1 AUSÊNCIA DE INCLUSÃO SOCIAL ANTE A NÃO EFETIVAÇÃO DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE Daniela Martins MADRID RESUMO: O presente trabalho visa estudar o direito fundamental social à saúde através de um olhar crítico decorrente da problemática que envolve a efetivação deste direito e a sua repercussão na questão atinente à inclusão social. Dentro do problema levantado busca-se analisar a positivação do direito a saúde dentro da Constituição Federal de 1988, nos artigos 6º e 196. Após esta análise constata-se que não basta um direito estar positivado sem a sua efetiva concretização, sendo que a não efetivação do direito social à saúde pode ocorrer por inúmeros fatores tais como: corrupção e não realização de políticas públicas adequadas. Observa-se, também, uma interconexão do direito a saúde com as demais gerações de direito e, demonstra-se que a não efetivação do direito social a saúde acarreta infalivelmente o não cumprimento dos outros direitos como, por exemplo, o direito a vida, a moradia, a educação dentre outros. Dessa forma, ocorre, consequentemente, a exclusão social das pessoas hipossuficientes, ficando estas fora da proteção do direito, não sendo respeitado, portanto, o artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização para reduzir as desigualdades sociais e regionais. Palavras-chave: Direito Social a Saúde. Direito Fundamental. Efetivação de Direito. Dignidade Humana. Inclusão Social. INTRODUÇÃO O interesse em abordar este tema surgiu exatamente da premissa de que não é mais suficiente positivar direitos eleitos como fundamentais dentro do rol da Constituição Federal de 1988. A sociedade necessita do amparo não mais da criação de Leis, que são constantemente promulgadas, mas sim da efetização/concretização em relação às normas que já foram consagradas no texto constitucional. Nesta esteira de raciocínio, tornou-se comum aos olhos das pessoas – especialmente as desprovidas de condições financeiras e culturais – à violação ao artigo 6º da Constituição Federal que disciplina a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a Mestranda do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Campus de Jacarezinho/PR. Professora de Metodologia do Trabalho Científico, Orientadora de Monografias do Curso de Direito, Supervisora de Prática Profissional (Fórum Simulado), Supervisora de Monografia/TC das Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo e advogada em Presidente Prudente/SP. 2 segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados como direitos sociais. Dentro da violação do artigo 6º da Constituição Federal - e dos inúmeros afrontamentos enfrentados - o recorte proposto a título de estudo e de delimitação do tema é o da necessidade de efetivação do direito à saúde, como medida de inclusão social das camadas mais pobres da população brasileira garantindo-se, assim, um amplo acesso à saúde de qualidade. Além disso, é importante observar que quando o direito fundamental social à saúde não é efetivado acaba por refletir este aspecto negativo também aos direitos de primeira geração. Nesta linha de raciocínio, o objetivo posto em foco é demonstrar a importância da efetivação do direito social à saúde como forma de garantir a tutela do direito fundamental ao mínimo existencial e a inclusão social; bem como abordar os problemas decorrentes da simples positivação do direito social à saúde e a necessidade de tratamento igualitário entre ricos e pobres. O tema em discussão teve como método principal/de abordagem o método dedutivo, uma vez que o trabalho partiu de uma visão geral constitucional sobre positivação de direitos fundamentais para após especificar e delimitar, o alcance do objeto de estudo, dentro da efetivação dos direitos fundamentais sociais à saúde como forma de inclusão social. Como técnicas de pesquisa foram utilizadas, como forma de coletar e analisar os materiais pesquisados, as seguintes: a pesquisa indireta documental (Constituição Federal de 1988 e legislação nacional) e a pesquisa indireta bibliográfica (por meio de doutrinas, revistas jurídicas, jornais e demais publicações científicas). 1 DO DIREITO SOCIAL À SAÚDE O direito a saúde está inserido dentro do rol dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. O artigo 6º da Constituição Federal estabelece que: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Da simples análise de mencionado artigo é possível observar que esses direitos defendidos são imprescindíveis para a vida em sociedade sendo que, por este motivo, o artigo 3 6º está elencado dentro do Título II da Constituição Federal que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Sobre direitos fundamentais é importante destacar que: Os direitos fundamentais configuram verdadeiras conquistas históricas da humanidade, que após, lutas entre as classes sociais e, conseqüentemente, evolução política, cultural, religiosa, econômica e tecnológica da sociedade política, passam a ser incorporados a textos constitucionais que os assegurem efetivamente, no sentido de possibilitar a plena concretização de seus conteúdos normativos (SEGATTO e LEANDRO, 2011, p. 147) Portanto, os direitos fundamentais são o mínimo que devem ser observados como forma de garantir a vida digna de toda a população. Dentro desta afirmação, verifica-se que o direito a saúde é um direito fundamental - pois trata-se de um preceito básico/mínimo para que o povo brasileiro possa viver de forma digna, fraterna e segura de acordo com Antonio Carlos Segatto e Leandro Abati (2011, p. 136) - de segunda geração1, ou seja, de prestação social, no qual o Estado fica incumbido de “um fazer” diferentemente dos direitos de primeira geração que são marcados pela abstenção do Estado, ou melhor “um não fazer” por parte deste ente. Prova disso é que o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 disciplina que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (Grifou-se) Nesta linha de raciocínio, é importante salientar a importância do direito social à saúde que possui positivação nos dois dispositivos constitucionais citados acima (artigos 6º e 196, da CF de 1988). Isso se justifica uma vez que a finalidade dos direitos prestacionais - em especial o direito social à saúde - é justamente garantir uma sociedade livre, justa, solidária e igualitária, afastando as pessoas da marginalização, sendo estes os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estampados no artigo 3º e incisos I a IV da Constituição Federal de 1988. Por este motivo, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 61) afirma que “a doutrina tem reconhecido que entre os direitos fundamentais e a democracia se verifica uma relação de interdependência e reciprocidade”. 1 Alguns autores, como Vladimir Brega Filho (2002), defendem a utilização da palavra dimensão em substituição a palavra geração. 4 Portanto, o direito fundamental, em especial o direito social a saúde, visa proteger a sociedade e, consequentemente, a democracia sendo que um está intrinsecamente ligado ao outro, possuindo pontos de convergências entre si. No entanto - assim com o será demonstrado no transcorrer do trabalho embora exista a positivação do direito fundamental social à saúde, este não vem cumprindo com a finalidade pela qual foi criado: proteger a sociedade e garantir o direito a vida com dignidade. 1.1 Repercussão do Direito Social à Saúde no Direito à Vida Como mencionado acima, os direitos de primeira geração são caracterizados por “um não fazer” por parte do Estado. Dentre os direitos de primeira geração tem-se o direito à vida. Contudo, a Constituição Federal de 1988 foi além, passando a garantir não apenas o direito à vida, mas acima de tudo, o direito a uma vida digna, assim como está estabelecido no artigo 1º, inciso III. Entretanto, é impossível garantir o direito à vida se não for garantido primeiramente o direito à saúde. Assim nos dizeres de Mário Henrique de Oliveira Ramos (2010, p. 336) “a saúde é fundamental à vida das criaturas, seja como pressuposto de existência, seja na manutenção de uma real qualidade de vida”. Seguindo ainda a idéia de mencionado autor a saúde é o núcleo do Direito à vida, sendo que a saúde constitui a essência na natureza de um ser e é absolutamente necessária e indispensável sendo que a saúde se entrelaça com o direito à vida. (RAMOS, 2010, p. 336) Neste contexto, observa-se que a saúde está intrinsecamente ligada ao direito à vida uma vez que não é possível a preservação da vida sem a garantia da saúde. De acordo com Mário Henrique de Oliveira Ramos (2010, p. 335) “a ausência de saúde é fator que torna a pessoa incompleta, violada em sua plenitude, um ser infeliz” Observa-se, portanto, que há uma interligação entre os direitos de primeira e segunda geração, uma vez que a garantia de um direito depende da realização do outro, assim como será observado nos tópicos a seguir. 5 1.2 Da não Efetivação do Direito à Saúde Embora a Constituição Federal de 1988 tenha reconhecido o direito à saúde como um direito fundamental, verifica-se que a população brasileira não aufere uma saúde de qualidade. Isso porque, infelizmente, o positivismo não consegue concretizar os mandamentos constitucionais, sendo que em outros períodos evitou abusos, entretanto, atualmente não atende mais às demandas da sociedade atual. (FAZOLI e RÍPOLI, 2008, p. 09). Ou seja, embora a saúde esteja positivada nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal - e seja fundamental para garantir o próprio direito à vida - não há a sua efetivação/concretização mesmo diante de expressa previsão constitucional. Isso ocorre, dentre outros motivos, por fatores ligados à corrupção crescente que abarca o Brasil e ultrapassa as fronteiras devido à globalização e à ausência de políticas públicas eficazes apoiadas por uma responsável distribuição de renda e de uma maior conscientização das questões que envolvem o orçamento público Em relação à corrupção merece destaque o estudo realizado pelo Banco Mundial que foi publicado na Revista Veja n.º 1.491 de 14/03/2001 e disponível na obra de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p. 24) que afirma que se fossem diminuídos os níveis de corrupção pela metade diminuiriam, também, a mortalidade infantil em 51%, a desigualdade na distribuição de renda em 54% e a porcentagem da população que vive com menos de dois dólares por dia em 45%. Dessa forma, se fossem reduzidos os níveis de corrupção, consequentemente existiram mais recursos disponíveis para a área da saúde e, dessa forma, ter-se-ia o direito à vida resguardado/protegido uma vez que seriam diminuídas as taxas de mortalidade infantil e iriam ser reduzidas as desigualdades sociais por meio de investimentos devidos nas áreas sociais. Contudo, acima da própria questão da corrupção está a certeza da impunidade o que favorece a prática de atos corruptos em desfavor do Estado e de toda a sociedade, uma vez que a reiteração de práticas corruptas somadas à tolerância das mesmas conduzem à institucionalização da corrupção, gerando a falsa ideia de que a coisa pública é de ninguém. Nesta linha de raciocínio Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p. 14) afirmam que “a corrupção no ápice da pirâmide serve de fator multiplicador da corrupção dentre aqueles que ocupam posição inferior, desestimulando-os a ter conduta diferente”. 6 O resultado disso pode ser resumido em: inúmeros desvios de dinheiro público para finalidades privadas em detrimento dos interesses públicos o que acaba por colocar em segundo plano os direitos sociais prestacionais, dentre eles o direito a saúde. Diante deste quadro passou a ser comum pessoas morrerem sem um atendimento médico de qualidade, sem terem recursos no hospital em que são atendidas e sem receberem medicamentos para um tratamento de saúde. Conseguir um leito para uma internação está se tornando mais difícil do que ganhar na loteria. Assim, “as leis em geral, ontologicamente voltadas ao bem-estar da coletividade, passam a satisfazer os interesses de grupos específicos, que financiam os parlamentares justamente com esse objetivo” (GARCIA e PACHECO, 2011, p. 11). Destarte é possível constatar uma inversão de valores em que as leis são feitas para não serem cumpridas. A Constituição prevê o direito a saúde e o eleva dentre o rol de seus direitos fundamentais. Contudo, esta previsão não ganha vida ficando à mercê apenas do papel e não da coletividade, não sendo possível falar em efetivação do direito social à saúde muito embora este direito esteja positivado em âmbito constitucional. Aliada à corrupção é importante destacar ainda que a ausência de efetivação do direito social à saúde também está atrelada – conforme mencionado acima – a ausência de políticas públicas eficazes sendo, portanto, importante destacar o posicionamento de Mário Henrique de Oliveira Ramos (2010, p. 332) que afirma: A implementação dos direitos sociais se dá através de políticas públicas orientadas pelos princípios programáticos retirados do texto constitucional. Os direitos sociais estão regulamentados, sobretudo em normas programáticas, o que exige mais que a legislação: exige modificações sociais, econômicas, administrativas, de valores ou de outra forma, uma evolução e distribuição do conhecimento humano. Da análise do texto citado acima, é possível constatar que não basta ter o reconhecimento do direito social à saúde apenas na letra da lei. É preciso, acima de tudo, criar medidas sociais, econômicas e administrativas como forma de concretizar aquilo que está na Lei, uma vez que não é mais suficiente positivar direitos eleitos como fundamentais dentro do rol da Constituição Federal de 1988. A sociedade clama por uma efetivação, uma concretização em relação àquilo que está sendo consagrado ou prometido no texto constitucional, sobretudo em relação aos direitos de segunda geração – da qual emergem os direitos sociais (merecendo destaque o direito à saúde). 7 Soma-se a isso a necessidade de se adotar uma política educacional como forma de conscientizar a população de que a afronta ao patrimônio público – que está sobre a égide do Estado – é uma afronta contra toda a sociedade. Assim, a corrupção e a ausência de políticas públicas que efetivem os dispositivos constitucionais (artigos 6º e 196) não são um problema que estão longe da população e restritos apenas as manchetes dos jornais. É, acima de tudo, um mal que acomete a sociedade e reflete-se em desfavor de toda a humanidade. Nesta linha de raciocínio é importante destacar que: “A corrupção ameaça a República não se resumindo no furto de dinheiro público. O corrupto impede que esse dinheiro vá para a saúde, a educação, o transporte e assim produz morte, ignorância, crimes em cascata.” (RIBEIRO, 2001, p. 52) Dessa forma, a conscientização de todas as camadas sociais de que a corrupção afeta os direitos prestacionais sociais, sendo uma afronta aos direitos fundamentais como um todo e, o fortalecimento dos padrões éticos são fatores imprescindíveis para afastar a não efetivação do direito social à saúde e a ausência de inclusão social. 2 AUSÊNCIA DE INCLUSÃO SOCIAL A não efetivação do direito social à saúde acaba por gerar a exclusão social sendo uma afronta, também, ao princípio da dignidade da pessoa humana que está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Sobre a dignidade da pessoa humana é importante salientar: A dignidade da pessoa humana tem sido colocada, nos tempos atuais, como elemento fundante e legitimador dos demais direitos e garantias fundamentais positivados nas Constituições dos Estados modernos apresentando-se como uma contraposição aos inúmeros massacres e violações de direitos sofridos por um povo em determinado momento. (SEGATTO e ABATI, 2011, p. 150) (Grifou-se0 Da análise do texto citado acima é possível concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana se contrapõe com as violações dos direitos fundamentais, sendo que a ofensa a um direito fundamental será sentida também pelos demais direitos, visto que quem confere legitimidade aos direitos fundamentais é o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, o problema da não efetivação do direito social à saúde é muito mais amplo do que parece uma vez que a pessoa além de não ter o seu direito a saúde e, 8 consequentemente o seu direito à vida resguardados – conforme foi trabalhado nos tópicos acima – não terá também a proteção dos demais direitos tidos como fundamentais como o direito à moradia, à educação, ao lazer, a igualdade e a solidariedade dentre outros. Neste patamar “a união e raiz comum de todos estes direitos é a dignidade da pessoa, fator que orienta a unidade constitucional e o entendimento de todo o ordenamento jurídico”. (RAMOS, 2010, p. 332). Neste ponto merece destaque a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 60): Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (Grifou-se) Desse modo, quando a Lei não é efetivada não são conferidas, às pessoas hipossuficientes, condições existenciais mínimas para uma vida saudável e com qualidade e, dessa forma, há a degradação aos direitos básicos destas pessoas e o total desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Isso porque quando o direito fundamental social à saúde não é efetivado acaba por refletir este aspecto negativo também aos direitos de primeira geração, uma vez que se o Estado não oferece a efetivação/o acesso à saúde, consequentemente, não estará protegendo o direito à vida – consagrada como direito de primeira geração - e nem o princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo (2008, p. 129) constata-se que há uma interconexão entre o direito à saúde - individual ou coletiva - com os demais direitos fundamentais e que estes direitos apresentam zonas de convergência e de superposição (direitos e deveres) o que acaba por reforçar a tese da interdependência e mútua conformação de todos os direitos humanos e fundamentais, ou seja, reforça-se a tese de que os direitos de primeira, segunda e terceira geração fazem parte de um todo, pois se completam, interagem, pensamento este que também é compartilhado por Vladimir Brega Filho (2002, p. 26). Seguindo esta linha de raciocínio e, apoiando-se na teoria da universalidade, Paulo Bonavides (2000, p. 517) sustenta que: 9 Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do século XVIII. (Grifou-se) Destarte, seguindo o entendimento do autor acima, destaca-se que as gerações de direitos possuem áreas de convergências e de conexão entre si sendo imprescindível a efetivação dos direitos - sobretudo o direito social à saúde - e não apenas uma abstração destes, pois isso ocasiona a exclusão social e, consequentemente, a afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Por este motivo, diante desta interconexão entre os direitos, verifica-se que a violação do direito social à saúde afeta paralelamente os direitos das pessoas2 à devida inclusão social por ficarem fora da proteção do Estado sem terem a devida tutela do direito fundamental ao mínimo existencial conforme assegura Eduardo Cambi (2009, p. 437), ou seja, essa parcela da população ficam às margens do direito, assim como bem trabalha Fernando de Brito Alves (2010). Isso faz com que seja afastada a eficácia dos direitos fundamentais, abrindo-se, dessa maneira, o cenário para a injustiça social. De acordo com Ana Paula Polacchini de Oliveira (2010, p. 56) “o posicionamento do povo continua na margem inferior da independência que, com os pés no chão ou mesmo de sapatos, continua contido ou marginalizado”. Neste patamar é necessário garantir a igualdade e a inclusão social fora do campo da abstração. Seguindo a orientação teórica de Ronald Dworkin (2005), a igualdade seria a virtude indispensável para garantir a soberania democrática, sendo que as pessoas deveriam ser tratadas com o mesmo respeito e consideração. Portanto, diante da violação do direito social à saúde são afetados, paralelamente, os direitos das pessoas hipossuficientes à devida inclusão social por ficarem fora da proteção do Estado sem terem a devida tutela do direito fundamental ao mínimo existencial afastando-se, assim, a eficácia dos direitos fundamentais, ocasionando, dessa maneira, a desigualdade, a injustiça e a exclusão social. Diante disso, verifica-se que não estão sendo observados os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estampados no artigo 3º, incisos I a IV da Constituição Federal de 1988 quais sejam: garantir uma sociedade livre, justa, solidária e 2 Em especial as hipossuficientes. 10 igualitária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos. No entanto para que se possa sustentar a inclusão social da parcela hipossuficiente da população - que necessita de atendimento digno e de qualidade na esfera da saúde como forma de garantir a igualdade e a inclusão social – é importante observar os ensinamentos de Eduardo Cambi (2009, p. 437) que sustenta que ao se falar em concretizar direitos fundamentais, em países de modernidade tardia, deve-se prestigiar as prestações fáticas para as populações mais carentes, uma vez que não se pode desconsiderar a realidade social e econômica do país. Dessa maneira, a tutela do direito fundamental ao mínimo existencial deverá observar as circunstâncias concretas de cada caso para se garantir a inclusão social destas pessoas e a verdadeira igualdade e tratamento humanitário necessário (CAMBI, 2009, p. 437). Neste ínterim, mencionado autor coloca que: “[...] deve considerar o valor constitucional da solidariedade (art. 3.º, I, CF), a fim de que sejam selecionados somente aqueles que não dispõem de condições econômicas para custear o produto ou o serviço fora da rede pública”. (CAMBI, 2009, p. 437). Verifica-se, dessa forma, que a ausência de inclusão social da parcela hipossuficiente encontra suas raízes dentro do próprio “esquecimento” da efetivação dos dispositivos constitucionais tais como o artigo 6º e o artigo 196. Todavia, mister se faz que ocorra a merecida inclusão através da efetivação do direito social à saúde. Entretanto, deverão ser prestigiadas as pessoas mais carentes uma vez que se este fato não for observado não será atingida a plena inclusão, sendo mais uma medida paliativa que não atingirá os seus fins jurídicos e sociais. Apenas dessa forma é que se poderá falar em cumprimento aos princípios: da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e a observação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estampados no artigo 3º , incisos I a IV, da Constituição Federal de 1988. CONCLUSÃO Observa-se - de acordo com os apontamentos elencados acima - que não basta à simples positivação do direito social à saúde nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal. 11 A questão relacionada à saúde é assunto polêmico e que necessita de efetivação/operacionalização como forma de garantir a inclusão social, à dignidade da pessoa humana e à igualdade entre ricos e pobres. A questão da exclusão social, diante da não efetivação da saúde pública, é ponto manifesto, uma vez que há uma relação entre o direito à saúde e os demais direitos fundamentais, como o direito à alimentação, à moradia, à educação, assim como fora trabalhado nos tópicos deste trabalho. Portanto, um direito está ligado ao outro e, a partir do momento em que um deles não é observado, todos os demais restarão prejudicados e acarretarão na exclusão social das pessoas hipossuficientes, além do desrespeito à dignidade humana. Dentro desta realidade faz-se necessário criar políticas públicas eficazes e ligadas a uma melhor distribuição de renda e a uma maior responsabilização das questões que envolvem o orçamento público; além de se combater a corrupção que assola o país. Para isso, precisa-se afastar a ideia da população de que o dinheiro público não é de ninguém e partir para uma conscientização de que o dinheiro público pertence a todos e que todos possuem o direito de ter a aplicação deste numerário dentro de obras sociais – tais como: saúde, educação, moradia, etc – e não em benefícios de interesses privados. É imprescindível que a população deixe a sua apatia de lado e passe a enxergar a corrupção não como algo que não lhe atinge, mas sim como um dos fatores responsáveis pela não inclusão social devido a não efetivação dos direitos sociais à saúde. Diante destes apontamentos fica claro que a corrupção afronta os direitos fundamentais, ameaça a igualdade entre as pessoas deixando cair por terra à sua dignidade. Desse modo a população hipossuficiente acaba por viver marginalizada, fora da proteção e das garantias que o Estado previu em seu texto constitucional. A ameaça aos direitos fundamentais também é uma ameaça em relação a anos e anos de lutas e conquistas históricas por um Brasil melhor. Ficar silente ante a não efetivação dos direitos fundamentais – sobretudo o direito fundamental social à saúde – e da exclusão social é concordar com o massacre da democracia. Acorda Brasil! A sua hora é agora! 12 REFERÊNCIAS ALVES, Fernando de Brito. Margens do direito: a nova fundamentação do direito das minorias. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2010. BICALHO, Luis Felipe. A mercantilização do direito à saúde e a responsabilização do Estado: Reflexos na Realidade do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Argumenta. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI –Paulo: Atlas, 2010. BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: contéudo jurídico das expressões. 1. ed. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002. BRITO, Jaime Domingues. Minorias e grupos vulneráveis: aquilatando as possíveis diferenças para os fins de implementação das políticas públicas. Argumenta. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI – UENP. Jacarezinho, n. 11, p. 95-110, julho/dez. 2009. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. COHN, Amélia; NUNES, Edison; JACOBI, Pedro Roberto; KARSCH, Ursula. A saúde como direito e como serviço. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. DIAS, Hélio Pereira. Direitos e obrigações em saúde. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2002. DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. 1. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005 FAZOLI, Carlos Eduardo de Freitas; RÍPOLI, Danilo César Siviero. Direitos fundamentais: a inexistência de discricionariedade na sua prestação. In: GÖTTEMS, Claudinei J.; SIQUEIRA, Dirceu Pereira (org.). Direitos fundamentais:da normatização à efetivação nos 20 anos de Constituição Brasileira. Birigui: Boreal Editora, p. 01-21, 2008. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito à saúde: leis nº 8.080/90 e 8.142/90: dicas para realização de provas de concursos artigo por artigo. Salvador: JusPODIVM, 2009. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. GOMES, Fabiano Maranhão Rodrigues. Responsabilidade do Estado por ineficiência na prestação de serviços de saúde pública. Argumenta. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI – UENP. Jacarezinho, n. 12, p. 163-190, jan/junho 2010. 13 KELLER, Arno Arnoldo. A exigibilidade dos direitos fundamentais sociais no estado democrático de direito. Porto Alegre: Fabris, 2007. MINHOTO, Antonio Celso Baeta (Org.). Constituição, minorias e inclusão social. São Paulo: Rideel, 2009. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007. OLIVEIRA, Ana Paula Polacchini de. Pressuposto jusfilosófico da inclusão social como fundamento para a efetivação dos direitos fundamentais na ordem jurídica brasileira. In: SIQUEIRA, Dirceu Pereira; ATIQUE, Henry (org.). 1.ed. Ensaios sobre os direitos fundamentais e inclusão social. Birigui: Boreal Editora, p. 38-58, 2010. POCHMANN, Marcio. Desenvolvimento, trabalho e solidariedade: novos caminhos para a inclusão social. 1. ed. São Paulo: Cortez, Fundação Perseu Abramo, 2002. RAMOS, Mário Henrique de Oliveira. Direitos sociais prestacionais, direito à saúde, reserva do possível, políticas públicas. In: SIQUEIRA, Dirceu Pereira; ATIQUE, Henry (org.). 1.ed. Ensaios sobre os direitos fundamentais e inclusão social. Birigui: Boreal Editora, p. 329347, 2010. RIBEIRO, Renato Janine Ribeiro. A República. São Paulo: Publifolha, 2001. SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: uma análise do inciso III, do art. 1º , da Constituição Federal, de 1988 . Fortaleza: Celso Bastos: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista IP (Interesse Público) n. 12, p. 91-107, 2001 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3.ed., rev. e atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado: breves notas sobre alguns aspectos da possível eficácia dos direitos sociais nas relações entre particulares. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (Org.). Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 551-602 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direito Público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 129-173. 14 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 67, p. 125-172, jul./set. 2008 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça. Revista do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da PUCRS, ano 1, n. 1, p. 171-213, out./dez. 2007 SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano (Orgs.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 7. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2006. SEGATTO, Antonio Carlos, ABATI, Leandro. A positivação de direitos e garantias fundamentais na Constituição de 1988: (re)conquista da proteção Estatal do cidadão. Argumenta. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da FUNDINOPI – UENP. Jacarezinho, n. 14, p. 135-167, jan/junho 2011 SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. WOLKMER, Antônio Carlos. Direitos políticos, cidadania e teoria das necessidades. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 31, n. 122, p. 275-280, abr./jun. 1994 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1997. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia social da prestação jurisdicional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 31, n. 122, p. 291-296, abr./jun. 1994