender melhor o processo de esquecimento que o estilo
sofreu ao longo de décadas e o novo processo de revalorização que vem tendo a cultura
popular do estado, buscando entender as transformações da sociedade e dos estilos
musicais envolvidos nessas duas épocas.
5. Referências
ANDRADE, Julieta de. Cocho mato-grossense: um alaúde brasileiro. São Paulo, Escola de Folcore,
1981.
22
FONSECA, Edilberto José de Macedo. Uma abordagem etnomusicológica do Cururu e do Siriri de
Mato Grosso – A experiência de aplicação do inventário nacional de referências culturais do instituto do
patrimônio histórico e artístico nacional- IPHAN. In: Anais do V Congresso latinoamericano da
Associação
Internacional
para
o
estudo
da
Música
popular,
2005.
Fonte:
http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. Acessado em 20/10/2008.
23
ANDRADE (1981), ARRUDA (2007), GRANDO (2005), KALIL (2008), RODRIGUES (1978, 1997,
2000), ROMANCINI (2005), SANT‟ANA (s/d), SIQUEIRA (2002), VIANNA (2005).
ANDRADE, Mário de. Dicionário musical brasileiro/Mário de Andrade. Coleção Reconquista do Brasil,
2. Série; v. 162. Coordenação de Oneyda Alvarenga e Flávia Camargo Toni. Belo Horizonte: Itatiaia.
Brasília: Ministério da Cultura. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
e Editora da Universidade de São Paulo, 1989.
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Ribeirinha de Cuiabá: mídia e legitimação da tradição na pós-modernidade. S/D. Fonte:
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O siriri Cuiabano: a saga de uma busca bibliográfica Aaron Lopes 1