revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
Branca
revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 1-420, 2002
Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1
(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. –
Trimestral.
ISSN 0103-6599
1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.
Tribunal Regional Federal 4ª Região.
CDU 34(051)
34(094.9)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
R. Mostardeiro, 483
90430-001 - Porto Alegre - RS
Tiragem: 1000 exemplares
revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
MARGA BARTH TESSLER
Des. Federal Diretora da Escola da Magistratura
Branca
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
JURISDIÇÃO
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná
COMPOSIÇÃO
Em março de 2002
PLENÁRIO
Des. Federal Teori Albino Zavascki - Presidente
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Vice-Presidente
Des. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Corregedora-Geral
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa
Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho
Des. Federal Vladimir Passos de Freitas
Des. Federal Vilson Darós - Vice-Corregedor-Geral
Des. Federal Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da Magistratura
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Des. Federal Virgínia Amaral da Cunha Scheibe
Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva
Des. Federal João Surreaux Chagas
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior
Des. Federal Valdemar Capeletti
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Des. Federal Tadaaqui Hirose
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada)
PRIMEIRA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Vilson Darós
Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal João Surreaux Chagas
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
SEGUNDA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Marga Inge Barth Tessler
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior
Des. Federal Valdemar Capeletti
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
TERCEIRA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Virgínia Amaral da Cunha Scheibe
Des. Federal Tadaaqui Hirose
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada)
QUARTA SEÇÃO
Des. Federal Nylson Paim de Abreu - Presidente
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa
Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho
Des. Federal Vladimir Passos de Freitas
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva
PRIMEIRA TURMA
Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria - Presidente
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
SEGUNDA TURMA
Des. Federal Vilson Darós - Presidente
Des. Federal João Surreaux Chagas
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
TERCEIRA TURMA
Des. Federal Marga Inge Barth Tessler - Presidente
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
QUARTA TURMA
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde - Presidente
Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior
Des. Federal Valdemar Capeletti
QUINTA TURMA
Des. Federal Virgínia Amaral da Cunha Scheibe - Presidente
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira
SEXTA TURMA
Des. Federal Tadaaqui Hirose - Presidente
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa (convocada)
SÉTIMA TURMA
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa - Presidente
Des. Federal Vladimir Passos de Freitas
Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva
OITAVA TURMA
Des. Federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Branca
SUMÁRIO
DOUTRINA.........................................................................................13
Dignidade da pessoa humana –
Direitos fundamentais e multiculturalismo Marga Barth Tessler ................................................................15
Medidas cautelares e antecipatórias no
Juizado Especial Federal
Amir José Finocchiaro Sarti ....................................................27
A interpretação no Direito Previdenciário
Maria Lúcia Luz Leiria ...........................................................37
Anotações sobre a extinção da punibilidade pelo
pagamento do débito nos crimes previdenciários
Élcio Pinheiro de Castro .........................................................63
DISCURSO..........................................................................................83
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz...................................85
ACÓRDÃOS.......................................................................................89
Direito Administrativo e Direito Civil......................................91
Direito Penal e Direito Processual Penal................................151
Direito Previdenciário.............................................................235
Direito Processual Civil..........................................................259
Direito Tributário....................................................................309
ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................399
ÍNDICE ANALÍTICO.......................................................................403
ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................415
Branca
DOUTRINA
Branca
14
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
Dignidade da pessoa humana –
Direitos fundamentais e multiculturalismo1 Marga Barth Tessler*
Introdução. O princípio da dignidade da pessoa humana. Eficácia vinculante em relação a órgãos públicos e
dificuldades de concretização na esfera privada. O que
é multiculturalismo. Universalismo e Multiculturalismo.
A visão multiculturalista na Carta de 1988. Limites às
práticas multiculturais. Importam os indivíduos e não as
formas de vida. A tolerância: definir limites, a dimensão
do aceitável. Conclusão. Referências. Multiculturalismo
para principiantes.
Introdução
O estudo que ora se desenvolve tem o objetivo de examinar a questão dos direitos fundamentais, em especial o princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana, sob a ótica do multiculturalismo. Inicia-se o percurso pelo exame da positivação do princípio na Carta Política
Brasileira de 1988, buscando identificar a presença da ótica multiculturalista, o possível impacto no confronto com os princípios da igualdade
e da dignidade humana, buscando lições na doutrina e na jurisprudência.
O princípio da dignidade da pessoa humana
* Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Diretora da Escola da Magistratura.
1
Estudo realizado para a disciplina Constituição e Direitos Fundamentais Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet,
Mestrado em Direito na PUCRS.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
15
O referido princípio fundamental está expressamente previsto no artigo 1o, inc. III, da Constituição Federal de 1988.2 Deixando de lado as
questões históricas que construíram o importante postulado3 e também
o prestígio do postulado nas Cartas políticas anteriores e passando a
abordar as particularidades que interessam para desenvolver o estudo,
vamos diretamente identificar o núcleo do princípio.4 Ingo Wolfgang
Sarlet5 observa que “não há como negar que os direitos à vida, liberdade
e igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares
de dignidade da pessoa humana”.
A dignidade humana com o seu núcleo – vida, liberdade e igualdade –,
assim, constitui valor unificador de todos os direitos fundamentais e tem
ainda função legitimatória do reconhecimento de direitos fundamentais
implícitos. É um dos fundamentos do Estado Democrático e Social. É o
Estado que existe em função das pessoas, e não o contrário. Mais adiante,
ainda resumindo a lição do mestre citado, faz ele ver, com arrimo em doutrina alemã, que a dignidade é qualidade intrínseca da pessoa humana, é
algo que simplesmente existe sendo irrenunciável e inalienável, elemento
que qualifica o ser humano. Norberto Bobbio6 sustenta que a paz e a democracia estão intimamente vinculadas à dignidade da pessoa humana e
seus direitos fundamentais, dizendo que são três momentos necessários,
sem um deles, dificilmente se asseguram os demais.
Eficácia vinculante em relação a órgãos públicos e
dificuldades de concretização na esfera privada
O princípio da dignidade da pessoa humana, de onde se desdobram
todos os direitos fundamentais, tem eficácia vinculante em relação a
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
(...).
3
Concepção cristã e estóica, em Tomás de Aquino: dignitas humana, após, Pico Mirandola, partindo da
racionalidade, disse ser, esta que é peculiar e possibilita construir de forma livre o seu destino. Constitui
categoria axiológica aberta, é inadequada conceituação fixa, é algo que existe, que lhe é inerente.
4
No direito romano poderíamos identificar: honestere vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere.
5
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998, p. 99 e segs.
6
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
2
16
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
todos os órgãos públicos e também em relação às pessoas jurídicas de
direito privado que, nas suas relações com os particulares, dispõem
de atribuições de natureza pública. Tal pode ser extraído do sistema,
mesmo que não referido expressamente pelo artigo 5o, § 1o, da Constituição Federal de 1988. Neste sentido, a lição de Gomes Canotilho e
Jorge Miranda. Os órgãos públicos devem observar nas suas decisões
os parâmetros contidos na ordem de valores da Constituição. A questão
é tranqüila no que se refere aos direitos de defesa, e de aplicabilidade
temperada pela reserva do possível no caso de prestações materiais como
observamos em trabalho anterior.7 Cançado Trindade,8 além de comentar
inúmeros precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
deixa perceber as inúmeras dimensões deste direito, fazendo ver que
estamos em meio a um processo de construção de uma cultura universal
de observância dos direitos humanos. O processo de construção não é
linear e observa-se um movimento de avanços e retrocessos ocasionais.
No que se respeita à eficácia privada ou horizontal dos direitos fundamentais (Drittwirkung) que encontra o seu maior desenvolvimento
doutrinário e jurisprudencial na Alemanha, constitui um tema bastante
controvertido.9 Anota Ingo Sarlet10 que, no direito lusitano, embora haja
preceito constitucional consagrando a vinculação das entidades privadas,
não se registra consenso sobre a sua abrangência, o que, então, dizer da
questão no direito pátrio onde não existe cláusula similar. Há casos em
que o direito fundamental, pela sua formulação, se dirige também aos
particulares e aí parece não haver dúvida, como no caso dos direitos
trabalhistas que têm como destinários-devedores os empregadores em
geral. Há hipóteses, contudo, em que a situa­ção não é clara, e a eficácia
direta ou indireta dos direitos fundamentais em uma relação privada só
pode ser verificada em concreto. A lição de Perelman11 é neste sentido
ao dizer que “o respeito pela dignidade humana é considerado hoje um
princípio geral de direito comum a todos os povos civilizados. Mas
O Direito à Saúde. RTRF, n.40, p.75.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos no limiar do novo
século. In: A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil. STJ, Brasília, 2000.
9
TEPEDINO, Gustavo. Direitos Humanos e Relações Jurídicas Privadas. In: Temas de Direito Civil. Rio
de Janeiro: Renovar.
10
SARLET, Ingo. Obra mencionada.
11
PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
7
8
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17
esse acordo geral só diz respeito a noções abstratas, cujo caráter vago,
e mesmo confuso, aparecerá imediatamente quando se tratar de passar
do acordo sobre princípios para as aplicações particulares”. De ressaltar
que há casos em que não há dúvidas sobre a direta agressão à dignidade
humana, os casos de aniquilamento do ser humano, como, por exemplo,
durante a inquisição, escravatura, genocídios (passados e atuais), pena
de morte, prisão perpétua. No princípio, reconhece-se então o indivíduo
como limite e fundamento de todo o domínio político ou particular.
A maioria dos doutrinadores observa12 que fora das relações indivíduo-poder, quando se trata de particulares em condições de relativa igualdade, deverá, em regra, prevalecer o princípio da liberdade, aceitando-se
uma eficácia direta dos direitos fundamentais na esfera privada apenas
nos casos em que a dignidade da pessoa humana estiver sob ameaça
ou diante de uma ingerência indevida na esfera da intimidade pessoal.
Vieira de Andrade, neste particular, ainda ressalta que mesmo a renúncia
do particular tem como limite o conteúdo essencial representado pela
dignidade humana. É o que a doutrina alemã designa por Ausstrahlungswirkung, isto é, “efeito irradiante”: as normas de direito privado não
podem contrariar o conteúdo nuclear dos direitos fundamentais,13 que
se irradiam nas relações privadas.
Lançadas as diretivas principais de interesse para prosseguirmos no
estudo do tema que vincula o princípio da dignidade humana, o seu universalismo, com o multiculturalismo, prosseguimos para verificar o que
se entende por multiculturalismo para ao final chegar a uma dimensão
multicultural dos direitos humanos e os seus limites. Antes, é de lembrar
a lição de Pérez-Luño,14 no sentido de que os direitos humanos estão em
permanente tensão, mutação histórica, ou câmbios paradigmáticos, o catálogo de liberdades nunca é uma obra perfeita e acabada, uma sociedade
livre e democrática mostra-se sempre sensível e aberta à aparição de novas
12 SARLET, Ingo. Obra citada. p. 338.
13 GOMES, Joaquim Barbosa. O Poder de Polícia e o princípio da
dignidade da pessoa humana na jurisprudência francesa. ADV-COAD, Seleções Jurídicas. a. 1996, n.12. Em Morsang-sur-Orge, o prefeito interditou um
espetáculo em casa noturna que consistia no arremesso de um homem de
baixa estatura, anão, pelos clientes. O anão era remunerado e concordava
com a atividade. O prefeito obteve ganho de causa no Conselho de Estado.
18
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
necessidades que fundamentam novos direitos. Chama também atenção
para a dimensão utópica dos direitos humanos e que, sem tal dimensão,
os direitos humanos perderiam sua função legitimadora do direito e, fora
da experiência e da história, perderiam a sua dimensão humana.
O que é multiculturalismo
A palavra multiculturalismo é empregada geralmente com a conotação
positiva, referindo-se à convergência e à coexistência de diversos estilos
de vida, culturas, atitudes, interpretações, visões. O termo serve para
remarcar uma posição aberta e flexível, evoca a questão da tolerância
e da diversidade como elementos nucleares da premissa multicultural.
O mundo atual, pós-moderno, como querem alguns, é mundo de
viagens, contatos, comunicação instantânea, variedade, convivência de
paralelos e de contrários, podendo-se dizer que se isolar em um lugar onde
estranhos ou alienígenas não possam entrar é praticamente não participar
mais deste mundo, da realidade. Ianni,15 ao analisar o fenômeno que denomina globalização, evidencia também aspectos do multiculturalismo.
Na mesma vertente, David Held e Anthony McGrew tecem considerações
sobre esta dimensão na obra Prós e Contras da Globalização.16
O multiculturalismo suscita as questões do racismo, opção sexual,
opção religiosa ou comunitária. Remete à idéia de civilização planetária, unificando o mundo, mas sob a égide dos saberes científicos e
da comunicação instantânea como foi percebido pioneiramente por
Paulo Ricoeur que reconhece nesta universalização um bem. Na década de 70 já advertia que, em contrapartida, há a possibilidade de
destruição das culturas tradicionais, nacionais, locais, abalando-se
o núcleo ético e mítico da humanidade. O multiculturalismo tem na
intolerância e na assimilação forçada os seus contrários.17 Boaventura de Sousa Santos18 reflete que os direitos humanos estão
sendo invocados para preencher o vazio deixado pelo socialismo. Identifica três tensões dialéticas, a primeira entre regulação social e emancipação
social e aí vê o paradigma da modernidade. A segunda tensão ocorre entre
18
15 IANNI, Octávio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
16 DAVID, Held ; MCGREW, Anthony. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
17 O terrível dia 11.09.2001 confirma o vaticínio de Ricoeur.
SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
19
o Estado e a sociedade civil. A terceira tensão dialética ocorre entre o
Estado-nação e o que se designa por globalização. A política dos direitos humanos é uma política cultural e assenta em pressupostos culturais
específicos. Em outra obra,19 refletindo sobre a crise do Estado-nação e
a globalização, diz que neste domínio se abre uma caixa Pandora, donde
sairão, lado a lado, a tolerância e o racismo, o etnocídio e a criatividade
cultural, sendo difícil prever o que prevalecerá, “como é que se podem
globalizar as diferenças sem esmagar, no processo algumas delas?”.
Percebe-se, assim, e concluindo esta breve introdução, que o multiculturalismo está em permanente tensão com o universalismo. Neste
aspecto, o primeiro texto de Sousa Santos é exemplar, identifica quatro
formas de globalização, isto é, o localismo globalizado (fast food), o
globalismo localizado (sistema-mundo), dumping ecológico e, ainda,
outros dois processos, o cosmopolitismo (ONGs), temas emergentes,
patrimônio comum da humanidade (proteção da camada de ozônio;
conjunto de arenas de lutas transfronteiriças).
Já Celi Regina Jardim Pinto,20 professora de ciência política da UFRGS, em alentado trabalho, destaca que se a democracia e a igualdade
e o universalismo são reconhecidos como um valor, passam também a
funcionar como um entrave à incorporação de novos direitos, de culturas
diferenciadas. O socialismo de extração marxista postulava o apagamento
de qualquer diferença e no outro extremo encontramos a ressurgência de
múltiplas identidades culturais pretendendo reconhecimento, deixando
em um ponto obscuro as questões da justiça social, dividindo entre si,
segundo a autora, um “perverso essencialismo”. Na pós-modernidade,
essencializa-se a fragmentação e a constante oposição entre interesses
gerais e interesses particulares. A fragmentação pelo multiculturalismo
constitui um desafio para a democracia. O dilema seria o de manter a
igualdade e acolher as diferenças e particularidades de cada um. Tarefa
aparentemente irrealizável. A autora em referência busca identificar formas para assegurar a participação política justa aos até então excluídos.
Alinhava, então, três teorias ou propostas para assegurar a participação
multicultural na democracia. A articulista não recomenda a aplicação
19 SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais. n.48, jun. 1997.
20
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
das teorias aos países periféricos.
Em outra abordagem do multiculturalismo, destacamos o trabalho de
Valter Roberto Silvério,21 que faz a trajetória retrospectiva do multicul­
turalismo a partir do século XVIII, identificando um multiculturalismo
pré-moderno praticado pelos gregos. O multiculturalismo moderno posiciona a Europa como agência consciente do desenvolvimento civilizador
e a terceira etapa, terceira variante, é núcleo de intensa controvérsia nos
Estados Unidos. Alerta que o pré-modernista e o modernista são discursos
que dissimulam prerrogativas de poder “dissimulando a humanidade do
outro”. Anota que multiculturalismo não significa simplesmente pluralidade numérica de diferentes culturas, mas um espaço comunitário que é
criado para as comunidades crescerem ao seu ritmo. O multiculturalismo
impõe a reestruturação urgente das instituições e gestão do poder nas
sociedades, construção de novo currículo escolar. Advoga a idéia da
construção de um espaço público em que a diversidade seja a regra, e não
objeto de perseguição. Tece considerações em torno do reconhecimento
e da identidade. Ter uma identidade supõe não apenas ter o conhecimento
próprio do que a pessoa é, mas também o reconhecimento que os outros
fazem dela. É a questão já tratada por Hegel na Dialética do Senhor e
do Escravo que integra a obra Fenomenologia do Espírito.22 Dizendo
de modo direto, a dignidade humana, na visão universalista, pretende
ter e estabelecer um “ser humano universalmente o mesmo”, isto é, um
conjunto de direitos e imunidades idênticos. Já pela lente do multiculturalismo a política da diferença exige que seja reconhecida a identidade
única do indivíduo ou do grupo, pelo fato de ser distinto dos demais.
Universalismo e Multiculturalismo
Fazendo uma tentativa de distinção, o universalismo não distingue, o
universalismo pede que ocorra a assimilação. A particularidade, o diferente, não é levado em conta. Já para o multiculturalismo é vital a política da
diferença, o princípio da igualdade universal, assim, é um travo amargo
na política da dignidade humana, sob calor multicultural que impele a
um reconhecimento e valorização da especificidade e dá um colorido
21 SILVÉRIO, Valter Roberto. Revista USP. ago. 1999. Prof. Ciências
Sociais Universidade Federal de São Carlos, São Paulo.
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21
novo ao tradicional princípio da igualdade. A realidade está a indicar que
as culturas hegemônicas exigem das culturas minoritárias uma posição
subalterna, uma assimilação de posturas que lhe são estranhas. E, aqui,
o ponto de maior dificuldade, qual o limite, como prestigiar a diferença
sem cair em particularismos destruidores da igualdade democrática.
Nesta vertente, militam os movimentos de negros, feministas, gays,
indígenas e povos colonizados, religiosamente ou etnicamente menos
valorizados ou considerados pela maioria (palestinos, curdos, armênios
e ciganos). Nesta vertente entram as políticas afirmativas e costumam
ocorrer atos de repreensão, genocídio e outros atentados à dignidade
humana.
Em trabalho de José Machado Pais,23 há um estudo sobre a atitude
dos jovens europeus perante os imigrantes, tendo sido inquiridos 32 mil
jovens de 26 países europeus (incluídos Israel e Palestina) entre escolares
com nove anos de escolaridade. Identificou-se um dilema ético da base étnica. Internamente a Europa vive um período de fronteiras abertas (União
Européia), mas as fronteiras comunitárias tendem a se fechar ao exterior
(Acordo de Schengen). Os imigrantes são vistos como uma ameaça. A
pesquisa observou também que a França representa típico exemplo do
princípio do ius soli modelo universalista, condicionado à assimilação,
entendem que o imigrante poderá votar e obter os benefícios sociais
desde que resida na França e sem que mantenha as suas especificidades
étnicas. Já a Alemanha fornece exemplo do jus sanguinis, apontado para
um modelo comunitário, baseado em heranças culturais e afinidades
étnicas, insistindo na unidade cultural da nação e pertença orgânica, não
basta só a residência, mas não se exige a assimilação.
Outras abordagens doutrinárias podem ser identificadas e do conjunto
se pode extrair que o multiculturalismo de alguma forma passa a integrar
a pauta dos direitos fundamentais, em especial, o núcleo da dignidade
humana, em termos planetários.
A visão multiculturalista na Carta de 1988
Não há necessidade de um grande esforço para que possamos extrair o
PAIS, José Machado. Universidade de Lisboa. Uma Europa aberta ao multiculturalismo? Atitude dos
jovens europeus perante os imigrantes. Revista da USP. São Paulo. n. 42, 1999.
23
22
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
acolhimento da idéia multiculturalista pela Carta de 1988. No seu preâmbulo quando se deseja uma “sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos”.
Prosseguindo, o princípio da dignidade da pessoa humana está albergado
no artigo 1o, inc. III. Há, ainda, os propósitos expressos nos nº I e II do
artigo 2o, de construir sociedade solidária, erradicação da pobreza e
redução de desigualdades, com o que se prestigia mais uma vez o propósito não-homogênico ou de subordinação. Podemos, ainda, destacar
que, segundo dispõe o artigo 5o, inc. XLII, constitui crime inafiançável
e imprescritível a prática do racismo. O art. 12, inc. II, oferece a cidadania brasileira aos naturalizados desde que residam há mais de quinze
anos, sem outras condições que a residência e a ausência de condenação
criminal. O artigo 143, § 1o, oferece possibilidade de não-realização do
serviço essencialmente militar por convicção filosófica ou religiosa, bem
como em tempo de paz também isentos as mulheres e os religiosos. A
ordem econômica, no artigo 170, caput e VII, reconhece a existência de
desigualdades e pretende a sua redução assegurando existência digna.
O artigo 183, na questão da política urbana, acolhe relações familiares
e estilo de vida diferentes. Da mesma forma, o artigo 189 da Constituição Federal de 1988 quando dispõe sobre a distribuição de lotes rurais.
O artigo 206, inc. III, ao elencar os princípios da Educação, atende ao
pluralismo de idéias, o que deixa aberta a oportunidade às diferentes
culturas, no artigo 210, § 1o, torna facultativo o ensino religioso. Ainda
o artigo 210, § 2o, ao dizer que o ensino fundamental será ministrado em
língua portuguesa, oferece uma perspectiva multicultural ao indígena,
facultando-lhe utilização de “suas línguas maternas” e “processos próprios de aprendizagem”.
Na seção da Cultura, artigo 215, § 1o, novamente a abertura para a proteção das culturas populares indígenas, afro-brasileiras “e das de outros
grupos participantes do processo civilizatório nacional”. Os diferentes
segmentos étnicos mediante lei poderão fixar datas comemorativas de
“alta significação”. No artigo 216, vê-se que o patrimônio cultural brasileiro abarca a contribuição de todos os grupos étnicos. O patrimônio
MANN, Klaus. Mefisto. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. Interessante caso de censura política,
artística, “Processo Mefisto” na Alemanha Pós-Guerra.
Klaus Mann (1906/1949). Filho do prêmio Nobel Thomas Mann. Duelo dos mortos, um emigrado. Klauss
Mann e Gustav Gründgens (ator na alemanha nazista). A Corte Constitucional Alemã, em 1968, assegurou
o direito de proteção à pessoa falecida em desfavor da liberdade de imprensa e criação artística.
24
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23
com especial tombamento dos “antigos quilombos”. No capítulo V, da
comunicação social, veda-se a censura política, ideológica e artística.24 No artigo 221, com o elenco dos princípios vetores da comunicação social, vê-se a preferência pelas finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas, bem como a promoção da cultura nacional e
regional,25 exige-se, ainda, o respeito pelos “valores étnicos e sociais
da pessoa”, em outras palavras, da dignidade da pessoa, com acento em
visão plúrima. A partir do artigo 226 da família, criança, adolescente e
idoso, temos diversas vezes referido o princípio da dignidade da pessoa
humana (arts. 226, § 7º, 227 e 230), havendo especial proteção a grupos
distintos, como os deficientes físicos, crianças, aditos, infratores, idosos.
No capítulo VIII dos índios, há expressa proteção e reconhecimento de
seu modo tradicional de cultura e vida, assegurando-lhes direitos originários sobre terras que ocuparam e ocupam.
Nas disposições gerais, artigo 242, § 1o, está expresso que, no ensino
da História do Brasil, se levará em conta a contribuição das diversas
etnias que formaram o nosso povo. Aqui, mais uma dimensão do multiculturalismo.
Nas disposições transitórias, no artigo 7o, assume o Brasil compromisso de trabalhar pela formação de um tribunal internacional dos direitos
humanos. No artigo 68, é reconhecida a propriedade definitiva das terras
aos atuais ocupantes dos quilombos. Eis na Carta de 1988 as expressas
disposições referentes à dignidade humana reconhecida na sua plúrima
manifestação, o multiculturalismo. A dignidade da pessoa humana é
assim um valor que permeia a Carta Política de 1988, obrigando a sua
classificação valorativa.
Limites às práticas multiculturais
Enfrentando agora a questão tormentosa dos possíveis limites das práticas
multiculturais, como se posicionam a igualdade e a dignidade humana na
hipercomplexidade da multiplicidade de grupos sociais, “cada um querendo
uma lei para si”.26 Há quem entenda que a lei e o Juiz ficaram para os
casos extremos, passou-se do Juiz ao caso, “a centralidade do caso”, ar25 Diante destes princípios, o que dizer da atitude do Minicom em relação às rádios comunitárias que as
grandes redes chamam de “piratas”.
24
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gumentando que a nova ordem pública tem cabimento nos novos tempos,
em uma única hipótese: “como proteção à dignidade humana, fora disso
não tem mais aplicação”.
Importam os indivíduos, e não as formas de vida
Não é necessário uma extraordinária sensibilidade moral para perceber
que uma forte vinculação com a diversidade cultural não soma para o enriquecimento moral e democrático e decisivamente alguns culturalismos
agridem o núcleo da dignidade humana. Nesta linha, sustenta Ernesto
Valdés,27 filósofo e jurista argentino, que com razão destaca que não há
enriquecimento moral ou cultural com a prática da circuncisão feminina por
parte de diversos países das África do Norte, a queima das viúvas nas piras
funerárias dos maridos na Índia, a discriminação sistemática das mulheres
pelos talibans. A escolha dos cônjuges pelos pais, na organização familiar
indígena, o etnocentrismo etc. Argumenta o articulista, com base na teoria
de John Rawls, “defesa dos bens primários” e de Jurgen Habermas dos
“interesses universalizantes” no sentido de que ao não tolerar tais práticas
não se está cometendo “genocídio de culturas”, pois não são na realidade
as formas de vida que importam, mas os indivíduos. As formas de vida só
importam e são valiosas e merecem ser respeitadas, toleradas se sustentam
e exprimem a individualidade humana. Toda a democracia necessita de
certa dose de homogeneidade para concretizar a liberdade e a igualdade.
Segundo o citado autor, o catálogo de necessidades primárias inclusas no
referencial de dignidade humana não é de difícil formulação e vale para
todo o ser humano em qualquer sociedade. As únicas diversidades culturais aceitáveis e toleráveis são aquelas que se encontram acima do nível
de satisfação dos interesses e condições primárias, o que reduz universalmente a diversidade cultural aceitável. Nesta linha, o trabalho de Slavoj
Zizek28 que salienta os processos penais ocorridos na França contra a
prática arraigada em 26 países africanos, cujos nacionais, ao imigrarem,
realizam as operações de mutilação genital feminina clandestinamente.
Reconhece-se que a si­tuação é difícil, a prática tem implicações mitoló27 VALDÉS, Ernesto Garzon. A propósito del multiculturalismo. In: Claves de
Razon Práctica. Madrid, n.74, 1997.
28 JAMESON, Fredric; ZIZEK, Slavoj. Estudios Culturales. Reflexiones sobre
el multiculturalismo. Buenos Aires: Paidos. Mutilationes genitales femeninas
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25
gicas, pois a mulher não circuncidada não é considerada mulher e não
conseguirá casamento na terra de origem. É difícil para o autor e para
nós encontrar respostas definitivas.29 A tolerância: limites, a dimensão do aceitável
“Tolerância diante do intolerável torna-se decididamente
um delito”
Jean Borreil, in “O verbo ausente”
A palavra tolerância vincula-se à raiz latina tollere, tollerare, tollere
significa levantar, retirar, às vezes destruir; tollerare significa levar, suportar, às vezes combater; assim, a idéia de esforço está sempre presente.
Tolerância não é neutralidade, é uma posição que só se pode manter à
condição de haver definido seus limites em função do intolerável, e com
esforço. O argumento em favor da tolerância deriva da idéia do razoável30 e o emprego do que John Rawls denomina de razão pública, no caso de
modos de vida e cultura, determinar se são boas em si mesmas. É um bem
ceteris paribus que indivíduos estejam ligados à sua cultura particular. O
citado autor formula princípios, trazendo o papel dos direitos humanos,
como estabelecedores de um padrão necessário, mas não suficiente. A
questão será no futuro melhor examinada.
Conclusão
Para concluir, faço uma breve referência a precedentes jurisprudenciais que podem pontuar a questão do multiculturalismo como é visto
pelo Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça, ao coibir a prática
denominada “farra do boi”, fixou um claro limite às manifestações da
cultura popular que não se faz com o sacrifício de animais em espetáculos públicos. Há inúmeros precedentes sobre a posição dos defi-
RAWLS, John. A tolerância dos povos não-liberais. In: “O direito dos povos”. São Paulo: Martins Fontes,
Parte II, p. 77, 2001.
30
26
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
Medidas cautelares e antecipatórias no
Juizado Especial Federal
Amir José Finocchiaro Sarti*
1. Introdução
Evoluindo em relação à Lei nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais
Cíveis sem qualquer previsão sobre medidas cautelares, a recente Lei nº
10.259, de 12 de julho de 2001, que veio instituir os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais na Justiça Federal, expressamente tratou de estabelecer
que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas
cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação”.
(art. 4.º)
Se a regra não chega a introduzir grande novidade, porquanto a melhor
doutrina jamais deixou de reconhecer que a Lei dos Juizados Especiais,
apesar do seu silêncio, nunca repeliu as cautelares, “porque o produto
do processo cautelar é sempre uma medida de apoio a um processo e
também os processos dos juizados estão expostos aos riscos do tempo
necessitando por isso do apoio das medidas cautelares”,1 o cuidado do
legislador certamente não foi despiciendo, na medida em que serviu para
afastar por completo quaisquer eventuais dúvidas sobre a admissibilidade
das “medidas cautelares” nos Juizados Especiais Federais.
* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
1
Cândido Rangel Dinamarco. Manual dos Juizados Cíveis. 2.ed. Malheiros, p.63.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
27
O presente trabalho propõe-se a meditar sobre algumas das questões
que a aplicação prática do novo dispositivo legal fatalmente deverá suscitar, sem, entretanto, nenhuma pretensão de esgotar o assunto, nem muito
menos de oferecer soluções definitivas para os problemas levantados,
que por certo irão merecer aprofundado exame dos mais entendidos.
2. Medidas antecedentes ou incidentais; nominadas ou inominadas
Uma leitura mais apressada talvez sugerisse a falsa idéia de que a lei
– empregando a expressão “no curso do processo” – só tivesse vindo
autorizar medidas cautelares incidentais.
Essa impressão, contudo, seria manifestamente equivocada, pois,
como parece intuitivo, verificando-se o perigo antes da instauração do
processo principal, não há como recusar ao jurisdicionado uma tutela
adequada, é dizer, antecedente, inclusive no Juizado Especial,2 até por
determinação constitucional (CF, art. 5º, XXXV).
É bem de ver que “a especificação de uma hipótese não redunda em
exclusão das demais ... Do silêncio do texto não se deduz a sua inaplicabilidade, nem tampouco a supremacia forçada do princípio oposto.
A generalização do argumento a contrario extinguiria a analogia e a
exegese extensiva, e até restringiria o campo da interpretação estrita,
considerada esta nos termos em que os modernos a compreendem”.3
Se é verdade que “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou
no curso do processo principal e deste é sempre dependente” (CPC, art.
796) e que o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente à Lei
dos Juizados Especiais,4 então os direitos incluídos na competência do
Juizado Especial – orientado pelos princípios da oralidade, simplicidade,
2 “As medidas cautelares têm um sentido de guerra contra o tempo,
que muitas vezes é inimigo declarado do processo e da utilidade do seu
produto (Carnelutti), o que torna natural a sua admissibilidade, em tese,
nesse órgão jurisdicional intensamente voltado à celeridade no atendimento aos reclamos de violação de direitos. Pela própria natureza das
coisas, não há razão para distinguir e a competência dos juizados em
matéria cautelar inclui as medidas preparatórias e as incidentes, tanto
quanto no processo civil comum. Os procedimentos basicamente serão
aqueles ditados pelo Código de Processo Civil, que nisso tem aplicação
28
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
informalidade, economia processual e celeridade (Lei n.º 9.099/95, art. 2º,
e Lei nº 10.259/2001, art. 1º) – evidentemente não podem merecer uma
proteção jurisdicional menos eficiente do que a que lhes seria conferida
pelo processo comum.
Nem há por que deixar de reconhecer também a admissibilidade tanto
das medidas cautelares nominadas quanto a das inominadas, aquelas
submetidas a pressupostos específicos, essas incluídas no poder cautelar
geral do juiz,5 sabidamente fundado em “norma amplíssima, que confia à
consciência, à ponderação, à prudência do juiz o critério de, segundo seu
justo arbítrio, motivado pela exigência e valoração dos fatos, determinar
as medidas provisórias que julgar adequadas ... Na ordem jurídica, não se
sufocam necessidades reais. Desamparadas de tutela expressa, haverão
elas de eclodir, pujantes, na doutrina e na jurisprudência, a reclamar o
esforço construtivo do jurista e do juiz”.6
3. Requisitos: fumus boni juris e periculum in mora
Naturalmente, ainda que a lei tenha feito referência apenas ao “dano
de difícil reparação”, nenhuma medida cautelar pode ser concedida sem
que estejam presentes, ao mesmo tempo, os dois requisitos essenciais de
toda tutela emergencial, consagrados universalmente nas expressões fumus
subsidiária, mas as simplificações inerentes ao juizado e ao seu processo.
Têm aplicação subsidiária, também, as regras gerais sobre a competência
para as medidas cautelares (CPC, art. 800), prevenção, responsabilidade
civil, etc.”(Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 90).
3 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 17ª edição,
Forense, p. 243.
4 “Mesmo na ausência de dispositivo expresso determinando a aplicação subsidiária do CPC às ações que se processam perante os juizados
especiais cíveis, referida aplicação se dá pelo fato de o CPC ser a lei
ordinária, geral, do direito processual civil” (Nelson Nery Junior e Rosa
Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 3ª edição, RT, p. 1.677).
No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco para quem a aplicação
subsidiária do CPC “é, contudo, uma necessidade, porque nenhuma
das leis processuais específicas existentes no país contém a disciplina
integral e auto-suficiente do processo a que se destina ... Não fora assim,
cada lei processual especial precisaria ser um outro Código, contendo
29
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boni juris e periculum in mora.7
Sendo irrelevante discutir, nos limites deste trabalho, se tais requisitos constituem condições da ação ou o próprio mérito da ação cautelar,
o que interessa acentuar é que “sejam o periculum in mora e o fumus
boni juris condições de admissibilidade da ação cautelar, como sustentam muitos autores, ou de sua procedência, como querem outros, fato é
que se consideram requisitos indispensáveis para a obtenção de tutela
jurisdicional cautelar”,8 não havendo nenhuma justificativa para excluir
o Juizado Especial da regra geral, que, aliás, está explicitada no preceito
do artigo 14 da própria Lei nº 10.259/2001, in verbis: “No caso do § 4º,
presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio
de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a
requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão
dos processos nos quais a controvérsia seja estabelecida”.
4. Procedimento; liminar; restrições
Se for incidental, tudo recomenda que o pedido de tutela cautelar
seja formulado nos próprios autos do processo em curso, mediante simples petição, sem maiores formalidades, até mesmo na própria inicial,9
ouvindo-se previamente a parte contrária, sempre que possível, isto é,
regras sobre artes, legitimidade, representação, atos processuais, formar,
etc. Um absurdo ! E não poderia ser diferente em relação ao processo
especialíssimo que pelos juizados especiais cíveis tramita” (op. cit., p. 27).
Desnecessário, para os objetivos aqui pretendidos, aprofundar a discussão sobre os limites do poder
cautelar geral. Vale lembrar, porém, que, segundo forte corrente doutrinária, as medidas inominadas “não
têm eficácia substitutiva das outras medidas cautelares típicas, nem se acrescem a elas, alternativamente.
Exemplificando: o credor que não tem direito a usar o arresto não pode pretender invocar o art. 798 para
obter depósito de bens do devedor, em lugar daquela medida cautelar” (Humberto Theodoro Júnior, Processo
Cautelar, 3ª edição, Leud., p. 100). Em sentido contrário, Araken de Assis adverte que a orientação restritiva
pode deixar “sem proteção ou satisfação direito litigioso e plausível”, concluindo que, “embora o caráter
subsidiário da medida atípica se resolva mediante exclusão, e desse modo, a existência de certos requisitos
específicos – v.g., a apresentação de ‘prova literal da dívida líquida e certa’, no caso do arresto, a teor do
art. 814, I – não podem (sic) ser suplantados pelos genéricos, o obstáculo desaparece quando são diferentes
o direito litigioso a acautelar (ou satisfazer) daquele previsto, abstratamente, na medida típica, ou a ameaça
que lhe atinge. Por exemplo, créditos ilíquidos recaem no âmbito do art. 798, porque, justamente, ostentam
natureza diversa do tutelado no art. 814. E, sobretudo, à parte mostrar-se-á lícito obter, através de medida
atípica, efeitos distintos dos estabelecidos na litisregulação específica” (Revista Jurídica, “Fungibilidade
das Medidas Inominadas Cautelares e Satisfativas”, n.º 272, p. 16-17).
6
Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, vol. VIII, tomo I, p. 138 e 358.
7
“A doutrina clássica resume as condições ou requisitos específicos da tutela cautelar em: I- um ano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em
razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável; II- a plausibilidade do direito
substancial invocado por quem pretenda a segurança: fumus boni juris” (Humberto Theodoro Júnior, op.
5
30
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desde que a providência não coloque em risco a eficácia da medida (CPC,
art. 804).10 Encontrando-se o processo na fase recursal, o pedido deverá
ser formulado perante o órgão competente para o julgamento do recurso
(CPC, art. 800, parágrafo único).
A ação cautelar antecedente, todavia, exigirá petição inicial específica
e autuação própria,11 seguindo-se, no que couber, o procedimento sumaríssimo do Juizado Especial, com as adaptações inerentes à natureza do
processo cautelar.
Aplicam-se no Juizado Especial Federal, sem dúvida nenhuma, todas
as restrições legais à concessão de liminares, salvo quando determinarem
“o perecimento da própria pretensão, apresentada no processo com visos
de real verossimilhança. Nestes casos excepcionais, e apenas neles, o
direito constitucional a uma jurisdição eficaz suplantará as limitações
estabelecidas em lei ordinária ..., cabendo ao juiz, em cada caso concreto,
decidir sob o critério da ‘razoabilidade das restrições’, ponderando se, e
em que medida, as limitações afetarão o direito da parte autora, efetiva
e concretamente, à inafastabilidade da jurisdição”.12 E nem poderia ser
diferente porque “uma interpretação sistemática realiza sempre uma
hierarquização axiológica, de sorte a fazer preponderar, inclusiva e exclusivamente, ora a norma superior, ora, em caso de antinomia pendente, o
cit., p. 72-73). No mesmo sentido, J. J. Calmon de Passos: “A ação cautelar, o processo cautelar e a tutela
cautelar têm como características: a) sua instrumentalidade ...; b) a provisoriedade...; c) o fundado receio
de que, antes de proferida sentença transitada em julgado, venha a se tornar impossível ou improváveis a
atribuição do bem da vida que por meio dela se pretende obter (periculum in mora); d) a probabilidade de
que a sentença a ser proferida se incline no sentido da existência do direito ao bem da vida que se pretende
obter, em termos definitivos, com ela (fumus boni juris)”. (Comentários ao Código de Processo Civil, RT,
vol. X, tomo I, p.62)
8 Sydney Sanches, Poder Cautelar Geral do Juiz, RT, p.43.
9 “Ora, se as circunstâncias muita vez impõe instrução e sentença conjuntas, não hesitamos em admitir, também, a cumulação das ações, se
afastado o risco de tumulto processual ... não há razão lógica que impeça,
em tese, a reunião de pedidos complementares, continentes, nascidos
da mesma relação material controvertida, entre as mesmas partes ...
esta exegese racional e lúcida, condizente com os princípios, conduz
à admissibilidade da cumulação da cautela com a ação principal, em
situações desta ordem, desde que, a critério do juiz, não haja risco de
tumulto processual ... o art. 809 não deve ser interpretado no sentido de
31
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princípio superior, recorrendo-se, em todas as hipóteses, expressa ou ocultamente, ao princípio da hierarquização,(...), sempre na certeza de que bem
interpretar é concretizar a máxima justiça sistematicamente possível”.13
5. Antecipação de tutela: fungibilidade
Dúvida igualmente não pode haver quanto à plena admissibilidade
dos provimentos antecipatórios de tutela: se o juiz do Juizado Especial
“não é menos juiz do que qualquer outro, há que se entender que poderá
também deferir medidas antecipatórias, nos termos do art. 273 do CPC
... não há razão para distinguir medida cautelar e medida antecipatória.
Trata-se de medida cautelar lato sensu”.14
Mesmo sendo inegável que “uma coisa é proteger, mediante processo
autônomo, a eficiência da sentença a ser proferida em outro processo,
dito ‘principal’, (e) coisa substancialmente diversa é realizar desde logo,
embora provisoriamente, a pretensão contida no processo principal”,15
parece forçoso admitir que há equívoco “na vinculação estabelecida ...,
como se para acautelar fosse sempre necessário processo próprio e não se
concebesse antecipação de tutela senão por decisão interlocutória. Pelo
menos no plano da teoria geral, é claro que, mediante processo próprio,
tanto se pode conceder mera cautela quanto antecipar efeito da sentença
a ser proferida no processo principal e, por decisão interlocutória, tanto
se pode apenas acautelar quanto satisfazer antecipadamente”.16 Há uma
identidade essencial entre as medidas cautelares e as antecipatórias, que
se reúnem “sob o gênero comum das ‘medidas de urgência’ ... O fato de a
medida ter natureza cautelar não implica impossibilidade de ser concedida
por decisão interlocutória, na própria ação de conhecimento. O fato de ter
natureza antecipatória não significa não possa ela ser pleiteada por ação
cautelar lato sensu. Quem pode o mais pode o menos. Se o juiz pode,
por decisão interlocutória, proferir decisão satisfativa, é claro que pode o
menos, qual seja, simplesmente acautelar”.17 Realmente “soa por absurdo
que a nova lei, ao facilitar, permitindo medida satisfativa mediante mera
13 Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 2ª edição,
Malheiros, p. 110.
14 José Maria Tesheiner, Página de Direito, Internet, edição n.º 22, de
15.07.2001.
32
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decisão interlocutória, haja proibido sua concessão pelo meio que melhor
preserva o princípio do contraditório, isto é, por sentença proferida em
processo cautelar ... O que explica essa fungibilidade é exatamente a
inexistência de abismo entre essas medidas, uma e outra espécies de um
mesmo gênero, que é a regulação provisória da lide (litisregulação)”.18
Sempre é bom lembrar, a propósito, que “são cautelares as medidas
com que a ordem jurídica visa a evitar que o passar do tempo prive o
processo de algum meio exterior que poderia ser útil para o correto exercício da jurisdição e conseqüente produção, no futuro, de resultados úteis
e justos; e são antecipações de tutela aquelas que vão diretamente à vida
das pessoas e, ainda pendente o processo, oferecem a algum dos sujeitos
em litígio o próprio bem pelo qual ele pugna ou algum benefício que
a obtenção do bem poderá proporcionar-lhe. As primeiras são medidas
de apoio ao processo e as segundas, às pessoas ... É inegável, todavia,
que tanto as cautelares quanto as antecipatórias convergem ao objetivo
de evitar que o tempo corroa direitos e acabe por lesar alguma pessoa
... Daí a legitimidade da recondução dessas duas ordens de medidas a
um gênero só, que as engloba, ou a uma categoria próxima, que é a das
medidas de urgência”.19
A regra, contudo, é que a liminar antecipatória seja requerida “no âmbito da própria ação em que é demandada a tutela definitiva que se quer
ver antecipada. Não será necessário, para esse fim, inaugurar nova relação
processual”.20
É possível que o juiz conceda de ofício alguma medida antecipatória?
Não, pois às antecipações de tutela não se aplica a fundamental razão
política que justifica a concessão ex officio das medidas cautelares incidentes, visto que elas não se destinam a dar apoio ao processo e ao
Id., ibid., p. 36. No mesmo sentido, embora com restrições, Athos Gusmão Carneiro: “Feito no nosso país
o adequado discrimen entre os provimentos antecipatórios, de natureza satisfativa, e as medidas cautelares
stricto sensu, não-satisfativas, impõe-se todavia não levar tal princípio às últimas conseqüências, mas admitir,
quando possível, uma ‘fungibilidade’ de uns e outros, em homenagem à economia processual e à eficiência
e brevidade do processo ... Vale anotar que a manobra inversa, ou seja, transmudar providência cautelar em
antecipatória, apresenta-se mais difícil, porque mais rigorosos os pressupostos de deferimento da medida
de ordem satisfativa”. (op. cit., p.38-39)
19
Cândido Rangel Dinamarco. “O Regime Jurídico das Medidas Urgentes”, Revista Jurídica, nº 286, p.9.
20
“Pelo contrário, diferentemente do que ocorria antes da reforma de 1994, quando era comum utilizar a
via da ‘ação cautelar inominada’ para obtenção de medidas satisfativas, agora esse meio está vetado ... Já
não há lugar, portanto, para obter-se medida satisfativa preparatória de outra ação”. (Teori Albino Zavascki,
op. cit., p.103-104)
18
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33
correto exercício da jurisdição, mas, sim, a favorecer uma das partes em
suas relações com a outra ou com o bem da vida em disputa: “O juiz não
tem o poder de conceder tutelas jurisdicionais antecipadas (de ofício),
quer antes da instauração do processo, quer na pendência deste – e essa
norma está expressa no corpo do art. 273 do Código de Processo Civil,
quando estatui que as antecipações poderão ser concedidas a requerimento da parte”.21
6. Recurso
Tendo autorizado expressamente as medidas cautelares e, como visto,
implicitamente os provimentos antecipatórios, a lei evidentemente não
poderia ter deixado de instituir recurso contra as respectivas decisões:
“Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença
definitiva”. (art. 5º)
Se a medida tiver sido veiculada por sentença, em procedimento antecedente, o recurso cabível será o geral, inominado, semelhante a uma
apelação;22 mas se o provimento tiver sido objeto de decisão interlocutória, nesse caso, não vejo como deixar de atribuir ao recurso respectivo
tratamento análogo ao do agravo de instrumento, ainda que não se queira
dar-lhe essa denominação.23
Além de ser perfeitamente compatível com os princípios que informam
o Juizado Especial, pois o agravo de instrumento não obsta o andamento
do processo,24 a solução parece mesmo inevitável, a menos que se queira
admitir o mandado de segurança para coibir o risco de dano irreparável
– hipótese que, entretanto, não se ajusta ao espírito das modificações
21 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 16.
“O recurso que a lei especial institui não é apelação e com ela não se confunde, apesar de ser admissível
contra sentença e abranger todos os pontos e questões relevantes ao julgamento, pela razão de não se dirigir
a um órgão superior, mas ao próprio juizado”. (Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 167)
23
“As decisões interlocutórias são, de regra, irrecorríveis. Por isso mesmo, não ocorre preclusão, podendo
a matéria ser reexaminada no recurso interposto da sentença. Por exceção, cabe recurso da decisão que
defere medida cautelar (Lei 10.259/01, arts. 4º e 5º). Há de se supor que se trate de medida concedida incidentemente, porque a sentença proferida em processo cautelar é recorrível como qualquer outra. A lei não
prevê a concessão de medidas antecipatórias. Se concedida, caberá recurso, dada sua eficácia imediata. Na
hipótese, não há razão para distinguir medida cautelar e medida antecipatória. Trata-se de medida cautelar
lato sensu”. (José Maria Tesheiner, Página de Direito, loc. cit.)
22
24 CPC, artigo 497.
“Nunca é demais salientar, a respeito do tema, que ‘um dos objetivos da concepção de um novo regime
para o agravo de instrumento foi justamente o de restringir o uso do mandado de segurança com a finalidade
de imprimir-lhe efeito suspensivo”. (Amir José Finocchiaro Sarti, Revista do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, “Do Agravo”, vol.25, p.191 e seguintes). Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência do Tribunal
25
34
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recentemente imprimidas no processo civil brasileiro.25
É preciso destacar, entretanto, a hipótese da medida ser concedida
na própria sentença do processo principal, caso em que, segundo decidiu
o Pleno do Tribunal Regional da 4ª Região, “a tutela antecipatória deferida no bojo de sentença é atacável mediante agravo de instrumento”.26
Justifica-se a diretriz porque, aí, a decisão antecipatória não integra a
estrutura lógica da sentença – “embora formalmente o ato seja único, há,
substancialmente, a prolação simultânea de atos distintos. O ato do juiz
que aprecia o pedido de antecipação da tutela é materialmente autônomo,
distinto e inconfundível com o da sentença, razão pela qual, também
nesses casos, é atacável por recurso de agravo de instrumento”.27
7. Conclusões
De todo o exposto, resultam as seguintes conclusões:
a) são cabíveis no Juizado Especial Federal tanto as medidas cautelares incidentais quanto as antecedentes; e tanto as nominadas quanto
as inominadas, aquelas submetidas a pressupostos específicos, essas
incluídas no poder cautelar geral do juiz;
b) aplica-se subsidiariamente, no procedimento do Juizado, o Código
de Processo Civil;
c) os requisitos essenciais para a concessão da medida cautelar continuam sendo o fumus boni juris e o periculum in mora, que devem estar
presentes simultaneamente;
d) o pedido incidental deve ser feito nos próprios autos do processo
em curso, por simples petição, ouvindo-se previamente a parte contrária,
Regional Federal da 4ª Região, conforme se vê, entre outros, dos seguintes julgados: “A partir da vigência
da Lei nº 9139/95, que deu nova configuração ao agravo de instrumento, não é mais admissível a impetração
de mandado de segurança contra decisão judicial, inclusive a que concede ou nega liminar em mandado
de segurança” (MS 95.04.63376, Juiz Amir Sarti); “... Assim, mesmo em caso de urgência, é o agravo de
instrumento, e não a via autônoma do mandado de segurança, o meio processual adequado para controlar
decisão judicial que indefere pedido de antecipação de tutela”. (MS 96.04.31418, Juiz Teori Albino Zavascki)
26 Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 10.184, maioria, Juiz Nylson Paim de Abreu.
Teori Albino Zavascki, op. cit., p.112. Em sentido contrário, Cândido Rangel Dinamarco: “Nos casos
extraordinários em que a tutela seja concedida na própria sentença que decide a causa, nem por isso se
legitimaria o entendimento de que contra esse ato judicial único caberiam dois recursos, a saber, apelação
contra o julgamento de meritis e agravo contra a concessão da antecipação tutelar. A percepção de que se
trata de um ato só, conquanto internamente estruturado em capítulos destinados a decidir sobre mais de uma
pretensão, conduz com segurança à admissibilidade da apelação apenas”. (op. cit., p. 19)
27
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sempre que isso não puser em perigo a eficácia da medida;
e) a ação cautelar antecedente exige petição inicial específica e autuação própria;
f) incidem todas as restrições legais à concessão de liminares, que,
porém, devem ser afastadas se houver risco de perecimento do direito;
g) admite-se a antecipação de tutela, que, todavia, depende sempre
de requerimento da parte interessada;
h) se a medida cautelar foi concedida ou negada por sentença, o recurso será o geral, assemelhado a uma apelação, mas se o foi por decisão
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A interpretação no Direito Previdenciário
Maria Lúcia Luz Leiria*
Só será possível a concretização dos direitos sociais, neles
incluídos aqueles relativos à Previdência Social, se o intérprete aplicar os textos à luz dos princípios constitucionais.
Isto revela a adoção de uma nova postura hermenêutica.
1.1. Uma nova postura hermenêutica. 1.2. Previdência
Social – noções elementares sobre os benefícios. 1.3. A
grande importância da especialização do julgador em face
da autonomia do Direito Previdenciário e sua constitu­cio­
nalização. Considerações Finais.
O tema é amplo quando se procura, a partir de uma ou outra doutrina,
conceituar ou definir o que é interpretar, ou mesmo como e o que deva
ser interpretado.
Sob o entendimento de que, em nosso País, o Judiciário, o julgador, é o intérprete autêntico dos textos legais e, quando provocado
em jurisdição, deve ele ser também o intérprete do pedido que se lhe
faz e que tal poder-dever está fundado na vontade soberana do povo,
tenho que nestas causas, que envolvem a Previdência Social Pública,
tem o juiz de munir-se de todas as ferramentas, de todos os ramos do
conhecimento humano – isto é, aprender e continuar aprendendo, em
* Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
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seu dia-a-dia, para poder exercer suas atribuições.
Ademais, necessário que esteja fincado na realidade dos fatos que julga.
Precisa conhecer o seu habitat, precisa saber das necessidades de todos e
de tudo que o envolve, e, acima de tudo, deve ter a total e plena convicção
do que seja justiça para o caso que julga, dentro da realidade social atual
dos fatos, não lhe cabendo ignorar o mundo fático, regendo-se apenas
pelo princípio do iura novit curia. Hodiernamente, não pode mais haver
o juiz apenas na forma, aquele que, por ter ingressado na carreira nos termos da lei e assumido suas funções, está dotado do poder de julgar, mas,
sim, será juiz desta contemporaneidade, deste mundo de início de século,
onde a informação é instantânea, somente aquele integrado à realidade
que o cerca. Só o será essencialmente e exercerá o real poder a partir da
convicção de que está no mundo, faz parte dele, e deve conhecê-lo para
poder criar a norma ao caso concreto.
Tem-se, pois, como que um marco a delinear o poder do juiz, aquele
cego aos acontecimentos de sua atualidade, que continua com antigas
e ultra­pas­sadas fórmulas, fazendo de cada decisão uma repetição do
que está estratificado na lei, e aquele que faz de seu poder um dever de
efetivar os comandos constitucionais.
É esta a “era do direito”, no dizer de Bobbio, mas estes direitos necessitam de que se os tornem efetivos, e só o novo juiz, aquele convencido
de que o poder que detém é exercido em nome do povo e para a garantia
das instituições democráticas, será capaz de dar efetividade às decisões
proferidas.
A partir do entendimento do ordenamento jurídico como um sistema
dinâmico, há a necessidade de adequação e de constante aperfeiçoamento
e aprofundamento do juiz nas questões sociais e legais no que diz com
os direitos previdenciários, já que os mesmos são direitos sociais que
fazem vincular o legislador infraconstitucional ao constitucional.1 1 A este respeito, manifesta-se Paulo Bonavides: “O problema da ‘juridicização’ dos direitos sociais tornou-se crucial para as Constituições do Estado social.
Cumpre, pois, na busca de uma solução, observar toda essa seqüência: reconhecer a
vinculação constitucional do legislador a tais direitos, admitir que se trata de direitos
de eficácia imediata, instituir o controle judicial de constitucionalidade e, por fim,
estabelecer mecanismos suficientes que funcionem como garantias efetivas de sua
aplicabilidade. Nesses dois últimos aspectos assinalados, são também de extrema relevância o controle abstrato das normas, a criação de tribunais constitucionais e o uso de
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É por isso que o magistrado contemporâneo deve ter essa visão do
conjunto dimensionado pelo ambiente social perante o qual responde
por seus deveres e atribuições e, ao lado de uma técnica científica interpretativa, dar constante efetividade a esses direitos sociais como única
forma para que se mantenha íntegro o chamado Estado Democrático de
Direito, fundamentado em objetivos delineados pelo artigo 3º da Constituição Federal de 1988.
É possível, pois, concluir-se que há, neste Estado Democrático de
Direito, o “deslocamento do centro das decisões do Legislativo e do
Executivo para o Judiciário”.2 No dizer de Guerra Filho, “o processo judicial que se instaura mediante
a propositura de determinadas ações, especialmente aquelas de natureza
coletiva e/ou de dimensão constitucional – ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, etc. – torna-se um instrumento permanente
de cidadania”.3 Por isso a inafastável conclusão de que, com este deslocamento,
aumenta a responsabilidade do Judiciário e completa-se o círculo com
a evidente consideração de que seus julgados são, obrigatoriamente,
fonte de direito.
Muito tem sido escrito a respeito dos direitos do homem na atualidade.
Bobbio,4 com magistral sabedoria, diz que o problema não é o fundamento ou o reconhecimento desses direitos, sequer a sua evolução
causadora das grandes transformações do mundo moderno, mas, sim, a
forma, a maneira e o modo de garanti-los e de os tornar efetivos.
E este, sem dúvida, é um problema de poder.
Em uma determinada sociedade devidamente organizada, os detentores do poder são aqueles com capacidade, por meio dos institutos
postos, de tornar efetivos e garantidos os direitos fundamentais. Não
há progresso, não há avanço, sem que se tenha na base de qualquer
sociedade a necessária capacidade de tornar efetivos os direitos universalmente reconhecidos como fundamentais à realização de um Estado
Democrático de Direito.
A efetividade de determinado direito tutelado pela ordem jurídico2 Conforme STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.44.
3 GUERRA FILHO, Willis Santiago, apud STRECK, op. cit., p. 44.
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-constitucional depende de expressão e força vinculativa do poder
político-jurídico.
Dentre muitos direitos fundamentais estampados na Declaração Universal, foram reconhecidos os chamados direitos sociais, tanto para o
homem enquanto indivíduo, como para o homem enquanto coletividade.
Esses novos direitos ou novas faces de interesses, que vão surgindo pela
própria multiplicação das relações intersubjetivas, abrangem o direito
à prestação do Estado para aqueles que não mais podem produzir ou
que não mais se podem sustentar, que são aqueles diretamente ligados
à chamada Seguridade Social. Trata-se de direitos da chamada segunda
geração, que convivem com aqueles ditos de primeira geração, bem como
com os denominados de terceira geração.
Tais direitos sociais, ditos de segunda geração e que se caracterizam
pela necessidade de serem atendidos pelo Estado, justamente para que
o princípio de garantia de vida digna seja obedecido, foram convivendo
com novos direitos coletivos e difusos, onde predomina o interesse social
de manutenção do meio ambiente, de preservação do patrimônio público e
social, de proteção aos progressos da ciência, sem que se anulem aquelas
bases e direitos fundamentais ditos individuais.
Entre tais direitos, estão aqueles que dizem respeito especificamente
à Previdência Social, estatal e pública, assentados na Constituição com
princípios norteadores que não podem ser afastados pelo político ou pelo
jurista. Princípios esses que informam a aplicação das normas e textos
referentes à Previdência Social e que devem ser buscados quando reconhecidos os direitos e não implementados, e enquanto assegurados e não
efetivados, para que a norma abstrata se converta em situação concreta
e de efetiva justiça social.
A par dos benefícios ditos sem contraprestação – o benefício assistencial5 e os concedidos aos segurados especiais –, todos os demais estão
diretamente dirigidos pelo princípio contributivo-retributivo, observando-se critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (artigo 201 da
Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional
nº 20). Ou seja, o cidadão, enquanto trabalhador, contribui para que, em
5 Não é benefício previdenciário stricto sensu, e sim
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determinado momento e sob determinadas regras e condições, possa
continuar mantendo uma vida digna com o percebimento de benefícios
da Previdência Social.
Como todo direito fundamental, inscrito na Carta Constitucional, os
benefícios previdenciários são direitos fundamentais sociais, comportando, para tanto, interpretação conforme os princípios constitucionais.
O reconhecimento dos direitos do Homem junto ao processo histórico
e à dinâmica das relações entre indivíduos e entre coletividades demonstra
que o Homem, enquanto sujeito de direitos, foi, é e sempre será o ser a
partir do qual se examinam as suas necessidades e prioridades em dado
momento histórico e em determinado Estado.
Pela Constituição Federal de 1988, o Brasil da chamada pós-modernidade é exemplo de Estado de Direito, onde estão tutelados os direitos
individuais, sociais, os direitos difusos, que são, entre outros, aqueles
referentes ao meio ambiente sadio, fundados na solidariedade.
Importante salientar que o reconhecimento de tais direitos vem atrelado
à necessidade de mecanismos capazes de garantir a sua efetividade – por
isso direitos e garantias vêm enfeixados quase que num mesmo conceito.
Tanto que tais normas que protegem e dizem os direitos fundamentais
necessitam ser aplicadas imediatamente, por força da própria determinação
constitucional.
A plena existência de ditos direitos fundamentais, quer de primeira,
quer de segunda, terceira ou quarta geração, está insculpida em uma
Constituição que, inclusive, aponta os mecanismos necessários para que
sejam imediatamente aplicados e que não podem ser suprimidos pelo
Poder Constituinte derivado – é o que se vê do artigo 60 da Constituição
Federal.
Dentro deste espírito do exame constitucional do operador do direito,
todos os textos infraconstitucionais devem-se adequar às garantias dos
direitos fundamentais; em caso de infração, de atuação contrária aos ditos
direitos, estão titulados o cidadão, as entidades de classe e o Ministério
Público como autores diretos das ações constitucionais elencadas para que
se efetivem e se tornem eficazes os direitos fundamentais acaso ameaçados
ou violados.
Assentada, portanto, a clara natureza destes direitos referentes à previdência social, só com uma nova postura hermenêutica torna-se possível
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antever a pretendida concretização de tais direitos.
E é justamente aí que se torna absolutamente necessário conscientizem-se os operadores desta área da efetiva necessidade de adequação a
estes novos conceitos.
1.1. Uma nova postura hermenêutica
Aos filósofos da antiguidade foram-se sucedendo teólogos, sociólogos,
jusfilósofos, na procura de extirpar dogmas ultrapassados, quebrando
paradigmas a fim de que a pureza do texto posto fosse concretizada na
aplicação de acordo com a realidade e com o mundo humano de suas
épocas.
Todo e qualquer objeto pode ser visto e descrito de várias maneiras,
de vários ângulos, por diversas pessoas que vão fazer de suas idéias a
exteriorização do conceito do objeto conhecido.
Se assim é, quando se está a descrever um óleo, o pôr-do-sol, a montanha, a multidão nas ruas, muito mais ocorre quando se necessita representar, entender e transmitir comandos abstratos consubstanciados em
regras jurídicas.
É, portanto, ponto de invencível força tudo o que envolve a interpretação das leis, a hermenêutica jurídica, a exegese dos textos.
Diz Eros Grau, com maestria, que “na interpretação do texto o intérprete pode “levar à transformação do direito”. 6 Apenas, numa visão panorâmica para introduzir o tema, tem-se como
necessário traçar a definição, ou melhor, o limite do que seja hermenêutica.
A partir do entendimento de que direito é o objeto da ciência do
direito - que descreve é descritiva, enquanto o direito prescreve, não
descreve - tem-se que o direito é normativo. Como ensina Eros Grau.7 GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 16. Afirma o
autor: “Posso, exemplificativamente, descrevê-lo como sistema de normas que regula – para assegurá-la – a
preservação das condições de existência do homem em sociedade. Mas, de outra parte, posso descrevê-lo,
exemplificativamente, também, desde uma perspectiva crítica, introduzindo, então, a velha questão, do expositor e do censor (crítico) do direito, daquele que explica o direito, tal como o entende, e daquele que indica
o que crê deva ser o direito – a separação entre o que é e o que deve ser o direito (Bentham). Afirmaremos,
então, que necessitamos mais de censores, críticos, do direito, do que de meros expositores dele – no que
também a afirmação de que os juristas em regra se limitam a interpretar o direito de diferentes maneiras,
mas o que importa é transformá-lo (grifo no original).
7
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 30.
6
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“Ainda quando um texto normativo descreve uma coisa, estado ou situação, é prescritivo. Ele descreve para prescrever que aquela é a descrição do que cogita.
A ciência que o estuda e descreve não é, no entanto, normativa. É, enquanto ciência,
descritiva.”.
“Impõe-se distinguirmos, assim, a ciência do direito e seu objeto, o direito. A primeira
descreve – indicando como, por quê e quando – este último.
Essa distinção é de importância fundamental, e inúmeras vezes deixam de percebê-la
os estudiosos do direito. Por isso se perdem, também inúmeras vezes, esses estudio­sos
em raciocínios contraditórios e equivocados. Um dos temas, por exemplo, para cujo
tratamento é basilar a distinção é o referido aos princípios. Há que ter bem distintos,
porque diversos são entre si, os princípios do direito e os princípios da ciência do direito”.
Várias, pois, são as soluções. Não há apenas uma resposta verdadeira;
o intérprete opta entre muitas, de acordo com os princípios da teoria que
assume, “pois a interpretação é convencional. Não possuindo realidade
objetiva com a qual possa ser confrontado o seu resultado (o interpretante), inexiste uma interpretação objetivamente verdadeira (Zagrebelsky
1990/69).”
A partir dessas premissas, em sendo o sistema jurídico um sistema
aberto, não fechado, “aberto no sentido de que é incompleto, evolui e
se modifica”,8 daí a importância e a necessidade de se adotar uma nova
postura hermenêutica, bem-colocada por Lenio Streck, ao afirmar que:
“(...) essa (nova) hermenêutica, rompendo com a idéia de subsunção do caso sob uma
regra que lhe corresponde e da possibilidade da autonomia do texto, deve ser vista não
como um emaranhado sofisticado de palavras, mas, sim, como uma ferramenta metateórica e transmetodológica a ser aplicada no processo de desconstrução do universo
conceitual e procedimental do edifício jurídico, nascido no paradigma metafísico, que
o impediu (e continua impedindo, ao abrigo do paradigma epistemológico da filosofia
da consciência) de submetê-lo às mudanças que há muito tempo novas posições teóricas – não mais metafísicas – nos põem à disposição. Hermenêutica é experiência. É
vida! É este o nosso desafio: aplicá-la no mundo da vida!”9 8 Idem, p. 19.
9 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 262-263.
Consoante Lenio Streck: “Isso ocorre porque, inserido nessas crises, o jurista (ainda trabalha/opera com
os conceitos advindos da (velha) hermenêutica clássica, vista como pura técnica (ou ‘técnica pura’) de
interpretação (Auslegung), onde a linguagem é entendida como terceira coisa que se interpõe entre o sujeito
cognoscente e o objeto a ser conhecido/apreendido. Há, pois, sustentando essa crise, uma interpretação
que opera o encobrimento do acontecer propriamente dito do agir humano, objetificando-o na linguagem e
impedindo que se dê na sua originariedade”. Op. cit., p. 272-273. (grifo no original).
11 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p.80.
12
GRAU, Eros Roberto. Op.cit., p. 32.
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Por isso, é imprescindível, a fim de se conferir vida e efetividade
aos direitos abstratamente previstos em sede constitucional, abandonar,
o juiz, a postura de distanciamento em relação ao contexto no qual ele
está inserido, vive e participa, apregoada pela hermenêutica tradicional
e pela dogmática jurídica.10 Com efeito, a hermenêutica e a dogmática
jurídica partem do paradigma da filosofia da consciência, que, por sua vez,
parte “da noção de conhecimento como relação entre pessoas (sujeitos)
e objetos, quando, na realidade, deve-se partir da relação entre pessoas
(atores sociais) e proposições”.11 Eros Grau, ao conceituar interpretação, diz que “a interpretação é atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em
normas; é meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições,
meio através do qual o juiz desvenda as normas contidas nas disposições
(Zagrebelsky 1990/68 e ss.; Grau 1995/5-7). Por isso as normas resultam
da interpretação”.12 Mais adiante, este mesmo autor assim assevera:
“Interpretar não é apenas compreender. A interpretação consiste em mostrar algo:
ela vai ‘do abstrato ao concreto, da fórmula à respectiva aplicação, à sua ‘ilustração’
ou à sua inserção na vida’ (Ortigues 1987/220; na interpretação dos fatos, ao contrário,
vai-se do concreto ao abstrato, da experiência à linguagem). A interpretação, pois,
consubstancia uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão
em outra, visando a tornar mais compreensível o objeto ao qual a linguagem se aplica.
Da interpretação do texto surge a norma, manifestando-se, nisso, uma expressão de
poder, ainda que o intérprete compreenda o sentido originário do texto e o mantenha
(deva manter) como referência de sua interpretação (Gadamer 1991/381)”.13 E, nesse passo, é relevante proceder à diferenciação, tão bem-elaborada por Eros Grau, entre “interpretar para aplicar” e “interpretar para
13 Idem, p. 154.
Nesse sentido, afirma Eros Grau: “Kelsen (1979/469 e ss.), como observei, distingue a ‘interpretação autêntica’ feita pelo órgão estatal aplicador do direito, de qualquer outra interpretação, especialmente a levada
a cabo pela ciência jurídica. A interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do
direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do direito efetua uma escolha
entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. É este ato de vontade (a
escolha) que peculiariza a interpretação autêntica. Ela ‘cria direito’, tanto quanto assuma a forma de uma lei
ou decreto, dotada de caráter geral, como quando, feita por um órgão aplicador do direito, crie direito para
um caso concreto ou execute uma sanção. As demais interpretações não criam direito. Apenas o intérprete
autêntico é revestido do poder de criar as normas jurídicas”. Op. cit., p. 154. (grifo no original)
14
15 No dizer de Eros Grau: “também os que não preenchem os requisitos
do intérprete autêntico (os que não são juízes) interpretamos/aplicamos o direito”. Op.
cit.,p.32. (grifo no original).
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criar”. É que a interpretação criadora da lei para o caso concreto só pode
partir do juiz e ser por ele concretizada, porque, segundo ensina Kelsen,
o juiz é o único intérprete autêntico dos textos e disposições legais.14 Já a interpretação/aplicação do direito, qualquer pessoa pode fazê-la,15 no sentido de que, conforme o exemplo atribuído a Carnelutti por Eros
Grau, “o homem faminto que, ao passar por uma barraca de frutas, não
arrebata uma maçã nada mais faz do que, tomando uma decisão jurídica, interpretar/aplicar o direito. Nesse caso, no entanto, a interpretação/
aplicação do direito é procedida para evitar conflitos, ou produz a sua
instalação – não para solucionar um litígio”.
É que, somente a partir de uma interpretação criativa, o direito é avaliado criticamente e é capaz de produzir transformações em si mesmo
e no mundo.
Daí que a interpretação jurisprudencial é parte do direito por excelência e cria a norma para o caso concreto. Tanto é assim que, como
bem assevera Lenio Streck, “pelo processo interpretativo, o jurista ‘não
reproduz ou descobre o verdadeiro sentido da lei, mas cria o sentido
que mais convém a seus interesses teóricos e políticos. Nesse contexto,
sentidos contraditórios podem, não obstante, ser verdadeiros. Em outras
palavras, o significado da lei não é autônomo, mas heterônomo. Ele vem
de fora e é atribuído pelo intérprete”.16 Por fim, explica este mesmo autor que:
“Isto, à evidência, não implica entender que a Constituição (seu texto) tenha que ter
‘um sentido’, mas, sim, que haja ‘um sentido de Constituição’. O importante – e como
diz Castanheira Neves – não está em saber o que é a Constituição (ou o Direito) em si
(afinal, pretender ver o ente como o ente é ‘tarefa’ da metafísica), mas, sim, o importante
é saber o que dizemos quando falamos da Constituição e do Direito, o que queremos
dizer com, ou que significado tem as expressões lingüísticas com que manifestamos e
comunicamos esse dizer sobre a Constituição e sobre o Direito”.
Juarez Freitas, repensando a tarefa de interpretar textos jurídicos,
sustenta que a interpretação de julgados há de ser sistemática, hierarquizadora e finalística. Presente, portanto, em seu pensamento, a necessária
sistematicidade do ato de interpretar sempre com um “imperativo princi16 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 80.
17 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo:
Malheiros, 1998, p.196. (grifo no original).
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piológico que imprime unidade sistemática aos fins jurídicos”.17 Chega
o autor a afirmar, inclusive, que “a interpretação jurídica é sistemática
ou não é interpretação”.18 Colocadas essas premissas, tem-se, por óbvio, a necessidade de que
tais comunicações, tais expressões, quer de poder, quer dos anseios, quer
das vontades individuais ou gerais, fossem entendidas para que pudessem
ser providos os meios capazes de resolver os litígios, entender os desejos,
solucionar os impasses.
Daí a inevitável e imprescindível interpretação dos fatos e sinais como
também, a partir da organização social, a interpretação de textos que
normatizam condutas, prescrevendo-as ou as proibindo.
Nesta aparente dicotomia de tantas teorias, vislumbra-se claramente que
o ponto nodal para a questão de interpretação do texto apresenta várias
faces com a busca de novos paradigmas para que, de forma científica, se
explique todo o raciocínio elaborado que finaliza na aplicação da lei ao
caso posto. Caminho este que parte sempre das marcas indeléveis das
convicções pes­soais que não podem olvidar que a tarefa precípua do
intérprete é de retirar do “senso comum teórico” aqueles dogmas que
permaneceram íntegros no tempo, que não se chocam com a realidade
vivida, com o tempo presente da lide, e, sim, sem desmanchar este conhecimento haurido a partir da própria vivência, utilizar as ferramentas
postas pelos pensamentos pós-modernos, que dizem com a integração do
conhecimento do que está no mundo. Há, pois, sem dúvida alguma, pontos
de convergência e pontos de divergência nas formas teorizadas do ato
de construir ou de criar a norma. São convergentes quando demonstram
a firme convicção de que, para a efetivação do Estado Democrático de
Direito, necessária ao intérprete a busca de princípios maiores, imanenA este respeito, comenta Lenio Streck: “É como o conceito de sentido comum teórico dos juristas, cunhado
por Warat: o agir dos juristas, o modo-de-fazer-Direito dos juristas é(ra) assim, está(va) lá nas brumas do
imaginário dos juristas, independentemente de Warat tê-lo dito (e continuar a dizê-lo); porém, é a partir de
seu ingresso-no-mundo, é dizer, a partir de sua apreensão como (etwas) sentido comum teórico (sentido
comum teórico nomeado como (etwas) sentido comum teórico), passou a servir de elemento de crítica e
trans-forma-ção do pensamento/visão de mundo dos juristas e, conseqüentemente, de sua prática cotidiana”.
Op. cit., p. 250. (grifo no original). Conferir também WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito
I. Porto Alegre: Fabris, 1994, p.15. Afirma o referido autor: “Enfim podemos dizer que de um modo geral
os juristas contam com um arsenal de pequenas condensações de saber: fragmentos de teorias vagamente
identificáveis, coágulos de sentido surgidos do discurso dos outros, elos rápidos que formam uma minoria
do direito a serviço do poder. Produz-se uma linguagem eletrificada e invisível – o ‘senso comum teórico
dos juristas’ – no interior da linguagem do direito positivo, que vaga indefinidamente servindo ao poder”. E
segue: “Resumindo: os juristas contam com um emaranhado de costumes intelectuais que são aceitos como
verdades de princípios para ocultar o componente político da investigação de verdades. Por conseguinte se
19
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tes ou escritos na Constituição para ou fazer uma “exegese sistemática
hierarquizada”, ou exercitar uma filosofia de hermenêutica, ou explicar
pela filosofia analítica o fenômeno da interpretação.
Divergem, no entanto, na explicação da própria trilha deste conhecimento - que, para Warat, é só um meio de linguagem e do significado
dos termos em que se fará a criação, porque “hermenêutica é ato criativo”.19 A grande importância dos juristas atuais, aqueles que a partir dos
anos 70 buscam esgrimir as antigas teses da filosofia da consciência, é
a ruptura com os paradigmas anteriores, buscando uma visão de mundo
sempre aberta, em cuja sabedoria o intérprete, “estando no mundo”,
constrói a norma a partir da defesa de princípios maiores que regem a
busca ininterrupta de justiça.
Impossível não se posicionar, neste momento, de uma forma um tanto
eclética, mista, sem os radicalismos dos grandes inovadores, porque se
entende que se deva utilizar todo o ferramental que está na doutrina, que
está no mundo fático e jurídico, apropriar-se de formas, de maneiras, a fim
de que o direito pleiteado seja mais pronta, efetiva e eficazmente definido
e determinado.
Dentre tantas ações que chegam ao julgador previdenciário, quer o
juiz federal, quer o estadual em sua competência delegada, verificam-se
pedidos que envolvem reajustes de valores em face da grande defasagem existente entre o valor do início do benefício, RMI (renda mensal
inicial), e as subseqüentes prestações. Aí, no exame da petição inicial,
há que haver temperanças na apreciação de todos os requisitos do artigo
282 do CPC.
Neste sentido, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. PEDIDO INICIAL
E SENTENÇA.
Mesmo não sendo clara a petição inicial, nada impede que o juiz, na sentença,
reconheça direito implicitamente requerido. Nas ações de natureza previdenciária, não
se recomenda interpretação das normas processuais com excessivo formalismo, pois,
normalmente, os beneficiários é que sofreriam o prejuízo de tal procedimento.” AC
canonizam certas imagens e crenças para preservar o segredo que escondem as verdades. O senso comum
teórico dos juristas é o lugar do secreto. As representações que o integram pulverizam nossa compreensão
do fato de que a história das verdades jurídicas é inseparável (até o momento) da história do poder”.
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nº 92.04.27357-7/RS, Rel. Juiz Vladimir Freitas, julg. 26.11.92, DJ 20.01.93, p. 745.
Também em atenção a esse caráter social do direito pleiteado o Egrégio
Supremo Tribunal Federal decidiu que:
“PREVIDENCIÁRIO. PROVENTOS DA APOSENTADORIA CALCULADOS
COM BASE NA LEGISLAÇÃO VIGENTE AO TEMPO DA REUNIÃO DOS REQUISITOS QUE, TODAVIA, FORAM CUMPRIDOS SOB O REGIME DA LEI
ANTERIOR, EM QUE O BENEFÍCIO TINHA POR BASE VINTE SALÁRIOS DE
CONTRIBUIÇÃO EM VEZ DE DEZ. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO
DIREITO ADQUIRIDO. Hipótese a que também se revela aplicável e até com maior
razão, em face de decorrer o direito de contribuições pagas ao longo de toda a vida
laboral – a Súmula 359, segundo a qual os proventos da inatividade se regulam pela lei
vigente ao tempo em que reunidos os requisitos necessários à obtenção do benefício,
não servindo de óbice à pretensão do segurado, obviamente, a circunstância de haver
permanecido em atividade por mais alguns anos, nem o fato de a nova lei haver alterado
o lapso de tempo de apuração dos salários de contribuição, se nada impede compreenda
ele os vinte salários previstos na lei anterior. ‘Recurso conhecido e provido’.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Previdenciário. Recurso Extraordinário nº 266927/
RS. Recorrente: Alcides Dalla Costa. Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social.
Relator: Ministro Ilmar Galvão. Brasília, 8 de fevereiro de 2000)
É o mesmo caso do STJ, que deferiu a medida liminar tendo em
vista o caráter alimentar do direito previdenciário, no entendimento de
que “... o caso pode ser considerado de estado de necessidade ou força
maior, a justificar a medida, em face da idade e da saúde da autora, de
sua necessidade e do caráter alimentar do direito perseguido já assegurado pela sentença frente às provas documental e testemunhal colhidas”.
(trecho do voto) (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Previdenciário.
Recurso Especial nº 200.686. Recorrente: Instituto Nacional do Seguro
Social. Recorrida: Bernadete Elvira Oecksler. Relator: Ministro Gilson
Dipp. Brasília, 28 de março de 2000. DJU, Seção II, 17 de abril de 2000)
De outro lado, em que pese o rol exaustivo do artigo 106 da Lei de
Benefícios (Lei nº 8.213/91),20 tornou-se pacífica a jurisprudência, inArt. 106 “a comprovação do exercício de atividade rural far-se-á, alternativamente, através de:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; III – declaração do sindicato de trabalhadores rurais,
desde que homologada pelo Ministério Público ou por outras autoridades constituídas definidas pelo CNPS;
IV – declaração do Ministério Público; V – comprovante de cadastro do Incra, no caso de produtores em
regime de economia familiar; VI – identificação específica emitida pela Previdência Social; VII – bloco de
notas do produtor rural; VIII – outros meios definidos pelo CNPS”.
20
48
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
clusive do STJ, sobre a desnecessidade de prova documental no caso
dos chamados bóias-frias, tudo porque a realidade destes trabalhadores
era de total impossibilidade de manter consigo qualquer documento
comprobatório de sua atividade.
É o que se vê da seguinte ementa da 6ª Turma do STJ, in verbis:
“RESP – CONSTITUCIONAL – PREVIDENCIÁRIO – PROVA – LEI Nº 8.213/91
(ART. 55, § 3º) – DECRETO Nº 611/92 (ARTS. 60 E 61) – INCONSTITUCIONALIDADE. O Poder Judiciário só se justifica se visar à verdade real. Corolário do princípio
moderno de acesso ao Judiciário, qualquer meio de prova é útil, salvo se receber o
repúdio do Direito. A prova testemunhal é admitida. Não pode, por isso, ainda que a
lei o faça, ser excluída, notadamente quando for a única hábil a evidenciar o fato. Os
negócios de vulto, de regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geral quando
os contratantes são pessoas simples, não afeitas às formalidades do Direito. Tal acontece
com os chamados bóias-frias, muitas vezes, impossibilitados, dada a situação econômica, de impor o registro em carteira. Impor outro meio de prova, quando a única for
a testemunhal, restringir-se-á a busca da verdade real, o que não é inerente ao Direito
Justo. Evidente a inconstitucionalidade da Lei n° 8.213/91 (art. 55, § 3°) e do Decreto
n° 611/92 (arts. 60 e 61). BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n°
58.241-5/SP. Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social. Recorrida: Elvira Alves
Monteiro Amancio. Relator: Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Brasília, 13 de março
de 1995. DJU 24 de abril de 1995, p.10430.”
Aí, pois, esta postura nova, essa quebra de paradigmas da dogmática
jurídica, confirmando-se claramente a necessidade da postura hermenêutica aqui defendida.
É que interpretar é dar vida, é desvelar o oculto, é demonstrar o
óbvio. E o óbvio, nestes casos, leva a se indagar como se exigir de
um trabalhador sazonal ou safrista que passa de campo em campo, ora
colhendo, ora plantando, apresentar documentos que comprovem esta
atividade. É o que se vê das seguintes decisões do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região:
“EMBARGOS INFRIGENTES. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR
PROVA TESTEMUNHAL. CARÊNCIA. LEI 8213/91. Cuidando-se de trabalhador
rural caracterizado como ‘bóia-fria’, cabe ao julgador valorar os fatos e circunstâncias
constantes dos autos, devendo a norma infraconstitucional, que não admite prova
exclusivamente testemunhal, ser interpretada à luz do art. 5º da Lei de Introdução ao
Código Civil e art. 108 da Lei 8.213/91”. (EIAC n° 98.04.008840/PR, 3ª Seção, Rel.
Juiz Tadaaqui Hirose, por maioria, julg. 18.08.99, DJ 06.10.99, p.251)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
49
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. BÓIA-FRIA. Sendo o autor bóia-fria, é admissível a comprovação do exercício
de atividade rural através de apresentação de recibos de pagamento da atividade, mesmo
que de forma descontínua”.( AC n° 96.04.66031-4/PR, Rel. Juiz Sebastião Ogê Muniz,
6ª Turma, DJ 12.05.99, p. 654)
Outro exemplo é o que ocorreu na comprovação do tempo de serviço,
onde, via de regra, não é aceita tão-somente a prova testemunhal, sendo
exigido, conforme o artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, pelo menos um
início de prova material.
A questão da prova do tempo de serviço/contribuição cresce em interesse no Judiciário quando se trata de comprovação de tempo de serviço
exercido no meio rural, devido às peculiaridades atinentes à análise das
provas nesse meio e à dificuldade na obtenção de documentação que
comprove, por exemplo, a condição da esposa do agricultor.
Na verdade, há muitas ações em curso, relativas a período anterior à
reforma, envolvendo tanto a concessão do benefício pelo trabalho rural
prestado, como pedido de averbação desse tempo trabalhado no meio
rural. Nesses casos, deve o julgador, ao exame de cada situação, buscar
a verdade, nunca perdendo de vista as peculiaridades do caso concreto
para, então, poder aplicar a lei.
No cotejo dos dispositivos legais, com as dificuldades da prova do
efetivo trabalho prestado, também nunca pode o julgador perder de vista
a possibilidade de fraudes, que resultariam na falência do sistema previdenciário. De outro lado, vislumbram-se as dificuldades enfrentadas pelo
trabalhador do campo que, muitas vezes, longe dos centros populacionais,
não guardou qualquer prova escrita de sua vida laboral.
Por isso, o exame atento de cada caso. Em alguns, há as certidões de
casamento nas quais está registrada a profissão do trabalhador (prova
escrita da época); em outros, há o bloco de produtor rural; em outros,
a residência, o lugar do nascimento, a relação com o dono da terra, a
lavoura de sustento. Tudo isso serve como o início de prova material
exigido na LBPS, em seu artigo 55, § 3º, para fins de comprovação de
tempo de serviço.
Correta a posição de vinculação do INSS às justificações judiciais.
Nos termos da Súmula 149 do STJ, “a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da
atividade rurícola para efeito de obtenção de benefício previdenciário.” In: BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. DJU, Seção II, 18 de dezembro de 1995, p. 44864.
22
Nesse sentido, aliás é o entendimento da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, in verbis:
21
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
No entanto, é a própria lei que regulamenta a comprovação do tempo de
serviço que excepciona tal assertiva e que permite o exame casuístico
dos fatos que são levados a juízo.
Em se tratando de trabalho rural, em economia familiar, toda a prova
pode ser relativa ao chefe da família, valendo tanto para a esposa quanto
para o filho menor. Exigir documentos expedidos em nome da mulher
ou dos filhos – trabalhadores rurais – equivaleria a alijá-los, sistematicamente, do direito à percepção daqueles benefícios que a lei previdenciária
lhes faculta, até porque a documentação, em especial, no meio rural, é
costumeiramente lançada no nome do chefe da família.
A prova testemunhal sempre servirá para fortalecer as razões do
segurado e lastrear o convencimento do julgador, em caso de decisão
favorável; isso tendo-se em vista a Súmula 149 do STJ.21 Contudo, há casos em que parte da jurisprudência entende ser possível
o reconhecimento de tempo de serviço rural mediante a apresentação tão-somente de prova testemunhal qualificada, como no caso dos “bóias-frias”,
já citados.
É que, em casos como estes, nos quais há alegação de que a parte
desenvolveu atividade de trabalhador contratado para atender a sazonalidade da colheita, mais conhecido como bóia-fria, a prova testemunhal
merece ser interpretada e encarada de maneira especial.
Assim, pode-se ter como comprovada a atividade rural mediante prova
exclusivamente testemunhal para fins de obtenção de benefício, tomando
como exceção a situação especial dos bóias-frias.
Outro exemplo é o do benefício de aposentadoria especial cuja finalidade é de amparar o trabalhador que laborou em condições nocivas e
perigosas à sua saúde, reduzindo o tempo de serviço/contribuição para fins
de aposentadoria. Tem, pois, como fundamento o trabalho desenvolvido
“Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento.” In
BRASIL. DJU, 2 de dezembro de 1985, p. 22136. No mesmo sentido, ainda, a ementa a seguir transcrita,
in verbis: “PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. PERÍCIA. SÚMULA 198/TFR. 1. Faz-se necessária a realização da perícia quando a atividade profissional do segurado não está expressamente
incluída na legislação previdenciária. Súmula 198/TFR. 2. Apelação provida, por maioria, para determinar
a anulação da sentença.” BRASIL. Tribunal Regional Federal. Região 4. Previdenciário. Apelação Cível
n° 90.0407882-7/SC. Apelantes: Pedro Paulo Cascaes e outro. Apelado: Instituto Nacional de Previdência
Social. Relatora: Juíza Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, 29 de outubro de 1992. DJU, Seção II, 17 de
fevereiro de 1993, p. 4326.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
51
em atividades ditas insalubres. Pela legislação de regência, a condição, o
pressuposto determinante do benefício está ligado à presença de agentes
perigosos ou nocivos (químicos, físicos ou biológicos) à saúde ou à integridade física do trabalhador.
O fato de a atividade não se encontrar especificamente descrita nos
quadros constantes dos decretos regulamentadores – atualmente, o Anexo
IV do Decreto n° 3.048, de 06.05.99, com as alterações advindas do Decreto nº 3.668, de 26.11.2000, não causa óbice à concessão do benefício
de aposentadoria especial, desde que realiza perícia que comprove as
condições especiais – perigosa, insalubre ou penosa – de desempenho
da respectiva atividade laborativa.
Portanto, mesmo não estando enquadrada em rol anexo ao regulamento
a atividade desenvolvida, quando comprovada por perícia consistente
tratar-se de atividade que envolva o contato com agentes insalubres, tem
o trabalhador o direito a este benefício por tempo reduzido de trabalho.22 A teor do que prevê o disposto no artigo 58 da LBPS, alterado pela
MP n° 1523, publicada no Diário Oficial da União, em 14 de outubro de
1996, a comprovação da efetiva exposição do trabalhador aos agentes
nocivos será feita mediante formulário emitido pela empresa para a qual o
segurado desempenhar a atividade respectiva, com base em laudo técnico
de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho
ou engenheiro de segurança do trabalho.
Daí, conclui-se que, a partir da alteração do citado artigo 58, o pressuposto determinante para a concessão do benefício não se refere à descrição de determinada atividade exercida em condições especiais, conforme
disciplinado, originalmente, nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, mas,
sim, à efetiva exposição do trabalhador a ações de agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, ou associações de agentes prejudiciais à
saúde ou à integridade física.
A teor do que prevê o disposto no artigo 68 e seguintes do RPS, a relação dos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, ou associações
de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para
Na forma do art. 57, § 5º, da LBPS, “o tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou
venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério
da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. (Parágrafo acrescentado
pela Lei nº 9.032, de 28.04.95).”
23
52
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
fins de obtenção do benefício de aposentadoria especial, encontra-se no
anexo IV do regulamento, e é a exposição a tais agentes que determinará
a concessão ou não do benefício.
É claro que pode e deve a empresa que trabalha com os agentes nocivos
químicos, físicos, biológicos, ou associações de agentes prejudiciais à
saúde ou à integridade física supra-referidos, utilizar equipamentos que
protejam, na medida do possível, os trabalhadores da ação desses agentes,
sempre observando os §§ 3º e 4º do artigo 58 da LBPS.
Por fim, vale observar, também, que, mesmo não tendo trabalhado
durante todo o período de sua vida laboral em atividade insalubre, pode
o segurado requerer seja efetuada de forma diferenciada a contagem do
perío­do efetivamente trabalhado como tal, que valerá para a obtenção
de qualquer outro benefício.23 1.2. Previdência Social – noções elementares sobre os benefícios
Apenas como ilustração, no caso dos benefícios de aposentadoria por
tempo de serviço, há, a partir da Emenda Constitucional (EC) nº 20, de
15.12.98, a transformação desta contagem por tempo de contribuição,
ressalvados, é claro, aqueles que já detinham os requisitos para a apresentação ao tempo da dita emenda, bem como estabelecido um regime
de passagem àqueles com algum tempo já prestado.
Assim é que, fincada em princípios específicos e, por óbvio, em
princípios gerais constitucionais, a previdência social tem por objetivo,
ao lado das ações referentes à saúde e à assistência social, aquelas elencadas no artigo 194, parágrafo único e seus sete incisos, a saber: (a) a
universalidade de cobertura e do atendimento; (b) a uniformidade e a
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; (c)
a seletividade e a distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
(d) a irredutibilidade do valor dos benefícios; (e) a eqüidade na forma de
participação no custeio; (f) a diversidade da base de financiamento; e (g)
o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a
participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários
e aposentados.
Ademais disso, todos os princípios relativos aos direitos ditos sociais
24
Conferir em FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 184.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
53
devem ser lembrados na aplicação dos textos infraconstitucionais, principalmente o metacritério hierarquizador dos princípios referentes ao
Direito Previdenciário, como anotado por Juarez Freitas,24 porque, se,
em qualquer ramo do Direito, não se interpretar sistematicamente, há
a quebra do sistema, com o comprometimento da própria qualidade da
interpretação efetuada.
A jurisdição previdenciária está ligada diretamente ao fim social; seu
objeto tem nítido caráter alimentar e, tanto na interpretação dos textos que
regulam a matéria, quanto no exame do pedido, necessária a utilização
de uma interpretação com temperamentos, com filtragem constitucional
e assentada nos princípios norteadores de proteção e garantia aos direitos
fundamentais, uma vez que tais benefícios se constituem em direitos
sociais protegidos pela Constituição Federal.
Estão consagrados na Constituição, como fundamentos, entre outros,
a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A combinação desses dois
amplos princípios é, sem sombra de dúvida, o que motiva a existência da
seguridade social, fomentada pelo Estado, e, mais especificamente, da
previdência social.
Em seu artigo 6º, caput, a Constituição dispõe sobre a previdência
social como um direito social de todo cidadão brasileiro e, além de mencionar o benefício da aposentadoria como um direito dos trabalhadores
urbanos e rurais (art. 7º, inc. XXIV), estabelece que a previdência social
atenderá, nos termos da lei, (a) a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (b) a proteção à maternidade, especialmente
à gestante; (c) a proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário; (d) salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes
dos segurados de baixa renda; (e) pensão por morte do segurado, homem
ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, em valor nunca
inferior ao do salário mínimo. (art. 201, itens I a V)
1.3. A grande importância da especialização do julgador em face da
autonomia do Direito Previdenciário e sua constitucionalização
O Direito Previdenciário, como ramo autônomo, surgiu da especia25 LIMA, Rui Cirne. Sistema de direito administrativo brasileiro. Porto
Alegre: Santa Maria, 1953.
26
Conferir em LIMA, Rui, Princípios de direito administrativo brasileiro. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 1954.
54
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
lidade natural frente ao crescimento da sociedade organizada, onde os
direitos sociais passam a ocupar e a necessitar de especialistas no trato
da matéria.
Diz Rui Cirne Lima25 que a autonomia de um ramo do direito está em
que apresenta princípios próprios, que se acumulam em direção especial,
o que imprime a determinado ramo do Direito princípios fundamentais
novos, dando-lhe a autonomia própria dos diversos campos da disciplina
jurídica.26 A especialização de qualquer ramo da ciência visa sempre, e cada vez
mais, ao aperfeiçoamento do homem que estuda, pesquisa, trabalha e atua
na sociedade organizada, para, a partir do geral, atingir o particular, cada
vez de forma mais minuciosa, a fim de atingir os objetivos da vida moderna, que anseia pela perfeição técnica, pelas respostas às indagações de
todos os campos do conhecimento, pela vida digna, pela paz e pela justiça
social para, atendendo o interesse coletivo, suprir as necessidades de todo
e qualquer indivíduo.
Desta forma, nada mais atual que a especialização de Juízes que, na
conquista diária de novos conhecimentos sobre um determinado assunto, vão integrando em suas decisões todas as lacunas da lei – isto é, na
busca da solução da lide, integram ao direito positivo aqueles conceitos,
aquelas ordens que estão na ciência jurídica, porque o direito enquanto
ciência não tem lacunas – há sempre uma norma em estado latente para
resolver a questão como posta.
Desse modo, a especialização não é senão mais uma etapa do caminho
de qualquer profissional de qualquer área, porque impossível, a um homem
apenas, aprofundar-se em todos os campos do direito positivo, atingindo
a profundidade de conhecimento capaz de abarcar todas as nuances das
especialidades.
Isto talvez não seja impossível, mas tal exigência de conhecimentos
em todas as áreas pode fazer com que o bem da vida perseguido pelas
partes no processo não se torne mais útil em face do tempo transcorrido.
E esse é, sem dúvida, o maior e mais importante aspecto para que cada
vez mais se busque na especialização a solução que torne útil e eficaz a
prestação jurisdicional.
Trabalhos imensos de todos os envolvidos no desenrolar válido do
processo não o tornam eficaz se caducos pelo tempo. Esforços hercúleR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
55
os não matizam de oportunas decisões que não encontram efetividade.
Então, a política organizacional de especializar é, sem dúvida, se não a
solução, o impulso inicial e necessário para a tão almejada justiça social.
Claro que esta autonomia, frente à nossa atualidade constitucional, faz
com que a matéria previdenciária esteja dentro e ligada umbilicalmente
à matéria disposta na Constituição Federal. (Capítulo II, Seção III)
Do ponto de vista teórico, nada mais produtivo do que a oportunidade
de permitir ao operador do direito que se aprofunde em determinada área
para que a eficácia e a efetividade dos textos sejam mais prontamente
determinadas.
Do ponto de vista prático, esta especialização determinou, em todos
os que lidam com tal matéria, profundas reflexões no dogmatismo determinante de quebras de paradigmas para que efetivamente se continue
na busca da pronta e rápida solução dos litígios, capaz de propiciar a
distribuição da Justiça Social.
Por isso, o primeiro impacto foi o de buscar, a partir das ferramentas
da nova hermenêutica, o que efetivamente requerem o segurado e a
autarquia previdenciária.
Considerações Finais
Considerando-se que por meio da interpretação é que vive o Direito,
visto que, enquanto objeto da ciência do Direito, necessita do homem-operador-jurídico capaz de conhecer e de dizer o que está no texto,
conclui-se que o Direito só pode confirmar-se como sistema aberto
e não autopoiético porque, como bem lembra Liebman, sempre será
integrado por novas interpretações que tornam atuais e efetivos os
comandos normativos.
É, portanto, com Bobbio – que magistralmente declara necessária
a construção de uma teoria do ordenamento jurídico, já que a norma
individual, a norma isolada, só terá razão de ser enquanto parte de um
sistema, de um conjunto, de um ordenamento, sob pena de não se poder
aplicá-lo -, que se dá a efetiva interpretação.
A partir da certeza de que o ordenamento jurídico brasileiro é um
sistema aberto, dependendo sua aplicação e efetividade da análise
interpretativa conciliadora aos princípios constitucionais existentes,
27
Consultar FREITAS, Juarez. Op. cit.
56
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
é que se entende com razão Gadamer e, também, Habermas, se interpretados em suas obras com o temperamento e com a convicção que
deve nortear o magistrado, intérprete e aplicador dos textos postos.
Magistrado este capaz de conceber sua função como um dever, e
não um poder (conforme Lassale) que busca amalgamar os fatos aos
textos, sempre com os olhos no horizonte da Justiça – valor maior
que se expressa na realização do bem comum.
O novo juiz, neste país de contrastes, é justamente aquele técnico
capaz de dirigir o processo de forma equânime, ficando no compromisso de respeitar a Constituição e as leis, ou melhor, em seu ofício
efetivo e diário, formar convencimento de que os princípios e valores
– (como quer Juarez Freitas)27 porque assim dispõe o texto constitucional, ou talvez os dois termos expressem o mesmo objeto (como quer Eros
Grau) – devem-se tornar efetivos por meio da norma individualizada na
decisão do caso concreto.
Ou seja, sem sombra de dúvida, há na jurisprudência o caráter de fonte
de direito, não só porque estamos no regime da civil law, mas porque
somente por meio da interpretação dada à lei, ao texto a ser aplicado, é
que a norma abstrata se torna eficaz.
Ao fim e ao cabo, releva notar a necessidade da constante busca do
julgador por aprofundar raciocínios exegéticos ao lado de construções
científicas.
Mister, assim, que, em qualquer decisão, quer interlocutória, quer
final, esteja o juiz sempre atento ao que dispõe o sistema jurídico. Tudo
porque, havendo a aplicação isolada da norma, medida dissociada do
sistema que lhe dá vida e eficácia, a individualização do abstrato ao
caso posto tornará a decisão inefetiva e inútil, porque a satisfação da
pretensão deduzida só pode ser alcançada se bem “aplicada a lei”, ou
seja, se o processo interpretativo ocorrer de molde a permitir a devida
fundamentação (princípio constitucional), única forma capaz de tornar
efetivo o poder de julgar.
Não há lugar, pois, para fórmulas e ritos despidos do objetivo final
28 Sobre o tema, conferir em CAMPILONGO, Celso Fernandes, Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: Direitos humanos, direitos sociais
e justiça. FARIA, José Eduardo (org.), São Paulo: Malheiros, 1994, p.46.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
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de obtenção do justo, entendido como valor capaz de solver o litígio e
permitir a manutenção do próprio Poder Jurisdicional.
É que, no caso dos direitos previdenciários, onde está evidenciada a
convivência do Estado de Direito com o Estado do Bem-Estar Social,
deve o intérprete superar a hermenêutica de bloqueio, passando à hermenêutica de legitimação das aspirações sociais.28 Assim, no específico caso da jurisdição previdenciária, o critério
hierarquizador29 só pode ser aquele que exteriorize na decisão proferida
a efetividade do direito social garantido, que é o da sobrevivência do
cidadão, beneficiário da Previdência Social.
Não há lugar, nestes casos, para interpretações supressivas ou de
caráter eminentemente processual, no sentido de colocar o instrumento
acima do bem da vida perseguido. Por isso, o alerta de Lenio Streck, no
sentido de que hermenêutica é dar sentido; é um devir; é, enfim, a vida
do Direito.
Há que se ter presente que a própria sobrevivência de todo o sistema
previdenciário depende da constante “fiscalização” do Judiciário no
atendimento dos pedidos que lhe são dirigidos.
Quem julga tem a obrigação de estar em movimento contínuo de busca
de conhecimento, entendimento e aperfeiçoamento para, a partir dos objetos de sua cognição, transformar com adequação plena aos textos legais,
os fatos que lhe são postos para interpretação. Interpretação que cabe ao
juiz enquanto provocado para o exercício da sua jurisdição – atribuição
constitucio­nal -, onde não deve perder de seus horizontes o mundo real, a
sociedade em que vive, os fatos, as descobertas, a realidade histórica atual
em todas as suas faces, teorizadas e ideologizadas, para, a partir de uma
dogmática potencial, só adquirida no dia-a-dia de sua própria realidade,
tornar efetivo o seu comando porque está amalgamado à atualidade social.
Foi-se o tempo em que se poderia conceber um Judiciário apartado da
realidade social, econômica, política, científica do momento de aplicação
do texto ao caso posto. Impossível buscar-se nos textos que legitimam
o Estado de Direito conceitos antigos, técnicas ultrapassadas, métodos
vetustos. Necessária, isto sim, a utilização de todas as novas técnicas,
Segundo o citado autor, “neste prisma, ainda que sem nenhuma adesão ao formalismo abstrato e vazio, é
de ser enunciado o conceito de princípio da hierarquização axiológica em tais termos: é o metacritério que
ordena, diante inclusive de antinomias no plano dos critérios, a prevalência do princípio axiologicamente
superior, ou da norma axiologicamente superior em relação às demais, visando-se a uma exegese que impeça a autocontradição do sistema conforme a Constituição e que resguarde a unidade sintética dos seus
30
58
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
descobertas, formas e maneiras de se apanhar e se amoldar o legislado
com o direito pretendido.
E isto, do ponto de vista da hermenêutica, é uma nova postura que, a
partir do aprofundamento no conhecimento do texto constitucional, confere
ao julgador o seu objetivo único, que é o de atingir a decisão justa, efetiva e
eficaz. E só será justa enquanto hábil a compor litígios, sempre com vistas ao
horizonte maior do bem comum, da sociedade justa e solidária, da manutenção
do progresso por todos e para todos, da erradicação da marginalização, da
distribuição eqüitativa dos bens.
Com estas preocupações e numa visão moderna, os discursos filosóficos foram-se aprofundando no chamado movimento lingüístico, tão
presente em Lacan e Saussure, na busca de solução para as neuroses e
psicoses, tão bem descritas por Freud ao longo de sua obra.
Há, pois, tanto nas teorias filosóficas de Habermas como de Gadamer,
algumas ligações que dizem muito com a busca da explicação para solucionar o sempre presente problema filosófico do que é bom, saudável,
necessário para a vida digna do homem enquanto homem e enquanto
cidadão.
A partir do contato com a chamada crise da hermenêutica, restou claro
que, ao final, tudo depende de um problema antropológico: há que se mudar
o homem para que se mude a sociedade, para que se efetive o Estado Democrático de Direito.
E esta tarefa é de todos, não só dos operadores do direito, mas de todos
os que pretendem viver nesta e com esta civilização que se conhece, que
está aí no mundo.
A análise da magistratura brasileira no decorrer de sua história permite
verificar que a alteração da realidade social é igual à alteração do perfil
do magistrado. Mesmo que tal alteração surja ou vá aparecendo de forma
retardatária, em face da própria lentidão da tomada de consciência dos
próprios magistrados, necessária a adequação às novidades.
O grande problema a ser solvido para a correta interpretação, ou melhor,
a mais justa e a mais adequada à realidade atual, no caso da aplicação dos
dispositivos que regram a matéria previdenciária stricto sensu, é, sem
múltiplos comandos. Op. cit., p. 89. (grifo no original)
31
STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.89-90. (grifo no original)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
59
sombra de dúvida, a escolha do metacritério hierarquizador (como diz
Juarez Freitas),30 com a real fixação de qual o bem da vida mais importante
capaz de erigir tal ou qual dispositivo constitucional em critério hierárquico
superior suficiente a nortear o aplicador, o operador jurídico nos caminhos
da efetivação dos princípios constitucionais protetivos dos segurados da
Previdência Social Pública.
Tem-se que aquele que melhor servir ao bem-estar, à vida saudável, à
dignidade da vida humana, é o metacritério definidor das normas, tanto
constitucio­nais quanto infraconstitucionais ou infralegais, capazes de
permitir sejam cumpridos os demais princípios constitucionais que regem
a concessão e a manutenção da Previdência Pública enquanto garante
da sobrevivência do cidadão contribuinte ou daqueles especialmente
designados pela Constituição.
Desta forma, acredita-se que, a partir da efetiva compreensão do
moderno Estado Democrático de Direito que traduza as conquistas democráticas e as garantias sociais, como colocam Lenio Streck e Bolzan,31 chega-se à efetivação deste novo conceito de Estado de Direito.
Segundo os referidos autores, “é por essas, entre outras, razões que se
desenvolve um novo conceito, na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob
um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as
garantias jurídico-legais e a preocupação social”. E seguem: “tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a “transformação
do status quo”.
Há que se manter coerência com a constitucionalização dos direitos
decorrentes das relações previdenciárias – diga-se previdência social
pública e segurados – para que o princípio maior da dignidade do cida32
Conforme FREITAS, Juarez. Op. cit., p.150.
33 Art. 17, caput. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após
o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta
dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a
causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil,
independentemente de precatório.
Art. 5º. Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença definitiva. Art. 4º. O Juiz
poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar
dano de difícil reparação.
35
Art. 22, parágrafo único. O Juiz Federal, quando o exigirem as circunstâncias, poderá determinar o funcionamento do Juizado Especial em caráter itinerante, mediante autorização prévia do Tribunal Regional
34
60
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
dão possa ao menos efetivar-se nas lides postas, de forma a que não se
manifeste de maneira equivocada ou invertida a exata compreensão dos
diversos textos norteadores de ditos direitos sociais, dando causa, sem
sombra de dúvida, à derrocada do próprio Estado Constitucional. Tudo
no momento em que, à guisa de interpretação aberta no próprio processo histórico que sofre contínua transformação, se destituam os pilares
da manutenção da instituição e da própria cidadania, julgando-se ao
sabor da exclusiva ideologia, sem se manter fiel aos próprios princípios
constitucionais que informam todo o direito positivado. Ou seja, há que
se ter essa visão imparcial, imbuída da ideologia do ideal democrático
e do justo, sem, no entanto, cair nos extremos da arbitrariedade de um
poder cuja legitimação e única razão de permanecer enquanto poder é
justamente a vontade soberana do povo.
Portanto, ao novo julgador, ao magistrado atual, cabe, mais do que
em outros tempos, “fazer as vezes de catalisador dos melhores princípios
e valores de uma sociedade num dado momento histórico”32 dentro da
realidade que o cerca, buscar, contínua e permanentemente, o aperfeiçoamento pes­soal e profissional, e exercer toda a sua jurisdição, sempre
fincado nas bases constitucionais que lhe atribuíram tais funções.
Não é tarefa instantânea, não é ofício líquido e certo, mas é função
Art. 19, parágrafo único: Na capital dos Estados, no Distrito Federal e em outras cidades onde for necessário,
neste último caso, por decisão do Tribunal Regional Federal, serão instalados Juizados com competência
exclusiva para ações previdenciárias.
37
Art. 3º, caput: Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
Art. 17, § 1º: Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal,
as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente
de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Federal Cível (art. 3º, caput).
Art. 4º: O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do
processo, para evitar dano de difícil reparação.
Art. 14, § 5º: No caso do § 4º (provocação da parte interessada, tendo em vista que a
orientação acolhida pela Turma de Uniformização contraria súmula ou jurisprudência dominante no STJ),
presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá
o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão
dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
39
Art. 9º: Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas
de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser
efetuada com antecedência mínima de trinta dias.
Art. 13: Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.
40
Art. 17, § 2º: Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente
38
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
61
primordial a partir de seu próprio entendimento de que é forte na construção e manutenção da integridade dos direitos fundamentais, nos quais
os direitos previdenciários estão inseridos.
O grande desafio está na continuidade deste Poder do Estado, como
Poder, para que os objetivos consagrados no início da Constituição Federal sejam efetivamente alcançados.
Por fim, cumpre fazer algumas anotações relativas à próxima implementação dos Juizados Especiais Federais, em virtude da Lei nº 10.259,
de 12 de julho do corrente ano, que, sem sombra de dúvida, abarcarão,
senão 100% de demandas previdenciárias, cerca de 80% das mesmas.
Agilização mediante procedimento sumário e específico para as
causas sob sua competência e execução direta sem necessidade de
precatório (art. 17),33 aliadas à supressão de recursos (art. 5º),34 bem
como a possibilidade de mobilidade determinada pelo TRF da 5 ª Região
(art. 22, parágrafo único),35 os Juizados Especiais Federais devem tornar-se o maior instrumento para prestação jurisdicional, mormente no que
diz com a Previdência Social.
Basta, para tanto, que se examine a exceção do art. 3º, § 1º, III, e
parágrafo único do art. 19 da Lei nº 10.259/2001,36 para que se constate
a grande incidência deste procedimento nas lides previdenciárias.
Pela análise dos dados constantes das estatísticas, claramente verifica-se que quase 100% das causas referentes à autarquia previdenciária serão
julgadas pelas Varas Especiais.
Tudo isto é, sem sombra de dúvida, um marco histórico no atendimento
dos segurados do INSS, porque, finalmente, com esta lei federal, não mais
se verá a eternização de conflitos que dizem respeito à própria sobrevivência
do cidadão.
É que é este o instrumento capaz de efetivar os direitos sociais elevados
à categoria de direitos fundamentais.
Não só o pagamento imediato até o valor de 60 salários mínimos (art.
62
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
Anotações sobre a extinção da punibilidade pelo
pagamento do débito nos crimes previdenciários
Élcio Pinheiro de Castro*
1. Introdução. 2. Extinção da punibilidade. Retrospecto
histórico. Lei nº 4.729/65. 3. Lei nº 8.137/90. 4. Revogação efetuada pela Lei nº 8.383/91. 5. Restabelecimento
do benefício pela Lei nº 9.249/95. 6. Extensão ao crime
tipificado no artigo 95, d, da Lei nº 8.212/91. 7. Procedimento adotado por alguns juízes antes do recebimento
da denúncia. 8. Parcelamento do débito. Controvérsia
jurisprudencial. 9. Entendimento do STF. 10. Posição
do STJ e dos TRFs. 11. Parcelamento. Necessidade de
acordo formal. 12. Inadimplemento do parcelamento. Não-repercussão na esfera penal. 13. Atual divergência entre as
Turmas do STJ. 14. Parcelamento especial outorgado pelas
Medidas Provisórias nºs 1571/6 e 1571/7. 15. Interpretação
realizada pelo STJ. 16. Inteligência do STF. 17. Emenda
Constitucional nº 32. Nova redação conferida ao art. 62
da CF. 18. Programa de Recuperação Fiscal (REFIS). 19.
Atuais regras quanto ao crime de apropriação indébita
previdenciária. 20. Conclusão.
1. Introdução
Está escrito no art. 107 do Código Penal: Extingue-se a punibilidade:
pela morte do agente; pela anistia, graça ou indulto; pela retroatividade
* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
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da lei que não mais considera o fato como criminoso; pela prescrição,
decadência ou perempção; pela renúncia do direito de queixa ou pelo
perdão aceito, nos crimes de ação privada; pela retratação do agente, nos
casos em que a lei a admite; pelo casamento do agente com a vítima nos
crimes contra os costumes ou pelo perdão judicial, nos casos previstos
em lei.
Cumpre salientar que existem outras causas extintivas da punibilidade
esparsas tanto no Código Penal como na legislação extravagante. Em se
tratando de tema relacionado com Direito Penal Tributário, dentre elas
vamos abordar, nestas breves anotações, a extinção da punibilidade pelo
pagamento do débito previdenciário que, recentemente, acabou sendo
inserido no estatuto repressivo depois de ter sido objeto de vários diplomas legais. Trata-se de matéria que tem suscitado grandes debates tanto
no campo doutrinário como na área jurisprudencial.
Antes de abordarmos o tema, mister referir que a conduta de deixar de
recolher contribuição previdenciária descontada de pagamento efetuado a
segurados, a terceiros ou arrecadada do público, atualmente tipificada no
art. 168-A, § 1º, I, do Código Penal, já era prevista no vetusto Decreto-Lei nº 65, de 14 de dezembro de 1937, cujo artigo 5º estipulava:
“O empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não
recolher na época própria incorrerá nas penas do art. 331, nº 2, da Consolidação das
Leis Penais, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas neste decreto-lei”.
Em 26 de agosto de 1960, foi editada a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da
Previdência Social), prevendo, em seu artigo 86, que
“será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento,
na época própria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às
instituições de previdência e arrecadadas dos segurados ou do público”.
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 66, de 21 de novembro de 1966,
alterando o artigo 155 da LOPS, considerou várias condutas ali descritas
como crime de sonegação fiscal, na forma da Lei nº 4.729/65, mantendo,
porém, in totum a previsão inscrita no art. 86 da Lei nº 3.807/60.
2. Extinção da punibilidade. Retrospecto histórico.
Lei nº 4.729/65.
Objetivando facilitar a compreensão do disposto no art. 168-A do
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Código Penal no que pertine à extinção da punibilidade pelo pagamento
do débito previdenciário, nada melhor do que fazer um breve exame
histórico sob o ponto de vista legislativo. Verifica-se que a revogada Lei
nº 4.729, de 14.07.65 (que definia os crimes de sonegação fiscal), em
seu artigo 2º, estipulava:
“extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover
o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação
fiscal própria.”
Cumpre salientar que essa Lei (salvo as hipóteses previstas como
crime de sonegação fiscal introduzidas no art. 155 da LOPS pelo DL nº
66/66) não era aplicável ao crime de não-recolhimento de contribuições
previdenciárias, o qual, até a edição da Lei nº 8.137/90, era regulado por
outros diplomas legais, conforme mencionado.
Assim, exceto no que tange às contribuições previdenciárias recolhidas dos empregados, nos termos da Lei nº 4.729/65, caso efetuado o
pagamento do débito antes de qualquer procedimento administrativo,
declarava-se extinta a punibilidade do agente.
3. Lei nº 8.137/90
Decorridos mais de 25 anos, foi editada a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, definindo os crimes contra a ordem tributária, dentre
eles a falta de recolhimentos à Previdência Social (artigo 2º, inciso II).
Em seu artigo 14, estabelecia que
“extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º a 3º quando o agente
promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes
do recebimento da denúncia”.
Como pode ser observado, a diferença entre o disposto no art. 2º da
Lei nº 4.729/65 e o art. 14 da Lei nº 8.137/90 diz respeito ao tempo do
pagamento, pois aquele exigia que fosse efetuado antes do início da ação
fiscal, enquanto este dispõe que seja realizado antes do recebimento da
denúncia, o que, indubitavelmente, se revela mais favorável ao contribuinte.
De outro lado, embora para os demais tributos já houvesse na Lei nº
4.729/65 previsão de extinção da punibilidade pelo pagamento do débito,
para o crime de não-recolhimento de contribuições previdenciárias tal
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
benefício somente foi instituído pela Lei nº 8.137/90, ocasião em que a
conduta delituosa praticada contra a Previdência Social passou a integrar
a figura descrita no art. 2º, inc. II.
4. Revogação efetuada pela Lei nº 8.383/91
Nada obstante, esses dois dispositivos foram expressamente revogados pelo artigo 98 da Lei nº 8.383, de 30.12.91. A partir daí, deixou de
haver previsão legal para a extinção da punibilidade pelo pagamento de
tributos ou contribuições previdenciárias.
5. Restabelecimento do benefício pela Lei 9.249/95
Passados alguns anos, veio ao mundo jurídico a Lei nº 9.249, de
26.12.95, instituindo novamente tal prerrogativa, dispondo no artigo
34 que
“extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro
de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento
da denúncia”.
Assim, a partir da edição do indigitado Diploma, foi restabelecido o
aludido favor legal.
6. Extensão ao crime tipificado no artigo 95, d,
da Lei nº 8.212/91
Acontece que, entre as Leis 8.137/90 e 9.249/95, em 24 de julho de
1991, em atenção ao comando inscrito no art. 59 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), foi promulgada a nova Lei Básica
da Previdência Social (ou seja, a Lei 8.212/91), dispondo em seu art. 95,
d, o seguinte:
“Constitui crime deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público. A pena
será aquela estabelecida no art. 5º da Lei 7.492/86”,
cumprindo lembrar que este último diploma define os crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional.
Segundo se depreende, a Lei 9.249/95 não se reportou às infrações
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
penais inscritas na Lei nº 8.212/91. Por outro lado, como visto, o delito de
não-recolhimento das contribuições previdenciárias estava precedentemente tipificado no Decreto-Lei 65/37, na Lei nº 3.807/60 e, posteriormente,
a exemplo dos demais tributos, no artigo 2º, inc. II, da Lei nº 8.137/90
(“deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de
obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”), além de assegurar em seu art. 14 a extinção da punibilidade pelo pagamento antes
do recebimento da denúncia.
A partir da edição da Lei 8.212/91, desprendeu-se da Lei 8.137/90 a
tipificação exclusivamente quanto ao não-recolhimento de contribuição
previdenciária. Nos demais casos (IPI, IRRF, ICMS etc.), continuou em
vigor o disposto no artigo 2º, inc. II, do referido ordenamento jurídico.
Diante desse quadro, à época, foi levantada acirrada polêmica quanto à
extinção ou não da punibilidade pelo pagamento dos débitos previdenciários antes do recebimento da denúncia, uma vez que o artigo 34 da Lei
nº 9.249/95, prevendo o aludido benefício legal, como já dito, somente
fez alusão aos “crimes definidos na Lei nº 8.137/90, e na Lei nº 4.729/65,
(...)”, sem mencionar a Lei nº 8.212/91.
Debruçando-se sobre a questão, a jurisprudência pátria firmou entendimento no sentido de ser aplicado o disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/95
também ao crime inscrito no artigo 95, d, da Lei nº 8.212/91, uma vez
que no direito penal vigora o princípio da analogia in bonam partem,
não havendo justificativa para deixar de aplicar o aludido benefício ao
crime previsto na lei básica da previdência social que, a exemplo das
condutas inscritas nas Leis nºs 4.729/65 e 8.137/90, se caracteriza pelo
não-recolhimento de contribuição no prazo legal, devendo, destarte,
receber o mesmo tratamento.
Veja-se, a propósito, o seguinte Acórdão da Corte Especial do STJ:
“PENAL. TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. SATISFAÇÃO DO
CRÉDITO ANTES DA DENÚNCIA. LEI 9.249, DE 26.12.95, ART. 34. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. Nas figuras penais do art. 2º da Lei 8.137/90 e art. 1º da
Lei 4.729/65, quando o agente satisfaz o crédito antes do recebimento da denúncia,
extingue-se a punibilidade. Emerge dúvida quanto à aplicação do mesmo procedimento
no que pertine ao crime previsto no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91, não incluído no art.
34 da Lei nº 9.249/95; mas as figuras penais são muito semelhantes e caracterizam-se
pelo não recolhimento no prazo legal. Caso típico de aplicação da analogia in bonam
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
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partem para decretar-se a extinção da punibilidade, em conseqüência do recolhimento
da importância correspondente a contribuição antes do recebimento da denúncia”.
(Inquérito nº 178/BA, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 26.05.97)
Atualmente, a matéria encontra-se pacificada nos Tribunais, aplicando-se o comando inscrito no artigo 34 da Lei nº 9.249/95 também ao crime
de não-recolhimento de contribuições previdenciárias (art. 95, d, da Lei
nº 8.212/91).
7. Procedimento adotado por alguns juízes antes do
recebimento da denúncia
Embora não haja previsão legal no sentido de se abrir prazo, antes do
recebimento da peça acusatória, para que o denunciado efetue o pagamento do débito tributário, com a vênia dos que entendem ao contrário,
mostra-se salutar esse procedimento, porquanto oportuniza ao faltoso
a possibilidade de usufruir do benefício inscrito no art. 34 da Lei nº
9.249/95, inexistindo qualquer prejuízo para o órgão acusador ou a Fazenda Pública, já que induvidosamente a norma tem por objetivo manter
a arrecadação. Afora isso, conforme decidido pela antiga Segunda Turma
do TRF da 4ª Região, tal atitude “é compatível com o processo penal,
por analogia com o art. 514 do CPP” .(Recurso Criminal em Sentido
Estrito nº 1999.04.01.091514-6/SC, Rel. Juiz João Gebran Neto, DJU
de 23.08.2000, p. 165)
8. Parcelamento do débito. Controvérsia jurisprudencial.
Como já salientado, está escrito no art. 34 da Lei 9.249/95:
“extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/90, e na Lei nº 4.729/65,
quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive
acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
Contudo, apesar da clareza da norma, a extinção da punibilidade pelo
pagamento acabou por suscitar algumas controvérsias, dentre elas se o
parcelamento do débito, junto à Administração, antes do recebimento
da denúncia, autoriza ou não a extinção da punibilidade na esfera penal.
A discussão teve origem na interpretação da expressão “promover o
pagamento” inscrita no mencionado dispositivo.
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9. Entendimento do STF
Manifestando-se sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal entendeu
que “enquanto não satisfeito integralmente o débito pelo pagamento, não
ocorre a causa de extinção da punibilidade” (Habeas Corpus nº 74995/
MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 24.10.97), consignando,
em outro julgado (Inquérito nº 1028/RS, Plenário, Rel. Min. Moreira
Alves, DJU de 30.08.96), que
“a extinção só poderá ser decretada se o débito em causa for integralmente extinto
pela sua satisfação, o que não ocorre antes de solvida a última parcela do pagamento
fracionado. Assim, enquanto não extinto integralmente o débito pelo pagamento, não
ocorre a causa de extinção da punibilidade (...)”.
Em síntese, a orientação do STF é no sentido de que somente o pagamento integral antes do recebimento da denúncia produz o efeito de
extinguir a punibilidade.
10. Posição do STJ e dos TRFs
Apesar da inteligência da Suprema Corte exigindo o pagamento integral, após breve hesitação, o Superior Tribunal de Justiça pacificou sua
jurisprudência no sentido de aplicar o favor legal também nas hipóteses
de parcelamento, aduzindo que
“o acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei 9.249/95, porquanto
a expressão ‘promover o pagamento’ deve ser interpretada como qualquer manifestação
concreta no sentido de pagar o tributo devido”. (Quinta Turma, Habeas Corpus nº
10.565/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 21.02.2000, p. 145)
Em outras palavras, segundo o STJ, não distinguindo o artigo se o
pagamento é integral ou parcelado, basta o ato concreto de pagar e o
parcelamento induvidosamente isso traduz.
Na mesma linha, veja-se: Recurso Especial nº 111.574-DF, 5ª Turma,
Rel. Min. José Dantas, DJU de 13.10.98; Recurso Especial nº 184.338/
SC, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 31.05.99.
Nesse diapasão, também são os julgados dos TRFs, inclusive o da
4ª Região. A propósito: Habeas Corpus nº 1998.04.01.058970-6/SC, 1ª
Turma, Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, DJU de 18.11.98; Habeas
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
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Corpus nº 94.04.10958-4/RS, Rel. Juíza Tania Escobar, DJU de 29.06.94;
Apelação Criminal nº 1998.04.01.024707-8/RS, 1ª Turma, Relator Juiz
Gilson Dipp, 22.07.98; Apelação Criminal nº 97.04.56028-1/SC, 1ª
Turma, Rel. Juiz Vladimir Freitas, DJU de 21.10.98.
11. Parcelamento. Necessidade de acordo formal.
Não obstante, mesmo para os que assim entendem, na hipótese de
extinção da punibilidade pelo parcelamento do débito tributário, é
imprescindível que tenha ocorrido acordo formal entre as partes interessadas, estipulando as condições, o número de parcelas, o prazo do
benefício etc. O simples pagamento espontâneo de parte do débito, sem
qualquer ajuste com o Fisco, não enseja a aplicação do benefício legal.
O STJ, ao apreciar o Habeas Corpus nº 11.232/SP (Sexta Turma,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 21.02.2000, p. 195), decidiu que
“a quitação parcial do débito tributário antes do recebimento da denúncia, aliada à falta
de regular e formalizado parcelamento, não abre ensejo à aplicação da letra do artigo
34 da Lei nº 9.249, de 1995”.
A antiga 2ª Turma do TRF da 4ª Região, ao julgar o Habeas Corpus
nº 2000.04.01.062759-5/RS, Relator Des. Federal Élcio Pinheiro de
Castro, decidiu que
“não se concebe que fique exclusivamente a critério de uma das partes a decisão de
parcelar a dívida. Deve haver acordo formal no qual credor e devedor ajustem as condições em que se dará o adimplemento”.
Em suma, sem a existência de parcelamento devidamente formalizado,
não há falar em extinção da punibilidade pelo pagamento efetivado de
forma espontânea de parte do débito. Logo, à evidência, só a quitação
integral antes da denúncia dá ensejo ao benefício.
12. Inadimplemento do parcelamento. Não-repercussão na esfera penal.
Para a corrente que admite o parcelamento como forma de extinção
da punibilidade, entende-se que o eventual inadimplemento do acordo
firmado (tendo em conta a ocorrência de novação) não prejudica a extinção da punibilidade, devendo a controvérsia ser apreciada na esfera
cível competente, com as sanções peculiares ali previstas.
Conforme decidiu a 5ª Turma do STJ no julgamento do Recurso Especial nº 111.015/PB (Rel. Min. Flaquer Scartezzini, DJU de 16.03.98,
70
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
p. 197),
“o parcelamento do débito previdenciário em atraso, antes do recebimento da denúncia, esvazia o tipo penal previsto no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91, tornando-se simples
dívida civil, sujeita à cobrança pelas vias regulares.”
Esse entendimento também foi abraçado pela antiga Primeira Turma
do TRF da 4ª Região, em Acórdão consignando que
“a inadimplência do parcelamento constitui ilícito civil, não sendo passível de reprovação criminal”. (Apelação Criminal nº 96.04.46172-3/RS, Rel. Juiz Gilson Dipp, DJU
de 17.09.97, p. 75018)
Da mesma forma, a 2ª Turma do TRF da 2ª Região decidiu que
“com o parcelamento e pagamento da 1ª prestação, cessa a ilicitude e extingue-se a
punibilidade” (Habeas Corpus nº 96.02.218826-0/RJ, Rel. Juiz Silvério Cabral, DJU
de 24.12.96, p. 99).
Assim, segundo essa corrente, o inadimplemento do acordo não repercute na área penal, devendo o saldo devedor ser reclamado na esfera cível
competente.
13. Atual divergência entre as Turmas do STJ
A questão parecia estar pacificada quanto à admissão do parcelamento
para fins de extinção da punibilidade.
Entretanto, com a edição da Lei 9.964, em 10 de abril de 2000, instituindo o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), e a conclusão de
que os acordos de parcelamento celebrados com o INSS retratam singela
moratória, não havendo, portanto, se cogitar de novação, além de constatados incontáveis abusos por parte de contribuintes que parcelavam o
débito pagando tão-só as primeiras prestações apenas para usufruir do
guerreado benefício, tal orientação começou a desmoronar-se.
Frente a essa realidade, atualmente a 5ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça tem, de forma reiterada, manifestado entendimento de que
“o simples parcelamento do débito fiscal, antes do recebimento da denúncia, não enseja a
extinção da punibilidade, conforme jurisprudência do STF”. (Recurso Especial nº 159633/
DF, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 04.06.2001)
No mesmo sentido: Habeas Corpus nº 12.635/SC, Rel. Min. José
Arnaldo da Fonseca, DJU de 19.03.2001, p. 123; Recurso Ordinário em
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
Habeas Corpus nº 10097/PA, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 04.06.2001.
Todavia, a 6ª Turma do STJ mantém a orientação de que o parcelamento se equipara a “pagamento” para fins de extinção da punibilidade. A
propósito: Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 9.951/PR, Rel. Min.
Vicente Leal, DJU de 25.06.2001, p. 234; Recurso Ordinário em Habeas
Corpus nºs 9.962/SP e 9.559/SP, DJU, respectivamente, de 25.06.2001,
p. 234, e 13.08.2001, p. 265, ambos da Relatoria do Ministro Hamilton
Carvalhido.
Entendemos que a conciliação entre as duas posições está em considerar o parcelamento, iniciado antes da denúncia, decretando-se a
extinção da punibilidade tão-somente após a integral quitação do débito.
Para tanto, mister a edição de uma norma determinando a suspensão do
processo e da prescrição até o cumprimento da obrigação, ou aplicação
analógica in bonam partem das disposições contidas no art. 15 da Lei
nº 9.964/2000 (REFIS) ou ainda o comando inscrito no art. 93 do CPP
c/c o art. 116, I, do CP.
14. Parcelamento especial outorgado pelas
Medidas Provisórias nos 1571/6 e 1571/7
Dispondo sobre “amortização e parcelamento de dívidas oriundas de
contribuições sociais e outras importâncias devidas ao Instituto Nacional
do Seguro Social – INSS”, foi lançada a Medida Provisória nº 1.571. Em
sua reedição de nº 6, de 25.09.97, publicada no Diário Oficial da União
do dia 26.09.97, restou assegurado:
“Art. 7º omissis
§ 7º. As dívidas provenientes das contribuições descontadas dos empregados e da
sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991, poderão ser
parceladas em até dezoito meses, sem redução da multa prevista no caput, ficando
suspensa a aplicação da alínea d do art. 95 da Lei nº 8.212, de 1991, enquanto se
mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento.”
A reedição subseqüente dessa Medida Provisória, de 23.10.97, publicada no Diário Oficial da União do dia 24.10.97, a qual recebeu o nº
1.571-7, manteve integralmente esse dispositivo, mas agora no § 6º do
seu artigo 7º.
Contudo, a reedição posterior, que recebeu o nº 1.571-8, publicada
no Diário Oficial da União do dia 21.11.97, suprimiu a parte final desse
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
dispositivo, isto é, não reproduziu a possibilidade de ser concedida a
suspensão do tipo penal inscrito no artigo 95, alínea d, da Lei nº 8.212/91,
para aqueles interessados que parcelassem o débito.
Diante disso, além da interpretação da locução “suspensa a aplicação
da alínea d do art. 95 da Lei nº 8.212, de 1991”, muito se discutiu acerca da validade de tais Medidas Provisórias para regular matéria penal.
Questionava-se, também, como ficariam as relações jurídicas decorrentes dos atos praticados na vigência temporária das mesmas, em face do
disposto no parágrafo único do artigo 62 da Constituição Federal.
Todavia, enquanto se desenrolava tal polêmica, milhares de contribuintes foram autorizados pelo INSS a parcelar seus débitos com apoio
nas apontadas normas. Entretanto, a discussão perdeu relevância quando
o legislador ordinário editou a Lei nº 9.639, em 25.05.98, publicada no
Diário Oficial da União de 27.05.98, que, no seu artigo 12, regulamentou os efeitos gerados pela Medida Provisória nº 1.571, versões de nº 1
a 8, convalidando expressamente os atos praticados com base no seu
conteúdo. Tal dispositivo está assim redigido:
“Art. 12. São convalidados os atos praticados com base nas Medidas Provisórias
nos1.571, de 1º de abril de 1997, 1571-1, de (...), 1571-6, de 25 de setembro de 1997,
1571-7, de 23 de outubro de 1997 (...).”
A partir daí, após prolongados debates, o TRF da 4ª Região consolidou
o entendimento de que o favor legal se aplica àqueles que comprovarem o
parcelamento do débito previdenciário celebrado no período de vigência
das reedições nos 6 e 7, isto é, de 26.09.97 a 20.11.97, interpretando-se
que “suspensa a aplicação da alínea d do art. 95 da Lei nº 8.212, de
1991, enquanto se mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento”, significa suspensão do processo enquanto a parte estiver
cumprindo o acordo.
Decidiu-se, ainda, que o benefício também se aplica ao período anterior à vigência das reedições nos 6 e 7, em homenagem ao princípio
da retroatividade da lei penal mais benéfica (artigo 5º, inciso XL, da
Constituição Federal, e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).
A inadimplência do parcelamento implicaria a retomada da ação
penal. Por outro lado, cumprido o parcelamento ou integralmente pago
o débito, em uma só vez, declarava-se extinta a punibilidade do agente.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
73
Nesse sentido: Recurso Criminal nº 1998.04.01.045137-0/RS, 2ª Turma, Rel. Juiz Vilson Darós, DJU de 18.08.99, p. 571; Apelação Criminal
nº 97.04.66259-9/PR, 2ª Turma, Rel. Juiz Jardim de Camargo, DJU de
14.04.99, p. 697; Apelação Criminal nº 98.04.08332-9/SC, 1ª Turma,
Rel. Juiz Guilherme Beltrami, DJU de 14.06.2000, p. 46.
Importa salientar que, ao contrário do disposto no artigo 34 da Lei
nº 9.249/95, não havia previsão legal de que o pagamento e/ou parcelamento fosse efetuado antes do recebimento da denúncia, alcançando,
assim, os processos em tramitação.
Exigia-se apenas que o pagamento e/ou parcelamento tivesse sido
efetua­do até a vigência da última Medida Provisória (1571-7) prevendo
a suspensão da aplicação da alínea d do artigo 95, ou seja, até 20.11.97,
pois em 21.11.97 entrou em vigor a versão nº 8, não mais contendo o
aludido benefício.
Finalmente, cumpre anotar que, por falta de previsão legal, segundo
entendimento jurisprudencial, a prescrição não era suspensa durante esse
parcelamento (dezoito meses). Contudo, ainda não nos convencemos de
tal orientação. Se o legislador suspendeu o tipo, não vemos razão lógica
ou jurídica para não se suspender o processo e a prescrição, apesar de
não constar na lei com todas as letras. Em suma, afastado o tipo penal
não há crime e, não havendo crime, não há se cogitar de prescrição.
15. Interpretação realizada pelo STJ
Inicialmente, em alguns julgados, deixou o STJ de aplicar a referida
medida provisória, basicamente ao fundamento de que:
“não se confere a eventual Medida Provisória o poder de legislar sobre matéria penal,
tema privativo do Congresso Nacional” (Recurso Especial nº 244.902/RS, Quinta
Turma, rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 19.06.2000, p. 199).
Decidiu, ainda, que,
“em virtude do princípio da legalidade estrita, vigente no direito penal, é inviável a
criação ou exclusão de tipo penal por Medida Provisória, o que afasta, in casu, a incidência da MP 1.571/97”. (Recurso Especial nº 200.280/SC, Sexta Turma, rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJU de 10.04.2000, p. 135)
No entanto, analisando esses acórdãos, verifica-se que não
houve apreciação da questão relativa à convalidação efetuada pelo art.
74
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
12 da Lei nº 9.639/98 ao disposto nas apontadas medidas provisórias,
razão por que o TRF da 4ª Região, a despeito do entendimento do STJ,
continuou aplicando as referidas disposições, uma vez que a Lei nº
9.639/98 expressamente validou os termos das aludidas MPs.
16. Inteligência do STF
Por outro lado, examinando a quaestio, o Pleno do STF, no julgamento
do recurso extraordinário nº 254.818/PR (informativo nº 209), finalmente
reconheceu a aplicabilidade das mencionadas MPs.
Mostra-se relevante destacar o seguinte trecho do voto do Ministro-Relator Sepúlveda Pertence:
“Na espécie, portanto, a revogação parcial do dispositivo referido – com supressão
de sua norma penal – só se tornou definitiva quando o Congresso Nacional converteu
em lei o preceito derrogatório (cf. L. 9.639/98, art. 7º, § 6º). Tivesse o Poder Legislativo
se limitado à conversão, tollitur quaestio: estariam desconstituídos todos os efeitos da
norma revogada pela medida provisória convertida em lei (...). O Congresso, porém,
não se limitou à conversão da medida provisória nos termos em que vigia ao tempo
da votação; no mesmo ato declarou válidos os efeitos da norma revogada, anteriores
à sua revogação.”
Afora isso, por se cuidar de norma que favorece ao acusado, o STF,
nesse acórdão, expressamente admitiu o uso de medida provisória, verbis:
“O que importa, contudo, é que todos os fundamentos aventados para vedar a medida
provisória em matéria penal dizem respeito às normas penais que criam ou ampliam
tipos ou lhes exacerbam a pena, hipóteses a que, conforme o sistema, se pode razoavelmente estender aquelas que, de qualquer modo, beneficiam a pretensão punitiva em
detrimento da liberdade. Não, porém, as normas de Direito Penal que, ao contrário,
abolem crimes ou lhes restringem o alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliem
os casos de isenção de pena ou de extinção da punibilidade: em síntese, as leis penais
mais favoráveis à liberdade que à pretensão punitiva (...). Entendo que, quanto à lei
penal mais benéfica, não há porque impedir a medida provisória”.
Apesar da brilhante solução dada ao caso concreto, mesmo que a
Lei nº 9.639/98 não tivesse expressamente convalidado os termos das
aludidas MPs, entendemos que ainda assim elas seriam plenamente
aplicáveis, porquanto, além de terem força de lei à época em que foram
editadas, possuem, indubitavelmente, conteúdo favorável ao réu, visto
que consti­tuem mais uma causa de extinção da punibilidade. O que não
se mostra razoá­vel é o estado-administração “suspender o tipo penal”
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
enquanto se mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento
e, após o pagamento, o estado-juiz recusar a outorga do benefício, ao
argumento de que tais medidas provisórias não foram reeditadas ou que o
indigitado veículo normativo não se mostra adequado a tal fim, devendo,
portanto, prosseguir o processo penal.
17. Emenda Constitucional nº 32. Nova redação conferida ao art. 62
da CF.
Inobstante o entendimento da Suprema Corte, em 11.09.2001, foi
publicada a EC nº 32, que, além de alterar substancialmente a matéria
relativa à edição das MPs, expressamente vedou a utilização desse veículo
legislativo para regular matéria penal. Veja-se, a propósito, a redação
atual do art. 62 da CF/88:
“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional.
§ 1º. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: i – relativa a: a)
omissis; b) direito penal, processual penal e processual civil.”
Assim, a partir dessa EC, medida provisória não mais poderá dispor
sobre matéria penal, ainda que para beneficiar o acusado.
18. Programa de Recuperação Fiscal – REFIS
A Medida Provisória nº 1.923, de 06 de outubro de 1999, dispôs em
seu artigo 1º:
“Art. 1º. Fica instituído o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, destinado
a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas
jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita
Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em razão de fatos geradores
ocorridos até 31 de agosto de 1999, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa,
ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os decorrentes de
falta de recolhimento de valores retidos”.
Tal programa instituiu uma nova espécie de parcelamento dos débitos
tributários, sem prazo definido, cujo valor de cada prestação é determinado em função de percentual sobre a receita bruta (art. 2º, § 4º, II).
Na redação original da MP e nas sucessivas reedições (inclusive com
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
alteração de número – 1931 e 2004), não havia qualquer disposição sob
o ponto de vista penal.
Somente com a Lei de conversão - nº 9.964, de 10.04.2000 – é que foi
introduzido regramento sobre a matéria. O artigo 15 estabelece a denominada “suspensão da pretensão punitiva do Estado” nos seguintes termos:
“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos
nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº
8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada
com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão
no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.”
No § 1º, está escrito que “a prescrição criminal não corre durante o
período de suspensão da pretensão punitiva”.
Frente a esse quadro, o ingresso no REFIS, antes do recebimento
da denúncia, implica suspensão da pretensão punitiva e da prescrição.
Nos termos do § 3º do referido artigo, concluído o parcelamento com a
quitação integral do débito, extingue-se a punibilidade do agente.
De início, surgiu alguma discussão quanto à aplicabilidade dessas
disposições, quer pela existência de norma que suspende o prazo prescricional (que, regra geral é prejudicial ao réu, impedindo, assim, a
retroatividade da lei), quer porque, sendo uma espécie de parcelamento,
incidiria o artigo 34 da Lei nº 9.249/95, pois à época da edição da Lei
9.964/2000, à exceção do STF, era pacífico o entendimento que o parcelamento extinguia a punibilidade, situação mais benéfica que a prevista
no REFIS, que determina a suspensão do processo e da prescrição, até
a quitação integral da dívida.
Nesse sentido, foi o julgamento do Habeas Corpus nº
2000.04.01.037488-7/PR, 2ª Turma do TRF da 4ª Região, Relator Des.
Élcio Pinheiro de Castro, publicado no DJU de 02.08.2000.
No entanto, por levar à inocuidade da norma quanto aos fatos pretéritos, esse posicionamento foi repensado. Primeiro, porque as disposições do REFIS, em seu conjunto, mostram-se mais vantajosas para
o acusado, pois é preferível a suspensão da prescrição, a se submeter
aos percalços do processo penal, com possibilidade de ser prolatada
sentença condenatória.
Segundo, porque o parcelamento pelo REFIS possui ca­rac­­­­­­­­­­te­rísticas
diferenciadas dos demais. Regra geral, o acordo é realizado me­diante
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 13-81, 2002
prazo certo e número de parcelas definidas, o que não ocorre com o regramento do aludido programa, visto que, como já ressaltado, o pagamento
se dá em percentual sobre a receita bruta, podendo, em alguns casos,
principalmente nos débitos de maior expressão, perdurar por vários anos.
Consoante decidiu a 7ª Turma do TRF da 4ª Região no julgamento
do Recurso Criminal nº 2000.71.00.040667-7/RS (rel. Desembargador
José Luiz B. Germano da Silva, DJU de 17.10.2001, p. 1069):
“o entendimento de que o parcelamento extingue a punibilidade (art. 34 da Lei nº
9.249/95) só vale para os casos em que há refinanciamento com número de prestações
determinadas e com prazo acordado para o pagamento do débito fiscal, não vale para
o REFIS, onde o devedor pode ir ajustando os valores das parcelas do refinanciamento
ao que arrecada, sem a observância de limitação temporal”.
Assim, se houve opção pelo REFIS, antes do recebimento da denúncia, não há se cogitar de processo, restando suspensa a prescrição
até o integral pagamento do débito. Nos demais casos de parcelamento – segundo a corrente que o equipara a pagamento para o efeito de
extinguir a punibilidade – aplica-se a regra estatuída no art. 34 da Lei
nº 9.249/95.
É importante salientar que para a incidência do artigo 15 e § 1º da Lei nº
9.964/2000 basta a opção pelo REFIS, sendo desnecessário aguardar a
homologação por parte do Comitê Gestor do aludido Programa. Nesse
sentido: Correição Parcial nº 2001.04.01.067057-2/RS, 8ª Turma do
TRF da 4ª Região, relator Des. Élcio Pinheiro de Castro, publicada no
DJU de 17.10.2001.
Esclarecemos, por oportuno, que, atualmente, não é mais possível
o ingresso no REFIS. O § 1º do art. 2º da Lei nº 9.964/2000 dispôs
que a opção pelo programa poderia ser formalizada até o último dia do
mês de abril de 2000. Posteriormente, a Lei nº 10.002, publicada em 15
de setembro de 2000, estendeu o prazo de opção até noventa dias da data
de sua publicação, ou seja, até 14 de dezembro de 2000.
Assim, a suspensão da punibilidade é assegurada pela norma somente
aos que ingressaram no programa até o prazo mencionado.
Registre-se, ainda, que o REFIS alcança tão-só os débitos vencidos até 29 de
fevereiro de 2000, e que o inadimplemento do acordo autoriza o ajuizamento
da ação penal, o que já tem acontecido, pois, consoante divulgado pelos órgãos
de imprensa, vários beneficiários já foram excluídos do REFIS, por falta de
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pagamento.
19. Atuais regras quanto ao crime de apropriação indébita previdenciária
Em 17 de julho de 2000, foi publicada a Lei nº 9.983, que, além de outras
modificações, introduziu no Código Penal o artigo 168-A, dando tratos ao
crime de não-recolhimento de contribuições previdenciárias, sob a denominação de “apropriação indébita previdenciária”. O referido dispositivo
está assim redigido:
“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas
dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois)
a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros
ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado
despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já
tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.”
Conforme pode ser observado, o inciso I do referido parágrafo, praticamente repete a conduta antes descrita no artigo 95, d, da Lei nº 8.212/91
(“deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância
devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público”),
aplicando-se retroativamente por prever sanção mais branda, uma vez
que o máximo da pena cominada foi reduzido para cinco anos de reclusão
(antes era de 02 a 06 anos). Contudo, tal detalhe não se mostra relevante
por raramente se aplicar a pena máxima.
Quanto ao objeto do nosso estudo, a novel legislação que, repita-se,
é específica para os crimes contra a Previdência Social, dispõe de forma
diversa da prevista no art. 34 da Lei nº 9.249/95, aplicável aos demais
tributos. Nesse particular, assim dispõe:
“§ 2º. É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e
efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações
devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início
da ação fiscal.
§ 3°. É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se
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o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: I – tenha promovido, após
o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição
social previdenciária, inclusive acessórios; ou II – o valor das contribuições devidas,
inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social,
administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções
fiscais.”
Da análise do § 2º do art. 168-A, extrai-se que, diferentemente do art.
34 da Lei nº 9.249/95, a extinção da punibilidade somente ocorre quando
o agente declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições antes
do início da ação fiscal.
Aliás, no que pertine à inteligência da locução “início da ação fiscal”,
está escrito no art. 138 do CTN:
“A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada,
se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da
importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo
dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia
apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de
fiscalização, relacionados com a infração”.
Ao contrário do que se defende, “início da ação fiscal” não pode ser
considerado como sendo a data da ciência da NFLD e menos ainda a data
do ajuizamento da execução fiscal pelo singelo motivo de que nessas
oportunidades o contribuinte faltoso não mais precisará declarar e confessar o débito como exige a norma legal. Logo, somente até a notificação
do termo de início da fiscalização poderá o administrador da empresa
alcançar a extinção da punibilidade pelo pagamento.
Já o § 3º diz que é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa quando o agente, além de primário e de bons
antecedentes, tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de
oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social, inclusive
acessórios, ou o valor seja igual ou inferior àquele estabelecido pela
previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o
ajuizamento de suas execuções fiscais.
Tal dispositivo, em verdade, introduz mais duas hipóteses de perdão
judicial, o qual, por sua vez, também constitui causa de extinção da
punibilidade, ex vi do artigo 107, IX, do Código Penal.
No primeiro caso, para usufruir do benefício, além de ter promovido
o pagamento após o início da ação fiscal e antes do oferecimento da
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denúncia, o agente deve ainda cumprir outros requisitos, quais sejam:
ser primário e possuir bons antecedentes.
Analisando esse regramento, extrai-se que as condições impostas pela
nova legislação para o “perdão judicial” são mais gravosas para o agente
(lex gravior) se comparadas com a previsão do art. 34 da Lei nº 9.249/95,
razão pela qual, da mesma forma que a previsão do comentado § 2º,
não podem ser aplicadas retroativamente para alcançar fatos praticados
ainda na vigência do art. 95, d, da Lei nº 8.212/91. É que, conforme já
analisado anteriormente, quando vigorava esse diploma legal, a extinção
da punibilidade era possível até o momento em que a denúncia fosse
recebida, e não oferecida, consoante dispõe o novel art. 168-A do CP,
circunstância que dava ao agente prazo mais dilatado para efetuar o pagamento do débito. Afora isso, à época, o benefício alcançava a todos
que preenchessem apenas o requisito temporal, não havendo qualquer
exigência quanto à primariedade e aos bons antecedentes.
Logo, como a Lei nº 9.983 passou a vigorar a partir de 15.10.2000
(noventa dias após a publicação, efetuada em 17.07.2000), mantém-se a
aplicação do art. 34 da Lei nº 9.249/95 para os fatos delituosos praticados antes daquela data e tenha sido realizado o pagamento do débito em
data anterior ao recebimento da denúncia. A nova legislação somente é
aplicável aos fatos praticados após sua entrada em vigor, extinguindo-se a
punibilidade se o agente declara, confessa e efetua o pagamento antes do
início da ação fiscal, ou através do “perdão judicial” se o adimplemento
da dívida ocorrer após essa data, mas antes do oferecimento da denúncia.
Preenchendo o contribuinte os requisitos exigíveis, em princípio,
entendemos que o parcelamento do débito, antes de qualquer medida
de fiscalização, tem o condão de obstar o ajuizamento da ação penal
enquanto estiver em dia o cumprimento da obrigação.
A segunda hipótese de “perdão judicial” diz respeito ao pequeno
valor do débito, entendendo-se como tal, aquele igual ou inferior ao
considerado pela Previdência como sendo o mínimo para o ajuizamento
de execuções fiscais.
Em verdade, essa regra acabou por legalizar entendimento jurisprudencial no sentido de que não se justifica a persecução penal por crime
contra a ordem tributária quando a própria administração não demonstra
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DISCURSO
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Discurso*
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz**
Exmo. Senhor Presidente, Exmos. Senhores Juízes do Tribunal, Dignas autoridades aqui presentes ou representadas, Senhoras e Senhores:
Engalana-se a Corte, no dia de hoje, com a presença de tão marcantes autoridades. Vieram todas prestigiar esta solenidade, que se repete a
cada biênio, no cumprimento de preceito regimental que dispõe sobre a
rotatividade dos cargos de direção, obediente a critérios que nem por se
terem tornado praxe desmerecem a consagração da escolha, pois revelam
a unidade do órgão e a solidariedade de seus ilustres integrantes em torno
do ideal que os irmana e congrega.
Processa-se, agora, a substituição do Exmo. Juiz Fábio Bittencourt da
Rosa pelo eminente Juiz Teori Albino Zavascki na Presidência desse
alto Pretório.
Deixa-o o primeiro com a consciência do dever cumprido, após o
exercício de fecundo e profícuo mandato, oportunidade em que revelou, ao lado de suas já conhecidas virtudes de magistrado, outra faceta
de seu temperamento: a do Administrador, exercendo-as, uma e outra,
* Discurso proferido pelo Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Procurador-Chefe da Procuradoria
Regional da República/4ª Região, na Sessão Solene de posse do Juiz Teori Albino Zavascki na Presidência
do TRF/4ª Região, em 21.06.2001.
** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 83-88, 2002
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de molde a engrandecer e dignificar o Poder Judiciário. Quem, como
nós, acompanhou de perto a atuação de Sua Exa., na presidência desta
Corte, é testemunha do trabalho silencioso, mas contínuo e persistente,
que desenvolveu para aplainar o terreno dos que lhe sucederiam, já que
o tempo era pouco para ver frutificar a planta cuja semente lançara ao
solo. Seguiu Sua Exa., nesse passo, o verso do velho poeta latino, Statius:
“Serit arbores quae alteri saeclo prosint”.
Congratula-se, assim, o Ministério Público Federal, que de Sua Exa.
sempre recebeu as mais inequívocas provas de consideração, com o
ilustre Juiz Fábio Bittencourt da Rosa pelo êxito de sua gestão à testa
dos destinos deste colendo Tribunal, que lhe permite voltar ao plenário
com a certeza do dever cumprido, cercado do apreço de seus mais ilustres
pares, do respeito do Ministério Público e da nobre classe dos advogados.
Em substituição, assumem, neste instante, a presidência e vice-presidência da Casa dois outros eminentes magistrados – Teori Albino
Zavascki e Nylson Paim de Abreu -, ambos com notável folha de serviços
prestados à judicatura, a que vêm dedicando toda a sua vida. Aos que
agora ascendem à direção da Corte, a homenagem maior que se lhes
pode prestar é reconhecer que deles nada é mister dizer para exaltá-los,
pois seus nomes por si mesmos se enaltecem, mercê dos exemplos que
traduzem, e que de todos são sobejo conhecidos.
Presidente Teori Albino Zavascki, Vossa Excelência vai dirigir os
destinos do Tribunal em hora sobremodo difícil. De verdadeira perplexidade. Em época de profundas transformações sociais, em que se
debatem todos os princípios, em que as instituições sofrem o abalo de
novas contingências, em que se buscam novas estruturas, mais do que
nunca pede-se e espera-se dos Poderes do Estado a compreensão das
realidades de uma sociedade em transformação, de forma a equilibrar a
turbulência das inovações com a tranqüilidade da tradição.
O Judiciário, como instituição viva e atuante no organismo nacional, não ficará, por certo, à margem desse debate, trazendo para ele,
no momento oportuno e pela voz de quem legitimamente o representa,
sua palavra de orientação serena e sábia. Não se esquece o juiz que, por
vedação constitucional, está impedido de imiscuir-se em questiúnculas
político-partidárias. Mas, por isso mesmo, nos graves momentos em que
os destinos da Pátria são decididos, tem o direito e o dever, com a auto86
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ridade oriunda da isenção e do civismo, apanágio dos bons brasileiros,
de advertir seus concidadãos para que não se transviem para a procura
dos caminhos mais convenientes aos interesses da nacionalidade.
Modernos profetas, nem por isso mesmo façanhudos, exigem
sacrifícios cruentos das liberdades individuais, que consideram excessivas; querem a ablação completa do direito fundamental aos frutos do
labor pessoal; pregam o arrasamento completo do edifício jurídico que
anos de trabalho construíram, cautelosamente, auscultando as inclinações
da sociedade; desejam ver rompido o pálio de tradições respeitáveis;
preconizam o direito de perturbar o organismo social insuflando a luta
de classes, ao invés de procurar resolver as dificuldades oriundas da desigualdade material; pretendem, num tardio contrabando de ideologias
fracassadas em outras plagas, plasmar o Estado nacional à imagem de
superados ídolos da insânia coletiva. E, para tão grande arrasamento de
uma civilização, apresentam tão pouco conteúdo ideológico, restrito às
concepções materialistas da vida, como se fosse esta exclusivamente
decorrente de imposições fisiológicas.
A conseqüência, porém, dessa efervescência, onde a par das intenções puras, pululam as ambições velhas travestidas de idéias novas e
pretensamente salvadoras, é a intranqüilidade generalizada, de efeitos
e alcance imprevisíveis.
Nada fácil, na atual conjuntura, a tarefa do julgador.
O vertiginoso crescimento do país multiplicou o número de causas, das
mais variadas espécies, em todos os juízos e tribunais do país. Os males,
os defeitos, as carências de que padece a estrutura da administração da
justiça não são carências, defeitos ou males que possam ser corretamente
referidos ao momento que passa, à atualidade. São de hoje, porque eram
de ontem e haviam sido de anteontem, tornando-se, portanto, crônicos.
É precisamente essa realidade, velha de várias décadas, que está a
exigir dos detentores do poder político a iniciativa de propor uma reforma
de fundo, que compreenda todos os segmentos das atividades forenses e
serviços que lhes são adjacentes ou complementares, dotando a nação de
um Judiciá­rio ágil e eficiente, meta que somente será atingida através de
medidas eficazes contidas em reforma orgânica e de grandes proporções,
e nunca através dos remédios e paliativos de parciais reajustes, remendos e leis de emergência. Não basta, para isso, que em manifestações
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protocolares e formais coloque-se a magistratura em elevado pedestal.
O que urge fazer é prestar-lhe assistência realmente eficaz, procurando
estabelecer providências legais no sentido de elevar, ainda mais, o nível
cultural e moral dos juízes, e de imprimir ao mecanismo dos serviços
judiciários uma estrutura racional, capaz de fazê-lo movimentar-se com
produtividade e eficiência.
A preocupação com a boa e pronta distribuição da Justiça, já tive
oportunidade de registrar neste Plenário, não é restrita ao nosso país.
Em seu discurso proferido quando da realização da sessão
solene de instalação do ano judiciário de 1999, o então Presidente da
Corte de Cassação da França, Pierre Truche,1 destacou a necessidade
de empreender-se, o mais rápido possível, a reforma da Justiça em seu
país, adequando-a às necessidades e exigências da sociedade moderna,
“car notre époque qui exige plus droits, exige plus de justice”.
Vossa Excelência, Senhor Presidente, possui os predicados
necessá­rios para a hora presente. Não lhe faltam vivência, prudência e
descortínio necessários para enfrentar os problemas que inevitavelmente
surgirão.
A seu lado, compartilhando da direção da Corte, como vice-presidente, conta Vossa Excelência com o Juiz Nylson Paim de Abreu,
que traz consigo a sua experiência de magistrado exemplar, aliado à
1 In Rapport de La Cour de Cassation. Paris, 1998, p.27.
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ACÓRDÃOS
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DIREITO ADMINISTRATIVO
E DIREITO CIVIL
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EMBARGOS INFRINGENTES EM AR Nº 97.04.22304-8/RS
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales
Embargantes: João Hernandes Soares Martins e outros
Advogados: Dr. Assis Correa
Drs. Adriana Espindola Correa e outro
Embargado: Estado do Paraná
Advogados: Drs. Marcia Carla Pereira Ribeiro e outros
EMENTA
Administrativo. Direito Civil. Alcance da indenização nos casos de
evicção. Artigos 1109 e seguintes do CCB. Necessidade de prova do
prejuízo para o pagamento da plus valia do imóvel.
1. Não pode a sentença de liquidação conceder mais do que foi dado
pela sentença liquidanda.
2. Para que, na evicção sejam pagos, além do preço do bem, os prejuízos sofridos, devem eles ser comprovados, o que deixou de ser feito.
3. A sentença, ao apreciar a liquidação e condenar o Estado do Paraná
ao pagamento de uma indenização muito além daquela a que fariam jus
os réus, ofendeu a coisa julgada, além de violar o preceito legal que veda
à sentença de liquidação o poder de modificar a sentença que julgou a
lide (art. 610 do Código de Processo Civil).
4. Como o que se indeniza é a perda da propriedade, da posse e do
uso (art. 1.107 do Código Civil), é indispensável que o autor demonstre
que perdeu, além da propriedade, a posse e o uso do bem, sob pena de
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enriquecimento ilícito. Como não foi feita a prova de que os autores, réus
nesta ação, estiveram ou estão na posse do imóvel e dele se utilizaram e
fruíram, o que resta é o pagamento do valor original pelo qual adquiriram o bem, devidamente corrigido e acrescido de juros, ou, como ficou
decidido pelo acórdão rescindendo, a anulação do acórdão e da sentença
para que seja oportunizada a prova de que, de fato, o imóvel foi possuído
e fruído pelos réus.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
vencidos os Desembargadores Federais Amaury Chaves de Athayde e
Valdemar Capeletti, negar provimento aos embargos infringentes, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de setembro de 2001.
Des. Federal Luiza Dias Cassales, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: Estes Embargos Infringentes foram interpostos do v. acórdão proferido na Ação Rescisória
interposta pelo Estado do Paraná contra João Hernandes Soares Martins
e outros, Processo nº 97.04.22304-8, para que prevaleça o voto vencido.
A decisão rescindenda foi proferida em liquidação de sentença na
ação ajuizada pelos ora réus desta rescisória contra a União Federal, o
Instituto Nacional de Reforma Agrária-INCRA e o Estado do Paraná,
que resultou no único condenado a satisfazer os ônus da evicção.
A ação rescisória teve como Relator o MM. Juiz José Germano da
Silva, contudo, o acórdão foi proferido pela MM. Juíza Maria de Fátima
Labarrère, cujo voto não se encontra no processo.
A ementa do acórdão embargado é a seguinte:
“AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO EM AÇÃO DF, INDENIZAÇÃO POR PREJUÍZOS RESULTANTES DA EVICÇÃO, PROPOSTA CONTRA
O ESTADO DO PARANÁ. NÃO FOI FEITA A COMPROVAÇÃO DA POSSE DOS
AUTORES, ORA RÉUS, DOS LOTES POR ELES ADQUIRIDOS DO ESTADO DO
PARANÁ. O ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU A SENTENÇA VIOLOU O ART. 610
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DO CPC, DEVENDO SER RESCINDIDO. TRATANDO-SE DE HIPÓTESE ESPECIAL, IMPÕE-SE A ANULAÇÃO DE OFÍCIO DA SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO,
BEM COMO A REABERTURA DA INSTRUÇÃO DO PROCESSO LIQUIDATÓRIO,
NOS TERMOS DO ART. 608 DO CPC.
Tendo a sentença liquidanda determinado fossem indenizados os prejuízos dos ora
réus, prejuízos estes que eles próprios se propuseram a comprovar em liquidação de
sentença, sem que tivesse havido tal comprovação, não poderia a sentença de liquidação e o acórdão rescindendo que a confirmou condenado a pagar vultosa importância
relativa à perda da posse de um bem do qual, ao que parece, os ora réus só detiveram
um título de domínio, nulo, adquirido por preço simbólico.
O acórdão rescindendo violou o art. 610 do CPC, porque a decisão exeqüenda
condenou o Estado do Paraná a reembolsar os evictos, aqui réus, nos termos do art. 1.107
e seguintes do Código Civil, que determina a indenização dos danos decorrentes da
perda da coisa, sem que tivesse sido feita a prova do desembolso.
Hipótese peculiar em que se impõe a anulação, de oficio, da sentença de liquidação
bem como a reabertura da instrução do processo liquidatório, nos termos do art. 608
do CPC. Precedentes desta Corte nesse sentido. Ação rescisória julgada procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, julgar
procedente a ação rescisória, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.”
Posteriormente, foram julgados os Embargos de Declaração que receberam a seguinte ementa:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. CONTRADIÇÃO.
DECISÃO CONSTANTE DO DISPOSITIVO DO VOTO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA EM DISPARIDADE COM A DECISÃO CONSTANTE
NA EMENTA DE PROCEDÊNCIA TOTAL. CONSEQÜENTE MODIFICAÇÃO DA
SUCUMBÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO PARA SUPRIR AS CONTRADIÇÕES APONTADAS.
Tendo havido retificação, na sessão de julgamento, do resultado constante na parte
dispositiva do voto do relator para que constasse a total procedência da ação, esta é a
que deve prevalecer. A ementa refletiu a decisão correta. Conseqüente modificação da
sucumbência. Embargos de declaração providos para suprir as contradições apontadas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia
Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento
aos embargos de declaração, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de maio de 2000.”
Inconformados, os sucumbentes interpuseram Embargos Infringentes
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para que prevaleça o voto vencido. Em suas razões de recurso, discorreram sobre toda a matéria posta na ação declaratória que ajuizaram nos
idos de 1978. Contudo, neste recurso apenas serão considerados os pontos
divergentes entre o voto condutor, que prevaleceu, e o voto vencido.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: Existem nos autos
duas teses jurídicas, a do Relator, Juiz José Germano da Silva, que resultou vencedora na Seção, e a defendida pelo Juiz Amaury Chaves de
Athayde, cuja divergência resultou isolada.
A tese que resultou vencedora é no sentido de que a r. sentença rescindenda violou os artigos 1.107, 1.108 e 1.109 do Código Civil Brasileiro, artigos esses que regulam o instituto da evicção, porque deixaram
os réus de provar, durante a liquidação de sentença, quais os prejuízos
decorrentes da evicção a serem reembolsados. Como o que se indeniza é
a perda da propriedade, da posse e do uso ( art. 1.107 do Código Civil),
é indispensável que o autor demonstre que perdeu, além da propriedade,
a posse e o uso do bem, sob pena de enriquecimento ilícito. Como não
foi feita a prova de que os autores, réus nesta ação, estiveram ou estão na
posse do imóvel e dele se utilizaram e fruíram, o que resta é o pagamento
do valor original pelo qual adquiriram o bem, devidamente corrigido e
acrescido de juros, ou, como ficou decidido pelo acórdão rescindendo,
a anulação do acórdão e da sentença para que seja oportunizada a prova
de que, de fato, o imóvel foi possuído e fruído pelos réus.
A tese do voto divergente é no sentido de que o acórdão rescindendo
não violou o art. 1.109 do Código Civil. E isso porque os componentes
básicos da indenização foram os valores da terra nua das glebas vendidas,
mais a cobertura vegetal, valores esses considerados na data do laudo, ou
seja, o valor que a terra e a cobertura vegetal possuem na data do laudo,
e não o preço da venda . Para o voto divergente, a responsabilidade do
evictor não se restringe à devolução do preço atualizado, que recebeu pela
venda, até porque o preço é sujeito a vicissitudes do momento em que
foi realizado o negócio. Certo é que o art. 1.107 do Código Civil prevê,
no caso de ter sido excluída a garantia, que a restituição se limitará ao
preço pago. Portanto, no caso, não tendo sido alegada cláusula de exclu96
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são, o evicto tem o direito aos prejuízos decorrentes da evicção e esses
correspondem à plus valia. A seguir, o voto divergente afirma que sendo
o réu titular do domínio pleno o seu direito à indenização pelo valor real
não se subsume tão-só ao atributo posse. O valor real da propriedade
é o contemporâneo ao da avaliação. Discorrendo sobre o preço que foi
pago ao Estado do Paraná pela gleba de terra , em discussão, diz que não
foi ele simbólico, como ora se pretende. E isso porque o valor pago foi
de Cr$ 469.454,60 (quatrocentos e sessenta e nove mil, quatrocentos e
cinqüenta e quatro cruzeiros e sessenta centavos). Esse preço, pago em
1956, correspondia , à época, a cento e noventa e cinco mil e seiscentos
e seis vezes o salário mínimo que era em torno de Cr$ 2,40.
Em primeiro lugar, deve ser corrigido o erro grave de que se ressente
o voto divergente. Erro esse que, certamente, tem caráter meramente
material. Ao transformar em salários mínimos o valor pelo qual os
autores adquiriram a gleba de terra em questão, o eminente voto divergente encontrou número tão elevado simplesmente porque apenas
cortou os três zeros do valor do salário mínimo, deixando de fazer o
mesmo corte quanto ao valor da operação de venda. Vejamos, as glebas
de terras foram adquiridas do Estado do Paraná em janeiro e maio de
1956, consoante comprovam os documentos juntados aos autos, pelo
preço de Cr$ 120.532,00 (fl. 41 verso). Podemos aceitar que a soma de
todas as glebas vendidas corresponda ao montante de Cr$ 469.454,60,
apontado pelo voto divergente. Na ocasião o salário mínimo era de Cr$
2.400,00, e não de Cr$ 2,40, como, por engano, consta do voto condutor.
Fazendo a divisão sem o corte dos zeros do valor do salário mínimo,
ou seja, considerando seu real valor de Cr$ 2.400,00, vamos concluir
que o preço pago pelas glebas em 1956 correspondia a 195 (cento e noventa e cinco) vezes o salário mínimo, valor que hoje corresponde a R$
35.100,00 (trinta e cinco mil e cem reais), valor, realmente , simbólico
para significativa área de terras.
Corrigido o erro material que consta do voto divergente, passo a
posicionar-me em relação ao ponto da divergência.
Alinho-me com o voto do eminente Juiz-Relator, Juiz José Germano
da Silva, no sentido de que o Estado do Paraná só pode ser compelido
a pagar, a título de evicção, o valor histórico dos imóveis, devidamente
corrigidos e os prejuízos decorrentes da evicção que forem realmente
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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comprovados.
O art. 1.109 do Código Civil estabelece que, salvo disposição em
contrário, tem o evicto o direito da restituição integral do preço ou das
quantias que pagou, dos frutos e dos prejuízos que diretamente resultaram da evicção. Certamente que, prejuízos decorrentes da evicção para
serem objeto de ressarcimento dependem da mais ampla comprovação.
Prejuízo presumido se presta ao enriquecimento sem causa, ao qual é
avesso nosso Direito.
A matéria foi exaustivamente examinada, com toda a propriedade,
pela Ilustrada Procuradoria da República no Estado do Paraná, e foi
incorporada ao Parecer apresentado pelo Douto Procurador Regional
da República Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, a seguir
parcialmente transcrito:
“Não há determinação legal de pagamento do valor real do bem, ainda mais quando
o adquirente pagou um valor irrisório pelo bem e pretende ser ressarcido por valor milhares de vezes maior do que o desembolsado, ultrapassando-se em muito a intenção do
legislador de repor as partes na situação jurídica anterior ao negócio jurídico desfeito,
gerando como efeito o enriquecimento indevido de uma das partes em detrimento do
patrimônio público.
Darcy Arruda Miranda, na obra Anotações ao Código Civil Brasileiro, 3º v., 1986,
p. 211, esclarece quanto a extensão da indenização:
‘O art. 1109 estabelece os limites normais da garantia que resulta do contrato, em
caso de evicção, em não havendo estipulação em contrário. Assim é que o evicto tem
direito a reclamar do alienante, além da restituição integral do preço, ou das quantias
que pagou, a indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir ao evicto, as
despesas que teve com a elaboração do contrato e seus consectários (impostos, registros,
etc.); os prejuízos que diretamente resultaram da evicção, devidamente comprovados;
as custas judiciais, incluindo honorários de advogado.’
O Estado do Paraná somente poderia ter contra si imposta em liquidação a condenação aos prejuízos resultantes diretamente da evicção e comprovados.
Também Pontes de Miranda analisou a questão no Tratado de Direito Privado,
tomo XXXVIII, 1062, p. 233, nos seguintes termos:
‘A solução dos arts. 1.109, 1.110 e 1.111 do Código Civil é no sentido de restituir-se a contraprestação dito, exemplificativamente, ‘preço’ - e indenizar-se o que sofreu
de danos e lucros cessantes o outorgado. A plus valia do bem evicto é vantagem que
ele perde.’
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Assim, contrariamente ao determinado pelo acórdão rescindendo, o valor apurado
na liquidação deveria ser o valor pago pelos imóveis e não o valor apurado pela perícia
trinta anos após a realização do negócio jurídico. Ao posicionar-se nestes moldes o
acórdão ofendeu o disposto no art. 1.109 do Código Civil, cuja extensão já foi analisada,
assim como contrariou o princípio da coisa julgada consagrado no art. 5º, XXXVI,
justificando o cabimento da presente ação rescisória. Por outro lado, a decisão da liquidação modificou a extensão da condenação obtida na ação declaratória, contrariando
o disposto no art. 610 do Código de Processo Civil.
A condenação mencionava os termos e limitações dos arts. 1.107 e seguintes do
Código Civil enquanto a liquidação condena ao pagamento dos valores dos lotes
apurado na perícia e valor das matas hipotéticas.
A coisa julgada foi ofendida na sentença liquidanda, incidindo o art. 485, IV, do Código
de Processo Civil, uma das hipóteses de cabimento de pedido de rescisão de decisão.
O conteúdo da locução coisa julgada permite tal conclusão. Observe-se a lição
de José FREDERICO MARQUES, citando Chiovenda, na obra Manual de Direito
Processual Civil, v. III, 1ª edição atualizada, 1997, p. 285:
‘Ilustra CHIOVENDA o postulado de que os efeitos da coisa julgada são pro et
contra com os seguintes exemplos: ‘ o autor, vencedor num primeiro processo, repropõe
a demanda com modificações vantajosas para ele: o réu excepcionará a coisa julgada.
Uma primeira ação de danos foi acolhida; o autor torna a propô-la, ambicionando
liquidação maior: a coisa julgada obsta-lhe. Vice-versa: perdeu o autor num processo
de reivindicação; em processo seguinte, pretende o réu considerá-lo como proprietário:
impede-o a coisa julgada.
Por não ser secundum eventum litis, a coisa julgada torna imutáveis tanto os efeitos
da sentença que acolhe e reconhece a pretensão do autor, como os daquela que julga
a ação improcedente. Os efeitos de uma ou de outra decisão, entre as partes, têm os
mesmos caracteres e imutabilidade.’
No caso sob análise os autores da declaratória não propuseram outra ação, mas se
utilizaram da liquidação para obter mais do que havia sido declarado em seu direito contra
o Estado do Paraná. A sentença ao apreciar a liquidação e condenar o Estado do Paraná
ao pagamento de uma indenização muito além daquela a que fariam jus os réus, ofendeu
a coisa julgada, além de violar o preceito legal que veda à sentença de liquidação o
poder de modificar a sentença que julgou a lide. (art. 610 do Código de Processo Civil)
Deve-se destacar ainda, também neste tópico de ofensa a coisa julgada, o não
cabimento da indenização pela mata nativa hipoteticamente existente sobre a área, à
época do alegado desapossamento.
Afora o aspecto de que tal valor chegou à conta de liquidação em razão de trabalho
desempenhado por particular, a pedido do assistente técnico dos réus, e portanto foi
trabalho apresentado por quem não figurava como perito ou assistentes nos autos, não
se pode permitir que o Estado do Paraná veja-se obrigado a pagar por força de evicção
a mata nativa existente sobre a área.
Ao adquirir seus imóveis os requeridos pagaram por eles, qualquer que tenha sido o
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valor da aquisição, vale dizer, pagaram pela terra nua e pela cobertura vegetal da área.
Ainda mais se mostra descabida a condenação ao pagamento da cobertura - vegetal
porque se trata de pagamento de mata nativa segundo levantamento do que hipoteticamente já existiria sobre a área há mais de trinta anos. A existência de mata nativa
não decorre de qualquer atividade que possa ser imputada aos réus ou de qualquer
dispêndio patrimonial dos mesmos.
Conseqüentemente, não há o que ser indenizado sob pena de se ferir a decisão transitada
em julgado que determinara o pagamento nos moldes do art. 1.109 do Código Civil, onde
se prevê o pagamento exclusivamente do valor da aquisição e dos prejuízos diretamente
decorrentes da evicção. Inexiste prejuízo indenizável na situação específica dos réus.
Também descabida tal condenação porque implicaria num bis in idem em desrespeito ao aresto trânsito em julgado e à própria lógica e boa fé. Restituído o preço pago
pelos autores, devidamente corrigido, estar-se-ia restituindo o preço pago pela terra
nua e pela cobertura vegetal. Não há qualquer fundamento legal ou de fato para que
se pague novamente a cobertura vegetal.
Nos moldes em que foi condenado o autor, o valor da indenização ficou restrito
à restituição do valor de aquisição, não sendo lícito valerem-se os réus da fase liquidatória e da perícia realizada, para modificação do decisum condenatório. Manifesta
é a ofensa ao princípio da coisa julgada e a negativa de vigência dos dispositivos das
normas infraconstitucionais referidas.
Quanto ao dever do Estado indenizar por venda a non domino este mesmo Egrégio
Tribunal já se pronunciou pela essencialidade da comprovação da posse nos autos da
Apelação Cível nº 89.04.17410-4/PR, ementa publicada no DJU de 09.03.94, pág. 8743
e não de maneira absoluta como tenta fazer crer o requerido - logo só há o dever de
indenizar para aqueles que efetivamente sofreram com a perda da posse e não como
uma forma de enriquecimento indevido de alguns.”
Por tudo o que foi antes alinhado, acrescido dos fundamentos expendidos pelo Douto Procurador Regional da República, ao se reportar ao
parecer oferecido pela Procuradoria da República do Paraná, não pode
prosperar a inconformidade dos embargantes.
Isto posto, nego provimento aos embargos para manter a decisão
majoritária.
É o voto.
100
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1998.04.01.086837-1/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde
Apelantes: Antônio Fernando Barros e Silva de Souza e
Areozilda Garcia de Souza
Advogados: Dr. Miguel Luiz Conte
Dr. Jayme Eduardo Machado
Apelada: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Jair Roberto Pierotto e outros
EMENTA
Administrativo. SFH. Reajustamento de valores. Aplicação do IPC
(84,32%) de março/90 –­ restrição.
1. A cláusula do contrato de mútuo financeiro para aquisição de
casa própria, regido pelo SFH, que determina como coeficiente de
atualização monetária o mesmo apurado para o reajustamento dos
depósitos de poupança com aniversário no primeiro dia do mês, tem
natureza estritamente operacional. Como método que consubstancia, não se dissocia da finalidade essencial a que é dada, tal a exata
correção monetária, cujo termo inicial é fixado necessariamente na
data-base do contrato, a qual sinala o momento em que o valor emprestado foi efetivamente posto a serviço do mutuário.
2. Em relação aos contratos de mútuo financeiro habitacional com
data-base a partir do 14º dia do mês de calendário, não se aplica o
IPC de março/90 (84,32%), sob pena de locupletar-se sem causa o
agente financeiro, eis que às contas de poupança preexistentes, com
iguais datas de aniversário, pelo mesmo índice não responderam as
instituições bancárias captadoras. Aplica-se, pontualmente, a variação
do valor do BTN entre os meses de março e abril/90, na ordem de
41,28%, a qual incidiu às contas de poupança então novas, ulteriores
ao plano econômico ditado na ocasião.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unaniR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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midade, dar provimento ao apelo, ressalvado o ponto de vista do Des.
Valdemar Capeletti, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de outubro de 2001.
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de
ação ordinária proposta por Antonio Fernando Barros e Silva de Souza
e sua mulher, Areozilda Garcia de Souza, em face da Caixa Econômica
Federal, processada perante o MM. Juízo da 9ª Vara Federal de Curitiba/
PR. Dizendo da existência de contrato de mútuo com garantia hipotecária,
submetido às regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que têm
firmado com a empresa pública em 30 de setembro de 1987, objurgam os
autores a aplicação, praticada pela mutuante, do índice atualizatório de
suas obrigações na ordem de 84,32% referentemente ao mês de março
de 1990. Ao argumento de que as cadernetas de poupança – referencial
atualizatório estipulado contratualmente –, em relação à mesma competência, foram atualizadas em função do Bônus do Tesouro Nacional
Fiscal (BTNF) medido em 41,28%, intentam os promoventes a declaração de que esse menor índice é o que há de incidir no ajuste ao interesse
do contrato, e bem assim intentam a condenação da ré a proceder às
retificações pertinentes, recalculando-se a partir de então, mês a mês, o
respectivo saldo devedor.
A ação foi contestada (fls. 76 a 88).
Sob regular processamento, adveio a v. sentença de fls. 104 a 110. A
preliminar da defesa, concernente ao chamamento da União e do Banco
Central do Brasil – BACEN, como litisconsortes passivos necessários, foi
rejeitada. No mérito, com acolhida das razões da requerida, a pretensão
deduzida na exordial foi julgada improcedente. Sucumbência pelos autores, arbitrados honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa.
Irresignados, os autores apelam tempestivamente (fls. 111 a 121).
Fazem-no deduzindo razões pela inteira reforma do r. decisum, visando
à integral procedência do seu pleito.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 124 a 130), vieram os autos a este Tribunal.
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É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: A questão
nuclear do conflito evoluciona em torno da definição do índice aplicável ao reajustamento de valores referentes a contrato de financiamento
destinado à aquisição de casa própria, submetido ao regime do SFH,
jungido à competência do mês de março do ano de 1990. Remissão feita
a tal época, ainda é viva a memória, assumindo o comando da Nação,
o mandatário eleito ditou plano econômico constritando a maior massa
de ativos financeiros circulantes, renominando o padrão monetário e
baixando providências outras, várias, para embasar intentado decreto da
extinção da inflação crônica, excessiva e crescente que então se verificava.
Os saldos dos financiamentos imobiliários, ex lege, tinham submissos
os seus reajustamentos aos iguais índices de atualização dos depósitos
em contas de poupança. Ao tempo que interessa, o indexador de regência
era o BTN, criado pela Lei nº 7.777, de 19.06.89, adotando a Medida
Provisória nº 57, de 22.05.89, em substituição à Obrigação do Tesouro
Nacional (OTN), extinta pela Lei nº 7.730, de 21.01.89, a que se convolou
a Medida Provisória nº 32, de 15.01.89. O BTN, desde a sua instituição, sob periodicidade mensal, tinha o próprio valor nominal revisado
em função da variação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) – Lei
nº 7.777/89, art. 5º, § 2º –, o que se cumpria exato a partir da primeira
emissão do novel título.
Ao advento do plano econômico de março de 1990, porém, o atrelamento da atualização do valor do BTN à variação do IPC foi interrompido.
Isso se deu por força do artigo 22, caput, da Medida Provisória nº 168, de
15.03.90, convertida na Lei nº 8.024 (art. 22, caput), de 12.04.90. Assim,
o valor do título, em 01.04.90, já com o emprego da nova nomenclatura
monetária, foi fixado em Cr$ 41,7340 , experimentando aumento de
41,28% em relação ao valor nominal (NCz$ 29,5399) que se lhe dava no
dia 1º do precedente mês de março, enquanto a variação do IPC foi registrada
na ordem de 84,32% , a espelho da inflação verificada no mesmo mês.
Aí a controvérsia: qual o indexador a aplicar nos reajustamentos de
valores de financiamentos imobiliários relativamente à competência do
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mês de março de 1990?
A empresa pública sustenta que o indexador aos fins é a variação do
IPC, mensurada em 84,32%. Isso porque o mesmo índice atuou para a
atualização monetária das contas de poupança com data-base no primeiro
dia do mês, operando ao caso, do contrato, a sua:
“CLÁUSULA VIGÉSIMA QUINTA – O saldo devedor do financiamento será atualizado mensalmente, no mesmo dia de assinatura deste contrato, mediante a aplicação
de coeficiente de atualização monetária idêntico ao utilizado para o reajustamento dos
depósitos de poupança mantidos nas instituições integrantes do Sistema Brasileiro de
Poupança e Depósito – SBPE.
PARÁGRAFO PRIMEIRO – O coeficiente de atualização, independentemente
da data prevista para o reajustamento do saldo devedor, será o mesmo apurado para
o reajustamento dos depósitos de poupança com aniversário no primeiro dia do mês.
...”
Assim, assevera a CEF haver agido licitamente, na conformidade do
contrato, regido pelo princípio pacta sunt servanda, por ele se obrigando
as partes contraentes. Ademais, anota a necessidade basilar da aplicação
do aludido índice, aos fins em comento, para a preservação do equilíbrio
financeiro do sistema, cujos recursos provêm dos depósitos captados
em contas de poupança e daqueles existentes em contas vinculadas do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), certo que efetivamente
o aplicou no mês de abril/90, em igual medida, tanto na atualização de
valores em contas de poupança como na atualização das contas vinculadas do FGTS.
A meu sentir, no entanto, os aludidos elementos, de indicação objetiva,
não esgotam os fatores que se impõe analisar na dirimência da questão.
Na verdade, a escorreita visualização da equação enfocada demanda
considerações mais amplas, somente pelas quais, embasando a sua melhor compreen­são, se alcançará a melhor e única pertinente solução do
conflito. Confiro.
Primeiramente, no que concerne ao fato de que às instituições
depositá­rias das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço impôs-se proceder à atualização dos correspondentes saldos,
na competência em questão, pelo igual índice objurgado de 84,32%, eu
o tenho como de nenhuma importância para o clareamento do embate
nos presentes autos. Não o transmuda a alegação de que os recursos
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financeiros daquele Instituto concorrem à aplicação nos financiamentos
imobiliários regidos pelo SFH.
No rigor jurídico, a sorte do FGTS não interessa aos contratos de mútuo financeiro da espécie de que aqui se cuida. Não interessa, de um lado,
porque o Sistema Financeiro da Habitação é uno e operado por múltiplas
instituições bancárias no exercício da qualidade de agentes financeiros,
as quais, atualmente, nenhum atrelamento mantêm com o Fundo, cuja
gestão e operação, nos termos da Lei nº 8.036/90, foi cometida centralizadamente à Caixa Econômica Federal. Logo, já por isso, não há sentido
lógico em cogitar-se da subsunção de reajustes de prestações e saldos de
contratação pelo SFH, de regime único, a tratamentos diversos, ou seja,
submetê-los à produção adveniente do FGTS quando o agente financeiro for a empresa pública, e abstraí-los de vinculação ao Fundo quando
o agente financeiro for outro, certo que não se justificará a subsunção
vinculante nessa segunda hipótese, por absoluta ausência de causa, eis
que os agentes financeiros diversos em nada se afetam concernentemente
à movimentação das contas do referido Fundo.
Não fora o suficiente, é forte assinalar que, em nenhum momento, é
dado ao mutuário indagar a respeito da fonte de recursos da qual se serve
o agente financeiro para conceder-lhe o financiamento, assim como esse,
em nenhum momento, enseja àquele tal informação.
Notícia a respeito, aliás, a princípio, seria mesmo despicienda, haja
vista que ela somente atuaria, aí exaurindo-se, para a definição de um
estado pré-contratual a serviço exclusivo do agente financeiro. Vale
dizer, o agente consulta as suas próprias contas e conclui: ou, por suas
fontes, quaisquer que sejam, tem recursos disponíveis para alocá-los a
empréstimos e efetivamente o faz, concedendo os financiamentos; ou
não dispõe de recursos a tanto e, ipso facto, não concede financiamento
algum. Nada mais. A movimentação futura dos recursos, ou a forma
pela qual o agente financeiro deva administrá-los, in genere, em nada
influi em momento pós-contratual. E assim é na medida em que, já por
uma só robusta e sobeja razão, a administração dos recursos do e pelo
agente financeiro não se projeta na existência do contrato gerado e no
seu desenvolvimento, enquanto não se tenha eleito no correspectivo
instrumento, a modo evidentemente expresso, cláusula de vinculação
que esteja a obrigar o financiado.
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Visto, então, o contrato de financiamento nos autos, verifica-se que as
regras estipuladas para os reajustamentos de prestação e saldo devedor, em
nenhum momento, se subordinam a índices de atualização ou de remuneração de contas vinculadas do FGTS. Esses índices são absolutamente
estranhos ao contrato e, pois, não laboram nem a favor e nem contra o
mutuário, a quem, ademais, não é dado responder, em relação de pacto
in concreto, por tropeços das políticas governamentais. Portanto, não
vem a pêlo perquiri-los aqui.
Referentemente ao sistema de atualização de contas de poupança
enquanto para balizar os reajustamentos das prestações e saldos dos
mútuos financeiros para a aquisição de casa própria, se bem inconteste
que os indexadores daquelas são contratualmente eleitos a atuar nesses,
impende observar variações necessárias. Assim o é, a fortiori, porquanto
na competência temporal que diz ao caso em exame, houve diversidade
importante que projetou, a idêntico modo, no tratamento dos pactos
estabelecidos.
Com efeito.
A atualização das contas de poupança na competência de março de
1990 não recebeu tratamento uniforme. Ela se fez de modo diverso, em
função exclusiva de sua data-base. Explico.
A Medida Provisória nº 168, de 15.03.90, ao que interessa in casu,
estabeleceu:
“Art. 1º. Passa a denominar-se cruzeiro a moeda nacional, configurando a unidade
do sistema monetário brasileiro.
§ 1º Fica mantido o centavo para designar a centésima parte da nova moeda.
§ 2º O cruzeiro corresponde a um cruzado novo.
§ 3º As quantias em dinheiro serão escritas precedidas do símbolo Cr$.”
“Art. 6º. Os saldos cadernetas de poupança serão convertidos em cruzeiros na data
do próximo crédito de rendimento, segundo a paridade estabelecida no § 2º do artigo
1º, observado o limite de NCz$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzados novos).
§ 1º As quantias que excederem o limite fixado no caput deste artigo, serão convertidas a partir de 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais iguais e sucessivas.
§ 2º As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN Fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de
rendimentos e a data da conversão, acrescidos de juros equivalente a 6% (seis por
cento) ao ano ou fração pro rata.
...”
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“Art. 9º Serão transferidos ao Banco Central do Brasil os saldos em cruzados
novos não convertidos na forma dos artigos 5º, 6º e 7º, que serão mantidos em contas
individualizadas em nome de instituição financeira depositante.
§ 1º As instituições financeiras deverão manter cadastro dos ativos financeiros denominados em cruzados novos, individualizados em nome do titular de cada operação, o
qual deverá ser exibido à fiscalização do Banco Central do Brasil, sempre que exigido.
...”
Inicialmente, vale ressaltar que esse novel regramento não afetou as
contas de poupança a ele preexistentes, com data-base nos dias 1º a 13 do
mês de calendário, nos iguais dias do mês de março/90, os quais, bem se
vê, precederam a sua edição. Nessa ocasião, as contas não foram atingidas; tiveram regularmente atualizados os seus saldos na ordem de 72,78%,
correspondente à variação do IPC atribuída a esse mês (fevereiro/90).
Nos dias 14 a 18 de março – em relação aos três primeiros havendo
o Banco Central do Brasil determinado feriado (Circular nº 1.595/90)
e tendo recaído os dois últimos, respectivamente, em dias de sábado e
domingo –, não houve expediente bancário. Nesse período, pois, não se
realizou registro de qualquer operação bancária.
Retomadas as atividades bancárias na segunda-feira 19, já sob a égide
do malsinado novo plano econômico, aquelas contas preexistentes, com
data-base nos dias 1º a 13 do mês de calendário ficaram com os seus
saldos integrais, em cruzados novos (NCz$), engessados sob a igual
nomenclatura monetária. Permaneceram nessa situação, junto às próprias instituições bancárias captadoras, até a data do próximo crédito de
rendimentos, ou seja, nos dias 1º a 13 de abril/90, quando se lhes deu a
atualização monetária, sim, na proporção de 84,32% sobre a totalidade
do saldo aí verificado, correspondente à variação do IPC atribuído ao
mês de março/90.
Referentemente a todas as demais contas de poupança, com data-base
a partir do 14º até o último dia do mês de calendário, o aludido índice
atualizatório (84,32%) em nada incidiu. É que, nos remanescentes dias
do mês de março, a partir do 19º, enquanto as contas permaneceram junto
às próprias instituições captadoras, o primeiro crédito de rendimentos a
elas lançado fez-se em correspondência ao período que fora iniciado no
precedente mês de fevereiro/90, a partir do seu 14º dia. Assim, no mês
de março, o atualizatório foi aplicado na base de 72,78%, consoante a
variação do IPC atribuído à competência do anterior mês de fevereiro.
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Efetuado, então, o primeiro lançamento na vigência do plano econômico
introduzido, pelo índice de 72,78%, procedeu-se à conversão incontinenti
dos valores ao padrão cruzeiro (Cr$), até o limite de NCz$ 50.000,00
(cinqüenta mil cruzados novos), imediatamente posto à disposição dos
correspectivos titulares. As quantias em depósito excedentes ao indicado
limite, ex lege, foram transferidas ao Banco Central do Brasil - BACEN.
Desse concerto, e presentes as disposições transcritas, resulta o seguinte:
Primeiro – As instituições bancárias captadoras de contas de poupança
preexistentes ao plano econômico em comento, procederam à atualização monetária desses ativos financeiros, em relação à competência de
março/90, pelo índice de 84,32%, apenas e tão-somente no que tange
àquelas com data-base nos dias 1º a 13 do mês de calendário. Fizeram-no nos iguais dias do subseqüente mês de abril, em que se verificou a
primeira próxima data para creditamento, após a implantação do plano
econômico (art. 6º, caput).
Segundo – Concernente às demais contas de poupança, também preexistentes, as instituições captadoras não responderam pela mais mínima
atualização relativamente ao mês de março/90. A razão disso é evidente:
a primeira oportunidade havida para o creditamento de rendimentos, sob
o plano econômico implantado, referiu-se à competência do anterior mês
de fevereiro/90 (72,78%). Então, com o creditamento já feito, o numerário em conta, até o limite de NCz$ 50.000,00, foi convertido ao padrão
monetário cruzeiro (Cr$) e posto à disposição de seu dono; as quantias
excedentes foram transferidas ao BACEN, perante o qual permaneceram bloqueadas. Em nada influindo a destinação dada pelos titulares do
capital ao quantum que a si lhes foi permitido dispor, relativamente aos
demais, por ato de império, fato do príncipe, os contratos de depósito
em poupança, entre o poupador e o captador, de rigor, extinguiram-se. O
capital que a esses contratos se vinculava passou à constrição do Estado,
ao qual incumbiu proceder a sua atualização monetária – pela variação
do BTN Fiscal – e a sua remuneração, até convertê-lo à moeda nova e
a restituí-lo ao titular, restando aos originá­rios captadores apenas a manutenção dos respectivos cadastros financeiros (art. 9º, § 1º).
A assertiva supra encontra eco na melhor jurisprudência, sendo bastante exemplificativos os rr. precedentes:
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“Caderneta de poupança. Cruzados novos bloqueados. Correção monetária.
A instituição financeira depositária não responde por eventual diferença de correção monetária incidente sobre depósito de poupança em cruzados novos bloqueados,
pois, durante o bloqueio determinado pela Lei nº 8024/90, não subsistiu o vínculo
obrigacional, desde que perdeu, por ato de império, a disponibilidade dos saldos das
cadernetas de poupança, que foram compulsoriamente transferidos ao Banco Central
do Brasil, consoante o disposto no art. 9º do citado diploma legal.
Recurso conhecido e provido.” (REsp nº 46988-0/SP – 94.0011320-0 –, Rel. Ministro
Costa Leite, DJU-I 06.02.95, p. 1349) (destaquei)
­­­­­­­­­­­­“AÇÃO DE COBRANÇA. CADERNETA DE POUPANÇA. LEI Nº 8.024/90.
Em decorrência da transferência dos ativos financeiros para o Banco Central, imposta pela Lei nº 8.024/90, desapareceu o objeto do contrato de depósito por força do
ato de império, não se podendo exigir do depositário a atribuição de ressarcir qualquer
prejuízo do depositante.
Recurso conhecido e provido.” (REsp nº 40.568-8/São Paulo – (93.31382-7), Rel.
Ministro Claudio Santos, DJU-I 13.02.95, p. 2236) (destaquei)
Assim fixado no que tange à situação das contas de poupança preexistentes ao plano econômico de março de 1990, e apesar dele tendo a vida
continua­do, é oportuno considerar a respeito das relações constituídas ao
depois do vendaval. Refiro-me às contas de poupança sob a nova ordem
implantada, que ainda houveram por bem constituir os titulares de algum
dinheiro no padrão cruzeiro (Cr$) – seja aquele frutificado da conversão
do limite, posto ao seu livre dispor, seja qualquer outro que tivessem
consigo guardado, mesmo em cédulas e moedas de estampa antiga, cuja
circulação simultânea ao cruzeiro, e pela paridade estabelecida, a Medida
Provisória nº 168 prontamente garantiu (art. 2º, § 1º).
As aludidas contas, em relações novas estabelecidas a partir de 19
de março de 1990, ab initio, a partir do ato de sua contratação, tiveram
como indexador atualizatório a variação do BTN no módulo temporal
correspondente, parametrizado pelo valor básico único de Cr$ 41.734,00,
conforme fixado durante todo o mês de abril/90. A essas contas sequer
socorria invocar a aplicação da variação do IPC de março/90 (84,32%),
certo que aplicado mesmo não o foi.
No equacionamento assim formado, para produzir nos presentes autos,
dele qual é a conseqüência?
A alegação de que o agente financeiro do SFH, enquanto também
captador da poupança popular, tenha atualizado monetariamente os
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correspondentes ativos financeiros, em relação à competência do mês
de março/90, pela variação do IPC atribuída a esse mês, na ordem de
84,32%, consubstancia apenas uma meia-verdade. Disso, como visto, ele
somente tratou no que diz com as contas de poupança que já detinha, com
data-base nos dias 1º a 13 do mês de calendário. Relativamente às contas
com data-base a partir do 14º dia do mês de calendário, preexistentes à
Medida Provisória nº 168, o banco captador não cuidou de responder por
qualquer atualização. Fê-lo o BACEN, ao qual transferidos os saldos em
cruzados novos bloqueados, e o fez não com base na variação do IPC,
mas, sim, com base na variação do BTN Fiscal (art. 6º, § 2º).
No tocante às demais contas de poupança, assumidas por instituições
bancárias captadoras em relação formada ab ovo sob a égide do frustrado
plano econômico, com início a partir de 19.03.90, a atualização creditada
em abril, referentemente à competência do precedente mês de março,
foi realizada diretamente em função do BTN, consoante, para elas, era
a ordem de regência.
Logo, a pretensão do agente financeiro do SFH, posta no sentido de
proceder aos reajustes das prestações e saldos dos contratos de mútuo
financeiro para aquisição de casa própria em consonância com a variação do IPC de março/90, não cabe ser bem-vista senão apenas em parte.
Reconhece-se-a legítima, sim, estritamente no que refere aos contratos
firmados também nos dias 1º a 13 do mês de calendário. Isso porque o
indexador atualizatório das poupanças com iguais datas-base, que lhe
incumbiu aplicar, foi, de fato, a variação do IPC naquela competência.
Assim o explica, pela simetria objetiva, o fundamento da eqüitatividade.
Concernente aos contratos de financiamento submetidos ao SFH, firmados em data a partir do 14º dia do mês de calendário, por conseguinte,
não há lugar para a atualização de prestações e saldos em função da variação do IPC de 84,32%. Por esse indexador, os bancos captadores da
poupança, agentes do Sistema Financeiro da Habitação, não responderam
em hipótese alguma. Ipso facto, não lhes socorre aproveitá-lo. Para os
contratos de que se trata no momento, tal qual se deu aos balisadores
contratos de poupança, o indexador de atualização reside na variação
do BTN com termos referenciais residentes em seu valor de cada mês.
Contrario sensu, estar-se-ia a agasalhar situação de iniqüidade irrefragável, dela jorrando dinheiro aos cofres bancários sem que às instituições
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financeiras tenha sido carregado ônus de contrapartida, e isso, naturalmente, com violência grosseira contra o mutuário/poupador a quem se
espanca, no mútuo, com o IPC, em contraste com a proteção pífia que
se lhe oferece, na poupança de igual data, empregando o BTN.
À luz das considerações até aqui deduzidas, resta considerar a respeito
da cláusula contratual de início transcrita. Não se contesta a literalidade
de sua redação. Em sua letra, é estabelecido como coeficiente de atualização aquele mesmo apurado para o reajustamento dos depósitos de
poupança com aniversário no primeiro dia do mês, independentemente
da data prevista para o reajustamento do saldo devedor. Qual é, porém, o
real significado dessa disposição? Como se opera a aplicação do dispositivo clausular do contrato em concerto com o fundamento intrínseco e
indissociável da correção monetária, que informa a atualização de valores
de que se cuida, resguardando-se a vontade das partes contraentes e a
própria razão finalística da disposição?
Açodadamente, penso, quiçá uma só resposta serviria: não interessando saber se o contrato foi firmado em um dia 02, 07, 11, 18, 23 ou qualquer
outro do mês de calendário, o coeficiente de atualização aplicável será,
sempre, aquele apurado para reajustar os depósitos de poupança com
aniversário no primeiro dia do mês de calendário. Essa resposta, porém,
para atuar na equação sub examen, é desprovida de qualquer fundamento.
A explicação pertinente demanda considerações dilargadas.
Neste passo, não é demasia lembrar que o instituto da correção monetária labora ao propósito exclusivo de preservar a expressão financeira da
moeda, resguardando o seu valor intrínseco. Nada mais. Bem por isso, não
atua como qualquer acessório do haver/dever em pecúnia; consubstancia
o próprio nominal efeito da dinâmica da obrigação, mirada pelo ângulo
ativo ou pelo ângulo passivo, em sua essência, dessa sendo componente
estrutural inseparável.
Sob essa premissa necessária, deflui que o sistema da atualização
monetária é absolutamente imprestável para formar dentre os mecanismos destinados à produção do rendimento de capital, ou seja, para
implementar rubrica de ganho de capital. Da mesma maneira, o instituto
em comento, cujo uso não prescinde do fator da exatidão, não se presta,
e muito menos, para agir a modo de álea em favor de qualquer das partes
contraentes. A correção monetária não é elemento de uma competição
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entre partes reciprocamente obrigadas, com aptidão para servir ou para
desservir a elas conforme a sua sorte ou o seu azar. Tampouco o próprio
contrato de mútuo financeiro para aquisição de casa própria, abrigada
a habitação na programática constitucio­nal, é vocacionado para operar
com características de um jogo.
Atendendo-se a tais advertências, pois, é forte assentir que também
no contrato de empréstimo habitacional, máxime regido pelas normas do
SFH estipuladas através de política oficial, as disposições referentes ao
reajustamento de prestações e saldos devedores são informadas à finalidade única de fazer operar a atualização do valor da moeda. Não obstante
a complexidade do regramento que se estabelece – ao qual ao mutuário
apenas é dado aderir –, complexo sendo o mesmo contrato, a vontade
comum dos contraentes é endereçada a esse tão-só estrito objetivo: a
correção monetária de valores a partir de sua efetiva disponibilização
ao tomador do empréstimo, até a data em que esse deva restituí-los ao
mutuante, submetida ao cálculo periódico legal, sem jamais se dissociar
da realidade da translação do numerário emprestado.
O emprego da atualização monetária de valores em regime de economia estabilizada é reduzido. A periodicidade a que se submete o seu
manejo é dilargada no tempo. Na medida, porém, em que a economia
se agita, em movimento que traz consigo a efervescência da inflação,
o instituto reclama atuação mais freqüente, diminuindo-se o lapso
temporal ao seu chamamento.
Consabido, então, que a economia nacional, desde longa data, vinha convivendo com buliçoso e acelerado processo inflacionário, a
ele atados indexadores incindíveis antes ao ano, depois ao trimestre,
mais recentemente ao mês e por último, extremamente nervosos, ao
dia, compreende-se o trato específico dado à forma e ao momento da
aplicação dos reajustes de valores contratuais, tal como o estabelece o
contrato que ora se aprecia. Isso porque, a toda evidência, fazia-se necessário fixar maneira unificada ao propósito de viabilizar a operação dos
reajustes contabilmente e, em tempo, lançar os documentos de cobrança
pertinentes, eis que seria verdadeiramente impossível antever o exato
dimensionamento que viria a ser atribuído ao indexador no dia mesmo
do aniversário ou data-base da celebração do contrato, proceder-se aos
cálculos devidos, emitir bloquetos de pagamento e fazê-los chegar às
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mãos do mutuário para, a final, exigir o seu resgate no natural dia de
vencimento de cada prestação.
Destarte, a fixação da medida do indexador definido para a aplicação
dos reajustes dos valores contratuais dizendo com mútuos financeiros habitacionais – na generalidade, recaindo no índice atribuído ao primeiro
dia de cada mês –bem se compreendia; não gerava controvérsias maiores
enquanto era tomada na produção de mera compensação. Antecipada a
taxa do reajustamento ao tamanho do indexador aferido no primeiro
dia do mês, para cada prestação, o diferencial existente (entre o valor
do indexador no primeiro dia do mês e o valor no dia do vencimento da
prestação, sendo esse coincidente com o dia da data-base do contrato)
compensava-se na determinação da prestação subseqüente, e assim sucessivamente. Atuava, pois, o método, sob a sua conotação exclusivamente
operacional, sem malferir a sua finalidade essen­cial desde que a inflação
mesma revelava-se constante.
Mediante a drástica imposição do plano econômico de março de 1990,
entretanto, ex abrupto, ditou-se solução de continuidade no processo
inflacionário. Com a adveniência do plano gerou-se a perplexidade da
imprevisão. De aí, da literal observação daquele método, na competência
do mencionado mês, momento pontual de transição a que submetida a
economia nacional, resulta malferido o pressuposto imanente de todo
contrato, inserto na cláusula rebus sic stantibus, forçosamente ativa e
presente, ainda que não escrita.
Portanto, a equação nuclear da avença deve ser restabelecida aos seus
termos, para devolver-se às partes contraentes a posição de equilíbrio
conforme projetava-se no início da relação.
Para a consecução do imperativo, o método em questão deve ser
recolhido a sua tão-só finalidade operacional. Infactível a sua produção
compensatória e sendo induvidoso que ao método mesmo não se pode
atribuir função outra que não a de atender a essência a que se destina
– porquanto se assim não for, dela dissociado, estará a fraturá-la –, a
fortiori impende inativar, no que tange à competência de março/90, para
os contratos com aniversário ou data-base a partir do 14º dia do mês de
calendário, a cláusula que estabelece como coeficiente de atualização
do saldo devedor do mútuo habitacional o mesmo coeficiente apurado
para os depósitos de poupança com aniversário no primeiro dia do mês.
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Essa conclusão é irrefragável, como medida de direito e de justiça,
dando-se a ambos os contraentes exclusivamente aquilo a que fazem jus.
Ao revés, estar-se-ia contemplando iniqüidade em relação aos mutuários
que se encontram na explicitada situação, por um lado; por outro lado,
estar-se-ia a presentear aos mutuantes vantagem indevida, eticamente
reprochável. É o que se revelaria porque os agentes financeiros do SFH,
também enquanto captadores da poupança popular, estariam a auferir a
atualização de seus haveres pelo índice de 84,32% em todos os financiamentos prestados, quando em relação aos contratos de poupança preexistentes, com data-base a partir do 14º dia do mês de calendário, nenhuma
atualização cumpriram, e com relação aos poupadores então novos, a
eles responderam na proporção de índice menor. Uma tal conformação
estaria a gerar em favor do mutuante um ganho sem causa, afeiçoado ao
locupletamento ilícito, com o qual o direito pátrio não se compadece.
Assim, para os contratos de financiamento imobiliário regidos pelo
SFH, firmados a partir do 14º dia do mês de calendário, relativamente
à competência do mês de março/90, não se procede à atualização
de valores pela aplicação da variação do IPC na ordem de 84,32%.
Utiliza-se, aos fins, a indexação pela variação do BTN registrada entre
os meses de março (NCz$ 29,5399) e abril (Cr$ 41,7340) daquele ano,
como realmente aplicada para as contas de poupança com iguais datas-base, produzindo o índice de 41,28%.
In casu, tendo o contrato da parte-autora da ação data de assinatura em
30.10.87, a conclusão posta a ele é aplicável. Procede, pois, a pretensão
deduzida na exordial, importando a reforma da v. sentença recorrida.
Sucumbência
Modificada a solução da lide, inverte-se a responsabilidade pelos
ônus sucumbenciais.
Quanto aos honorários advocatícios, em que pese cabível, a princípio,
situá-los em proporção ao proveito econômico que resulta em favor da
parte vencedora da ação, com o que se dá compatível retribuição ao labor profissional de seu patrono, nos autos a pretensão tópica é balizada
por referencial menor, qual seja, o valor da causa (R$ 3.000,00 – aforada
a ação em julho/97), equivalente, cito-o para ilustrar, a vinte e cinco
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vezes o valor do salário mínimo então vigente. O cálculo sobre esse
valor resulta quantia mínima que, certamente, não atende os elementos
de aferição (CPC, art. 20, § 3º, alíneas) e não satisfaz a própria vocação
da verba. Sendo assim, presente o artigo 20, parágrafo 4º, do normativo
civil adjetivo, arbitro os honorários advocatícios em 20% sobre o valor
da causa, sujeito à atualização.
Ante o exposto
Dou provimento à apelação.
É como voto.
EMBARGOS INFRINGENTES EM AC
Nº 1999.04.01.121970-8/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti
Embargante: União Brasileira de Educação e Assistência Hospital São
Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Advogados: Drs. Rafael Nichele e outros
Embargante: Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Advogados: Drs. Cláudia Helena Schmitt Peres e outro
Embargada: Nilda Menezes Martins
Advogado: Dr. Ricardo Medina Dourado
EMENTA
Responsabilidade civil. Extração dentária. Infecção. Indenização por
danos morais. Inversão do ônus da prova. Inteligência do art. 6º, VIII,
do Código de Defesa do Consumidor. Embargos infringentes.
1. Na fixação da indenização por danos morais, o Juiz deve utilizar
de seu prudente arbítrio, fixando valor não tão vultoso que se traduza
em enriquecimento ilícito, nem tão pequeno que se torne irrisória a
condenação.
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2. Com o fito de arbitrar-se o valor da indenização a título de danos
morais, deve-se atentar para os seguintes critérios: a remuneração
da autora; suas condições de vida; a idade da vítima com o fito de
calcular-se o tempo em que a autora será privada de seu convívio; a
potencialidade financeira dos hospitais, os quais detêm significativo
patrimônio, sendo que dificilmente uma indenização por dano moral
causará impacto financeiro de grande monta.
3. Atinente ao Hospital São Lucas da PUCRS, verifica-se não se pode
estabelecer um nexo de causalidade entre a extração dentária e o evento
morte. Ocorre que houve um rompimento no seqüencial de tal liame, visto
que o procedimento de extração do siso se efetivou nas dependências do
HCPA, não havendo participação do HSL no ato causal.
4. Depreende-se que o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)
a título de indenização por danos morais foi arbitrado com inteligência
pela douta maioria e é suficiente para compensar e amenizar a perda de
uma filha.
5. É consabido que a inversão do ônus da prova não se efetiva de
modo instantâneo, sendo imprescindível a ordenação nesse sentido pelo
Juiz, forte no art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes do Hospital São Lucas
e negar provimento aos embargos infringentes do Hospital de Clínicas
de Porto Alegre, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de novembro de 2001.
Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de embargos
infringentes opostos contra acórdão proferido pela Terceira Turma deste
Tribunal que, por maioria, rejeitou a preliminar de nulidade e não conheceu do recurso do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA quanto
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à assistência judiciária; por maioria, deu parcial provimento ao recurso
do Hospital São Lucas da PUC/RS - HSL, vencida a Juíza Marga Barth
Tessler; por maioria, deu parcial provimento ao recurso do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre, vencida em parte a Juíza Marga Barth Tessler,
que dava provimento em maior extensão; e por maioria, deu provimento
ao recurso da autora, vencida a Juíza Marga Barth Tessler, que negava
provimento.
Nilda Menezes Martins ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra o Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA e
a União Brasileira de Educação e Assistência – Hospital São Lucas da
PUC/RS, em razão dos seguintes fatos (fl. 354):
“Diz a parte autora que, em 23.06.97, RITA ANGÉLICA MENEZES foi submetida
a uma cirurgia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre para a extração do dente do
siso, lá sendo atendida pelo odontólogo JÚLIO CÉSAR MACIEL. Tendo transcorrido
tranqüilamente o procedimento cirúrgico, a paciente retornou a sua casa, até que, em
26.06.97 passou a sofrer de dores e inchaço no rosto, com a presença de trismo. Retornando ao nosocômio onde fora realizada a extração dentária, foi atendida informalmente
por ONOFRE FRANCISCO DE QUADROS, que forneceu à mesma medicamentos a
base de penicilina. Persistindo o mal estar, a autora conduziu, àquela noite, sua filha ao
Hospital São Lucas da PUCRS. Nesse nosocômio, passou a ser atendida pelo médico
CLAUS DIETER STOBÄUS, que determinou a realização de exames. O resultado
do hemograma realizado indicou um quadro de infecção grave, tendo sido ministrada
nova droga antibiótica à paciente, orientando-a a retornar em 03 dias. Decorrido o
prazo apontado pelo médico, e não havendo melhora no quadro da vítima, esta retornou ao Hospital São Lucas da PUCRS, sendo internada. A partir de então, seguiu-se
uma série de procedimentos cirúrgicos para melhorar a condição da paciente. Não
obstante o atendimento que lhe foi ministrado, RITA ANGÉLICA MENEZES faleceu
em 10.07.97, sendo atestada a causa da morte como falência de múltiplos sistemas,
mediastinite, septicemia, abcesso dentário pós-extração.”
Postula a autora: a) a condenação dos réus ao pagamento de R$
300.000,00 (trezentos mil reais) a título de reparação por danos morais;
b) o ressarcimento pelos prejuízos patrimoniais causados à autora, considerando os valores despendidos com alimentação, educação e manutenção de sua filha, calculados até a data do ilícito; c) o ressarcimento
dos gastos com funeral e medicamentos; d) indenização pelo prejuízo
sofrido ante o desaparecimento da contribuição permanente da finada às
despesas domésticas; e e) indenização pelo desaparecimento da plausível
existência que teria de sua filha na velhice.
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Com a inicial, foram juntados documentos atinentes à ficha de triagem e atendimento odontológico no HCPA; documentos referentes à
internação no HSL, tais como, o boletim de atendimento, folha de consultoria, prescrições médicas, folhas de controle de sinais vitais, exames
laboratoriais; e laudo de exumação do cadáver, expedido pelo Instituto
Médico Legal.
Realizada prova oral, consubstanciada em depoimento pessoal da autora e inquirição de testemunhas (odontólogos e médicos que prestaram
assistência a Rita Menezes).
A MM. Juíza de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação,
condenando o HCPA e o HSL, solidariamente, ao pagamento:
“1) do valor relativo às despesas havidas em razão do óbito da filha da autora, a
título de ressarcimento por danos materiais, de acordo com o item a, ‘Da indenização’,
atualizado monetariamente e com juros de mora nos termos fixados na sentença; 2)
do valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a título de danos morais, atualizado
monetariamente e com juros de mora nos termos fixados na sentença; 3) de pensão
vitalícia à parte autora, correspondente a 6 (seis) salários mínimos, a serem prestados
mensalmente à parte autora, até que venha a falecer, devidos conjuntamente pelo HCPA
e Hospital São Lucas, à razão de 3 (três) salários mínimos para cada réu”. (fl. 364)
Parte da fundamentação do decisum consiste no que segue:
“Após, no dia 26 de junho, ou seja três dias depois, a testemunha Onofre constatou
a existência de trismo e um abcesso com pus na região em que fora realizada a segunda
extração dentária.
Tal denota que a infecção ocasionou-se a partir do procedimento da segunda extração
de siso, realizado junto ao réu HCPA. O laudo de exumação do cadáver da falecida
– Rita Angélica Menezes – cuja cópia resta anexada ao feito a fls. 285-287, atesta,
quanto à causa da morte, que : ‘a revisão do prontuário permite concluir que o óbito
foi decorrência de um quadro séptico, com origem em foco dentário’. Logo, conclui
que a causa da morte deu-se por infecção originada no local em que fora realizada a
extração dentária.
...
As provas até então produzidas demonstram que a infecção que causou a morte da
filha da autora, pouco importa que seja infecção hospitalar ou tenha outra designação,
foi contraída no HCPA em razão de realização do procedimento da segunda extração
dentária na falecida filha da autora, sendo caso evidente de aplicação da teoria da
responsabilidade objetiva, sobre a qual discorreu-se retro, verificando-se o dever de
indenizar por parte do HCPA.
No que concerne à responsabilidade do Hospital São Lucas pelo falecimento da filha
da autora, temos que, segundo o depoimento da testemunha – Claus Dieter Stobäus – fls.
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325-326, o primeiro atendimento à falecida filha da autora foi em um plantão à noite,
tendo aquela relatado que havia sido atendida no HCPA e que havia extraído um dente,
sendo que naquela tarde havia sido atendida no HCPA e iniciada com antibióticos.
Disse que a queixa da paciente era de que não conseguia abrir a boca direito. Estava
com febre e dor. O depoente diz que a teria medicado, aumentando a dose de antibióticos, solicitou um hemograma e deixou o paciente aguardando o resultado do exame.
Após, ela e a mãe receberam orientação de que retornassem para outro atendimento,
caso precisassem. Aduz que a medicação foi ministrada após o resultado do exame
e que a paciente não teria sido internada porque o quadro clínico predominava sobre
o laboratorial. Pelo quadro clínico, não teria um volume muito grande, ela conseguia
abrir a boca, o problema era a dor, havia iniciado com antibiótico à tarde e o antibiótico
deveria fazer efeito”.
Irresignado, apela o HSL, sustentando que não há falar em nexo de
causalidade entre o atendimento prestado e o evento morte, uma vez
que não resta comprovado que se a filha da autora fosse internada na
primeira consulta não se efetivaria o óbito. Alega que os procedimentos
observaram os mandamentos médicos conforme literatura científica
especializada, sendo reputada correta a prescrição de antibióticos no
primeiro atendimento (26.06.97) e no decorrer da internação. Aduz que
o valor arbitrado atinente aos danos morais foi excessivo. Acrescenta que
a pensão estabelecida é indevida, já que houve ofensa ao disposto no art.
460 do Código de Processo Civil e constitui bis in idem, em razão da
condenação a título de danos morais fixada em R$ 50.000,00 (cinqüenta
mil reais). Postula a redução da pensão e que o termo final fosse estabelecido quando a filha da autora completasse 25 (vinte e cinco) anos.
Requer, outrossim, o reconhecimento da sucumbência recíproca, com
fulcro no art. 21 do Código de Processo Civil.
Por seu turno, interpõe recurso de apelação o HCPA, argüindo, em
preliminar, a nulidade da sentença, em razão de não haver a Magistrada
sentenciante se manifestado acerca dos documentos juntados quando
do oferecimento da contestação, cujo teor consiste acerca da tese de
inexistência de infecção hospitalar. No mérito, alega que não se trata na
espécie de hipótese de responsabilidade objetiva por infecção hospitalar, argumentando que esta não se efetivou, tendo em vista que a filha
da autora não foi internada, havendo permanecido em sua residência; e
que o HCPA possui Comissão de Controle de Infecção, que fiscaliza a
manutenção de índices de infecção toleráveis. Propugna contra a pensão
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fixada e a concessão de assistência judiciária gratuita.
Por derradeiro, apela a autora, postulando a elevação da importância
arbitrada a título de danos morais em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais)
para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
O acórdão embargado reformou em parte a decisão do MM. Juízo a
quo no sentido de dar parcial provimento aos recursos do Hospital São
Lucas - HSL e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA para excluir da condenação a pensão fixada e deu parcial provimento ao recurso
da autora a fim de elevar o montante devido a título de danos morais de R$
50.000,00 (cinqüenta mil reais) para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Inconformados com a referida decisão, dela interpõem embargos infringentes o HSL e o HCPA, pretendendo a prevalência do voto vencido
da ilustre Juíza Marga Barth Tessler, que entende que deve ser mantida
a sentença, na qual restou fixada a indenização por danos morais em R$
50.000,00 (cinqüenta mil reais) à autora, e que seja excluída a responsabilidade do HSL.
Aduz o HSL que, em face dos elementos constantes no feito, é impossível se estabelecer um nexo de causalidade entre o primeiro atendimento médico prestado no HSL no dia 26.06.97 e o falecimento da
filha da autora. Aponta que foi correta a conduta adotada no primeiro
atendimento, como salientado no voto vencido.
Assevera, ainda, que, em nenhum momento, o Dr. Claus Dieter Stobäus, médico que atendeu a paciente em 26.06.97, comunicou que o
diagnóstico realizado em tal data exigia a internação hospitalar. Acrescenta que os profissionais da saúde que foram inquiridos em juízo em
nenhum momento afirmaram que a internação hospitalar, quando do
primeiro atendimento, elidiria o evento morte.
Coloca que, consoante o voto vencido, o Dr. Claus, infectologista,
entendeu não proceder à baixa da paciente, no primeiro atendimento,
porquanto considerou que a mesma “havia sido medicada aproximadamente quatro horas antes, em face do atendimento no HCPA; ser jovem
e o bom estado geral da paciente; ter realizado procedimento cirúrgico
semelhante em data próxima (30 dias)”. (fl. 465)
Alega que o quadro clínico da paciente era bom, não se fazendo mister
a internação hospitalar somente para a ingestão da medicação prescrita.
O HCPA, em suas razões, sustenta que “Na fundamentação do voto
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divergente, a d. magistrada destaca com maestria a questão relativa à
inversão do ônus da prova e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas ações fundadas em alegação de erro médico”. (fl. 484)
Alegou, outrossim, que:
“Mas, mesmo com a exumação, poderia ser feita a prova de que a filha da autora
não contraiu infecção hospitalar na sede do HCPA se seu falecimento de seu (sic) após
ela ter estado vários dias em sua residência e internada em outro hospital?... Pode-se ter
como certo que a infecção que vitimou a filha da autora teve origem no procedimento
a que esteve submetida na sede do HCPA se após o ato foi para sua residência? Como
saber se a filha da autora praticou em sua residência os atos de higiene necessários a
todo e qualquer pós-operatório, muito principalmente se a ferida operatória situa-se
na boca que é um grande foco de bactérias?...”. (fl. 485)
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Analisando-se o feito,
infere-se que o cerne da divergência reside no quantum do ressarcimento
fixado a título de danos morais e quanto à configuração da responsabilidade do Hospital São Lucas da PUC/RS.
A indenização por danos morais arbitrada na sentença em R$
50.000,00 (cinqüenta mil reais) foi elevada para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), prevalecendo nesta Corte o voto do eminente Relator do
apelo, Juiz Roger Raupp Rios. O voto vencido da lavra da ilustre Juíza
Marga Barth Tessler foi no sentido de dar parcial provimento ao apelo
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA a fim de reduzir o valor
da pensão fixada à autora até o seu falecimento de seis para um salário
mínimo, em razão de que a autora deixou de comprovar o exercício de
atividade laborativa remuneratória pela sua filha. O mesmo voto deu
provimento ao apelo do Hospital São Lucas, reconhecendo a exclusão
de sua responsabilidade e negou provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, a qual pleiteava a elevação do valor da indenização
arbitrado a título de danos morais.
Em verdade, o maior problema da reparabilidade do dano moral
traduz-se na quantificação do valor econômico a ser restituído à vítima.
Como calcular exatamente o devido montante a ser pago à autora por
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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haver perdido sua filha? Tal bem da vida constitui um bem incorpóreo, o
qual não se afere monetariamente. Nesses casos, o Juiz deve utilizar-se
de seu prudente arbítrio, fixando valor não tão vultoso que se traduza
em enriquecimento ilícito, nem tão pequeno que se torne irrisória a
condenação.
De outra banda, insta consignar que a indenização ao dano moral
possui duplo caráter: o expiatório e o pedagógico.
O expiatório traduz-se na punição ao infrator em decorrência da ofensa
ao bem jurídico. A indenização consiste em satisfazer o ofendido pelo
dano sofrido.
Por seu turno, o caráter pedagógico consiste no sentido de que a
indenização deve ser considerada como um meio de coibir reiteradas
práticas que atacam os bens da vida tutelados. Para atingir tal escopo,
faz-se mister que a indenização seja significativa para repercutir no
patrimônio do ofensor.
Destarte, depreende-se que o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais) a título de indenização por danos morais foi arbitrado com inteligência pelo Juiz Roger Raupp Rios e é suficiente para compensar e
amenizar a perda de uma filha.
A importância de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) tem sido limítrofe por esta Corte para os casos de ressarcimento por danos morais
para situações como abalo ao crédito, à honra e à imagem; a vida é bem
maior, demanda maior quantificação, cuja extinção causa intensa dor,
situação na qual o decorrer do tempo pouco amenizará o imenso pesar.
A morte de um filho constitui situação que avilta o sentimento de qualquer pessoa, atingindo diretamente o psiquismo, o que se verifica na
espécie, tendo em vista que a autora vive sob o efeito de medicamentos
e tratamento psiquiátrico, encontrando-se em licença para tratamento
de saúde. Por isso, urge-se arbitrar um montante considerável ao menos
para amparar a dor que assola os familiares supérstites. Rita Angélica
Menezes faleceu aos 21 (vinte e um) anos, possuía boa saúde e um futuro
promissor, habitava a mesma residência com sua mãe, o que autoriza a
crer que a mesma sofre intensamente a privação permanente de sua filha
de seu convívio diário. Ademais, impende ressaltar que a vítima, como
referido acima, era saudável, vindo a falecer após complicações de um
procedimento simples e corriqueiro que é a extração dentária.
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Inobstante seja cediço de que o dano moral prescinda de prova, com
o fito de arbitrar-se o valor da indenização a título de danos morais,
deve-se atentar para os seguintes critérios: a remuneração da autora;
suas condições de vida; a idade da vítima com o fito de calcular-se o
tempo em que a autora será privada de seu convívio; a potencialidade
financeira dos hospitais, os quais detêm significativo patrimônio, sendo
que dificilmente uma indenização por dano moral causará impacto financeiro de grande monta.
Vislumbra-se na espécie que tais fatores foram devidamente
aquilatados, o que se permitiu chegar ao montante de R$ 200.000,00
(duzentos mil reais).
Concernente à responsabilidade solidária do HCPA e do HSL reconhecida na sentença e mantida no acórdão embargado é que eu ouso divergir,
acompanhando o brilhante voto da lavra da Juíza Marga Barth Tessler,
o qual excluiu a imputação de responsabilidade do HSL.
Compulsando os autos, chega-se à ilação de que atinente ao HSL não
se pode estabelecer um nexo de causalidade entre a extração dentária
e o evento morte. Ocorre que houve um rompimento no seqüencial de
tal liame, visto que o procedimento de extração do siso se efetivou nas
dependências do HCPA, não havendo participação do HSL no ato causal. O nexo causal verifica-se em uma seqüencial de atos, traduzindo-se
em concausas que conduzem ao evento danoso. Trata-se de um linha
seqüencial que se protrai no tempo e que, caso sofra solução de continuidade, provoca uma ruptura, desfazendo-se tal nexo causal. Como muito
bem ponderado pela Juíza Marga Barth Tessler, não se pode ter ilações
revestidas de “pode ser”, ou é ou não é, houve ou não houve nexo de
causalidade entre o ato omissivo ou comissivo e o evento danoso.
A douta maioria votante inferiu que houve a configuração de culpa, na
forma de negligência por parte do HSL, já que o médico plantonista na
emergência do SUS desse nosocômio atendeu Rita Angélica Menezes,
a qual se encontrava com dor e febre, na noite de 26.06.97, ocasião em
que a medicou e solicitou um hemograma, cujo resultado foi aguardado
pela paciente, enquanto era observada pelo plantão, deixando o médico
de proceder à baixa hospitalar da filha da autora.
Sobre a definição da culpa, impende trazer à colação a lição de Plácido e Silva, oriunda de sua obra Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro:
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Editora Forense, 1997, p. 233-234:
“Culpa é compreendida como a falta cometida contra o dever, por ação ou omissão,
procedida de ignorância ou de negligência... Na culpa não há a positiva intenção de
causar o dano; há simplesmente a falta ou inobservância do dever que é imposto ao
agente... A culpa aquiliana ou culpa extracontratual, entende-se a falta ou violação de
dever, fundado num princípio geral de Direito que manda respeitar a pessoa e os bens
alheios. É assim a que se funda na imperícia, na imprudência, na falta de cuidado, na
falta de diligência, na desatenção ou em qualquer outro fato que, por inadvertência do
agente, possa causar lesão a direito alheio”.
Em consonância com tal definição, depreende-se que as condutas do
HSL e de seu preposto não foram revestidas de culpa, pelos motivos
que passo a expor.
Quando inquerido em juízo, o aludido médico plantonista Claus Dieter
Stobäus aduziu que (fl. 325):
“Que no 1º atendimento foi num plantão à noite, tendo a vítima relatado que havia sido atendida no HCPA e que havia extraído um dente, e que naquela tarde tinha
sido atendida no HCPA e iniciada com antibióticos. Pelo que se lembra a queixa da
paciente era a de que não conseguia abrir a boca direito, estava com febre e com dor.
O depoente medicou-a, aumentando a dose do antibiótico e solicitou um hemograma e
deixou-a aguardando o resultado do exame. Após, ela e a mãe receberam a orientação
de que retornassem para um outro atendimento, se precisassem, e o depoente deu-lhe
os seus dias de plantão. Refere que retornaram no domingo, no plantão do depoente.
O depoen­te afirma que a medicação foi ministrada após o resultado do exame, sendo
que a medicação para a dor foi prescrita pelo depoente antes do resultado exame. O
depoen­te não se recorda exatamente o teor do exame, mas o resultado era no sentido de
infecção. Não teria sido internada, porque quadro clínico predomina sobre o quadro do
laboratório; pelo quadro clínico, que era de que não havia um volume muito grande,
ela conseguia abrir a boca, o problema era a dor; havia iniciado com antibiótico a
tarde, e o antibiótico deveria fazer efeito, tanto que ela só retornou após 3 dias”. (grifei)
De acordo com a moderna orientação médica, o HSL e o seu preposto
agiram corretamente em proceder à internação da filha da autora quando
do segundo atendimento, uma vez que é cediço que cada vez mais a internação hospitalar tão-somente se efetiva em casos realmente necessários,
quando o diagnóstico e o estado físico do paciente são congruentes num
mesmo sentido, demandando maiores cuidados, sendo que a adoção de
tal conduta deve-se precipuamente em razão da escassez de leitos e do
risco de infecção hospitalar. Na espécie, o bom quadro clínico da paciente prevaleceu sobre o exame laboratorial, visto que Rita era jovem;
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detinha boa saúde, não obstante ter apresentado dor e febre; havia sido
submetida a procedimento cirúrgico simples e na tarde daquele primeiro
atendimento (26.06.97) foi medicada com penicilina no HCPA.
Não se vislumbra no caso em testilha que houve negligência por parte
do referido profissional de saúde, tendo em vista que solicitou a realização de hemograma, o qual apontou a presença de infecção, o que deu
azo ao plantonista de proceder ao reforço da dosagem de antibióticos,
administrando penicilina endovenosa, de ação imediata, mais penicilina
procaína, a qual eleva a efetividade por mais 12 (doze) horas e mais
penicilina benzatina, cuja manutenção se protrai por mais 3 (três) dias.
Depreende-se, portanto, que o médico empenhou-se com acerto para o
restabelecimento da saúde da pacien­te e, consoante a douta assertiva
presente no sufrágio minoritário:
“O que mais poderia fazer? Nada, era aguardar a reação própria do organismo. O
problema deveria, como costuma acontecer, ser resolvido em três dias. Veja-se um aspecto muito importante que certifica a qualidade do atendimento: tanto este atendimento
foi considerado bom e adequado que a autora não aceitou a ponderação do médico de
retornar ao HCPA” (fl. 453).
Atinente ao segundo atendimento (29.06.97), constata-se que a filha
da autora foi internada, porquanto o quadro clínico não era bom, não
obstante inexistisse dor e febre, tendo em vista que a infecção ainda se
fazia presente. Em tal ocasião, a paciente foi examinada por um médico
especialista em bucofacial. A partir de tal data até 10.07.97 – dia de seu
falecimento -, Rita foi medicada e assistida por uma equipe de médicos
intensivistas, conforme vasta documentação carreada aos autos, o que
autoriza a inferir que, de modo algum, se efetivou a ocorrência de negligência, imperícia ou imprudência. Em verdade, o que se verifica no
caso em tela é que no HSL foram tratadas as conseqüências do ato causal
(extração dentária), sendo que o HCPA é quem responde objetivamente pelo evento danoso, uma vez que em suas dependências ocorreu o
procedimento cirúrgico. A responsabilidade objetiva constata-se por ser
inerente nos meios hospitalares o risco de infecção no âmbito de suas
dependências. Ademais, a mera presença de Comissão de Controle de
Infecção, que fiscaliza a manutenção de índices de infecção toleráveis
no âmbito do HCPA, não constitui óbice para a ocorrência de infecções
hospitalares, o que enseja a conseqüente e eventual responsabilização.
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As provas contidas nos autos não são uníssonas para demonstrar a
responsabilidade que foi imputada ao Hospital São Lucas da PUCRS.
Com muita propriedade a eminente Juíza prolatora do sufrágio minoritário analisou a questão do ônus da prova ao depreender que se aplicam
aos hospitais os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Um
dos tópicos aventados pela douta maioria votante foi no sentido de que
se fazia mister a realização de perícia e que esta não foi requerida pelos
hospitais. Ocorre que o Magistrado é quem preside o feito e entendendo
pela necessidade da produção de prova técnica, deveria requisitá-la, com
fulcro no art. 130 do Código de Processo Civil.
Nesse sentido:
“Determinação de perícia pelo juiz. Convencendo-se o magistrado da necessidade da
prova pericial para a formação de sua convicção pessoal acerca da lide, deve determinar
de ofício sua realização, não podendo a parte reputá-la desnecessária, limitando o poder
instrutório do juiz. (2º TACivSP, 4ª Câm., EDcl 486052, rel. Juiz Antonio Vilenilson,
j. 22.1.98, BolAASP 2079 – 6, supl.)
(...)
Iniciativa probatória do juiz. O juiz pode assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é
certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. Tem o julgador
iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como,
por exemplo, quando esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível
(ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em
estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou
sociocultural entre as partes”. (STJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RT 729/155)
(Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em
Vigor: atualizado até 22.02.2001/ Nelson Nery Junior, Rosa Maria Andrade Nery. – 5ª
ed. rev. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 585-6)
Ademais, é consabido que a inversão do ônus da prova não se efetiva
de modo instantâneo, sendo imprescindível a ordenação nesse sentido
pelo Juiz, forte no art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90.
No que tange, assim, às razões do recurso interposto pelo HCPA, infiro
que mesmo entendendo que o ônus da prova cabe à autora consoante o
voto vencido, verifico que resta comprovada a responsabilidade objetiva
do aludido nosocômio quanto à extração dentária e a conseqüente infecção, negando provimento aos seus embargos infringentes.
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Destarte, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre deverá arcar com o
pagamento da importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título
de indenização por danos morais.
Quanto aos ônus sucumbenciais, mantenho parcialmente a forma
de fixação pela maioria votante, ou seja, arbitrando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação por indenização em
decorrência de danos morais que serão suportados pelas partes, e entre
elas compensados, na seguinte proporção: 60% devido à parte-autora e
40% devido ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Considerando o elevado valor atribuído à causa, condeno a parte-autora, a título de honorários advocatícios, ao pagamento de 5% do
valor da condenação ao Hospital São Lucas da PUC/RS – HSL. Suspensa
referida exigibilidade, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50.
Em face do exposto, dou provimento aos embargos infringentes do
Hospital São Lucas da PUC/RS e nego provimento aos embargos infringentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.087762-9/RS
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler
Apelante: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT
Advogado: Dr. Edson Antonio Pizzatto Rodrigues
Apelante: Paulo Rogério Meira
Advogados: Dr. Nelson Mohr
Dr. Vítor Alceu dos Santos
Apelados: (Os mesmos)
EMENTA
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Responsabilidade civil. Indenização por danos morais e pessoais.
Acidente em serviço de empreitada. Contribuinte individual. Inexistência
de vínculo laboral. Remanescente dever de indenizar se ausente culpa
exclusiva da vítima. Teoria do risco criado.
1. Quem presta serviço de pequena empreitada, de natureza urbana
ou rural, em caráter autônomo, enquadra-se na categoria de contribuinte individual, de acordo com o art. 12 da Lei 8.212/91 e art. 11
da Lei 8.213/91.
2. No caso destes contratos, a responsabilidade pelo recolhimento
das respectivas contribuições previdenciárias é única e exclusivamente
do empreiteiro, não sendo possível atribuir ao contratante tal obrigação.
3. A ausência de vínculo entre o autônomo e a previdência social
decorre somente do não-pagamento das respectivas contribuições, por
quem de direito, in casu, o autor.
4. Remanesce, todavia, o dever de indenizar, se ausente culpa exclusiva
da vítima, por qualquer motivo esta sofra danos materiais, pessoais ou
morais, nas dependências da empresa-ré, por objeto a esta pertencente,
como neste caso, de acordo com a teoria “do risco criado”.
5. Improvidos os recursos, mantida a sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, voto e notas
taqui­gráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de fevereiro de 2002.
Des. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de apelações
da parte-autora e parte-ré, inconformadas com a sentença prolatada em
ação indenizatória por danos pessoais e morais proposta pelo primeiro
contra a EBCT, em face de ter sofrido, em razão de contratação de serviço de limpeza em regime de empreitada nas dependências da Ré, lesão
corporal de natureza acidentária de graves conseqüências.
Processo de relativa dificuldade instrutória em face de ter tramitado
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em Passo Fundo e residirem, parte-autora e testemunhas noutra comarca,
ini­cialmente proposta perante a Justiça do Trabalho em 1994, depois
perante a Estadual, que declinou da competência para esta Especializada.
Produzidas provas pericial e testemunhal, concluiu o magistrado
sentenciante pela parcial procedência do pedido, acolhendo a preliminar
de ilegitimidade passiva ad causam no tocante aos itens “a”, “b”, “c” e
“d”, por terem natureza previdenciária acidentária que deveriam, fosse
o caso, ser dirigidos ao Órgão Previdenciário, e não à ré, rejeitando
as demais preliminares argüidas, reconheceu a culpa in eligendo e in
vigilando por ter deixado de recolher a contribuição previdenciária do
autor, condenando a Ré ao pagamento à parte-autora, a título de danos
morais na importância de R$ 7.000,00 (sete mil reais), mais o pagamento a título de dano patrimonial, das despesas pretéritas, atuais e futuras
experimentadas por ela, honorários periciais e advocatícios fixados em
10% sobre o valor da condenação.
Em apelação, a Ré renova os argumentos já trazidos em contestação
de que é improcedente a ação em razão de não ter havido relação laboral
entre ela e a parte-autora, pela natureza jurídica da que houve, se houve,
à luz das legislações trabalhista e previdenciária; que contratara, sim,
os serviços de outro trabalhador, o Sr. Neuclésio, e para ele pagou por
serviço autônomo de empreitada a limpeza lá efetuada, não tendo nada
a ver com a terceirização do serviço feito por ele, contratando o autor
ou mais alguém.
A parte-autora, por sua vez, requer o reconhecimento da legitimidade
rejeitada no tocante ao auxílio-acidente, haja vista que deixará de receber
tais verbas diante da omissão da Recorrida; majoração do valor atribuído
ao dano moral e alteração do percentual arbitrado para os honorários,
de 10% para 20%.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Marga Barth Tessler: O apelante teria
sofrido um acidente ao trabalhar juntamente com terceira pessoa, em
uma limpeza no pátio da apelada. Move a ação, pois a apelada não teria
recolhido as contribuições devidas à Previdência Social e, assim, não
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129
conseguiu atendimento e cobertura securitárias.
Inicialmente, a natureza da lide requer um exame da relação de causalidade, supedâneo das ações indenizatórias, insculpido no art. 159
do Código Civil, não sem antes, também, reexaminar os fundamentos
legais da sentença recorrida, normas de natureza previdenciária e, por
conseqüência, com conexões trabalhistas.
Logrou o magistrado a quo reconhecer a responsabilidade da Ré, pelo
infortúnio sofrido pelo Autor, nas modalidades de culpa in vigilando e in
eligendo, pois concluiu que a natureza do trabalho prestado pelo Autor é
a do “trabalhador avulso”, a despeito da inexistência do vínculo empregatício entre o Autor e a Ré, competindo a esta, então, a obrigação não-cumprida de recolher as respectivas verbas de contribuição, de acordo
com o que dispõe o art. 30, I, a, da Lei 8.212/91, que em não o fazendo,
assumiu o risco pelas conseqüências do evento.
Data venia, laborou em equívoco o magistrado, pois diferentemente
da conclusão que chegou, penso não tratar-se de trabalho de natureza
“avulsa”, e, sim, “autônoma”, em razão do que dispõem as próprias leis
invocadas, a 8.212 e 8.213, de 1991, bem como o Decreto 611/92, o
Regulamento da Previdência Social vigente na época.
Com efeito, a Lei 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio e dá outras providências,
faz distinção bastante entre as diversas naturezas de segurados, em
seu art. 12.
Diz que são segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes
pessoas físicas:
“I - como empregado:
omissis
V - como contribuinte individual:
omissis
g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou
mais empresas, sem relação de emprego;
h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza
urbana, com fins lucrativos ou não;
VI - como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo
empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no Regulamento.”(grifei)
A Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previ130
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dência e dá outras providências, de 24 de julho de 1991, em seu art. 11,
também repete quem são os segurados obrigatórios, verbis:
“I - como empregado:
omissis
V - como contribuinte individual:
omissis
g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma
ou mais empresas, sem relação de emprego;
h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza
urbana, com fins lucrativos ou não;
VI - como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo
empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no Regu­lamen­to.”(grifei)
Por ocasião do evento que vitimou o autor, vigia o Decreto 611 de
julho de 1992, que distinguia mais ainda o contribuinte individual ou
autônomo, do trabalhador avulso, em seu art. 6º, verbis:
“I - como empregado:
omissis
IV - como trabalhador autônomo:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma
ou mais empresas, sem relação de emprego;
b) aquele que exerce, por conta própria, atividade econômica remunerada de natureza
urbana, com fins lucrativos ou não;
c) são trabalhadores autônomos, dentre outros:
omissis
VI - como trabalhador avulso - aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço
de natureza urbana ou rural, sem vínculo empregatício, a diversas empresas, com a
inte­rme­diação obrigatória do sindicato da categoria, assim considerados:
a) o estivador, inclusive o trabalhador de estiva em carvão e minério;
b) o trabalhador em alvarenga;
c) o conferente de carga e descarga;
d) o consertador de carga e descarga;
e) o vigia portuário;
f) o amarrador de embarcação;
g) o trabalhador de capatazia;
i) o arrumador;
j) o ensacador de café, cacau, sal e similares;
l) o trabalhador na indústria de extração de sal;
m) o carregador de bagagem em portos;
n) o prático de barra em portos;
o) o guindasteiro;
p) o classificador, o movimentador e o empacotador de mercadoria;
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131
q) outros assim classificados pelo Ministério do Trabalho e da Administração MTA.” (grifei)
A referida Lei 8.212, em seu art. 28, individualiza o que seja o
salário-de-contribuição de cada categoria de contribuinte, que deve ser
entendido como:
“I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou
mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos...
II - para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho
e Previdência Social...
III - para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado
o limite máximo a que se refere o § 5º;” (grifei)
E o art. 30 da mesma lei diz das normas sobre a arrecadação e o
recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à
Seguridade Social, verbis:
“I - a empresa é obrigada a:
a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos
a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração;
omissis
II - os segurados, contribuintes individual e facultativo estão obrigados a recolher sua contribuição por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da
competência;” (grifei)
De sorte que, delineada analiticamente a diferença entre trabalhador
avulso e trabalhador autônomo, vê-se que o autor, se fosse o caso, não
estaria ao abrigo do melhor direito, haja vista que se de trabalhador autônomo se tratasse, era dele a obrigação de estar em dia com a Previdência,
recolhendo regularmente sua contribuição mensal, e não da Ré.
Examinando a cópia do documento juntado na fl. 254, em papel timbrado da Ré, trata-se de um “recibo de pagamento de autônomo”, pelo
qual o Sr. Neuclécio Shmayer, testemunha ouvida nos autos, recebeu pela
prestação do serviço nos dias 06 a 08 de novembro de 1991, firmado e
reconhecido pela testemunha, de acordo com o que disse no depoimento prestado em abril de 1994, perante a Justiça do Trabalho (fl. 251) e
também perante o juízo deprecado, fl. 249 v. em outubro de 1999, fato
não impugnado pelas partes.
Verifica-se que transitou em julgado a decisão da Egrégia Justiça
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do Trabalho que deixou de reconhecer o vínculo trabalhista com a
EBCT, pois o autor foi contratado pelo empreiteiro contratado pela
citada empresa (fls. 12 a 16).
O certo é que o autor lesionou-se no pátio da EBCT, manuseando os
próprios da empresa, lixo, detritos, árvores e entulho, onde se feriu, causa
dos prejuízos que sofreu e pretende ora recompor. Ora, o proprietário é
responsável pelos danos ocasionados pelos objetos de sua propriedade,
mesmo inservíveis, desimportando saber o vínculo que liga a vítima ao
proprietário do objeto ou da coisa. A empresa EBCT tem responsabilidade
civil e social para com as pessoas que trabalham em suas dependências,
mesmo eventualmente, aplicando-se ao caso a teoria do risco criado,
uma das modalidades da teoria publicística do risco administrativo, não
provadas causas excludentes. Na inaplicabilidade desta teoria, resta intacta a responsabilidade do proprietário, ex vi do disposto nos arts. 159,
1.529 e ainda o 1.538 do Código Civil, para a hipótese de ser necessária
fundamentação sustentada na teoria privatista da culpa, verificando-se
a propósito, Gustavo Tependino, Temas do Direito Civil, Renovar, fls.
173 e seg.
Isso posto, mantenho a sentença negando provimento aos apelos.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.132370-0/SC
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Apelante: Isaac Lobato Filho
Advogados: Drs. João José Mauricio D’Avila e outro
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Apelado: Município de Florianópolis
Advogado: Dr. Luiz Nestor Ferreira
Apelada: União Federal
Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva
EMENTA
Administrativo. Ação civil pública. Dano ao meio ambiente decorrente
de obra. Responsabilidade civil. Aterramento.
1. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva pois independe
da perquirição de culpa do agente. A Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei nº 6.938/81) dispõe, em seu artigo 14, §1º, que o poluidor é
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar
danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.
2. Hipótese em que os fatos que ensejaram a dedução em juízo da
presente pretensão ressarcitória restaram sobejamente comprovados no
decorrer da instrução processual, evidencia o crescimento progressivo
da interferência causadora do dano ambiental.
3. Apelação parcialmente provida para condenar o réu a reparar o
dano na forma constante dos itens a e c da inicial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de setembro de 2001.
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: O
Município de Florianópolis propôs a presente ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente contra Isaac Lobato
Filho e sua mulher, tendo por fundamento de fato, a alegação de que o
réu, possuidor de um terreno situado na Praia dos Ingleses/SC, na margem esquerda do Rio Capivari, na altura da ponte da Rua das Gaivotas,
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nele teria praticado “atividades degenerativas da qualidade ambiental”,
violadoras da legislação urbanística e protetiva do meio ambiente.
Regulamente citado, o réu contestou o feito. A requerimento do autor,
foi realizada prova pericial, consubstanciada no laudo de fls.77/100, sobre
o qual se manifestaram as partes.
Realizada a audiência de instrução e julgamento com a oitiva de testemunhas arroladas pelas partes, seguiu-se a apresentação de memoriais.
A sentença, proferida por juízo estadual, julgou improcedente a ação
civil proposta. O autor apresentou recurso de apelação, tendo o Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina anulado a sentença e determinado
a remessa dos autos à Justiça Federal.
A União, intimada a se manifestar no feito, apresentou as petições
acostadas às fls. 251, 254, 263, 265, 290 e 291.
Não havendo provas a produzir, sobreveio a sentença que julgou
procedente o pedido e condenou o réu ao pagamento do valor de R$
300.000,00 (trezentos mil reais), acrescido de honorários advocatícios de
R$ 30.000,00 (trinta mil reais), bem como do valor relativo às despesas
com perícia realizada.
Inconformado, apelou o réu Isaac Lobato Filho. Argumentou, em suas
razões recursais, que o laudo pericial reconheceu que dos atos imputados
ao réu não decorreu qualquer prejuízo ao leito ou ao curso do referido rio.
Aduz que, em nenhum momento, o laudo pericial afirmou o necessário
nexo de causalidade entre a conduta do apelante e o suposto prejuízo
ao ecossistema, razão por que nenhuma responsabilidade indenizatória
pode ser-lhe atribuída. E, mesmo que se admita a existência de nexo de
causalidade, nenhuma razão haveria para a condenação do apelante ao
pagamento de valor desarrazoado, fixado sem prévio procedimento de
liquidação por arbitramento e em completa desproporção para com a
gravidade do pretenso prejuízo ambiental.
Referiu que, do parecer técnico, pode-se concluir, desde logo, que
dano ambiental algum ocorreu na espécie ou, se ocorreu, não foi conseqüência da conduta do recorrente, mas de seus sucessores no imóvel,
que edificaram um prédio de grandes proporções sobre o terreno, com
autorização prévia do Município.
Aduziu, ainda, que é indispensável a realização de perícia para a fiR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
135
xação da quantia devida a título de dano, seja pela grande dificuldade de
se estipular o justo valor sem a realização dela, seja pela ilegitimidade
do fundamento adotado na sentença hostilizada, para determinar a elevada quantia como penalidade, pois, em verdade, ao fixá-la, louvou-se
o MM. Juiz em critério meramente subjetivo. Requereu o provimento
do recurso para:
a) reformar a sentença com o reconhecimento da inocorrência de
dano ambiental e/ou inexistência de nexo de causalidade entre a conduta
do apelante e os supostos prejuízos ao ecossistema, com o conseqüente
afastamento da responsabilidade do recorrente pela indenização e verbas
sucumbenciais;
b) ou, para que seja anulada a sentença na parte em que arbitrou a
verba indenizatória, sem prévio procedimento de liquidação, em desrespeito ao Princípio do Contraditório que, após o trânsito em julgado
da decisão, caso seja condenado o apelante, seja realizada a liquidação
da indenização por arbitramento, com plena garantia do contraditório e
da ampla defesa.
Regularmente intimados, o Município de Florianópolis e a União
Federal apresentaram contra-razões ao recurso.
Nesta instância, o Agente do Ministério Público Federal exarou parecer
opinando pelo parcial provimento do recurso para o fim de se ajustar a
condenação ao pedido constante da inicial.
É o relatório. À revisão.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Nos autos
da ação civil pública em tela, intentada pelo Município de Florianópolis/
SC, imputa-se aos réus a prática de dano ambiental, suscetível de responsabilização civil, pelo fato de terem iniciado processo de aterramento de
área localizada na Praia de Ingleses, até próximo da praia e para dentro
do leito do rio Capivari, modificando sua largura, o contorno de sua
margem e provocando o seu assoreamento. A teor da inicial, o procedimento acarretou o aplainamento de cômoros de dunas fixas, a retirada
da vegetação ali existente e o depósito de pedras, nos limites da área
com o rio, impedindo o livre acesso à praia, em afronta às disposições
da legislação urbanística e de proteção ao meio ambiente.
136
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
A sentença julgou procedente o pedido e condenou o réu ao pagamento
do valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) com vistas à recomposição
ambiental da área pública de preservação permanente.
Daí a irresignação dos recorrentes.
A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva pois independe
da perquirição de culpa do agente. A Lei de Política Nacional do Meio
Ambien­te (Lei nº 6.938/81) dispõe em seu artigo 14, §1º, que o poluidor
é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua
atividade.
Segundo o escólio de Édis Milaré,
“a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, independendo, portanto, de
conduta culposa do agressor, circunstância que melhor atende aos anseios da comunidade
no direito de fruir de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado”. (RT 623/31)
Discorrendo sobre o tema, Rui Stoco (in Responsabilidade Civil e sua
Interpretação Jurisprudencial, 4ª edição, p.453) traz à baila as seguintes
considerações doutrinárias:
“Paulo Affonso Leme Machado defende, em relação à responsabilidade de quem
por ação ou omissão, agride o meio ambiente, tese radical: mesmo na hipótese de o
dano resultar de caso fortuito ou de força maior, como um acontecimento da natureza,
permanece ou sobrevive a responsabilidade do indigitado infrator, pois a simples ‘atividade’ imporia o dever de indenizar.
Apóia sua convicção no ensinamento de Nelson Nery Junior expendida no 1º Seminário de Direito Ecológico da Fronteira Oeste-RS. Segundo o referido autor, cabe à
demandante provar apenas três requisitos para o êxito da ação de reparação: identificação
da pessoa agressora do meio ambiente, prejuízo e nexo causal entre a ação ou omissão
poluidora e o prejuízo ocorrido (p.47-48).”
Com efeito, os fatos que ensejaram a dedução em juízo da presente
pretensão ressarcitória restaram sobejamente comprovados no decorrer
da instrução processual.
O cotejo das fotografias acostadas aos autos às fls.23 e 24 (datadas
de 25 de agosto de 1987), 80,87,94,95 e 98 (datadas de 18 de setembro
de 1990) e 232 a 236 (datadas de 23 de julho de 1995), evidencia o
crescimento progressivo da interferência causadora do dano ambiental.
Não há que se falar, aqui, em ausência de nexo de causalidade. É que
o liame entre a conduta do recorrente e o evento danoso exsurge de forma
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
137
cristalina da análise dos elementos encartados nos autos.
Sobre as alterações ocasionadas no local, a perícia levada a efeito por
expert, encartada às fls. 89/101 dos presentes autos, contém as seguintes
considerações:
“a. Aterramento de parte da margem direita, num total de 72,00m (setenta e dois
metros) de comprimento, partindo da Rua das Gaivotas em direção a praia, com conseqüente destruição da vegetação natural. A margem direta, no trecho aterrado, além
do aterramento foi parcialmente enrocada com pedras de médio porte.
b. Aterramento de parte da margem esquerda, num total de 82,35m (oitenta e dois
metros e trinta e cinco centímetros) de comprimento, partindo da Rua das Gaivotas
em direção à praia, com conseqüente destruição da vegetação natural. A margem esquerda, no trecho aterrado, além do aterramento foi totalmente enrocada com pedras
de médio porte.
c. Confecção de uma ponte de madeira com 9,50m de comprimento e 3,90m de
largura, na intersecção do Rio Capivari com a Rua das Gaivotas, a 88,00m da praia
dos Ingleses. A construção da referida ponte, com largura inferior a largura do leito,
causou estrangulamento e diminuição da seção transversal do Rio Capivari. Em função do estrangulamento criado pela ponte, as seções próximas a mesma, no sentido da
nascente, sofreram aumentos de dimensões causados pelas águas represadas.”
Ao contrário do alegado pelo recorrente, relativamente à ausência de
prova dos danos, tem-se que o laudo pericial é conclusivo no sentido
de que as características originais da margem do rio foram alteradas
(fl. 96), restaram danificadas as formas de vida que ali se reproduziam
– desaparecimento da espécie denominada Macrobrachium acanthurus
(camarão da água doce) – (fls. 14 e 96/97), além da destruição da vegetação existente no local (fl. 96).
A necessidade de proteção de áreas – como a que ora se trata – mereceu
especial atenção do legislador que não descurou em atribuir às faixas
marginais dos cursos d’água, a condição de preservação permanente,
conforme se extrai da Lei nº 4.771, de 1965, que instituiu o Código
Florestal, em seu artigo 2º, letra a, nestes termos:
“Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as
florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em
faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de
largura;
2 - de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50
138
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
(cinqüenta) metros de largura;
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200
(duzentos) metros de largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos)
a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura supe­rior
a 600 (seiscentos) metros;”
Igualmente vislumbra-se, no caso, ofensa à legislação municipal
que rege a matéria. É que o Município de Florianópolis, valendo-se da
competência conferida pela Constituição Federal para legislar supletivamente sobre a proteção ao meio ambiente, editou a Lei nº 2.193/85, que
assim dispõe sobre zoneamento, uso e ocupação do solo dos balneários:
“Art. 121 – A faixa de 15 (quinze) metros nas margens dos rios flutuáveis ou
navegáveis, e ao longo de quaisquer águas correntes ou dormentes, destina-se à defesa contra a erosão e a garantir o perfeito escoamento das águas pluviais das bacias
hidrográficas, sendo nelas proibida a supressão de quaisquer formas de vegetação, a
implantação de edificações, a realização de aterros e o depósito de resíduos sólidos.
§ 1º - As margens dos rios navegáveis ou flutuáveis são de uso público e destinam-se ao trânsito dos agentes da administração para o serviço de desobstrução e limpeza
das águas e para outras obras e serviços públicos, bem como à livre circulação e passagem do povo, no interesse da pesca, na navegação e recreação, sendo vedada nelas
a construção de muros ou cercas de qualquer espécie.
§ 2º - Nos parcelamentos do solo a faixa de 15 (quinze) metros non edificandi de
cada lado das águas correntes e dormentes não poderá ser incluída nos lotes a serem
vendidos, destinando-se à formação de parques lineares cuja superfície poderá ser
computada até a metade do percentual de áreas verdes de uso público.
§ 3º - Os proprietários das margens de águas correntes ou dormentes somente
poderão vedar os respectivos terrenos com cercas vivas que tenham a altura máxima
de 1 (um) metro.”
Diante de tais considerações, inelutável é a conclusão que a sentença
deu à espécie o tratamento preciso ao reconhecer a procedência do pedido
veiculado na inicial.
De outra banda, assiste razão aos recorrentes no que concerne à insurgência quanto à condenação imposta pelo julgador monocrático, mais
precisamente no que tange aos valores arbitrados no decisum.
Segundo a mais abalizada orientação doutrinária e jurisprudencial
sobre o tema, a reparação do dano ambiental pode se dar através da restauração do que foi poluído, destruído ou degradado ou a indenização
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
139
dos prejuízos reais ou legalmente presumidos.
O pedido formulado na inicial consiste na condenação do requerido a:
a) retirar todo o aterro, inclusive as pedras, depositado no seu imóvel,
numa faixa de 15 metros contados do ponto em que se situava a margem
do rio antes da realização do aterro, para que permaneça dita faixa livre
e desimpedida, e para que voltando o rio ao seu leito normal, seja propiciado o crescimento da vegetação ciliar, bem como afastado o risco
de ocorrência de alagamentos no local e impedido o fluxo de resíduos
sólidos diversos para dentro das águas do mar.
b) repor ao statu quo ante os cômoros de dunas aplainados,
c) numa faixa de 50 metros, perpendicularmente ao leito do rio e em
toda a extensão do seu terreno, rearborizar o imóvel com as espécies
vegetais comuns da região.
Requereu o autor que, na hipótese de condenação nos termos do
pedido antecedente e, diante da impossibilidade de realização pessoal
da atividade devida, a condenação do réu a pagar o valor necessário e
suficiente (apurado mediante prova pericial) para que terceiros o façam.
Merece reparos, portanto, a sentença monocrática que restou por satisfazer diretamente o pedido subsidiário, fixando a condenação em R$
300.000,00 (trezentos mil reais) sem que para tanto tenha sido realizado
qualquer arbitramento.
Por ser impossível a reposição dos cômoros, uma vez que a Prefeitura
licenciou obra no local em que estavam localizados, indefiro o pedido
constante da letra b da inicial.
O parecer exarado pelo Agente do Ministério Público Federal que atua
junto a esta instância propõe com extrema propriedade que
“necessário se faz a modificação da sentença, no ponto referido, para compatibilizar a
condenação ao pedido inicial, de tal modo a satisfazer o pedido com vistas à reposição
da situação anterior, com garantia de astreinte, além de prever sua realização às custas
do réu no caso de não cumprimento espontâneo do comando principal do dispositivo.”
Nestes termos, dou parcial provimento ao recurso para que o requerido seja condenado à satisfação dos pedidos constantes nos itens a e c
da inicial, conforme acima explicitado, no prazo de 90 dias a contar da
intimação da presente decisão, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00
(um mil reais).
É como voto.
140
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.70.00.001433-5/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann
Apelante: Florisvaldo Fier
Advogado: Dr. Carlos Bernardo Carvalho de Albuquerque
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Ricardo Marcelo Fonseca
Remetente: Juízo Substituto da 6ª Vara Federal de Curitiba/PR
EMENTA
Concurso público. Critérios subjetivos. Moralidade administrativa.
Ação popular. Cabimento.
O Texto Constitucional, no art. 5º, inc. LXXIII, diz que qualquer
cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico
e cultural.
Se a Parte-Autora entende violado o princípio da moralidade administrativa no processo de seleção promovido pelo INSS para o cargo de
Gerente-Fiscal do INSS, em razão da inclusão de perguntas que violam
a intimidade e a vida privada dos candidatos, correto que se utilize do
meio processual da ação popular para impugnar o ato administrativo
que entende viciado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para cassar a sentença, prejudicado
o exame dos demais itens do apelo, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de outubro de 2001.
Des. Federal Edgard Lippmann, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: Trata-se de ação popular, com pedido de liminar, contra ato ilegal e lesivo ao patrimônio
141
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
público perpetrado pelo INSS, proposta com o objetivo de suspender
imediatamente os efeitos jurídicos do processo de seleção para o cargo
de Gerente-Executivo do INSS, de modo a prevenir a continuidade do
processo, à medida que o critério subjetivo utilizado mostra-se gravoso
à cidadania e atentatório aos princípios da legalidade, moralidade e
probidade administrativa.
Segundo o Regulamento e o Edital de Convocação, a avaliação subjetiva levaria em conta critérios de idoneidade moral e profissional dos
candidatos, realizada por intermédio de entrevistas, a serem realizadas
por uma equipe de profissionais integrantes de consultoria externa, oportunidade em que seriam aplicados testes psicológicos. Todavia, sustenta
a Parte-Autora que o critério subjetivo extrapolou todos os critérios aceitáveis para esse tipo de exame, adentrando em aspectos da vida pessoal
dos candidatos protegidos por lei, em evidente afronta à intimidade e à
vida privada dos candidatos, além de permitir discriminações políticas.
Alega por fim a ilegalidade do procedimento, porquanto em flagrante
desacordo com o disposto no art. 5º, III, VIII, X e XIII, bem ainda o
art. 37, todos da CF-88, além de ser lesivo à moralidade administrativa,
à medida que desconsidera valores éticos e morais dos servidores e da
própria administração pública.
Requer a procedência da ação popular para efeito de decretar a nulidade do processo seletivo, bem ainda a condenação dos envolvidos
a indenizar os prejuízos causados ao erário público, a condenação dos
envolvidos por ato de improbidade administrativa, além da intimação
do MP para apuração de responsabilidade criminal.
Indeferida a medida liminar. A sentença é pela extinção do processo
sem julgamento de mérito por impropriedade do meio processual eleito.
Recorre a Parte-Autora, repisando os argumentos postos à inicial,
sustentando ainda a adequação do meio processual utilizado, pois cabível
a utilização tanto da ação popular como da ação civil pública nas hipóteses de violação à moralidade administrativa, como no caso concreto.
Após as contra-razões e com parecer do Ministério Público Federal
pelo provimento da apelação, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
142
VOTO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann: A questão posta em
debate cinge-se na possibilidade ou não de utilização da ação popular
como remédio processual para anular processo seletivo interno, destinado
ao provimento de cargo de Gerente-Executivo do INSS, em razão dos
critérios subjetivos de avaliação utilizados pela autarquia na seleção, que,
segundo a Parte-Autora, violam o princípio da moralidade administrativa,
à medida que afrontam a intimidade e a vida privada dos candidatos.
Não-obstante os fundamentos lançados na sentença, peço vênia para
discordar do entendimento do MM. Juízo a quo.
A moralidade administrativa, antes princípio geral de direito, passa
a ser um preceito definido no Texto Constitucional, que consagra, no
art. 37, além deste, também os da legalidade, da impessoalidade e da
publicidade, como princípios regentes da administração pública, os quais
devem ser necessariamente obedecidos quando do exercício da atividade
administrativa. A violação de qualquer destes implicará a busca do remédio próprio tendente a sanar a patologia que tenha causado na sociedade.
O Texto Constitucional, no art. 5º, inc. LXXIII, diz que qualquer cidadão
é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do
ônus da sucumbência. O art. 1º da Lei nº 4.717/65, que trata da Ação
Popular, diz que qualquer cidadão possui legitimidade para pleitear a
anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da
União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades
autárquicas, entre outros.
Em relação ao princípio da moralidade administrativa, Celso Antônio
Bandeira de Mello, na obra Curso de Direito Administrativo, 10ª edição,
entende que,
“De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade
de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando
ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu
foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição.”
Nessa linha, segundo o constitucionalista Jose Afonso da Silva, na
obra Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª edição, Ed. Malheiros, a expressão moralidade administrativa deve ser interpretada em seu
143
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
sentido mais amplo, consoante se verifica da transcrição abaixo:
“A moralidade é definida como um dos princípios da Administração Pública (art. 37).
Já discutimos o tema quando tratamos da ação popular, e vimos que a Constituição quer
que a imoralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato viciado. A idéia
subjacente ao princípio é a de que a moralidade administrativa não é moralidade comum,
mas moralidade jurídica. Essa consideração não significa necessariamente que o ato legal
seja honesto. Significa, como disse Hauriou, que a moralidade administrativa consiste no
conjunto de ‘regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração.’ (...) A moralidade administrativa e assim também a probidade são tuteladas pela ação popular que
já estudamos, de modo a elevar a imoralidade a causa de invalidade do ato administrativo,
como vimos.”
Se a Parte-Autora entende violado o princípio da moralidade administrativa no processo de seleção promovido pelo INSS para o cargo de
Gerente-Fiscal do INSS, em razão da inclusão de perguntas que violam
a intimidade e a vida privada dos candidatos, correto que utilize, como
meio proces­sual, a ação popular para impugnar o ato administrativo que
entende viciado, consoante art. 5º, inc. LXXIII, da CF/88.
Portanto, plenamente possível o cabimento de ação popular a quem
pretender anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente
e ao patrimônio histórico e cultural.
Oportuno elencar jurisprudência desta Corte para corroborar o entendimento supra:
“MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. INFORMAÇÕES SOBRE O
LICITANTE VENCEDOR SOLICITADA POR OUTRO LICITANTE. RECUSA.
ILEGALIDADE. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE.
1. O princípio da publicidade impõe a obrigatoriedade de publicação dos principais
atos e instrumentos do procedimento, inclusive a motivação das decisões, possibilitando o conhecimento dos interessados e de todos os cidadãos. Cuida-se de oferecer
transparência ao procedimento licitatório, onde é vedado o sigilo, exceto quanto ao
conteúdo das propostas, até que, com a devida publicidade, ocorra o devassamento.
Por meio da publicidade geral, almeja-se oportunizar a todo cidadão o conhecimento
dos atos praticados na licitação, a fim de que possa fiscalizar e impugnar eventuais
irregularidades ou ilegalidades. A publicidade específica, voltada para os interessados
partícipes do certame, é indispensável para viabilizar o exercício da defesa legal ou
constitucionalidade de seus direitos. A Constituição e a lei ordinária, com vistas à
maior democratização da atividade ADMINISTRATIVA, oferecem a qualquer cidadão
o direito de fiscalizar e agir contra irregularidades cometidas. Na Constituição Federal,
o art. 5º, LXXIII, atribui legitimidade a qualquer cidadão para a propositura de AÇÃO
144
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
POPULAR contra ato lesivo ao patrimônio público ou à MORALIDADE ADMINISTRATIVA; o art. 74, Par-2º, legitima também qualquer cidadão para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Na Lei nº 8.666/93, art.41,
Par-1º, encontra-se disposição que atribui a qualquer cidadão o direito de impugnar o
instrumento convocatório da licitação. 2. Apelação improvida. (AMS 94.04.49558-1/
RS, DJ de 30.06.99, pág. 760, Rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz )
Ementa CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. DEFESA DE INTERESSES
SUBJETIVOS DO AUTOR. CARÊNCIA.
1. O objeto da demanda POPULAR consiste na invocação da atividade jurisdicional,
para o fim de obter uma sentença constitutiva negativa que invalide atos, públicos ou
privados, lesivos ao patrimônio ou a moralidade das entidades, pessoas ou instituições
sujeitas ao controle judiciário mediante demanda POPULAR.
2. Na AÇÃO POPULAR o prejuízo deve atingir o patrimônio público ou a moralidade administrativa e não direitos individuais subjetivos.
3. Carece da AÇÃO POPULAR o autor que pretender por meio dela defender seus
interesses subjetivos.” (AC 96.04.61552-1, UF: RS, DJ de 09.07.97, pág. 52755, RTRF
Vol. 00029, p. 000078, Rel. Juíza Luiza Dias Cassales)
Considerando ser a ação popular o meio adequado para anular o ato
lesivo em questão (processo seletivo), dou provimento à apelação para
cassar a sentença, determinando a remessa dos autos à Vara de Origem
para apreciação do mérito da pretensão. Prejudicado o exame dos demais
itens do apelo.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.032582-0/RS
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Apelante: União Federal
Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams
Apelante: Rosita Walter Rocha
Advogado: Dr. Ivan Castro de Souza
Apelada: Edite Terezinha Busanello da Cunha
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145
Advogado: Dr. Augustinho Alberico Peccinin
Remetente: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Santa Maria/RS
EMENTA
Direito Administrativo. Pensão por morte de militar. Filha de criação.
Equiparação à filha adotiva. Impossibilidade.
A condição de filho não admite elastério. A filha de criação ou agregada
não pode ser equiparada a “filhos de qualquer condição”. Caso em que
a autora, maior e casada, pretende dividir com a companheira a pensão
por morte. Apelação da União e da litisconsorte julgadas procedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de agosto de 2001.
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Edite
Terezinha Busanello da Cunha ajuizou a presente ação que chamou de
“declaratória de equiparação de filha de criação à filha adotiva” para
garantir direito à pensão militar. Relatou ter promovido justificação judicial para provar a condição de filha de criação de Armando Marques
da Rocha, capitão reformado, falecido em 17 de dezembro de 1992, na
condição de viúvo, e que a pretensão de receber a pensão foi indeferida
pelo Ministério do Exército ao argumento de que não estava relacionada na Declaração de Beneficiário. Alegou que a única diferença entre a
situação de filha adotiva e de filha de criação é a formalização do ato de
adoção. Disse que o falecido militar e a esposa lhe dispensaram cuidados
de filha até a data de seu casamento e que o contido na justificação judicial
comprova tal condição (fls. 2/8). Juntou a Justificação. (fls. 10/78)
Citada, a União contestou, sustentando que a Justificação Judicial,
embora homologada pelo Judiciário, não examina o mérito da questão
não criando direitos. Sustentou que não há no direito pátrio o instituto
146
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
do “filho de criação” , não tendo tal condição sido contemplada na atual
Constituição. Ressaltou que a Declaração de Beneficiários é documento
hábil para que seja conferida pensão a quem não é beneficiário legítimo e
que o falecido militar não pretendeu concedê-lo à autora. Noticiou que o
benefício vem sendo concedido à companheira do de cujus. (fls. 83/86)
O MM. Juiz a quo determinou a citação de Rosita Walter da Rocha
como litisconsorte necessária e esta, citada, contestou, alegando preliminarmente impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, fez ver que
seu companheiro não indicou a autora na Declaração de Beneficiários e
que a Autora casou-se aos dezoito anos de idade não comprovando ter,
até esta data, sido criada como filha legítima. Não foi juntada cópia da
declaração de imposto de renda, percepção de salário-família ou indicação da autora como herdeira. Afirmou que Armando doou para os filhos
um imóvel e não incluiu a autora nesta doação. O fato de o falecido e
a esposa terem comparecido ao casamento da autora, na condição de
testemunhas, não leva à conclusão que a autora pretende. É relevante o
fato de nenhum dos pretensos irmãos terem sido arrolados como testemunhas. Por fim, aduziu que a Súmula nº 116 do Tribunal de Contas admite
a instituição de filha de criação como beneficiária, desde que não haja
outros herdeiros e que tal consolidação vise apenas a proteger menores
desamparados, o que não é o caso, pois a Autora é maior e casada com
coronel do exército. (fls. 96/101)
Encerrada a instrução, apresentados memoriais, sobreveio sentença
afastando a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido ao fundamento
de que a questão se confunde com o mérito e julgando a ação procedente
pois, apesar de não haver previsão legal, há a possibilidade jurídica em
razão da Súmula do Tribunal de Contas que admite a equiparação da
filha de criação à filha adotiva. No caso, embora a prova documental não
comprove à saciedade a relação filial, os depoimentos afirmam que havia
relação de dependência até a data do casamento da autora, fazendo esta
jus à metade da pensão. (fls. 189/192)
A União apelou, alegando que as condições da ação devem ser apreciadas preliminarmente e, no caso, a autora é carecedora de ação. Sustentou que as provas colhidas não comprovam as alegações da autora,
não ficando demonstrada a relação de filha, tendo a testemunha José
Haidar Farret afirmado que a autora passou a residir com a família do
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
147
militar quanto tinha entre treze e dezesseis anos e contraiu matrimônio
com dezoito anos de idade. Ressaltou que, nem mesmo para fins de
assistência médica, a autora foi designada dependente. Ressaltou que o
Supremo Tribunal Federal tomou posição no sentido de que a Súmula do
Tribunal de Contas não vincula o órgão que concedeu aposentadoria e
que a Súmula visou a proteger menor desamparado. (fls. 193/199)
Rosita Walter da Rocha apelou, sustentando que o ordenamento
jurídico não equipara o filho de criação ao filho adotivo e que a autora
não comprovou nem mesmo a condição de filha de criação, pois não
constou seu nome no anúncio de falecimento ao lado dos filhos nem no
colégio constava o nome de seu companheiro como pai. Ressaltou que
não é o caso de aplicação do contido na Súmula nº 116 do Tribunal de
Contas porque esta visou a proteger menores desamparados e a autora
possui padrão de vida elevado e é maior. Afirmou que sua condição
de companheira lhe dá direito ao benefício. Argumentou no sentido de
que o depoimento do filho do de cujus só visou a prejudicá-la e, bem
por isso, foi prestado sem compromisso. (fls. 207/219)
Em contra-razões, a Autora pediu fosse apreciado o agravo retido
contra a decisão que indeferiu a contradita da testemunha Eloísa
Antunes Maciel em razão da quebra da incomunicabilidade e citou
jurisprudência no sentido de que faz jus ao benefício. Ressaltou que a
prova é sólida no sentido de que é filha de criação do capitão Armando
e de sua esposa. Alegou que o nome da companheira não constou do
convite fúnebre e que o seu estava englobado na palavra “família” e
que a União não será condenada a dispensar mais verbas. Nos seus
dizeres, a pensão é uma espécie de herança e que deve, por justiça,
ficar com ela, e não com a companheira. (fls. 231/233)
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: O
agravo retido referente ao compromisso da testemunha Cláudio Marques
da Rocha não é de ser conhecido porque não foi reiterado nas contra-razões, condição sem a qual, nos termos do artigo 523, parágrafo único,
do CPC, não pode ser conhecido. O agravo retido que atacou o indeferimento de contradita da testemunha Eloísa Antunes Maciel, embora
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reiterado em contra-razões, deve ser improvido, pois a alegação de que
a litisconsorte se comunicou com a testemunha não foi feita na ocasião
em que ocorreram os depoimentos. Embora presentes o advogado e a
autora, na ocasião, nada alegaram. O procurador da autora teve a palavra
e questionou a testemunha. (fl. 148)
A simples ausência de previsão expressa em lei não torna impossível
o pedido. Na lição de Egas Dirceu Moniz de Aragão, a
“possibilidade jurídica, portanto, não deve ser conceituada, como se tem feito, com
vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável
em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma
previsão que o torne inviável. Se a lei contiver tal veto, será caso de impossibilidade
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Branca
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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
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151
Branca
152
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RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO
Nº 2000.04.01.056425-1/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas
Recorrente: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Recorridos: M. F. J.
C. A. J. C.
J. C. R. D.
EMENTA
Penal. Processo Penal. Recurso em sentido estrito. Conflito de competência. Art. 109, IV, CF/88. Interesse da União existente. Falsificação
de documento. Apresentação perante funcionário público federal. Competência da Justiça Federal.
1- Compete à Justiça Federal processar e julgar crime praticado por
despachante aduaneiro que apresenta à Receita Federal guias de recolhimento de ICMS de mercadorias importadas falsas, porque tal ação
atenta contra serviços da União Federal.
2- Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unaniR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
153
midade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2001.
Des. Federal Vladimir Freitas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: O Ministério Público
Federal ofereceu denúncia em desfavor de M. F. J., C. A. J. C. e J. C. R.
D., por haverem incorrido nas sanções previstas pelo art. 1º, inc. I, III e
IV, da Lei 8.137/90, c/c o art. 29 do Código Penal.
Após o recebimento da peça vestibular, por vislumbrar inútil a realização da atividade jurisdicional, o juiz a quem cabia apreciar o feito
entendeu por bem declinar a competência para o processamento do processo para a Justiça Estadual, sob o fundamento de que a não houve lesão
à União a firmar a competência da Justiça Federal, mas tão-somente das
empresas prejudicadas pelos despachantes aduaneiros, ora Recorrentes,
do que resultaria a ilegitimidade do órgão ministerial federal, declarando,
por conseguinte, a nulidade da presente ação penal.
Contra essa decisão, o parquet interpôs recurso em sentido estrito. Nas
suas razões, aduz que houve crime em detrimento de serviço exclusivo
da União, bem assim contra interesse desse ente, já que há intenção de
impedir o locupletamento de verbas a quem não prestou serviço federal;
salienta o ferimento ao art. 109, inciso I, da Magna Carta, pois que os
despachantes aduaneiros são equiparados a funcionários públicos federais e, por derradeiro, alega que a declaração falsa foi prestada perante
autoridades fazendárias, razões suficientes a atrair a competência para
a Justiça Federal.
A douta Procuradoria Regional da República, oficiando no feito,
manifestou-se pelo provimento do recurso. (fls. 599/602)
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de denúncia
oferecida em desfavor de M. F. J., C. A. J. C. e J. C. R. D., imputando-os como incursos nas sanções do delito sufragado nos arts. 1º, incisos
II, III e IV, da Lei 8.137/90, e 29 do Código Penal Brasileiro. Aos réus,
154
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despachantes aduaneiros, imputou-se a prática de falsificação das guias
de recolhimento de tributos (ICMS) de mercadorias importadas pelas
empresas comer­ciais que estavam a representar, utilizando tais guias
para o desembaraço adua­nei­ro perante a Delegacia da Receita Federal.
O processamento do feito restou declinado sob o fundamento de
que a exação supostamente praticada pelos réus teria por destinação os
Estados da federação, não a União. Ademais, entendeu o juízo a quo
que mesmo os estados não figurariam como sujeitos passivos do ilícito
penal em tela, mas apenas as empresas importadoras representadas pelos
despachantes, ora réus, em decorrência da culpa in eligendo dessas. Por
não entender configurada lesão à União Federal, concluiu pela ilegitimidade do Ministério Público Federal para oficiar no feito, bem assim
declarou a nulidade da ação penal.
O processo sub judice guarda similitude com o discutido em outro
em que também foi interposto recurso em sentido estrito, tombado sob
o nº 1999.71.03.001510-8/RS, que, igualmente, discute a competência
da Justiça Federal quando da prática desse mesmo crime. Entretanto, no
presente feito, a discutida adulteração das guias ter-se-ia dado no mês
de setembro de 1997, ao passo que, naquele processo, entre os meses de
maio e agosto de 1997.
O recurso em sentido estrito interposto contra as decisões judiciais
merece acolhimento.
De fato, vislumbra-se crime em detrimento não só de serviço exclusivo
da União, como também de interesse seu.
A uma, porque, como informado pelo Delegado da Receita Federal
de Uruguaiana, fls. 574/576:
“A apresentação das GNRs é realizada pelo despachante, ou seu ajudante, à Receita
Federal, na Recepção do setor de Importação localizada na Estação Aduaneira de Fronteira – EAF. Conforme legislação citada no item anterior, não é possível a conclusão
de um desembaraço aduaneiro sem a apresentação do comprovante de pagamento
ou exoneração do ICMS perante a Receita Federal. Esse serviço nunca foi e não está
delegado às Receitas Estaduais”.
A referida “legislação citada” é o art. 12, inciso IX, da Lei Complementar nº 87/96, que aduz deva ser exigido pela Receita Federal o
comprovante de pagamento ou de exoneração do ICMS quando do despacho aduaneiro de mercadorias importadas. De tal, ainda que se trate
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
155
de imposto estadual, como é o caso do ICMS, as guias de recolhimento
são apresentadas perante uma Secretaria da União, do que decorre a já
citada exclusividade de serviço da União a atrair competência para a
Justiça Federal.
A duas, porquanto a União possui interesse em impedir que haja locupletamento de verbas destinadas à quitação das obrigações tributárias por
pessoas que atuem como intermediárias entre as empresas devedoras de
impostos e a Receita Federal, em decorrência de uma falha na prestação
de um serviço também federal. É interesse da União atuar com zelo na
prestação desse serviço, a fim de bem desempenhar sua atuação de combate a eventuais fraudes existentes. O ataque aos serviços e a interesses da
União constitui-se em matéria a firmar a competência da Justiça Federal,
regra traçada pela Constituição Federal em seu art. 109, IV.
O elucidativo voto também apontou nesse mesmo sentido:
“Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO Classe: RSE - RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO - 2005 Processo: 2000.04.01.053736-3 UF: RS Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da Decisão: 12.12.2000 Documento: TRF400078881 Fonte DJU
DATA: 17.01.2001 PÁGINA: 130 Relator JUÍZA MARIA ISABEL PEZZI KLEIN
Decisão: A TURMA, POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO RECURSO.
Ementa PENAL E CONSTITUCIONAL. ART, 109, IV, CF/88. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE DA UNIÃO EXISTENTE. DESCAMINHO. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO NULIDADE. INSIGNIFICÂNCIA. INOCORRÊNCIA.
1.Demonstrado o interesse da União Federal, indubitável a competência da Justiça Federal para o caso. Inteligência do art. 109, IV, da Constituição Federal.
2. Duas são as circunstâncias que tornam a Justiça Federal competente para o processamento e o julgamento dos fatos narrados: a condição de despachante aduaneiro do
acusado Paulo Roberto – funcionário público federal por equiparação, nos termos do
art. 327, CP - e o dolo dos recorridos de ludibriar a Receita Federal, mediante a apresentação das guias fraudulentamente autenticadas, obtendo, com isso, em pre­juízo da
União Federal, o desembaraço aduaneiro.
3. O juiz não pode reconsiderar a decisão que recebeu a denúncia, ainda que sob o
pretexto de estar concedendo habeas corpus de oficio, pena de nulidade.
4. Os tributos devidos em razão dos bens descaminhados atingem importância superior
ao limite considerado como insignificante por esta Turma, não havendo, portanto, que
se falar em aplicação do princípio da bagatela.
5. Recurso Criminal em Sentido Estrito provido.”
Tenho restrições no que se refere à primeira tese (equiparação do
despachante aduaneiro a funcionário público), mas aceito a segunda tese
que vem a atrair a competência da Justiça Federal para o julgamento
156
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
desse processo. Presente está o dolo dos Recorrentes ao tentar transmitir
ao fiscal da Receita Federal a falsa impressão de que haveriam, de fato,
quitado as cártulas (Guias Nacionais de Recolhimento de Tributos Estaduais), quando, na verdade, tão-somente adulteraram-nas, com o intuito
de figurarem destituídos de obrigações tributárias para com o Fisco.
Diante de tal situação, impõe-se a aplicação do disposto na Súmula 98
do extinto Tribunal Federal de Recursos, cujo teor, in verbis, proclama:
“Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra o servidor
público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas”.
A pretensa prática criminosa teria sido intentada perante autoridade
pública federal (contra o representante da Fazenda Pública da União), o
que, de per si, conclama a atração do feito para a Justiça Federal.
Não há, nesse passo, que se falar em prejuízo exclusivo das empresas
importadoras, que teriam culpa in eligendo na escolha dos despachantes
aduaneiros, ora Recorrentes, como seus prepostos. A tese de que quem
paga mal deve pagar duas vezes não pode ser invocada como forma de
definir que a lesão perpetrada seja concernente apenas a pessoas jurídicas
outras que não aquela efetivamente lesada, qual seja, a pessoa jurídica
de direito público interno: a União. É, pois, sujeito passivo a União,
sem embargo de eventual dano também porventura causado às empresas
importadoras, eis que interesse e serviço da esfera federal resultaram
atingidos com a prática da conduta imputada aos réus.
O fator de atração para a Justiça Federal não se apresenta pelo prejuízo
fiscal, pois, para o caso em tela, não importa se houve o recolhimento
de tributos ou não, sejam esses de competência da União ou da unidade da federação. A competência resta firmada ante o engodo que se
intentou perpetrar, por parte dos Recorrentes, contra um representante
da Fazenda, funcionário público federal equiparado, desimportando o
fato de qualquer dos entes federativos haver sofrido eventual prejuízo
financeiro, porquanto a determinação de qual ente sofreu o prejuízo, para
a hipótese em discussão, em nada contribui para que se venha a firmar a
competência. Nesse contexto, ainda que não se verifique prejuízo para
os cofres públicos, sejam eles federais ou estaduais, a competência será
da Justiça Federal.
Por oportuno, de vez que há contra os réus outro processo versando
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157
sobre a mesma matéria, contudo, com a adulteração de guias correspondentes ao mês de setembro de 1997, e não aos meses de maio e agosto
desse mesmo ano, que dizem respeito ao processo sub judice, recomenda-se ao juízo a quo a reunião dos feitos, a fim de evitar decisões conflitantes
e de valorizar o princípio da economia processual.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso, para fins de firmar
a competência da Justiça Federal para o processamento do feito.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.108703-1/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva
Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da
Rosa
Apelante: B. R. M.
Advogados: Drs. Beno Fraga Brandão e outro
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Penal. Crime contra o sistema financeiro. Serviços funerários. Pagamento antecipado. Ausência de autorização própria. Erro de tipo.
Equívoco sobre elementos integrantes do tipo. Tipicidade. Exclui o dolo.
Atipicidade. Erro de proibição. Crença na licitude da conduta verdadeiramente ilícita. Culpabilidade. Isenção da penalidade se erro inevitável.
Diminuição da pena. Possibilidade. Critério do julgador. Necessidade de
fundamentação pertinente caso o juiz não proceda à redução da pena.
Erro de proibição evitável configurado nos autos. Dever de diligência
do empreendedor. Redução da pena. Prescrição da pretensão punitiva.
Extinção da punibilidade.
158
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
1. A empresa do apelante procedia à comercialização de serviços
funerários mediante pagamento antecipado, sem autorização administrativa própria.
2. Alegação de erro de proibição inevitável improcedente.
3. O erro de tipo consiste em um equívoco sobre um dos elementos
integrantes do tipo e, uma vez configurado, exclui o dolo, tornando a
conduta do agente atípica, pois a teoria finalista, adotada pelo Código
Penal brasileiro, inseriu o dolo no tipo penal.
4. Existe o erro de proibição quando o agente tem a crença de que a
sua conduta, vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita. A constatação do
erro de proibição refletirá na culpabilidade do indivíduo, a ser apreciada
por ocasião da aplicação da pena.
5. Acaso o erro de proibição perpetrado seja inevitável, o indivíduo
será isentado da punição. Contrariamente, sendo o erro evitável, poderá
o julgador reduzir a extensão da repressão penal.
6. Somente através de motivação o magistrado poderá deixar de
reduzir a pena.
7. No caso dos autos está configurado o erro de proibição evitável,
pois o empreendedor tem o dever de diligência em verificar junto às autoridades competentes os requisitos necessários ao desenvolvimento de
atividades comerciais, mormente quando se tratar de negócio inusitado.
8. A necessária redução da pena ensejou a ocorrência da prescrição
da pretensão punitiva.
9. Declarada extinta a punibilidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, declarar extinta a punibilidade, face à ocorrência da prescrição da
pretensão punitiva, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participou do
julgamento o Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro face ao
impedimento do Juiz Federal Luiz Antônio Bonat.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2001.
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator p/Acórdão.
RELATÓRIO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
159
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de ação
criminal promovida pelo Ministério Público Federal contra B. R. M. e
N. A. M., pela prática da conduta tipificada no art. 16 da Lei nº 7.492/86.
Narra a denúncia:
“Os denunciados B. R. M. e N. A. M., de forma dolosa e consciente, sem a devida
autorização, mantiveram em operação desde maio de 1989 (cf. contrato social de fls.
59), sob a denominação de ‘Organização Social de Luto Araucária S/C Ltda.’, Instituição
Financeira (nos termos do art. 1º , I, da Lei 7.492/86) voltada à captação e administração
de recursos financeiros de terceiros, formando grupos de consórcio voltados ao custeio
de despesas referentes aos futuros funerais dos participantes.
A captação dos recursos e formação dos grupos de consórcio se procedia mediante
o pagamento pelo ingressante do valor de R$ 20,00 (vinte reais) para implantação do
plano, mais 30 (trinta) cotas mensais e sucessivas iguais a 10% (dez porcento) do salário mínimo vigente na data do pagamento (quitando assim o contrato) e o pagamento
posterior de 2% (dois porcento) do salário mínimo sobre cada morte ocorrida no grupo
de 500 (quinhentas) pessoas que forma cada plano. (fl. 43)
As pessoas lesadas pelos denunciados, que efetuaram os pagamentos são as seguintes: Luzia Ramos Winzeffat, Eva Eli Bonfante, Benedito Pedro da Silva, Carlos de
Assis, Mariza de F. Ramos Ferreira, Maria Helena N. Staviski, Ana Rosa dos Santos,
Francisco José Martins Viana, João Volochen, Everaldo Espedito Iglesias, Josino de
Melo, Clínio Pie, Ariosvaldo do Rosário, Uiliam Barbosa, José Roberto Sandoval,
Pacheco de Carvalho, Miguel Jervásio Rodrigues, Suely Jardim Magalhães de Moraes,
Eleomara do Rosário Martins e Antônio Ramos de Borba, (cf. fl. 63).”
Juntamente com a denúncia, o MP apresentou proposta de suspensão
do processo nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95. (fls. 06/09)
A denúncia foi recebida em 22.05.97. (fl. 10)
A proposta de suspensão do processo não foi aceita pelos réus. (fl. 37)
O interrogatório foi realizado às fls. 39/45.
A defesa prévia foi apresentada às fls. 46/47.
As testemunhas foram ouvidas. As de acusação às fls. 97/107 e as de
defesa às fls. 117/122.
Nada foi requerido no prazo do art. 499 do CPP.
Apresentadas as razões finais, foram os autos conclusos para sentença.
Sentenciando o Juízo a quo julgou parcialmente procedente a denúncia para absolver a ré N. A. M., com base no art. 386, IV, do CPP,
e condenar o réu B.R.M. pela prática do delito capitulado no art. 16 da
Lei nº 7.492/86. Como fundamentos da decisão entendeu demonstradas
a autoria e a materialidade, sendo esta comprovada pela maneira como
160
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
operava a empresa do réu, a qual fazia operar sistema de seguro de
assistência funeral sem a autorização prevista nos artigos 24 e 74 do
Decreto-Lei nº 73/66. Aplicou a pena de um ano de reclusão e multa de
dez dias-multa no valor de um salário mínimo para cada dia. Regime
inicial o aberto. Substituiu a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito, consistente no pagamento de prestação pecuniária no
valor único de R$ 200,00 à entidade pública com destinação social a ser
designada pelo Juízo da Execução.
Inconformado, apelou o réu. Alegou a inépcia da denúncia por não
especificar qual seria a autorização necessária para a empresa operar e
de quem esta poderia ser obtida; a nulidade da sentença, porque a condenação está fundada em fato que nunca esteve contido na denúncia;
ofensa ao princípio do contraditório, da ampla defesa e da correlação; a
desnecessidade de autorização porque a empresa não se equipara à instituição financeira, mas a uma prestadora de serviços, tendo as autorizações
necessárias para seu funcionamento; ausência de consciência da ilicitude
causada por erro de tipo no tocante à autorização, o que exclui o dolo;
ausência de culpabilidade, pela presunção de legalidade do ato, ocasionando erro de proibição que, se inevitável, isenta de pena; existência de
precedente específico sobre a matéria em questão, o qual entendeu que
o erro era inevitável (julgamento no processo nº 1999.04.01.011798-9);
constatação, neste precedente, da existência de outras empresas atuando
no ramo funerário sem que nenhum dos responsáveis por elas tenha feito
os registros perante a SUSEP, o BACEN ou o Ministério da Justiça e
que nenhum dos responsáveis esteja sendo processado pela infração do
art. 16 da Lei nº 7.492/86.
O MPF opinou pelo provimento do recurso. (fls. 229/242)
Sem contra-razões.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva:
Preliminarmente
Inépcia da denúncia
Alega o réu ser inepta a peça acusatória, porque não diz qual seria a
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autorização necessária para a empresa operar e de quem esta autorização
poderia ser obtida. A inépcia da denúncia é inaptidão para instaurar o
processo penal. Esta inaptidão pode manifestar-se de diversas maneiras.
Dispõe o art. 41 do CPP:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas
as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se
possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.”
A peça inaugural contém todos os elementos necessários à instauração
do processo penal. Ao réu não pode ter restado dúvidas acerca dos fatos
em relação aos quais deveria defender-se.
Disserta sobre o assunto Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho:
“A instauração válida do processo pressupõe o oferecimento de denúncia ou queixa
com exposição clara e precisa de um fato criminoso, com todas as suas circunstâncias
(art. 41 do CPP), isto é, ‘não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis),
os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos
que a determinaram a isso (cur), a maneira por que a praticou (quomodo), o lugar onde
a praticou (ubi), o tempo (quando)’ (João Mendes Jr.).
A narração deficiente ou omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa,
é causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios
constitucionais.” (In As Nulidades no Processo Penal – pág. 95 – 6.ed. – Editora Revista dos Tribunais)
Portanto, inépcia da peça inaugural não há, estando previstos todos os
elementos necessários ao processamento da denúncia e, por conseguinte,
à formação do processo penal.
Nulidade da sentença
Sustenta o réu a nulidade da sentença porque fundamentada em fato
que nunca esteve contido na denúncia. Tal fato é o entendimento de que
a natureza jurídica dos contratos realizados pela empresa do réu é de um
contrato de seguro, enquanto a denúncia referiu tratar-se de consórcio.
Entendeu o réu que houve violação do Princípio da Correlação. Este
diz respeito à relação lógica entre acusação e sentença.
“O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado da congruência da condenação com a imputação, ou, ainda, da correspondência entre o objeto da
ação e o objeto da sentença, liga-se ao princípio da inércia da jurisdição e, no processo
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penal, constitui efetiva garantia do réu, dando-lhe certeza de que não poderá ser condenado sem que tenha tido oportunidade de se defender da acusação.”(Ada Pellegrini
Grinover e outros, pág. 219, op. cit.)
A questão é complexa, impondo-se observar se houve surpresa para a
defesa e se não foi oportunizado ao réu apresentar defesa sobre a questão
da natureza de seguro do contrato.
Entendo que não houve surpresa para o réu sobre a interpretação de
que seu contrato é de seguro, porque tal possibilidade foi aventada no
inquérito policial.
Examinando o inquérito policial verifica-se que nesta fase pré-processual foi determinada a expedição de ofício à SUSEP (fl. 82 do
inquérito policial em apenso). Respondendo o ofício, a Superintendência de Seguros Privados esclareceu que, após analisar o contrato de
diversas empresas, entre as quais a Organização de Luto Araucária S/C
Ltda., concluiu que as empresas deveriam enquadrar-se na legislação
pertinente aos seguros (arts. 3º e 24 do Decreto-Lei nº 73/66 e 19, §§ 1º,
2º e 3º, do Decreto nº 60.459/67).
Logo, a discussão sobre a possibilidade do contrato da empresa do réu
enquadrar-se como modalidade de seguro não era novidade, nem surgiu do
nada.
Veja-se que, no depoimento do réu, esteve em pauta a questão do
seguro, isto é, de se tratar ou não de um contrato de seguro, in verbis:
“R: Bom, no caso a terceira pessoa seria o nosso cliente. Vai nos pagar uma taxa de
contribuição anual que está estabelecida, hoje, em quarenta e oito reais, perfeito. É assim
que funciona o nosso plano. Tem algumas outras empresas no ramo que preferiram
fazer através de seguradora. Gostariam que fizesse através de seguradora: - segura
esses valores, ou a urna ou coisa, - com algumas outras seguradoras; não é o nosso
caso. O nosso caso – nós temos uma empresa constituída com a finalidade de prestar
serviços funerários. Nós temos uma empresa funerária e vendemos esse plano, é uma
compra programada, vendemos isso para entregar a posterior, o serviço; é assim que
funciona.” (fl. 41) Grifei
Ainda, é oportuno assinalar que o réu em suas alegações finais contesta
a natureza de seguro do contrato. Disse o réu à fl. 151:
“A Superintendência de Seguros Privados teve oportunidade de decidir que não
pode ser encarado como SEGURO o plano de assistência funerária nos moldes daquele
que é objeto dos contratos oferecidos pela empresa dos acusados.”
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E à fl. 152 conclui:
“Como se observa, a empresa dos acusados não depende de qualquer autorização
por parte da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).”
Inexistindo surpresa para a defesa, conseqüentemente não ficou
comprometida a instrução criminal, e, tendo o diligente defensor do
réu juntado o documento de fls. 53/54, que é um parecer da SUSEP
– Superintendência de Seguros Privados, não há falar em prejuízo ao
Princípio da Ampla Defesa, ao Princípio do Contraditório e ao Princípio
da Correlação.
Resulta, portanto, que há congruência entre a imputação feita na
denúncia e a condenação em que pese a peça inaugural ter sido inespecífica quanto à autorização devida, o que tecnicamente a tornou
excessivamente concisa. Porém, não houve comprometimento do
Princípio da Correlação entre a condenação e a imputação feita na
denúncia, afinal a questão central é saber se a empresa do réu atua no
mercado com a devida autorização legal ou não e isto está expresso na
denúncia e implicitamente está contida a possibilidade de que se trata
de contrato de seguro, o que não surpreendeu o réu, como demonstram
suas manifestações no inquérito policial e no processo penal.
Assim, ausente o prejuízo, não deve ser decretada a nulidade, conforme
a exegese do disposto no artigo 563 do CPP, o qual traduz o Princípio
da pas de nullité sans grief, in verbis:
“Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo
para a acusação ou para a defesa.”
Mérito
Alega o réu a desnecessidade de autorização, porque a empresa não
se equipara à instituição financeira, mas é, na verdade, mera prestadora
de serviços, tendo as autorizações necessárias para seu funcionamento.
Dispõem o art. 1º e o art. 16 da Lei nº 7.492/86:
“Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica
de direito público, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente
ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetado) de
terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição,
negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.”
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“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante
declaração (vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores
mobiliários ou de câmbio:
Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Para a configuração do tipo é necessária a execução de atividade própria de instituição financeira e que a atividade esteja sendo desenvolvida
sem autorização.
A Organização Social de Luto Araucária S/C Ltda. é instituição financeira, pois capta poupança privada e administra recursos de terceiros,
conforme depreende-se do contrato de prestação de serviço da empresa
à fl. 16 e 16 verso, do inquérito policial apenso, mais especificamente
nas cláusulas 6, 8 e 9, as quais dispõem:
“6 – O CONTRATANTE pagará neste ato à empresa credenciada por esta organização a importância de R$ 20,00 destinada à IMPLANTAÇÃO. E pagará diretamente
à ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE LUTO ARAUCÁRIA S/C LTDA., mais 30 cotas
mensais e sucessivas, iguais a 10% do salário-mínimo (ou equivalente legal) vigente
na data do respectivo pagamento, o que quita este contrato, com exceção ao previsto
nas cláusulas 8 (oito) e 9 (nove).”
“8 – Integralizado o pagamento referido na cláusula ANTERIOR não será exigido
do CONTRATANTE qualquer prestação antecipada, competindo-lhe tão somente,
após 180 (cento e oitenta) dias da data da inscrição, o pagamento de 2% (DOIS POR
CENTO) calculado sobre o salário-mínimo vigente (ou equivalente legal) na região,
por ocasião da ocorrência de óbitos de um dos CONTRATANTES do conjunto ou de
seus beneficiários.”
“9 – A cada 5 (cinco) ÓBITOS, de um mesmo conjunto, a CONTRATADA expedirá
boletim informativo aos integrantes do referido conjunto promovendo a arrecadação
das importâncias previstas na cláusula anterior.”
Ainda há o depoimento do réu, verbis:
“Muito bem. Para que o senhor contrate nós, para que o senhor oficialize esse
contrato, o senhor nos paga um valor, hoje estipulado em R$ 550,00 (quinhentos e
cinqüenta reais)...”
“R: Bom, no caso a terceira pessoa seria o nosso cliente. Vai nos pagar uma taxa
de contribuição anual que está estabelecida, hoje, em quarenta e oito reais; perfeito. É
assim que funciona o nosso plano...”
Esta primeira premissa está, portanto, superada, restando a discussão
sobre a necessidade de autorização para atuar no mercado.
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A matéria é de difícil solução, pois a natureza do contrato é complexa
e, conseqüentemente, o enquadramento da empresa no mercado depende
da natureza do contrato social e dos contratos realizados com os seus
clientes.
A autoria evidencia-se no caso concreto a partir da definição da
responsabilidade do Sr. B. R. M., o que restou incontroverso nos autos.
O réu passou a ser sócio da empresa a partir da 3ª alteração contratual,
conforme o documento de fls. 53/54 do inquérito policial em apenso.
Quanto à materialidade, esta configura-se na ausência de autorização
da empresa que capta e administra poupança privada.
É fato incontroverso que há necessidade de uma autorização para a
atuação da instituição financeira no mercado. A lei assim exige.
O réu foi denunciado por operar instituição financeira sem a devida
autorização. O acusado alega que a empresa possui as autorizações
necessárias.
Então, cabe analisar a natureza jurídica da empresa, seu contrato
social e o contrato que realizou com seus clientes, para definir qual é,
efetivamente, a natureza jurídica da empresa e, a partir daí, saber qual
autorização é necessária e se a instituição financeira a possui ou não.
A exordial acusatória fala em consórcio, referindo tratar-se de instituição financeira voltada à captação e à administração de recursos
financeiros de terceiros, formando grupos de consórcio.
O réu aduziu que a empresa é uma prestadora de serviço. Diz em seu
depoimento (fls. 40/44):
“Eu gostaria que o senhor relatasse com detalhes sobre o plano. Como era o fun­
cionamento? R: O nosso plano é de prestação de serviço – propriamente dito. A prestação
de serviço funciona da seguinte forma: o senhor chega comigo e diz – senhor R. ou
Organização Social de Luto Araucária – Eu gostaria de contratar os seus serviços para
quando falecer alguém da minha família os senhores providenciem os serviços, prestem o serviço. Muito bem. Para que o senhor contrate nós, para que o senhor oficialize
esse contrato, o senhor nos paga um valor, hoje estipulado em R$ 550,00 (quinhentos
e cinqüenta reais). O senhor nos pagou esses quinhentos e cinqüenta reais. A partir daí,
o senhor é um associado da Organização Social de Luto Araucária que vai lhe prestar
esse serviço, futuramente, para o senhor e sua família; futuramente quando essa família precisar dos serviços. Envolve uma urna mortuária, o véu, a coroa de flores – e
serviços de um modo geral – carro para translado, o preparo do corpo; os serviços de
uma funerária como nós somos credenciados para fazê-lo, temos uma funerária. E o
senhor nos vai pagar... J:. Eu gostaria que o senhor não se referisse ao Juízo. Refira-se
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a terceira pessoa. R: Bom, no caso a terceira pessoa seria o nosso cliente. Vai nos pagar
uma taxa de contribuição anual que está estabelecida, hoje, em quarenta e oito reais;
perfeito. É assim que funciona o nosso plano. Tem algumas outras empresas no ramo
que preferiram fazer através de seguradora. Gostariam que fizesse através de seguradora: segura esses valores, ou a urna ou coisa, com algumas outras seguradoras; não
é o nosso caso. O nosso caso, nós temos uma empresa constituída com a finalidade de
prestar serviços funerários. Nós temos uma empresa funerária e vendemos esse plano,
é uma compra programada, vendemos isso para entregar a posterior, o serviço; é assim
que funciona. J: A pessoa que adquire, ela paga parcelas mensais? R: Sim, ela paga.
Ela pode pagar imediatamente à vista, às vezes, dependendo da condição financeira da
pessoa, ela pode nos pagar em dez meses ou em quinze meses ou em trinta meses; nós
facilitamos isso para tornar mais fácil para o usuário. É assim que se opera no mercado.”
As testemunhas da acusação relataram:
Testemunha Antonio Dalmaso (fl. 101):
“O senhor trabalha no Banco Central? T: Trabalhava. Estou aposentado um ano. J:
Quais as funções que o senhor exercia? T: Era funcionário do setor de autorizações. J:
Do Departamento de Autorizações. Ali, o senhor obteve conhecimento das operações
que eram realizadas pelas funerárias de Curitiba, conforme narrado na denúncia? T:
Houve uma época, - um pedido da Prefeitura -, pediam alvará, a Prefeitura parece que
não. O Banco disse: - não é consórcio. Não tem nada haver com o Banco Central. E
a partir da minha aposentadoria em março do ano passado, eu não tenho mais acesso
à documentação, talvez, o meu depoimento estaria prejudicado em parte. J: Foi feito
um pedido à Prefeitura? ... T: ... Sim. J: A Prefeitura formulou uma consulta ao Banco
Central? T: Sim. J: A que Departamento foi realizada essa consulta? T: Fez ao Banco,
e quem respondeu foi nós mesmos, através desse setor. J: Foi o senhor que respondeu?
T: Não. Foi o antigo chefe que tinha lá. Depois, eu substituí e estive na Polícia Federal
uma época, - também a respeito desse assunto -, e quando o processo veio para cá, mais de um, inclusive, pois é a segunda vez que eu venho aqui -, aí já ... J: E a resposta
do Banco Central, foi em que sentido? T: Não é consórcio. J: O senhor obteve algum
conhecimento do posicionamento da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados?
... T: ... não. J: ... Com relação ao caso? T: Depois que eu saí, não tenho informação
nenhuma. A única informação que eu tenho: - teria saído em novembro, mais ou menos,
um parecer do Departamento Jurídico do Banco, em Brasília, dizendo o seguinte: - não
é Consórcio, e não tem nada haver com o Banco Central. J: O Banco Central indicou
quem poderia conceder a autorização para o funcionamento, ou realização das operações? T: Não. J: Não indicou nada? T: não...”
Testemunha Luzia Ramos Wizenffat (fl. 104):
“Gostaria que a senhora esclarecesse alguns pontos: - inicialmente, a senhora
celebrou algum contrato com a Organização Social de Luto Araucária? T: Se eu fiz
contrato? J: Sim, a senhora fez algum contrato? T: Sim. J: De prestação de serviços? T:
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Sim. J: Faz tempo isso. T: Foi em oitenta e nove. J: A senhora se recorda como foram os
termos do contrato? T: O termo de contrato foi para eles me atender quando, - às vezes
– precisar de – quando alguma pessoa falecer; se precisar, eles me atenderiam. J: E a
senhora pagou parcelado? T: Primeiro, eu paguei um carnê de um ano. Depois, agora
então, a cada três meses vem uma parcela para pagar. J: Somente isso, as prestações já
foram pagas? T: É. J: As parcelas a senhora sabe a que se referem? T: Conforme o tanto
de pessoas que falecem no grupo, é fornecido pelos associados. J: Quando a senhora
assinou o contrato sabia que haveria essas condições? T: Sabia. J: E a senhora já fez
uso desses serviços? T: Já. J: Da empresa? T: Se eu já fui atendida? J: A senhora já foi
atendida. T: Já. Fui atendida.”
As testemunhas arroladas pela defesa igualmente fizeram o seu relato:
Testemunha Cristina Lúcia da Costa (fl. 119):
“Que a empresa Araucária tem como objeto principal a prestação de serviços funerários; que as atividades da empresa se ligam basicamente com a participação nos
planos; que a prestação de serviços é feita exclusivamente para pessoas conveniadas,
observada a carência de trinta dias; que quanto aos serviços padronizados de funeral,
estes são prestados por outra empresa de propriedade dos acusados; que acerca da forma
de adesão, esclarece a depoente que o interessado, para se conveniar e colocar como
beneficiários seus dependentes (titular, cônjuge, filhos solteiros sem limite de idade,
pais, sogros), é pago uma taxa inicial de R$ 53,00 enquadrando-se dentro de um determinado grupo; que num segundo momento obriga-se ao pagamento de trinta parcelas
mensais de quinze por cento sobre o salário-mínimo, além do que, trimestralmente
uma ‘taxa de administração’, no valor de dez por cento do salário-mínimo, que dura
enquanto perdurar o contrato, e diz respeito a cinco óbitos; que se mais de cinco óbitos
dentro do mesmo grupo ocorrerem dentro do mesmo trimestre, o remanescente passa
para o trimestre seguinte; que em caso de ocorrência inferior a cinco óbitos, a taxa de
administração não é cobrada no trimestre, aguardando-se sempre que se preencha este
número; que cada grupo conta com quinhentas famílias; que a empresa conta hoje com
aproximadamente trinta grupos; que em virtude do período de carência se o óbito do
beneficiário ocorrer antes de trinta dias da data de adesão ao contrato, este não fará
jus aos serviços; que estima a depoente que a empresa celebra cerca de quinhentos
contratos mensais; que a celebração do contrato pressupõe o pagamento da taxa de
adesão no valor de cinqüenta e três reais;”
A testemunha João Gilberto Marim Carrijo disse (fl. 121):
“Que conheceu o denunciado B. R. em cerca de 1987 pois eram vizinhos no
Condomínio Palm Spring, o que durou até 1992; que em virtude do conhecimento da
pessoa de R., passou a ter ciência também de suas atividades sabendo então que este
tem uma prestadora de serviços funerários da qual a avó do depoente, na qualidade
de beneficiária por intermédio do tio do depoente, fez uso do serviço funerário; que a
celebração do contrato se deu inclusive por intermediação do depoente que conhecia
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a pessoa de R.”
Testemunha Altair Paulin (fl. 122):
“Que o depoente, desde 1975, é contador da empresa de Organização Social de
Luto Araucária, além de outras empresas de propriedade de R.; que nesta qualidade
pode afirmar que a empresa encontra-se rigorosamente em dia com seus encargos
tributários e devidamente regularizada para o exercício de suas atividades sociais; que
o depoente se aderiu ao plano de prestação de serviços a que se refere a inicial, nunca
fazendo uso do mesmo em relação aos seus dependentes; que quando o depoente assumiu
a contabilidade da empresa esta passou a adotar, com o então ingresso de R., este sistema
de vendas e prestação de serviços; que a empresa é administrada pelo Sr. R. e que a sua
esposa não trabalha na empresa, figurando apenas como sócia quotista no contrato social.”
Em suas alegações finais, o réu sustenta a sua tese no sentido de que
a empresa era prestadora de serviço, não necessitando de autorização
espe­cial do BACEN, SUSEP ou qualquer outra instituição.
Entendeu o réu que, em se tratando de uma empresa que é mera
prestadora de serviço, possui as autorizações necessárias para operar
no mercado.
Consta no inquérito policial o contrato social de constituição da empresa (fls. 48/51), alvará concedido pela Prefeitura do município Araucária, autorizando o funcionamento da instituição (fl. 53) e a inscrição
no CGC (fl. 54).
Não se trata efetivamente de espécie de seguro, pois não há indenização pela morte, que seria o sinistro de um contrato de seguro.
A própria SUSEP – Superintendência de Seguros Privados assevera
que a natureza do contrato não é de seguro:
“Respeitando as opiniões em contrário, não me parece, entretanto, malgrado a
existência de alguns pontos de semelhança, natural nos negócios condicionais, que
os contratos de fls. 06 a 08 sejam uma modalidade de seguro de vida. Com efeito,
os serviços de atendimentos funerários enumerados na Cláusula 1 do contrato, a que
têm direito os participantes do grupo por ocasião do implemento da condição (morte), embora resolvam o custeio de despesas diretamente relacionadas com a morte e
sepultamento do participante ou do seu dependente relacionado, não têm a natureza
jurídica de indenização por morte, onde são atendidos não somente os danos materiais
que a morte da pessoa pode determinar, como, ainda, o prejuízo resultante da cessação
do benefício espiritual, moral e intelectual que a pessoa traz à vida da outra.” (fl. 51)
A semelhança dos serviços contratados pela Organização Social de
Luto Araucária S/C Ltda., com um contrato de seguro, não o transforma
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num contrato com esta natureza. E é a própria SUSEP que afirma à fl.
54: “O plano funerário, embora possa conter elementos do contrato de
seguro em grupo, não pode ser com este confundido.”
Também não se trata de uma espécie de consórcio. Este vem definido
no art. 40 do Decreto nº 70.651/72, o qual dispõe:
“Art. 40. O Ministro da Fazenda poderá autorizar, na forma deste Regulamento e dos
atos que o complementarem, a constituição e o funcionamento de consórcios, fundos
mútuos ou formas associativas assemelhadas, que objetivem a coleta de poupanças destinadas a propiciar a aquisição de bens móveis duráveis, por meio de autofinanciamento.”
O contrato firmado entre a empresa e a clientela não tinha por objetivo
possibilitar a aquisição de bem móvel por meio de financiamento, mas,
sim, a prestação de serviços funerários.
Destaca-se mais uma vez, por ser oportuno, o depoimento da testemunha Antonio Dalmaso:
“...não é Consórcio, e não tem nada haver com o Banco Central. J: O Banco Central
indicou quem poderia conceder a autorização para o funcionamento, ou realização das
operações? T: Não. J: Não indicou nada? T: não...” (fl. 101)
Logo, não se trata de um contrato de consórcio.
Resulta da análise feita que a natureza do contrato realizado pela
empresa administrada pelo réu é modalidade de prestação de serviço em
que há o pré-pagamento, sendo o serviço a ser prestado evento futuro e
certo quanto à sua realização e incerto quanto ao momento.
A forma como são contratados os serviços guarda alguma semelhança
com o consórcio e os contratos de seguro, entretanto não se trata nem
de um, nem de outro.
A Lei nº 5.768/71, em seu art. 7º, inciso V, dispõe:
“Art. 7º Dependerão, igualmente, de prévia autorização do Ministério da Fazenda,
na forma desta Lei, e nos termos e condições gerais que forem fixados em regulamento,
quando não sujeitos à de outra autoridade ou órgãos públicos federais:
V – qualquer outra modalidade de captação antecipada de poupança popular, me­
diante promessa de contraprestação em bens, direitos ou serviços de qualquer natureza.”
A Medida Provisória nº 1.302/96 transferiu a competência para a autorização do Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça, verbis:
“Art. 18. Ficam transferidas as competências:
V – para o Ministério da Justiça:
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
b) atribuídas ao Ministério da Fazenda pela Lei nº 5.768, de 20 de setembro de 1971,
pelo art. 14 da Lei nº 7.291, de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nº 6.259, de 10
de fevereiro de 194, e 204, de 27 de fevereiro de 1967, os termos e condições fixados em
ato conjunto dos respectivos Ministros de Estado, ressalvadas as do Conselho Monetário
Nacional;”
Portanto, se faz necessário para poder operar no mercado a autorização
do Ministério da Justiça.
Contudo, entendo que obrou o réu em erro de proibição, porque claramente pensou estar agindo ao abrigo do ordenamento jurídico. Essa era a
idéia do acusado que procurou informar-se da necessária regulamentação
legal, a fim de que a empresa operasse dentro da lei.
A empresa possui alvará da prefeitura e inscrição no CGC, bem
como seu contrato social de constituição teve a firma dos signatários
reconhecida e foi registrado no Cartório de Registro de Título e Documentos (fl. 51 verso do inquérito policial apenso). Com efeito, não
se verifica o dolo do agente para a tipificação do delito, porquanto não
se verifica a vontade livre e consciente de fazer operar no mercado
instituição financeira sem a devida autorização.
É relevante acentuar que, em decorrência da liberdade de forma quanto
aos contratos e da complexidade da vida negocial, surgem situações novas, muitas vezes exigindo regulamentação própria, com a promulgação
de novas leis, provocando inovação no ordenamento jurídico.
Tanto é complexa a questão trazida a Juízo que para verificar a
ocorrência ou não de fato típico, foi necessária e inevitável a análise e
compreensão da natureza jurídica do contrato realizado com os clientes
da empresa, tendo-se discutido se se trata de consórcio ou seguro.
Ora, nesse contexto, e agindo o réu com a diligência mínima que se
pode esperar, inexistia e inexistiu a intenção de operar no mercado sem
a devida autorização legal.
Então, não é razoável exigir que o réu soubesse da autorização exigida
pelo Ministério da Justiça, porquanto se discutiu a própria natureza do
contrato para chegar a uma conclusão, o que revela a complexidade da
matéria, não sendo de fácil definição a espécie de contrato da empresa.
Sinale-se que o desconhecimento da lei é inescusável, mas a ignorância da ilicitude da conduta não. Logo, se o réu procurou operar no
mercado regularmente, bem como existiam outras empresas atuando de
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forma similar, é natural que ignorasse a ilicitude do fato, sendo razoável
a ilação de que possuía a autorização necessária e suficiente para atuar
no mercado.
O inquérito policial faz referências a diversas empresas como se observa às fls. 04, 07, 09, 26 e 109 a 114, o que demonstra que o serviço
funerário prestado sob a forma contratual de pagamento antecipado existe
e é conhecido publicamente, conquanto se discuta sobre a autorização
devida. Com efeito, é forçoso concluir que diante da realidade dos fatos
ao réu pareceu lícito operar no mercado com o alvará e a inscrição no
Cadastro Geral de Contribuintes junto à Receita Federal.
A discussão girou em torno da natureza jurídica do contrato da
Organização Social de Luto Araucária S/C Ltda., tendo-se falado em
consórcio, seguro, além de um mero contrato de prestação de serviços
com características especiais. Portanto, a matéria não era de simples
compreensão, evidenciando que o réu elaborou em sua mente uma falsa
representação da realidade, imaginando que a empresa operava com a
autorização necessária.
Portanto, agiu o réu em erro de proibição invencível ou escusável,
pelas razões expostas, porque não teve um comportamento descuidado,
tendo diligenciado no sentido de obter alvará da prefeitura, bem como
inscreveu a empresa no CGC. Além disso, há outras empresas operando
no mesmo ramo, sendo que a indefinição quanto à autorização devida é
decorrente da complexidade do contrato, tanto que o BACEN e a SUSEP
foram concitados a se manifestar sobre a matéria. Assim, não se pode
afirmar que com maior cuidado o réu teria evitado o erro.
Consoante o art. 21, segunda parte do Código Penal, erro de proibição
invencível isenta de pena, verbis:
“Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato,
se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.”
Em conclusão, por todo o exposto, deve o réu ser absolvido com base no
supracitado art. 21 do CP, porque agiu em erro inevitável sobre a ilicitude
do fato.
Ante o exposto, dou provimento à apelação para absolver o réu, com
base no art. 386, V, do CPP.
172
VOTO REVISÃO
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O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: Não obstante
a profícua fundamentação expendida pelo eminente Relator, penso que
o alegado erro de proibição não foi inescusável, invencível.
Inicialmente, cabe estabelecer o marco teórico da discussão doutrinária
trazida aos autos, ou seja, a possibilidade de configuração do erro de proibição
e as dúvidas decorrentes das diferenças deste com o erro de tipo, excludente
da tipicidade.
Conforme teve oportunidade de frisar Cezar Bittencourt, não há como
confundir o tratamento da matéria sobre erro de tipo e erro de proibição
com os antigos conceitos de erro de direito e erro de fato:
“O erro de tipo abrange situações que, outrora, eram classificadas ora como erro
de fato, ora como erro de direito. Por outro lado, o erro de proibição, além de incluir
situações novas (como, por exemplo, a existência ou os limites da legítima defesa),
antes não consideradas, abrange uma série de hipóteses antes classificadas como erro
de direito.
Assim, o erro jurídico-penal, independentemente de recair sobre situações fáticas
ou jurídicas, quando inevitável, será relevante. Não há, na verdade, coincidência entre
os velhos e os novos conceitos. Mudou toda a sistemática. A ultrapassada classificação
de erro de direito e erro de fato baseava-se na situação jurídica e na situação fática. A
problemática, hoje, é diferente; enfoca-se outra questão: a tipicidade e a antijuridicidade (ilicitude). Ou seja, o erro pode recair sobre a tipicidade ou sobre a injuridicidade.
(BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1997, p. 348)
Deve-se à teoria finalista de Welzel a adoção da distinção entre o erro de
tipo e o erro de proibição, na medida em que a concepção de que o dolo passou a integrar o tipo penal e a consciência da ilicitude ou da antijuridicidade
passou a ser analisada no campo da culpabilidade, influenciando diretamente
nas conseqüências da configuração de um ou de outro erro, conforme muito
bem salientou Welzel:
“La teoría del error es la teoría del dolo a la inversa. Si el autor yerra sobre una
circusntancia de hecho objetiva abarcada por el dolo, que pertenece al tipo de injusto,
entonces se excluye el dolo (§ 59); p. ej., alguien destruye una cosa ajena en la creencia de que es propia (error significa en este caso, tanto el conocimiento equivocado,
como la ignorancia). (...)
La conciencia de la antijuricidad de la acción no pertenece al dolo del tipo, sino
que es elemento de la culpa, de la reprochabilidad.” (WELZEL, Hans. Derecho Penal
– parte general. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 82)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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Esta foi a teoria adotada pelo nosso Código Penal. A partir da concepção de que o dolo é elemento integrante do tipo, eventual erro em relação
a um destes elementos – erro de tipo – necessariamente irá excluir o dolo,
não mais subsistindo a condenação acaso inexista a previsão culposa do
fato típico, consoante o magistério de Luiz Luisi:
“O erro de tipo, convém ressaltar, para ser entendido como excludente da tipicidade,
tem como suporte a teoria finalista da ação que coloca o dolo na área da tipicidade,
ou seja, o entendimento do tipo não na visão belinguiana, mas como tipo complexo,
apresentando um aspecto objetivo e outro subjetivo, e neste se situando o dolo e a culpa.
Assim colocado o dolo, o mesmo inexiste por carência na representação e no querer
os elementos constitutivos do tipo objetivo, mas desde que não remanesça a culpa, ou
não estando configurada legalmente a tipicidade subjetiva culposa.
No caso, pois, do erro de tipo, por inexistir o dolo e não remanescer a culpa, ou por
não legalmente culposa, continua a persistir a tipicidade objetiva, mas a atipicidade
se configura por não ocorrente a tipicidade subjetiva. O erro de tipo, portanto leva a
atipicidade não por falta do tipo objetivo, mas por carência do tipo subjetivo.
Deve-se, ainda, ter em conta que a atipicidade resultante do erro de tipo, por via da
exclusão do dolo, somente ocorre quando inexiste também a tipicidade culposa. Se o dolo
não ocorre, mas persiste a culpa e está legalmente prevista a tipificação subjetiva culposa,
configura-se o tipo nessa modalidade. É o que expressamente está dito no texto do artigo
20 da nova parte geral do Código Penal, quando preceitua que o erro a respeito do tipo
legal exclui o dolo, ‘mas permite a punição por crime culposo, previsto em lei.’ O erro de
tipo só escusa totalmente quando, como ensina Assis Toledo, é inculpável, pois se pode
ser atribuído ao agente a título de culpa – fica excluído o dolo, ‘mas o fato configurará
crime culposo, se como tal estiver previsto em lei”. (LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria
finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Fabris, 1987, p. 111-112)
Uma vez colocado o dolo como elemento integrante do tipo e a consciência da ilicitude como elemento da culpabilidade, os efeitos de um
erro em relação a esta consciência surtirão exatamente na seara da culpabilidade, não tendo absolutamente nada a ver com o dolo configurado
no tipo, segundo doutrina Muñoz Conde:
“O conhecimento da ilicitude não é um elemento supérfluo da culpabilidade, mas,
ao contrário, um elemento essencial e o que lhe dá razão de ser. Logicamente, a atribuição que supõe a culpabilidade só tem sentido para quem sabe que sua ação está
proibida. A função motivadora da norma penal só pode ter eficácia, a nível individual,
se o indivíduo em questão, autor de um fato proibido pela lei penal (portanto, típico e
antijurídico), tinha consciência da proibição, pois, do contrário, ele não teria motivo
para se abster de fazer o que fez.
Esse conhecimento da ilicitude não precisa referir-se ao conteúdo exato do preceito
penal infringido ou à sanção concreta do fato. Basta que o autor tenha base suficiente para
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saber que o fato praticado está juridicamente proibido e que é contrário às normas mais
elementares que regem a convivência. Para a doutrina dominante é suficiente um conhecimento potencial da ilicitude, quer dizer, basta que o autor possa conhecer a ilicitude
de sua ação para que esta possa ser reprovada como culpável.” (CONDE, Francisco
Muñoz. Teoria Geral do Delito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 157/158)
Neste sentido, há que se frisar que não se pode confundir o dolo do
agente, intrínseco ao tipo penal, com a consciência da antijuridicidade,
matéria afeta ao juízo de culpabilidade, onde o direito penal manifesta
o grau de censurabilidade, de reprovação da conduta por ocasião da
aplicação da pena, na esteira da redação do artigo 59 do Código Penal.
Delineados os pressupostos dogmáticos, cumpre-me ressaltar, finalmente, a distinção entre o erro de tipo e o erro de proibição. No primeiro,
o agente pratica a ação típica, porém um dos elementos integrantes do tipo
penal não está perfeitamente configurado. A execução da ação final acaba
realizando uma conduta com elemento diverso do preconizado pelo tipo.
Inexiste a vontade do agente em praticar a conduta típica, face à incidência de outro fator não estampado na estrutura do tipo penal, elidindo
completamente o dolo, e o agir do sujeito deixa de ser típico, conforme
esclarece Zaffaroni:
“O erro de tipo é o fenômeno que determina a ausência de dolo quando, havendo
uma tipicidade objetiva, falta ou é falso o conhecimento dos elementos requeridos
pelo tipo objetivo. ‘O erro sobre elemento constitutivo do tipo penal exclui o dolo’ (art.
20 do CP). Assim, quem crê que está disparando sobre um urso e de fato não se trata
disto, e sim de seu companheiro de caçada; quem se apodera do casaco que está no
guarda-roupas do café e com ele sai, crendo que se trata de seu próprio casaco; quem
crê manter relações sexuais com uma mulher de dezenove anos, e na realidade ela
tem dezessete; quem crê aplicar uma pomada cicatrizante e está aplicando um ácido
corrosivo que causa uma lesão.
Em todos estes casos, o erro recaiu sobre um dos requisitos do tipo objetivo: no
primeiro, o sujeito ignora que causa a morte de um homem, no segundo que a coisa é
alheia, no terceiro que a mulher tem menos de dezoito anos, no quarto que emprega um
meio que causará a ferida. Isto determina que, no primeiro caso, realize uma conduta
final de caçar um urso (mas não uma conduta final de homicídio), que no segundo realize uma conduta final de levar seu próprio casaco (e não uma de furto de um casaco),
que no terceiro sua finalidade seja ter relações sexuais (mas não sedução), e que, no
quarto, a conduta tenha o fim de curar (e não de lesionar).
Como se pode ver, em todos estes casos desaparece a finalidade típica, ou seja, a
vontade de realizar o tipo objetivo. Não havendo o querer na realização do tipo objetivo,
não há dolo e, portanto, a conduta é atípica. São casos em há tipicidade objetiva, mas
não há tipicidade subjetiva, porque falta o dolo.
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Dolo é querer a realização do tipo objetivo; quando não se sabe que se está realizando um tipo objetivo, este querer não pode existir e, portanto, não há dolo: este
é o erro de tipo.” (PIERANGELLI, José Henrique e ZAFFARONI, Eugenio Raúl.
Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 493)
No que tange ao erro de proibição, o agente pratica uma conduta que
no seu entender está em perfeita sintonia com o ordenamento jurídico,
quando, em verdade, trata-se de conduta ilícita. Há uma falsa crença
de que a sua ação está no amparo da norma jurídica. Ao contrário do
erro de tipo, aqui o sujeito não deixa de praticar nenhum dos elementos
normativos do tipo penal; apenas o faz acreditando que está correto, que
inocorre ilicitude. Neste sentido, destaco a doutrina de Costa Júnior:
“O erro que recai sobre a consciência da ilicitude do fato (ou do injusto) chama-se
erro de proibição, afetando apenas a culpabilidade (e não o dolo, como o erro de tipo).
Aquele que se conduz convencido de não estar agindo contra o direito, se estiver
cometendo algo de injusto, erra sobre a ilicitude do fato. O erro recai sobre aquilo que
imagina não estar proibido. Daí chamar-se erro de proibição.” (COSTA Jr., Paulo José
da. Direito Penal – curso completo. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 88)
Entretanto, diferentemente do erro de tipo, a caracterização do erro de
proibição requer um conhecimento mínimo do elemento anímico, íntimo
do agente a ponto de discernir o real desconhecimento da ilicitude de
sua conduta. Diante das imensas dificuldades do julgador em precisar a
extensão do conhecimento da ilicitude do agente que afirma incorrer em
erro de proibição, o ordenamento jurídico oferece um parâmetro objetivo
bastante razoável para a aplicação da pena, ou seja, a capacidade que o
sujeito tinha para evitar o desenvolvimento da conduta típica.
O caput do artigo 21 do Código Penal demonstra quais as conseqüências decorrentes da exigibilidade, ou não, de conduta diversa por parte
do legislador:
“Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato,
se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.”
No parágrafo único do mesmo artigo 21 do Código Penal, está definido
o conceito de conduta evitável:
“Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem
a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou
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atingir essa consciência.”
Neste contexto, é de todo pertinente a lição clássica de Alcides Munhoz
Netto acerca das distinções entre dúvida, ignorância e erro:
“Ignorância e erro constituem dois estados metafisicamente distintos: a falta de
qualquer conhecimento sobre um objeto e o seu falso conhecimento. Assim, enquanto
a ignorância apresenta-se desacompanhada de qualquer percepção da realidade, o erro
é determinado por uma percepção desconforme àquela. Entre ambos existe a mesma
distância que separa o não ver do ver mal. Esta diferença entre a ignorância, como estado
negativo, e erro, como estado positivo, remonta a Platão. Entre nós, salientou Tobias
Barreto ser importante notar ‘que o erro pressupõe a existência de uma falsa idéia em
lugar da verdadeira, ao passo que a ignorância é a falta de idéia sobre este ou aquele
assunto. (...) Isto posto, erro e ignorância delineiam-se como uma inexata relação da
consciência com a realidade objetiva. Em substância, um e outro constituem estados de
desconformidade cognoscitiva. Não há, por isso mesmo, inconveniente em unificar, no
terreno jurídico, os dois conceitos, dada a identidade das conseqüências que produzem:
incidem sobre o processo formativo da vontade, viciando-lhe o elemento intelectivo, ao
induzir o sujeito a querer coisa diversa da que então teria querido, se houvesse conhecido
a realidade.(...) A ignorância não se confunde com a dúvida, porque aquela pressupõe
a ausência de qualquer representação e, na dúvida, há mais de uma representação, uma
das quais conforme à realidade. A dúvida também afasta-se do erro, porque a perplexidade ou incerteza entre as várias previsões que a caracterizam é incompatível com
a formação de um convencimento em contraste com a realidade, que é da essência do
erro. Ademais, ao contrário do que ocorre com o erro, a dúvida, enquanto tal, não vicia
a vontade. Se o conflito de imagens é resolvido e o sujeito adquire o convencimento
de estar na verdade, não estará mais em dúvida, embora possa incidir em erro; se não
adquire tal persuasão, permanece em dúvida, não em erro e agindo nesta situação
psicológica, terá querido voluntariamente, ou por culpa, o próprio comportamento.
Quem age em dúvida, ‘atua admitindo a possibilidade de que seu comportamento seja
contrário ao dever.” (MUNHOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em
matéria penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 1-4)
Assim, é preciso estabelecer uma precisa definição do que efetivamente pode ser tido como um desconhecimento vencível, em que o
agente, de fato, deveria ter agido de forma lícita. O ensinamento doutrinário majoritário de que basta a potencial consciência da ilicitude
requer, ainda, sob pena de cometimento de injustiças ou estímulo à
impunidade, a precisa definição do que pode ser exigido do indivíduo,
quais as condições que o sujeito que alega erro de proibição enfrentou
quando do evento criminoso, em suma, se o mesmo realmente poderia
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ter agido, de acordo com sua formação sociocultural, em absoluta
conformidade ao ordenamento jurídico ou não.
Constatado que o indivíduo agiu no extremo limite das suas possibilidades, não podendo realmente evitar o fato típico, não haverá a punibilidade, embora tenha ocorrido o dolo. Isto se deve ao deslocamento da
consciência da ilicitude para o âmbito da culpabilidade, aferida quando
da aplicação da pena, conforme salientei anteriormente. Uma coisa é a
vontade do agente em praticar a conduta típica (dolo), outra é o indivíduo ter consciência da ilicitude desta ação. Inexistindo a consciência
da ilicitude, obviamente não se poderá aplicar a pena, pois o sujeito
efetivamente errou.
De outro modo, tendo o agente a mera possibilidade de evitar a ação
típica em razão das circunstâncias culturais, sociais e econômicas, evidentemente que o tratamento dado pelo ordenamento jurídico não será
o mesmo. Houve dolo, logo a conduta típica ficou perfeitamente delineada. Entretanto, a verificação de que o indivíduo poderia ter agido de
forma diversa somente implicará modificações no âmbito da aplicação
da pena, pois é neste momento em que a culpabilidade é valorada pelo
ordenamento jurídico. Assim, diante da exigibilidade de conduta diversa,
o ordenamento jurídico não mais poderá deixar de puni-lo. A solução
oferecida pelo legislador foi a possibilidade de redução da pena de um
sexto a um terço, conforme a parte final do artigo 21 do CP.
Acaso não fosse esta a solução jurídico-penal, a escalada da criminalidade não teria freios, estaria acobertada pela impunidade, revelando
uma inconcebível restrição ao jus puniendi. Bastaria o indivíduo sustentar
que, embora tenha cometido uma conduta típica, acreditava estar sobre o
abrigo do ordenamento jurídico e, sobretudo, não poderia ter condições
de certificar-se da ilicitude de sua ação para livrar-se do cumprimento
da pena.
Com efeito, há que se verificar a real capacidade de conhecimento do
caráter ilícito da conduta do agente, pois as conseqüências são dotadas
de tamanho antagonismo: se o erro for inevitável, não haverá aplicação
de pena; se o erro for evitável, a pena poderá ser atenuada.
Neste sentido, cabe ressaltar, na lição de Cezar Bittencourt que, em
decorrência da condição específica do agente, este tem um dever inafastável de informar-se sobre a ação que pretende praticar, não podendo
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escusar-se do erro cometido:
“Também há casos que, embora não se enquadrem nessas quatro hipóteses, e constituam erro sobre a ilicitude, o agente não poderá alegar a sua escusabilidade. Ocorre
que, especificamente, em virtude da sua condição, para ele, esse erro será sempre inescusável. São aquelas situações em que o agente tem o especial dever de informar-se.
Nessas circunstâncias, não pode invocar, em seu favor, o descumprimento do dever
de informar-se. Em razão de sua atividade, da sua condição, o agente está obrigado a,
antes da realização de determinadas condutas, informar-se a respeito da sua licitude
ou ilicitude. Se não o fizer, se deixar de informar-se, não poderá alegar posteriormente
que não sabia, e buscar a escusabilidade desse conhecimento, porque descumpriu o
dever prévio de informar-se. (...) Esse ônus se impõe não apenas aos administradores públicos, mas também àquelas pessoas que exercem determinadas atividades ou
profissões que são especialmente regulamentadas, e que, se não forem seguidas as
normas regulamentares, a conduta pode tornar-se ilícita. Às vezes, a mera omissão
de uma formalidade, por exemplo, pode configurar um comportamento proibido. Não
poderão alegar que não sabiam que deviam agir desta e não daquela forma. Assim,
as atividades especialmente regulamentadas antes de serem executadas, precisam, os
agentes, informarem-se sobre o modo ou a forma de realizá-las.” (BITTENCOURT,
Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1997, p. 378-379)
Com a devida vênia do voto do ilustre Relator, penso que é exatamente
esta a situação dos autos. Reconheço que, em decorrência da atipicidade
contratual, ficou dificultada a percepção do dever do apelante. Entretanto,
há que se verificar acuradamente o elemento subjetivo do agente, bem
como qual era efetivamente o seu dever.
O voto do eminente Relator baseou-se na informação da defesa de que
o contrato da empresa do apelante assemelhava-se a outros, aos quais a
Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e o Banco Central do
Brasil rechaçavam a possibilidade de serem, respectivamente, contratos
de seguro e consórcio:
“A própria SUSEP – Superintendência de Seguros Privados assevera que a natureza
do contrato não é de seguro:
‘Respeitando as opiniões em contrário, não me parece, entretanto, malgrado a
existência de alguns pontos de semelhança, natural nos negócios condicionais, que
os contratos de fls. 06 a 08 sejam uma modalidade de seguro de vida. Com efeito,
os serviços de atendimentos funerários enumerados na Cláusula 1 do contrato, a que
têm direito os participantes do grupo por ocasião do implemento da condição (morte), embora resolvam o custeio de despesas diretamente relacionadas com a morte e
sepultamento do participante ou do seu dependente relacionado, não têm a natureza
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jurídica de indenização por morte, onde são atendidos não somente os danos materiais
que a morte da pessoa pode determinar, como, ainda, o prejuízo resultante da cessação
do benefício espiritual, moral e intelectual que a pessoa traz à vida da outra.’ (fl. 51)
A semelhança dos serviços contratados pela Organização Social de Luto Araucária S/C Ltda., com um contrato de seguro, não o transforma num contrato com esta
natureza. É a própria SUSEP que afirma à fl. 54: ‘ O plano funerário, embora possa
conter elementos do contrato de seguro em grupo, não pode ser com este confundido’.
Também não se trata de uma espécie de consórcio. Este vem definido no art. 40 do
Decreto nº 70.651/72 o qual dispõe:
‘Art. 40. O Ministro da Fazenda poderá autorizar, na forma deste Regulamento e dos
atos que o complementarem, a constituição e o funcionamento de consórcios, fundos mútuos
ou formas associativas assemelhadas, que objetivem a coleta de poupanças destinadas a
propiciar a aquisição de bens móveis duráveis, por meio de autofi­nan­cia­mento.’
O contrato firmado entre a empresa e a clientela não tinha por objetivo possibilitar a aquisição de bem móvel por meio de financiamento, mas sim a prestação de serviços funerários.
Destaca-se mais uma vez, por ser oportuno, o depoimento da testemunha Antonio
Dalmaso: ‘...não é Consórcio, e não tem nada haver com o Banco Central. J: o Banco
Central indicou quem poderia conceder a autorização para o funcionamento, ou
realização das operações? T: Não. J: Não indicou nada? T: não...’ (fl. 101)
Logo, não se trata de um contrato de consórcio.”
O voto do Relator conclui, por fim, que o referido contrato dispõe
sobre prestação de serviço que depende de autorização do Ministério da
Justiça para entrar em funcionamento:
“Resulta da análise feita que a natureza do contrato realizado pela empresa administrada pelo réu é modalidade de prestação de serviço em que há o pré-pagamento,
sendo o serviço a ser prestado evento futuro e certo quanto à sua realização e incerto
quanto ao momento.
A forma como são contratados os serviços guardam alguma semelhança com o
consórcio e os contratos de seguro, entretanto não se trata nem de um, nem de outro.
A Lei nº 5.768/71 em seu art. 7º, inciso V, dispõe:
‘Art. 7º Dependerão, igualmente, de prévia autorização do Ministério da Fazenda,
na forma desta Lei, e nos termos e condições gerais que forem fixados em regulamento,
quando não sujeitos à de outra autoridade ou órgãos públicos federais:
V – qualquer outra modalidade de captação antecipada de poupança popular, median­
te promessa de contraprestação em bens, direitos ou serviços de qualquer natureza.’
A Medida Provisória nº 1.302/96 transferiu a competência para a autorização do
Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça, verbis:
‘Art. 18. Ficam transferidas as competências:
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V – para o Ministério da Justiça:
a) atribuídas ao Ministério da Fazenda pela Lei nº 5.768, de 20 de setembro de 1971,
pelo art. 14 da Lei nº 7.291, de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nº 6.259, de 10
de fevereiro de 194, e 204, de 27 de fevereiro de 1967, os termos e condições fixados
em ato conjunto dos respectivos Ministros de Estado, ressalvadas as do Conselho
Monetário Nacional;’
Portanto, se faz necessário para poder operar no mercado a autorização do Ministério da Justiça.”
Contudo, penso que o contrato que a empresa do apelante vem
celebrando com diversas pessoas na cidade de Curitiba, prometendo
a realização dos serviços funerários mediante pagamento antecipado
configura-se como seguro. As argumentações da defesa de que a matéria
aguarda regulamentação própria e de que a atividade se encerra em uma
mera prestação de serviço não procedem.
Entendo que tais informações da SUSEP, juntadas pela defesa nas fls.
48/54 - que dizem respeito a contratos similares, mas de outras empresas
-, não podem ser aplicadas ao caso, uma vez que, nos autos do inquérito
policial apenso, existe um ofício da Representação da Superintendência
de Seguros Privados no Paraná endereçado à Polícia Federal, manifestando-se concretamente sobre o contrato da empresa do ora apelante.
Permito-me transcrever trechos deste ofício, que conclui que o contrato da empresa do apelante tratava-se de seguro, cujo funcionamento
dependia de expressa autorização da autarquia:
“Instaurado o processo supra, teve o mesmo a finalidade de apurar as irregularidades
praticadas pelas empresas funerárias abaixo denunciadas:
(...)
4) Organização de Luto Araucária S/C Ltda., contrato fls. 102;
(...)
Apurado ficou, que todas são constituídas, como sociedades por cota de responsabilidade limitada. O objetivo social é o ramo de assessoria e Planejamento de Funerais,
promoção de vendas de funerais, coroas para funerais e flores. A maioria sequer possui
as mercadorias a que se propõem fornecer.
Para ingressarem, os proponentes preenchem propostas, assinando-as e indicando
seus dependentes diretos, ou beneficiários do seguro. Todos os que na lista constarem,
se falecerem, terão o direito ao funeral.
(...)
A Organização de Luto Araucária S/C Ltda., cobra 33% SMV no ato e 30 prestações
mensais de 15% SMV e mais 2% SMV por morte no grupo de 500 vidas.
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Unipax ostensivamente anuncia:
Seguro de acidentes pessoais ao titular; convênio de assistência médica, odontológica, jurídica e cobra exatamente igual a Organização Luto Araucária, e ainda ressalta:
Com garantia de seguradora que está atuando desde 1988, prestando serviço a
270.000 segurados por todo o País. (propaganda apreendida e juntada à fl. 02 dos
autos, volume I).
Isso é uma fraude.
Por cada óbito ocorrido é cobrado R$ 30,00 de cada participante.
Não possui nenhuma apólice de seguro.
Conforme pode-se observar, todas estão captando poupança popular. O número de
vidas denominado pelas empresas, como Titulares, são em torno de 500.000 distribuídas
pelas envolvidas. Trabalham em todo o Estado do Paraná, e também, algumas em outros
estados da Federação. Ao multiplicarmos o número de vidas por 08, uma vez que os
demais membros, de uma família, são também segurados, ou seja: pai e mãe respectivos
sogros e sogras e mais filhos do casal, somam em torno de 4.000.000 de vidas cobertas.
Essa é forma, em que essas Entidades nominadas como, ‘fundos mútuos’, operam.
Subordinação ao Decreto Lei 73/66; Decreto .60459/67 e circulares SUSEP 23/86;
17/92 publicadas DOU 25.09.86 e 27.07.92, respectivamente.
Obrigação
a) Preliminarmente o prêmio de seguro é cobrado antecipadamente.
b) São constituídas em sociedade por cota de responsabilidade Ltda. e para obterem
o benefício, os titulares e beneficiários, são obrigados a se associarem às Entidades.
c) O Direito surge, com a morte de um dos membros do grupo. Diz o Código Civil
brasileiro, ipsis verbis:
ARTIGO 1432 – Considera-se contrato de seguro aquele que pelo qual uma das
partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do
prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato.
ARTIGO 1466 – Pode ajustar-se o seguro, pondo certo número de segurados em comum
entre si o prejuízo, grifo nosso, que qualquer deles advenha, do risco por todos corrido.
O conjunto de seguradoras constitui a pessoa jurídica, a que pertencem as funções
de segurador. Os elementos que a doutrina dispõe como caracterizadores da espécie,
‘contrato de seguros’. Analisando os referidos contratos verificamos que guardam
todas as características de um contrato de seguro de vida em grupo. Vejamos: (1) O
acordo entre as partes é consensual; (2) Aleatório, o evento poderá ou não ocorrer,
durante a vigência do contrato; (3) Cria vantagens ou expectativas de vantagens para
ambas as partes, por isso, oneroso; (4) Bilateral, cria vantagens para o segurador
pagar indenização, ocorrido o evento. Para o segurado pagar o prêmio; (5)Formal,
porque deve ser reduzido a escrito CCB artigo 1433; (6) Adesão, finalmente, pois as
condições gerais são impostas pelo segurador, restando ao segurado aceitá-las sem
quaisquer modificações.
Da forma demonstrada, fica claro, que as empresas de funerais em evidência, vinham
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praticando atividade privativa de seguradora, sem a devida autorização.
O artigo 3º do Decreto Lei 73/66 diz:
Consideram-se operações de seguros privados, os seguros de coisas, pessoas, bens,
responsabilidades, obrigações, direitos e garantias. (grifo nosso)
Artigo 7º do mesmo diploma.
Artigo 7º - Compete privativamente ao Governo Federal formular a política de
seguros privados, legislar sobre suas normas gerais e fiscalizar as operações no mercado nacional.
Poderão operar em seguros privados apenas sociedades anônimas ou cooperativas,
devidamente autorizadas.” (fls. 109/112 - apenso)
A empresa do apelante jamais teria condições de assumir as obrigações
contratuais, porquanto não se constitui na forma de sociedades anônimas
ou cooperativas, eis que é uma empresa de responsabilidade limitada.
Ademais, não possui a respectiva e correta autorização estatal para
funcionamento, pondo, portanto, em risco o conjunto de consumidores.
Cabe, agora, verificar se a autorização necessária ao funcionamento
do negócio do ora apelante, ainda que fosse do Ministério da Justiça,
conforme sustenta o eminente Relator, podia-lhe ser exigida a fim de
escusá-lo de pena.
Em seu interrogatório judicial, o apelante deixou transparecer o íntimo
da sua convicção em relação ao fato:
“(...) – que não envolve nada, não envolve seguro, não envolve consórcio, não envolve
captação de poupança, porque nós fazemos isso; nós é quem pagamos para depois
receber, paga se achar conveniente. Seguro, - nós não manipulamos nada de seguro,
portanto, não vejo porque a empresa não foi constituída com essa finalidade, consórcio
nós não sorteamos caixão, nós não fazemos lance – para a pessoa ir lá e pegar o caixão
de lance. Portanto, eu acho que é meramente uma questão de prestação de serviço e
bem justo e claro. Não vejo nada diferente disso.” (fl. 43)
Inegavelmente, trata-se de erro de proibição, eis que o recorrente
acredita, desde o princípio do processo até as razões desta apelação, que
sua conduta típica é lícita e nenhuma irregularidade está a prejudicar as
atividades de sua empresa.
Entretanto, acertado se me afigura que apesar de ter incorrido em erro
de proibição, este erro poderia ser perfeitamente evitado com uma simples
diligência por parte do apelante, mormente porque o empreendimento é
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bastante inusitado (venda antecipada dos serviços funerários).
Não concordo com o voto do ilustre Relator quando afirma que a
empresa possui alvará da prefeitura, inscrição no CGC e registro do
contrato social e tais documentos, por si só, demonstrariam a diligência
empresarial do ora apelante. Esta documentação é elementar ao exercício do comércio. Considerando que o agente desenvolve atividade
comercial e as peculiaridades do negócio, entendo que o recorrente
deveria ter esgotado todas as informações possíveis junto aos órgãos
governamentais, inexistindo qualquer comprovação nos autos de que
teria ocorrido tal diligência.
É importante salientar que a negligência do apelante não está sendo
analisada no âmbito da tipicidade. Efetivamente houve dolo do agente
ao praticar a conduta descrita no tipo do artigo 16 da Lei 7.492/86. O
que se está questionando, agora no âmbito da culpabilidade, é o grau de
escusabilidade da conduta de B. M. a ponto de influir na aplicação da
pena. Anteriormente, afirmei que a impossibilidade de o agente evitar
a realização da conduta típica inviabiliza a aplicação da pena, ao passo
que a constatação de que o erro poderia ter sido evitado pode diminuir a
conseqüência jurídico-criminal em razão da reprovabilidade da conduta
do indivíduo, consoante David Teixeira de Azevedo:
“Essa diminuição especial da pena em nada se relaciona com o bem juridicamente
tutelado, não representando nenhuma consideração concernente à natureza do bem, à
maior ou menor extensibilidade da lesão ou à menor ou maior representatividade para
o seio social do valor encarnado no bem tutelado. Tem ela em vista exclusivamente
a menor reprovabilidade da conduta do agente. Quem não reflete subjetivamente a
ilicitude de seu agir, ainda que indesculpavelmente, é menos reprovável do que quem
conhece plenamente o caráter ilícito da conduta e, não obstante esse conhecimento
perfeito e completo da ilicitude, resolve pôr-se em contraste com o ordenamento
jurídico e com os valores por ele protegidos.” (AZEVEDO, David Teixeira de. Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. São Paulo: Malheiros Editores,
1998, p. 107-108)
Sendo assim, ouso divergir do eminente Relator, que concluiu pela
absolvição do recorrente, porque o erro de proibição era perfeitamente
evitável.
Passo a analisar a possibilidade de redução da pena aplicada - um ano
de reclusão, substituída pela pena alternativa de prestação pecuniária no
valor de dois mil reais. Saliento que esta faculdade é conferida ao jul184
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
gador através do enunciado da parte final do artigo 21 do Código Penal:
“Art. 21. (...) O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.”
Todavia, quando o legislador, em um tipo penal, estabelece a faculdade
de diminuição da pena, utilizando um núcleo “poderá”, como fez no art.
21, vincula o julgador a, se deixar de aplicar a causa de diminuição de
pena, motivar a omissão na diminuição da pena. Então, para deixar de
diminuir essa pena, deveria motivar a omissão. No caso, isso não pode
ser feito. Não há por que deixar de reduzir a sanção.
Na hipótese dos autos, entendo que se impõe a redução da pena em
um sexto, de modo a atender a finalidade de repressão e prevenção do
crime. Sendo assim, a pena privativa de liberdade resulta definitiva em
dez meses, mantendo a substituição operada no juízo a quo.
Com efeito, a redução da pena acarreta a extinção da pretensão punitiva pela incidência da prescrição retroativa, pois transcorreram mais
de dois anos entre o recebimento da denúncia (22.05.97, fl. 10) e a data
da publicação da sentença condenatória recorrível (12.05.2000, fl. 171,
verso), na forma dos arts. 107, IV, 109, VI , 110, § 1º, e 117, I e IV, todos
do Código Penal.
Em face do exposto, voto no sentido de declarar extinta a punibilidade
pela prescrição da pretensão punitiva.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.70.02.002234-9/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Apelante: L. C. V. C.
Advogado: Dr. Fernando Fragoso
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
185
EMENTA
Processo penal. Restituição de bens apreendidos. Dúvida quanto à
propriedade. Art. 120, § 4º, do CPP. Remessa das partes ao juízo cível.
Descabimento. Prova dos autos. Apelo provido.
1. A aplicação do disposto no art. 120, § 4º, do Código de Processo
Penal, pressupõe a existência de dúvida sobre quem seja o verdadeiro
dono das coisas apreendidas entre duas ou mais partes, caso em que serão
remetidas ao Juízo Cível. Inversamente, se existe apenas um interessado
na restituição, a hipótese é de julgamento do pedido pelo Juiz da Vara
Criminal, à luz da prova coligida. 2. No caso dos autos, o apelante demonstrou suficientemente ser o proprietário dos bens apreendidos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima
indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos
do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2001.
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: - L. C. V. C., por
intermédio de advogado constituído, requereu perante o Juízo Federal
da 1ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu/PR a restituição de vinte barras
de ouro, totalizando vinte quilos, apreendidas nos autos da Ação Penal
nº 87.1017373-0.
Segundo consta no presente caderno processual, a mercadoria foi
encontrada em poder de Gilson Schtruk, acompanhada de três notas
fiscais ao portador emitidas pela empresa Liquidez Distribuidora de
Títulos e Valores Mobiliários Ltda. Este acusado, por ocasião da prisão
em flagrante, declarou que recebera as barras de ouro de Sérgio Zajd.
Posteriormente, apontou como proprietário o apelante L. C.
Contudo, o feito restou arquivado em face da prescrição, sendo extinta
186
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
a punibilidade dos réus. Daí a interposição deste incidente de restituição
de coisas apreendidas, com fulcro no art. 118 do CPP.
A sentença, acolhendo manifestação ministerial, indeferiu o pedido,
ao argumento de que “a questão deve ser decidida na esfera cível, na
forma do § 4º do art. 120 do Código de Processo Penal, por persistir
dúvida quanto à titularidade dos bens.” (fls. 24/26)
O Recorrente alega, em suma, ser o legítimo dono das barras de
ouro, restando límpida a demonstração do seu direito de propriedade,
com base nas notas fiscais acostadas, confirmação escrita da empresa
vendedora, bem como declarações emitidas por Sérgio Zajd. Sustenta,
por fim, inaplicável o art. 120, § 4º, do CPP, porquanto inexiste outro
pretendente à mercadoria.
Oficiando nos autos, a ilustre Agente da douta Procuradoria da República opinou pelo improvimento do recurso.
Determinada a expedição de ofício à Vara de origem, vieram cópias
das notas fiscais referidas pelo Postulante. (fls. 76/79)
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de
pedido de restituição de 20 barras de ouro apreendidas nos autos do
procedimento criminal nº 87.1017373-0.
O apelante sustenta ser o legítimo proprietário do valioso metal, afirmando tê-lo adquirido em 1987 da empresa Liquidez Distribuidora de
Títulos e Valores Mobiliários, consoante as notas fiscais juntadas.
Ab initio, insta consignar afigurar-se descabido qualquer juízo de valor
acerca da conduta de transportar a mercadoria até a fronteira do Brasil
com o Paraguai, porquanto restou extinta a punibilidade dos réus frente
ao decurso do prazo prescricional.
Por conseguinte, não há óbice legal à devolução das coisas apreendidas, uma vez que a prescrição gera os mesmos efeitos do decreto
absolutório.
Nesse sentido, veja-se a jurisprudência desta Corte:
“PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DE BEM APREENDIDO. ART. 91,
INC. 2, LET. B, CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. Declarada extinta a punibilidade
pela ocorrência da prescrição retroativa, o bem apreendido deve ser restituído ao seu
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
187
proprietá­rio, uma vez que restou prejudicado um dos efeitos da condenação, ou seja, a
pena de perdimento prevista no ART-91, INC-2, LET-B, do CP-40.” (Apelação Criminal
nº 95.04.18828-1/RS, Segunda Turma, Relator Juiz Jardim de Camargo, publicada no
DJ de 27.01.99, página 680)
“PROCESSO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO.
NÃO SUBSISTEM OS EFEITOS PENAIS. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO.
INCABÍVEL O CONFISCO PREVISTO NO ART-91, INC-2, DO CÓDIGO PENAL.
PERDIMENTO DE BENS É EFEITO DA CONDENAÇÃO. 1. O confisco previsto no
ART-91, INC-2, do Código de Processo Penal é efeito automático da condenação, não
prevendo a lei essa modalidade de perdimento de bens para os casos de arquivamento;
absolvição ou extinção da punibilidade. 2. Ocorrente a prescrição da pretensão punitiva
do Estado, não subsiste a condenação do Juízo Criminal, e, conseqüentemente, não se
operam seus efeitos. O instituto da prescrição apaga todos os efeitos penais. 3. Mantida
a lúcida decisão do Juízo de origem.” (ACr nº 97.04.05655-9/RS, 2ª T., Relatora Juíza
Tania Escobar, DJ 24.12.97, p. 112584)
No mérito, como é sabido, a devolução das coisas apreendidas somente
pode ocorrer quando inexistir dúvida quanto ao direito do requerente.
Na hipótese em tela, como as notas fiscais acostadas (fls. 76/79) foram
emitidas “ao portador”, evidentemente, nada provam acerca da propriedade do ouro, mas apenas a legalidade de sua aquisição.
Contudo, o Recorrente juntou declaração escrita firmada pela empresa
Liquidez Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários atestando que L.
C. V. C.
“foi cliente desta instituição há cerca de 10 (dez) anos, tendo adquirido, conforme
notas de negociação de títulos, 20.000 (vinte mil) gramas de ouro em barras. As notas
representativas das aquisições foram emitidas ao portador, à opção do adquirente,
conforme facultava a legislação vigente à época, contendo os seguintes dados identificadores: nota nº 04.501, de 30.06.86, relativa a 1.000 (mil) gramas; nota nº 06.551,
de 19.05.87, relativa a 500 (quinhentos) gramas; nota nº 06.589, de 21.05.87, relativa
a 18.500 (dezoito mil e quinhentos gramas)” (fl. 08).
Em que pese a tentativa do Parquet de infirmar a idoneidade de tal
documento, verifica-se que os dados nele constantes correspondem às
referidas notas fiscais, constituindo forte indício da verossimilhança das
alegações do Demandante.
Mas não é só. A evidência dos autos indica que os dois outros implicados negaram ser donos da mercadoria.
Nos dizeres do órgão ministerial, Gilson Schtruk, na ocasião da prisão
188
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
em flagrante, afirmou que apenas transportava o ouro que teria recebido
de Sérgio Zajd. Posteriormente, declarou que tais valores eram de L. C.
V. C. (fl. 13).
Ou seja, o primeiro (Gilson) sempre negou a propriedade, indicando
o segundo (Sérgio) como sendo a pessoa que lhe entregara as barras. Isso
não significa, entretanto, atribuir a este último a condição de dono dos
bens. Aliás, a fim de tornar inequívoca a quaestio, o requerente acostou
Escritura Pública firmada em cartório por Sérgio Zajd, nas seguintes
letras:
“(...) O Outorgante declarante foi equivocadamente mencionado pelo Sr. Gilson
Schtruk como possível interessado nestas barras de ouro, que na verdade, nunca pertenceram ao Outorgante Declarante, sendo certo que não tem qualquer pretensão de
disputar o que não lhe pertence. Que esta declaração, salvo equívoco, o Outorgante
Declarante já prestou de forma esclarecedora quando prestou depoimento sobre os
fatos na Polícia Federal naquela época...”(fl. 21).
Nesse contexto, conclui-se que, dos três envolvidos, somente L. C.
manifestou interesse na devolução do ouro.
Portanto, revela-se implausível aplicar, nestes autos, o disposto no §
4º do artigo 120 do Código de Processo Penal, in verbis:
“Em caso de dúvida sobre quem seja o verdadeiro dono, o juiz remeterá as partes
para o juízo cível, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário ou do
próprio terceiro que as detinha se for pessoa idônea”.
Com efeito, é pressuposto de aplicação do guerreado comando normativo o litígio entre duas ou mais pessoas que simultaneamente possam
ser consideradas proprietárias, caso em que serão encaminhadas ao Juízo
competente, não se vislumbrando outra interpretação possível para o
citado dispositivo do Diploma Processual.
Na espécie sub judice, existe apenas um reclamante, logo, a discussão
se encerra no Juízo Criminal, não havendo se falar em remessa ao Juízo
Cível por dúvida acerca da propriedade.
Quando a prova coligida não for bastante, a solução é o indeferimento
do incidente, ao passo que, na hipótese contrária, se impõe a procedência
do pedido de restituição dos bens (art. 120, CPP).
In casu, tenho que a legítima propriedade restou suficientemente demonstrada, considerando os documentos trazidos e a circunstância de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
189
não haver outro interessado, até porque se o Ministério Público ofertou
denúncia, e o apelante figurou como réu na ação penal, justamente por
ter sido apontado como proprietário dos valores, não se mostra lógico
nem razoável considerar duvidosa esta circunstância tão-só para efeito
de devolução da mercadoria.
Pelo exposto, dou provimento ao apelo para determinar a restituição
a L. C. V. C. dos vinte quilos de ouro em barra apreendidos nos autos
do processo criminal nº 87.1017373-0.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.70.02.002261-1/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho
Apelante: C. M. D.
Advogado: Dr. Jairo Moura
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Crime de resistência. Tipicidade. Prova. Estrangeiro. Suspensão
condicional do processo.
A conduta típica da resistência perfectibilizou-se no momento em
que o acusado se negou a atender o chamado para dirigir-se ao interior
das dependências da Polícia Federal para checagem e exame de sua
documentação e situação de permanência no país.
Os testemunhos prestados em juízo por policiais, sob o crivo do contraditório, são válidos e podem, sozinhos, embasar condenação, segundo
entendimento firmado pelo Pretório Excelso e pelo STJ.
A concessão do benefício da suspensão condicional do processo está
190
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
baseada na imposição e cumprimento, como o próprio nome do benefício já sugere, de condições. O réu estrangeiro, de caráter transitório
no território nacional, que aqui permanece irregularmente, não pode ser
beneficiado pelo sursis processual, já que não teria como cumprir, por
suposto, as condições que eventualmente seriam impostas.
Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de outubro de 2001.
Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público Federal denunciou C. M. D., dando-o como incurso nas sanções do
art. 329 do Código Penal, porque, no dia 27 de junho de 2000, o denun­
ciado, encaminhado ao Departamento da Polícia Federal – Núcleo de
Estrangeiros – por Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de Foz do
Iguaçu, ao ser chamado para adentrar no interior das dependências para
uma fiscalização mais minuciosa da condição de estrangeiro, o pôs-se ao
ato, agredindo fisicamente e ameaçando os Agentes da Polícia Federal.
A denúncia foi recebida em 07.04.2000.
Citado, o réu foi interrogado e, através de defensor dativo, apresentou
defesa prévia.
Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação.
Na fase do art. 499 do CPP, as partes nada pediram.
As partes apresentaram alegações finais.
Sentenciando, o magistrado de primeiro grau julgou procedente a
ação penal para condenar o acusado C. M. D. como incurso no art. 329
do Código Penal à pena de dois meses de detenção, substituída por pena
restritiva de direitos, consubstanciada em dez dias-multa, à razão de 1/30
do salário mínimo vigente quando da prática do fato delituoso.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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Inconformado, apelou o condenado.
Em suas razões de apelo, alega que a prova é insuficiente para amparar
uma condenação, já que existem nos autos unicamente os testemunhos
dos policiais envolvidos. Alternativamente, pede que sejam concedidos
os benefícios da suspensão condicional do processo, nos termos do art.
89 da Lei 9.099/95.
O Ministério Público Federal, em ambos os graus de jurisdição,
manifesta-se pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
Dispensada a revisão, por se tratar de delito apenado com pena de detenção.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: A sentença condenatória deve ser mantida.
Segundo consta nos autos, o apelante, natural da Guiana Francesa,
dirigiu-se ao Núcleo de Estrangeiros da Polícia Federal de Foz do Iguaçu/PR, acompanhado de uma Assistente Social da Prefeitura Municipal
daquele mesmo Município, relatando o roubo de seus documentos. Ao
perceber que iria ser submetido a uma fiscalização minuciosa, com o
objetivo de verificar sua situação de entrada e permanência no país,
resistiu fisicamente ao ato, proferindo ameaças e agredindo os servidores
do Departamento de Polícia Federal.
A materialidade está devidamente comprovada nos autos através do
Auto de Resistência constante à fl. 08 do IPL apenso, e também pelo
Laudo de Exame de Lesões Corporais de fl. 38 dos autos, o qual comprova a ocorrência de pequenas escoriações na região cervical direita
e antebraços direito e esquerdo sofridas por Júlio Olstan Júnior, Agente
da Polícia Federal.
A tipicidade e autoria da conduta, por seu turno, também são certas.
O réu, em juízo, nega que tivesse resistido a qualquer ordem. Nega,
inclusive, que tivesse dado início à confusão. (fls. 14/16)
No entanto, inobstante a sua negativa, está comprovado nos autos
que o réu resistiu à ordem para adentrar na sala onde iria ser procedida a
verificação de sua real situação de ingresso e permanência em território
nacional. Aparecido Bernardo da Conceição Filho, Agente da Polícia
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
Federal, ouvido à fl. 44 dos autos, disse em juízo que a confusão começou porque o réu não quis acompanhar o Agente Júlio Olstan para o
interior de uma sala onde seria analisada a documentação e a situação
do acusado no Brasil. Disse que o colega estava tentando tirar o acusado
do meio do povo, já que ele estava alterado, para o conduzir a uma sala
separada. (fl. 44)
Júlio Olstan Júnior, servidor do setor de estrangeiros da Polícia Federal, disse em juízo que o acusado já chegou alterado. Para evitar mais
confusão, resolveu levar o estrangeiro para o interior do posto, onde a
situação seria analisada. No entanto, o réu não quis acompanhar, momento em que passou a agredi-lo verbalmente e fisicamente. (fls.47/49)
Por outro lado, não vejo motivo algum que justifique a rejeição dos testemunhos dos policiais que participaram do flagrante. Estas testemunhas,
devidamente compromissadas, como qualquer outra, consubstanciam-se em prova hábil e apta a embasar decreto condenatório, nos termos
da jurisprudência da Corte Suprema e do Superior Tribunal de Justiça:
“VALIDADE DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTES POLICIAIS.
O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais – especialmente quando
prestado em juízo, sob a garantia do contraditório – reveste-se de inquestionável eficácia
probatória, não se podendo desqualificá-la pelo só fato de emanar de agentes estatais
incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. O depoimento testemunhal do
agente policial somente não terá valor, quando se evidenciar que esse servidor do Estado,
por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se
demonstrar – tal como ocorre com as demais testemunhas – que as suas declarações não
encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos.
Doutrina e Jurisprudência.” (STF- HC 73518/SP – 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello,
DJU 18.10.96, p. 39846)
“É idônea a prova testemunhal obtida por depoimento no auto de prisão em flagrante
e reafirmada em juízo, com plena observância do contraditório, mesmo constituída
apenas por depoimentos de policiais que realizaram o flagrante”. (STJ – HC 9314/
RJ – 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 09.08.99, p. 176)
Assim, conclui-se que a conduta típica da resistência perfectibilizou-se no momento em que o acusado se negou a atender o chamado para
dirigir-se ao interior das dependências da Polícia Federal para checagem
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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e exame de sua documentação e situação de permanência no país. Esta
reação violenta e nervosa se deu, talvez, porque tinha plena consciência
de sua situação irregular no país, pois há mais de dois meses antes do
episódio deveria ter deixado o país, via Argentina, segundo informou a
Embaixada da Guiana Francesa em Brasília, já que lhe havia sido emitido
um documento emergencial devido ao noticiado furto de documentos,
documento este emitido unicamente para efeito de saída do Brasil (fl.
33 do IPL apenso). Ou seja, o réu estava em situação irregular no país,
o que ocasionou seu nervosismo e resistência para a checagem de documentação.
Por fim, diz o apelante que deve ser aplicado o instituto da suspensão
condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95. Sem razão. A concessão condicional do benefício da suspensão condicional do
processo está baseada na imposição e no cumprimento, como o próprio
nome do benefício já sugere, de condições. O réu, por ser estrangeiro,
de caráter transitório no território nacional, aqui permanecendo irregularmente, não pode ser beneficiado pelo sursis processual, já que não
teria como cumprir, por suposto, as condições que eventualmente seriam
impostas.
Nestes termos, porque ausente qualquer circunstância que exclua o
crime, a antijuridicidade ou a culpabilidade, mantenho a sentença condenatória. A pena privativa de liberdade, fixada no mínimo legal de dois
meses de detenção, diga-se, já totalmente cumprida, substituída por dez
dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo vigente quando
do fato, não merece qualquer modificação.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo. Ante a condição do
apelante, que está em liberdade, comunique-se à Secretaria Nacional de
Estrangeiros e à Embaixada da Guiana.
É como voto.
194
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO
Nº 2000.71.03.001684-1/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho
Recorrente: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Recorrido: R. C. A.
EMENTA
Entorpecentes. Folhas de coca. Competência.Tipificação legal.
É entendimento pacificado nos Tribunais que, para caracterizar a
internacionalidade, basta que a droga tenha provindo do exterior, ou
que tenha sido enviada para o exterior, independentemente da efetiva
cooperação com agentes de ambos os países envolvidos.
A peça inicial ofertada pelo Ministério Público Federal narra situação
de tráfico de cocaína, na qual o denunciado é enquadrado no art. 12 da
Lei 6.368/76, quando é incontroverso nos autos que o denunciado trazia
consigo tão-somente folhas de coca, que, pela pequena quantidade, não
eram destinadas ao fabrico de cocaína.
Recurso provido. Habeas corpus concedido de ofício para trancar a
ação penal por falta de justa causa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, para declarar competente a Justiça Federal
para processar e julgar o feito, e, de ofício, conceder a ordem de habeas
corpus para trancar a ação penal, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2001.
Des. Federal Volkmer de Castilho, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra R. C. A. dando-o como incurso na
sanção do artigo 12, caput, da Lei nº 6.368/76, entrelaçada à majorante
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
insculpida no artigo 18, I, do mesmo diploma legal, porquanto o denunciado tentou entrar em território brasileiro, trazendo consigo, acondicionadas em sacos plásticos e na forma de folhas vegetais, 340 (trezentos
e quarenta) gramas da substância entorpecente conhecida pelo nome de
cocaína (erytroxylum coca).
Sentenciando, o magistrado de primeiro grau deu-se por incompetente,
declinando da competência para o processo e julgamento dos fatos atribuídos ao ora recorrido, a Justiça Estadual da Comarca de Uruguaiana,
porquanto no caso de tráfico de entorpecentes ou tentativa de tráfico a
competência da Justiça Federal só ocorre quando evidenciada a situação
de cooperação internacional, sendo necessária a caracterização da traficância internacional, o que não restou comprovado.
O Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito
(fl. 02) contra essa decisão, alegando que existem nos autos indícios
suficientes da prática do tráfico internacional de entorpecentes.
O recorrido, sendo intimado por edital, não apresentou contra-razões
(fl.15).
Nesta instância, opinou o órgão ministerial (fls. 23/25) pela baixa em
diligência para que lhe fossem apensados os autos da ação principal, ao
que se procedeu nos termos do r. despacho de fls. 27/28. Deu-se nova
vista ao Ministério Público Federal (fl. 31).
O novo parecer do Ministério Público Federal foi no sentido de dar
provimento ao recurso ministerial, firmando-se a competência da Justiça
Federal de primeiro grau.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: O Ministério Público
Federal ofereceu denúncia contra R. C. A., cidadão boliviano, porque
foi preso em flagrante ao entrar no Brasil portando 340 g da substância
entorpecente conhecida vulgarmente por cocaína.
Entendeu a magistrada de primeiro grau em declinar da competência
para a Justiça Estadual, a pretexto de não estar comprovada a existência de elementos que caracterizem a cooperação não eventual entre
os sujeitos dos países envolvidos, necessária para a configuração do
tráfico internacional, bem como porque, conforme apurado no inquérito
196
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policial, o réu praticou o delito do art. 16 da Lei 6.368/76, já que não
introduziu no país substância entorpecente para fins comerciais, mas,
sim, para uso próprio, exatamente conforme havia sido indiciado pela
autoridade policial.
Segundo o recorrente, existem indícios suficientes do tráfico de cunho
internacional e que o fato de o réu ter sido indiciado pela possível prática
do crime previsto no art. 16 da Lei Antitóxicos não afasta a possibilidade
de o Ministério Público denunciá-lo segundo o que entender de direito.
Tem razão, em parte, o recorrente. É entendimento pacificado nos
Tribunais que, para caracterizar a internacionalidade, basta que a droga
tenha provindo do exterior, ou que tenha sido enviada para o exterior,
independentemente da efetiva cooperação com agentes de ambos os
países envolvidos. Também é certo que o Ministério Público não fica
vinculado às conclusões tomadas no relatório emitido pela autoridade
policial. Isto é, o acusador tem total liberdade para formular a sua opinio
delicti segundo o que foi apurado no inquérito, independentemente do
enquadramento legal dado aos fatos pela autoridade policial. Depois, o
momento processual oportuno para operar a desclassificação da conduta é a sentença, nos termos dos artigos 383 e 384 e parágrafo único do
Código de Processo Penal, não no início do processo ou no recebimento
da denúncia.
Entretanto, no caso, a ação penal não pode ter seu curso normal autorizado, por falta de justa causa, já que, pelos elementos constantes nos
autos, o fato apurado não constitui crime.
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Segundo denúncia que deu o acusado como incurso nas sanções do
art. 12 da Lei 6.368/76, o recorrido foi surpreendido ao ingressar em
nosso país, via Argentina, portando, em sua bagagem, “cerca de 300 g
de cocaína”. Ocorre, todavia, que, na verdade, fato incontroverso nos
autos, foram encontrados com o denunciado 300 g de folhas de coca.
Embora no Brasil o fato de trazer consigo 300 g de folhas de coca
(tipificado no par. 1º, inciso I) e trazer consigo 300 g de cocaína (tipificado no art. 12) tenha o mesmo significado jurídico-penal, porque as
duas substâncias são de uso proscrito no Brasil, arroladas nas listas do
Departamento de Saúde, o fato é que os elementos de tipificação de um
e de outro são distintos.
Trazer consigo cocaína, em tese, será sempre crime, quer de tráfico
quer de uso. Já trazer consigo folhas de coca somente será virtualmente
conduta típica se se tratar de matéria-prima destinada ao preparo de
substância entorpecente, nos termos do inc. I, par. 1º, do art. 12 da Lei
de Tóxicos.
No caso dos autos, tanto é controverso saber se as folhas de coca constituem “matéria-prima”, quanto a lógica dos fatos, o bom senso, a razoabilidade e os elementos colhidos no inquérito, impõem a conclusão de que
pela pequena quantidade delas (300g) – insignificante para o fabrico de
cocaína - demonstra que não eram destinadas ao preparo de substância
entorpecente. Além disso, é proibida, em segundo grau, a mutatio libelli,
de modo que a acusação já não se pode mais alterar, ficando o Tribunal
limitado aos termos da mesma.
Diante desta constatação, aliás, é plausível a tese, sustentada pelo
recorrido, caminhoneiro de origem boliviana, acostumado a permanecer
por longo tempo fora de sua terra, de que as folhas de coca, de fato,
eram destinadas ao seu uso pessoal, para o preparo de chá.
Nestes termos, dou provimento ao apelo para declarar a competência
da Justiça Federal para processar e julgar o feito, e, de ofício, concedo
habeas corpus para trancar a ação penal por falta de justa causa, nos
termos dos arts. 648, inc. I, e 654, § 2º, do Código de Processo Penal, à
vista de que o fato descrito não é crime.
É o voto.
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RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO
Nº 2000.72.00.006532-3/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva
Recorrente: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Recorridos: C. V. C.
A. S. C.
A. A. K.
A. I. S.
I. C. R. P.
V. B.
A. M. P.
A. T. A.
E. S. M.
R. J. F.
P. H. S.
J. A. K.
D. J. I. J.
C. P. R.
Advogados: Dr. Helio Rubens Brasil
Dr. Alfredo da Silva Junior
EMENTA
Processual Penal. Recurso criminal em sentido estrito. Contrabando/
descaminho. Liberdade provisória. Fiança não fixada. Necessidade.
Recurso provido.
1. Se o próprio recorrente não discorda da concessão da liberdade
provisória aos recorridos, ressalvando, tão-somente, a necessidade de
fixação de fiança, não há porque decretar-se a nulidade da decisão porque
não ouviu o Ministério Público previamente.
2. Há casos como o dos autos, crime de contrabando/descaminho,
em que não se mostra necessário tomar a medida extrema da prisão preventiva, para acautelar o juízo, deve-se, porém, utilizar outro instituto,
menos rigoroso, mas também eficaz, que é a fiança, a fim de garantir, ao
menos, o pagamento das custas processuais.
3. Decisão reformada a fim de que o Juízo a quo condicione a liberdade
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provisória ao pagamento de fiança a ser por ele arbitrada.
4. Recurso criminal em sentido estrito provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso criminal em sentido estrito, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de agosto de 2001.
Des. Federal José Germano da Silva, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de recurso
criminal em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra
decisão proferida pelo MM. Juízo da Vara Federal Criminal de Florianópolis/SC, em regime de plantão, a qual, com fulcro no parágrafo único
do art. 310 do CPP, determinou a liberdade provisória dos indiciados,
ora recorridos, sem o arbitramento de fiança, presos em flagrante, pelo
suposto cometimento do delito de contrabando/descaminho, previsto no
art. 334 do CP.
O Parquet alega, em síntese, que a decisão é nula, porquanto concedida liberdade provisória sem a prévia audiência do titular da ação penal
pública incondicionada, e também que, por se tratar de crime afiançável,
somente mediante o oferecimento de garantia é que poderiam ter sido
soltos os indiciados.
Com contra-razões.
A decisão foi mantida por seus próprios fundamentos.
Subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público nesta instância
ofertou parecer no sentido do improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: O recurso do Parquet divide-se em dois pontos distintos. O primeiro, quanto à nulidade
da decisão porque não houve a prévia audiência do Ministério Público
para a concessão da liberdade provisória;
segundo,
noa. 13,
que
sep. 91-397,
refere2002à
200
R. Trib. Reg. Fed. o
4ª Reg.
Porto Alegre,
n. 43,
fixação de fiança, no valor de 20 salários mínimos, para tal concessão.
No que se refere ao primeiro ponto, tenho que não há nulidade a ser
corrigida. Embora a lei processual determine, no art. 310 mesmo, a ouvida
do Ministério Público para manifestar-se acerca do pedido de liberdade
provisória, antes de proferida a decisão, há que se conjugar tal disposição com a ocorrência de prejuízo a qualquer das partes, o que no meu
entender não houve, aplicando-se o princípio pas de nullité sans grief.
Como bem salientou o parecer ministerial, da lavra da i. Procuradora
Regional da República, Dra. Irene Coifman Branchtein,
“... se o próprio recorrente não discorda da concessão da liberdade provisória aos
recorridos – com a única ressalva de que ela deveria ser condicionada à prestação de
fiança –, qual seria a utilidade de decretar-se a nulidade da decisão por ausência de
manifestação do Parquet?”.
Logo, como se vê, não houve prejuízo capaz de ensejar a decretação
de nulidade da decisão atacada, tanto que o recorrente concorda com a
liberdade, só que sob fiança.
No que se refere ao segundo argumento do recorrente, penso que
merece prosperar.
Deve-se salientar que, tanto a prisão preventiva, quanto o instituto da
fiança, ambos configuram medida cautelar criminal. A primeira consiste numa cautelar enérgica, a mais enérgica possível, aplicável quando
presentes os pressupostos autorizadores do art. 312 do CPP. Ocorre, no
entanto, que momentos há em que não é necessário tomar-se a medida
extrema para acautelar o juízo, pode-se utilizar de outro instituto, menos
rigoroso, mas também eficaz, que é a fiança.
Caso típico é o de que aqui se está a tratar, o crime de descaminho/
contrabando. No caso concreto, a prisão preventiva mostra-se por certo
exagerada. Não porém a fixação de fiança. A prisão, nos termos em que
se apresenta o sistema penal contemporâneo, é medida excepcional. A
fiança, porém, situa-se a meio caminho, entre a prisão preventiva, medida
de acautelamento extremo, e a liberdade provisória, sem garantia alguma.
Veja-se que não foram poucos os pacotes de cigarro apreendidos, não
se tratava de turistas que ultrapassaram a sua quota. Segundo os Autos de
Apresentação e Apreensão constantes às fls. 47-60, foram apreendidos
aproximadamente 5.584 pacotes de cigarros. Embora não se encontre
nos autos o laudo de avaliação, pode-se deduzir que o seu valor não é
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
insignificante.
Assiste razão ao recorrente quando afirma que:
“... Se o indiciado, ao praticar o delito por que foi preso em flagrante, poderá dar
causa à instauração de processo criminal oneroso, é razoável que o Estado libere da
prisão mediante garantias, pelo menos para que, ao final, não se tenha ainda maior
ônus na execução de custas e multa decorrente da sentença penal condenatória, que,
na forma, do novo regime legal, é dívida de valor e não mais se converte em pena
privativa de liberdade...” (fl. 90).
Assim, deve ser reformada a decisão atacada, a fim de determinar
que a liberdade provisória concedida aos indiciados seja condicionada à
prestação de fiança, cujo valor deverá ser fixado pelo MM. Juízo a quo,
de modo a criar um maior vínculo deles com o processo a que respondem.
Ante o exposto, meu voto é no sentido de dar provimento ao recurso
criminal em sentido estrito.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.065958-8/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas
Apelante: L. M. R.
Advogados: Dr. Antonio Carlos Porto e Silva
Drs. Flavio Cassel Junior e outro
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Penal. Processual penal. Apelação criminal. Incidente de restituição de coisas apreendidas. Art. 118, CPP. Restituição anterior
ao trânsito em julgado da decisão final. Possibilidade. Regulamento
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Aduanei­ro e Decreto-Lei 37/66. Interesse do bem para instrução. Inexistente.
1. No crime de contrabando ou descaminho (CP, art. 334), a apreensão
de veículo utilizado na prática delituosa pode ser feita na esfera penal
e na administrativa, que são independentes entre si. Feita a apreensão
penal, submetido o veículo à perícia, a apreensão só se justifica se houver possibilidade de vir a ser confiscado (art. 91, II, do CP). Nos demais
casos, que consti­tuem na prática a maioria, deve ser deferido pedido de
restituição formulado pelo proprietário. No entanto, a liberação penal
não interfere em eventual apreensão administrativa, motivo pelo qual a
entrega do bem fica sempre condicionada à inexistência de procedimento
administrativo de perdimento de bem na Receita Federal.
2. Recurso provido.
.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2001.
Des. Federal Vladimir Freitas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: L. M. R. ingressou com
incidente de restituição de coisas apreendidas, eis que seu noivo, Leandro
Alberti, foi preso em flagrante e denunciado por infração ao art. 334 e
parágrafos do Código Penal, portando um telefone celular e utilizando-se de veículo, marca VW/Santana, que assegura serem de propriedade
da reclamante. Juntados ao feito, para comprovar tal situação, os documentos de fls. 03 e 04.
Acolhendo manifestação do Ministério Público Federal (fl. 5/verso),
o juízo a quo determinou a restituição do telefone celular, indeferindo
o pedido no que concerne ao automóvel (fl. 08). Inconformada com tal
decisão, a reclamante interpôs recurso de apelação, aduzindo, em suas razões
(fls. 17/19), ser a legítima proprietária dos bens que cedeu em empréstimo ao seu noivo, por vislumbrar estar o mesmo apenas desempenhando
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
suas atividades na agência de publicidade em que trabalhava, sem que
qualquer envolvimento seu ficasse demonstrado pela investigação policial
no delito de descaminho, visto que sequer foi denunciada pelo parquet.
Os advogados da Apelante renunciaram ao mandato, dando-lhe ciência (fl. 27). O órgão ministerial, em sede de contra-razões (fls. 21/24),
pugna pela manutenção da decisão, haja vista não pairarem dúvidas de
que o veículo, objeto da esgrima processual, foi utilizado no transporte
de mercadorias contrabandeadas. Ademais, sustenta, com base legal, o
interesse da Fazenda Nacional no objeto apreendido. Carreada a denúncia que originou o processo-crime de contrabando de nº 98.1103559-8,
em andamento perante a 2ª Vara Federal de Santa Maria, com o devido
aditamento (fls. 29/52), a Procuradoria Regional da República ofereceu
parecer no sentido de dar parcial provimento ao apelo, a fim de conceder à Apelante o depósito do bem apreendido, de vez que verifica sua
participação, enquanto proprietária do veículo, no ilícito.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vladimir Freitas: Trata-se de apelação
interposta pela reclamante em face da decisão que negou a restituição
de veículo automotor que assevera ser de sua propriedade, que restou
apreendido, ante encontrar-se o mesmo na posse de seu noivo quando
de sua prisão em flagrante, réu em processo-crime de contrabando, processado perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria.
É de ser admitido o presente recurso, por próprio e tempestivo.
Julio Fabbrini Mirabete, em sua obra Processo Penal, Atlas, 10ª ed.,
2000, p. 235, afirma que:
“É praticamente pacífico que o remédio cabível da decisão que indefere pedido de
restituição de coisa apreendida é o recurso de apelação. (...) A decisão é formalmente
definitiva, no sentido de que tranca a possibilidade de solução perante a jurisdição
criminal, aplicando-se, pois, o art. 593, II, do CPP, que prevê a apelação como recurso
cabível na hipótese.”
Admitido o recurso, passo à análise da representação processual. A
Apelante ingressou pessoalmente em Juízo e depois constituiu advogados (fl. 13). Ocorre que, posteriormente, os procuradores renunciaram
ao mandato, dando-lhe ciência (fl. 27). Pois bem, face aos termos do
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Código de Processo Civil, omissa a parte, contra ela passam a correr os
prazos, independentemente de intimação. (STJ, 3ª T, REsp. 61.839-8/
RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 11.03.96)
Passo à análise do mérito.
A princípio, firmado está o entendimento segundo o qual a restituição
só tem lugar após o trânsito em julgado da decisão final. Todavia, tal
diretriz não pode ser alçada com o intuito de abarcar todas as situações
em que se pretende a restituição de coisas apreendidas quando da investigação policial, sob pena de perpetrar-se iniqüidade tão combalida pelo
direito pátrio, notadamente pelo Direito Penal.
Em atenção à tese ora em testilha, Fernando Capez, em sua obra Curso
de Processo Penal, Saraiva, 5ª ed., 2000, p. 334, leciona:
“Se os instrumentos do crime não se amoldarem à alínea a do inciso II do art. 91 do
Código Penal, ou seja, se não forem confiscáveis, poderão ser restituídos ao criminoso
e ao lesado ou ao terceiro de boa-fé, pouco importando haja sentença condenatória
transita em julgado”.
Logo a seguir, continua (p. 336/337):
“Não se tratando de objetos confiscáveis, ficam guardados até a sentença final
(absolutória ou condenatória); contudo, se não mais interessarem ao processo, poderão
ser restituídas até mesmo em fase de inquérito”.
Não faz sentido manter-se a apreensão levada a efeito de um veículo,
sob a singela alegação de que nele foi encontrada alguma porção de objeto
de contrabando. Assim, o melhor será excluir da previsão legal os objetos
ocasional ou eventualmente utilizados no cometimento da infração (RT
577353), isto porque a restituição das coisas também decorre da chamada
Justiça Comutativa ou Corretiva, onde o juiz observa uma equação de
proporcionalidade aritmética e restabelece a igualdade eventualmente
rompida, repondo às pessoas o que, por direito, lhes pertence.
Esse, aliás, é o entendimento que se deflui dos excertos ora colacionados que convergem para a mesma linha de raciocínio:
“600181 – JCPP.118 CRIME DE CONTRABANDO – AUTOMÓVEL ADQUIRIDO
NA ZONA FRANCA DE MANAUS – RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA – 1.
A restituição de veículo apreendido em investigação policial pode ser concedida ao seu
proprietário, mediante termo de depósito, para a devida conservação. Isso não contraria
o art. 118 do CPP, porquanto a providência não impede a realização das diligências que
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se mostrarem necessárias, à vista do eventual cometimento do crime de contrabando. 2.
A providência ainda mais se impõe quando, a despeito de ter sido o veículo adquirido
na Zona Franca de Manaus, o seu proprietário não é o destinatário das investigações.
3. Improvimento da apelação.” (TRF 1ª R. – ACR 93.01.34866-7 – AM – 3ª T. – Rel.
Juiz Olindo Menezes – DJU 28.06.96);
“33153285 JCP.334 – PENAL E PROCESSUAL PENAL – RESTITUIÇÃO DE
COISAS APREENDIDAS – SENTENÇA CONDENATÓRIA – APELAÇÃO DO
RÉU – VEÍCULO PRESO – NOMEAÇÃO DO DONO COMO DEPOSITÁRIO FIEL
– POSSIBILIDADE – 1. A apreensão de veículo utilizado na prática do crime de contrabando só se justifica quando comprovada a responsabilidade de seu proprietário na
prática do ilícito. Súmula 138 do extinto Tribunal Federal de Recursos. 2. Admite-se a
nomeação do dono do bem apreendido na prática do crime previsto no art. 334 do Código
Penal – como depositário fiel. 3. Recurso parcialmente provido.” (TRF 1ª R. – ACR
199901000817439 – BA – 4ª T. – Rel. Juiz Carlos Olavo – DJU 19.02.2001 – p. 60);
“33148476 JCPP.593.II JCPP.593 – PENAL E PROCESSUAL PENAL – DESCABIMENTO – RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA – RECURSO CABÍVEL
– VEÍCULO LOCADO – 1. É apelável a decisão que julga o pedido de restituição de
coisa apreendida (CPP, art. 593, II). 2. Não havendo demonstração de que o proprietário
do veículo apreendido (ônibus) tenha participação no descaminho supostamente praticado pelos passageiros, impõe-se o deferimento do pedido de restituição sob depósito.
3. Provimento da apelação.” (TRF 1ª R. – ACR 01000748324 – BA – 3ª T. – Rel. Juiz
Fed. Conv. Marcus Vinicius Bastos – DJU 09.06.2000 – p. 28);
“32071743 – DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROCESSO PENAL – COISA
APREENDIDA – IRRELEVÂNCIA PARA O PROCESSO – RESTITUIÇÃO – Resultando dos autos que o veículo apreendido não guarda interesse para o processo-crime nem se insere no rol dos objetos alcançados pelos efeitos de eventual sentença
condenatória, impõe-se a sua restituição ao legítimo proprietário. Decisão: segurança
concedida. Conhecer. Deferir a ordem. Unânime.” (TJDF – MSG 19990020019627 –
C.Crim. – Rel. Des. Fernando Habibe – DJU 09.08.2000 – p. 11).
O digno representante do Ministério Público Federal invocou o regulamento aduaneiro para justificar o indeferimento do pedido (fls. 21/24).
Mas é exatamente aí que reside a justificativa para a devolução. Explico.
A apreen­são penal nada tem a ver com a apreensão administrativa. São
coisas distintas. Uma não interfere na outra. A restituição em uma esfe-
206
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
ra não impõe a mesma medida em outra. A penal tem justificativa nos
arts. 118 e seguintes do Código de Processo Penal. A administrativa no
Decreto-Lei 37/66. Isso ficou bem claro na Apelação Criminal 0425202-6/
PR, 1ª T., Rel. Juiz Ari Pargendler, j. 23.05.95, DJU 14.06.95, p. 37.578,
cuja ementa dispõe:
“Processo Penal. Incidente de restituição de coisas apreendidas. Alcance da decisão
que acolhe o pedido, no caso de existir processo administrativo-fiscal. Quando, no incidente de restituição, o juiz criminal decide liberar mercadorias apreendidas no inqué­rito
policial não pode ir além do que lhe autoriza a competência penal; havendo processo
administrativo-fiscal de perda das mercadorias, só um provimento do juízo cível poderá
dispor a respeito do destino delas, sob pena de supressão do processo judicial próprio e
de invasão de competência que é de outra autoridade judiciária. Apelação improvida.”
Portanto, em âmbito penal, resta apenas ver se o bem apreendido
foi submetido à perícia e avaliar se ele tem qualquer interesse para
o desfecho da ação, inclusive se poderá ser confiscado. Ora, no caso
dos autos, ainda que não esclarecido como seria desejável, é possível
presumir que o veículo tenha sido periciado, já que a apreensão se deu
no distante 18.09.98 (fl. 14). Não se vê razão para manter-se o vínculo
do automóvel com o processo penal, até porque a Apelante sequer foi
denunciada (vide fl. 32).
Face ao exposto, acolho o parecer da Dra. Procuradora Regional da
República (fls. 58/60), mas vou além, deferindo a restituição do veículo,
mediante termo nos autos, sem prejuízo da eventual apreensão feita pela
autoridade fazendária nos autos de processo administrativo de perdimento
do bem, no âmbito do qual deverá o Juízo a quo diligenciar acerca desse
eventual perdimento do veículo, antes de conferir à sua proprietária a
restituição do mesmo, pois a efetivação da liberação do mesmo depende
do resultado desse procedimento regular.
Voto, pois, no sentido de dar provimento ao recurso.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
207
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2001.04.01.070250-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti
Impetrantes: Eduardo Dorfmann Aranovich Gerson Branco e advogados
Advogado: Dr. Gerson Luiz Carlos Branco
Impetrado: Juízo Substituto da 3ª Vara Federal Criminal
de Porto Alegre/RS
Interessado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Processo Penal – Decisão interlocutória – Recurso cabível – Princípio
da fungibilidade – Advogado – Inviolabilidade – Diligência – Autorização – Verificação pelo juiz de material apreendido – Observação do
segredo de justiça.
Embora seja razoável o entendimento de que, também no processo
penal, o recurso cabível contra as decisões interlocutórias deveria ser,
por analogia com o processo civil, o agravo de instrumento, o princípio
da fungibilidade e uma firme orientação doutrinária e jurisprudencial
recomendam a admissibilidade tanto da apelação quanto do mandado
de segurança e até da correição parcial, em todos os casos que não se
enquadram nas hipóteses de recurso em sentido estrito, especialmente
quando houver risco de dano irreparável.
O direito à inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do Advogado, dos seus arquivos e dados, da sua correspondência e de suas
comunicações, inclusive telefônicas ou afins, não é absoluto, podendo
ser afastado em caso de busca e apreensão determinada por magistrado.
Naturalmente, o poder judicial também não é ilimitado, o que implicaria inutilizar, na prática, a prerrogativa profissional: o juiz só pode
determinar busca e apreensão em escritório ou local de trabalho de
Advogado nas precisas hipóteses do artigo 240 do Código de Processo
Penal. É dizer: o direito do Advogado à privacidade do seu escritório
ou local de trabalho, dos seus arquivos e dados, da sua correspondência
e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, não vai além da
medida estritamente necessária para a garantia do legítimo exercício da
208
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
advocacia, em nome da liberdade de defesa e do sigilo inerente à essa
atividade profissional, não podendo ser confundido com imunidade para
a prática de crimes, para a ocultação de provas ou para o favorecimento
de criminosos, hipóteses que legitimam plenamente a busca e apreensão
determinada por magistrado.
Peculiaridades do caso concreto resolvidas por meio de autorização
para que o juiz verifique, pessoalmente assegurada a presença das partes,
em segredo de justiça, o material apreendido no escritório de advocacia,
buscando identificar a existência de elementos que possam ter relevância
probatória, no processo penal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de dezembro de 2001.
Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de
mandado de segurança impetrado por Eduardo Dorfmann Aranovich
Gerson Branco Advogados, sociedade de advogados, contra decisão do
Juízo Substituto da 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre que, atendendo requerimento formulado pelo MPF, determinou a expedição de
mandado de busca e apreensão, no endereço Rua dos Andradas, conjs.
1.303 e 1.304, em face de fortes indícios da prática de crimes contra o
sistema financeiro nacional e a ordem tributária desencadeados pelo
Procedimento Criminal Diverso 2001.71.00.037652-1.
Sustenta a impetrante que, no cumprimento do referido mandado, os
agentes designados desligaram o servidor do escritório, que teve suas
atividades paralisadas, já que foi impedida a utilização dos computadores, para que fosse efetuada a cópia de todo o conteúdo dos discos
rígidos das máquinas, em evidente violação ao preceito constitucional de
proteção ao sigilo e à intimidade. Destaca o disposto no art. 7º, incs. I e
II, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94), e que o mandado é genérico,
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violando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além
de não especificar o objeto da investigação, e nem a indicação precisa
da diligência, importando na apreensão de material não enquadrado na
descrição da ordem judicial, em afronta ao previsto nos arts. 240, 243 e
247, todos do CPP, representando evidente abuso de poder.
Deferi parcialmente a liminar requerida determinando a imediata
suspensão do cumprimento do mandado de busca e apreensão, sem
prejuí­zo dos atos já praticados, cujos resultados, porém, deverão ser
conservados em absoluto sigilo, até ulterior deliberação deste Juízo, ao
fundamento de que:
“A garantia da inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado,
de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive
telefônicas ou afins, foi expressamente excepcionada no ‘caso de busca ou apreensão
determinada por magistrado’, valendo observar que exigência de que tal medida, a
busca e apreensão, seja ‘acompanhada de representante da OAB’ (art. 7º, II, in fine),
foi suspensa por liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, na ADIn nº 1127-8
de que foi relator o eminente Ministro Paulo Brossard.
Assim, em princípio, francamente não estou conseguindo perceber nenhuma ilegalidade ou abuso no cumprimento do mandado expedido pela autoridade coatora, com base em
‘decisão exarada nos autos do Procedimento Criminal Diverso nº 2001.71.00.037652-1’,
mesmo porque a inicial se apresenta totalmente despida de qualquer elemento que auxilie
na formulação de um juízo mais consistente sobre o problema trazido para julgamento e
os atos judiciais certamente devem merecer um mínimo crédito de legitimidade.
Apesar disso, porém, não posso deixar de manifestar desconfortável estranheza
diante da diligência questionada, que inegavelmente é violenta e inusitada. Em todos
os meus já longos anos de exercício profissional, tanto na própria Advocacia, quanto
no Ministério Público e na Magistratura, nunca algo parecido chegou ao meu conhecimento: a invasão de um escritório de advocacia - respeitável, até prova em contrário - e
a devassa nos seus arquivos pela Polícia, sem qualquer notícia prévia, no cumprimento
de ordem judicial.
Cumpre não esquecer que ‘o advogado é indispensável à administração da justiça,
sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites
da lei’ (CF, art. 133) e que ‘as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da
justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível
com a dignidade da advocacia e condições adequadamente ao seu desempenho’ (Lei
nº 8.906/94, art. 6º, § único).
Toda e qualquer violação a tais princípios – a inviolabilidade e a dignidade da
advocacia – implica, portanto, não só ofensa à Constituição e à lei, mas também inegável risco de dano irreparável às relações do advogado com terceiros absolutamente
estranhos ao objeto específico da medida hostilizada: como parece indiscutível, as
informações relativas à clientela do causídico, que naturalmente não se limita aos in-
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divíduos eventualmente visados, nada têm a ver com os fatos que possam ter motivado
a providência combatida”. (fls. 25/26)
Nas informações prestadas, a autoridade coatora salienta que todo o
procedimento judicial que culminou com a determinação de expedição
do mandado de busca e apreensão jamais teve por objetivo a busca de
dados ou documentos inerentes ao exercício da advocacia, mas somente
encontrar elementos passíveis de configurar ilícitos perpetrados contra
a ordem tributária e o sistema financeiro nacional. Ressaltou, também,
que todos os dados referentes a terceiros, não relacionados com a prática
de crimes, serão mantidos no mais absoluto sigilo, para preservar o direito
à intimidade/privacidade.
Apontou, ainda, as razões pelas quais o mandado foi cumprido nos
conjuntos nºs 1.303 e 1.304 da Rua dos Andradas, 1.001, a saber: (...)
“c) Eduardo Dorfmann Aranovich, segundo apurou o BACEN, presta serviços
advocatícios à Portocred. Ao ligar para o número de telefone que consta como o da
LI Promotora de Vendas e Serviços (há fortes indícios de que trata de uma empresa
‘laranja’), atende-se o telefone como se fosse da empresa Cobrasel – Cobranças e
Serviços Ltda. (outra empresa possivelmente ‘laranja’); e) no contrato de locação do
conjunto 1.304 figura como locatário Eduardo Dorfmann Aranovich & Cia Advogados,
que tinha como diretores João Batista Urrutia Jung e Eduardo Dorfmann Aranovich; f)
no contrato de locação do conjunto 1.303 figuram como locatários Eduardo Dorfmann
Aranovich e Rosa Maria de Campos Aranovich, e como fiadores João Batista Urrutia
Jung e Keylla Tempel Jung”. (fl. 36)
Outrossim, relata o juízo que ocorreram alguns incidentes durante o
cumprimento da referida diligência como:
“a) (...) conjuntos 1.303 e 1.304 (...) com portas de acesso independentes, mas com
comunicação interna interligando-os, sem sequer existir portas ou paredes os separando
internamente (...) existe apenas um contrato de locação verbal referente ao conjunto
1.304. Ao anunciarmos na recepção do conjunto 1.303, e informado a respeito da busca,
foi possível visualizar uma agitação suspeita de pessoas no interior do conjunto 1.304
(...). De imediato deslocou-se um agente para o conjunto 1.304, por dentro do conjunto
1.303, flagrando o empregado (...) de posse de uma sacola contendo vários documentos
e um notebook prestes a jogá-la pela janela, que tentava abrir, e outra funcionária, o
ajudando no desiderato; b) (...) Gize-se que nenhum computador foi retirado do escritório, apenas foram copiados os arquivos existentes em seus computadores; c) foram
copiados ½ aproximadamente do banco de dados do escritório, até que sobreveio a
decisão de Vossa Excelência, tendo este juízo determinado ao servidor da justiça que
imediatamente cessasse a diligência” .(fl. 37)
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Mais, informou o referido juízo impetrado que
“a diligência produziu elementos aptos a confirmar as suspeitas do Banco Central do
Brasil e do Ministério Público Federal, já que, segundo o BACEN, somente pelos documentos apreendidos verifica-se a existência de uma ‘instituição financeira’ operando
de forma paralela, movimentando recursos de centenas de pessoas físicas/jurídicas, que
possivelmente sejam oriundos de ‘caixa 2’ e de outras atividades criminosas”.
E que o BACEN, após a realização das diligências, enviou relatório
ao Juízo concluindo que os documentos reforçam o conjunto de indícios
apontados em expediente anterior do Banco, de que a Portocred estaria
praticando atividade privativa de instituição financeira, sem autorização
do Banco Central, caracterizada pela captação de recursos de terceiros e
aplicações através de empréstimos, descontos de cheques e duplicatas, e
outras formas de aplicações remuneradas, utilizando a empresa Cobrasel
e outras como veículo legal.
Após, em 12.09.01, em resposta à indagação do juízo impetrado, esclareci que a liminar parcialmente deferida não teve o sentido de impedir
que os documentos apreendidos (CDs, pastas, arquivos etc.) fossem
imediatamente encaminhados à Polícia Federal para fins de perícia, mas,
sim, que fossem conservados em absoluto sigilo, até ulterior deliberação
deste Juízo. (fl. 28). Com as informações, vieram vários documentos.
O MPF, nesta Corte, opinou pela denegação da ordem, pois não houve
qualquer ilegalidade na expedição do mandado de busca e apreensão,
diante de evidentes indícios, tendo sido tal determinação autorizada
apenas após consulta ao BACEN, que confirmou a existência de irregularidades, bem como que o material apreendido, por fim, confirmou
integralmente as suspeitas iniciais.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti: Embora já
tenha decidido que, também no processo penal, o recurso cabível contra
as decisões interlocutórias é, por analogia com o processo civil, o agravo
de instrumento, não sendo admissível, portanto, o mandado de segurança
como sucedâneo recursal e tenha, por essa razão, considerado inviável a
aplicação do princípio da fungibilidade para aproveitar a medida heróica,
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em face da manifesta impropriedade da via escolhida (MS nº 44.1247/PR entre outros), meditando mais demoradamente sobre a questão,
terminei convencido de que essa solução radical, de fato, não é a que
melhor atende ao caráter instrumental do processo – até pela novidade
da alternativa recomendada.
Com efeito, sendo antigo o entendimento de que, no processo penal,
o recurso próprio para impugnar as decisões interlocutórias mistas, “que
a lei menciona sob o nomen juris de decisões com força de definitivas
(Código de Processo Penal, artigo 593, nº II)” (José Frederico Marques,
Elementos de Direito Processual Penal, ed. Bookseller, vol. IV, p. 217), é
a apelação, e de que as interlocutórias simples somente podem ser atacadas por recurso em sentido estrito, “nos casos expressamente enumerados
em lei” (op. cit., p. 266), a aceitação jurisprudencial do mandado de
segurança, do habeas corpus e até da correição parcial como remédios
jurídicos adequados para colmatar a lacuna da lei em todos os casos
que não se ajustam exatamente àquelas hipóteses, em especial diante da
ameaça de dano irreparável, por certo não poderia deixar de se tornar,
como na realidade se tornou, praticamente inevitável.
Nesse contexto, repito, a rejeição sumária de tais remédios, sem que
haja, até este momento, uma maior sedimentação da referida novidade,
talvez seja mesmo uma demasia, que deve ser evitada, razão pela qual,
preliminarmente, conheço do mandado de segurança.
No mérito, é certo que, embora o direito do advogado à “inviolabilidade
de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua
correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins”,
não seja absoluto, tanto que a própria lei ressalva a hipótese de “busca e
apreensão determinada por magistrado” (Lei nº 8.906/94, art. 7º, II), isso
não significa, de modo nenhum, que os juízes possam ordenar livremente
diligências de busca e apreensão no escritório ou local de trabalho do
advogado para devassar o sigilo dos seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, pois
tal liberdade, para todos os efeitos práticos, virtualmente aniquilaria por
completo a prerrogativa legal.
É bem verdade que a inviolabilidade assegurada aos advogados constitui um privilégio – e os privilégios devem ser interpretados restritivamente. Não parece razoável, porém, imaginar que a exceção possa ser
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aplicada sem nenhum limite, inutilizando, como disse, na prática, a regra
geral. Em outras palavras: o juiz pode determinar busca e apreensão no
escritório ou local de trabalho do advogado, mas só excepcionalmente,
fundado em sólidas razões, para prender criminosos; apreender coisas
achadas ou obtidas por meios criminosos; apreender instrumentos de
falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
apreender armas e munições; instrumentos utilizados na prática de crime
ou destinados a fins delituosos; descobrir objetos necessários à prova de
infração ou à defesa de réu; (...) apreender pessoas vítimas de crimes; e
colher qualquer elemento de convicção (CPP, art. 240, § 1º) – e nunca para
invadir a privacidade de seus arquivos e dados, de sua correspondência
e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins. A exceção não
pode ser transformada em regra geral.
O sigilo profissional é sagrado – a tal ponto que o Código de Processo Penal expressamente proíbe de depor como testemunha “as pessoas
que, em razão da função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar
segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o
seu testemunho” (art. 207); o Código de Processo Civil dispensa a testemunha da obrigação de depor sobre fatos “a cujo respeito, por estado ou
profissão, deva guardar sigilo”; e o próprio Estatuto da Advocacia assegura o direito do advogado de “recusar-se a depor como testemunha em
processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado
com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado
ou solicitado pelo constituin­te, bem como sobre fato que constitua sigilo
profissional” (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIX). Como parece evidente, todos
esses dispositivos tornar-se-iam letra morta se qualquer juiz pudesse
determinar, sem reservas, buscas e apreen­sões no escritório ou local de
trabalho do advogado para a coleta de informações guardadas em seus
arquivos e cobertas pelo sigilo profissional.
Obviamente, a inviolabilidade não pode implicar imunidade criminal,
sendo inadmissível invocar a prerrogativa para praticar crimes, para ocultar ou favorecer criminosos em seu local de trabalho – hipóteses em que,
sem dúvida, estará o advogado sujeito à “busca e apreensão determinada
por magistrado”. É dizer, o direito à inviolabilidade do escritório ou local
de trabalho do advogado só existe na medida estritamente necessária para
a garantia do legítimo exercício da sua atividade profissional, “em nome
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da liberdade de defesa e do sigilo profissional”: nada além desse limite.
À luz de tais considerações, cumpre passar ao exame do caso concreto, observando que a autoridade coatora fez por expedir mandado
de busca e apreensão com o fim específico de apreender “documentos,
agendas, pastas, arquivos e computadores” que pudessem, de alguma
forma, comprovar a prática de atos privativos de instituições financeiras,
bem como ajudar a esclarecer crimes contra a ordem tributária e contra
o sistema financeiro nacional, nas dependências dos conjuntos 1.303 e
1.304, situados no prédio nº 1.001, da rua dos Andradas, em Porto Alegre,
cujo “espaço físico” estaria sendo usado, em comum, “para a realização
de ‘controle paralelo’ dos supostos recursos oriundos de ‘caixa 2’ de
empresas”. (fl. 36)
E, embora a impetrante afirme que não tem nenhuma ligação com as
pessoas suspeitas, é forçoso reconhecer que a promiscuidade do espaço
físico, segundo certidão firmada pelos Oficiais de Justiça que acompanharam a diligência impugnada, restou plenamente confirmada, pois os
conjuntos onde estão estabelecidos o escritório de “Eduardo Dorfmann
Aranovich, Gerson Branco e Advogados” e as empresas Cobrasel, Centralfac e LL Promotora de Vendas e Serviços, na rua dos Andradas, nº
1.001, conjuntos 1.303 e 1.304, “encontram-se em reforma, estando, no
momento, sem qualquer divisória”, fato também apontado no relatório
do Delegado de Polícia Federal que participou da busca e apreensão, in
verbis:
“... informo que se trata de conjuntos com portas de acesso independentes, mas com
comunicação interna interligando-os, sem sequer existir portas ou paredes os separando internamente, de forma a permitir que os advogados do conjunto 1.303 circulem
livremente no conjunto 1.304 e vice-versa”. (fls. 170 e 172)
Difícil, assim, negar a legitimidade do ato combatido, pois, como
visto, a inviolabilidade do escritório de advocacia não significa licença
para a prática de crimes, nem para a ocultação ou o favorecimento de
criminosos, sob nenhum pretexto. Francamente, insisto, não consigo ver
ilegalidade manifesta ou abuso grosseiro na fundamentada decisão que,
acolhendo requerimento do Ministério Público, diante da existência de
indícios de crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária, determinou a busca e apreensão de “documentos, agendas, pastas,
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arquivos e computadores” que pudessem ajudar a esclarecer tais práticas
delituosas, no “espaço físico” onde tais elementos de prova estariam
sendo mantidos.
Nada importa que, nesse “espaço físico”, funcionasse também um
escritório de advocacia – sem qualquer divisória que prejudicasse a livre
circulação interna. Se, como visto, o local de trabalho do advogado não é,
por si mesmo, asilo inviolável para práticas criminosas, com muito mais
razão não há de constituir-se em santuário quando estiver instalado em
área comum com empresas suspeitas de efetuar transações financeiras
ilegais: “as empresas sediadas no endereço do escritório de advocacia
eram, na verdade, instrumentos manejados para movimentar recursos ...
no esquema conhecido como caixa 2” (parecer da Procuradoria Regional
da República, fl. 195).
Acontece que, embora legítima, a diligência questionada pode ter
alcançado, na sua execução – e, aí, de forma ilegítima – arquivos que
pertence­riam, exclusivamente, ao escritório de advocacia, sem nenhuma
relação com os fatos delituosos investigados. Acreditando na veracidade da declaração prestada a este Juízo pelos Advogados Dr. Eduardo
Dorfmann Aranovich e Dr. Gerson Luiz Carlos Branco, sob a fé de seus
graus, de que os dados contidos nos dois CDs extraídos do computador
que serve o seu escritório de advocacia contêm apenas e tão-somente o
registro de “processos, petições e recursos”, além de “dados sigilosos
de clientes, como, por exemplo, matéria de Direito de Família, com suas
peculiaridades” e convencido de que qualquer vazamento em tais registros – além de nada contribuir para a investigação policial – realmente
não só poderia causar danos gravíssimos e talvez irreparáveis a pessoas
que nada têm a ver com os fins da busca e apreensão hostilizada neste
mandado de segurança, como também acarretar violação irreversível
à inviolabilidade dos arquivos do advogado, determinei que fossem
sustadas quaisquer providências no sentido da leitura daqueles dois
CDs, até ulterior deliberação deste Juízo e não vejo nenhum motivo
para modificar essa decisão. A inviolabilidade do escritório ou local de
trabalho do advogado, repito, não é absoluta, podendo ser afastada por
ordem judicial devidamente fundamentada – mas nunca para quebrar
o sigilo profissional, com invasão da privacidade inerente ao legítimo
exercício da advocacia, que exige respeito, aí sim, irrestrito às relações
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confidenciais estabelecidas entre o advogado e os seus clientes.
Naturalmente, o fato alegado de que os dois CDs extraídos do “computador servidor” privativo do escritório de advocacia contêm, única e
exclusivamente, informações processuais e “dados sigilosos de clientes”
precisa de comprovação melhor do que a simples palavra dos advogados
interessados – por maior que seja a sua respeitabilidade. Para tanto, penso
que seja adequado aplicar, por analogia, a regra contida no artigo 3º e seus
parágrafos da Lei nº 9.034/95, autorizando o acesso pessoal do juiz aos
CDs gravados no computador do escritório de advocacia com o fim de
identificar registros que, eventualmente, possam ter relevância probatória
no caso. A diligência deverá, sublinho, ser realizada pessoalmente pelo
juiz, adotando o mais rigoroso segredo de justiça. Poderá o magistrado
requisitar o auxílio de técnicos para a execução dos procedimentos
adequados, bem como para a interpretação das informações recolhidas,
sendo assegurada a presença do Ministério Público e da parte impetrante.
O material que for considerado irrelevante, se possível, será devolvido,
ou, em caso contrário, será inutilizado.
Em tais condições, revogo a liminar deferida e concedo apenas em
parte a segurança impetrada, nos termos explicitados.
É o voto.
HABEAS CORPUS Nº 2001.04.01.071011-9/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva
Impetrante: Juarez Cirino dos Santos
Impetrado: Juízo Substituto da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/
PR
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Paciente: H. P. R.
EMENTA
Criminal. Ambiental. Crime comissivo (art. 54, Lei 9.605/98). Denúncia. Co-autoria de pessoa física e jurídica. Tipicidade. Relação de
causalidade. Ambigüidade da imputação. Individualização das condutas
no crime societário. Inépcia da denúncia. Trancamento da ação penal .
1. A Lei 9.605/98 estabeleceu no seu art. 2º que o administrador da
pessoa jurídica potencialmente poluidora tem “por lei obrigação de
cuidado”, proteção e vigilância, de molde que a sua omissão, em casos
em que podia ou devia evitar o resultado, é penalmente relevante, nos
termos do art. 13, § 2º, alínea a, do Código Penal.
2. O presidente da pessoa jurídica, com atribuições de fixar sua estratégia, de gerir o desempenho empresarial e as questões relativas ao
meio ambiente, é, em princípio, responsável por dano ambiental causado
pelas atividades de risco da empresa.
3. Descrevendo a denúncia o fato típico de “causar poluição”
(art. 54 da Lei 9.605/98) e afirmando, com base no inquérito, que ele
decorre de condutas omissivas e comissivas do paciente, não é viável
a exclusão da relação de causalidade entre a ação e o resultado (art.
13, Código Penal).
4. Sendo difícil de fixar os limites entre o dolo eventual e a culpa
consciente, não ofende aos princípios constitucionais do contraditório
e da ampla defesa e, pois, não é de ser acolhida a alegação de prejuízo,
em face do enquadramento da conduta em crime doloso, porque o réu
se defende é dos fatos e a capitulação na denúncia é sempre provisória,
mormente se existe a modalidade culposa para o delito de causar poluição.
5. Não é inepta a denúncia que descreve a participação dos agentes no
evento delituoso, principalmente no crime societário, onde é de admitir-se descrição mais genérica.
6. A inépcia da denúncia, a par de não ser motivo de trancamento da
ação penal, mas de nulidade da inicial, não deve ser reconhecida se ela
descreve fato criminoso, com minúcias técnicas apuradas no inquérito,
aponta indícios da autoria, classifica a infração e preenche os requisitos
do art. 41 do CPP. Os elementos da subjetividade dos agentes devem ser
analisados na sentença.
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7. Há justa causa para a ação penal se existe prova da materialidade
do fato e indícios da autoria (art. 43, CPP).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de outubro de 2001.
Des. Federal José Germano da Silva, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Trata-se de habeas
corpus impetrado por Juarez Cirino dos Santos em favor de H. P. R.,
objetivando a concessão da ordem para o fim de ser determinado o trancamento da ação penal nº 2000.70.00.019440-4/PR, em trâmite perante
a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, ao fundamento da falta de justa
causa ou, alternativamente, por inépcia da denúncia.
O paciente, juntamente com a PETROBRÁS, empresa da qual é Presidente, e também com o Superintendente Luiz Eduardo Valente Moreira
estão sendo acusados de crime de poluição ambiental, decorrente do
derramamento de óleo nos Rios Barigüi e Iguaçu, tendo sido enquadrados
no artigo 54 da Lei nº 9.605/98.
Sustenta o impetrante, em síntese:
“1. Ausência dos pressupostos típicos da imputação do resultado por omissão de
ação. 2. Impossibilidade de imputação objetiva do resultado por ação: ausência de
relação de causalidade. 3. Ambigüidade da imputação subjetiva do resultado: simultaneidade de imputação dolosa e culposa do resultado. 4. Falta de individualização
das condutas da pessoa jurídica e das pessoas físicas para o resultado típico comum.
Esses argumentos têm por objeto a tipicidade do fato imputado e são demonstrados,
exclusivamente, com base na descrição da denúncia, dispensando qualquer outra
prova”. (fl. 04)
Sem pedido de liminar, foram solicitadas as informações à autoridade
apontada coatora que as prestou às fls. 75/80 e 83/227.
O Ministério Público Federal, em sua manifestação das fls. 229 e
232/243, opinou pela denegação da ordem.
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É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: A denúncia acoimada de defeituosa, que tem um total de vinte e quatro páginas, naquilo
que pertine a este julgamento, assim se expressa:
“No dia 16 de julho de 2000, a denunciada PETROBRÁS – Petróleo Brasileiro S/A,
explorando empreendimento de refino de petróleo em unidade situada no Município
de Araucária – Estado do Paraná, denominada Refinaria Presidente Getúlio Vargas
– REPAR, juntamente com os denunciados H. P. R., Presidente da empresa, e Luiz
Eduardo Valente Moreira, Superintendente da refinaria, acabaram por poluir os Rios
Barigüi e Iguaçu e suas áreas ribeirinhas, por meio do vazamento de aproximadamente
quatro milhões de litros de óleo cru, provocando a mortandade de animais terrestres e
da fauna ictiológica, além da destruição significativa da flora, porque embora tenham
colocado em risco o meio ambiente pela exploração e gerenciamento de atividade
altamente perigosa, deixaram em contrapartida de adotar medidas administrativas e
de impor o manejo de tecnologias apropriadas – dentre as disponíveis – para prevenir
ou minimizar os efeitos catastróficos que uma mera falha técnica ou humana poderia
provocar em atividades desta natureza”. (fl. 43/44)
E mais adiante:
“Em síntese, conforme laudos periciais constantes do inquérito policial e parecer técnico – Anexo I – Procedimento MPF - o rompimento do fole da junta de
expansão se deveu aos seguintes eventos: retirada da válvula de derivação para
revisão e adaptação à automação do oleoduto, sem a colocação de um carretel para
restrição do seu deslocamento axial; instalação de flange cego na extremidade
da junta, sem suportação do peso e dispositivo de restrição ao movimento axial;
aumento súbito de pressão na ocasião do bombeamento causado pelo bloqueio da
linha para o tanque TQ 4108 e presença de um cordão de solda circunferencial
na corrugação onde ocorreu a ruptura, cuja propagação ocorreu ao longo da zona
termicamente afetada pela solda”. (fl. 47)
“Em resumo, o duto estava funcionando sem sistema de detecção de vazamento; possuía
em seu trecho final um ponto fraco (junta de expansão sem suportação), capaz de comprometer
o acionamento do sistema de proteção do oleoduto por falha grave de manutenção; o sistema de
telemetria no âmbito da REPAR estava inoperante; a REPAR ainda não havia implementado
o controle trazido pela reedição da NDT-26 na época do acidente.
Logo, a PETROBRÁS não cumpriu um dos pressupostos de seu plano de contingência, qual seja, a capacidade de reconhecer a existência do acidente. Naquele
momento o oleoduto estava operando sem mecanismos de segurança, estava baseado
no funcionário que não podia errar em hipótese alguma, ou seja, estava operando
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no limite da irresponsabilidade. O vazamento era, portanto, mais do que previsível.
Além de tudo isto, a REPAR não contava com plano de contingência e emergência
para fazer frente a contenção do vazamento.
Na ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e Ministério Público
do Estado do Paraná perante o r. Juízo da 4a Vara Federal de Curitiba, cuja cópia segue
nas fls. 464/519, volume 2/procedimento MPF, com propriedade, foram abordadas
inúmeras falhas do plano de contingência da REPAR.
Ao redor da área do scrapper não existiam diques, nem sequer um muro que permitisse a contenção ao menos de parte do petróleo. Não possuía mapas topográficos
dos Rios Barigüi e Iguaçu ou fotos aéreas da região acidentada.
Não possuía os equipamentos e maquinários suficientes e adequados à contenção do
óleo em rio, nem pessoal treinado para agir em situações de emergência desta natureza.
O plano de emergência da REPAR na época contemplava vazamentos de até 70 mil
litros de óleo, infinitamente inferiores ao ocorrido em 16 de julho de 2000.
A PETROBRÁS está sob o comando do denunciado H. P. R. desde maio de 1999.
A sua administração representa um grande paradoxo.
De um lado a PETROBRÁS obteve o melhor desempenho econômico de sua
história – um lucro líquido de quase 5 bilhões de dólares – e o valor de mercado da
empresa quase que triplicou (passou de 9 bilhões de dólares em janeiro de 1999 para
30 bilhões em janeiro deste ano) – (Reportagem da Revista Exame, edição 737, de 04
de abril de 2001 – páginas 46/47).
...
Em contrapartida, a PETROBRÁS se envolveu em três grandes e graves acidentes
em pouco mais de quatorze meses: o derrame de óleo combustível na Baía de Guanabara, o derrame de petróleo nos Rios Barigüi e Iguaçu e o acidente na P-36 no campo
de Roncador, a 120 km da costa do litoral fluminense, fora os de menor gravidade,
elencados nas informações da Agência Nacional do Petróleo.
Somados apenas os três acidentes de maior gravidade acima mencionados no mar
e em rios foram despejados mais de seis milhões de litros de óleo.
Os acidentes têm ocorrido em progressão geométrica em todo o país não por mero
acaso. Todos eles têm relação direta com uma política empresarial preordenada, implantada pelo seu Presidente, buscando em primeiro lugar a auto-suficiência na produção de
petróleo. Ocorre que não há como aumentar abruptamente os níveis de produtividade
e faturamento numa atividade deste tipo sem comprometer os níveis de segurança.
Assume-se um risco calculado. Privilegia-se deliberadamente o aumento da produção
em detrimento da segurança das operações, reduzindo custos com manutenção, com
pessoal. Como se sabe a atividade desenvolvida pela PETROBRÁS é de alto risco para
o meio ambiente e para os seus funcionários. (fls. 56/57)
...
O vazamento da REPAR é um exemplo claro de que o oleoduto não estava sofrendo
manutenção preventiva e controle adequado. O vazamento, portanto, era previsível
pelo então Superintendente da REPAR e pelo Presidente da PETROBRÁS, que se
omitiram em adotar medidas prévias que pudessem evitá-lo, com conhecimento da
situação de perigo.
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221
A adoção prévia das medidas até aqui mencionadas pela PETROBRÁS, através
do então Superintendente da REPAR e pelo seu Presidente teria evitado o derrame.
Ambos tinham o dever de cuidado pelas posições por eles ocupadas na empresa e a
responsabilidade de evitar o vazamento, o que não fizeram a fim de atingir a meta
de redução de custos com pessoal, segurança e manutenção, assumindo o risco de
produzir o resultado, mesmo depois do grande vazamento de óleo ocorrido na Baía
de Guanabara, que chamou atenção da empresa para as dificuldades relacionadas ao
funcionamento dos oleodutos.
Particularmente, o dever de cuidado do denunciado H. era ainda mais acentuado na
época do fato imputado nesta denúncia, uma vez que ajuste organizacional realizado na
PETROBRÁS, em abril de 2000, aprovado pelo seu Conselho de Administração, cumulou
na pessoa desse denunciado seis funções corporativas: estratégia corporativa, gestão de
desempenho empresarial, desenvolvimento de novos negócios, comunicação institucional,
jurídico e meio ambiente (documento procedimento MPF, vol.2 – fls. 534/535)”. (fls.
60/61)
Após detalhar os danos causados ao meio ambiente, a denúncia conclui
enquadrando os denunciados no artigo 54 da Lei nº 9.605/98, que prevê
o crime de poluição do meio ambiente:
“Art. 54: Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais
ou a destruição significativa da flora:
Pena – Reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§1º - Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de seis meses a um ano e multa.
§2º ...”
Do que foi até aqui exposto, depreende-se que a denúncia imputa ao
pacien­te a prática do crime comissivo de poluição (“causar poluição”)
porque ele, na qualidade de Presidente da co-ré PETROBRÁS, deliberadamente, assumiu o risco calculado de aumentar a produtividade em
detrimento da segurança das operações, reduzindo custos de manutenção
e com pessoal. E, sempre segundo a denúncia, o dano criminoso ao meio
ambiente estava, no curso causal da profunda metamorfose administrativa
implementada na empresa, sendo não só previsível, mas também previsto
e aceito pelo ora paciente.
A denúncia imputa ao paciente diversas condutas comissivas (incluídas na estratégia do aumento da produção) e condutas omissivas
(diminuição da segurança das operações, custos de manutenção e gastos
com pessoal) que resultaram, ambas, no evento danoso incriminado, ou
222
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seja, a poluição ambiental.
Portanto, nos termos da peça acusatória, o paciente praticou a conduta
incriminada tanto comissiva quanto omissivamente (crime omissivo
impróprio ou comissivo por omissão).
Merece referência neste ponto que o artigo 2º da Lei nº 9.605/98, a par de
repetir a regra básica de co-autoria prevista no artigo 29 do Código Penal,
trouxe uma importante inovação em nosso ordenamento, vale dizer, instituiu
como garantidores da atividade poluidora, ou potencialmente poluidora, os
administradores das pessoas jurídicas envolvidas, acrescentando, assim, mais
uma hipótese legal às já constantes no artigo 13, § 2º, do mesmo Código
Penal.
Assim, a nova lei ambiental estabeleceu que o administrador da pessoa
jurídica potencialmente poluidora tem “por lei obrigação de cuidado”,
proteção e vigilância, de molde que a sua omissão, em casos em que
podia ou devia evitar o resultado, é penalmente relevante (artigo 13, § 2º,
letra a, do Código Penal, combinado com o artigo 2º da Lei nº 9.605/98).
A conseqüência é que, decorrendo da própria lei a posição de garantidor do paciente, não era imprescindível que a denúncia fosse expressa a
respeito, não chegando tal falta de explicitação a prejudicar a defesa do
paciente. Aliás, é o culto impetrante quem reconhece que o réu se defende
dos fatos, e não da imputação. E se poderia acrescentar: e muito menos
da especificação da classificação da sua conduta ou da demonstração
específica do nexo de causalidade.
Ademais, parece claro que a peça acusatória estabelece, como já dito,
que o resultado típico decorreu do risco calculado de aumentar a produção
em detrimento da segurança.
Não seria demais salientar que não se está, por óbvio, neste momento, aceitando como verdadeiras as afirmações da denúncia, mas apenas
examinando-as para ver se ela preenche os requisitos legais, de molde a
dar início à ação penal. Apesar disso, impõe-se reconhecer que o mesmo
documento, a denúncia, está alicerçado em inquérito policial e demais
peças de informação, que confirmam, pelo menos à primeira vista, a
seriedade em que formulada a acusação.
O fato de o paciente residir e trabalhar no Rio de Janeiro não lhe retira
a condição de garantidor, posto que, sempre nos termos da denúncia, é, no
cenário dos fatos, o responsável pela decisão de produzir mais, com menos
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223
segurança.
Também não colhe o argumento de que não sendo técnico, mas economista, não poderia evitar a ruptura de um cano de petróleo. É que, até
por não ser técnico, mas por ser garantidor, tinha o dever de cuidado na
exploração de uma atividade reconhecidamente de alto risco.
O conhecimento da situação de perigo por parte do paciente está, segundo a denúncia, na existência de derramamentos de óleo anteriores e
na existência de projetos, ainda não implementados inteiramente, visando
a evitar novos danos ambientais.
Desta forma, em que pese a brilhante construção do impetrante, não
é possível aceitar que o fato narrado evidentemente não constitui crime
(artigo 43, I, do CPP).
Por outro lado, a denúncia não aceita a avaliação da co-ré PETROBRÁS, no sentido de que a real e exclusiva causa do evento incriminado
foi falha humana. E o faz ao fundamento de que tal falha estaria incluída
no desdobramento da relação causal, isto é, a falha humana também seria
conseqüência da política administrativa adotada pelo paciente, como
Presidente da PETROBRÁS.
Se tal avaliação está ou não correta, bem como se tal fato superveniente interrompe a cadeia causal dos acontecimentos, isto é matéria que
somente poderá ser decidida na sentença, após o devido processo legal.
Não há, de outra sorte, por outro lado, com a devida vênia, qualquer
ambigüidade na imputação do resultado, porque a denúncia enquadrou
o paciente em crime doloso, com dolo eventual, e não crime culposo,
com culpa consciente.
Entretanto, como visto antes, no início deste voto, o crime de poluição
ambiental, previsto no artigo 54 da Lei nº 9.605/98, admite também a
modalidade culposa, conforme se vê em seu parágrafo primeiro. Nada
impede que a sentença, dependendo do que for apurado na instrução,
altere o enquadramento penal dos réus.
De qualquer sorte, é sutil a distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente.
Tanto neste, quanto naquele, há uma conduta objetivamente idêntica,
bem como está presente a previsão (além da previsibilidade) do resultado.
A diferença fundamental é que, enquanto no dolo eventual o resultado
previsto é indiferente ao agente, que por esta razão consente com a sua
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ocorrência, na culpa consciente o agente levianamente confia que o
resultado não ocorrerá. Ou, como ensina o Professor René Ariel Dotti,
“a culpa consciente é caracterizada pela previsão do agente quanto à probabilidade do
resultado que ele espera não venha a ocorrer, confiando, em sua habilidade ou destreza
para enfrentar a situação de risco. É também a chamada culpa com previsão e que se
aproxima do dolo eventual. Em muitas hipóteses é difícil fixar os limites entre uma
e outra situação como ocorre com os crimes de trânsito”. (in Curso de Direito Penal,
Forense, 2001, p. 315)
Se houve leviandade ou indiferença na conduta do paciente, vale dizer, os meandros da sua subjetividade, isso é matéria que será definida
na sentença, com base nos elementos da realidade objetiva que serão
carreados na instrução do processo.
A tarefa da denúncia é descrever o fato criminoso e dar-lhe uma capitulação provisória, que será ou não confirmada pela sentença. Mormente no
caso em exame, onde existe a previsão da modalidade culposa do delito.
Como já dito, o acusado defende-se dos fatos, e não da qualificação
jurídica deles, sendo a dificuldade em se proceder a esta qualificação um
fato natural da ciência jurídica, como visto na lição acima, sem que se
constitua em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, e
muito menos em defeito da denúncia, de modo a determinar a sua inépcia.
Finalmente, não há falar em falta de individualização das condutas
dos réus. No que respeita ao paciente, a denúncia descreve minuciosamente como ele, Presidente da PETROBRÁS, deliberadamente, assumiu
o risco calculado de aumentar a produção em detrimento da segurança
das operações, reduzindo custos de manutenção e custos com pessoal,
sendo que tal proceder acabou por poluir os Rios Barigüi e Iguaçu e suas
áreas ribeirinhas, por meio do vazamento.
Consta da peça acusatória que o paciente acumulava, dentre outras,
as funções corporativas de estratégia, gestão de desempenho empresarial
e de meio ambiente. (fl. 61)
Entretanto, mesmo que a imputação da conduta do paciente não fosse
exaustiva, seria válida e suficiente, eis tratar-se de crime societário, hipótese em que a doutrina e a jurisprudência têm admitido, em atenuação
aos rigores do artigo 41 do Código de Processo Penal, que haja uma
descrição geral, calcada em fatos, da participação dos agentes no evento
delituoso, remetendo-se para a instrução criminal a decantação de cada
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ação criminosa. (HC nº 14440/SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, unânime, DJU 27.08.2001, p. 357)
Neste sentido, recente acórdão da 6ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça:
“CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA.
CRIME COLETIVO E SOCIETÁRIO. IMPUTAÇÃO GENÉRICA. INÉPCIA DA
ACUSATÓRIA INICIAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1. Em faltando à acusação pública, no ensejo do oferecimento da denúncia, elementos
bastantes ao rigoroso atendimento do seu estatuto formal (Código de Processo Penal,
artigo 41), principalmente no caso de crime societário, é válida a imputação genérica
do fato-crime, admitindo, como admite, a lei processual penal que as omissões da
acusatória inicial possam ser supridas a todo tempo, antes da sentença final (Código
de Processo Penal, artigo 569).
2. Não há falar em inépcia quando a denúncia se mostra ajustada à norma inserta
no artigo 41 do Código de Processo Penal, estatuto de sua validade.
3. Enquanto requisita o exame do conjunto da prova, próprio do tempo da sentença,
a alegação de atipicidade da conduta, por ausência de dolo, faz-se incompatível com
a via estreita do habeas corpus.
4. Recurso conhecido e provido”. (REsp nº 260243/DF, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, unânime, DJ 27.08.2001, p. 00423)
No caso em exame, como visto, a denúncia expõe suficientemente
fato definido como crime, com minuciosas circunstâncias, inclusive
técnicas, apurados em inquérito policial, aponta indícios suficientes da
participação do paciente, classifica o crime e contém rol de testemunhas,
preenchendo os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
Não pode ser acolhida, assim, a alegação de sua inépcia.
De outra parte, tendo sido consumado crime contra o meio ambiente
e havendo indícios de sua autoria, há justa causa para a ação penal. A
melhor investigação do elemento subjetivo do delito é tarefa a ser realizada na sentença, após regular instrução.
Ante isso, denego a ordem.
É o voto.
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.70.02.000766-3/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
Apelante: A. M. A.
Advogado: Dr. Emerson Ricardo Galiciolli
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
EMENTA
Penal. Tráfico internacional de entorpecentes. Materialidade e autoria. Estado de necessidade. Tentativa. Pena-base fixada acima do mínimo
legal. Grande quantidade da droga.
1 - A materialidade e autoria ficaram plenamente comprovadas nos
autos, visto que o acusado foi preso em flagrante, na Ponte Internacional da
Amizade, trazendo do Paraguai mais de 100 (cem) quilos de “maconha”.
2 - Para o reconhecimento do estado de necessidade, como excludente da
ilicitude, é indispensável a prova cabal de que o agente praticou o delito
com o objetivo de salvar “de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se” (art. 24-CP),
o que não foi demonstrado nos autos. Simples alegação de dificuldades
financeiras não possui o condão de caracterizar referida justificativa penal.
Se assim fosse, estaríamos autorizando as pessoas em menores condições
de fortuna a praticarem condutas ilícitas, em clara subversão das regras
sociais, jurídicas e morais, indispensáveis à convivência humana. 3 - O
delito de tráfico de entorpecentes insculpido no artigo 12, caput, da Lei nº
6.368/76 é classificado como crime de ação múltipla (de conteúdo variado
ou alternativo), sendo consumado com a prática de qualquer das condutas
ali inscritas. No caso sub judice, a infração penal restou perfectibilizada
na modalidade “transportar”, mostrando-se irrelevante que o acusado
tenha sido preso em zona de fiscalização alfandegária. 4 - A pena-base foi
bem fundamentada, atendendo satisfatoriamente aos princípios reitores
da primeira etapa do método trifásico de dosimetria das penas. 5 - Na
aferição das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código
Penal, em se tratando de tráfico de entorpecentes, têm poder decisivo a
espécie e quantidade da droga. Precedentes. 6 – Apelo improvido.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 16 de agosto de 2001.
Des. Federal Élcio Pinheiro e Castro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: - O Ministério
Público Federal, com base no Inquérito Policial nº 2001.70.02.000766-3,
originário da Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu/PR, moveu
ação penal contra A. M. A., dando-o como incurso nas sanções do artigo
12, caput, c/c art. 18, inc. I, ambos da Lei nº 6.368/76, pela prática dos
fatos assim narrados na peça incoativa:
“No dia 16 (dezesseis) de março de 2001, por volta das 16:30 horas, o Técnico da
Receita Federal, Márcio Luiz Fernandes Lopes, encontrava-se de serviço na Ponte Internacional da Amizade, pista de entrada para o Brasil, quando sinalizou para o motorista
do veículo V/W Santana para proceder vistoria de rotina. No veículo encontrava-se
apenas o motorista de nome A. M. A. Márcio observou que entre o porta-malas e o
banco traseiro tinha um espaço anormal, maior do que o original. Diante da suspeita
pediu auxílio ao TRF Orlando e ao APF Nilton para evitar qualquer tentativa de fuga.
Efetuada a vistoria, lograram encontrar atrás do banco traseiro vários tabletes envoltos
em uma fita amarela. Conduzindo o preso e o veículo à delegacia de Polícia Federal,
constataram a existência de um fundo falso existente no assoalho do veículo contendo
mais tabletes de maconha. No total foram apreendidos 216 (duzentos e dezesseis)
tabletes de uma substância castanho esverdeada, pesando aproximadamente 114.265g
(cento e quatorze mil, duzentos e sessenta e cinco gramas), que segundo o Laudo de
Constatação da Natureza da Substância (fl. 09) trata-se de Cannabis sativa linneu,
que pode causar dependência psíquica. A. M. A. declarou que recebeu de uma pessoa
conhecida por TICO a importância de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) e uma
moto velha, tudo destinado à compra de um carro em Toledo, o qual foi preparado
para transportar maconha. Comprou então o veículo V/W SANTANA de uma pessoa
chamada Ramon. No dia seguinte TICO mandou um homem buscar o carro na casa do
interrogando, para ser preparado para o transporte da maconha em Ciudad Del Este/PY.
No dia 15.03.01 foi em um ônibus comercial a Ponta Porã – MS. Na data de 16.03.01,
tomou um ônibus em Ponta Porã – MS e desembarcou em Coronel Oviedo – PY onde
pegou o veículo e veio até Ciudad Del Este/PY, tendo sido preso após atravessar a
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ponte. Declarou, ainda, que tinha ciência de que havia maconha atrás do banco traseiro
e no assoalho do veículo. Disse que a droga seria entregue a um motorista de TICO,
num posto de gasolina em Toledo -–PR, e receberia em troca a quantia de R$ 3.000,00
(três mil reais).”
A denúncia foi recebida em 27.03.2001 (fl. 06).
Citado e interrogado (fls. 10-1), o réu apresentou defesa prévia (fl. 12).
Consta dos autos Laudo de Exame em Substância Vegetal (fls. 18-19).
Ouvidas as testemunhas de acusação (fls. 29-31) e apresentadas
alegações finais (fls. 32 e 35-44), sobreveio sentença julgando procedente a pretensão punitiva do Estado para condenar o réu, em regime
integralmente fechado, às penas de 05 (cinco) anos e 08 (oito) meses de
reclusão e 108 (cento e oito) dias-multa, pela prática do delito tipificado
no artigo 12, caput (modalidade ‘transportar’), c/c art. 18, inc. I, ambos
da Lei nº 6.368/76.
Não foi concedido ao acusado o direito de apelar em liberdade, visto
que permaneceu preso durante a instrução processual.
Decisão publicada em 07.05.2001 (fl. 55).
Inconformado, o réu interpôs o presente apelo. Em suas razões recursais, aduz, em síntese, ter agido em estado de necessidade, em virtude das
dificuldades financeiras que enfrentava à época dos fatos. Caso não seja
esse o entendimento, propugna pela aplicação da causa de diminuição de
pena prevista no § 2º do artigo 24 do Código Penal. Por fim, uma vez que
confessou o delito, além de ser primário e de bons antecedentes, requer a
fixação da reprimenda no mínimo legal, bem como o reconhecimento da
tentativa (art. 14, II, CP), ao fundamento de que a importação da droga
não chegou a se consumar.
Com as contra-razões (fls. 77-83), subiram os autos.
Oficiando no feito, a ilustre Agente da douta Procuradoria da República ofertou parecer, opinando pelo improvimento do recurso (fls. 87-96).
É o relatório.
À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: - Pesa contra o
acusado reclusão de 05 (anos) anos e 08 (oito) meses pela prática do
crime de tráfico internacional de entorpecentes, em virtude de ter sido
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preso em flagrante transportando 114,265kg (cento e quatorze quilos,
duzentos e sessenta e cinco gramas) de “maconha”, formatada em 216
(duzentos e dezesseis) tabletes envoltos em fita adesiva, acondicionados
no interior de um veículo V/W Santana, em local adrede preparado. A
apreensão ocorreu na Ponte Internacional da Amizade – PIA – fronteira
entre Brasil e Paraguai, em decorrência de fiscalização de rotina efetuada
por agentes da polícia federal.
Em suas razões recursais, além da redução da pena, sustenta o apelante ter agido em estado de necessidade, em virtude das dificuldades
financeiras enfrentadas à época dos fatos.
Antes de adentrar no mérito dessa questão, insta registrar que a existência do delito está demonstrada à saciedade. Encontram-se nos autos
Laudo de Constatação da Natureza da Substância (fl. 09 - apenso) e de
Exame em Substância Vegetal – maconha - (fls. 18-9). Tais documentos
atestam que a substância apreendida com o réu é da espécie cannabis
sativa linneu, vulgarmente denominada “maconha”, pesando 114,265kg
(cento e quatorze quilos, duzentos e sessenta e cinco gramas).
A autoria restou incontroversa. Tanto em sede policial, por ocasião
da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 03-4 - apenso), como
em Juízo (fls. 10-1), o réu confessou com detalhes a prática delituosa
nos seguintes termos:
“É verdadeiro o fato narrado na denúncia. O interrogando estava desempregado
e precisando de dinheiro, quando a pessoa de nome Santiago lhe disse que poderia
indicá-lo para a pessoa de apelido Tico que precisava de um serviço. Ao entrar em
contato com Tico, esse lhe esclareceu que o serviço consistiria em passar um carro de
Coronel Oviedo, Paraguai, até Toledo, Paraná. Diante de tal proposta o interrogando
indagou Tico sobre o que traria dentro do veículo, tendo esse lhe respondido que seriam
cem quilos de maconha. Após aceitar a proposta, recebeu de Tico três mil e quinhentos
reais e uma moto para adquirir veículo para fazer o transporte. Em Toledo, viu por um
aviso na janela do veículo Santana apreendido que esse estava à venda, negociando
então com a pessoa de nome Ramon a sua compra, sem que esse soubesse o destino
que seria dado ao veículo. Entregou então o veículo a Tico para que esse transferisse o
veículo para seu nome (do interrogando) e o preparasse para o transporte da droga em
Coronel Oviedo. Isso ocorreu no dia 14 de março de 2001. No dia quinze deslocou-se
até Ponta Porã para visitar sua mãe, e no dia seguinte tomou um ônibus até Coronel
Oviedo, onde então apanhou o Santana já preparado para o transporte de volta até Toledo. Direcionou-se então ao Brasil para ingressar no país pela Ponte Internacional da
Amizade, quando então foi parado para fiscalização e preso. O veículo seria entregue
a um motorista de Tico em um posto de gasolina localizado na entrada da cidade de
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Toledo, sendo que o interrogando receberia três mil reais pelo transporte.”
O relato do réu está em consonância com os depoimentos das testemunhas de acusação e demais provas carreadas aos autos, tendo sido,
inclusive, beneficiado com a atenuante da confissão espontânea (art. 65,
inc. III, d, do CP).
A alegação de que agiu sob o abrigo do estado de necessidade, em
razão de dificuldades financeiras que enfrentava à época dos fatos, não
merece acolhida.
Para o reconhecimento dessa excludente de ilicitude, é indispensável
prova cabal de que o agente praticou o delito com o objetivo de salvar
“de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. (art. 24-CP)
Na espécie, conforme bem ressaltado pelo ilustre julgador singular,
“teria de ser provado que ele ou alguém de sua família viveria em estado famélico se
a conduta não fosse praticada. Necessária a comprovação de que a ação havida era um
recurso inevitável, uma atitude extremada com o fim de garantir a subsistência do
agente ou de pessoa que dela dependa, o que não foi feito. Ademais, ainda assim seria de
difícil aceitação a prática de um crime tão grave como é o tráfico de drogas, sobretudo
quando o réu obteria quantia razoavelmente elevada para sua prática (R$ 3.000,00).”
Efetivamente, somente em casos excepcionalíssimos, e desde que
comprovados, de forma incontroversa e indubitável, os requisitos legais,
é possível tornar lícita uma conduta normalmente antijurídica, ainda mais
quando se tenta justificar o ato criminoso em face de dificuldades financeiras, pois caso seja aceita essa tese de forma generalizada, estar-se-ia
autorizando as pessoas de parcos recursos a praticarem condutas ilícitas,
em clara subversão das regras sociais, jurídicas e morais, indispensáveis
à convivência humana.
Consoante bem destacou o ilustre Procurador da República, Valderez
José Barlette,
“percebe-se claramente que estamos diante de uma situação comum e até razoável se
comparada com a situação de inúmeros brasileiros. A simples alegação de dificuldades
financeiras não possui o condão de caracterizar o estado de necessidade do agente. Se
assim fosse, grande parcela do povo brasileiro estaria autorizada a praticar condutas
ilícitas, ante o enorme contingente de desempregados e de pessoas extremamente pobres
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que possui o nosso país”.
De igual forma, é inaplicável, na espécie, a causa de diminuição de
pena prevista no § 2º do artigo 24 do Código Penal, bem como eventual
dirimente por inexigibilidade de conduta diversa, porquanto, conforme
referido, não há nos autos prova alguma das aludidas dificuldades, sendo induvidoso que o acusado poderia agir de outro modo para garantir
sua subsistência. Contudo, preferiu o meio rápido e fácil para conseguir
recursos, ou seja, em um simples transporte de droga, realizado em
poucas horas, ganharia R$ 3.000,00 (três) mil reais, quantia superior a
16 (dezesseis) salários mínimos atuais, importância que a maioria dos
trabalhadores brasileiros levaria mais de ano para obter.
Nesse contexto, não resta dúvida de que o acusado, livre e conscientemente, praticou o ilícito descrito na exordial acusatória. Infelizmente, como é de praxe, a retribuição penal mais uma vez recai sobre
os transportadores da droga, conhecidos vulgarmente por “mulas”,
restando incólume o real traficante que, se aproveitando de terceiros
em menores condições de fortuna, obtém lucros consideráveis através
da disseminação do vício, com as conhecidas conseqüências maléficas à
saúde publica. Todavia, essa circunstância em nada altera a situação do
ora apelante, porquanto praticou conduta típica na modalidade “transportar”, prevista no artigo 12, caput, da Lei de Tóxicos, não incidindo,
conforme alhures demonstrado, eventual excludente de ilicitude ou de
culpabilidade.
Por outra parte, não procede a tese defensiva no sentido de que o crime
em questão se deu na forma tentada. O delito de tráfico de entorpecentes
insculpido no artigo 12, caput, da Lei nº 6.368/76 é classificado como
crime de ação múltipla (de conteúdo variado ou alternativo), restando
consumado com a prática de qualquer das condutas ali inscritas. No caso
sub judice, consoante já mencionado anteriormente, a infração penal
restou perfectibilizada na modalidade “transportar”, sendo irrelevante
o acusado ter sido preso em zona de fiscalização alfandegária.
Nesse sentido, mostra-se o entendimento pacífico do STJ, bem como
desta Corte, conforme atestam as ementas dos seguintes julgados:
“PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. APREENSÃO
NA ZONA DE FRONTEIRA BRASILEIRA. CRIME CONSUMADO. ARTS. 12 E
18, I, DA LEI 6368/76. I – O crime definido no art. 12 da Lei nº 6368/76 compreende
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dezoito ações identificadas pelos diversos verbos ou expressões ali inscritos, em face
de que tal delito se consuma apenas com a prática de qualquer daquelas ações arroladas
no tipo penal. II – Tendo sido o réu surpreendido pela fiscalização portando drogas
no momento em que ingressava na Zona de Fronteira do País, consumou-se o delito
sob a forma de transportar ou trazer consigo substância entorpecente. III – Recurso
especial conhecido e provido”. (STJ, Sexta Turma, Recurso Especial nº 144737/PR,
Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 24.08.98, p. 112)
“PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. LEI 6368/76, ART. 12. CONSUMAÇÃO. 1 – Surpreendido o réu quando portava entorpecente destinado ao tráfico
ilegal, o crime previsto na Lei 6.368/76, art. 12, está consumado, não havendo que se
falar em tentativa, uma vez que o referido tipo é de ação múltipla. 2 – Habeas Corpus
conhecido, pedido indeferido.” (STJ, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 9478/SP, Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU de 06.09.99, p. 99)
“PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. TENTATI-
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Branca
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DIREITO PREVIDENCIÁRIO
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Branca
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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC
Nº 2000.04.01.014470-5/PR
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe
Embargante: Nair Lourdes de Freitas Martins
Advogado: Dr. Ary Lucio Fontes
Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Valeria Maciel de Campos
EMENTA
Previdenciário. Pensão por morte do marido. Abandono do lar.
Na vigência da CLPS/76 a esposa é dependente do marido para fins de
pensionamento previdenciário, com dependência econômica presumida,
desimportando o fato de ter sido abandonada pelo de cujus, evento para
o qual não contribuiu.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de outubro de 2001.
Des. Federal Virgínia Scheibe, Relatora.
237
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Trata-se de embargos
infringentes interpostos pela parte-autora contra acórdão da Egrégia
6ª Turma desta Corte que, por maioria, negou provimento à apelação
e confirmou sentença, proferida em ação de rito sumário, que julgou
improcedente pedido de pensão por morte do marido, de quem estava
separada de fato, falecido em 30.11.78.
O douto voto condutor do acórdão, da lavra do Eminente Desem­
bar­gador Federal Nylson Paim de Abreu, considerou que, tendo havido
separação de fato desde há muitos anos, confirmada pela própria autora,
necessária se faz a comprovação da dependência econômica, a qual não
restou demonstrada por insuficiência de prova material e grande contradição entre o depoimento pessoal da autora e os testemunhos colhidos
em juízo.
A embargante pede a prevalência do voto vencido, proferido pelo Eminente Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, o qual deu provimento
à apelação da autora por entender não se fazer necessária a comprovação
da dependência econômica porque a esposa foi abandonada pelo marido
e o vínculo matrimonial não se desfez, o que implica dizer não ter havido
dispensa da verba alimentícia.
Apresentada impugnação aos embargos.
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: A questão a ser dirimida
é se a esposa, abandonada pelo marido desde há muitos anos, faz jus à
pensão por morte do cônjuge, de quem estava separada de fato.
A Autora casou com o de cujus em 28.05.55 (certidão de casamento
de fl. 10) e, conforme alega e não é contraditada nos autos, foi pelo
mesmo abandonada, aproximadamente 30 anos antes do requerimento
administrativo do benefício, em 1994. (fl. 26)
A Autarquia alega que a Autora não mais dependia do marido e, por
isso, não tem direito ao benefício. O voto condutor do acórdão, da lavra
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do Eminente Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu, acolheu
a tese, por entender que caberia à Autora, separada de fato do marido,
o ônus de comprovar que dele ainda dependia economicamente. Já o
douto voto minoritário entende que não houve desfazimento do vínculo
matrimonial e, portanto, a presunção de dependência se mantém.
Não encontro na argumentação expendida pela Autarquia Previdenciária qualquer fundamento que justifique a não-concessão da pensão
em favor da Autora. Esta sempre esteve regularmente casada com o de
cujus, não o abandonou, ao contrário, foi pelo mesmo abandonada e deste
pouco teve notícias. Assim, nos termos da CLPS/76, vigente à época do
óbito, fazia jus ao pensionamento requerido (art. 55) pelo simples fato
de ser a esposa de Vandelo Martins, pois a teor do art. 13, I, daquele
regramento, detinha a condição de dependente para fins previdenciários.
Ao contrário do que quer fazer crer a Autarquia, a circunstância de
ter sido abandonada só milita em seu favor, pois que subitamente e sem
qualquer aviso deixou de ser mantida pelo marido, tendo que a partir
daí prover o próprio sustento e o dos cinco filhos havidos do casamento,
com as dificuldades naturais que situações tais costumam impor. De
qualquer sorte, caberia à Autarquia o ônus de comprovar que a Autora
não mais necessita do benefício, tarefa da qual não logrou desincumbir-se. A peculiar circunstância de ter sido abandonada elide, a meu juízo,
a necessidade de demonstrar que recebia auxílio do de cujus, ante a
manifesta impossibilidade de tal prestação. E também faz com que seja
inaplicável ao presente caso o entendimento consubstanciado na Súmula
64 do extinto TFR, pois que aquele enunciado pressupõe a existência
do intuito de separação, da manifestação de vontade nessa direção e a
dispensa de alimentos, o que, a toda evidência, não é o que ocorreu, pois
o abandono se deu à revelia do desejo da Autora.
Ademais, nos termos do art. 15 da mesma CLPS/76, a dependência
econômica da esposa é presumida, só restando descaracterizada se fosse
ela quem abandonasse o cônjuge varão, hipótese que in casu não ocorreu. Releva ponderar, ainda, que a forçosa separação de fato em nada
prejudica a Autora, legítima esposa nos termos da lei civil. E é o art. 16
daquele diploma legal que dirime qualquer dúvida que possa remanescer,
ao decretar que:
“não fará jus às prestações o cônjuge desquitado sem direito a alimentos, nem o que
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239
voluntariamente tenha abandonado o lar há mais de 5 (cinco) anos, ou que, mesmo por
tempo inferior, o tenha abandonado e a ele se recuse a voltar, desde que essa situação
haja sido reconhecida por sentença judicial transitada em julgado”,
hipóteses inocorrentes no caso concreto, onde o abandono se deu por
parte do marido.
Assim, em que pesem as bem-lançadas razões do douto voto condutor do acórdão, peço vênia aos Eminentes Desembargadores Federais
Nylson Paim de Abreu e Surreaux Chagas para fazer prevalecer o
voto minoritário do Eminente Desembargador Federal Luiz Carlos
de Castro Lugon e dar provimento aos embargos infringentes, nos
termos da fundamentação supra.
É o voto.
REMESSA EX OFFICIO EM AC Nº 2000.04.01.145599-8/PR
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe
Parte-Autora: Manoel Ferreira da Silva
Advogados: Drs. Elizabete Serrano dos Santos e outro
Parte-Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogados: Dr. Kely Kuhnen
Dra. Valeria Maciel de Campos
Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Maringá/PR
EMENTA
Previdenciário. Restabelecimento. Auxílio-doença. Laudo favorável.
1. De manter-se a sentença que determinou o restabelecimento de
auxílio-doença desde sua suspensão, porquanto o conjunto probatório
dos autos, em especial a provaR.pericial,
atesta que não houve melhora
240
Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
ou solução de continuidade do quadro mórbido.
2. Havendo divergência entre os laudos oficial e do assistente técnico
do INSS, prevalecerá o do juízo, dada a sua imparcialidade e eqüidistância
dos interesses das partes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 04 de outubro de 2001.
Des. Federal Virgínia Scheibe, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Manoel Ferreira da
Silva ajuizou a presente ação sumária visando ao restabelecimento de
auxílio-doença, desde sua indevida suspensão.
Submetido a exame pericial, sobreveio sentença que julgou procedente
a ação, condenando o INSS a conceder em favor do autor o benefício de
auxílio-doença desde seu cancelamento. Determinou, ainda, por antecipação de tutela, a implantação imediata do benefício, logo após a intimação
da sentença. Condenou também o INSS nas custas processuais e nos
hono­rários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.
Em face de reexame necessário, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
Dispensada a revisão.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Virgínia Scheibe: Trata-se de remessa
ofi­cial tirada contra sentença de procedência que determinou o restabelecimento do benefício de auxílio-doença, desde seu cancelamento.
A controvérsia destes autos cinge-se tão-somente a saber se há ou não
incapacidade laboral a justificar a concessão ora guerreada. Para tanto,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
241
imprescindível a realização de prova pericial, a única idônea e imparcial,
capaz de atestar se há invalidez, bem como sua intensidade e prejuízo
da capacidade laboral.
A perícia oficial dos autos concluiu que o autor é portador de hérnia
discal lombar, estando incapacitado parcial e temporariamente para o
trabalho. O perito assevera que a patologia do autor o impede de realizar qualquer esforço físico e que há tentativa de recuperação através de
tratamento cirúrgico, mas que apenas poderá voltar a exercer a mesma
atividade, mesmo com a cirurgia, se houver total recuperação, pois além
da hérnia discal, é portador de escoliose lombar.
A perícia do INSS, entretanto, inobstante apontar o mesmo diagnóstico, entendeu que não há incapacidade laboral. Assevera o perito
do INSS que o autor poderá realizar tratamento clínico e fisioterápico,
podendo trabalhar normalmente. Por fim, entendeu que a hipótese do
autor não é de reabilitação profissional, pois pode retornar à atividade
habitual (servente de obras).
Ora, tenho que a divergência entre as conclusões periciais não
interfere na solução da lide, porquanto já se firmou o entendimento
nesta Corte de que, havendo divergência entre os laudos oficial e do
assistente técnico do INSS, prevalecerá o do juízo, por sua imparcialidade e eqüidistância dos interesses das partes. Some-se a isto o fato de
ser o laudo oficial bem circunstanciado e estar reforçado pelos demais
elementos de prova dos autos, como atestados médicos (fls. 14, 55, 56)
que apontam o quadro clínico já referido.
Assim, o deferimento do auxílio-doença significa o reconhecimento
da incapacidade parcial da parte-autora, em consonância com o princípio
da proteção que orienta nosso ordenamento previdenciário.
Veja-se que há nos autos a referência, tanto em atestado médico,
quanto na perícia oficial, de que o autor, para tentar curar-se, deveria
realizar a cirurgia pertinente ao seu quadro, por profissional competente e habilitado, mas o mesmo, por receio, não quer submeter-se
a tal tratamento.
Ora, não há como forçá-lo a tratar-se, mas também não pode o órgão
previdenciário ser obrigado a conceder-lhe um benefício indefinidamente, por não querer tratar-se. Neste contexto, a medida de conceder-lhe o
benefício de auxílio-doença visa a que seja submetido a regular programa
242
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
de reabilitação profissional (ao que parece pelos documentos dos autos,
em momento algum, o INSS tentou promover a reabilitação do segurado, até porque na sua perícia refere que o autor pode desempenhar a
sua profissão habitual), nos termos do art. 62 da Lei de Benefícios, a fim
de que possa desempenhar atividade profissional compatível com suas
limitações funcionais, já que não pode realizar esforço físico, o que na
função de servente de obra é muito comum.
Como não houve melhora ou solução de continuidade do quadro
mórbido a justificar a suspensão do benefício, entendo que a decisão
monocrática que determinou o restabelecimento do benefício desde sua
suspensão deve ser mantida.
Assim, conforme a fundamentação supra, voto no sentido de negar
provimento à remessa oficial.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.00.009195-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Patricia Helena Bonzanini
Apelante: Maria Regina Helegda
Advogados: Drs. Marcelo Lipert e outros
Apelados: os mesmos
Remetente: Juízo Substituto da 3ª Vara Federal Previdenciária de
Porto Alegre/RS
EMENTA
Previdenciário. Arts. 11, § 3º, e 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91. Constitucionalidade. Necessidade de contraprestação. Revisão de aposentadoria.
Repetição
de indébito. Impossibilidade.
243
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
1. Os arts. 11, § 3o, e 18, § 2o, da Lei nº 8.213/91 estabelecem que o
aposentado pelo RGPS que retorna à atividade é segurado obrigatório e,
mesmo contribuindo, não terá direito à prestação alguma, exceto salário-família e reabilitação, quando empregado.
2. A contribuição para a previdência social não pressupõe contraprestação em forma de benefício, não sendo inconstitucional o art. 18, § 2o,
da Lei nº 8.213/91.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, prejudicado
o apelo do autor, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2001.
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Maria Regina
Helegda, NB 0865446512, espécie 42, DIB 21.07.92, ajuizou ação
ordinária contra o INSS objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade do § 2o do artigo 18 da Lei nº 8.213/91, com conseqüente
direito de renunciar ao benefício que vem percebendo, e a condenação
da autarquia a conceder-lhe, desde a citação válida, nova aposentadoria,
calculada com base nas 36 contribuições anteriores a outubro de 1999,
com incidência de juros moratórios de 1% ao mês. Sucessivamente,
requer a condenação do instituto a devolver-lhe todas as contribuições
vencidas e vincendas que lhe foram descontadas após a concessão da
aposentadoria, com as mesmas condições de atualização monetária e
juros vigentes para cobrança de contribuições previdenciárias em atraso,
em virtude do indébito fiscal.
A sentença reconheceu a inconstitucionalidade do § 2o do art. 18 da
Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 8.528/97, declarando o
direito da autora de renunciar à aposentadoria que percebe atualmente
244
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
e requerer novo benefício de aposentadoria, para cujo cálculo deverão
ser computados os salários-de-contribuição posteriores à sua primeira
aposentação. Foi determinado, ainda, que o pagamento da mensalidade
ficará sujeito à devolução dos valores atualizados e corrigidos recebidos
na qualidade de titular do benefício nº 102.906.961-9. Os honorários
advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor da causa.
Apelou o INSS, sustentando, primeiramente, que é inviável a declaração de inconstitucionalidade do art. 18, § 2o, da Lei nº 8.213/91, pois
o art. 201, caput, da CF faz expressa menção à lei ordinária no momento
de definir o regramento das prestações a cargo da Previdência Social e
que inexiste autorização legal para concessão de nova aposentadoria,
com proventos majorados, mediante o cômputo de tempo de serviço
utilizado para a percepção de aposentadoria proporcional. Aduz que a
concessão da aposentadoria da parte-autora consiste em ato jurídico perfeito.
Argúi que o art. 18, § 2o, da Lei nº 8.213/91 não ofende o princípio constitucional da eqüidade, uma vez que este apenas visa a adequar o valor
das contribuições à capacidade contributiva de todos os responsáveis
pelo financiamento da Previdência e que esta é financiada pelo sistema
de repartição. Por fim, sustenta que improcede o pedido de restituição das
contribuições recolhidas no período posterior à aposentação da autora,
pois esta estava em atividade sujeita ao recolhimento de contribuição.
Apelou a parte-autora, requerendo a declaração de nulidade da sentença por esta ter infringido o disposto no art. 93, IX, da CF.
Com contra-razões do autor, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: O art. 3º da Lei
nº 9.032/95 extinguiu o pecúlio e deu a seguinte redação ao artigo 11, §
3º, da Lei nº 8.213/91:
“Art. 11
§ 3º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que estiver
exercendo ou voltar a exercer atividade abrangida por este regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº
8.213, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social.”
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
245
O § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/91 (já contendo, em sua parte final,
a alteração dada pela Lei nº 9.528/97), de sua vez, assim dispõe:
“Art. 18
§2º. O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS que permanecer
em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma
da Previdência em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família
e à reabilitação profissional, quando empregado.”
Vê-se, portanto, que o aposentado pelo Regime Geral da Previdência
que retorna ao trabalho não terá, a despeito de sua condição de segurado
obrigatório, direito à prestação alguma, exceto ao salário-família e à
reabilitação. O fato de não haver contraprestação a essas contribuições
vertidas ao Sistema Previdenciário não significa ofensa ao texto constitucional. A Constituição Federal, ao contrário, em seu art. 195, dispõe
que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
além das contribuições so­ciais dos empregadores, dos trabalhadores e
daquelas incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos. A
solidariedade, que está na base desse sistema de proteção social e que
inspira o regime de repartição simples – vigente em nosso ordenamento –,
afasta, desde logo, qualquer vício de inconstitucionalidade que pudesse
ser invocado contra as normas que dispõem a respeito da exigência de
contribuição dos segurados aposentados que retornam ao mercado de
trabalho.
Nesse sentido, a lição de Wagner Balera (in A Seguridade Social na
Constituição de 1988, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989,
pp. 51/2):
“Contrariando a técnica e o objetivo do contrato de seguro no qual buscou, no
passado, a inspiração, a seguridade social não pode se ater a uma correspondência
estrita entre a obrigação de contribuir e o direito às prestações. A contribuição é social
por representar a parcela, fornecida pela pessoa física ou jurídica, a um fundo que se
destina a impedir que todos os cidadãos padeçam necessidades.
Aliás, funcionando como verdadeiro mecanismo de distribuição das riquezas
nacio­nais, a seguridade social pode vir a ser mais utilizada precisamente por aqueles
que, para ela, nunca contribuíram e, vice-versa, pode quase não servir aos que maiores
contribuições verteram para o sistema. Basta que se imagine, verbi gratia, uma grande
empresa instituindo um modelar serviço médico para seu pessoal e que, sem embargo,
246
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
esteja obrigada a contribuir com elevadas quantias mensais.”
Em suma, é o princípio da solidariedade que fundamenta o Sistema de
Seguridade Social instituído pela Constituição Federal de 1988. E é ele
que justifica a cobrança de contribuição daquele segurado que, já aposentado, passa, quando retorna ao mercado na condição de trabalhador,
a recolher aos cofres da Previdência.
Não é outra a idéia que se extrai do seguinte precedente jurisprudencial:
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL.
1. A concepção atual de Previdência Social é diversa daquela sob a qual se edificou
a legislação e a doutrina no regime constitucional anterior, tendo-se evoluído do
princípio mutualista para o da diversidade da base de financiamento, abarcando toda
a sociedade no custeio da Seguridade Social, independentemente de haver uma relação
direta do contribuinte com os benefícios da tutela previdenciária.
2. Apelo improvido.” (AC 0412310-4, ano:95, UF: RS, Tribunal: TRF, Turma:02,
Região: 04, DJ data: 08.01.97, pg:000192, Rel. Juíza Tania Escobar)
A matéria em discussão foi muito bem enfrentada pela Juíza Federal Marina Vas­ques Duarte, quando proferiu sentença no processo nº
2000.71.00.001672-3. Permito-me transcrever o inteiro do teor daquele
excelente trabalho:
“A parte-autora pretende nesta ação seja revisada a sua aposentadoria, considerando as contribuições feitas ao Regime Geral da Previdência após a concessão do
benefício. Aduz que permaneceu exercendo atividade remunerada que a vinculava
obrigatoriamente ao RGPS, razão por que teve valores descontados de seu salário a
título de contribuição social. Entretanto, não teve a devida retribuição do sistema,
já que o artigo 18, § 2º, da Lei de Benefícios dispõe que ‘o aposentado pelo Regime
Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a
ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência
do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional,
quando empregado.’(redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).
Pelo que se depreende da fundamentação da peça inicial, o pedido de renúncia a
sua aposentadoria foi feito apenas para que a parte demandante não titularizasse dois
benefícios, já que precisaria dos requisitos que levaram à concessão do primeiro, para
tê-lo revisado e majorado. Assim, não pretende de fato renunciar à sua aposentadoria,
mas revisá-la, utilizando-se de tempo de serviço e/ou contribuições feitas posteriormente ao ato de jubilação. Ou, então, caso isto não seja admitido, requer a devolução
das quantias pagas nos termos do artigo 11, § 3º, da Lei 8.213/91.
Na prática, o que pretende é contornar a revogação dos dispositivos que previam o
abono de permanência em serviço ou o pecúlio. Quanto ao primeiro, ainda se verifica a
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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intenção de ser-lhe concedido uma vantagem ainda maior do que a lei previa: enquanto
o abono de permanência em serviço era de 25% do valor da aposentadoria que estaria
recebendo, o pedido principal desta ação é de 100% do valor da aposentadoria, já que
vem recebendo este benefício previdenciário e não pretende devolvê-lo. Ao menos, nada
manifestou neste sentido, não sendo lícito a este juízo presumir que pretende fazê-lo.
Entretanto, não se pode acolher os pedidos pelas razões que passo a expor.
No que se refere à aposentadoria e à continuação do exercício da atividade, pode
acontecer duas hipóteses: uma em que a lei proíbe o retorno à atividade, como no caso
de deferimento de aposentadoria por invalidez (art. 46, Lei 8213/91) ou aposentadoria especial (art. 57, § 8º, Lei 8213/91, parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.732, de
11.12.98); outra, quando a lei não a proíbe, restringindo, entretanto, o direito à concessão
de outros benefícios, embora seja obrigado a contribuir (art. 18, § 2º, da Lei 8213/91).
Partindo da hipótese de não ser proibido o retorno ou a permanência em atividade,
neste caso, diz o artigo 18, § 2º, da Lei de Benefícios:
‘O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS que permanecer em
atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à
reabilitação profissional, quando empregado’. (redação dada pela Lei 9528, de 10.12.97).
Assim, esse aposentado que continuar a exercer atividade remunerada que o enquadre no conceito de segurado obrigatório, além de ser sujeito ativo de relação previdenciária (aposentadoria), é também sujeito passivo de relação tributária (art. 11, § 3º, LB
e art. 12, § 4º, LC). Não lhe cabe optar ou não por este recolhimento, pois uma vez
enquadrado em algum dos incisos do artigo 11 da Lei de Benefícios ou artigo 12 da Lei
de Custeio, deve pagar contribuição previdenciária, que tem natureza jurídica tributária.
Essas contribuições, nos termos da Lei de Benefícios, não gerarão direito a nova
prestação previdenciária, que não as acima elencadas, nem terão reflexo no valor da
renda mensal do beneficio em manutenção.
Não é possível acolher-se a alegação de inconstitucionalidade daquele artigo para
a situação em tela, pois o segurado não contribui para si, mas para o sistema. Ademais,
‘o direito à prestação é uma conseqüência da ocorrência de fato posterior à relação vinculativa e, em regra, alheia à conseqüência jurídica de custeio’. (COIMBRA, Feijó, in Direito
Previdenciário Brasileiro, Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 10ª ed., 1999, p. 121).
Referido autor, ao discorrer sobre o custeio da Previdência Social (págs. 231/245),
explica que o funcionamento financeiro das instituições de seguro social normalmente
obedece a dois tipos: o da capitalização e o da repartição. O primeiro, inspira-se em técnicas de seguro e poupança, acentuando sua filiação aos sistemas por que funcionam os
seguros privados. O esforço de cada indivíduo e de cada geração conflui para a realização
de fundos que, administrados de maneira correta, permitiriam a entrega das prestações
no devido tempo. Já pelo sistema da repartição, o volume das quantias arrecadadas em
cada período servirá para o custeio das prestações que devidas forem no mesmo período.
Nos primeiros tempos do seguro social, as técnicas de capitalização, pela formação das
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
reservas, até poderiam ser úteis. Mas, ao chegarmos ao terreno da seguridade social, o
sistema da repartição parece o único possível. Por ele, os direitos do cidadão têm, por
garantia suficiente, a que o Estado pode fornecer, seja mediante subvenções, seja pela
receita tributária, acaso existente e destinada a esse custeio.
Sem dúvidas, no nosso sistema atual brasileiro prevalece o da repartição e não o da
capitalização. E isso pode ser constatado no dispositivo 195, inciso II, da Constituição
Federal de 1988, segundo o qual a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes
dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além
das contribuições sociais dos empregadores, dos trabalhadores e sobre a receita de
concursos de prognósticos.
Portanto, o trabalhador financia não a sua Previdência, mas a Seguridade Social
como um todo, que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde,
à Assistência Social e à Previdência.
Dentro deste espírito, o artigo 12, § 4º, da Lei 8212/91 e o artigo 11, § 3º, da Lei
8.213/91, determinam que também o aposentado pelo Regime Geral de Previdência
Social que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime
é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de
que trata esta lei, para fins de custeio da Seguridade Social. Afinal, embora já perceba
aposentadoria, continua exercendo atividade que o enquadra no conceito de trabalhador,
mencionado no artigo constitucional.
Não se trata, como quer a parte-autora, de uma contribuição paga para sistema
previdenciário privado, mas, sim, de contribuição social que financia todo um sistema
de Seguridade Social para a população brasileira.
Também a natureza jurídica das contribuições sociais para a Seguridade Social no
atual sistema constitucional indicam a obrigatoriedade da contribuição. Nos termos
do decidido no REX 146.733/SP, o Min. Moreira Alves, em voto condutor, esclareceu
que as contribuições sociais têm natureza de tributo:
‘De efeito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhorias) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes
para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos
148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a
União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive
as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais
ou econômicas. No tocante às contribuições sociais (...), não só as referidas no artigo
149 - que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional - têm
natureza tributária, como resulta, igualmente, da observância que devem ao disposto
nos artigos 146, III, e 150, I e III,- mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título ‘Da Ordem Social’. Por terem esta natureza
tributária é que o artigo 149, que determina que as contribuições sociais observem
o inciso III do artigo 150 (cuja letra b consagra o princípio da anterioridade), exclui
dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
249
em conformidade com o disposto no § 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu § 4º ao
admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da
seguridade social, determina se obedeça ao disposto no art. 154, I, norma tributária, o
que reforça o entendimento favorável à natureza tributária dessas contribuições sociais.’
Assim, não cabe ao trabalhador optar ou não pelo recolhimento.
Em razão deste entendimento, diz-se que o segurado pode ter com o Estado duas espécies de relação jurídica. Uma em que figura como sujeito ativo, credor - relação jurídica
de direito previdenciário - e outra em que figura como sujeito passivo, devedor ­relação
jurídica de direito tributário. No que pertine à concessão de aposentadoria por tempo de
serviço ou especial é o próprio segurado que opta por inverter essa relação, quando implementados os requisitos e postula, voluntariamente, o benefício. Ele próprio define para a
administração a interrupção da contagem do tempo de serviço e até quando pretende ver
computados os salários-de-contribuição. Se depois disso volta a trabalhar ou permanece
exercendo atividade vinculada ao RGPS, já é sabedor de sua situação jurídica perante ao
órgão previdenciário: embora retome a ser sujeito passivo de uma relação jurídica tributária,
a princípio não pode exigir que o órgão previdenciário some por duas vezes o período e os
salários-de-­contribuição já tomados para a concessão do primeiro benefício, cuja finalidade
era justamente substituir a renda mensal do segurado.
E, neste caso, não se discute a reduzida proteção do Estado, enquanto órgão previdenciário, a que tem este segurado. Mas a impossibilidade de ver somado por duas
vezes o mesmo período contributivo.
O artigo 194, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 menciona quais os
objetivos da Seguridade Social, incluída a Previdência Social. Dentre eles, refere-se
à seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Segundo o
princípio da seletividade, o legislador tem uma espécie de mandato específico, com o
fim de estudar as maiores carências sociais em matéria de seguridade social, e que ao
mesmo tempo oportuniza que essas sejam priorizadas em relação às demais. De outra
banda, pelo princípio da distributividade, após cada um ter contribuído com o que podia,
dá-se a cada um de acordo com as suas necessidades. (CUNHA, Luiz Cláudio Flores
da, e outros, in Direito Previdenciário: Aspectos Materiais, Processuais e Penais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2ª ed. 1999, pp. 39/40)
Desta forma, a seleção das prestações vai ser feita de acordo com as possibilidades
econômico-financeiras do sistema da seguridade social. Nem todas as pessoas terão
benefícios: algumas o terão, outras não, gerando o conceito de distributividade.
Como acima mencionado, a relação vinculativa de custeio não pressupõe, por si só,
necessária contraprestação do Estado, porquanto alheia à sua conseqüência. Enquanto
trabalhador, é sujeito passivo de uma relação tributária, impositiva. Apenas quando
implementa as condições definidas em lei, passa a ser sujeito ativo de relação previdenciária. E os benefícios a que esse segurado fará jus será escolhido pelo legislador
segundo o critério da seletividade.
Não me parece, in casu, que a limitação de novos benefícios a quem já teve deferida
aposentadoria voluntariamente postulada fira o princípio da seletividade e da distributividade. Afinal, estes trabalhadores já estão ao abrigo da proteção estatal no que
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
se refere à substituição dos rendimentos. E, o que me parece mais grave, pretendem
ver estes valores revisados levando em consideração contribuições posteriores que
efetuaram enquanto concomitantemente percebiam os valores referentes à jubilação,
somando tempo de serviço e carência que levaram à concessão desta.
Por outro lado, os dispositivos legais não ferem o princípio da eqüidade na participação do custeio (art. 194, V, da CF), referido na exordial, que se refere única e
exclusivamente à relação jurídica de custeio, no sentido de que todos participarão de
forma igualitária na cobertura das despesas com a Seguridade Social. Isto é, aqueles que
estiverem em iguais condições contributivas terão de contribuir da mesma forma. Por
isto, o trabalhador, mesmo que aposentado, se estiver em iguais condições contributivas
que outro, deverá contribuir da mesma forma, na conformidade do salário que perceba.
Já o § 1º do artigo 201 da Carta Magna, também não ampara o pedido da parte-autora, pois apenas prevê a possibilidade de qualquer pessoa participar dos benefícios
da previdência social, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários, sem
especificar quais. Mesmo este dispositivo deve ser interpretado conforme os princí­
pios da seletividade e da distributividade acima referido. E, como já mencionado,
não há rompimento com a norma constitucional quando o dispositivo legal limita a
concessão de nova aposentadoria a segurado que já está jubilado pelo mesmo sistema
previdenciário, computando tempo de serviço e contribuições posteriores e anteriores
à primeira jubilação.”
Portanto, diferentemente do que afirma a autora, a contribuição para
a Previdência Social não pressupõe contraprestação em forma de benefício, tampouco se afigura possível a restituição das quantias vertidas.
A jurisprudência deste Colendo Tribunal assim tem se manifestado
sobre o tema:
“Buscando a declaração de dispensa da contribuição previdenciária relativa à nova
relação de emprego depois de aposentado, o autor interpôs apelação cível alegando que
a contribuição previdenciária de aposentado é inconstitucional. A 6a Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação entendendo que no atual regime da Previdência
Social, o aposentado que permanece ou retorna ao trabalho deve continuar contribuindo
para o INSS a teor do par. 3o do art. 11 da Lei 8.213/91 com a redação que lhe foi
dada pela Lei 9.032/95, não sendo inconstitucional tal dispositivo. Participaram do
julgamento os desembargadores Tadaaqui Hirose e Luiz Fernando Wowk Penteado”.
(AC 2000.71.05.001320-1, TRF da 4a Região, Sexta Turma, sessão 02.10.2001, Relator
Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz)
“PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA POR TEMPO DE
SERVIÇO PARA PERCEPÇÃO DE NOVA APOSENTADORIA NO MESMO REGIME PREVIDENCIÁRIO OU, EM PEDIDO SUCESSIVO, A RESTITUIÇÃO DOS
VALORES DESCONTADOS A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS A PARTIR DA DATA DA APOSENTADORIA. ART. 18, § 2º,DA LEI 8.213/91
COM A REDAÇÃO DA LEI 9.528/97. LEI 8.870/94. Não é renunciável o benefício de
251
R. Trib. Reg. Fed. 4ªou
Reg.
Porto Alegre,
a. 13, n. 43,
p. 91-397,
2002
aposentadoria
tempo
de serviço
para
percepção
de nova aposentadoria no mesmo
regime previdenciário. O exercício de atividade abrangida pela Previdência Social pelo
segurado já aposentado não gera direito a novo benefício, não podendo perceber uma
nova aposentadoria ou computar o tempo posterior ao jubilamento para fins de aumento
do coeficiente de cálculo. A devolução das contribuições em forma de PECÚLIO não
tem mais amparo legal desde a EXTINÇÃO deste benefício pela Lei 8.870/94. Apelação desprovida.” (AC 2000.71.00.015111-0, Relator Juiz Surreaux Chagas, 6ª Turma,
DJU de 18.07.2001)
Do apelo da parte-autora
Tendo em vista a improcedência da ação, restou prejudicado o recurso da parte-autora pleiteando a declaração de nulidade da sentença
por ausência de fundamentação no ponto em que condicionou renúncia
do benefício à devolução dos valores recebidos desde a data de início
daquele.
Dos honorários advocatícios
Ante a sucumbência da parte-autora, condeno-a ao pagamento de
honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da causa,
cuja exigibilidade fica suspensa por ser a autora beneficiária da AJG, a
qual foi requerida na inicial e que ora lhe defiro.
Pelo exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo do INSS e
à remessa oficial, prejudicado o apelo do autor.
É como voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.043578-9/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
252
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
Advogada: Dra. Lizelia Tissiani
Agravado: Ladislau Machado Polidoro
Advogada: Dra. Maria Fátima Rambo Vogel
EMENTA
Agravo de instrumento. Processual Civil. Benefício assistencial.
Restabelecimento. Desconto irregular. Competência. Antecipação de
tutela. Fazenda Pública.
1. Cingindo-se a discussão à legitimidade do desconto de 100% que a
autarquia está procedendo na prestação mensal do benefício assistencial, a
título de ressarcimento do prejuízo causado pelo agravado, descabe cogitar da integração da União na lide, como litisconsorte passiva necessária.
2. O reexame obrigatório, pelo Tribunal, das sentenças condenatórias proferidas contra o Poder Público não obsta à antecipação de tutela
quando esta for cabível, em face de seu caráter provisório.
3. Segundo precedente do STJ, a exigência da irreversibilidade inserta
no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de
o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a
que se destina.
4. Descabe ao INSS, como mero gestor do benefício assistencial, de
competência da União, proceder a desconto a título de ressarcimento de
quantias de natureza previdenciária pagas indevidamente ao segurado.
5. A CF/88 veda o pagamento de benefícios em importância inferior
ao mínimo legal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2001.
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se de
253
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
agravo de instrumento interposto contra decisão (fl. 32) que, em sede de
antecipação de tutela, deferida de plano, determinou o restabelecimento
do benefício assistencial a idoso, de que tratam o art. 203, V, da CF/88
e a Lei 8.742/93.
Postula o INSS, em resenha, a reforma do despacho agravado, ao
fundamento da incompetência absoluta do Juízo Estadual de origem para
processar e julgar feitos desta natureza, onde obrigatória a presença da
União. Aduz, ademais, ser inviável o deferimento da tutela antecipada
contra a Fazenda Pública, cujos pagamentos hão de se sujeitar ao regime
dos precatórios, bem como haver risco de irreversibilidade, caso mantido
o provimento ora agravado. Por fim, alega que o desconto de 100% no
valor do benefício assistencial titulado pelo recorrido, advém do fato de
o mesmo haver percebido aposentadoria no período de 11/91 até 11/98,
de forma irregular e fraudulenta, tendo apresentado, inclusive, falsa
relação de salários-de-contribuição. A realização da indigitada fraude,
segundo esclarece, restou devidamente comprovada, tanto que o segurado
acatou a decisão que cancelou seu benefício, importando na exoneração
de todos os funcionários envolvidos, após apuração dos fatos através de
processo disciplinar.
Restou indeferido o efeito suspensivo postulado. (fls. 88/89)
Com contra-razões, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Preliminarmente, no que pertine à questão da competência da Justiça Esta­dual
de origem para apreciar a matéria, concluo por aderir aos fundamentos
expendidos no despacho inaugural prolatado pelo eminente Desembargador Federal Surreaux Chagas, relator, à época, nas seguintes letras (fl. 88):
“Não há controvérsia quanto ao direito ao benefício assistencial. A questão cinge-se
ao desconto de 100% que a autarquia está procedendo na prestação mensal do benefício assistencial, a título de ressarcimento do prejuízo causado pelo agravado pelo
recebimento indevido de aposentadoria por vários anos. Portanto, a questão envolve
os interesses apenas do INSS e do agravado, não havendo qualquer motivo fundado
para a integração da União na lide na condição de litisconsorte passiva necessária.
Da mesma forma, resta configurada a situação que autoriza a delegação de jurisdição
federal à Justiça Estadual.”
254
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
No que se refere à concessão da tutela antecipatória ser incompatível com o reexame necessário, faço ver que também sem razão a
parte agravante, porquanto não há qualquer vedação neste sentido no
artigo 273 do CPC, que trata, a toda evidência, de decisão provisória,
constante em obrigação de fazer e que se consubstancia, in casu, no
restabelecimento de benefício assistencial, determinado segundo o livre
convencimento do juiz, não se confundindo com a decisão final de mérito proferida contra o Poder Público, esta sim pendente de confirmação
pelo Tribunal, onde a execução do montante relativo a créditos vencidos,
segundo determinados parâmetros, sujeita-se ao regime de pagamento
por via de precatório.
Para roborar este entendimento, aproveito-me da lição do eminente
processualista, hoje Presidente deste Tribunal, Desembargador Federal
Teori Albino Zavascki, na obra Antecipação de Tutela, editora Saraiva,
São Paulo, 1997, p. 160:
“Relativamente ao regime geral que orienta o instituto da antecipação dos efeitos
da tutela, nenhuma disposição específica foi editada para diferenciar as entidades
públicas para excluí-las de sua aplicação. Nem mesmo o reexame obrigatório, pelo
tribunal, das sentenças condenatórias contra elas proferidas constitui empecilho à
antecipação quando esta for cabível”.
Ainda, quanto ao alegado risco de irreversibilidade da decisão recorrida, vista sob o ângulo essencialmente econômico da remota recuperação
de eventuais quantias pagas de forma indevida, já que a eventual cassação
do benefício não encontra qualquer óbice prático a justificar tal temor,
cabe transcrever julgado do STJ, anotado in Theotonio Negrão, CPC,
32ª ed., pág. 358, comentário ao art. 273, 20b, nas seguintes letras:
“A exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser
levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir
a excelsa missão a que se destina”. (STJ – 2ª Turma, REsp nº 144.656-ES, Rel. Min.
Adhemar Maciel, j. 06.10.97, não conheceram, v.u., DJU 27.10.97, p. 54.778)
Ultrapassadas tais preliminares, cumpre adentrar na questão de fundo
de modo a concluir pelo acerto, ou não, do comando judicial antecipatório
proferido na instância de origem, que determinou o restabelecimento do
benefício assistencial titulado pelo autor, ora agravado.
O instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional está reR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
255
gulado pelo Código de Processo Civil nos seguintes termos:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca,
se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.”
Quanto à presença dos requisitos para concessão liminar da tutela,
em regime de cognição sumária, próprio dessa espécie de recurso, não
vislumbro como possam ser afastados.
Sobre o tema em comento, assim determina a Lei nº 8.742/93:
“Art. 12 Compete à União:
I – responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada
definidos no art. 203 da Constituição Federal;
II- apoiar técnica e financeiramente os serviços, os programas e os projetos de
enfrentamento da pobreza em âmbito nacional;
III- atender, em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, às
ações assistenciais de caráter de emergência;
Art. 29 Os recursos de responsabilidade da União destinados à assistência social
serão automaticamente repassados ao Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS,
à medida que se forem realizando as receitas.
Parágrafo único. Os recursos de responsabilidade da União destinados ao finan­
cia­mento dos benefícios de prestação continuada, previstos no art. 20, poderão ser
repassados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social diretamente ao INSS,
órgão responsável pela sua execução e manutenção.”
Regulamentando o indigitado Diploma, dispôs o Decreto nº 1.744,
de 08 de dezembro de 1995, que:
“Art. 7º . O benefício de prestação continuada deverá ser requerido junto aos Postos
de Benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS pelo órgão autorizado
ou pela entidade conveniada;
§ 1º Os formulários de requerimento para habilitação do beneficiário serão fornecidos pelos Postos de Benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pelo
órgão autorizado ou pela entidade conveniada;”
Com efeito, exsurge claramente do regramento acima transcrito a
conclusão de que o INSS atua como mero gestor, por delegação, quanto
ao recebimento do pedido, processamento e concessão do benefício
assistencial em tela, cabendo à União a competência originária para
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responder pelo mesmo, inclusive com a disponibilização dos recursos
necessários à efetivação dos respectivos pagamentos.
Ora, dentro desta perspectiva, independentemente de se cogitar acerca
da ocorrência de fraude em prejuízo da instituição previdenciária, para
a qual talvez possa ter havido concurso do agravado, circunstância que
na hipótese estaria a exigir oportuna reparação, afigura-se-me irregular a
via eleita pelo agravante para atingir a tal desiderato. É que, como mero
gestor dos proventos assistenciais em foco, não detém a disponibilidade
para suprimi-los do patrimônio jurídico do beneficiário, visando à restituição de quantias com natureza previdenciária recebidas indevidamente.
Em suma, não é dada a pretendida compensação de quantias de natureza assistencial com outras de caráter previdenciário.
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Branca
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Branca
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 96.04.28697-8/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Edgard Lippmann
Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal
Amaury Chaves de Athayde
Autor: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Anderson Cavalheiro Müller
Réu: Heitor Tieder
Advogados: Drs. Lídio Buchaim e outros
EMENTA
Processual Civil. Ação rescisória. Documento novo. Descarac­
terização. Contra-crédito – Dedução infactível – Devido processo legal.
1. A certidão atual dizendo com recolhimento de contribuições em
contexto fático preexistente à instauração da ação de origem não consubstancia documento novo apto a embasar ação rescisória de julgado
concessivo de benefício, haja vista que o tema, por sua própria natureza,
deveria ter sido argüido e esgotado no âmbito daquela mesma ação.
Não caracteriza documento novo, aos fins, aquele cuja obtenção a parte
poderia ter alcançado a móvel de regular diligência.
2. Em sede de ação rescisória, não é possível deduzir do crédito reconhecido na ação de origem o contra-crédito que o devedor alega ter,
porquanto importaria dirimência de conflito novo ausente de devido
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
261
processo legal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
julgar improcedente a ação rescisória, vencidos o Juiz-Relator e a Juíza
Maria de Fátima Freitas Labarrère, que a julgavam parcialmente procedente, retificando o voto anteriormente proferido pelas Juízas Luiza Dias
Cassales e Marga Barth Tessler para acompanhar o voto do Juiz Amaury
Chaves de Athayde, não participando do julgamento os Juízes Edgard
Lippmann e Valdemar Capeletti, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de junho de 2001.
Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator p/Acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. José Germano da Silva: Trata-se de Ação Rescisória
ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social objetivando rescindir
acórdão proferido na Apelação Cível nº 93.04.05267-0/RS (Ação Ordinária nº 90.11098-0) que determinou o pagamento ao autor, pelo INSS,
de benefí­cios de aposentadoria previstos pela Lei nº 4.297/63, face a sua
condição de ex-combatente.
Sustenta o INSS ter havido violação literal ao parágrafo 1º, artigo 1º,
da Lei 4.297, que assim dispõe:
“§ 1º. Os segurados, ex-combatentes, que desejarem beneficiar-se dessa aposentadoria, deverão requerê-la, para contribuírem até o limite do salário que perceberem e
que venham a perceber. Essa aposentadoria só poderá ser concedida após decorridos
36 meses de contribuições sobre o salário integral”. (fl. 17)
Alega que tanto a sentença de 1º grau quanto o acórdão rescindendo
preocuparam-se tão-somente em certificar a condição de ex-combatente
do réu, sem discorrer sobre a necessidade da contribuição, sobre o salário integral, durante os 36 meses anteriores à concessão do benefício,
o que não ocorreu com o réu. Apresenta também documentos, só agora
obtidos, denunciando, através da evolução salarial do réu, que as contribuições por ele recolhidas jamais incidiram sobre seus vencimentos
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
integrais. Requer a rescisão do acórdão com fundamento nos incisos
V, VII, VIII e X do artigo 485 do CPC.
Requereu o autor, ainda, medida liminar para o fim de suspender a
execução do acórdão, inclusive “autorizando o INSS a tornar a pagar
a aposentadoria de aeronauta e não de ex-combatente”. Concedida a
liminar, a parte-ré interpôs agravo regimental, o qual foi provido por
maioria, ao fundamento de que “não se verificando alguns dos requisitos
estabelecidos pela lei, não se concede a antecipação da tutela e prestigia-se a coisa julgada”. (fl. 274)
O réu contesta a ação aduzindo, preliminarmente, já ter ocorrido o
prazo decadencial, por se tratar de parte da sentença de 1º grau não impugnada na apelação, de forma que o trânsito em julgado, quanto a esse
ponto, ocorrera à época da sentença. No mérito, requer a total improcedência da ação, porquanto a questão versada nos autos já foi decidida
pelo Poder Judiciário, no sentido de que o benefício dos ex-combatentes
passou a ser regrado diretamente pela própria Constituição Federal, sem
as limitações do já por demais falado parágrafo 1º do artigo 1º da Lei
nº 4.297/63.
Apresentadas as razões finais.
O Ministério Público (fls. 380-387) opinou pela procedência da ação.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal José Germano da Silva: Tenho, prefa­
cialmente, que não se opera a decadência do direito nesta ação rescisória. Alega o réu que o apelo da autarquia previdenciária somente feriu
a matéria prescricional e não ao mérito propriamente dito, motivo pelo
qual teria havido trânsito em julgado da sentença de primeiro grau, nesta
parte, em data anterior à do acórdão e, assim, como esta ação contou
o prazo deste último decisório, e não da aludida sentença, já se teriam
passados os dois anos legais.
Ainda que se admita o trânsito em julgado em momentos diferentes
para as partes diversas de uma mesma sentença, tenho que não é o que
ocorreu no caso em julgamento.
E assim é porque o acórdão rescindendo considerou devolvida toda
a matéria de mérito, examinando-a e confirmando-a, exceto no que resR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
263
peita à prescrição, motivo pelo qual deu provimento parcial ao recurso:
“(...)
Existente o direito do segurado, independe concedê-lo.
No recurso o INSS não impugna o mérito da demanda.
Indubitavelmente, comprovada a condição de ex-combatente, com a ‘medalha de
campanha na Itália’ (fl.10), incidentes os artigos 1° e 2° da Lei 4.297/63.
Merece, portanto, confirmação nessa parte, a sentença recorrida. (fls. 82/84)
(...)
Conforme já se acentuou, a recomposição da base do benefício remonta à data da
sua concessão. Todavia, o pagamento das parcelas atrasadas respeitará a prescrição
qüinqüenal parcial.
A correção monetária foi bem aplicada, haja vista a aplicação da Súmula 71 do
extinto TFR.
Em face do exposto, voto no sentido de conhecer da apelação para dar-lhe parcial
provimento, reconhecendo a prescrição qüinqüenal parcial.” (fls. 141 a 144)
Como se verifica, tivesse o acórdão rescindendo considerado devolvida ao Tribunal apenas a questão da prescrição, como quer o ora
réu nesta ação rescisória, e teria dado provimento total e não apenas
parcial ao apelo.
Daí que o prazo decadencial conta-se do trânsito em julgado do acórdão rescindendo e não da sentença, como postulado pelo réu.
Assim, afasto a alegação de decadência.
No concernente à questão de fundo verifico que o acórdão rescindendo
ignorou totalmente a norma contida no §­ 1° do art. 2° da Lei n° 4.297,
de 23 de dezembro de 1963, vigente à época da concessão do benefício:
“ Os segurados, ex-combatentes, que desejarem beneficiar-se dessa aposentadoria,
deverão requerê-la, para contribuírem até o limite do salário que perceberem e que
venham a perceber. Essa aposentadoria só poderá ser concedida após decorridos 36
meses de contribuições sobre o salário integral.”
Tal dispositivo prevê expressamente a necessidade do respectivo
custeio para ter direito ao benefício. Isto não foi considerado no acórdão rescindendo.
É consabido que se infringe, viola literalmente, se nega vigência a
determinado dispositivo legal não só aplicando-o indevidamente, mas,
principalmente, como é o caso, deixando de aplicá-lo.
No presente caso é incontroverso, não foi contestado pelo réu e restou comprovado (fls. 83 e 84) neste processo que o réu não prestou as
264
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
contribuições previdenciárias sobre o salário integral.
Assim, no julgamento rescindendo, violou-se literalmente o dispositivo em questão, porque se concedeu o benefício, quando ele inquestionavelmente vigorava, sem que tivesse havido o custeio.
Não colhe o fundamento de que o mesmo comando legal foi revogado pelas Constituições de 1967 e seguintes, que não são expressas no
concernente.
Primeiro, porque o benefício é de 1965 e, neste ano, ainda não teria
se operado a alegada revogação.
Em segundo lugar, porque as referidas Cartas elevaram o preceito do
caput do referido artigo 1° da Lei 4.297/63 em nível de norma constitucional, sem, entretanto, alterar-lhe o conteúdo.
Vale referir que o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no RE
n° 88.891-9, que a Constituição assegura proventos integrais ao ex-combatente, mas não cuida da base de cálculo prevista em lei:
“Previdência social. Ex-combatente. O artigo 197, c, da Constituição Federal,
assegura proventos integrais ao ex-combatente que se aposente em vinte e cinco anos
de serviço, mas não cuida da base de cálculo dos proventos, matéria a ser definida
pela lei ordinária. Os proventos integrais garantidos a ex-combatente são, pois, os
estabelecidos como tais pela legislação previdenciária. Recurso extraordinário não
conhecido”. (ver RTJ 92/304)
Assim, o texto constitucional não revogou a exigência do custeio do
benefício, mas, mesmo que o tivesse feito, tal revogação não alcançaria
o benefício do réu, porque o texto constitucional é de 1967 e, pois, posterior à data de concessão da aposentadoria dele.
Finalmente, no que concerne à ausência de prequestionamento do
dispositivo em questão na decisão rescindenda, peço licença para acolher o parecer do Ministério Público que, por sua vez, giza as razões
finais da autarquia autora:
“E é fundamental esclarecer que o requisito do prequestionamento não é previsto
pela legislação processual civil brasileira para a ação rescisória. O fato de o § 1° do
art. 1° da Lei 4.297 não ter sido tratado na sentença e no acórdão rescindendo não faz
com que o referido dispositivo legal não tenha sido violado.
Destaca-se que a ação rescisória não se trata de um recurso, mas de ação em que
a parte autora busca a desconstituição de uma sentença ou acórdão.” (fl. 386) (grifos
originais).
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
265
Ora, parece fora de dúvida que o acórdão rescindendo violou, literalmente - por deixar de aplicá-lo -, o § 1° do artigo da Lei nº 4.297/63
como exigir, neste caso, que ele tenha sido prequestionado?
Assim, o r. acórdão merece ser rescindido, com base no artigo 485,
V, do Código de Processo Civil.
Rescindido o acórdão, cumpre revisar a sentença que deferiu a aposentadoria, sem o respectivo custeio.
A norma em questão estabelece o direito à aposentadoria integral ao
ex-combatente, aeronauta, mediante o pagamento do custeio, consistente
em 36 meses de contribuição sobre o salário integral.
Como reconhece a sentença, o ora réu preenche todos os requisitos.
Porém, não realizou o pagamento do custeio.
A lei em exame, entretanto, não estabelece prazo para tal prestação, motivo pelo qual não vejo como não admiti-lo agora, inclusive,
através da compensação com as parcelas do próprio benefício, em
liquidação de sentença.
As contribuições sobre o salário integral deverão ser calculadas desde
a data em que deveriam ter sido feitas (36 meses anteriores ao requerimento administrativo) e atualizadas na forma da legislação previdenciária
e com os mesmos critérios do benefício.
Deverá também ser observada a prescrição qüinqüenal, na forma em
que reconhecida no acórdão ora rescindido, vale dizer, retroativa aos 5
(cinco) anos anteriores à data do ajuizamento da causa.
Assim, a ação original merece ser julgada apenas parcialmente procedente, para o fim de deferir a aposentadoria integral ao autor, réu nesta
rescisória, descontando-se dos valores do benefício as parcelas relativas
ao custeio do § 1º do artigo 1º da Lei nº 4.297/63, como antes prevista,
em liquidação de sentença, sendo o benefício pago na forma disposta na
sentença, respeitada a prescrição qüinqüenal.
Não houve depósito do art. 488, II, do CPC, dispensado à fl. 240.
Reconheço a sucumbência recíproca e, em razão disso, condeno o réu
ao pagamento da metade das custas e fixo os honorários em 10% sobre
o valor da ação originária para cada parte, que se compensam na forma
do artigo 21 do Código de Processo Civil.
Ante isso, julgo parcialmente procedente a ação rescisória.
É o voto.
266
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
VOTO-VISTA
O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Permito-me
divergir do eminente Relator.
Com efeito.
A presente ação rescisória tem por fundamento a existência de documentos novos, segundo o autor, “só agora obtidos”, reveladores de que
o réu/segurado não teria recolhido, no quantitativo exigível, as contribuições correspondentes ao benefício almejado. Assevera o requerente
que as contribuições recolhidas pelo réu jamais incidiram sobre seus
vencimentos integrais.
A equação, porém, não dá azo ao manejo da hipótese legal autorizadora do juízo rescindendo (CPC, art. 485, VII), pela qual “a sentença de
mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando ... depois da
sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou
de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”. A pretensa documentação nova, nova pode ser apenas
no papel apresentado, o que não é suficiente, de per si, para fazê-la apta
a embasar a postulação pela via da excepcional ação de que ora se cuida.
Com efeito.
Intenta o autor desta ação, a pressuposto de documento novo, indicar
situa­ção que faria por excluir o suporte do direito reconhecido, ao ora
réu, na precedente hostilizada ação. Essa situação diz com o recolhimento
de contribuições sem as quais, ao tempo, o benefício lá perseguido não
teria cabimento.
Ora, por um lado, a argüida situação de parcial inadimplemento não
se indica constituída após a sentença. Ao contrário, é de intuitiva percepção e inexorável lógica que o contexto, eminentemente fático, se faria
vinculado à situação precedente; precedente inclusive mesmo à época
da formalização de requerimento em sede administrativa ou judicial.
Por outro lado, o cerne da argumentação da autarquia, a toda evidência,
tem a mesma natureza da base do questionamento desenvolvido na ação
atacada. Portanto, naquela ação é que deveria ter sido alevantada; naquela
ação é que deveria haver sido esgotada toda a matéria da defesa, ou seja,
nela, demandado, ao INSS se impunha demonstrar todas as circunstâncias
que tivesse para opor resistência à pretensão que em face a si fora posta.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
267
Portanto, agora, efetivamente, não lhe aproveita escusar-se a pretexto
de que ignorava a maneira como o autor vertia as contribuições aos seus
cofres. Isso não se apresenta minimamente razoável, certo que não o
transmuda o fato de a exibição de certidão atual dando conta da situação
passada, haja vista que sob normal diligência a expedição de igual certidão era plenamente factível durante o curso da ação anterior, induvidoso
que nela mesma podia haver sido utilizada ao suporte da defesa. Não se
há de conferir a qualificação de “documento novo”, para embasar ação
rescisória, a uma tal certidão.
A ignorância a respeito da existência do documento, ou a anterior
impossibilidade de seu uso, para os fins da rescisão, há de mostrar-se
qualificada; há de apresentar-se desculpável, moderada, aceitável. A tanto
não se identifica a falta de diligência ordinária. Como anota Theotonio
Negrão (in CPC e leg. proc. em vigor, Saraiva, 31ª edição, p. 488),
“não é documento novo: — o que já constava de registro público (RTJ 125/439...); —
aquele que deixou de ser produzido na ação principal por desídia ou negligência da
parte em obtê-lo (RT 675/149...)”.
De resto, nesta sede, entendo também que não se pode pretender
deduzir do crédito reconhecido ao autor da ação de origem eventuais
débitos que o mesmo pudesse ter para com a instituição autárquica.
Fosse ao contrário, estar-se-ia a dirimir em ação rescisória a respeito de
objeto estranho à ação em que reside o julgado rescindendo, ademais
de se o estar fazendo sem a certeza da qualificação de tal contra-crédito.
Equivaleria a gravame ausente do devido processo legal, excluindo-se
do desfavorecido a possibilidade de deduzir, em via regular e apropriada, motivos pelos quais entendesse opor-se ao débito, tal como, para
exemplificar, eventual prescrição ou circunstâncias outras quaisquer
obstativas da sua exigência.
268
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Ante o exposto
Julgo improcedente a ação rescisória e condeno a autora em honorários
advocatícios de 5% sobre o valor da causa (CPC, art. 20, § 4º).
É como voto.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL
Nº 97.04.10650-5/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Paulo de Tarso Weber
Embargado: Acórdão de fl.41
Interessado: Oli de Oliveira
Advogados: Drs. David Dias da Cunha e outro
EMENTA
Processo Civil. Embargos de declaração prescrição.
1. O recurso de ofício, previsto no art.475, II, do CPC, devolve o
conhecimento ao Tribunal de toda a matéria discutida no processo, não
encontrando óbice de espécie alguma em qualquer tipo de preclusão.
A prescrição, argüida em contestação pelo INSS, deve ser examinada no julgamento da remessa de ofício, mesmo que não apreciada
pela sentença.
Precedente do STF: RE nº 71.473/PR, Rel. Min. Thompson Flores,
in RTJ 62/130.
2. Os embargos de declaração prestam-se a esclarecer, se existentes,
dúvidas, omissões ou contradições no julgado, e não para que se adeqúe
a decisão ao entendimento do embargante.
3. Embargos de declaração conhecidos e parcialmente providos.
ACÓRDÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
269
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento aos embargos de declaração, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de agosto de 2001.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Trata-se de embargos de declaração interpostos pelo INSS, com fulcro
no art.535, II, do CPC, nos seguintes termos (fl.44), verbis:
“1. A Sexta Turma do E. TRF da 4ª Região deu provimento à apelação do
autor, determinando a revisão da RMI da sua aposentadoria por invalidez, mediante atualização do salário-de-benefício do auxílio doença que a precedeu pelos
mesmos índices de reajuste dos benefícios previdenciários até a data de início da
aposentadoria.
2. Inicialmente, cumpre referir que houve omissão quanto à apreciação da ocorrência
da prescrição qüinqüenal, argüida em contestação.
3. Outra omissão diz respeito à aplicação do art. 21 do Decreto 89.312/84, o qual
prevê que a RMI da aposentadoria por invalidez é calculada com base na média dos
12 últimos salários-de-contribuição sem qualquer atualização.
4. No caso de recebimento de benefício por incapacidade no período básico de
cálculo, situação em que se enquadra o autor, deve ser considerado como salário-de-contribuição o salário-de-benefício até a data de início da aposentadoria, como
determinado no v. acórdão ora embargado. Pelo contrário, a lei é expressa no sentido
de que não é devida qualquer atualização sobre os 12 últimos salários
5. Assim, não é correta a atualização do salário-de-benefício do auxílio doença até
a data da aposentadoria por invalidez como determinado no acórdão, pois isso equivale
à atualização de todos os 12 salários-de-contribuição da aposentadoria por invalidez,
o que contraria o art. 21 do Decreto 89.312/91.”
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Procede, em parte, a irresignação do INSS.
Com efeito, a preliminar de prescrição das parcelas anteriores aos
cinco anos contados do ajuizamento da ação, suscitada na contestação
270
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
(fl.26), não foi objeto de apreciação no r. aresto embargado, da lavra do
ilustre Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon.
Como sabido, o recurso de ofício, previsto no art.475, II, do CPC,
devolve o conhecimento ao Tribunal de toda a matéria discutida no
processo, não encontrando óbice de espécie alguma em qualquer tipo de
preclusão (Nesse sentido: Egas Moniz de Aragão, in Sentença e Coisa
Julgada, 1ª edição, Aide Editora, 1992, pp.332-3).
Ademais, é a jurisprudência do Eg. Supremo Tribunal Federal, como
se verifica do julgado no RE nº 71.473-PR, sendo relator o eminente
Ministro Thompson Flores, verbis:
“Prescrição. Rejeição no despacho saneador irrecorrido. Efeitos.
II. Proferida a decisão contra o Estado, a qual rejeitou a prescrição, ainda que sem
interposição de recurso voluntário, deve ser reapreciada na Instância Recursal Ordinária,
máxime quando invocada em razões de apelação.
III. Exegese da Súmula 424 e aplicação dos arts.162 do C. Civ. e 822, parágrafo
único, III, do C.Pr. Civil.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Recurso conhecido e provido.” (in RTJ 62/130)
As demais questões suscitadas não comportam exame na sede dos
embargos de declaração, pois, em realidade, pretende o embargante a
modificação do julgado proferido pelo eminente Juiz Luiz Carlos de
Castro Lugon, em seu exaustivo voto.
Ora, como sabido, os embargos prestam-se a esclarecer, se existentes,
dúvidas, omissões ou contradições no julgado, e não para que se adeqúe
a decisão ao entendimento do embargante.
Pertinente, a respeito, o magistério do notável processualista português, Alberto dos Reis, em seu Código de Processo Civil Anotado,
reimpressão, Coimbra Editora, 1984, v.5, p.141, verbis:
“O tribunal não está obrigado a analisar e apreciar todos os argumentos, todos os
raciocínios, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes.”
Por esses motivos, conheço dos embargos de declaração e dou-lhes
parcial provimento, reconhecendo a prescrição das parcelas anteriores
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
271
aos cinco anos contados do ajuizamento da ação.
É o meu voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1998.04.01.033864-3/RS
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales
Apelantes: Glaiton Marques Figueiredo e outros
Advogado: Dr. Bayard Pelegrini de Azevedo
Apelada: União Federal
Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva
EMENTA
Processual Civil. Administrativo. Decisão proferida pelo Tribunal de Contas
da União dirigida ao Grupo Hospitalar Conceição. Inquérito civil público
instaurado pelo Ministério Público do Trabalho. Legitimidade ativa
para a causa.
1. As determinações do Tribunal de Contas da União e do Ministério
Público do Trabalho destinam-se ao Grupo Hospitalar Conceição S/A,
que é a parte legítima para instaurar a lide.
2. Os autores, empregados admitidos sem concurso público que deverão ser demitidos, têm interesse no feito - caso esse for instaurado- ,
mas não têm legitimidade para, em substituição do Grupo Hospitalar
Conceição S/A, promover a ação não proposta pelo legitimado.
3. Os autores são empregados celetistas, não tendo direito ao emprego
e podendo ser despedidos por mero interesse do empregador.
4. Caso o destinatário da decisão do TCU e da determinação do MPT
contra elas não se rebele, os direitos trabalhistas dos autores deverão ser
deduzidos perante a Justiça do Trabalho.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
272
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do
relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 01 de junho de 2000.
Des. Federal Luiza Dias Cassales, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: Empregados celetistas
do Grupo Hospitalar Conceição ajuizaram a presente ação contra a União
Federal objetivando a desconstituição da decisão nº 599/94 do Tribunal
de Contas da União (TCU) que, em suma, determinou a despedida de
todos os empregados admitidos sem concurso público, mesmo aqueles
temporariamente afastados. Após a decisão do TCU, o Ministério Público
do Trabalho instaurou Inquérito Civil Público, que tomou o nº 033/94,
e notificou o Grupo Hospitalar Conceição para que, no prazo de cento e
oitenta dias, procedesse à demissão de todos os empregados admitidos
sem concurso público, sob pena do pagamento de uma multa no valor
correspondente a 1.000 (um mil) UFIR, ou índice equivalente, para cada
trabalhador irregularmente contratado.
Foi requerida a antecipação de tutela que foi indeferida.
Foi interposta ação cautelar perante esta Corte que foi recebida como
pedido de antecipação de tutela que, por sua vez, foi indeferida.
A r. sentença indeferiu a inicial e julgou extinto o feito, sem apreciação do mérito, com base no art. 267, inciso I, c/c o art. 295, II, ambos
do CPC, por entender que os autores não possuem legitimidade para
questionar judicialmente a decisão nº 594/94 do Tribunal de Contas da
União, decisão essa dirigida contra o Grupo Hospitalar Conceição.
Da r. sentença apelaram os autores, propugnado por sua reforma integral. Alegam, em suma, que têm legítimo interesse na propositura da
ação, tendo em vista que, cumprida a decisão do Tribunal de Contas da
União, serão, em conseqüência, demitidos.
A r. sentença foi mantida por despacho de fl. 525.
Nesta Corte, os autores requereram a concessão de liminar, até a decisão da presente ação, para o fim de impedir o Grupo Hospitalar Conceição
S/A de, em atendimento à decisão proferida pelo Tribunal de Contas da
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
273
União, promover a exoneração dos autores, servidores não-concursados.
Pelo despacho da fl. 534, foi indeferido o pedido de tutela antecipada.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Luiza Dias Cassales: Como se viu do relatório, o Tribunal de Contas da União determinou ao Grupo Hospitalar
Conceição S/A que demitisse todos os empregados celetistas que foram
contratados sem aprovação em concurso público. O Ministério Público
do Trabalho, no Inquérito Civil Público, que tomou o nº 033/94, notificou
o Grupo Hospitalar Conceição para que, no prazo de cento e oitenta dias,
procedesse à demissão de todos os empregados admitidos sem concurso
público, sob pena do pagamento de uma multa no valor correspondente
a 1.000 (um mil) UFIR, ou índice equivalente, para cada trabalhador
irregularmente contratado.
Portanto, as determinações do Tribunal de Contas da União e do
Ministério Público do Trabalho destinam-se ao Grupo Hospitalar Conceição S/A, que é a parte legítima para instaurar a lide. É ele que deverá
cumprir as determinações do TCU e do MPT ou a elas contrapor-se, o
que só poderá fazer por intermédio da propositura da ação apropriada.
Certo é que os autores, empregados admitidos sem concurso público que
deverão ser demitidos, têm interesse no feito - caso esse for instaurado, mas não têm legitimidade para, em substituição ao Grupo Hospitalar
Conceição S/A, promover a ação não proposta pelo legitimado. E isso
porque: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo
quando autorizado por lei” (art. 6º do CPC). Além do mais, na espécie,
os autores são empregados celetistas, não tendo direito ao emprego e
podendo ser despedidos por mero interesse do empregador. Assim sendo, é
ao Grupo Hospitalar Conceição S/A - se entender ilegais as determinações
do TCU e do MPT - que cabe promover a ação para desconstituir tais
274
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
decisões e determinações, caso entenda serem elas ilegais. Proposta a
ação pelo Grupo Hospitalar Conceição S/A , os empregados que serão
atingidos pelas aludidas determinações poderiam postular para integrar
a lide, como meros assistentes.
No mais, caso o destinatário da decisão do TCU e da determinação
do MPT contra elas não se rebele, os direitos trabalhistas dos autores
deverão ser deduzidos perante a Justiça do Trabalho.
Isto posto, nego provimento ao recurso.
É o voto.
AGRAVO DE PETIÇÃO TRABALHISTA
Nº 2000.04.01.092980-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Agravante: União Federal
Advogado: Dr. João Paulo Veiga Sanhudo
Agravados: Ricardo Medeiros de Albuquerque e outros
Advogados: Drs. Felipe Neri Dresch da Silveira e outros
Drs. Rui Fernando Hubner e outros
EMENTA
Trabalhista. Embargos de declaração. Efeitos infringentes. Execução.
Aplicação subsidiária do CPC. Art. 879, § 2º, da CLT. Preclusão lógica.
Parcela incontroversa.
1. Em vista da subsidiariedade que preside a aplicabilidade do CPC às
demandas trabalhistas, suas normas não podem ser utilizadas em havendo
regra consolidada acerca do tema;
2. Concordando a reclamada com parcela dos cálculos de liquidação
ofertados pela parte reclamante, torna-se ela incontroversa, não se pode
pretender sua rediscussão em sede de embargos à execução, operando-se
os efeitos da preclusão lógica, expressamente prevista no art. 879, § 2º,
275
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
da CLT.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, conferindo-lhes efeitos
infringentes, declarando o acórdão no sentido de negar provimento ao
agravo de petição, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de novembro de 2001.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Cuida-se de
embargos de declaração opostos em face de acórdão assim ementado:
“AGRAVO DE PETIÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.
SÚMULA 188, TFR. ART. 879, CLT. INAMPS. EXTINÇÃO. EMPREGADOS, DÍVIDAS E CRÉDITOS. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO. LIQUIDAÇÃO POR
ARTIGOS. RITO ADEQUADO.
A Súmula 188 do extinto TFR (que não foi prestigiado pelo STJ) dizia respeito
à forma de liquidação (por cálculo do contador) que já não existe mais. E o art.
879, § 2º, da CLT também não se aplica ao caso dos autos, em que houve execução
direta, sem prévia liquidação, nos termos do art. 604 do CPC (redação dada pela
Lei nº 8.898/94).
Como o INAMPS foi extinto pela Lei nº 8.689/93, seus empregados, dívidas e
créditos passaram automaticamente para a União, de que o extinto órgão era unidade
autarquizada. Isto nada tem a ver com funções, atividades, competências e atribuições ...
(que) passaram para o Sistema Único de Saúde, nos termos das Leis nº 8080 e 8412,
de 1990. A par disso, o art. 243 da Lei nº 8112/90,
‘que transformou os empregos públicos existentes nos quadros da União e suas autarquias em cargos públicos só se revela conforme a Constituição no que respeita
àqueles empregados que ingressaram no serviço público mediante concurso... Aqueles
empregados que, como os embargados, estão no serviço público por força de decisão
judicial, mas não foram aprovados em concurso, permanecem na situação que lhes foi
reconhecida judicialmente (regime celetista)’.
O rito adequado, no caso dos autos, é aquele da liquidação por artigos para possibilitar a prova dos fatos novos alegados que servirão de base à liquidação.”
Aludem os embargantes, em síntese, que: a) o aresto embargado foi
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construído sob a equivocada premissa de que o rito liquidatório obedeceu
às regras previstas no art. 604, c/c 730, ambos do CPC, com a citação
da reclamada sem oportunização de momento para impugnação dos
cálculos; b) na forma do § 2º da CLT, foi dada à reclamada oportunidade para manifestação dos cálculos, inclusive com dilação do prazo; c)
ocorrida a cisão da execução, o aresto deveria ter se manifestado acerca
das limitações do novo procedimento liquidatório, devendo ser suprida
a omissão no tópico; d) a aplicação das regras de processo civil ao feito
de natureza trabalhista transgride o devido processo legal; e) omitiu-se o
aresto na aplicação do § 1º do art. 879 da CLT, que impede a modificação
ou inovação acerca da causa principal em sede de liquidação, porquanto
inexistem fatos novos a serem provados a autorizar a liquidação por
artigos; f) o dispositivo do acórdão está em contradição com os termos
do julgado, porquanto deveria indicar o parcial provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Venia maxima
concessa, tenho que o julgado a que se referem os presentes embargos
de declaração apresentam contradição, no ponto em que utilizada base
legal que não condiz com a natureza da causa. Trata-se de causa trabalhista. E o Código de Processo Civil constitui legislação subsidiária no
art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho – “nos casos omissos, o
direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual
do trabalho, exceto naquilo que for incompatível com as normas deste
Título”. A respeito, a preleção de Valentim Carrion (Comentários...,
1997, 22ª edição, p. 559), in verbis:
“Ao processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos da doutrina do
processo geral (que é o processo civil), desde que: a) não esteja aqui regulado de
outro modo (‘casos omissos’, ‘subsidiariamente’); b) não ofendam os princípios do
processo laboral (‘incompatível’); c) se adapte aos princípios e às peculiaridades deste
procedimento; d) não haja possibilidade material de aplicação (institutos estranhos à
relação deduzida no juízo trabalhista); a aplicação de institutos não previstos não deve
ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades
próprias. Perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete necessita fazer
uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação, que sempre foram almejadas. Nada de novos recursos, novas
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formalidades inúteis e atrancadoras.”
No caso sub examine, é absolutamente nítida a incompatibilidade da
execução aos moldes da reforma do Código de Processo Civil, porque: a)
não há omissão da Consolidação das Leis do Trabalho a pedir utilização
subsi­diária; b) o modus operandi da Consolidação das Leis do Trabalho,
exatamente porque estabelece preclusão lógica na discussão da conta de
liquidação, apresenta eficácia no tempo igual ou mesmo superior àquela
recém-introduzida no Código de Processo Civil, e a razão da existência de
processo de execução específico para as causas trabalhistas é exatamente
a conotação social que leva a imprimir uma dose de sumariedade, impedindo que se alongue inutilmente a prestação daquilo a que fazem jus os
obreiros; c) no estado em que se encontra o presente processo, em que
já se discutiu a conta de liquidação, abrir prazo para embargos significa
acrescentar um plus àquilo que a Consolidação das Leis do Trabalho
prevê, criando-se um sistema híbrido, tomando-se figura estranha para
procrastinar a solução do litígio; quando cumpre agilizá-la.
Novamente Valentim Carrion empresta luzes para deslinde da questão
ora versada (ob. cit., p. 688), verbis:
“Elaborada a conta e tornada líquida, por qualquer uma das três formas acima
previstas, se o juiz abrir prazo para impugnação, as partes deverão fazê-lo, sob pena
de preclusão; ou seja, se se omitirem, as partes não se poderão valer dos embargos à
execução para esse fim (art. 884, § 3º). Entretanto, se a parte não foi atendida, não há
como impedir que renove seu inconformismo naqueles embargos. A impugnação da
conta não invalida a restrição de que a sentença só pode ser impugnada nos embargos
(art. 884, § 3º).”
A jurisprudência aponta:
“PROCESSO DO TRABALHO. AGRAVO DE PETIÇÃO. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. PRECLUSÃO.
1. As regras do processo civil comum só serão aplicáveis subsidiariamente ao
processo trabalhista se com elas não forem incompatíveis, segundo o art. 769 da CLT.
2. Não se conhece das razões recursais se sobre a matéria já houve a preclusão.”
(Agr. Pet. Trab. 96.04.50665-0/RS, 2ª Turma- Rel. Des. Federal Paim Falcão, unân.,
DJ de 10.12.97, p. 108228)
“TRABALHISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚM-219 DO TST. REENQUADRAMENTO. REPERCUSSÃO SOBRE AS HORAS EXTRAS. Ressalvada
a hipótese de verba honorária assistencial quando a parte é assistida por Sindicato,
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não tem lugar, em processo do trabalho, a condenação em honorários advocatícios.
Processo Civil. Preclusão. Cálculo. Resta preclusa a oportunidade de se manifestar
quanto ao cálculo, quedando inerte a parte diante de intimação para tanto. Desconto
previdenciário. O desconto previdenciário decorre de lei, não havendo necessidade de
previsão expressa no comando sentencial.” (AGPT - Processo 96.04.21647-3/RS, 1ª
Turma, Rel. Des. Federal Vladimir Freitas- DJ de 24.09.97, p. 78055)
“AGRAVO DE PETIÇÃO. PRECLUSÃO DO DIREITO DE EMBARGAR. CUSTAS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. Havendo manifestação expressa do Reclamado, concordando com a conta, na ocasião processual própria, faz precluir seu direito
de impugná-la, via embargos (Art. 889, par. 2º, CLT-43). Custas indevidas no processo
trabalhista. Os honorários advocatícios somente são devidos nos casos previstos na Lei
5584/70.” (AGPT 96.04.11586-3/RS, 1ª Turma, Relator o hoje Ministro Gilson Dipp)
Ocorre que, no presente caso, apresentada pretensão executória pela
parte-autora, a própria União veio aos autos e exibiu seus cálculos; e é
esta parte incontroversa que está sendo objeto de execução. Observe-se,
porque relevante, que a União mais de uma vez manifestou-se no feito; à
fl. 111 já se verifica, em peça apresentada pela Advocacia-Geral da União,
elaborada na Procuradoria da União do Estado do Rio Grande do Sul,
que a conta alcançava R$ 4.339.508,82; valor superior aos posteriores
R$ 3.388.285,36 constantes às fls. 120 a 122.
É verdade que existe jurisprudência iterativa no sentido de que não
se considere revelia contra órgãos públicos, em face da predominância
do interesse público; no entanto, não vejo como aplicá-la no caso sub
judice. Não houve omissão qualquer; a União manifestou-se oportunamente, discutiu longamente o cálculo, rejeitou os do Autor, apresentou
os seus em substituição. Sua atitude processual é notoriamente temerária,
beira mesmo à má-fé.
Perquirições sobre aplicação da Súmula nº 188 do extinto Egrégio
Tribunal Federal de Recursos são descabidas aqui, porquanto se refere
ela ao processo civil comum, especificamente em relação à possibilidade
de apresentar apelação. Ora se trata de execução trabalhista e da possibilidade de rediscussão em embargos.
Também não empolga o argumento de que aqui não houve processo
formal de liquidação. A verdade é que não houve formal processo de liquidação ainda. Ocorre que, em impugnando a conta apresentada, a União
expressamente apontou aquilo que tem como devido; e, em relação ao
incontroverso, nada há, obviamente, o que liquidar. E aqui, sim, é lícita
a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, exatamente do art.
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586, § 2º, que estampa:
“Art. 586...
§ 2º Quando na sentença há uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito
promover simultaneamente a execução daquela e a liquidação desta.”
A jurisprudência deste Tribunal tem admitido iterativamente a execução da parte incontroversa, havendo-a como definitiva, conforme
exemplificam os julgados seguintes:
“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENDENTE APENAS RECURSO DO CREDOR, PARA VER INCLUÍDA NOVA PARCELA NO CÁLCULO, NADA IMPEDE
A EXECUÇÃO- QUE TEM CARÁTER DE DEFINITIVO- DA PARTE INCONTROVERSA. AGRAVO PROVIDO.” (AI 92.04.35201-9/SC, Rel. Des. Federal Teori Albino
Zavascki, DJ de 27.04.94, p. 18772)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. EXIGÊNCIA DE
CAUÇÃO. INCABIMENTO.
1. Sendo apelantes apenas os Autores, não há que se falar em execução provisória
relativamente à parte incontroversa do cálculo, mas em sua execução definitiva.
2. Na hipótese dos autos, nada há a garantir, porque o recebimento da parcela incontroversa constitui execução de uma decisão que faz coisa julgada.
3. Agravo provido.” (AI 92.0435192-6/SC, Terceira Turma, Relator Des. Fed. Fábio
Bittencourt da Rosa, DJ de 25.05.94, p. 25525)
Evidentemente, se uma parte concorda com os cálculos apresentados
pela outra, não há como afastar a incidência da preclusão lógica prevista
expressamente no art. 879, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho,
com base tão-somente em não ter ocorrido formal liquidação; se a União
expressamente admite que deve, com muito mais razão se há de admitir
que ultrapassada a oportunidade de insurgência.
Inafastável a preclusão em relação à expressa concordância com o
cálculo. Em nosso sistema processual, a União é parte; e como parte há
que ser tratada, restritos seus privilégios àqueles que dimanam da legislação; não se há que improvisar outros. Ao depois, não há como negar
vigência ao texto meridianamente claro da lei. Conforme já se fez ver
acima, não foi o art. 879, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho
revogado, porquanto norma geral posterior não guarda condão de abolir
a lei especial que lhe é anterior. O fato de haver o Autor apresentado
seus cálculos não significa que haja ele optado pela “execução direta,
sem prévia liquidação, nos termos do art. 604 do CPC”, como se lê à fl.
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224. Em se tratando de reclamação trabalhista, nos termos do art. 878 da
Consolidação das Leis do Trabalho, “a execução poderá ser promovida
por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente
ou Tribunal competente”. Apenas quando a sentença é ilíquida é que se
ordena prévia liquidação (art. 879 da CLT); em havendo parte líquida e
parte ilíquida, executa-se a parte líquida de imediato, e, após, ou mesmo concomitantemente, determina-se procedimento para apurar a parte
sobre a qual existe divergência. Também não me parece que o referido
dispositivo legal padeça de inconstitucionalidade, nem tal se aventou na
discussão da matéria. Cumpra-se, pois, a lei.
No que concerne aos apelos à moralidade pública, vejo como vexatória, sim, a procrastinação da satisfação dos direitos dos Autores,
reconhecidos já em sentença passada em julgado. Fere fundamente a
imagem da Justiça a delonga no atendimento dos jurisdicionados. E não
se há que improvisar normas para superar os percalços processuais que
a União encontre em seu caminho. Nem se justifica uma atitude evidentemente procrastinatória. A União aponta defeitos nos cálculos que ela
mesma forneceu. E não explica quais as razões que teriam dado gênese
aos alegados equívocos. O que pretende é rediscutir os cálculos de sua
própria elaboração.
Afigura-se-me igualmente equivocada a pretensão de instaurar uma
liquidação por artigos. É verdade que o Sr. Contador asseverou necessária perícia para a elaboração da liquidação; mas maior verdade é que tal
assertiva refere-se à apuração da parte controvertida. Mas a realização
de uma perícia como instrumento de auxílio aos cálculos do contador
nada tem a ver com liquidação por artigos; esta cabível quando há fatos
novos a demonstrar, conforme preleciona Valentim Carrion (ob.cit , p.
685), verbis:
“A liquidação por cálculo do contador, na terminologia do CPC, se se restringe à
letra da lei, ocorreria apenas para as hipóteses de juros, rendimentos preestabelecidos
e gêneros ou títulos com cotação em bolsa (CPC, art. 604). A CLT disse apenas ‘por
cálculo’, sem acrescentar ‘contador’. Essa simplificação permite admitir-se que o cálculo
possa ser realizado pelo contador do juízo ou Tribunal, quando houver, e também pelas
partes, ou por laudo pericial contábil. O aplicador tem a opção pela escolha do meio
mais apropriado a cada hipótese. Aquela simplificação torna desnecessária a distinção,
como se quer no processo civil, da liquidação ‘por conta’ e da liquidação ‘por cálculo’
(Troiano Neto, RT 539/244).
Por exclusão, quando não há fatos novos a serem provados (por artigos), nem é o
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caso de arbitramento, proceder-se-á à liquidação por cálculo; diz-se que esta ocorre
quando os elementos necessários já estão nos autos; mas a dinâmica eficiente do
procedimento permite que a verificação abranja elementos que não se encontrem nas
peças processuais, mas em provas pré-constituídas de fácil constatação, onde quer que
estejam, tais como livros contábeis da empresa, estabelecimento bancário, repartições
públicas, etc. O CPC, art. 614, II , não destoa da prática do processo trabalhista quando
determina ao credor que apresente o demonstrativo de seu crédito (Valder Luiz Palombo
Alberto, Perícia Contábil).”
No que tange à liquidação por artigos, corresponde ela a uma verdadeira reabertura do processo de conhecimento, constituindo fator de
delonga a ser evitado ao extremo. Registra o magistério de Walter D.
Giglio (Direito Processual do Trabalho, LTr, 6ª Edição, p. 387):
“A liquidação por artigos será feita quando houver necessidade de provar fatos novos
que devam servir de base para fixar o quantum da condenação (CPC, art. 608). Essa
é a forma mais complexa de liquidação, constituindo-se em verdadeiro processo de
conhecimento ‘de acertamento positivo, de função diversa do processo da ação, porque
não tem por escopo a formação de uma sentença condenatória, mas a formação de uma
sentença meramente declaratória do que virtualmente se contém na sentença exeqüenda’,
nas palavras de Amílcar de Castro (apud Antônio Lamarca, op. cit., pág. 99).”
A pretensão da União, portanto, é de rediscutir tudo. Os fatos que eram
para apresentar em contestação, as razões que eram de ser alevantadas
em apelação; em suma, tudo o que houver em prejuízo dos interesses
dos Autores ressuscitaria, travestido em “fato novo”. Evidentemente
descabida tal espécie de liquidação. O que cumpre fazer – e apenas em
relação à parte controvertida – é realizar a perícia reclamada pelo Contador, para que esta subsidie a realização dos cálculos.
Segundo o magistério de Valentim Carrion,
“em hipóteses excepcionais, alguns tribunais eliminam erros processuais, quando
a verificação de sua existência é insofismável e sua correção fácil e imediata.” (ob.
cit., p. 731).
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Creio eu que é exatamente o caso dos autos. Vejo eu contradição no
julgado, quando adota legislação extravagante em substituição à legislação trabalhista. Lex posterior specialis non derogat legi priori speciali.
Não vejo como afastar uma preclusão ocorrida segundo a expressão
absolutamente clara da lei.
Voto, portanto, pelo conhecimento dos embargos de declaração; e,
em os conhecendo, empresto-lhes efeitos infringentes para haver como
aplicável à espécie o art. 879, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho;
e, em decorrência, haver como preclusa a oportunidade de impugnação
da conta de liquidação, declarando o acórdão no sentido de negar provimento ao agravo de petição.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.021592-3/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti
Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Raquel Aparecida da Silva e outros
Apelados: Harry Kopsch e outro
Advogado: Dr. Odilon Machuca
Interessada: Fabiana Construções e Incorporações Ltda.
EMENTA
Embargos de terceiros. Nulidade da sentença. Inocorrência. Permuta
de terreno por apartamentos. Falta de registro. Constituição de hipoteca
em decorrência de financiamento contraído pela construtora. Art. 147,
II, do CPC. Cancelamento do ônus real sobre imóveis do adquirente de
boa-fé.
A fundamentação da decisão recorrida revela o criterioso exame dos
fatos e do direito feito pelo MM. Juiz a quo, que, por seu livre convencimento, elegeu, dentre esses, os mais relevantes ao desate da lide. Da
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mesma forma, não configurado julgamento ultra petita.
Conquanto incontestável que o direito de seqüela confere ao credor
hipotecário a faculdade de perseguir e excutir o bem dado em garantia
desimportando seu detentor, a hipoteca foi outorgada por quem, na
oportunidade, já não detinha mais disponibilidade sobre os imóveis e,
inobstante, ofereceu-os em garantia, incidindo, desta forma, na hipótese
do art. 147, inc. II, do C. Civil, razão pela qual deve ser cancelado o
respectivo ato constritivo, ainda que inexistentes, à época de constituição
do gravame, os registros de propriedade dos embargantes, terceiros de
boa-fé.
Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de junho de 2001.
Des. Federal Valdemar Capeletti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de recurso de
apelação interposto contra sentença que julgou procedentes os embargos
de terceiros determinando tanto a desconstituição da penhora quanto o
cancelamento da hipoteca que gravavam os imóveis de propriedade dos
apelados. A CEF foi condenada ao pagamento das custas processuais e
dos honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor atualizado
da causa.
O MM. Juiz a quo entendeu que:
“em situações especialíssimas, como a presente, em que a execução da dívida hipotecária decorre do não repasse, ao agente financeiro, dos valores recebidos pela empresa
devedora em razão da venda das unidades habitacionais, o direito de seqüela não opera.
Vale dizer, que os efeitos da hipoteca limitam-se à construtora inadimplente, sem atingir
os compradores que cumpriram fielmente suas obrigações.” (fls. 153/154)
No caso em exame, os apelados, mediante permuta de terreno de sua
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propriedade, firmaram, em 25.08.89, e, desde então, quitaram totalmente
(fl. 58), contrato particular de compra e venda em que adquiriram, da construtora Sólido Engenharia e Incorporações de Imóveis Ltda. – sucedida,
posteriormente, em 30.09.93, por Fabiana Construções e Incorporações
Ltda. (fls. 29/31) -, a propriedade dos apartamentos nºs 301, 302 e 402, bem
como as respectivas vagas de garagens, do Residencial Beatriz, localizado
na Rua São José de Souza Cabral, nº 207, Florianópolis/SC (fl. 27/28).
Em 22.10.92, em face do contrato de “MÚTUO E DE DINHEIRO
COM OBRIGAÇÕES, HIPOTECA E FIANÇA” (fls. 59/66), celebrado
entre a construtora Sólido Ltda. e a CEF, todo o empreendimento foi
gravado com ônus real de hipoteca, sendo que, somente em junho de
1997, em decorrência de adjudicação compulsória, os apelados obtiveram
as escrituras definitivas e as inscrições dos respectivos bens no Registro
de Imóveis competente (fls. 52/57).
Inconformada com a sentença proferida, dela recorre a CEF sustentando, preliminarmente, a nulidade da sentença por duas razões: a) negativa
de prestação jurisdicional, por falta de pronunciamento sobre matéria
argüida na defesa, com ofensa aos arts. 131, 458 e 535 do CPC e arts.
5º, XXXV, LIV e LV, e 93, IX, da CF/88; e b) julgamento ultra petita,
por ter sido determinado o cancelamento da hipoteca, com infringência
aos arts. 128 e 460 do CPC.
No mérito, fundamenta sua insurgência na alegação de que:
“O fato de ter havido promessa de compra e venda ou outro negócio, tendo por objeto
o imóvel hipotecado, não elide a hipoteca nem a execução com base nela ...” (fl. 176),
e que
“...faz-se mister a reforma do decreto judicial guerreado, vez que o poder de seqüela
decorrente da garantia hipotecária concede à Apelante o direito de penhorar o bem,
onde quer que ele se encontre, por estar ele afeto ao pagamento da dívida contraída
pela empresa FABIANA.”(fl. 177)
Alega, ainda, que o contrato de compra e venda não pode gerar efeito
erga omnes por não ter sido inscrito no Registro de Imóveis. Prequestiona
dispositivos legais.
Por fim, pede, preliminarmente, a declaração de nulidade da sentença
ou a limitação desta aos pedidos formulados na inicial, e, no mérito, que
seja declarada a legalidade da penhora, reconhecida a improcedência dos
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embargos de terceiros e invertidos os ônus de sucumbência.
É o relatório.
Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Passo, inicialmente, ao
exame das preliminares de nulidade da sentença recorrida para, somente
após, enfrentar as razões de mérito.
Não procede a alegação de que houve negativa de prestação jurisdicional por falta de pronunciamento sobre matéria argüida na defesa.
Como já referido pelo MM. Juiz a quo, à fl. 165, quando do julgamento
dos embargos de declaração, “Não se verifica a omissão alegada. Os
pontos controversos da lide foram devidamente enfrentados na sentença
proferida...”, bem como “Descabida a análise na fundamentação de
todos os dispositivos legais do ordenamento jurídico pátrio, referente
ao assunto tratado nos autos.”
A fundamentação da decisão atacada, ao contrário do que pretende
fazer crer a apelante, revela o criterioso exame dos fatos e do direito feito
pelo MM. Juiz a quo, que, por seu livre convencimento, elegeu, dentre
esses, os mais relevantes ao desate da lide.
Tenho, pois, que perfeitamente atendidos todos os requisitos formais
e materiais da sentença.
Melhor sorte não assiste à apelante em sustentar que houve julgamento
ultra petita ao ter sido determinado o cancelamento da hipoteca. Conforme se pode verificar da peça inicial, este pedido, de cancelamento da
hipoteca, foi expressamente formulado à fl. 22 dos autos:
“Requer a Vossa Excelência, tendo em vista a má-fé com que agiram as empresas
envolvidas na transação do financiamento, principalmente a Embargada, que não tomou
as cautelas devidas para a concessão do mesmo, como também, em razão de ter sido
instituída a hipoteca, após a formalização do Contrato Particular de Compra e Venda,
seja determinado o cancelamento da mesma, como tem decidido os mais diversos
Tribunais de nosso País, conforme decisões anteriormente transcritas.” (grifei).
Rejeito, portanto, os dois fundamentos de nulidade da sentença.
Quanto ao mérito, em que pese ser incontestável que o “... direito de
seqüela confere ao credor hipotecário o direito de perseguir (art. 677
do CC) e excutir o bem dado em garantia em poder de quem quer que o
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detenha.” (fl. 173), no caso em espécie, há varias peculiaridades a serem
consideradas que impedem o exercício deste direito contra os apelados.
Uma delas é a dificuldade que os apelados tiveram em obter as escrituras e os respectivos registros dos imóveis, que somente ocorreu 7
anos e 10 meses (junho de 1997) após a permuta do terreno, ou, melhor
dizendo, da compra (fls. 27/28) e quitação total (fl. 58) dos apartamentos
(agosto de 1989), e, mesmo assim, mediante adjudicação compulsória.
Nesse interregno, em outubro de 1992 (antes de concluída a obra),
a hipoteca foi outorgada por quem, na oportunidade, já não detinha
mais disponibilidade sobre aquelas unidades residenciais e, inobstante, ofereceu-as em garantia, incidindo, desta forma, na hipótese
do art. 147, inc. II, do C. Civil, razão pela qual deve ser cancelado o
respectivo ato constritivo.
Recentes julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em casos
semelhantes, de contratos sem registro, não só excluíram a incidência do
gravame sobre o bem de terceiro de boa-fé, como atribuíram à instituição
financeira o dever de inteirar-se sobre as condições dos imóveis antes da
concessão do financiamento.
“EMBARGOS DE TERCEIROS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. FALTA
DE REGISTRO. HIPOTECA. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL.
A falta de registro do contrato de promessa de compra e venda de unidades residenciais integrantes de empreendimento imobiliário não impede a defesa da posse por
embargos de terceiros, oferecidos pelos promissários compradores contra a execução
hipotecária promovida pelo banco credor de cédula de crédito comercial emitida por
empresa integrante do mesmo grupo da construtora dos apartamentos, figurando esta
como garantidora do financiamento. Ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente
poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à
venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos
terceiros adquirentes de boa-fé.” (REsp. 287774/DF. STJ. T4. Rel. Min. Ruy Rosado
de Aguiar. Unânime. DJ 02.04.2001, p. 302).
“CIVIL. IMÓVEL CEDIDO PARA INCORPORAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE
EDIFÍCIO. PERMUTA COM APARTAMENTOS. POSTERIOR HIPOTECA PELA
CONSTRUTORA. NÃO ABRANGÊNCIA SOBRE AS UNIDADES CEDIDAS AOS
EX-PROPRIETÁRIOS.
A hipoteca decorrente de financiamento concedido pelo banco à incorporadora e
construtora para construção de edifício, não alcança as unidades que o ex-proprietário
do terreno recebeu da construtora em troca ou como prévio pagamento deste.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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Recurso conhecido e provido.” (REsp. 146659/MG. STJ. T 4. Rel. Min. César Asfor
Rocha. Unânime. DJ 05.06.2000, p. 163).
Assim, não resta dúvida de que os bens em questão não poderiam ter
sido dados em garantia à dívida contraída pela construtora com a CEF.
Ademais, tendo os embargantes cumprido fielmente com suas obrigações, inadmissível que sobre eles recaiam as conseqüências da inadimplência da construtora, efetiva responsável.
Portanto, aplicando o direito ao caso concreto, considero inexeqüível,
contra os apelados, o direito de seqüela da CEF, devendo ser mantida,
in totum, a sentença recorrida.
Dou por prequestionados os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais apontados no recurso.
Em face do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.043206-5/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Nelsi Lovatto
Agravado: Nelson Heckler
Advogada: Dra. Luciane Braganhol
EMENTA
Processo Civil. Antecipação de tutela. Fazenda Pública. Art. 273, §§
1º e 2º, do CPC.
1. A antecipação de tutela apresenta pressupostos próprios e conseqüências processuais, da mesma forma, específicas, notadamente quando
envolve as pessoas jurídicas de direito público, cuja execução obedece
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
rito especial, nos termos dos artigos 730 do CPC e 100 da CF/88.
2. Trata-se, portanto, de medida de excepcional deferimento e,
mesmo assim, quando preenchidos os pressupostos do art. 273 do
CPC, observada a limitação do § 2º, cuja legitimidade é reconhecida
pela melhor doutrina (Teori Albino Zavascki, in Antecipação de Tutela,
Saraiva, 1997, p.172).
3. No caso dos autos, os requisitos para sua concessão não se encontram presentes, pois a antecipação de tutela não constitui favor a
ser concedido a todo vencedor da ação, nem a todo autor, em qualquer
situação, mas apenas àqueles que preenchem os pressupostos insculpidos
no artigo 273, caput, incisos I e II, do CPC.
4. Precedentes do STJ: REsp nº 131.853-SC, rel. Min. Menezes Direito, in DJU de 08.02.99, p.276; REsp nº 113.368-PR, rel. Min. José
Delgado, in DJU de 19.05.97, p.20.593.
5. Agravo de instrumento conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos
do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de setembro de 2001.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Trata-se de agravo de instrumento onde o INSS insurge-se contra o
deferimento da antecipação de tutela pelo juízo a quo, alegando a violação
do disposto nos arts. 273, § 2º, e 475, II, do CPC, e do art. 100 da CF/88.
O efeito suspensivo foi deferido.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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Conheço do agravo de instrumento e dou-lhe provimento.
Procede a inconformidade da entidade de direito público.
Com efeito, a antecipação da tutela deferida no juízo a quo apresenta
nítido caráter satisfativo, atentando contra o disposto no § 2º do art. 273
do CPC, contrariando, assim, o sistema onde se insere a referida medida
processual.
A respeito, pertinente o magistério de Pasquale Frisina, verbis:
“Ne consegue che ove la situazione cautelanda lo richieda, la misura cautelare potrà
certamente assumere contenuto anticipatorio, ma per tale via dovrà limitarsi a realizzare una composizione provvisoria (giammai satisfattiva) dei contrapposti interessi,
con effetti oggettivamente reversibili, sì da impedire quel préjudice au principal che
per l’abrogato Code de procédure civil del 1976 era il limite, espressamente enunciato,
entro cui dovevano essere contenute le misure urgenti di réferé. In altre parole, il giudice
della cautela dovrà disporre misure a contenuto ed effetti giuridicamente reversibili, e
comunque, <<contemperare gli interessi anche del soggetto passivo della cautela, nel
senso di tener conto di circostanze e situazioni che, non ponendosi in contrasto con
le finalità di salvaguardia del diritto dedotto, siano in grado di influenzare la scelta
delle misure assicurative più idonee, nonché le modalità di attuazione-esecuzione delle
stesse>> (51),” (“La Tutela Anticipatoria: Profili Funzionali e Strutturalli”, in Rivista
di Diritto Processuale, anno XLI, n. 2-3, 1986, p. 381-2)
No mesmo sentido, Enrico A. Dini e Giovanni Mammone, em sua obra
I Provvedimenti D’Urgenza, 7ª edição, Giuffrè Editore, 1997, p.433,
n.87, verbis:
“Ed anche quando i provvedimenti d’urgenza finiscono per realizzare
un’anticipazione satisfattiva integrale della pretesa, questa, non solo è del tutto eventuale, ma appare anzi eccezionale in quanto adottabile soltanto quando il giudice
reputi sia l’unica praticamente possibile in relazione al tipo di periculum in mora
che si intende scongiurare (41), configurandosi anche in questa circostanza como ‘lo
strumento per salvaguardare la situazione giuridica cautelanda da un pregiudizio
irreparabile nell’attesa della futura tutela di merito’(42).”
Ao comentar o art. 700 do Código de Processo Civil italiano, que
trata do poder geral de cautela do juiz, anotou Salvatore Satta, verbis:
“(...) le condizioni accennate portano alla immediata conclusione che dal raggio dei
provvedimenti di urgenza sono escluse le c.d. situazioni strumentali, vale a dire le
obbligazioni e i diritti potestativi, per chi ammeta questa categoria. La ragione di
questa esclusione è in linea pratica molto simplice, ed è che queste situazioni non sono
suscettibili di subire pregiudizio irreparabile, se non in linea di fatto (es. perdita delle
garanzie del credito; e per questo soccorrono altri specifici istituti), ma non meno
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
semplice è sul piano giuridico, perché attraverso le situazioni strumentali si mira a
costituire un diritto, e la costituzione provvisoria di un diritto appare inconcepibile e
contradittoria” (in Commentario Al Codice Di Procedura Civile, Casa Editrice Francesco Vallardi, 1968, v. IV, Parte Prima, p.270).
E, mais adiante, acrescenta o notável processualista, verbis:
“(...) l’ambito dei provvedimenti d’urgenza si presenta ristrettissimo: e ciò è parso
eccessivo a una certa parte della dottrina. Ma è nello spirito dell’istituto quello di
essere di eccezionale applicazione” (in op.cit., p.271).
Em sua obra, Comentários ao CPC, 8ª edição, Forense, 1998, v.3, pp.
16/7, leciona Calmon de Passos, verbis:
“Sempre sustentei que a garantia constitucional disciplinada no inciso XXXV do
art.5º da Constituição Federal (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito) diz respeito, apenas, à tutela definitiva, aquela que se institui com
a decisão transitada em julgado, sendo a execução provisória e a antecipação da tutela
problemas de política processual, que o legislador pode conceder ou negar, sem que
com isso incida em inconstitucionalidade. Vetar liminares neste ou naquele processo
jamais pode importar inconstitucionalidade, até porque a liminar é que tem forte dose
de suspeição de inconstitucionalidade, pois configura interferência no patrimônio ou
na liberdade dos indivíduos, com preterição, mesmo que em parte, das garantias do
devido processo legal, de base também constitucional.
Daí sempre ter sustentado que a liminar, na cautelar, ou antecipação liminar da
tutela em qualquer processo, não é direito das partes constitucionalmente assegurado. A única hipótese em que se nos afigura não poder a lei evitar a proteção liminar é
aquela em que a sua proibição ou não concessão significará, sem sombra de dúvida,
impossibilidade da futura tutela definitiva. Aqui, dois valores constitucionais conflitam.
O da efetividade da tutela e o do contraditório e ampla defesa. Caso a ampla defesa
ou até mesmo a simples citação do réu importe certeza da ineficácia da futura tutela,
sacrifica-se, provisoriamente, o contraditório, porque recuperável depois, assegurando-se de logo a tutela que, se não antecipada, tornar-se-ia impossível no futuro.
Cuida-se da aplicação do princípio da proporcionalidade, que impõe o sacrifício de
um bem jurídico, suscetível de tutela subseqüente, em favor de outro bem jurídico que,
se não tutelado de pronto, será definitivamente sacrificado. Fora disso, toda a celeuma
em torno da inconstitucionalidade das leis que proíbe liminares é mero prurido de quem
adora ‘facilidades’ advocatícias, ou de magistrados que se sentem mutilados quando
perdem o direito de ser arbitrários, prepotentes ou exibicionistas, ou é resultado de
uma visão um tanto corporativa e algo elitista do que seja o Poder Judiciário na trama
dos Poderes independentes e harmônicos que constituem o Estado, com os freios e
contrapesos que a democracia impõe.
Assim, nada impedirá, amanhã, que disposições especiais de lei eliminem ou restrinjam a antecipação da tutela em algum tipo de procedimento ou quando em jogo
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
291
certos interesses.”
E, noutro passo, conclui, verbis:
“A antecipação de tutela ora disciplinada, com a nova redação dada ao art. 273
do CPC, não é medida cautelar, nem liminar. Tem feição e dogmática próprias, como
veremos adiante. O que disciplina o art. 273 do CPC não significa a permissibilidade
de se requerer liminar em todo e qualquer processo e de o juiz concedê-la com generosidade ímpar, convencido de que o réu é, no processo, um sujeito indesejável, que põe
obstáculos à celeridade da Justiça, sua efetividade, sua instrumentalidade, sua eficácia
decisiva etc. Toda liminar é antecipação de tutela, mas não é essa antecipação liminar a
disciplinada no art. 273 do CPC, só admissível se presentes os pressupostos indicados
na lei e havendo, nos autos, prova inequívoca da alegação do autor que fundamente
a tutela cuja antecipação postula.” (in op.cit. p.20/1)
A antecipação de tutela, portanto, apresenta pressupostos próprios e
conseqüências processuais, da mesma forma, específicas, notadamente
quando envolve as pessoas jurídicas de direito público.
Trata-se, por conseguinte, de medida de excepcional deferimento,
nos termos da doutrina citada, somente podendo ser deferida quando
preenchidos os pressupostos do art. 273 do CPC, observada a limitação
do seu § 2º, cuja legitimidade é reconhecida pela melhor doutrina. (Teori
Albino Zavascki, in Antecipação de Tutela, Saraiva, 1997, p.172)
Ora, no caso dos autos, com a devida vênia, os pressupostos para o seu deferimento não se encontram presentes, pois, se ainda há provas a produzir, ao
longo da instrução, inexiste a prova inequívoca autorizadora da antecipação.
Nessa linha, o pensamento autorizado de Calmon de Passos, verbis:
“Destarte, o que entendo é que, havendo prova inequívoca, autorizadora da antecipação, há necessariamente possibilidade de exame de mérito. As provas por acaso
ainda passíveis de produção, se vierem a realizar-se, revestir-se-ão, necessariamente,
em face daquela inequivocidade, do caráter de irrelevantes ou impertinentes. Se ainda
há provas a produzir e são elas relevantes e pertinentes, inexiste a prova inequívoca
autorizadora da antecipação. Não se antecipa tutela insuscetível de ser deferida, em
caráter definitivo, com a sentença sobre o mérito. Afirmar o contrário será insistir
na tentativa pouco elogiável de se descaracterizar a saudável novidade introduzida
em nosso sistema processual, para ajustá-la ao que se tem pensado e decidido para
providências de natureza cautelar.”. ( in op.cit., p.27)
Outro não é o entendimento do Eg. STJ, verbis:
“Ainda que possível, em casos excepcionais, o deferimento liminar da tutela antecipada, não se dispensa o preenchimento dos requisitos legais, assim a ‘prova inequívoca’,
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
a ‘verossimilhança da alegação’, o ‘fundado receio de dano irreparável’, o ‘abuso de
direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu’, ademais da verificação
de existência de ‘perigo de irreversibilidade do provimento antecipado’, tudo em despacho fundamentado de modo claro e preciso. O despacho que defere liminarmente
a antecipação de tutela com apoio, apenas, na demonstração do fumus boni juris e do
periculum in mora malfere a disciplina do art. 273 do CPC, à medida que deixa de lado
os rigorosos requisitos impostos pelo legislador para a salutar inovação trazida pela Lei
8.952/94”. (STJ- 3ª Turma, REsp 131.853-SC, rel. Min. Menezes Direito, j.5.12.97,
não conheceram, v.u., DJU 08.02.99, p.276)
“Prova inequívoca é aquela a respeito da qual não mais se admite qualquer discussão.
A simples demora na solução da demanda não pode, de modo genérico, ser considerada
como caracterização da existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação, salvo em situações excepcionalíssimas”. (STJ-1ª Turma, REsp 113.368-PR,
rel. Min. José Delgado, j. 07.04.97, deram provimento, v.u., DJU 19.05.97, p. 20.593)
Dessa forma, não atendidos, no caso dos autos, os pressupostos do
art. 273 do CPC, e considerando-se o disposto no § 2º do mencionado
dispositivo legal, impõe-se o acolhimento do recurso.
Por esses motivos, conheço do agravo de instrumento e dou-lhe
provimento.
É o meu voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.062614-5/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Lizelia Tissiani
Agravado: Felix Cora
Advogados: Drs. Edmilso Michelon e outro
EMENTA
Processual Civil. Agravo de instrumento. Antecipação de tutela.
Requisitos. Satisfação.
1. Concede-se a antecipação da tutela quando presentes os requisitos
293
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
contidos no artigo 273 do CPC.
2. Hipótese em que ficou demonstrada a verossimilhança do direito
alegado, bem como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação, configurado nas condições de saúde do demandante que contava 75 anos à data da guerreada decisão.
3. Agravo de instrumento improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de outubro de 2001.
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se
de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto
pelo Instituto Nacional do Seguro Social contra decisão que, de plano,
deferiu tutela antecipada, determinando a concessão do benefício de
auxílio-doença em prol do agravado, ora recorrido.
Sustenta o INSS que inexiste nos autos da ação nº 68.679/RS prova
inequívoca a ensejar o atendimento dos requisitos da antecipação do provimento pretendido, bem como risco de grave dano na demora na prestação
jurisdicional. Aduz que a tutela deferida configura perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório. Alega que a perícia médica efetuada
administrativamente detectou o início da incapacidade em 21.04.98, ocasião em que o agravado não era segurado da Previdência Social. Por fim,
entende ser inviável o deferimento de tutela antecipada contra a Fazenda
Pública (fls. 02-10).
Restou indeferido o pedido de efeito suspensivo.
A parte agravada apresentou resposta ao recurso.
É o relatório.
VOTO
294
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: O instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional está regulado pelo
Código de Processo Civil nos seguintes termos:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca,
se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.”
Através da decisão proferida initio litis, a matéria restou assim examinada, em trecho que ora se transcreve:
“(...)Analisando os autos, constata-se que a tutela antecipada foi deferida de plano,
tendo em vista a incapacidade que acomete o autor da referida demanda (seqüelas
decorrentes de derrame cerebral), bem como os documentos acostados, informando a
precária condição de saúde”. (fl. 68)
Embora tenha o entendimento de que, nos casos em que se pleiteia a
antecipação da tutela de benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez, se deva realizar perícia médica oficial antes da sua apreciação,
na hipótese vertente, a prova coligida nos autos evidencia a manutenção
da falta de higidez, o que, aliás, não é negado pelo agravante.
Assim, em cognição sumária, e, a teor do quadro descrito pelo Juízo
monocrático, entendo que restam atendidos os requisitos previstos no
inciso I e caput do art. 273 do CPC, diante das condições de saúde da parte
agravada e do caráter alimentar da prestação, contando, ainda, 75 anos.
Nesse sentido, colaciona-se o entendimento das Turmas Previdenciárias desta egrégia Corte:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARS. REQUISITOS.
1. Uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 273 do CPC, cabe ao magistrado deferir a antecipação da tutela, ainda que sem a ouvida da parte contrária.
2. O requisito da verossimilhança do direito postulado exsurge dos atestados e
declarações que esclarecem a extensão da enfermidade do agravado. O periculum in mora decorre da própria natureza alimentar dos benefícios previdenciários.
3. Somente o pagamento das parcelas vincendas deve ser objeto da antecipação da
tutela, ficando o pagamento das vencidas submetido ao regime do precatório, se no
final for julgada procedente a demanda.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
295
4. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (AI nº 2000.04.01.145799-5/SC, 6ª
Turma, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, DOU 13.06.2001, p. 1.019).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. TUTELA ANTECIPADA
DEFERIDA NO BOJO DA SENTENÇA. REQUERIMENTO. REQUISITOS LEGAIS.
CPC, ART. 273. CPC, ART. 475, REEXAME NECESSÁRIO. EXECUTORIEDADE
IMEDIATA.
1. A antecipação dos efeitos da tutela pode ser requerida pelo autor a qualquer
momento, não sendo necessário que seja formulada por ocasião da peça inicial.
2. Os requisitos legais para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida evidenciam-se
no caráter alimentar do benefício e na precária situação de saúde e sócio-econômica
do segurado.
3. Carecendo a sentença de efeitos imediatos, admissível a antecipação de tutela, se
preenchidos os requisitos legais, para dotar o julgado de executoriedade imediata.
(...).” (AI nº 2000.04.01.129922-8/RS, 5ª Turma, Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia,
DOU 13.06.2001, p. 953)
Também sem razão a parte agravante quando alega não ser possível
antecipação dos efeitos da tutela contra o Poder Público, dado que não há
qualquer vedação neste sentido no artigo 273 do CPC, que se trata, a toda
evidência, de decisão provisória expedida segundo o livre convencimento do juiz, não se confundindo com a decisão final de mérito proferida
contra o Poder Público, esta sim pendente de confirmação pelo Tribunal.
Para roborar com este entendimento, aproveito-me da lição do eminente processualista, hoje Presidente deste Tribunal, Juiz Teori Albino
Zavascki, na obra Antecipação de Tutela, editora Saraiva, São Paulo,
1997, p. 160:
“Relativamente ao regime geral que orienta o instituto da antecipação dos efeitos da
tutela, nenhuma disposição específica foi editada para diferenciar as entidades públicas
para excluí-las de sua aplicação. Nem mesmo o reexame obrigatório, pelo tribunal,
das sentenças condenatórias contra elas proferidas constitui empecilho à antecipação
quando esta for cabível”.
Por fim, não entendo presentes nos autos os requisitos do art. 558
do CPC, ou seja, a relevância dos fundamentos e a possibilidade de
lesão grave ou de difícil reparação, ensejadores da concessão do efeito
suspensivo.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
Conseqüentemente, mantém-se a tutela deferida.
Em suma, correta a decisão concessiva da antecipação dos efeitos da
tutela por se tratar de pessoa que não tem plenas condições de exercer seu
ofício, mostrando-se razoável entender, a princípio, que o reingresso do
segurado no RGPS em janeiro/99, com o exercício de atividade laborativa
até fevereiro do ano seguinte, bem serve para demonstrar que a incapacidade, cujo reconhecimento postulou na órbita previdenciária, decorreu
do agravamento de doença preexistente, qual seja, o AVC sofrido em
1998, tanto que retornou ao trabalho após dita ocorrência, aplicando-se
à hipótese, portanto, a previsão contida na 2ª parte do § 1º do art. 71 do
Dec. 3.048/99, e não a sua primeira parte, como indevidamente concluiu
a autoridade previdenciária para lhe indeferir o pedido de benefício.
Destarte, negar a concessão da antecipação de tutela, com a concessão do efeito suspensivo pleiteado, nesse caso, seria fazer letra morta do
instituto, cujo pressuposto consiste exatamente na urgência da prestação
jurisdicional. O indeferimento da antecipação de tutela, com efeito,
torna-se muito mais gravoso para o agravado do que para a Autarquia.
Acresça-se, em reforço aos fundamentos antes transcritos, a observação de que, à luz da previsão contida no § 4º do apontado art. 273 do
CPC, a tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer
tempo, de modo que se, no curso da instrução, o Juízo a quo chegar à
conclusão contrária, relativamente ao direito do requerente, ainda assim
estaremos diante de uma decisão reversível, do que não se cogitaria, caso
denegada qualquer tutela, restasse o mesmo sem condições de ter garantida sua subsistência em face de moléstia, que, até prova em contrário,
o impede de tê-la provida por conta própria.
À vista do exposto, nego provimento ao presente agravo.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.071190-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
297
Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Gilberto do Amaral Saraiva
Agravada: Semaco Serraria e Material de Construção Ltda. - Massa
Falida
Advogado: Dr. Carlos Alberto Werb
EMENTA
Crédito previdenciário. Direito de preferência. Produto da arrematação. Arrecadação pela massa falida.
Ainda que os créditos fiscais escapem do Juízo da Falência, conforme estabelecido no artigo 5º, e ainda que estabelecida a preferência
expressa no artigo 29 da Lei de Execução Fiscal, há levar em conta
não ser possível alterar a ordem legal de preferência para o concurso
de credores, cujo pagamento deve ser efetuado no Juízo de Falência,
não estando, inclusive, a execução fiscal devidamente aparelhada para
tal. Acrescente-se a isso, o fato de que, se se transferisse o concurso de
credores para a execução fiscal, estar-se-ia instaurando, em cada uma
delas, um concurso universal, ficando descaracterizados, dessa forma,
o objetivo e a especialidade do Juízo de Falência.
Desta forma, o produto da alienação dos bens constritos no executivo fiscal deve ser remetido ao juízo falimentar para integrar a massa e
ser utilizado no pagamento dos credores nos termos estabelecidos pelo
quadro geral de credores.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento,
nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2001.
Des. Federal Vilson Darós, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de agravo de ins298
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
trumento interposto contra decisão interlocutória do MM. Julgador a
quo que, em execução fiscal, determinou que o produto da arrematação
dos bens penhorados fosse colocado à disposição da massa falida. Alega
o agravante que seu crédito detém preferência em relação aos demais
credores e que os bens arrematados não haviam sido arrecadados pela
massa falida.
Não houve pedido de efeito suspensivo ativo.
Intimada, a parte agravada não apresentou resposta, retornando os
autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: A decisão combatida determinou que os valores apurados no leilão ocorrido na execução fiscal nº
2.341 fossem colocados à disposição da massa falida.
Durante muito tempo, seguindo orientação quase unânime da doutrina
e da jurisprudência pátrias, vinha entendendo que, ajuizada execução
fiscal e penhorados bens em data anterior à decretação de falência, a execução prosseguia contra a massa até o seu final, sem qualquer percalço,
com a alienação judicial dos bens constritos.
O produto do leilão permanecia no juízo da execução onde, se fosse o
caso, estabelecia-se concurso de preferência de credores. Resolvido este e
pagos todos, o saldo, se houvesse, seria encaminhado ao juízo falimentar.
Nessa linha, falindo a empresa executada, o processo de execução fiscal
não é obstaculizado, nos termos do artigo 5º da Lei nº 6.830, de 1980, não
se deslocando, assim, a competência para o Juízo da Falência. Essa também
é a dicção do artigo 187 do CTN. Tais normas estatuem a independência da
cobrança do crédito tributário em relação a todo e qualquer procedimento,
mesmo os de caráter universal, como a falência, a concordata ou o concurso
de credores. Quer isso expressar a desnecessidade de ser o crédito tributário
habilitado nos juízos universais elencados pela norma, ficando garantida
à Fazenda Pública a execução de seus créditos por meio de ação própria
perante o juízo competente, excluída a competência de qualquer outro, ainda que mais abrangente ou especia­lizado. Essa orientação predominante
está consubstanciada na Súmula nº 44 do extinto Tribunal Federal de
Recursos, posta no seguinte enunciado:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
299
“Ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com a penhora realizada
antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar;
proposta a execução fiscal contra a massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos autos
do processo de quebra, citando-se o síndico.”
Inobstante isso, tenho por seguir nova posição, na esteira de corrente
doutrinária e jurisprudencial que não pode ser olvidada e que propugna
pela preponderância do juízo falimentar, para onde deve ser encaminhado
o produto de todo e qualquer leilão efetivado após a quebra e, até, com a
arrecadação de todos os bens da empresa falida, mesmo que constritos em
outra ação. Isso significa que a afirmativa da independência da execução
do crédito tributário não é absoluta, mas sofre temperamentos frente ao
processo falimentar. O que efetivamente se apresenta independente e
soberana é a autonomia da via processual de cobrança. O resultado é
que se subordina à concorrência preferencial dos créditos, obedecendo à
ordem estabelecida legalmente. E é no Juízo de Falência que verdadeiramente ocorre a concorrência, haja vista ser esse juízo especializado que
dispõe do quadro geral de credores e com conhecimento da totalidade
do ativo da massa.
A respeito, ensina Manoel Álvares, in Execução Fiscal, Doutrina e
Jurisprudência, Saraiva, São Paulo, 1998, p. 452:
“Ainda que já instaurado o concurso universal, a Fazenda Pública não está inibida de
iniciar a cobrança da dívida ativa no juízo competente. De outra parte, se a decretação
da falência for superveniente, o processo de execução fiscal prosseguirá normalmente
até a fase final (realização do leilão).
A questão relativa à possibilidade de arrecadação de bem já penhorado em execução
fiscal ou de penhora de bem já arrecadado na falência tem dado azo a interpretações
diversas. Divergem, também, doutrina e jurisprudência no tocante ao destino a ser
dado ao produto da arrematação realizada em processo de execução fiscal, quando o
executado é falido.”
Desse modo, ainda que se diga escaparem os créditos fiscais ao juízo
da falência, conforme o estabelecido no artigo 5º, e ainda que estabelecida
a preferência expressa no artigo 29 da Lei de Execução Fiscal, há que
levar em conta não ser possível alterar a ordem legal de preferência para
o concurso de credores (por exemplo, os créditos trabalhistas preferem
aos fiscais), cujo pagamento deve ser efetuado no Juízo de Falência,
não estando a execução fiscal, inclusive, devidamente aparelhada para
300
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
tal. Acrescente-se a isso, o fato de que, se se transferisse o concurso de
credores para a execução fiscal, estar-se-ia instaurando, em cada uma
delas, um concurso universal, ficando descaracterizados, dessa forma,
o objetivo e a especialidade do Juízo de Falência.
Nessas condições, não vejo nenhuma utilidade prática e sem qualquer
sentido manter-se bens da massa constritos para garantia de eventual
executivo fiscal e, ainda pior, levar essa execução até o seu final com
o praceamento dos bens. Com isso estar-se-á instalando um segundo
concurso universal, uma vez que, ao crédito tributário precedem sem
qualquer dúvida os créditos trabalhistas e os próprios compromissos
da massa. E não só. Formar-se-ão tantos novos concursos universais
quantos executivos fiscais houver, em varas diferentes, em órgãos de
judiciários diversos, numa total balbúrdia e, consequentemente, com
prejuízos visíveis aos credores, muitos dos quais poderão vir a ser preteridos injustamente. Será um salve-se quem puder.
Acrescente-se a isto que a manutenção dos executivos fiscais, com
bens constritos, realizando-se as licitações judiciais, paralelamente ao
feito falimentar, e estabelecendo posteriormente concurso de preferência, leva a outros inconvenientes, além do antes apontado, porquanto o
juízo da execução não está aparelhado para esse concurso e não possui o
quadro de credores, do que advirá com grande probabilidade pagamentos
indevidos e credores prejudicados. Além disso, sendo os bens constritos
recolhidos pelo síndico, compondo a massa, podem ser alienados em lote,
com a perspectiva de apurar valores mais expressivos, com o que se beneficiarão todos os credores, aí incluído o exeqüente do executivo fiscal.
Ademais, não vislumbro nenhum risco ou prejuízo para a Fazenda
Pública, já que a venda dos bens pela massa no juízo falimentar é feita
pelo valor da avaliação e com o conhecimento prévio dos credores, os
quais poderão não só impugnar a avaliação, como a própria alienação.
De outra banda, não há violação ao art. 109, inciso I, da Carta Po-
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
301
lítica Brasileira, e nem negativa de vigência ao artigo 187 do Código
Tributário Nacional e aos artigos 5º e 29 da Lei das Execuções Fiscais
(Lei nº 6.830, de 1980). É que essas normas são processuais e eventual
discussão acerca do crédito tributário permanece no feito executivo. O
que se transmuda para o juízo falimentar é tão-só a realização do ativo e o
posterior pagamento dos créditos na ordem legal de preferência, segundo
constou do quadro de credores, o que nenhum desses normativos proíbe.
Ao contrário, é a própria lei de falências que prevê o prosseguimento
das ações com o síndico (DL nº 7.661, de 1945, art. 24, § 2º).
Assim, quando se afirma que os créditos fiscais escapam ao juízo da
falência, tem-se uma regra processual. Seu objetivo é de que todas as
discussões atinentes ao crédito executado pela Fazenda Pública ocorram
no juízo especializado. Essa regra, contudo, não pode ser interpretada de
molde a alterar a ordem legal de preferência estabelecida para o concurso
de credores na falência.
Aqui, tem-se situação em que a execução fiscal foi ajuizada em 15
de agosto de 1994; em 1º de dezembro do mesmo ano, ocorreu a penhora, avaliação e depósitos, em 26 de dezembro de 1995, foi decretada a
falência da executada, em 30 de abril de 1996, o síndico informa que
os bens não foram arrecadados pela massa falida, e, em 28 de setembro
de 1999, os bens penhorados são levados a hasta pública e arrematados
de forma parcelada.
Assim, se subordinando o resultado à concorrência preferencial dos
créditos, conforme ordem estabelecida legalmente, deve o produto da
arrematação ser remetido ao Juízo da Falência, porquanto integra a
massa falida.
Nada a reparar, portanto, na decisão agravada que determinou que os
valores apurados no leilão ocorrido na execução fiscal nº 2.341 fossem
colocados à disposição da massa falida.
Isso posto, nego provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
302
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.073747-2/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas
Agravante: Com. de Tecidos Riolar Ltda.
Advogado: Dr. Bento Pereira de Camargo Neto
Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
EMENTA
Tributário. Processo Civil. Utilização da sentença que reconhece o
direito à compensação de tributos como título executivo para a repetição
do indébito.
É cabível a utilização da sentença que reconhece o direito à compensação de tributos como título executivo para a repetição do indébito
mediante precatório, se a empresa está impossibilitada de proceder à
compensação em face do regime tributário a que está submetida. Entendimento diverso tornaria inútil o processo e frustraria o fim almejado
pela sentença. Agravo de instrumento provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2001.
Des. Federal Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Comércio de Tecidos
Riolar Ltda. interpõe Agravo de Instrumento contra a decisão que indefere
o requerimento de execução de sentença relativamente à ação em que
buscou o reconhecimento do direito à compensação de valores pagos
indevidamente a título de FINSOCIAL com futuros recolhimentos da
COFINS.
Menciona que obteve êxito no ajuizamento de ação de repetição de
indébito fiscal; que, quando do ajuizamento da ação, era tributada pelo
303
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
lucro real; que, no curso da ação, optou pela tributação simplificada; que
este sistema não permite a realização de compensações; que, em virtude
da nova modalidade de tributação, elaborou os cálculos da contribuição
(FINSOCIAL) que havia pago a maior, apurando o valor de R$ 18.743,66,
e requereu a execução da sentença; que o magistrado indeferiu o pedido de
execução; que entende que o juízo a quo não agiu consoante a legislação
em vigor, a qual permite a repetição de indébito fiscal pela modalidade
de compensação ou pela restituição em espécie; que a regra jurídica
da repetição do indébito não é absoluta, sendo possível a execução de
sentença nos moldes aforados para obter a restituição em espécie, em
vez de compensação; que a documentação autuada com a inicial, bem
como a memória de cálculo apresentada são suficientes para promover
a execução; que os valores apurados pela agravante foram obtidos mediante atualização pelos parâmetros fixados na sentença; que, se o valor
extraído das guias de recolhimento não foi impugnado pela Fazenda
Nacional, não significa que não tenha sido objeto de contraditório, posto
que a União, através do seu silêncio, deu foro de liquidez e certeza aos
valores consignados; que é possível ainda a União discutir os valores
em execução. Requer a reforma da decisão.
Intimada, a agravada apresentou suas contra-razões.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Comércio de Tecidos
Riolar Ltda. irresigna-se contra a decisão que indefere o requerimento
de execução de sentença relativamente à ação em que buscou o reconhecimento do direito à compensação de valores pagos indevidamente
a título de FINSOCIAL com futuros recolhimentos da COFINS.
Em síntese, a agravante alega que obteve êxito no ajuizamento de
ação de repetição de indébito fiscal; que, no curso da ação, optou pela
tributação simplificada; que este sistema não permite a realização
de compensações; que entende que o juízo a quo, quando indeferiu o
pedido de execução, não agiu consoante a legislação em vigor, a qual
permite a repetição de indébito fiscal pela modalidade de compensação
ou pela restituição em espécie; que a regra jurídica da repetição do indé304
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
bito não é absoluta, sendo possível a execução de sentença nos moldes
aforados para obter a restituição em espécie, em vez de compensação;
que a documentação autuada com a inicial, bem como a memória de
cálculo apresentada são suficientes para promover a execução; que os
valores apurados pela agravante foram obtidos mediante atualização
pelos parâmetros fixados na sentença; que, se o valor extraído das guias
de recolhimento não foi impugnado pela Fazenda Nacional, não significa
que não tenha sido objeto de contraditório, posto que a União, através
do seu silêncio, deu foro de liquidez e certeza aos valores consignados;
que é possível ainda a União discutir os valores em execução.
A controvérsia suscitada no agravo centra-se no fato de que a empresa
obteve a seu favor sentença que reconhece o crédito relativo aos valores
recolhidos a título de FINSOCIAL com alíquota superior a 0,5%, bem
como o direito a efetuar a compensação com débitos relativos à COFINS.
Ocorre que, em face do regime tributário a que está submetida – SIMPLES, a empresa não está obrigada ao pagamento de tributos da mesma
espécie para que possa efetuar a compensação. Diante disso, surge a
questão: o que fazer com essa sentença? Pode ela ser executada na forma
de repetição de indébito?
Com efeito, assiste razão à agravante.
Efetivamente, a existência do crédito já foi declarada. A sentença reconhece o direito da autora reaver o que pagou a mais. Obrigar a autora
a entrar com nova ação apenas para condenar a ré a restituir o indébito já
devidamente reconhecido, seria um atentado aos princípios da economia
e celeridade processuais.
Ora, a autora encontra-se inscrita no SIMPLES, cuja sistemática
dificulta sobremaneira a compensação de tributos, nos moldes da Lei nº
8.383/91, art. 66. Dificultada a compensação, se não for viabilizada à
autora outra forma de ter restituído o que indevidamente pagou, estar-se-á ignorando o fim buscado pela sentença.
A 2ª Turma deste Tribunal já se manifestou a respeito conforme se
observa da ementa a seguir transcrita:
“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PEDIDO
DE CONVERSÃO DE COMPENSAÇÃO EM RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO NA
FASE DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Ao contribuinte é possibilitado, na fase de execução de sentença, optar tanto pela
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
305
compensação quanto pela restituição do indébito, desde que tenha garantido seu direito à
devolução do montante recolhido de forma indevida por decisão transitada em julgado.
2. Precedentes desta Corte e do STJ.” (AC nº 2000.72.01.004973-9/SC, TRF 4ª
Região, Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro, 2ª Turma, DJ 11.07.2001)
Assim também tem entendido o Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO
DE INDÉBITO. SENTENÇA ESTIPULANDO COMPENSAÇÃO. OPÇÃO POR
RESTITUIÇÃO VIA PRECATÓRIO. OFENSA À COISA JULGADA. FORMA DE
EXECUÇÃO DIVERSA. FIM DA SENTENÇA ALCANÇADO.
I - Quando o autor requereu o reconhecimento do seu crédito, não fez pedido de
mera declaração de sua existência, mas visava com isto obter meio para receber tal valor.
Assim, a sentença não se limitou a declarar a existência do crédito, mas condenou o
instituto a restituí-lo da maneira como expressamente pretendia o autor - compensação.
II - Com a superveniente modificação na estrutura funcional do autor - não mantendo
mais empregados contratados - impossibilitando a compensação, a disponibilização de
meio diverso de restituição do indébito - no caso o precatório requisitório, não macula
a coisa julgada, mas, ao contrário, privilegia o bom direito alcançado no processo de
cognição, que, caso contrário, se perderia.
III - Recurso a que se nega provimento.” (AGRESP 227048/RS, STJ, Rel. Min.
Nancy Andrighi, 2ª Turma, DJ 26.03.2001)
Portanto, é possível utilizar a sentença que defere a compensação como
título para a repetição do indébito mediante precatório. Entendimento
diverso tornaria inútil o processo e frustraria o fim almejado pela sentença.
Cumpre apenas a ressalva de que essa devolução só poderá ocorrer em
relação aos recolhimentos efetivamente comprovados nos autos, como
bem-colocado pela Juíza Tania Escobar, em voto de sua relatoria (Agravo
de Instrumento nº 1998.04.01.089517-9/SC, 2ª Turma, DJ 01.09.99):
“Para que se legitime a opção pelo precatório na fase executiva, impõe-se a observância de dois requisitos: 1º) sendo a prova do recolhimento indevido requisito da
inicial que postula a repetição do indébito – diferentemente do que ocorre na compensação, em que a sentença, após reconhecer como indevidos os pagamentos realizados
pelo contribuinte, apenas declara o direito à compensação -, a devolução do indébito
mediante precatório só poderá ocorrer em relação aos recolhimentos efetivamente
comprovados nos autos – se houver -, mediante guias de recolhimento devidamente
autenticadas. Trata-se de cautela necessária, primeiro para evitar a fraude, uma vez
que para a compensação não se exige prova do recolhimento indevido nos autos, e,
segundo, para evitar a rediscussão da causa na fase executiva a respeito do montante
do indébito; 2º) comunicação ao juiz da causa a respeito dessa opção, com desistência
expressa da forma de execução imposta na sentença.”
306
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento nos termos
da fundamentação.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.080354-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF (FGTS)
Advogados: Drs. Clovis Konflanz e outros
Apelado: Heimberto Grutzmacher
Advogado: Dr. Ricardo Schutz Araujo
EMENTA
Execução fiscal. Embargos. FGTS. Responsabilidade do sócio-gerente. Impossibilidade. Honorários.
1. Cuidando-se de execução para a cobrança do FGTS, incabível o
seu redirecionamento contra os sócios-gerentes, tendo em vista não se
caracterizar como tributo, portanto inaplicáveis as disposições do CTN.
2. Reduzida a verba honorária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e dar parcial provimento à remessa
oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2001.
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença que julgou procedentes os embargos
307
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
à execução fiscal para reconhecer a ilegitimidade passiva do Embargante.
A CEF foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados
em 5 salários mínimos.
Sustentou a Recorrente que o débito refere-se à contribuição ao FGTS,
no período de 03/87 a 02/88. Argumentou que a Certidão de Dívida Ativa
goza de presunção de liquidez e certeza e que a alteração contratual, de
julho de 1980, não comprova que o Embargante não era administrador
da empresa na época da dívida.
Ausentes as contra-razões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Estadual opinou pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
VOTO
308
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
DIREITO TRIBUTÁRIO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
309
Branca
310
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 94.04.51190-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares
Apelantes: Mario Monte Serrat Sales e outro
Advogados: Drs. Mauricio Monteiro de Barros Vieira e outros
Dr. Sadi Meine
Apelada: União Federal
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Cascavel/PR
EMENTA
Tributário. Apreensão de veículo. Participação no delito. Dl 37/66.
Constitucionalidade.
1. É constitucional a pena de perdimento estabelecida no art. 104 do
Decreto-Lei nº 37, de 1966. 2. Nos termos da legislação aduaneira, o motorista transportador pode responder com a perda de seu próprio veículo
pela prática de ilícito tributário. 3. Inexistindo indícios da participação
da segunda Impetrante no delito, correta a sentença que determinou a
devolução do caminhão de sua propriedade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unaR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
311
nimidade, negar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2001.
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de
mandado de segurança em que Mário Monte Serrat Sales e Elizabeth da
Silva Sales pleitearam fosse afastada a apreensão dos veículos caminhão
Scania T112-H, 1984, placas WK 2765 e do semi-reboque contain, 1980,
placas BWP 8038. Este de propriedade do primeiro demandante; aquele
de propriedade da segunda impetrante. Referiram que dita apreensão foi
procedida pela Delegacia da Receita Federal em Cascavel em virtude de
alegado desvio de rota legal e descarga indevida quando era realizado
transporte em regime de Declaração de Trânsito Aduaneiro. Aduziram,
em síntese, a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 37/66; que para
ser procedida a perda do bem deve ser comprovada a participação do
proprietário no delito; que o impetrante-varão não concorreu para a
prática do ilícito; que não houve descaminho ou contrabando, mas, sim,
tentativa de furto e que não houve prejuízo ao Fisco.
O pedido liminar foi indeferido (fl. 114).
Prestadas as informações, sobreveio sentença concedendo parcialmente a segurança por entender o ilustre julgador singular que a impetrante
Elizabeth não concorreu para a prática do ilícito fiscal e por tal motivo
não poderia sofrer a pena de perdimento do bem de sua propriedade,
autorizando a devolução do veículo na qualidade de depositária. Entretanto, quanto ao impetrante Mário, que dirigia o caminhão, por existirem
fortes indícios de sua participação no evento, foi denegada a segurança.
Não conformado, o impetrante Mário Monte Serrat Sales requereu a
anulação da sentença, uma vez que a impetração não se dirigiu à decretação de perdimento do bem, mas, sim, contra sua apreensão. No mérito,
pediu a reforma integral do julgado, reprisando os termos da inicial.
Sem as contra-razões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da segurança.
312
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Não merece
prosperar a insurgência do ora apelante. Com efeito, a apreensão do veículo transportador para futura aplicação da pena de perdimento encontra
amparo no ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, já decidiu esta
Turma, conforme acórdão abaixo transcrito:
“TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AUTO DE APREENSÃO. PENA
DE PERDIMENTO. FALTA DE lNSCRIÇÃO NO CGC. EXPORTAÇÃO CLANDESTINA. 1. A pena de perdimento de bens encontra abrigo nos art.153, II, da Carta
de 1969, art. 23, inciso IV, do Decreto-Lei 1.455/76, de 07 de abril de 1976, c/c o
art.105, V, do Decreto-Lei nº 37/66, de 18 de novembro de 1966. 2. Comprovada a
fraude de venda interna de sacas de semente de soja com o intuito de dissimular a
exportação clandestina deste produto, viável a cobrança do imposto de exportação
pela concretização presumida, sem prova em contrário, da saída do produto. 3. Procedimento administrativo regular de apuração dos fatos para culminar com a apreensão
de 3.780 sacas de sementes de soja, dentro da legalidade e sem abuso de poder, como
reconhecido em mandado de segurança com trânsito em julgado. 4. Agravo retido que
não se conhece ante a ausência de pedido em preliminar de apelação para que dele o
Tribunal conhecesse, nos termos do art.523, 1º, do CPC.” (AC nº 90.04.22603-6/PR,
Rel. Juiz Hermes Siedler da Conceição Júnior, 2ª Turma, decisão unânime, publicado
no DJ do dia 25.08.99, p. 406)
Assim, fica afastada a inconstitucionalidade apontada no Decreto-Lei
nº 37, de 18 de novembro de 1966, em seus artigos nºs 94, 104 e 105.
No caso em apreço, a apreensão do bem ocorreu com base no inciso
II do art. 104 do DL 37/66, que tem a seguinte redação:
“Art. 104. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nos seguintes casos: I – (...);
II – Quando o veículo transportador efetuar operação de descarga de mercadoria estrangeira ou a carga de mercadoria nacional ou nacionalizada fora do porto, aeroporto
ou outro local para isso habilitado; (...)”
A possível participação do condutor do veículo no ilícito acima descrito está caracterizada pelo auto de prisão em flagrante de fls. 34/36
e documentos que o acompanham, o que seria até mesmo dispensável
para o fim de aplicação da sanção administrativo-tributária, já que, nos
termos do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 91.030/85), o motorista-transportador estava obrigado a obedecer as normas de regime de trânsito
313
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
aduaneiro.
Comprovada nos autos a propriedade do semi-reboque contain, placas
BWP 8038, por parte do Impetrante Mário Monte Serrat Sales (fl. 31),
sendo certo que só não houve prejuízo ao erário com a consumação do
delito por força da intervenção dos agentes policiais, inexiste o requisito
do direito líquido e certo a amparar a tese do ora Apelante, devendo ser
denegada a segurança no particular.
Entretanto, no que concerne à Impetrante Elizabeth da Silva Sales,
inexistindo qualquer indício de sua participação no ato criminoso, correta
a sentença, que autorizou a devolução do caminhão de sua propriedade,
me­diante compromisso de fiel depositária.
Frente ao exposto, nego provimento ao apelo do Impetrante Mário
Monte Serrat Sales e à remessa oficial.
ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AC
Nº 1998.04.01.020236-8/RS
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Apelante: Pistões Suloy S/A Ind. e Com.
Advogada: Dra. Marcia Brust Brun
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Klaus Dietrich Schellenberger
EMENTA
Constitucional. Normas gerais de direito tributário. Aplicação de
penalidade mais benigna.
1. Conflito existente entre lei ordinária, que limita temporalmente a
aplicação retroativa de penalidade mais benigna, e lei complementar, que
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estabelece aplicação a “ato não definitivamente julgado”. Divergência
doutrinária quanto à existência ou não relativamente à hierarquia.
2. Sempre que uma lei ordinária discrepar de normas gerais de direito
tributário, a incompatibilidade se resolve a favor do texto integrado em
lei complementar ou com força de lei complementar, reconhecendo-se,
no caso, vício de inconstitucionalidade, porque a lei ordinária invadiu
competência reservada, constitucionalmente, à lei complementar.
3. A Constituição não fixou o conceito de “normas gerais de direito
tributário”, enumerando, exemplificativamente, algumas delas no art.
146, sendo certo que nem todas as normas contidas no Código Tributário
Nacional podem ser tidas como tais, ainda que inscritas no Livro II deste.
Necessidade, portanto, de análise caso a caso do dispositivo.
4. São, contudo, “normas gerais” aquelas que, simultaneamente,
estabelecem os princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios
básicos, conformadores das leis que completarão a regência da matéria
e que possam ser aplicadas uniformemente em todo o País, indiferentemente de regiões ou localidades. Interpretação da expressão constante em
diversos artigos constitucionais e abrangendo vários campos do Direito
(Administrativo, Tributário, Financeiro, Ambiental, Urbanístico, etc.).
5. Hipótese em que o art. 106 do CTN fixa os princípios, as diretrizes, os critérios de aplicação de penalidade mais benigna, e, portanto, é
“norma geral de direito tributário”, critério básico a ser aplicado uniformemente, garantia mínima do contribuinte, que não pode ser alterada
por mera lei ordinária. Legislação ordinária que invadiu, desta forma,
competência reservada à lei complementar - art. 146, III, b, CF - e, assim,
somente passível de alteração por outra lei complementar.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
maioria, vencido o Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro,
declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 35, caput, da Lei
nº 8.212/91, na redação dada pela Lei nº 9.528/97, quanto à expressão
“para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de 1997”, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
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Porto Alegre, 28 de novembro de 2001.
Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de
incidente de inconstitucionalidade suscitado perante a 1ª Turma deste Tribunal, relativo ao art. 35, caput, da Lei nº 8.212/91, na redação
dada pela Lei nº 9.528/97, que trata de multa moratória decorrente do
inadimplemento de contribuições sociais arrecadadas pelo INSS, quanto
à expressão “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de
1997”. No entender da Turma suscitante, o referido dispositivo legal, ao
limitar a aplicação da multa, colidiria com o preceito contido no art. 106,
II, c, do CTN, que prevê a retroação, bem como não teria preenchido a
exigência de ser editado por meio de lei complementar e, portanto, teria
ferido o disposto no art. 146, III, b, da Constituição Federal.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do então Procurador
Regional da República Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, hoje
Juiz deste Tribunal, opinou no sentido da declaração de inconstitucionalidade, pelos motivos expostos pela Turma.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: O questionado
dispositivo legal- art. 35, caput, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada
pela Lei nº 9.528/97, tem a seguinte redação:
“Art. 35. Para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de 1997, sobre
as contribuições sociais em atraso, arrecadadas pelo INSS, incidirá multa de mora, que
não poderá ser relevada, nos seguintes termos:
I- (...)
II- (...)
III- para pagamento do crédito inscrito em Dívida Ativa:
a) trinta por cento, quando não tenha sido objeto de parcelamento;
b) trinta e cinco por cento, se houve parcelamento;
c) quarenta por cento, após o ajuizamento da execução fiscal, mesmo que o devedor
ainda não tenha sido citado, se o crédito foi objeto de parcelamento.”
A referida Lei, dando nova redação ao art. 35 da Lei nº 8.212/91,
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reduziu o percentual máximo da multa moratória, então de 60%, para
40%. Introduziu, no entanto, um limite temporal: somente incidiria este
percentual reduzido se os fatos geradores das contribuições sociais tivessem ocorrido a partir de 1º de abril de 1997. Em assim procedendo,
entendeu a Turma suscitante, teria colidido frontalmente com as disposições constantes no art. 106 do Código Tribunal Nacional, segundo o qual:
“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I- em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação
de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II- tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão,
desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento
de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao
tempo de sua prática.”
Como se percebe, nos termos do CTN, a lei aplica-se a fato pretérito,
em se tratando de penalidade menos severa que a prevista anteriormente,
“tratando-se de ato não definitivamente julgado”. Vale dizer, independentemente da data do fato gerador, a aplicação menos severa seria aplicada,
desde que o ato não tivesse sido definitivamente julgado.
As questões que se põem, portanto, dizem respeito a saber se, ao
colidir com a disposição do CTN, estaríamos diante: a) apenas de simples conflito de lei especial e lei geral; b) inexistiria hierarquia entre a
lei ordinária e a lei complementar e, portanto, a questão diria respeito à
competência legislativa; c) a matéria relativa a penalidades e interpretação em matéria tributária seria “norma geral de direito tributário” e,
portanto, suscetível apenas de disciplina por meio de lei complementar.
Conquanto alguns doutrinadores sustentem que entre lei ordinária
e lei complementar inexiste hierarquia, mas, sim, apenas problema
de competência legislativa, a jurisprudência do STJ e do STF ainda
se posiciona no sentido de que, havendo incongruência entre os dois
diplomas legais, prevalece a lei complementar, “por questão de hierarquia das leis”. Neste sentido, podem ser citados: REsp 123392/SP,
Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 01.08.2000; RE 103184/SP, Rel. Min.
Carlos Madeira, DJ 18.04.86; RE 106217/SP, Rel. Min. Octávio Gallotti,
DJ 12.09.86; EDEDRE 181165/DF, Rel. Min. Mauricio Corrêa; REsp
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
111526/PE, Rel. Peçanha Martins, DJ 12.04.99.
A questão presente, no entanto, se resolve independentemente da
resolução de tal polêmica jurídica. É que, sendo pacífico no STF que
somente existe lei complementar para os casos expressamente previstos
na Constituição (v.g., RE 225.602, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário,
julg. 25.11.98), se a referida lei ordinária disciplinou questão afeta à lei
complementar, incidiu esta em vício de inconstitucionalidade.
A disciplina das matérias por lei complementar e seus fundamentos
para o regramento jurídico tem sido objeto de discussões doutrinárias
quase infindáveis, merecendo, neste aspecto, salientar o esclarecedor
voto proferido pelo Min. Celso Mello, no RE 262178/DF, publicado no
DJ 24.11.2000 (Informativo 211 do STF):
“A busca de um critério material de identificação da lei complementar preocupou
juristas de justa nomeada, a partir de Victor Nunes Leal (Leis Complementares da
Constituição, RDA 7/jan-mar 1947 e Problemas de Direito Público e outros Problemas,
Imprensa Nacional, 1996, II/1) - que enfrentou o tema antes que a Constituição fizesse
menção à categoria- e do trabalho pioneiro de Geraldo Ataliba (Lei Complementar na
Constituição, ed. RT, 1971), já sob a Carta de 1969, que não se utilizava da expressãocomo já o haviam feito as EECC 17 e 18, de 1965- mas lhe passara a conferir especificidade formal com a exigência do quórum de maioria absoluta. Ataliba (op.cit., p. 32)
já renunciava, contudo, à idéia de impor a todas as leis materialmente complementares
aquela marca e rigidez processual, que, asseverou, ‘não se estende (...) a todas as leis
complementares, mas somente às expressamente previstas no texto constitucional’.
‘Quanto às demais hipóteses’ - conclui – ‘que comportam lei complementar, por causa
da natureza da disposição constitucional regulamentada- ficam, formalmente, em situação de inferioridade. Equiparam-se, quanto ao seu regime jurídico, às leis ordinárias’.
Essa postura, desde então, parece amplamente dominante na doutrina e pode dizer-se
consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal, que afirma exclusiva das hipóteses
taxativamente enumeradas na Constituição a exigência de lei complementar em sentido formal, vale dizer, aprovada por maioria absoluta de ambas as Câmaras, do que
decorre a impossibilidade de reclamá-la sempre que a Lei Fundamental se restrinja a
reservar à lei, tout court, o trato de determinada matéria (v.g., ADInMC 1.087, 1º.2.95,
Moreira, DJ 07.04.95; RE 225.602, Pl., 25.11.98, Velloso). Uma circunstância parece
ter refreado os ensaios de caracterização material de lei complementar: refiro-me à
evidência de arbitrariedade com a qual a Constituição de 1988 elegeu os temas para
as quais a exigiu, de modo a desafiar qualquer esforço de descobrir-lhe um critério
diretor. Testemunhou-o mais de uma vez - em depoimento pessoal de constituinte
ilustre - o em. Ministro Nelson Jobim, mostrando como, diversas vezes, a prescrição
de lei complementar na Constituição só se explica como técnica de compromissos
dilatórios em matérias cuja disciplina nenhuma das correntes contrapostas quis confiar
aos caprichos conjunturais da maioria simples (cf., e.g., os votos do Ministro Jobim
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no RE 225.602 cit. E na ADIn Mc 1.480): parece constituírem exemplos eloqüentes o
da proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária (CF, art. 7º, I); o da disciplina
do direito de greve dos servidores públicos (onde a previsão de lei complementar veio
a ser abolida pela EC 19/98) e o do procedimento especial e sumário para o processo
de desapropriação para a reforma agrária. A isso quiçá se objetasse que, da existência
de hipóteses arbitrárias de previsão de lei complementar, não seria dado inferir a inexistência de sua compulsoriedade, posto que implícito, quando decorrente do alcance
nacional - e não apenas federal - da matéria a regular. A objeção não elide, contudo,
a força do argumento dogmático de que reclamar o processo mais complexo da lei
complementar onde não o preveja a Constituição é restrição indevida à regra geral,
mais flexível (CF, art. 47), do poder legislativo das casas parlamentares.”
Teria, portanto, a Lei 9.528/97 invadido competência reservada à lei
complementar? Seria, desta forma, a disciplina da multa moratória ou
mesmo a própria aplicação da norma tributária, matéria somente passível
de regramento por meio de lei complementar?
Em matéria tributária, a Constituição é pródiga em estabelecer a necessidade de lei complementar: vide, por exemplo, os artigos 148, 149,
154-I, 155-XII, 156-III e 161 da Constituição. Da mesma forma, o art.
146, III, da Constituição assim dispõe:
“Art.146. Cabe à lei complementar:
I – (...)
II- (...)
III - estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo
e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento ao crédito cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”
Sacha Calmon Navarro Coêlho (Comentários à Constituição de
1988 - Sistema Tributário. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 7980) sustenta que:
“uma boa indicação do que sejam normas gerais de Direito Tributário, para sermos
pragmáticos, nos fornece o atual Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966 e alterações posteriores) (...) O CTN, especialmente o Livro II, arrola
inúmeros institutos positivados como normas gerais. Que sejam lidos”.
Da mesma forma, para Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos
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(Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 6,
t.I, p. 86-87 e 92):
“são, pois, matéria de regulação por lei complementar as normas gerais de que o Código
Tributário Nacional, no Livro Segundo, constitui-se inequívoca prova. E são normas
gerais aquelas que surgem do próprio Texto Constitucional, como aquelas que têm escultura de norma geral, embora não explicitadas, por força do advérbio ‘especialmente’.
(...) A obrigação, o lançamento, o crédito, a prescrição e a decadência tributários devem
ser matéria de lei complementar, assim como, a meu ver, as outras formas de extinção
previstas nos arts. 156 e 170 a 172 do Código Tributário Nacional.”
Verifica-se, pela leitura destes autores, que o norte a guiar o entendimento do que são normas gerais de direito tributário deve ser o livro II
do CTN, que tem o título de “Normas Gerais de Direito Tributário”, que
inclui disposições sobre tratados internacionais, normas complementares,
aplicação da legislação tributária, interpretação da legislação, obrigação
tributária, capacidade tributária, crédito tributário, extinção do crédito
tributário, garantias do crédito, fiscalização, dívida ativa e certidões
negativas.
A se aceitar tal argumentação, um leque amplo de normas. E, que, em
face do disposto no próprio art. 146 da Constituição, tampouco esgota as
possibilidades de disciplina: observe-se que a enumeração é meramente
exemplificativa, inclusive pela partícula “especialmente” constante no
referido dispositivo constitucional. Não é demais lembrar, ainda, que o
tratamento diferenciado às cooperativas, que não consta no livro II do
CTN, também é considerado “norma geral”, da mesma forma que a definição dos tributos e dos fatos geradores e bases de cálculo dos impostos
constitucionalmente previstos, enumeração, aliás, constante parcialmente
no livro I – e não no II – do referido CTN. Observa-se, portanto, que a
enumeração, não sendo exaustiva, tampouco pode ser verificada, pura e
simplesmente, pela análise dos conceitos constantes no Livro II do CTN.
Luciano Amaro (Direito Tributário Brasileiro. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 161) sustenta que:
“Em rigor, a disciplina ‘geral’ do sistema tributário já está na Constituição: o que
faz a lei complementar é, obedecido o quadro constitucional, aumentar o grau de
detalhamento dos modelos de tributação criados pela Constituição Federal. Dir-se-ia
que a Constituição desenha o perfil dos tributos (no que respeita à identificação de cada
tipo tributário, aos limites do poder de tributar etc.) e a lei complementar adensa os
traços gerais dos tributos, preparando o esboço que, finalmente, será utilizado pela lei
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
ordinária (...) A par desse adensamento do desenho constitucional de cada tributo, as
normas gerais padronizam o regramento básico da obrigação tributária (nascimento,
vicissitudes, extinção), conferindo-se, dessa forma, uniformidade ao sistema tributário
nacional. Ainda na vigência da Constituição anterior, discutiu-se sobre a abrangência
que teria a lei complementar então prevista no art. 18, § 1º, daquela Constituição.
Embora a doutrina se tenha inclinado para a identificação de três funções (estabelecer
normas gerais, regular as limitações constitucionais e dispor sobre conflitos de competência), alguns juristas sustentaram haver apenas duas funções: editar normas gerais
para regular as limitações e para compor conflitos. A Constituição atual (art. 146, I,
II e III) procurou não deixar dúvidas que, a nosso ver, já inexistiam no texto anterior
(art. 18, § 1º), consoante demonstrara Hamilton Dias de Souza.”
Esta dificuldade – determinar o que sejam “normas gerais” – está
presente em outros artigos constitucionais, de que é um ótimo exemplo
a disciplina relativa às licitações (art. 22, XXVII, da Constituição). Interessante, portanto, verificar –­em virtude do princípio de uniformidade
que as expressões contidas na Constituição devem ser tidas – como os
administrativistas entendem o conceito de “normas gerais”. Neste particular, Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo.
13.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 476-477) sustenta que:
“Assim, quando o Texto Constitucional reporta-se a ‘normas gerais’, está, por certo,
reportando-se a normas cujo ‘nível de generalidade’ é peculiar em seu confronto com
as demais leis. Normas, portanto, que, ao contrário das outras, veiculam apenas:
a) preceitos que estabelecem os princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios
básicos, conformadores das leis que necessariamente terão de sucedê-las para completar a regência da matéria. Isto é: daqueloutras que produzirão a ulterior disciplina
específica e suficiente, ou seja, indispensável, para regular o assunto que foi objeto de
normas apenas ‘gerais.’
Segue-se que não serão categorizáveis como disposições veiculadoras de normas
gerais as que exaurem o assunto nelas versado, dispensando regulamento sucessivo.
É claro, entretanto, que o dispositivo que formula princípios ou critérios não perde
o caráter de norma geral pelo fato de esgotar os princípios ou critérios aplicáveis,
visto que nem uns, nem outros, trazem consigo exaustão da disciplina da matéria à
qual se aplicam;
b) preceitos que podem ser aplicados uniformemente em todo o País, por se adscreverem a aspectos nacionalmente indiferenciados, de tal sorte que repercutem com
neutralidade, indiferentemente, em quaisquer de suas regiões ou localidades.
Segue-se que não serão normas gerais aquelas que produzem conseqüências díspares
nas diversas áreas sobre as quais se aplicam, acarretando, em certas áreas, por força de
condições, peculiaridades ou características próprias da região ou do local, repercussão
gravosa sobre outros bens jurídicos igualmente confortados pelo Direito.”
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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Da análise dos autores citados, sobressai que a Constituição não
estabeleceu um elenco exaustivo de possibilidades de normas gerais e,
simultaneamente, o Livro II do CTN, ainda que seja uma baliza respeitável, não exaure as hipóteses e tampouco pode ser considerado dogmaticamente como representando somente as referidas “normas gerais”.
O exame, portanto, deve ser realizado casuisticamente. E, para tanto,
são necessários critérios. Percebe-se, também, que as “normas gerais”
seriam uma forma de “adensamento” dos traços gerais de tributos e dos
regramentos básicos. Ou seja, no conceito de “normas gerais” estariam
incluídos: a) o estabelecimento dos princípios, fundamentos, diretrizes,
critérios básicos, conformadores das leis que regularão a matéria; b)
preceitos que devem ter aplicação nacional. E, neste sentido, deveriam
ser entendidas as referências constitucionais a normas gerais de organização e garantias das polícias militares (art. 22, XXI), sobre licitações
e contratação (art. 22, XXVII) e para a legislação concorrente da União
prevista no art. 24, caput e § 1º, todos da Constituição Federal.
Cabe, portanto, verificar se a disposição contida no art. 106 do Código
Tributário Nacional seria tido como “norma geral de Direito Tributário”.
Parece que, ao admitir a possibilidade de retroação da aplicação da penalidade tributária, o dispositivo estabelece princípios e critérios básicos,
prima facie, conformadores da legislação tributária que regerá todos os
tributos previstos constitucionalmente. E tal aplicação mais benigna da
penalidade seria observável em caráter nacional, devendo ser observada
de modo uniforme em todo o País. Assim sendo, parece ser inegável que
tal regra tem o caráter de “norma geral de Direito Tributário”, tal como
previsto no art. 146 da Constituição.
Não é outro, aliás, o entendimento de Ives Gandra Martins e Celso
Ribeiro Bastos (op. cit, p. 93) que entendem estarem
“os arts. 114 até 138 dedicados a todos os aspectos referentes à obrigação, tais como
fato gerador, sujeito ativo e passivo, responsabilidade tributária, inclusive aquela que
diz respeito às infrações. Em relação a essa matéria, o aspecto que mais releva acentuar
é que o núcleo do direito tributário encontra-se na obrigação tributária e não no tributo,
este espécie daquela, que hospeda também a penalidade tributária. (...) a penalidade,
sanção pelo descumprimento, faz parte da obrigação (...)”
Nos termos do art. 106 do CTN, a penalidade menos severa que a
prevista anteriormente se aplica a ato ou fato pretérito, desde que este seja
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“não definitivamente julgado”, não se estabelecendo, portanto, um limite
temporal quanto aos fatos geradores. Basta, portanto, que o ato não tenha
sido definitivamente julgado. A questão do que deve ser entendido como
“definitivamente julgado” não cabe no presente incidente, devendo ser
apreciada pela Turma. Mas é evidente que a Lei nº 9.528/97, ao dar nova
redação ao art. 35 da Lei nº 8.212/91, e estabelecer que a norma mais
benéfica somente seria aplicável aos fatos geradores ocorridos a partir
de 1º de abril de 1997, criou uma limitação inexistente na “norma geral”.
E o conflito existente entre a lei ordinária (Lei nº 9.528/97) – que
somente admite a aplicação para os fatos geradores ocorridos a partir
de 01.04.97 – e a lei complementar (CTN) – que determina a aplicação
para os atos não definitivamente julgados – se resolve a favor do texto
existente na lei complementar, por meio de juízo de inconstitucionalidade.
Este, aliás, é o posicionamento do STJ (REsp 163.076/PR, Rel. Min. Ari
Pargendler, DJ 04.05.98,p.146):
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. LC 84/96. 1. NORMAS GERAIS
DE DIREITO TRIBUTÁRIO. Sempre que uma lei ordinária destoe de normas gerais
de direito tributário inscritas no CTN e em leis extravagantes (v.g., o DL 406/68), a
incompatibilidade se resolve a favor do texto integrado em lei complementar ou com
força de lei complementar, mediante juízo de inconstitucionalidade; a lei ordinária
nesse caso ofende a Constituição por invadir competência que esta reservou a lei complementar. 2. ALEGAÇÃO DE QUE A NOVA CONSTITUIÇÃO FOI INSTITUÍDA
SEM OBSERVAR O CTN E DL 406/68. Se uma lei complementar é incompatível com
outra lei complementar ou com uma lei ordinária dotada de força de lei complementar
já existentes, dá-se o fenômeno da revogação (Lei de Introdução ao Código Civil, art.
2º, § 1º). Argumento ad absurdum para demonstrar que, ainda quando reconhecida a
alegada incompatibilidade, prevaleceria a LC 84/96, e não a legislação anterior, de
idêntico nível. Recurso especial não conhecido.”
A Lei nº 9.528/97, ao disciplinar os critérios de aplicação de penalidade mais benigna, veiculou norma geral de Direito Tributário, o
que, de acordo com o art. 146, III, b, da Constituição Federal, somente
é possível com a utilização de lei complementar. Ou seja, somente lei
complementar poderia ter estabelecido que a aplicação de multa mais
benigna seria passível de limitação, tendo como marco temporal os fatos
geradores ocorridos a partir de certo momento.
Assim sendo, voto no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do
art. 35, caput, da Lei nº 8.212/91, na redação dada pela Lei nº 9.528/97,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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quanto à expressão “para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de
abril de 1997”, tendo em vista a violação do art. 146, III, b, da Constituição Federal.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 1999.70.05.003502-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da
Rosa
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Apelados: Cooperativa Agrícola Mista Vale do Piquiri Ltda. e outro
Advogados: Drs. Ademar Silva dos Santos e outro
Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Cascavel/PR
EMENTA
Tributário. Constitucional. Argüição de inconstitucionalidade da
Medida provisória nº 2.113-27/2001. Cooperativas. Histórico do
cooperativismo no direito comparado e no Brasil. Natureza jurídica.
Necessidade de sobrevivência dos pequenos em face da grandeza das
sociedades comerciais. Ausência de finalidade lucrativa. Situação tributária. Evolução legislativa. Legislação pátria conferiu favorecimento
às cooperativas. Tratamento expresso somente na Constituição de 1988.
Cooperativas pretendiam garantir na constituinte ampla imunidade
tributária sobre ato cooperativo. Constituintes não atenderam extensas pretensões ao redigirem o art. 146, inciso III, alínea c, da CF/88.
Hermenêutica do “adequado tratamento tributário”. Norma de eficácia
reduzida. Dependência de lei complementar reguladora. Projeto de lei
paralisado desde 1989. Constituinte pretendeu favorecer cooperativas, de
algum modo, em matéria tributária. Atos cooperativos e incidência de tributos. Distinção de atos internos e externos. Precedente. Favorecimento
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do ato cooperativo sujeito à conveniência do poder tributante até a edição
de lei complementar. Cooperativas e contribuições sociais. COFINS.
Modificação do sistema de custeio da seguridade social pela CF/88.
Participação universal do financiamento da seguridade social, salvo
entidades beneficentes de assistência social. Inexistência de qualquer
direito à imunidade ou isenção das contribuições devidas à seguridade
pelas cooperativas. COFINS: fato gerador existente nas atividades das
cooperativas. Medida provisória nº 2.113-27/2001 apenas reduziu o favor
legal dado às cooperativas pela lei complementar nº 70/91, revogando
a isenção mas limitando o âmbito da base de cálculo. Conformidade
com o sistema constitucional pátrio. Opção política cujo controle foge
ao PoderJudiciário. Rejeitada a argüição de inconstitucionalidade do
art. 56, inc. II, alínea a, da Medida provisória nº 2.113-27/2001.
1. As sociedades cooperativas têm uma grande importância, o que a
evolução histórica e a valorização dos diversos países demonstra, uma
vez que assegura a sobrevivência dos pequenos em face da grandeza das
sociedades comerciais, mormente nesta era de profundas modificações
motivadas pela globalização.
2. No Brasil, houve uma sucessão de privilégios fiscais em relação
a tais entidades.
3. Quando se tratou de elaborar uma nova constituição, foi proposta
regra que beneficiava amplamente as cooperativas.
4. Somente a atual Constituição tratou expressamente das cooperativas.
5. A pretensão foi satisfeita em extensão bem menor do que a apresentada. Todavia, a norma era de eficácia reduzida.
6. O termo “adequado tratamento tributário” refere-se à correta adequação dos fatos decorrentes das atividades cooperativas aos preceitos
que criam os tributos.
7. Enquanto não for editada a lei complementar prevista no art. 146,
III, c, da CF de 1988, as sociedades cooperativas permanecem na situação
de qualquer sociedade quanto à imposição de tributos.
8. O que não se pode fazer é tributar em hipóteses em que impossível
a incidência, o que é o caso do lucro, que inexiste no ato cooperativo
segundo a própria lei de regência estabelece. Hipóteses de não-incidência.
9. Da análise do precedente nº 89.04.04242-9/RS é possível estabelecer as distinções entre os atos cooperativos internos e externos.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
10. A modificação do financiamento da seguridade social operada pela
Constituição de 1988 determinou que toda a sociedade deve financiar
a Seguridade Social, estando isentas apenas as entidades de assistência
social.
11. As cooperativas têm o dever de se submeter à tributação.
12. Se, por decisão política, forem beneficiadas com preceito legal de
isenção, o mesmo Poder terá o direito de revogar tal norma.
13. Nem o art. 146, III, c, nem a norma programática do art. 174, §
2º, da CF de 1988 impedem o legislador ordinário de emitir tal juízo
político através da regra cabível.
14. A singularidade da situação fiscal das cooperativas se resume no
seguinte: não tipificam a regra de alguns tributos, porque o ato cooperativo não caracteriza lucro, e haverão de ter um “adequado tratamento
tributário”, quando sobrevier a lei complementar programada no texto
constitucional. Nada mais do que isso.
15. No estágio atual do sistema normativo brasileiro, especialmente em
matéria de contribuições para a seguridade, constitui um erro imaginar-se
que uma lei que revoga ou diminui o âmbito de isenção tributária ofende
algum texto da Carta de 1988.
16. A Medida Provisória nº 2.113-27/2001 apenas reduziu o favor
legal dado às cooperativas pela lei complementar nº 70/91.
17. Não há, portanto, eiva de inconstitucionalidade na Medida Provisória nº 2.113-27/2001.
18. Rejeitada a argüição de inconstitucionalidade do art. 56, inc. II,
alínea a, da Medida Provisória nº 2.113-27/2001.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
vencidos os Desembargadores Federais Luiz Carlos de Castro Lugon,
Relator, Amir José Finocchiaro Sarti, Silvia Goraieb e Amaury Chaves
de Athayde, rejeitar o incidente de argüição de inconstitucionalidade do
art. 56, inciso II, alínea a, da Medida Provisória nº 2.113-27/2001, nos
termos do voto do Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa,
que lavrará o acórdão. Votou o Desembargador Federal Teori Albino Zavascki, Presidente. Não participaram do julgamento as Desembargadoras
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Federais Luiza Dias Cassales e Maria Lúcia Luz Leiria.
Porto Alegre, 28 de novembro de 2001.
Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa, Relator p/acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de
incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo ilustre Juiz Amir José
Finocchiaro Sarti, que compõe esta Egrégia Corte, a ela emprestando o
brilho de sua cultura jurídica, cuja finalidade é guerrear o art. 56, II, a,
da MP nº 2.113-27/2001 (que corresponde ao art. 23, II, a, da primitiva
MP nº 1858-6/99). Assevera o douto magistrado que, muito embora em
ocasiões outras tenha decidido diversamente a seu convencimento ora
expresso no substancioso voto em que levantado o presente incidente,
curvou-se aos argumentos no sentido de que a regra contida no art. 146,
inciso III, alínea c, da Lei Maior só encontra sua exata interpretação à
luz do art. 174, § 2º, também da Constituição, que determina apoio e
incentivo ao cooperativismo. Aponta que não propicia o texto legal objeto
de insurgência o devido tratamento tributário ao ato cooperativo; pois
que veio a agravar, ao invés de reduzir, a carga fiscal sobre as atividades
das Cooperativas. Acrescenta que, mesmo considerando que, a teor da
jurisprudência dominante, as Leis Complementares 7/70 e 70/91 podem
ser alteradas por simples lei ordinária, em relação ao ato cooperativo é
imprescindível que se veicule por lei complementar tratamento privilegiado, que dê margem à manutenção e à criação de novas associações
do gênero cooperativa.
Historiando o tratamento legal dispensado à matéria, registra o referido
Julgador que a Medida Provisória referida tem sua gênese na Medida
Provisória nº 1807, que foi reeditada sob os números 1991, 2037 e 2113
e que atualmente está na 28ª reedição. (MP 2.213-28, de 23.02.2001)
Em relação ao PIS, averba que
“o problema reside na insuficiência do elenco de valores e receitas excluídos da base
de cálculo da contribuição, deixando a descoberto determinados ingressos provenientes
de atos cooperativos – com o que, aparentemente, teria sido revogado o art. 2º, § 1º,
da Lei 9.715/98, que, a contrario sensu, afastava a incidência da contribuição sobre
todos os atos cooperativos típicos, sem exceção.”
Se isso fosse verdade, o vício seria idêntico àquele apontado relaR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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tivamente à COFINS. Acontece que, como é sabido, “a lei nova que
estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes não
revoga nem modifica a lei anterior (LICC, art. 2º, § 2º).”
Ora, ensina Serpa Lopes,
“essa expressão ‘a par das já existentes’ significa tratarem-se de normas que ficam a
par das anteriores, quer dizer, iguais em qualidade e merecimento, e que podem atuar
lado a lado, sem incompatibilidade. Parece-nos uma regra redundante, em relação à
fixada no parágrafo antecedente, pois apenas corrobora o critério da incompatibilidade, consagrado como elemento básico para se interpretar a revogação ou não de
uma norma por outra. No caso do § 2º do art. 2º, não há revogação porque as normas
são compatíveis’ (Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil, 2ª Ed., Livraria
Freitas Bastos, v.1, p. 56).”
Tem, assim, por equivocada a sentença de primeiro grau no que tange
ao PIS/PASEP, porquanto a medida provisória não revogou “a isenção
anterior mais ampla”, que permanece vigente.
A Primeira Turma, à unanimidade, votou por suscitar este incidente
de inconstitucionalidade.
Da lavra do ilustre Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que
hoje compõe este Tribunal, à época Procurador-Chefe da Procuradoria
Regional da República nesta 4ª Região, o Parecer do Órgão do Ministério Público Federal é no sentido de haver-se por procedente o incidente,
declarada a inconstitucionalidade.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Comungo eu
da mesma opinião jurídica expressa pelo ilustre Juiz Amir José Finocchiaro Sarti em relação ao malferimento da Lei Maior. Na persecução do
aperfeiçoamento das instituições, para que impere o Estado de Direito,
faz-se mister que a interpretação das normas constitucionais seja feita
à luz de princí­pios, emprestando-se às normas constitucionais ditas de
vigência contida uma eficácia negativa, no sentido de evitar a criação de
leis colidentes com seus enunciados.
Segundo a preleção de Carlos Maximiliano,
“o todo deve ser examinado com o intuito de obter o verdadeiro sentido de cada uma
das partes. ‘A Constituição não destrói a si própria. Em outros termos, o poder que ela
confere com a mão direita, não retira, em seguida, com a esquerda.’ Conclui-se deste
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postulado não poder a garantia individual, a competência, a faculdade ou a proibição,
encerrada num dispositivo, ser anulada praticamente por outro; não procede a exegese
incompatível com o espírito do estatuto, nem com a índole do regime.”
Se a Constituição reserva à lei complementar dispor sobre o tratamento adequado (leia-se especial) aos atos cooperativos, há que se ter
por vedada a gênese de atos que, contrariamente à política objetivada
pelo redator constituinte, venham a proscrever ou desestimular as cooperativas.
No que concerne ao tratamento dispensado às Cooperativas, no campo
tributário, em diversos países do mundo, Waldírio Bulgarelli (Regime
Tributário das Cooperativas, Saraiva, pp. 6 de segs.), já nos idos de 1974,
erguia voz lastimosa, denunciando uma hipocrisia que, se no abstrato,
propugnava e aderia à política do cooperativismo, na prática negava não
só uma consideração especial, mas mesmo um tratamento igualitário em
relação às empresas comuns, verbis:
“O Brasil vem invariavelmente apoiando e subscrevendo todas as Resoluções internacionais visando à proteção do movimento cooperativo; sem preocupação de ordem,
pode-se citar, a Resolução nº 127 de 1966, da Organização Internacional do Trabalho,
OIT; a Resolução nº 2.359 de 1968, da ONU, a Carta de Buenos Aires de 1969, da
Organização de Estados Americanos, que entrou em vigor em 27 de fevereiro de 1971,
e finalmente, a Resolução nº 1.413 de 199, do Conselho Econômico e Social da ONU,
em que se formulava a atuação das Cooperativas às metas visadas na chamada Década
do Desenvolvimento. Sem contar que em maio de 1970, o Brasil juntamente com mais
cinco países (Índia, Bulgária, Indonésia, Paquistão e Sudão) apresentou um projeto de
resolução perante o Conselho Econômico e Social nas Nações Unidas, recomendando
que a organização mundial ‘dê especial atenção às solicitações de assistência que os
países em desenvolvimento formulem para desenvolver as cooperativas’.
Entretanto, sua atuação interna no campo tributário não tem correspondido a essa
posição internacional decidida e até mesmo açodada. E tendo-se em conta que as cooperativas não vêm reivindicando favores especiais, mas, apenas o reconhecimento da
sua específica natureza jurídica de um lado, e, de outro que possam gozar dos mesmos
estímulos fiscais que os outros tipos de empresa, não parece ser difícil atender-lhes
aos reclamos.
A tal respeito continua a se esperar adoção de uma política firme fiscal, desfazendo-se
a falsa impressão de que gozam de excessivos favores. Já se viu que isso não é verdade, e que elas só almejam uma política fiscal justa. E às vezes mesmo, pedem apenas
o cumprimento de leis existentes que não são observadas, por exemplo: dispunha o
art. 108 do Decreto nº 60.597, de 19 de abril de 1967, (que regulamentou o Dec.-lei
nº 59, de 21.11.66), que ‘quando as sociedades cooperativas forem encarregadas pela
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União, Estados ou Municípios de arrecadar tributos devidos por seus associados, serão
elas remuneradas na forma fixada em convênio e dedutível do montante dos tributos
arrecadados a remuneração desse serviço’. Pois bem, até hoje permanece descumprido esse dispositivo, arrecadando as cooperativas sem qualquer contrapartida, o ICM
dos seus associados (as cooperativas de produtores rurais); o PRORURAL (antigo
FUNRURAL), e agora, o PIS, o Programa de Integração Social, quando bastaria um
simples dispositivo nas leis que criaram, modificaram, alteraram e complementaram
tais tributos e taxas, para que fosse cumprido, não ficando as cooperativas a arcar com
ônus que são do Estado. Em relação aos incentivos fiscais e certas isenções de que
gozam outros tipos de empresas, bastaria também um simples dispositivo quando da
elaboração das leis, determinando que se estendessem tais benefícios e isenções às
cooperativas, o que via de regra não é feito.
Verdade é que os inimigos do cooperativismo apregoam que seria um absurdo as
cooperativas não pagarem tributos, e que por força do crescimento do seu número,
(hoje, o número de cooperativas atinge no mundo, somente as filiadas à Aliança Cooperativa Internacional, em 60 países, cerca de 611.523 cooperativas, e no Brasil, com
estatísticas inseguras, cerca de 7.000) haveria graves prejuízos ao Estado. Essa objeção
tão difundida é contestada por G. Davidovich, que assinala:
´Os adversários do Movimento cooperativo insistem também que a tributação das
cooperativas é necessária no interesse do Tesouro. Perguntam: como se financiará o Estado se algum dia as cooperativas vierem a desempenhar um papel importante e talvez
de primordial importância à economia nacional? O argumento parece convincente. Na
verdade, é precisamente o contrário, pois o desenvolvimento das cooperativas resulta
em maior renda para o tesouro, o que é provado pela experiência adquirida no mundo.’ ”
Roque Carraza, com a autoridade de seu magistério, tece, em relação ao art. 146, III, da Constituição Federal, deliciosa crítica, que, sem
desdouro do respeito que merece a Lei Maior, mostra a infelicidade de
sua redação, assim:
“Este artigo, a bem da verdade, está longe de ter aquele estilo lapidar e conciso
que, no dizer de Rui Barbosa, deve caracterizar as leis em geral. Com efeito, ele alude,
por exemplo, ao ‘adequado tratamento tributário’, como se a Constituição, noutras
passagens, permitisse fosse dispensado aos contribuintes um ‘inadequado tratamento
tributário’. Demais disso, faz referência ao ‘ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas’, redundância que nem mesmo o Conselheiro acácio – personagem
impagável por seus truísmos – tivesse coragem de perpetrar.” (Curso de Direito Constitucional Tributário, p.383)
Acaciano que seja, o texto encontra sua exata leitura nos comentários
de Renato Lopes Becho (Tributação das Cooperativas, Editora Dialética,
1998, p. 132), verbis:
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
“Melhor teria ficado a redação, sem redução interpretativa, conforme pensamos,
se o constituinte tivesse determinado lei complementar que cuidasse do ‘tratamento
tributário ao ato cooperativo’.
Porém, podemos interpretar que o constituinte reconheceu que o ato cooperativo
não tem tido um adequado tratamento tributário, como não tem tido mesmo, determinando que, após 5 de outubro de 1988, o Congresso Nacional alterasse esse quadro,
mediante a edição da lei complementar já referida. Mesmo assim, não seria necessário
esse reconhecimento no texto constitucional.”
Este mesmo mestre no tema enfocado apresenta outras considerações
interpretativas que vale ora mencionar, na busca de uma visão sistêmica,
interagindo a norma no universo em que inserta, assim:
“Na Assembléia Nacional Constituinte que se reuniu para elaborar a Carta de 1988
havia proposta no sentido de conceder imunidade tributária ao ato cooperativo. Tal
proposta não foi aprovada pelo Plenário, mas foi defendida por alguns constituintes.
Vale destacar que se pretendia conceder imunidade ao ato cooperativo, e não às cooperativas. Mesmo o texto aprovado refere-se a tal ato. Este é definido na Lei nº 5.764/71,
no art. 79, como sendo ‘os praticados entre as cooperativas entre si quando associadas,
para a consecução dos objetivos sociais’, e foi nosso objeto de estudo no Capítulo 7.
No capítulo 5, citamos os artigos constitucionais que tratam do cooperativismo
justamente para demonstrar que um tratamento tributário próprio para as cooperativas
está inserido em todo um contexto constitucional de incentivo às cooperativas. Afora os
dispositivos específicos (arts. 21, inciso XXV, e 174, §§ 3º e 4º - proteção ao garimpo;
187, inciso VI – cooperativismo agrícola; 192, inciso VIII – cooperativismo de crédito;
199, §§ 1º, 2º e 3º - cooperativismo na saúde), o constituinte concedeu maior liberdade
para a criação dessas associações (art. 5º, inc. XVIII) e quis um conjunto de benefícios
fiscais e creditícios que lhes incentivasse o funcionamento (art. 174, § 2º). Esses artigos,
citados no item 5.3. da presente dissertação, levam-nos a uma interpretação sistemática
que liga os três gerais referenciados a todo universo jurídico das cooperativas.
No capítulo 5, itens 5.1 e 5.2, vimos o tratamento constitucional dado às cooperativas em vários outros países, podendo-se extrair desses textos que o reconhecimento
dessas associações é global, sendo muito comum a previsão de auxílio para as mesmas.
É importante frisarmos, de antemão, que não advogamos a tese da imunidade absoluta para as cooperativas. Entendemos que elas devem se sujeitar a alguns tributos,
porém não podem, também, ser obrigadas a suportar toda a carga fiscal, já que suas
peculiaridades afastam-nas das sociedades comerciais.”
O argumento no sentido de que na espécie ausente estaria tributação
ao ato cooperativo somente subsiste dentro de uma interpretação arraigada à letra da lei, absolutamente dissociada do universo jurídico em que
situada, e que, em conseqüência da própria ótica limitada, faz surgirem
perplexidades indissolúveis. Irrecusavelmente, o artigo 79 da Lei nº
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5.764/71 estampa que “denominam-se atos cooperativos os praticados
entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas
cooperativas entre si quando associadas, para consecução dos objetivos
sociais”; acrescentando o parágrafo único do mesmo dispositivo que
“o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de
compra e venda de produto ou mercadoria.” É simplismo condenável,
decorrente de apressada leitura do texto legal, asseverar que são atos
cooperativos tão-somente aqueles interna corporis, como pretende a
Fazenda Nacional; tanto quanto a assertiva de que não implicam compra
e venda. A lógica comezinha é imperativa no sentido de que são atos
cooperativos aqueles praticados pelas cooperativas na realização de seus
precípuos fins. Na doutrina, o apego à letra, na interpretação do dispositivo em exame, já foi superado, conforme preleciona Renato Lopes
Becho (ob. cit. pág. 118 e segs.), verbis:
“Outra limitação que entendemos necessária estabelecer refere-se ao alcance que
o conceito pode ter, ou não, quanto às relações com terceiros não-associados. Neste
ponto o trabalho é, talvez, o mais árduo de todo o estudo do ato cooperativo e terá
implicações amplas, como, por exemplo, a respeito do regime de tributação sobre ele
(o ato cooperativo) aplicado. Também determinará qual a legislação aplicável, se a
cooperativa, a civil, a comercial, a trabalhista etc. E, também, como querem alguns,
que se aplique, com relação às partes em um negócio, para um lado a cooperativista
e para outro a legislação específica à matéria (comercial, civil, trabalhista etc.), como
veremos no item 7.5.3.
Os textos legais não nos auxiliam muito nesse aspecto. A legislação brasileira parece
não apontar para a possibilidade de se considerar ato cooperativo as transações entre
a cooperativa e terceiros não-associados, já que se refere apenas aos atos praticados
‘entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre
si quando associadas’ e, mesmo assim, apenas para a consecução de seus objetivos
sociais, em qualquer das três hipóteses levantadas pelo texto. Como os textos legais
precisam ser interpretados pelas imperfeições naturais do produto do labor legislativo
e, considerando-se que o próprio desconhecimento por parte da lei não deve ser visto
como sua não-aceitação ou inexistência, o trabalho do estudioso do direito pode perfeitamente que a primeira análise do texto não é completa e que sua interpretação deve
ser mais abrangente, ou restritiva.
Não será ato cooperativo, em nossa opinião, se a cooperativa agrária comprar para
diretoria um automóvel em uma concessionária de propriedade de um seu associado,
ou se um associado comprar um automóvel usado da mesma cooperativa, ou, ainda,
se esta o adquirir de outra cooperativa agrária, mesmo se associada, por fugir o negócio aos seus objetivos sociais. Porém começa a dificultar a análise se o negócio tem
por objeto os fins sociais da cooperativa, para o qual ela foi criada. É claro que não
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
trabalharemos, nessas hipóteses, com os associados ou com cooperativas associadas.
Nossa preocupação é com o terceiro não-associado. A legislação argentina já citada
parece ser mais abrangente que a brasileira, nesse particular, pois, na segunda parte do
art. 4º, que conceitua o objeto da nossa análise, o legislador afirmou tratar-se de ato
cooperativo também, a respeito das cooperativas, os atos jurídicos que com idêntica
finalidade realizarem com outras pessoas, sendo possível trata-se de ato cooperativo
para a cooperativa e ato de comércio, por exemplo, para o terceiro não-associado.
(...)
A definição de ato cooperativo de Antonio Salinas Puente, tornada clássica em sua
obra Derecho cooperativo, pela época de sua formulação (1954) e pelo rigor técnico
apresentado, parece demonstrar a visão do autor para o caso em exame:
‘O ato cooperativo é o suposto jurídico, ausente de lucro e de intermediação, que
realiza a organização cooperativa em cumprimento de um fim preponderantemente
econômico e de utilidade social.’
Nessa definição, o mexicano precursor do estudo do ato cooperativo faz referência
à cooperativa como sujeito necessário, e não menciona associados ou não-associados,
demonstrando sua posição ante a polêmica atual. Para ele, além da cooperativa, basta
a ausência de lucro e de intermediação, e desde que esteja cumprindo o objeto social –
ao dizer que de cumprir um fim preponderantemente econômico e de utilidade social
– para encontrarmo-nos perante um ato cooperativo.
Ricardo Giustozzi, no II Congresso Continental de Direito Cooperativo (Porto
Rico, 1976), disse que:
‘... é induvidável que a cooperativa é centro de atos de características muito especiais
que só se dão ou realizam no âmbito cooperativo. Estes últimos são os que poderiam
denominar-se atos cooperativos.’
Cláudio Rubens Dufan e Marcelo Esteban Zarlenga posicionam-se de forma favorável à extensão do ato cooperativo aos negócios praticados com não-associados:
Consideramos que a lei argentina, que reconhece como fonte a brasileira já citada,
expressa o conceito com maior precisão de vez que lhe outorga formulação mais ampla. Em efeito resulta mais concisa enquanto faz menção aos fins institucionais, que
implicam a atuação dos princípios cooperativos, o que significa enfatizar a necessidade
de que o objeto se deve cumprir tendo em conta ditos princípios em todo momento.
Também dizemos que é mais amplo, porque dentro do conceito de ato cooperativo
se incluem, com respeito às cooperativas, os atos jurídicos que com idêntica finalidade
realizem estas com usuários não associados (atos mistos).”
Este Tribunal, bem mais de uma vez, superou a alegada subjetividade
restrita apenas à cooperativa e aos associados, integrando ao conceito de
ato cooperativo atividades havidas como conexas, ainda que praticadas
frente a terceiros; caso de fornecimento de insumos, ou de exame laboR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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ratoriais em se tratando de serviços médicos, conforme exemplificam os
arestos seguintes:
“TRIBUTÁRIO. ATOS COOPERATIVOS. ISENÇÃO. IMPOSTO DE RENDA.
LEI-5.764/71. FORNECIMENTOS INCLUÍDOS POR CONEXÃO NO CONCEITO
DE ATO COOPERATIVO
1. Na cooperativa que presta serviços médicos, o cooperado é o profissional de
medicina, ao qual em tese, é prestado o serviço, que, no campo da realidade, se faz ao
paciente. Serviços de laboratórios e clínicas, ínsitos que estão no ato cooperativo, não
podem dele ser apartados para incidência tributária.
2. Recurso a que se dá provimento.” (AC nº 96.04.37209-2/SC – 2ª Turma, DJ em
12.05.99).
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. Não há renda tributável
pelo fornecimento de peças e componentes se estiver incluído, por conexão, no conceito legal de ato cooperativo. A CSL não é exigível no ano-base de 1988, respeitada a
anterioridade nonagesimal. Sua alíquota de 8% (oito por cento), no ano-base de 1989,
e 10% (dez por cento) a partir de então. As aplicações financeiras não se definem como
atos cooperativos e estão sujeitas ao imposto de renda. Descaracterizada como índice
de correção monetária dos tributos e das contribuições federais, a TRD subsiste apenas
como encargo equivalente aos juros moratórios e em relação a débitos vencidos. A UFIR
pode ser utilizada para corrigir o valor de quaisquer tributos, multas e penalidades,
mesmo quando gerados ou lançados antes de 01.01.92. A multa e o encargo previstos,
respectivamente, nos ART-21, LET-B, do DEL-401/68, e ART-1 do DEL-1025/69, são
inconstitucionais.” (AC nº 97.04.15314-7/RS – 1ª Turma – DJ em 03.12.97).
Na literalidade do texto legal, o que seriam atos cooperativos praticados pelas cooperativas de serviços e pelas cooperativas habitacionais?
Ter-se-iam por não-cooperativos atos de prestação do serviço médico
e atos de aquisição da casa própria, fins últimos destas espécies de cooperativas, a pretexto de que envolveriam terceiros ou, em relação às
habitacionais, de que implicariam compra e venda? Ter-se-ia, em relação
à cooperativa de consumo, como não-cooperativo o ato de fornecimento
de víveres aos associados, quando este é exatamente o escopo para o qual
criada a entidade? Deixaria de ser ato cooperativo a aquisição de produtos
por atacado para fornecimento aos associados no varejo, exatamente o
serviço para o qual foi gerada a instituição?
Cogitações assim são aqui feitas para evitar que, tomando-se uma
conceituação restrita, radicalmente literal, do texto de lei, pretenda-se
argumentar que a lei nova, antes que perversa em relação à cooperativa,
seja vista como menos gravosa que a anterior. Quando, no artigo 15 da
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MP nº 1858 – 9/99, o redator contempla “os valores repassados aos associados, decorrentes da comercialização de produtos por eles entregues
à cooperativa” (inciso I) e “as receitas de vendas de bens e mercadorias
a associados” (inciso II), o que aí se tem é a não-incidência sobre atos
cooperativos; e não uma extrapolação do tratamento legal além dos
limites da norma constitucional, que determina privilegiados apenas os
atos cooperativos. Ora, absolutamente nenhum interesse teria a Fazenda Nacional em objetar haver-se como inconstitucional a norma mais
benéfica ao contribuinte. Nem contra ela se insurgiriam as cooperativas
contribuintes não resultasse da novel regulamentação da matéria dano a
seu patrimônio decorrente de tributação mais severa.
Assim, adotando integralmente as razões apontadas pelo Juiz Amir
José Finocchiaro Sarti, voto no sentido de que procedente a argüição de
inconstitucionalidade dos dispositivos legais enfrentados.
É o voto.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa: O presente
processo traz à baila o complexo problema das cooperativas, em especial
no que diz respeito ao seu tratamento tributário.
Merece, assim, uma reflexão mais profunda referentemente ao tema,
o que será feito a seguir.
I – Introdução
Veremos, de imediato, que a história das sociedades cooperativas
remonta a séculos. Apesar disso, não há um rigor técnico no manejo das
regras legais que disciplinam tais entidades. A par disso, uma escassa
doutrina se detém sobre a matéria. Agora, quando os núcleos empresariais
sofisticam suas iniciativas, incumbe às cooperativas uma nova postura,
exigindo-se um maior rigor científico em sua contextura.
O cooperativismo não merece um ramo especial do direito, sendo
disciplinado pelo direito comercial ao lado das demais sociedades com
as quais se distinguem, em especial sob o aspecto teleológico.
Desse modo, ao tratarmos das incidências tributárias sobre as atividades das cooperativas é indispensável que se entenda, com precisão, o
motivo pelo qual foram criadas, sua finalidade, a qualidade e a dimensão
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jurídica dos atos que praticam.
Ademais, deve-se entender o conteúdo dos atos e a subsunção às hipóteses de incidência, a resposta dada pelo ordenamento legal ao estímulo
a essas entidades de auxílio mútuo.
Enfim, o que se impõe é retratar a exata condição que as sociedades
cooperativas ostentam perante o sistema tributário brasileiro, atualmente.
A compreensão de todas essas circunstâncias autorizará uma interpretação adequada sobre a possibilidade de as atividades das cooperativas
se constituírem em fatos imponíveis de tributos.
II – Histórico
A experiência do cooperativismo está cristalizada na maioria dos
países.
A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou um Seminário
de Análise da Legislação Cooperativa, no ano de 1980. O primeiro painel
esteve a cargo da maior autoridade no assunto no Brasil, Dr. Walmor
Franke. Nessa ocasião, ficou consignado a respeito de uma resumida
história das cooperativas o seguinte:
“Conhecem-se formas cooperativas de trabalho desde a mais remota história, entre
os povos primitivos, também na Grécia, em Roma, praticamente em todos os lugares
e todas as épocas registra-se a conjunção de esforços.
A cooperativa moderna não tem muito a ver com as corporações de ofício nem com
as guildas, etc. As cooperativas modernas são reflexo da Revolução Industrial, e dela,
a partir dela, é que devem ser enfocadas.
A obra dos famosos 28 Pioneiros de Rochdale tinha quase objetivos extra-sociais.
Não havia qualquer legislação cooperativa específica na época: Rochdale surgiu sobre
um estatuto de ‘auxílio-mútuo’, de 1834, tendo sido necessário que um dos sócios se
responsabilizasse. Somente após é que veio um diploma jurídico legal.
Conclui-se daí que, tendo as primeiras cooperativas surgido antes da existência
de uma legislação específica que se adequasse ao novo tipo de associação, era natural
que se formasse ponderável corrente de juristas e doutrinadores que exigiam do poder
legislativo a edição de diplomas que regulassem, judicialmente, a vida e o funcionamento do novo tipo societário.
Surgiu, desse modo, na Inglaterra, o Industrial and Provident Societis Act, em 1852,
que representou a primeira orgânica regulamentação da cooperativa. Sucederam-se
depois outros fatos e normas jurídicas complementares.
Também na Alemanha, com a Revolução Industrial sobrevieram dificuldades para
os agricultores no campo: foi com Raiffeisen (vivendo no campo) e Schulze-Delitzsch
336
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
(entre os artesãos) que foram tomando forma as associações Erlaubte Private Gesellschaften ..., nas quais um sócio era designado como mandatário, possibilitando, desta
forma, a defesa das maiorias frente às conseqüências e reflexos da Revolução Industrial.
E no Brasil também os documentos originais do Pe. Amstad de 1902, assim como as
cooperativas por ele inspiradas e criadas, nos mostram que essas associações surgiram
sem a tutela de qualquer legislação do Estado.
Retornando à Alemanha, constatamos que em 1862 surgiu o Código de Comércio.
Em 27 de março de 1867 a Lei prussiana dessa data serviu de esquema para a edição
da Lei de 4 de julho de 1868, do Norddeutscher Bund, que fez promulgar um Estatuto
Cooperativo que estendia sua ação aos Länder (estados), sendo por fim substituída pela
Lei que ainda hoje está em vigor na Alemanha, onde há hoje muito mais um Código
que uma ‘Lei Cooperativa’ ...
Na França, a situação era exatamente a mesma: as cooperativas como sociedades
civis. Porém, a forma preferida era a das sociedades anônimas. Em 1867, foi promulgada a ‘Lei das Sociedades Anônimas’ na França, onde houve a inclusão de uma parte
específica sobre as cooperativas: era a Sociedade de Capital Variável. Destarte, com
a variabilidade de capital, não podia ter a cooperativa um capital fixo. Ficava aberta a
livre adesão e vigorava o princípio de um homem, um voto. Há na França leis diversas,
inclusive bem recentes, como a de 1951, que detalham com minúcia os diversos tipos
de cooperativas.
Na Suíça, registramos em 1892 o surgimento de cooperativas que, em certa medida,
eram falsas cooperativas: foi somente em 1936 que o cooperativismo suíço passou a ter
um grande desenvolvimento. Essa lei de 1936 falava em ‘uma organização de pessoas
e sociedades comerciais corporativamente idealizadas, com um fim social comum,
através da ação comum dos sócios’.
Na Áustria, a lei surgiu em 9 de abril de 1873.
Na Bélgica, foi em 18 de maio de 1873 também, a exemplo da Áustria, que foi
criada a sua lei, enquanto na Holanda o foi em 17 de novembro de 1876.
Quanto a península escandinava, na Suécia e na Noruega o cooperativismo, submeteu-se ao Direito Comercial. Na Dinamarca, configurou-se o surgimento, de qualquer
maneira, novamente sem a existência de qualquer legislação específica.
Na Espanha, surge em 1975 o Sistema Laboral trabalhista das cooperativas,
decorrendo muitos problemas principalmente no que diz respeito ao IR na área das
cooperativas médicas.
Na Itália, as organizações cooperativas eram, no início, ou sociedades anônimas
ou em comandita. Na própria constituição italiana, a cooperativa é caracterizada por
sua mutualidade, sem especulação e sem o lucro. Há, além disso, uma série de leis
fragmentárias, difusas.
Nos Estados Unidos, cada estado tem suas próprias leis cooperativas, com características também próprias. Nos EUA são especialmente fortes as cooperativas agrícolas.”
De grande utilidade, também, o desenvolvimento do histórico elaborado por Carlos Ervino Gulyas:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
337
“6.1 É sabido que a primeira sociedade cooperativa foi fundada na Inglaterra em
1844, sob a denominação de Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale (Rochdale
Society of Equitable Pioneers), cujos princípios básicos continuam a irradiar efeitos na
atualidade, para orientação dos rumos do verdadeiro espírito cooperativista. Somente
em 1852 é que a nação inglesa passou a admitir, no seu Direito Privado, o tipo societário das cooperativas, em face de mudança legislativa então aprovada, razão por que
aquela sociedade inicialmente teve de adotar a forma de sociedade de socorros mútuos
por ser o tipo legal mais aproximado de seus objetivos.
6.2 Anteriormente a essa época, alguns empresários ingleses e franceses causaram
admiração, ao concederem a seus empregados, sem serem sócios, uma participação
nos seus lucros empresariais; tal atitude dos empresários ensejou, segundo se constatou
então, um interesse direto dos empregados no resultado do empreendimento, trazendo
reais benefícios recíprocos.
6.3 Contemporâneo ao surgimento da nova modalidade societária, John Stuart Mil,
louvando-se em idéias teóricas de Robert Owen e Louis Blanc, registra sua franca esperança de que a forma de associação que iria predominar no futuro seria a dos trabalhadores
em condições de igualdade e possuindo coletivamente o capital; desta forma, seu trabalho
seria realizado sob a direção de pessoas que eles mesmos, os trabalhadores, nomeariam
ou destituiriam. Entendia Mill que o novo modelo societário seria mais satisfatório do
que aquele em que se confrontam o capitalista - que atua como chefe - e o operário – que
não tem voz nem vota na direção. Deduziu, daí, que o movimento cooperativista, então
iniciado, se traduziria em aumento considerável da produção e na canalização de maior
quantidade de riqueza em direção ao produtor como decorrência direta da eliminação
dos intermediários. Com otimismo, antevia o apaziguamento do conflito entre capital e
trabalho, e a conversão da luta de classes em concretização de um bem comum a todos
e na concomitante elevação da dignidade do trabalho.
6.4 No Brasil, a primeira manifestação legislativa iniciou-se em 1903, com o Dec.
979, de 6 de janeiro desse ano, que permitiu a organização, por sindicatos de profissionais da agricultura e da indústria rural, de caixas de crédito e de cooperativa de
produção ou consumo, mas sem oferecer a necessária regulamentação. Posteriormente,
o Dec. 1.637, de 05.01.07, inspirado na lei belga de 1873, tratou pormenorizadamente da constituição e do regime jurídico das cooperativas, mas foi somente em 1932,
com o Dec. 22.239, de 19 de dezembro do mesmo ano, que foi dada a organicidade
preconizada pelos princí­pios do cooperativismo, embora abrigasse, sob o mesmo teto,
tanto as de natureza civil como as de natureza comercial, assim distinguidas conforme
operassem, ou não, exclusivamente com seus sócios. Este último decreto, no período
que vai de 1934 a 1945, com as modificações oriundas do Dec.-lei 581, de 01.08.38,
foi revogado e repristinado por várias vezes, sendo, por fim, revogado pelo Dec.-lei
59, de 21.11.66. O Dec.-lei 59 afirmou a natureza civil da cooperativa (art. 3º, caput)
e a não caracterizabilidade, como renda tributável, dos resultados positivos obtidos
nas operações sociais das cooperativas, em hipótese alguma, qualquer que fosse sua
destinação (art. 18), mas sujeitando a tributos os resultados de operações com terceiros,
cujo montante ficou limitado a 5% do volume de comercialização de cada produto,
operações essas que seriam permitidas nos casos de complementação de quota de ex-
338
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
portação ou de capacidade ociosa de industrialização, mas vedado, em casos diversos,
o recebimento ou aquisição de produtos de não associados para venda a terceiros (art.
20).” (“Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas e as Sociedades Cooperativas”, Rev.
de Direito Tributário , ano VII, nos 25/26, pp. 253/254)
A Lei nº 5.764, de 16.11.71, é que acabou por aperfeiçoar a legislação
brasileira na disciplina das sociedades cooperativas, afirmando que são
socie­dades de pessoas, mas de natureza civil (art. 4º). Da leitura de seu
texto, conclui-se que se trata de pessoas jurídicas com características
peculiares, refletindo a finalidade de sua instituição.
III – Natureza Jurídica das Entidades
Como já se disse, a lei é expressa no sentido de que as cooperativas
são sociedades civis.
O importante é compreender o dimensionamento de suas atividades
para bem distingui-las das demais sociedades.
Ricardo Mariz de Oliveira preleciona:
“Esta é uma primeira verdade primordial sobre o tema deste estudo: cooperativa é
um tipo societário normatizado por lei especial e cercado de peculiaridades inexistentes
em nenhum outro tipo societário.”
Adiante:
“O cooperativismo nasceu da idéia de que a união faz a força, ou seja, é melhor
muitos produtores de algum bem, pequenos ou grandes, se reunirem para vender em
conjunto sua produção, do que cada um fazê-lo por si. Da união resulta a força perante
o mercado adquirente, a força perante outros concorrentes, a troca de conhecimentos
e experiências, a economia de custos e despesas, e outras vantagens da associação.
O mesmo quando muitos querem comprar para consumo, sendo melhor fazê-lo em
conjunto do que isoladamente.
Desta idéia básica nasceu a idéia do instrumento de ação, que é a associação dos
interessados através de uma entidade que se destine apenas a tratar dos interesses de
todos os que se associam, trabalhando para todos eles, sem que ela vise lucrar para si,
porque sua finalidade é conseguir facilidades e vantagens e dar lucro aos associados.
Nisto reside a distinção fundamental das cooperativas em relação às demais pessoas
jurídicas engajadas em atividades econômicas.” (“Cooperativas - o Certo e o Errado
a Respeito da Tributação de suas Aplicações Financeiras”, Rev. Dialética de Direito
Tributário nº 12, pp. 63 e 65)
Vê-se, pois, que as cooperativas emergem de uma necessidade de
sobrevivência dos pequenos diante de um mercado cada vez mais com339
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
petitivo em face da grandeza das sociedades comerciais, num mundo
em que a globalização estende os tentáculos do poder econômico das
multinacionais, formando conglomerados fortíssimos que neutralizam
a concorrência. Exemplo disso são as fusões de significativos empreendimentos nos países mais ricos do planeta.
Se os produtores não encontram um meio de valorizar seus produtos
e o trabalho desenvolvido ficarão submetidos ao domínio das empresas
poderosas, no que diz respeito à fixação dos preços, com desestímulo
à produção. E isso é testemunhado, na atualidade, pela condição dos
agropecuaristas brasileiros, que sobrevivem num clima de produção
quase insuportável.
Lê-se em Walmor Franke:
“ ‘O mais alto princípio ao qual se subordina, inalteravelmente, a ação cooperativa’,
adverte o Prof. Dr. HANZ-JÜRGEN SERAPHIM, ‘é o de que a cooperativa não existe
para explorar serviços no seu próprio interesse, mas para prestá-los desinteressadamente aos seus membros, os cooperados. Essa atitude básica pressupõe um ideário
sócio-econômico, a que se tem chamado, com muito acerto, de Solidarismo, entendido
como expressão de um comportamento comum em que o interesse da cooperativa se
identifique com o do cooperado. É exatamente esse ideário que distingue as cooperativas,
por forma inequívoca, de outras orientações econômicas, tais como o individualismo
lucrativista e o coletivismo comunista, e, bem assim, do altruísmo econômico’.” (Direito
das Sociedades Cooperativas, Ed. Universidade de São Paulo, 1973, p. 97)
Os associados não criam uma cooperativa para que se constitua num
capital lucrativo, distribuindo dividendos. É uma pessoa jurídica, com
vida própria, distinta dos associados, que se relaciona com terceiros,
basicamente com o propósito de resguardar os interesses de quem cria
a entidade. Ou vende a produção dos associados ou compra e transfere
as mercadorias para baratear o consumo (cooperativas de produção e de
consumo).
Obviamente, a sociedade não se caracteriza pela forma como é constituída, e sim pela realidade de suas atividades. Deixa de ser cooperativa
a sociedade que não mantém o perfil antes referido.
IV – Situação Tributária das Cooperativas
a) Evolução legislativa
As constituições federais brasileiras nunca trataram expressamente
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
das sociedades cooperativas, com exceção da última, de 1988.
Todavia, a legislação pátria testemunha em sua história um expressivo
favorecimento às cooperativas.
O Decreto-Lei nº 22.239, de 19.12.32, com a redação do Decreto-Lei
nº 8.401, de 19.12.45, em seu art. 38, dispunha que as cooperativas são
sociedades civis, e, como tais, não sujeitas à falência, nem à incidência
de impostos que recaiam sobre atividades mercantis. Era quase uma
imunidade de tributos, norma que, entretanto, não sobreviveu à vigência
da Constituição Federal de 1946, segundo a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.
A verdade, porém, é que inúmeros outros diplomas normativos beneficiaram as cooperativas, do ponto de vista tributário. Exemplo disso,
foi o imposto do selo, conforme regra de isenção disposta no Decreto-Lei nº 4.655, de 03.09.42, deixando claro Fábio Luz Filho que diversos
outros países da América do Sul tinham disciplina tributária favorável
às entidades em apreço. (Teoria e Prática das Sociedades Cooperativas,
Ed. Irmãos Pongetti, RJ, 1953, pp. 356/358)
Em 10.05.62, a 1ª Turma do Pretório Excelso decidiu no RE-49758:
“As sociedades cooperativas estabelecidas no Paraná, estão isentas de impostos,
por força do art. 94 da própria constituição do referido estado. RE não-conhecido.”
Seria cansativo e desnecessário arrolar todos os preceitos que criaram
regras isentivas de tributos para privilegiar as entidades cooperativas. A
referência apenas se faz necessária para demonstrar a evolução da visão
do sistema normativo no que diz respeito à tutela do cooperativismo.
Exatamente por isso é que inúmeras manifestações postularam disciplina expressa e benéfica às cooperativas na Constituição Federal de
1988, quando de sua elaboração.
Comissão de Estudos Constitucionais, liderada por Afonso Arinos de
Mello Franco, foi encarregada de elaborar um anteprojeto de constituição.
Ao tratar da Ordem Econômica, dita comissão adotou no art. 4º, § 4º, o
seguinte texto:
“O cooperativismo e o associativismo serão estimulados e incentivados pelo Estado.”
A simplicidade do dispositivo não contentava, entretanto, os cooperativistas, tendo a Organização das Cooperativas Brasileiras, Brasília/DF, e
a Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul, Porto
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Alegre/RS, apresentado aos constituintes a PE 025, em 06.08.87, com
46.503 assinaturas. Na proposta se recomendava a adoção de três artigos,
sendo um deles atinente à matéria tributária, com a seguinte redação:
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir
tributos sobre o ato cooperativo assim considerado aquele praticado entre o associado
e a cooperativa ou entre cooperativas associadas, na realização de serviços, operações
ou atividades que constituem o objeto social.”
Como se vê, pretendia-se verdadeira imunidade tributária ao ato cooperativo, e relativamente a todo e qualquer tributo, não só em relação a
impostos.
No entanto, a pretensão encontrou fortes resistências.
Do projeto de constituição do relator, Dep. Bernardo Cabral, constou
no art. 310, § 2º:
“A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo,
com incentivos financeiros, fiscais e creditícios.”
Essa disposição era idêntica na proposta da Comissão de Sistematização, no art. 304, § 2º.
Já no segundo substitutivo do relator o art. 195, § 1º, dizia:
“A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.”
A influência do cooperativismo, ao final, se impôs e acabou sendo
adotada disposição expressa no projeto votado em segundo turno pelos
constituintes, no capítulo do sistema tributário nacional, dispondo-se no
art. 152, inciso III, alínea c, caber à lei complementar estabelecer normas,
em especial sobre o:
“adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”
Essa foi a regra que acabou por ser aprovada e que está no art. 146,
inciso III, alínea c, da Constituição Federal de 1988.
Tal como no projeto votado em segundo turno, o que constava do art.
180, § 2º, passou a figurar no art. 174, § 2º, do texto definitivo:
“A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.”
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De tudo isso somente se pode concluir que os constituintes não atenderam às extensas pretensões das cooperativas no que se refere ao benefício
tributário sobre o ato cooperativo. Daí, o que é lógico concluir é que nem
imunidade, nem isenção de qualquer tributo pode ser invocada com base
no texto constitucional. Tal direito não existe, certamente.
Renato Lopes Becho faz referência a dispositivos constitucionais de
diversos países relativamente ao cooperativismo, mas em matéria tributária apenas a Constituição de Portugal trata no art. 86º, 2:
“A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como
condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico.” (Tributação das
Cooperativas, Ed. Dialética, SP, 1998, p. 84)
Não constitui tradição, portanto, tornar imune à tributação os atos
cooperativos, ou mesmo disciplinar, como regra, uma norma de isenção.
b) O adequado tratamento tributário
O que entender, então, pelo termo adequado introduzido pela Constituição Federal brasileira de 1988?
Parece óbvio que não se poderá interpretar o termo, que não pode
ser inútil, porque nada na lei consta por acaso, como simples antônimo
de inadequado. Porque seria impossível pensar-se que, em relação a
outras entidades, que não as cooperativas, poderia haver um tratamento
tributário inadequado.
Veja-se o que diz Douglas Yamashita:
“Vejamos a etimologia de ‘adequado’. ‘Adequado’ provém do verbo adequar que, por
sua vez, provém do latim adaequaro. Adaequaro significa ‘1. tornar igual, igualar, pôr
ao mesmo nível de; 2. Alcançar, atingir; 3. Ser igual a, igualar uma coisa a outra’. Deste
modo, o objeto que quer ‘tornar-se igual’ sempre se baseia num outro objeto-modelo;
aquele que quer alcançar ou atingir algo sempre se baseia num outro objeto-modelo; e o
que é igual, é igual segundo outro objeto-modelo. Observamos então no significado do
termo ‘adequado’ uma relação de comparação aproximativa. Prossigamos.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, por sua vez, esclarece-nos que adequado significa apropriado, próprio, ajustado, adaptado, ‘aquilo que tem exata correspondência ou
conformidade com o seu objeto’. Novamente nos deparamos com essa relação de comparação aproximativa, em que um objeto busca proximidade a um outro objeto-modelo.
E, se existe tal relação de comparação aproximativa, há necessariamente um objeto-modelo a ser seguido. Portanto, a questão é: adequado a que?
‘Adequado’ ao tratamento tributário não seria, pois tal interpretação torna inútil a
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norma constitucional.
Ao CTN não seria, pois tal diploma legal nada dispõe sobre cooperativas. Além
disso, seria totalmente inútil que a Carta Magna de 1988 determinasse obediência do
tratamento tributário ao CTN, pois tal obediência é evidente.
Seria adequado à Constituição? Também aqui seria despiciendo que a Carta Magna
de 1988 determinasse obediência a si mesma, pois tal obediência é axioma inerente à
Norma Fundamental.
Então não seria ‘adequado’ aos valores prestigiados (positivados) pela Constituição?
É o que veremos somente na interpretação teleológica. Prossigamos.
Ora, se ‘adequado’ não se refere nem ao tratamento tributário, nem ao CTN e nem
à Constituição, então ‘adequado’ só pode se referir ao ‘ato cooperativo’.
O conceito de ato cooperativo, por seu turno, é esclarecido pelo art. 79 da Lei nº
5.764 segundo o qual o ato cooperativo é aquele praticado entre as cooperativas e seus
associados ou entre cooperativas.
Portanto, o tratamento tributário deve adequar-se ao ato praticado entre cooperativas
e seus associados ou entre cooperativas.” (“Tributação do Ato Cooperativo”, Repertório
de Jurisprudência, nº 7/96)
A norma do art. 146, III, alínea c, da Constituição Federal de 1988 é
de eficácia reduzida, que se traduz naquela cujos efeitos são dependentes
de lei regulamentadora.
Há muito está no Poder Legislativo o projeto de lei nº 109, de 1989,
que visa a estabelecer normas para o adequado tratamento tributário
do ato cooperativo.
Referido projeto, que está parado desde 21.06.89, tem praticamente
apenas um artigo, que dispõe:
“Art. 1º O ato cooperativo, como tal definido na legislação própria, não sofre a
incidência de impostos.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, consideram-se, entre outros,
atos cooperativos:
I – o empréstimo, financiamento ou repasse de recursos financeiros aos seus sócios;
II – a saída de bens, produtos, ou mercadorias do estabelecimento de produtor para
o estabelecimento de cooperativa de que faça parte, situado no mesmo Estado;
III – a saída de bens, produtos ou mercadorias de um estabelecimento para outro da
mesma cooperativa ou para o estabelecimento de outra, sua associada, no mesmo Estado;
IV – o fornecimento de bens, produtos ou mercadorias, inclusive combustíveis, da
cooperativa a seus sócios;
V – a entrega de habitações da cooperativa a seus sócios;
VI – a prestação, direta ou indireta, de serviços de qualquer natureza, da cooperativa
a seus sócios, ou de cooperativas entre si, quando associadas;
VII – a devolução, aos seus sócios, das sobras resultantes de atos cooperativos.”
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Como se vê, limita a não-incidência aos impostos e não estabelece
uma relação exaustiva dos atos cooperativos.
Como Douglas Yamashita, é forçoso concluir que o termo adequado
do texto constitucional se refere à correta adequação dos fatos decorrentes
das atividades cooperativas aos preceitos que criam os tributos. Veremos,
em seguida, que isso não é possível em todas as hipóteses de incidência
em que o núcleo é o lucro, porque é ontológico ao ato cooperativo não
ter a conotação de lucro. Nesses casos, trata-se de verdadeira hipótese
de não-incidência, e não de isenção. A não-incidência tributária é em
tudo semelhante à atipicidade penal. Inexiste adequação da conduta ao
preceito, falta um ou mais elementos do tipo. A isenção é renúncia do
poder de impor tributos, em razão do que somente quem tem o poder de
tributar é que poderá isentar.
Não se pode identificar nenhuma utilidade no texto do art. 146, III,
alínea c, da Constituição Federal de 1988, se a conclusão de adequado
tratamento se limitar a reconhecer as hipóteses de não-incidência de tributos, porque para isso não precisaria qualquer norma constitucional ou
de lei complementar. Então, impõe-se concluir que o constituinte pretendeu favorecer, de algum modo, as cooperativas em matéria de tributos, e
não só em relação a impostos como consta do projeto ora em discussão.
O art. 194 da Constituição Federal de 1988 trata da Seguridade Social
e no inciso V do § único estabelece como um dos objetivos a eqüidade
na forma de participação no custeio. Sem dúvida, aí incluir o ato cooperativo seria solução que muito bem se adaptaria ao adequado tratamento
ao ato cooperativo em relação a tributos.
Em outros casos, seria de se cogitar de uma tributação menos onerosa
às cooperativas.
Mas isso tudo, ressalte-se em norma que deverá se consubstanciar em
lei complementar. Nada deflui do texto constitucional atual.
Atente-se para o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal,
relatado pelo Min. Moreira Alves:
“ICMS. Cooperativas de consumo.
- Falta de prequestionamento da questão concernente ao artigo 5º, caput, da Constituição Federal (Súmulas 282 e 356).
- A alegada ofensa ao artigo 150, I, da Carta Magna é indireta ou reflexa, não dando
margem, assim, ao cabimento do recurso extraordinário.
- Inexiste, no caso, ofensa ao artigo 146, III, c, da Constituição, porquanto esse dispoR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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sitivo constitucional não concedeu às cooperativas imunidade tributária, razão por que,
enquanto não for promulgada a lei complementar a que ele alude, não se pode pretender
que, com base na legislação local mencionada no aresto recorrido, não possa o Estado-membro, que tem competência concorrente em se tratando de direito tributário (artigo
24, I e § 3º, da Carta Magna), dar às Cooperativas o tratamento que julgar adequado,
até porque tratamento adequado não significa necessariamente tratamento privilegiado.
Recurso extraordinário não conhecido.” (RE-141800/SP, T1, DJ 03.10.97, p. 49239)
V- Atos cooperativos e as incidências de tributos
A Lei nº 5.764/71, que trata das sociedades cooperativas, estabelece
em seu art. 3º que tais sociedades de pessoas agem sem objetivo de lucro.
Assim, na prática de atos cooperativos não se pode entender como a
cooperativa possa auferir riqueza, simplesmente a repassa aos associados.
Estes é que têm o lucro e pagam imposto sobre a renda.
Mas existem outros atos, que podem ser praticados pelos entes cooperativos, e que estão previstos nos artigos 85, 86 e 88 da referida lei,
hipóteses em que se dá o relacionamento das cooperativas com terceiros,
em que a tributação do lucro é expressamente autorizada, consoante a
letra do art. 111 da lei em referência:
“Serão considerados como renda tributável os resultados positivos obtidos pelas
cooperativas nas operações de que tratam os arts. 85, 86 e 88 desta Lei.”
Ora, essa disposição autoriza a conclusão de que, em matéria de
imposto sobre a renda, não pode o ato cooperativo propriamente dito
caracterizar a hipótese de incidência. Não se ajusta à descrição do preceito. Conduta atípica, como se fala em direito penal. Fato estranho à
regra instituidora do imposto.
Se isso ocorre por tal modo, crucial é que se defina o ato cooperativo
que, seguramente, tem um conceito indeterminado.
A Lei nº 5.764/71 esclarece em seu art. 79:
“Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a
consecução dos objetivos sociais.
Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato
de compra e venda de produto ou mercadoria.”
As cooperativas intermediam os produtos, vendendo-os a terceiros
ou comprando de terceiros e entregando aos associados, sem o que não
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tem razão de existir a cooperativa. Essa é sua finalidade institucional.
Logo, é preciso saber se constitui ato cooperativo apenas o ato interno
ou também o externo, isto é, aquele praticado com terceiro para cumprir
o propósito da instituição. Essa é a grande questão a resolver, porque aí
reside toda a divergência das sociedades cooperativas com o fisco.
O tema foi bem explicitado em voto do eminente Juiz Silvio Dobrowolski perante a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
na apelação em mandado de segurança relatada pelo Juiz Gilson Dipp, de nº
89.04.04242-9/RS. A precisa distinção dos atos praticados pelas cooperativas e sua qualificação devida merece referência. Disse o magistrado:
“É preciso, anotar as diversas espécies de negócios, ou atos negociais que podem
ser praticados pelas cooperativas.
Surge, em primeiro lugar, o chamado ato cooperativo, também chamado negócio-fim ou negócio cooperativo, ou ainda, os negócios internos, isto é, as relações entre
a cooperativa e os cooperados. É aqui que há o recebimento das mercadorias, dos
produtos dos cooperados, como exemplo que se adapta à espécie sob exame, de cooperativa de produtores rurais e, posteriormente, há devolução a estes do resultado da
venda daqueles produtos rurais. Esse negócio-fim, evidentemente, é o ato cooperativo
básico, fundamental. Esse, é claro, normalmente ocorrendo, não poderá se sujeitar à
tributação do Imposto de Renda porque não há lucro para a pessoa jurídica.
As cooperativas, para chegar a esse negócio-fim, precisam praticar alguns atos com
terceiros, que são os pressupostos necessários para a realização dos atos cooperativos.
Se a cooperativa recebeu a produção de um cooperado, precisa vender essa produção
a terceiros. Esse tipo de negócio constitui os chamados negócios externos ou negócios
de meio - são os atos-meios para que se realize o ato cooperativo - ou ainda negócios
de contrapartida: são as vendas dos produtos recebidos, para terceiros. Aí também, é
claro, se está dentro da finalidade da cooperativa, pois esses atos são atos derivados
do ato cooperativo, são decorrentes da função específica das cooperativas, e por isso,
normalmente, estão de fora da incidência do Imposto de Renda.
Em terceiro lugar, existem ainda outros negócios ou atos que são acessórios ou
auxiliares para a boa administração da cooperativa: contratar empregados, alugar salas, vender imóveis, vender máquinas velhas, vender resíduos de beneficiamento, ou
produtos estragados, e outras alienações eventuais. Aí, a cooperativa estará agindo,
não como uma sociedade comercial, mas como qualquer pessoa em atividade não comercial, como um associado civil que é, procurando, não o lucro, mas simplesmente
a mais-valia na forma de ganho. Estes negócios também estão, de fora da incidência
do Imposto de Renda.
A quarta modalidade de negócios que pode ser praticada pelas cooperativas são os
atos chamados vinculados à finalidade básica. Serão os negócios com não associados,
são autorizados pela Lei das Cooperativas nos artigos 85, 86 e 88. São os negócios
com os não associados ou os investimentos em sociedades não cooperativas. Esta é
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uma abertura que a lei deu, para que as cooperativas tenham condições de melhor
funcionamento, porque poderão aproveitar uma capacidade ociosa na sua maquinaria,
ou terão possibilidades de aplicar o dinheiro em investimentos, em vez de deixar o
dinheiro parado. A lei autorizou que as cooperativas efetuassem nesse tipo de transações. São atividades não ligadas ao objetivo principal; mas, de algum modo com ele
relacionadas, pois visam dar uma melhor capacidade, um aproveitamento maior às
virtualidades, às potencialidades da cooperativa. Esses tipos de negócio, segundo a
lei, estarão, evidentemente, sujeitos ao Imposto de Renda.
Por fim, existe uma quinta espécie de negócios que podem ser praticados pelas
cooperativas. Podem no sentido fático, não no sentido jurídico, porque são negócios
vedados pela lei. A Lei das Cooperativas (5.764/71) dispõe no artigo 93 que serão,
inclusive, objeto de intervenção do Poder Público, aquelas cooperativas que agirem
em violação contumaz da lei, como expressa o artigo 93. O artigo 24, § 3º, proíbe às
cooperativas de distribuir vantagens a associados ou a outras pessoas: ‘É vedado às
cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às quotas-partes do capital
ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros, excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por
cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada.’ Esse tipo de transação não é
permitido. Faticamente, com infração à lei, cooperativa poderá começar a atuar como
uma sociedade comercial e por isso estará sujeita à falência ou poderá ser objeto de
dissolução requerida pelo INCRA ou por outra entidade da administração, encarregada
da fiscalização.
Parece claro que, praticando negócios ilegais, a cooperativa deixa de atuar como
sociedade cooperativa, ou seja como aquela associação que visa apenas a melhorar
as condições econômicas dos associados. Passando a atuar efetivamente como uma
sociedade comercial, entra na previsão do artigo 129, do Regulamento do Imposto de
Renda, como consta dos §§ 1º e 2º, verbis: ‘§ 1º - É vedado às cooperativas distribuir
qualquer espécie de benefício às quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros,
excetuados os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano atribuídos ao capital
integralizado (Lei nº 5.764/71, art. 24, § 3º, e Decreto-Lei nº 1.598/77, art. 39, I, b). §
2º - A inobservância do disposto no parágrafo anterior importará tributação dos resultados, na forma prevista neste Regulamento.’”
A real dimensão do ato cooperativo, como já mencionado, é essencial
para uma regulamentação devida ao disposto na alínea c do inciso III do
art. 146 do texto constitucional.
Se a venda a terceiros de produtos fornecidos pelos associados não
receber benefício tributário, então constitui letra morta a garantia que se
procurou dar ao cooperativismo, com um adequado tratamento relativamente aos tributos. Incontestável que a venda a terceiros de produtos
fornecidos pelos associados é ato cooperativo externo. Sem essa venda
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não há razão para existir cooperativa de produção. Da mesma forma, a
compra de terceiros para repassar ao consumo dos associados.
Ensina José Souto Maior Borges:
“Quando a cooperativa adquire de terceiro qualquer produto e os entrega a seus
associados, essa operação não é operação de mercado. É feita por delegação contratual
característica do regime cooperativista, exclusivamente para consumo. Simples entrega
desses produtos, não caracteriza assim transferência de propriedade de mercadoria,
mas simplesmente de produtos ou gêneros.” (“Não-incidência do ICM sobre atos
cooperativos típicos”, Revista de Direito Tributário, nº 4, p. 66)
Inegável que o conceito de ato cooperativo não é só legal mas também doutrinário. Deriva do sentido especial que a sociedade cooperativa
ostenta. Sendo assim, o rol de hipóteses contemplado na lei não pode
ser exaustivo. Exatamente por isso, no projeto de lei complementar que
está em andamento no legislativo brasileiro, como já se transcreveu, se
lê no parágrafo único:
“Para fins do disposto neste artigo, consideram-se, entre outros, atos cooperativos:
I – o empréstimo, financiamento ou repasse de recursos financeiros aos seus sócios;
II – a saída de bens, produtos, ou mercadorias do estabelecimento de produtor para
o estabelecimento de cooperativa de que faça parte, situado no mesmo Estado;
III – a saída de bens, produtos ou mercadorias de um estabelecimento para outro da
mesma cooperativa ou para o estabelecimento de outra, sua associada, no mesmo Estado;
IV – o fornecimento de bens, produtos ou mercadorias, inclusive combustíveis, da
cooperativa a seus sócios;
V – a entrega de habitações da cooperativa a seus sócios;
VI – a prestação, direta ou indireta, de serviços de qualquer natureza, da cooperativa
a seus sócios, ou de cooperativas entre si, quando associadas;
VII – a devolução, aos seus sócios, das sobras resultantes de atos cooperativos.”
Corretamente, não pretende a proposição esgotar a conceituação, até
mesmo atendendo à dinamicidade das relações econômicas, que podem
ensejar novas feições do ato cooperativo.
No Brasil, a distinção no trato de atos cooperativos internos e externos é que enseja discussões com as autoridades fiscais, como já referido, porque se pretende que as isenções criadas não alcancem os atos
cooperativos externos. Onde a norma fala em ato cooperativo o fisco lê
tão-somente atos internos cooperativos.
O que constitui conclusão invencível é que os atos cooperativos não
tipificam certas hipóteses de tributos, como aqueles que incidem sobre o
lucro; todavia, não estão protegidos por norma constitucional que impeça
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sua tributação, sob o benefício de imunidade ou de isenção.
Por tal maneira, enquanto não sobrevier a lei complementar incumbida
de dar o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, o sistema
normativo pátrio autoriza que se crie isenção, favorecendo o ato cooperativo, e que se revogue tal isenção por critério de conveniência do
poder tributante.
Repise-se que a lei encontra barreira constitucional se pretender
impor à cooperativa tributo que incida sobre fato que ela não é capaz de
produzir, como é o caso de imposto sobre a renda incidente sobre ato
cooperativo. Veja-se o que refere André L. Borges Netto:
“Isso significa dizer que os atos, quaisquer que sejam, envolvendo a cooperativa
e seus associados, não existem para o mercado, não configuram contratos de compra
e venda de mercadoria ou produto ou contrato típico de prestação de serviços, vale
dizer, não transferem a propriedade ou serviços a terceiros. São atos internos, que não
podem ser considerados para fins de tributação porque não transcendem os limites da
cooperativa.” (“O direito à não incidência tributária em relação aos fatos emergentes
da atuação das cooperativas médicas”, IOB- Repertório de Jurisprudência, nº 15/2001)
VI – Cooperativas e as Contribuições Sociais – COFINS
Anteriormente ao sistema institucional de 1988, havia no Brasil uma
intervenção estatal exclusivamente em relação à previdência social.
Tratava-se de criar uma forma organizada de prevenir o infortúnio dos
trabalhadores, garantindo aposentadorias, pensões e outros benefícios
previdenciários. Inclusive prestava-se assistência à saúde, porém somente
àqueles filiados ao sistema, ou seja, os segurados ou seus dependentes
assim considerados pela lei. As autarquias encarregadas da administração da previdência, em determinada época, eram três: INPS, INAMPS
e IAPAS. A primeira tratava dos benefícios, sua concessão e pagamento.
A segunda tinha por finalidade prestar a assistência à saúde e a terceira
encarregava-se da arrecadação das contribuições previdenciárias, que incidiam sobre a folha de salários e pagamento de autônomos, basicamente.
Com a Carta de 1988 tudo foi modificado. Pretendia-se que o estado
não deixasse ao desamparo considerável parcela da população. Portanto,
todos passaram a ter direito à saúde (art. 196) e também à assistência
social estatal (art. 203). No entanto, manteve-se o mesmo sistema previdenciário, assegurando-se benefícios a quem contribui para a previdência
social (art. 201).
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Ora, se isso passou a ocorrer, evidentemente emergiu a necessidade de
se buscar outras fontes de custeio para a Seguridade Social que sucedeu a
Previdência Social, esta de âmbito limitado, aquela universal. Manteve-se, então, a cobrança de contribuições previdenciárias para sustentar o
sistema de benefícios, especialmente incidentes sobre a folha de salários.
Mas acresceu-se a exigência de contribuições sobre o faturamento e o
lucro (art. 195), sem prejuízo de outras receitas que haveriam, entretanto,
de vir criadas e disciplinadas por lei complementar (art. 195, § 4º). Frise-se
que esse dispositivo somente se relaciona com novas contribuições instituídas. Aquelas expressamente previstas no art. 195 demandavam apenas
lei ordinária, que difere da complementar pelo quorum privilegiado para
aprovação, já que estas exigem maioria absoluta dos congressistas na
sessão de deliberação (art. 69).
Vê-se, pois, que um sistema de seguridade, por sua grandeza, deveria
obrigar a população do país a participar efetivamente, em razão do que o
art. 195 da Constituição referiu que a seguridade social será financiada
por toda a sociedade... E, por uma questão de segurança, determinou que
novos benefícios ou serviços dependessem de novas fontes de custeio (art.
195, § 5º). A medida era salutar porque alguns governos costumavam,
antes de eleições, criar benefícios sem fonte de custeio, captando votos
e inviabilizando a previdência social.
Todavia, o constituinte deixou expressos os casos admitidos de isenção
às contribuições que passavam a ter o mesmo tratamento dos tributos em
geral. O § 7º do art. 195 isentou das mesmas as entidades beneficentes
de assistência social. A solução era lógica porque esses entes acabam,
praticamente, por substituir a ação estatal nessa área.
Portanto, o financiamento da seguridade é uma imposição que se
dirige a todos, apenas isentando-se as entidades beneficentes de assistência social, assim caracterizadas por requisitos legais, que deverão ser
verificados pela fiscalização.
Um dos princípios do novo sistema foi o da eqüidade na forma de
participação no custeio (art. 194, § único, inc. V).
Então, estamos diante de dois programas estabelecidos pela Constituição Federal de 1988: um adequado tratamento tributário às cooperativas
e a exigência da universal participação no financiamento da Seguridade
Social.
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O adequado tratamento depende do advento de lei complementar
o que ainda não aconteceu. Logo, não há qualquer direito à imunidade
ou à isenção das contribuições devidas à seguridade pelas cooperativas.
Assim, uma lei instituidora de isenção pode ser revogada por outra com
suporte exclusivamente num juízo discricionário da administração tributária. Quanto a isso parece não haver dúvida.
Poder-se-ia cogitar de favorecer as entidades cooperativas na lei
complementar em discussão no Congresso, com base no princípio da
eqüidade na participação do custeio da seguridade. Tal providência,
evidentemente, depende do poder de influência das cooperativas, que
existiu nos trabalhos da constituinte, mas não da forma e na extensão
pretendidas, consoante se comentou antes.
Dessa maneira, se não há direito à isenção o único modo de fuga à
incidência dos tributos pelas cooperativas é a análise dos fatos geradores,
verificando-se se há, efetivamente, a subsunção. Faz-se o exame da hipótese de incidência e a constatação sobre a dimensão da situação fática a
fim de constatar se o fato é imponível, ou seja, se foi gerada a obrigação
tributária. E já tivemos oportunidade de demonstrar que tal inocorre com
relação aos tributos que estabelecem a renda ou o lucro como núcleo,
porque as cooperativas, no que diz respeito aos atos cooperativos, não
visam ao lucro. A hipótese é, forçosamente, de não-incidência, atipicidade da conduta.
Alguns casos são inequívocos no que respeita à incidência: IPTU
sobre propriedade imóvel da sociedade cooperativa, IPVA sobre automóveis mantidos, imposto de transmissão sobre bens adquiridos.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça no recurso especial nº
328775, relatado pelo Ministro José Delgado, decidiu que as cooperativas devem recolher a CPMF.
Têm-se travado grandes discussões sobre a tributabilidade do ICMS
sobre as mercadorias adquiridas nas cooperativas de consumo para repasse aos associados (ato cooperativo externo), imposto sobre a renda,
sobre aplicações financeiras etc. O que nos interessa, no entanto, diz com
a incidência da COFINS instituída pela Lei Complementar nº 70/91.
No livro Cooperativas e Tributação (Juruá editora, 2001) existe um
artigo de Flávio Zanetti de Oliveira, cujo título é “A Cofins e o PIS das
Cooperativas”. A certa altura, afirma o autor:
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“A importante conseqüência dessas noções introdutórias está exatamente no aspecto
da verificação da existência jurídica dos elementos ‘faturamento’, ‘receita bruta’ e/ou
‘receita’ pertencentes à pessoa jurídica.
É que, sendo as cooperativas entes especiais, que existem para prestar serviços aos
sócios, ‘mera projeção do cooperado’, na clássica lição de Waldírio BULGARELLI (in
Regime Jurídico das Cooperativas. São Paulo: Saraiva, p. 18), que são os verdadeiros
e únicos titulares do resultado do empreendimento, através da entrega de produtos ou
serviços, ou mesmo pela entrega de resultados financeiros dos atos praticados pela
cooperativa em nome dos cooperados, quaisquer dos atos praticados pela cooperativa,
em verdade, não representam uma receita ou um faturamento dela e sim, dos próprios
cooperados.” (ob. cit. p. 309)
Adiante, prossegue o articulista:
“A verdade é que as cooperativas não auferem receitas próprias como pessoa jurídica
e, sim, tão-somente, ingressos financeiros, que são dos associados e para os quais serve
de instrumento, na condição de ‘sociedade auxiliar’.” (ob. cit. p. 312)
Parece insustentável a pretensão de que, em matéria de COFINS existe
a não-incidência, porque faturamento ou receita não seriam caracteres
dos atos cooperativos. Significaria que as cooperativas não possuem
faturamento ou receita bruta.
Se examinarmos a Lei nº 5.764/71 verificaremos que as cooperativas são sociedades de pessoas (art. 4º), ou seja, pessoas jurídicas com
personalidade distinta dos associados e, por isso mesmo, estão obrigadas a manter escrituração regular, possuindo livros fiscais e contábeis,
obrigatórios (art. 22, inc. VI). Nesses livros serão registradas todas as
operações, não só em relação aos atos cooperativos internos como aos
externos. Se o repasse de valores se dá aos associados isso não significa
que esteja descaracterizada, contabilmente, a receita bruta. E o que interessa para o direito tributário é verificar se ocorreu o fato imponível,
criando a obrigação tributária. Se existe receita bruta há a subsunção do
fato, sendo estranho à relação tributária o fim que é dado aos valores
recebidos pela cooperativa.
Não há dúvida que a receita obtida, por exemplo com a produção
trazida pelos associados, a estes será repassada, não pertence à cooperativa. Todavia, existe tal receita na sociedade e isso é o quanto basta
para incidir a regra de tributação da COFINS.
Descartada, em conclusão, a hipótese de não-incidência da COFINS
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sobre os atos cooperativos, resta o exame da regra de isenção.
Atente-se para que já o Decreto nº 92.698, de 21.05.86, que regulamentou a Lei nº 1.940/82, isentava do FINSOCIAL os atos cooperativos.
O art. 6º da Lei Complementar nº 70/91 dispôs que eram isentas da
contribuição:
“I – as sociedades cooperativas que observarem ao disposto na legislação específica,
quanto aos atos cooperativos próprios de suas finalidades.”
Esse privilégio fiscal sobreviveu por tempo considerável. Todavia,
o poder público resolveu modificar a situação, diminuir a extensão do
favor tributário. Em verdade, nas expressões atos cooperativos próprios
de suas finalidades incluíam-se os atos internos e externos. Excluir estes
do favor tributário é que foi a intenção da medida provisória editada. Por
tal modo, o art. 35 da Medida Provisória nº 1858-09/99 revogou o art. 6º
da Lei Complementar nº 70/91. E poderia fazê-lo, porque a referida LC
70/91 não tem natureza de lei complementar. Conforme já se mencionou
neste trabalho, apenas as novas contribuições para a seguridade é que
demandam lei complementar para sua instituição. Não é o que acontece
com a contribuição sobre o faturamento, cuja previsão vem expressa no
art. 195 da Constituição Federal de 1988.
Ficou bem claro, por tudo que se viu até aqui, que poderia o poder
tributário simplesmente revogar a norma isentiva. E, nesse caso, a receita bruta das cooperativas, sob qualquer aspecto, faria incidir a regra
criadora da contribuição. Não há imunidade tributária, não há direito
constitucional à isenção, porque a cooperativa não é entidade beneficente
de assistência social, e não se pode cogitar de hipótese de não-incidência.
Apesar disso, aconteceu que a medida provisória apenas reduziu o
benefício fiscal, dispondo no seu art. 15:
“Art.15 - As sociedades cooperativas poderão, observado o disposto nos arts. 2º e
3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, excluir da base de cálculo da COFINS
e do PIS/PASEP:
I - os valores repassados aos associados, decorrentes da comercialização de produto
por eles entregue à cooperativa;
II - as receitas de venda de bens e mercadorias a associados;
III - as receitas decorrentes da prestação, aos associados, de serviços especializados,
aplicáveis na atividade rural, relativos a assistência técnica, extensão rural, formação
profissional e assemelhadas;
IV - as receitas decorrentes do beneficiamento, armazenamento e industrialização
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de produção do associado;
V - as receitas financeiras decorrentes de repasse de empréstimos rurais contraídos
junto a instituições financeiras, até o limite dos encargos a estas devidos.
§ 1º - Para os fins do disposto no inciso II, a exclusão alcançará somente as receitas
decorrentes da venda de bens e mercadorias vinculados diretamente à atividade econômica desenvolvida pelo associado e que seja objeto da cooperativa.
§ 2º - Relativamente às operações referidas nos incisos I a V do caput:
I - a contribuição para o PIS/PASEP será determinada, também, de conformidade
com o disposto no art. 13;
II - serão contabilizadas destacadamente, pela cooperativa, e comprovadas mediante documentação hábil e idônea, com a identificação do associado, do valor da
operação, da espécie do bem ou mercadorias e quantidades vendidas.”
Enfatize-se o seguinte: a medida provisória ainda manteve um tratamento diferenciado às cooperativas. Elas não recolhem a COFINS
na mesma dimensão das demais pessoas jurídicas de direito privado.
Permanece o privilégio, ainda que reduzido. Os atos cooperativos internos estão a salvo da incidência da COFINS. Dessa maneira, incabível
pensar-se que a maior tributação ofenderia a igualdade, que constitui
princípio constitucional quanto à tributação, sob o argumento de que
as cooperativas merecem incentivo. Se desigualdade sobrevive com a
medida provisória é para privilegiar as cooperativas, certamente que não
no tamanho pretendido pelas mesmas.
Cuide-se bem da interpretação da Medida Provisória 1858-09/99, cujo
artigo 15 foi antes transcrito. Nas cooperativas de produção toda a receita
da venda dos produtos dos associados a terceiros será tributável. Todavia,
segundo o inciso I, excluem-se da base de cálculo da contribuição todos
os valores repassados aos associados. Isso praticamente torna isenta a
operação com os terceiros. Nas cooperativas de consumo, efetuada a
aquisição de terceiros, a receita da venda dos produtos é tributável, porém
excluem-se da base de cálculo, segundo o inciso II, as quantias decorrentes de receitas de vendas de bens e mercadorias a associados. Em termos
práticos, permanece a isenção. E, na primeira hipótese, abrange um ato
cooperativo externo, que se constitui na receita da venda a terceiros da
produção do associado a este repassada.
Não se há de negar, porém, que o novo sistema onerou as sociedades
cooperativas, aumentou o âmbito de incidência do preceito, porque é
inegável que alguns atos externos também se podem caracterizar como
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atos cooperativos, porque seu conceito é indeterminado, como já se
referiu. Revogou-se a isenção e especificou-se o que seria possível excluir da base de cálculo da COFINS. Mas isso está totalmente de acordo
com o sistema constitucional pátrio. Não há imunidade, não há isenção,
tampouco hipótese de não-incidência. Todos são obrigados a financiar a
Seguridade Social. É um valor instituído pelo novo texto constitucional,
que não está abaixo de outro, que é a necessidade de se dar um adequado
tratamento tributário aos atos cooperativos.
Sem dúvida, a redução do âmbito da isenção em relação à COFINS
foi baseada em decisão de natureza política, cujo controle foge ao poder
do Judiciário.
Improcede, outrossim, o argumento de que a medida provisória em
questão estaria fazendo as vezes da lei complementar (CF 88, art. 146,
III, c) que deve dar o adequado tratamento tributário às sociedades
cooperativas. A LC nº 70/91 também não o era, mantendo a natureza
formal de lei ordinária, e sequer foi editada para regulamentar o contido
na alínea c do inciso III do art. 146 da Carta.
O que mais importa ressaltar é que ainda inexiste qualquer favor legal
no sistema normativo brasileiro quanto à situação tributária das cooperativas, porque não foi editada a lei complementar cogitada para tanto.
Assim, uma lei revogatória de norma que cria isenção tributária
aos atos cooperativos ofenderia que preceito constitucional? Nenhum,
evidentemente. A norma do art. 146, III, alínea c, da CF de 1988 é de
eficácia reduzida.
A Medida Provisória nº 2.113-27, de 2001, em que se transformou a
original MP 1.858-09/99 foi à discussão na comissão mista da Câmara
dos Deputados. Ali, o relator, deputado Euler Morais fez algumas considerações:
“Parece-nos que a intenção do governo foi a de tentar delimitar quais as operações
que podem ser consideradas como atos cooperativos das finalidades das cooperativas,
a fim de evitar a sonegação fiscal, pois, como já visto, o PIS/PASEP incidia à alíquota
de 0,65% sobre o faturamento, nas operações com não-associados, e à alíquota de um
por cento sobre a folha de salários, em relação aos atos cooperativos. Atualmente,
incide a mesma alíquota de 0,65%, agora sobre todo o faturamento, porém, excluídas
as operações referidas nas alíneas a e e – que, na ótica da administração tributária,
seriam os únicos atos cooperativos típicos -, sobre as quais continua incidindo a mesma
alíquota de um por cento sobre a folha de salários.
O mesmo ocorre com a COFINS. Se antes havia isenção nas operações com não-
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-associados, agora a tributação à alíquota de três por cento atinge o total do faturamento
da cooperativa, porém excluídas as operações referidas nas alíneas a e e, o que, na
prática, faria com que a tributação, na visão do Poder Executivo, continuasse atingindo
apenas as operações com não-associados.
Acontece que a lista de operações que podem ser excluídas para efeito de determinação da COFINS e do PIS/PASEP não é tão abrangente a ponto de alcançar todos
os atos cooperativos próprios das finalidades das sociedades cooperativas, em razão
da grande variedade de atos incluídos no conceito, e que dificilmente poderiam ser
relacio­nados de forma exaustiva. A exclusão desses atos acarreta uma brutal elevação
da carga tributária das cooperativas, o que ocasionará sua inviabilização, com graves
conseqüências a todo sistema cooperativista.”
A conclusão do parecer do deputado foi no sentido de não se acatar
a conversão dos dispositivos da medida provisória, retornando-se ao
sistema de isenção da LC 70/91.
Essa é uma decisão política viável, mas não poderia ser assumida em
decorrência de vício de inconstitucionalidade, porque isso não ocorre.
No entanto, como o poder de tributar tem o poder de isentar, poderá
o legislativo voltar à regra de isenção tributária completa dos atos cooperativos, abrangendo os internos e os externos.
O Judiciário, porém, não tem esse poder. Aplica a lei e somente deixa
de fazê-lo se declarar a mesma contrária à Constituição. Tal eiva não
contamina a medida provisória em referência, consoante já se notou.
VII – Conclusão
As sociedades cooperativas têm uma grande importância, o que a
evolução histórica e a valorização dos diversos países demonstra.
No Brasil, houve uma sucessão de privilégios fiscais em relação a tais
entidades. Quando se tratou de elaborar uma nova constituição, foi proposta regra que beneficiava amplamente as cooperativas. A pretensão foi
satisfeita em extensão bem menor do que a apresentada. Todavia, a norma
era de eficácia reduzida. Enquanto não for editada a lei complementar
prevista no art. 146, III, c, da CF de 1988, as sociedades cooperativas
permanecem na situação de qualquer sociedade quanto à imposição
de tributos. Isso autoriza a conclusão de que o que não se pode fazer é
tributar em hipóteses em que impossível a incidência, o que é o caso do
lucro, que inexiste no ato cooperativo segundo a própria lei de regência
estabelece.
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Ademais, toda a sociedade deve financiar a Seguridade Social, estando
isentas apenas as entidades de assistência social.
De tudo deflui o dever que têm as cooperativas de se submeter à tributação. Se, por decisão política, forem beneficiadas com preceito legal
de isenção, o mesmo poder terá o direito de revogar tal norma. Nem o
art. 146, III, c, nem a norma programática do art. 174, § 2º, da CF de
1988 impedem o legislador ordinário de emitir tal juízo político através
da regra cabível.
A singularidade da situação fiscal das cooperativas se resume no
seguinte: não tipificam a regra de alguns tributos, porque o ato cooperativo não caracteriza lucro, e haverão de ter um adequado tratamento
tributário, quando sobrevier a lei complementar programada no texto
constitucional. Nada mais do que isso.
Assim, no estágio atual do sistema normativo brasileiro, especialmente em matéria de contribuições para a seguridade, constitui um erro
imaginar-se que uma lei que revoga ou diminui o âmbito de isenção
tributária ofende algum texto da Carta de 1988.
Não há, portanto, eiva de inconstitucionalidade na Medida Provisória
nº 2.113-27/2001. A diminuição do âmbito da isenção da COFINS, que
ficou limitada aos atos cooperativos internos, não desacata qualquer
preceito constitucional.
Em face do exposto, voto no sentido de rejeitar a argüição de inconstitucionalidade do art. 56, inc. II, alínea a, da Medida Provisória
nº 2.113-27/2001.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.72.05.008186-1/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Apelantes: Ceval Alimentos S/A e outros
Advogados: Drs. Tamara Ramos Bornhausen Pereira e outros
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
EMENTA
Incidente de inconstitucionalidade. Imposto sobre produtos industrializados. Creditamento. Saída do produto com alíquota zero. Princípio
da não-cumulatividade.
1. A Constituição atual não recepcionou a Lei nº 4.502/64, e a Lei
nº 7.789/89 não reproduziu o texto incompatível com a Lei Maior,
limitando-se, em seu art. 12, a remeter ao regulamento uma norma de
índole notoriamente primária. Em decorrência, o Decreto nº 2.637/98, no
tópico da inconstitucionalidade enfocada (art. 174, I, alínea a), passou a
constituir regulamento autônomo, como tal sujeito ao crivo de inconstitucionalidade veiculado por este incidente. Matéria preliminar rejeitada.
Como o Decreto n° 87.981/82 é anterior à Constituição Federal vigente, não se trata na espécie de inconstitucionalidade, caracterizando
hipótese de recepção. Incidente conhecido parcialmente, para restringir
o exame da inconstitucionalidade ao art. 174, I, alínea a, do Decreto nº
2.637/98. Matéria preliminar acolhida à unanimidade.
2. Isenção e alíquota-zero são figuras de direito distintas; e, mesmo se
a inconstitucionalidade não ocorresse em relação à isenção, no caso de
alíquota-zero seria ela irrecusável. É que “... alíquota zero representa uma
solução encontrada pelas autoridades fazendárias no sentido de excluir
o ônus da tributação sobre certos produtos, temporariamente, sem os
isentar. A isenção só pode ser concedida por lei (CTN, art. 97, item VI).
Como é permitido ao Poder Executivo, por disposição constitucional
(CF, art. 153, § 1º) alterar as alíquotas do IPI, dentro dos limites fixados
em lei, e a lei não fixou limite mínimo, tem sido utilizado o expediente de
reduzir a zero as alíquotas de certos produtos. Tais alíquotas, entretanto,
podem ser elevadas a qualquer tempo, independentemente de lei” (Hugo
de Brito Machado, citado pela Desembargadora Federal Tania Escobar,
em voto condutor no julgamento do AI 1998.04.01.015563-9/SC, apud
Leandro Paulsen, in Direito Tributário - Constituição e Código Tributário
à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do Advogado, p. 176).
Não se há que falar em isenção, nem em não-incidência; o que existe é
uma incidência negativa, mas, ainda assim, uma incidência.
3. No que concerne à falta de pagamento de tributo na saída da mercadoria, a vedação do creditamento - e, de igual modo, obviamente, a
determinação de seu estorno - obrigaria a empresa vendedora a arcar
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
com prejuízo decorrente de favor fiscal, penalizando o contribuinte tão-somente pelo fato de não estar a compradora sujeita ao tributo.
4. Inexistindo em relação ao IPI as vedações constitucionais da manutenção do crédito, prevalece a não-cumulatividade, de que decorre o
direito de creditar-se o contribuinte do quantum do imposto incidente
nas operações anteriores, sendo irrelevante a existência de isenções, quer
em relação às imunidades, quer em relação às isenções, quer - e ainda
com maior razão- em face de operações beneficiadas com alíquota-zero.
5. Incidente de inconstitucionalidade do art. 174, inciso I, alínea a,
do Decreto n° 2.637/98 acolhido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
acolher em parte a preliminar de não-conhecimento do incidente suscitada pela apelada Fazenda Nacional e, no mérito, por maioria, declarar
a incons­ti­tu­cionalidade do art. 174, I, a, do Decreto n° 2.637/98, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2001.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: O nobre
Desembargador Federal Amir José Finocchiaro Sarti suscita o presente
Incidente de inconstitucionalidade, concernente ao art. 100, I, a, do
Decreto nº 87.918/82 e ao art. 174, I, a, do Decreto nº 2.637/98, nos
seguintes termos, verbis:
“A nossa jurisprudência está firmada no sentido de que o princípio da não-cumulatividade impõe que se reconheça o direito ao crédito do IPI tanto quando a entrada é
isenta ou não-tributada, e, como acontece aqui no caso, quando a entrada é tributada,
mas a saída é isenta. Não havíamos ainda enfrentado essa hipótese. Todos os nossos
precedentes, pelo que me lembro, eram no sentido de entrada isenta ou com alíquota
zero e saída tributada. Agora há uma hipótese contrária, mas, de qualquer maneira, para
evitar a tributação em cascata, pelo raciocínio que acabou prevalecendo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e aqui no nosso Tribunal, parece-me que não se pode
deixar de aplicá-lo ao caso, como bem salientado da tribuna, é preciso reconhecer a
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inconstitucionalidade do regulamento do IPI, e o nobre advogado argúi a inconstitucionalidade do art. 100 do antigo regulamento e do art. 174, porque, provavelmente,
quer créditos anteriores. Então, temos de argüir a inconstitucionalidade do art. 100,
I, a, do Decreto nº 2.637, que proíbem o crédito pretendido porque determinam a sua
anulação mediante estorno na escrita fiscal.
A meu ver, não podemos prosseguir o julgamento sem superar essa preliminar, e,
por isso, estou suscitando o incidente de inconstitucionalidade.” (fl. 193)
O Ministério Público Federal, em Parecer da lavra do eminente
Procurador-Chefe Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, opinou pela rejeição
do incidente, havendo como constitucional o dispositivo enfrentado.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon:
I- Sobre a matéria argüida em preliminar:
A alegação de que a hipótese vertente implicaria mera questão de
ilegalidade, resolutível na simples verificação da compatibilidade do
regulamento com o dispositivo de lei que lhe deu vida, tenho que não
procede. Como a Lei 4.502/64 não foi recepcionada, quedou o Decreto ao
desamparo, passou a constituir regulamento autônomo; e como tal írrito
perante o nosso sistema jurídico. No que concerne à Lei nº 7.789/89, seu
art. 12 apenas remete ao mesmo Decreto eivado de inconstitucionalidade,
nela não se observando reprodução do malferimento ao dispositivo legal
anterior não-recepcionado.
Em relação à regra contida no Decreto nº 87.981/82, não se trata, na
hipótese, de inconstitucionalidade, porquanto o texto legal é anterior à
Constituição Federal vigente; seria de excogitar, pois, de ausência de
recepção. A respeito, tem-se o seguinte aresto do Pretório Excelso:
“CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO.
INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE.
A lei ou é inconstitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em
si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional, na medida em que
a inconstitucionalidade é congênita à lei e há de ser apurada em face da Constituição
vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em
relação à Constituição superveniente; nem poderia o legislador infringir Constituição
futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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conflitantes; revoga-se. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir
efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.
Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária.
Ação direta de que não se conhece por impossibilidade jurídica do pedido, nos
termos do voto proferido na ADIn nº 2-1/600.” (ADIn nº 415-8 - Relator Ministro
Paulo Brossard, DJ 29.05.92).
Homenageando o precedente, o Plenário desta Egrégia Casa assim
se manifestou:
“RECURSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE
MULTA. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 636 E PARÁGRAFO 1º DA CLT/43. DIREITO CONSTITUCIONAL.
Suscitado o incidente de inconstitucionalidade do art. 636 e parágrafo 1º da CLT/43,
perante o Plenário deste Tribunal, não foi conhecida a argüição de inconstitucionalidade
da exigência de prévio depósito da multa para apreciação de recurso administrativo,
porque o caso seria de revogação tácita da lei (CLT), anterior à Constituição Federal
de 1988. (precedentes do STF, ADIn 415-8/GO).” (INAMS nº 95.04.20488-0/RS, TRF
4ª Região, Plenário, Relator para o acórdão Juiz José Germano da Silva, DJ 30.04.97,
p. 29499).
Voto, portanto, por restringir o incidente ao art. 174, inciso I, alínea
a, do Decreto nº 2.637/98, em relação ao qual entendo deva ser julgado
procedente o presente incidente de inconstitucionalidade, declarada pela
Corte Especial a incompatibilidade deste em relação à Lei Maior.
II - Da inconstitucionalidade do dispositivo legal ora enfrentado:
Os dispositivos cuja viabilidade de convivência com a Lei Maior
ora se examina (arts. 100, I, a, do Decreto nº 87.981/82, e 174, I, a, do
Decreto nº 2.637/98) trazem em sua literalidade:
“Decreto 87.981 (antigo Regulamento do IPI-RIPI):
‘Art. 100. Será anulado, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto:
I - relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem,
que tenham sido:
a) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento de produtos
isentos, não tributados ou que tenham sido:
b) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento de produtos
isentos, não tributados ou que tenham suas alíquotas reduzidas a zero, respeitadas as
ressalvas admitidas;...’ ”
“Art. 174. Será anulado, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto:
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I. relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem,
que tenham sido:
a) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento, de produtos
isentos, não tributados ou que tenham suas alíquotas reduzidas a zero, respeitadas as
ressalvas admitidas;...”
O art. 153, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, em se referindo ao
Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, estampa:
“...
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:
...”
“Será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com
o montante cobrado nas anteriores;
...”
Para aplicação do princípio da não-cumulatividade, existem duas
metodologias distintas: a do crédito financeiro e a do crédito físico. Em
nosso país, adotou-se a segunda delas, que, em face de dificuldades de
interpretação, sofreu mitigação, contemplando-se não somente mercadorias e produtos que se integram nos produtos industrializados quando
de sua produção, mas também “aqueles que, embora não se integrando
ao novo produto, foram consumidos no processo de industrialização,
salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente.” O modus
operandi é assim exemplificado em preleção de Hugo de Brito Machado
(in Curso de Direito Tributário, Malheiros, 16a. Edição, p. 263)
“Em uma empresa industrial, por exemplo, isto significa dizer o seguinte: a) faz-se
o registro, como crédito, do valor do IPI relativo às entradas de matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, e outros insumos, que tenham sofrido
a incidência do imposto ao saírem do estabelecimento de onde vieram; b) faz-se o
registro, como débito, do valor do IPI calculado sobre os produtos que saírem. No fim
do mês é feita a apuração. Se o débito é maior, o lado devedor corresponde ao valor a
ser recolhido. Se o crédito é maior, o saldo credor é transferido para o mês seguinte.”
O Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, no julgamento
do Recurso Extraordinário nº 212.4.484-2, do Estado do Rio Grande do
Sul, decidiu que “não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o
contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos
adquiridos sob o regime de isenção.” Contrario sensu, em se havendo
por lícita perante a Constituição a efetivação contábil do crédito, resta
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órfã de embasamento da Lei Maior a proibição da referida operação.
Do voto proferido pelo Ministro Nelson Jobim, proferido no mesmo
julgamento, extraio o excerto seguinte, bem útil para o delineamento da
matéria sub examine:
“O ICMS e o IPI são impostos, criados no Brasil, na esteira dos impostos de valor
agregado.
A regra, para os impostos de valor agregado, é a cumulatividade, ou seja, o tributo
é devido sobre as parcelas agregadas ao valor tributado anterior. Assim, na primeira
operação, a alíquota incide sobre o valor total. Já na segunda operação, só se tributa
o diferencial.
No Brasil, por conveniência, adotou-se técnica de cobrança distinta.
O objetivo é tributar a primeira operação de forma integral e, após, tributar o valor
agregado. No entanto, para evitar confusão, a alíquota incide sobre todo o valor de
todas as operações sucessivas e concede-se o crédito do imposto recolhido na operação
anterior. Evita-se, assim, a cumulação.
...”
“Com a vênia do eminente Ministro-relator, ouso divergir com o pressuposto analítico
do objetivo do tributo de valor agregado. O que não podemos, por força da técnica utilizada
no Brasil para aplicar o sistema do tributo sobre o valor agregado não cumulativo, é torná-lo
cumulativo e inviabilizar a concessão de isenções durante todo o processo.”
Aqui cumpre alertar que os precedentes colacionados no Parecer
ministerial, em que se considerava não malferido o princípio da não-cumulatividade, restaram superados na jurisprudência mais recente; e,
no mesmo julgamento acima referido, os mesmos relatores dos julgados
colacionados revisaram suas posições, assim:
“O SENHOR MINISTRO OCTÁVIO GALLOTTI: Sr. Presidente, também eu peço
vênia para acompanhar os votos emitidos a partir do eminente Ministro Nelson Jobim,
que estão coerentes com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal a
respeito do ICM, nada recomenda, a meu ver, seja alterada somente por se tratar, agora,
de cobrança de IPI.”
“O SR. MINISTRO SYDNEY SANCHES: ‘Sr. Presidente, confesso uma grande
dificuldade em admitir que se possa conferir crédito a alguém que, ao ensejo da aquisição, não sofreu qualquer tributação, pois tributo incide em cada operação e não no
final das operações. Aliás, o inciso II, § 3º, do art. 153 diz:
‘II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com
o montante cobrado nas anteriores.’
O que não é cobrado não pode ser descontado. Mas a jurisprudência do Supremo
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
firmou-se no sentido do direito ao crédito.
Em face dessa orientação da Corte, sigo, agora, o voto do eminente Ministro Nelson
Jobim. Não fora isso, acompanharia o eminente Ministro-relator.”
“O SENHOR MINISTRO NÉRY DA SILVEIRA: - Sr. Presidente. Ao ingressar
nesta Corte, em 1981, já encontrei consolidada a jurisprudência em exame. Confesso
que, como referiu o ilustre Ministro Sydney Sanches, sempre encontrei certa dificuldade
na compreensão da matéria. De fato, o contribuinte é isento, na operação, mas o valor
que corresponderia ao tributo a ser cobrado é escriturado como crédito a favor de quem
nada pagou na operação, porque isento. De outra parte, o Tribunal nunca admitiu a
correção monetária dessa importância. Certo é que a matéria foi amplamente discutida
pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente em um julgamento de que relator o
saudoso Ministro Bilac Pinto. Restou, aí, demonstrado que não teria sentido nenhum a
isenção se não houvesse o correspondente crédito, pois tributada a operação seguinte.
Firmou-se, desde aquela época, a jurisprudência, e, em realidade, não se discutiu de
novo a espécie. Em todas as discussões ocorridas posteriormente foram sempre sobre
a correção monetária do valor creditado; as empresas pretendem ver reconhecido esse
direito, mas a Corte nega a correção monetária.
No que concerne ao IPI, não houve modificação, à vista da Súmula 591. A modificação que se introduziu, de forma expressa e em contraposição à jurisprudência
assim consolidada do Supremo Tribunal Federal, quanto ao ICM, ocorreu por força da
Emenda Constitucional nº 23, à Lei Maior de 1969, repetida na Constituição de 1988,
mas somente em relação ao ICM, mantida a mesma redação do dispositivo do regime
ante­rior, quanto ao IPI.
Desse modo, sem deixar de reconhecer a relevância dos fundamentos deduzidos no
voto do eminente Ministro-Relator, na linha dessa antiga jurisprudência, - reiterada,
portanto, no tempo, - não há senão acompanhar o voto do Sr. Ministro Nelson Jobim,
não conhecendo do recurso extraordinário.”
Nesta Corte, a matéria tem recebido tratamento de mesmo diapasão,
conforme evidenciam os arestos seguintes:
“TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO OU ALÍQUOTA ZERO. CREDITAMENTO.
POSSIBILIDADE. REGRA DA NÃO-CUMULATIVIDADE. 1. A técnica da não-cumulatividade faz com que o IPI, nas diversas operações que envolvem a industrialização, seja calculado com base na diferença verificada entre o valor do crédito e do
débito registrados na escrita da empresa, mediante abatimento em cada operação, do
custo da operação anterior. 2. O fato de a Constituição, no tocante ao IPI, utilizar a expressão montante cobrado (art. 153, § 3º, II) não significa tenha o legislador constituinte
vedado o creditamento em relação a operações isentas ou tributadas à alíquota zero.
Tal vedação, por expressa disposição constitucional (artigo 155, § 2º, II, a), somente
se verifica no tocante ao ICMS. 3. Além de um benefício para o contribuinte - já que,
creditando-se do valor pago, ou que seria pago não fosse a isenção ou alíquota zero,
ele pagará menos tributo, o creditamento visa, acima de tudo, a impedir que o tributo
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recaia sobre o valor acumulado dos custos da industrialização, em homenagem ao
princípio da não-cumulatividade. Como corolário, ainda que a operação anterior tenha
sido tributada à alíquota zero ou tenha sido beneficiada pela isenção, impõe-se o reconhecimento do crédito a favor do contribuinte, a ser abatido na operação posterior. 4. A
tese segundo a qual o creditamento, nos casos de isenção ou incidência tributária pela
alíquota zero, implica enriquecimento ilícito, é de todo inaceitável, porquanto, mesmo
naquelas hipóteses em que o tributo é pago, quem suporta o ônus econômico dessa
tributação não é a mesma pessoa que se beneficia do crédito respectivo, considerando
as várias etapas do processo de industrialização. 5. Quanto à forma de fazer não incidir
o IPI sobre os insumos, ou o contribuinte (1) exclui da base dos produtos fabricados
o valor dos insumos adquiridos com alíquota zero, aplicando a alíquota sobre o saldo,
ou (2) aplica sobre os insumos adquiridos com alíquota zero a alíquota dos respectivos
produtos fabricados e lança o valor resultante a crédito em sua escrita. O resultado fiscal
será exatamente o mesmo. 6. Por isso, a sistemática de apuração do crédito proposto
pelo ilustre relator não se configura a mais adequada. É que no caso da desoneração
do tributo (isenção ou alíquota -zero), o que se propõe face à regra constitucional da
não-cumulatividade é que esses insumos sejam desonerados do imposto na operação
subseqüente, ou seja, não há necessidade de buscar um parâmetro de aferição como
indicado no judicioso voto.”(TRF 4ª Região, 2ª T., AC 1998.04.01.063050-0-PR, rel.
p/acórdão Juíza Tania Escobar, fev./2000, DJU 2, Nº 71E, 12.04.2000, p. 60)
“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. ISENÇÃO. CRÉDITO PRESUMIDO. 1. O TRF da 4ª
Região já decidiu, nos embargos infringentes 96.04.04862-7/RS, que tanto os insumos
tributados com alíquota zero quanto os isentos, importam créditos relativamente ao IPI
(Precedente do Supremo). 2. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 4, 1a. T., AMS
1998.04.0d1.070080-0/PR, rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, jun. 99, DJU 2, 14.07.99,
p. 224)
Paulo de Barros Carvalho (“Isenções Tributárias do IPI em Face
do Princípio da Não-Cumulatividade”, em Revista Dialética de Direito
Tributário 33, de junho de 1998), registra em seu magistério:
“O direito ao crédito independe do efetivo pagamento do montante devido na
operação anterior. A literalidade da interpretação do vocábulo cobrado, utilizado no
dispositivo em epígrafe, induz o exegeta a pensar que o direito ao crédito decorre da
extinção da obrigação tributária. A asserção é falsa (...) A regra matriz de incidência
tributária e a regra-matriz de direito ao crédito incidem sobre o acordo de vontades que
perfaz o negócio jurídico de compra e venda. Desse suporte fático, propiciador de dois
cortes diferentes, suscitando fatos jurídicos distintos, é que surgem, respectivamente, a
obrigação tributária e a regra-matriz de direito ao crédito. Fique certo, todavia, que o
pagamento dos valores correspondentes, cobrados ou não, é irrelevante para a fenomenologia da incidência normativa. Aliás, tanto é assim que o próprio Código Tributário
Nacional, no art. 118, determina que a validade do fato gerador independe da validade
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jurídica e dos efeitos dos atos efetivamente praticados pelo contribuinte.”
Poder-se-ia mesmo dispensar este incidente de inconstitucionalidade,
em face dos precedentes do Supremo, não trouxesse a hipótese em exame
peculiaridade bem surpreendida pelo ilustre Relator que me antecedeu
nestes autos, o Desembargador Federal Amir José Finocchiaro Sarti: o
fato de que aqui a isenção se localiza não na entrada, mas na saída da
mercadoria. Todavia, adiantou Sua Excelência, em seu Voto, à fl. 193:
“Agora há uma hipótese contrária, mas de qualquer maneira, para evitar a tributação
em cascata, pelo raciocínio que acabou prevalecendo no Supremo Tribunal Federal e
aqui no nosso Tribunal, parece-me que não se pode deixar de aplicar o mesmo princípio.”
Após proposto o incidente, a questão foi solucionada neste Tribunal
também em relação à isenção localizada na saída da mercadoria, em
julgamento de que foi Relator o Desembargador Federal Vilson Darós,
no qual se houve por possível o creditamento, conforme se vê no excerto
de voto do eminente relator, a seguir transcrito:
“A técnica da não-cumulatividade, consoante já decidiu esta Turma, faz com que o
IPI, nas diversas operações que envolvem a industrialização, seja calculado com base
na diferença verificada entre o valor do crédito e do débito registrados na escrita do
contribuinte, mediante aproveitamento, em cada operação, do apurado na operação
anterior. Nestas condições, pouco importa se na saída não há incidência ou incidência
zero ou, até, isenção, do IPI. O que ressalta é que no ingresso houve pagamento do
tributo e esse valor deve ser aproveitado como crédito, sob pena de violação ao princípio da não-cumulatividade.”
Tenho que imperativo se faz, aqui, discernir que isenção e alíquota
zero são figuras de direito distintas; e, mesmo se a inconstitucionalidade
não ocorresse em relação à isenção, no caso de alíquota zero seria ela
irrecusável. É que
“... alíquota zero representa uma solução encontrada pelas autoridades fazendárias no
sentido de excluir o ônus da tributação sobre certos produtos, temporariamente, sem
os isentar. A isenção só pode ser concedida por lei (CTN, art. 97, item VI). Como é
permitido ao Poder Executivo, por disposição constitucional (CF, art. 153, § 1º), alterar
as alíquotas do IPI, dentro dos limites fixados em lei, e a lei não fixou limite mínimo,
tem sido utilizado o expediente de reduzir a zero as alíquotas de certos produtos. Tais
alíquotas, entretanto, podem ser elevadas a qualquer tempo, independentemente de
lei” (Hugo de Brito Machado, citado pela Desembargadora Federal Tania Escobar, em
voto condutor no julgamento do AI 1998.04.01.015563-9/SC, apud Leandro Paulsen,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
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in Direito Tributário -Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do Advogado, p. 176).
Não se há que falar em isenção, nem em não-incidência; o que existe
é uma incidência negativa, mas, ainda assim, uma incidência. A respeito,
informa o magistério de José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco
Lippo (A Não-Cumulatividade Tributária, Dialética. p. 180):
“Geraldo Ataliba e Cléber Giardino, explicitando seu entendimento a respeito da
denominada ‘alíquota zero’, com respaldo inclusive na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, observaram que mesmo nos casos de alíquota zero opera-se uma
relação jurídica de natureza tributária, com a integralidade dos seus contornos. Por
isto concluem, em resposta a consulta que lhes fora formulada que ‘...há nos casos de
alíquota zero integral direito a que as consulentes mantenham (não estornem) os créditos
de IPI ou ICM registrados, para utilização oportuna como abatimento de montantes
devidos, pertinentes a esses tributos.”
Dar tratamento de isenção à alíquota zero, portanto, seria propiciar ao
Fisco atividade legiferante para criar uma isenção que impende lei complementar; e, assim o fazendo, ingerir diretamente na não-cumulatividade
constitucional, o que atropelaria violentamente a mais comezinha lógica
de Direito Tributário.
Creio que falta definir as conseqüências práticas do malferimento ao
princípio constitucional. Em relação à ausência de pagamento de tributo
quando da entrada das mercadorias, salientou o Ministro Gilson Dipp,
em excerto citado pela Desembargadora Federal Tania Escobar, no julgamento da AC nº 96.04.04861-9-RS, julg. 31.03.98, verbis:
“... a rejeição desse crédito desnaturaria o princípio da não-cumulatividade, porque
o imposto não iria incidir apenas sobre o valor acrescido, mas sobre o valor acumulado, tornando inócua a imunidade ou isenção. Assim, em perspectiva finalística, há
de se aceitar o crédito nessas hipóteses para assegurar o propósito do princípio da
não-cumulatividade, que é, justamente, realizar a tributação sobre o valor acrescido.”
No que concerne à falta de pagamento de tributo na saída da mercadoria, tenho que a vedação do creditamento - e, de igual modo, obviamente, a determinação de seu estorno - obrigaria a empresa vendedora a
arcar com prejuízo decorrente de favor fiscal, penalizando o contribuinte
tão-somente pelo fato de não estar a compradora sujeita ao tributo,
obrigando-a, em decorrência, a agregar ao preço o ônus do posterior
estorno; o que, por via de conseqüência, também resultaria em prejudicar
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o benefício fiscal de que desfruta a adquirente.
Conclui-se, portanto, que, em não existindo em relação ao IPI as
vedações constitucionais da manutenção do crédito (as que instituídas
em relação ao ICMS), prevalece a não-cumulatividade, de que decorre
o direito de creditar-se o contribuinte do quantum do imposto incidente
nas operações anteriores, sendo irrelevante a existência de isenções, quer
em relação às imunidades, quer em relação às isenções, quer - e ainda
com maior razão- em face de operações beneficiadas com alíquota zero.
III - Conclusão
Restrito, portanto, o incidente, em face do acatamento parcial da preliminar, ao art. 174, inciso I, alínea a, do Decreto nº 2.637/98, voto pela
procedência do presente incidente de inconstitucionalidade, declarada
a incompatibilidade deste em relação à Lei Maior.
VOTO (PRELIMINAR)
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Vou não só conhecer
da preliminar como acolhê-la integralmente, com a vênia do eminente
Relator.
Estou persuadido de que os decretos que se apontam inconstitucionais
dizem respeito diretamente à Lei nº 4.502, referida pela Fazenda da tribuna e nos seus memoriais. E não se cuida aí de uma hipótese de saber
se a Lei nº 4.502 foi recepcionada, ou não, porque, ao tempo da vigência
da Constituição anterior, era questão de saber, ou não, se ela era inconstitucional. E essa questão não foi enfrentada. A mim parece que, se o texto
da Lei nº 4.502 é o mesmo hoje, o mesmo texto da Constituição de 1967,
com a Emenda nº 1, que disciplinou o IPI, era então o mesmo texto que
se tem hoje, daí saber: se era compatível então, será compatível também
hoje. De modo que é preciso enfrentar a questão da constitucionalidade
da Lei nº 4.502 ao tempo de Constituição de 1967 com a Emenda nº 1.
E isso é uma questão de inconstitucionalidade. Portanto, se o incidente ataca o art. 100 do decreto anterior e o 174 do decreto atual, todos
referindo-se à mesma lei - Lei nº 4.502 -, cuja constitucionalidade, ou
bem hoje também tem de ser atacada se ela foi recepcionada, ou bem terá
de se saber se ela era constitucional na vigência da Constituição antiga.
De qualquer maneira, por um ou por outro lado, é inafastável a neces369
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sidade de se considerar a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 4.502.
Como o incidente não abordou esse ponto, o pedido não foi a esse aspecto,
não posso deixar de acolher a preliminar.
Não conheço do incidente.
VOTO MÉRITO
O Exmo. Sr. Des. Federal Volkmer de Castilho: Com a vênia do eminente Relator, vou rejeitar o incidente por dois motivos.
Primeiro, e já fiz em caso anterior, penso que não se pode acolhê-lo se,
dos fatos deduzidos, não é possível identificar a necessidade de enfrentar
a inconstitucionalidade.
Vou voltar ao assunto, Sr. Presidente, porque, neste caso, tive o cuidado de verificar nos autos, e a sentença, quando trata dos fatos, disse, se
é verdadeiro o relatório, que a empresa quer, como conseqüência dessa
alegada inconstitucionalidade, lhe seja declarado o direito de valer-se
dos créditos estornados desde abril de 1989 até dezembro de 1998, seja
por registro em livro contábil, seja através de compensação com outros
tributos administrados pela Receita Federal.
Ocorre que, e fui aos autos, embora de fato essa seja a pretensão da
autora, a documentação que existe diz respeito à prova de que ela vende
produto com alíquota zero e, certamente, não relativos a esse período todo
- são amostras dessa operação de faturamento -, mas não há indicações
de que, na aquisição dos produtos, se tivesse, pelo menos, provadamente,
adquirido com imposto, que quer compensado.
...
Não estou levantando como questão de conhecimento; só adicionando
ao voto que vou proferir pela rejeição.
Para mim, essa questão do conhecimento não está superada, porque,
se não há prova do período, não há prova das operações, vou ter uma
declaração em tese. Não estou querendo analisar a prova, mas a autora
faz uma alegação dizendo que se precisa compensar um período, e não
diz qual é o período.
...
Embora lamentando não concordar com V. Exa., isso não vai alterar
o resultado do meu voto, porque, no outro ponto, também penso que o
incidente deva ser rejeitado.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
Para isso, a primeira coisa que faço é afastar esse precedente que se
invoca, o Recurso Extraordinário nº 212484, que teria em tese, segundo
o autor-apelante, fornecido o fundamento para a sua pretensão, porque
ali se cuida de hipótese diversa, e bem diversa. Acho que, da tribuna, a
apelada, a União, conseguiu demonstrar que lá se cuida de caso em que o
requerente, queria se valer dessa pretendida não-cumulatividade quando
tinha a aquisição de produtos, adquiria os produtos ou a matéria-prima
com isenção. Aqui é diverso; é na venda dos produtos que se invoca a
necessidade, ou o direito de compensar, porque a alíquota é zero.
É verdade, como diz o Relator, que alguns dos Srs. Ministros se manifestaram perplexos - e um deles foi o Min. Néri. Ele mesmo disse, com
todas as letras - e isso me conforta, porque também tenho essa dificuldade
-, que sempre encontrou dificuldade na compreensão da matéria. E ele
diz isso porque foi Relator em um caso anterior - Recurso Extraordinário nº 99.825, também mencionado da tribuna pela Fazenda, em que ele
chegou à conclusão diversa.
...
Com a devida vênia, o caso não é o mesmo. E o Min. Néri, no encaminhamento do seu voto, transcrevendo um trecho da sentença, termina
por dizer:
“No caso, trata-se de pretensão de crédito de IPI, que seria compensado na saída de
produtos com alíquota zero. Ora, em face desta situação, não é razoável reconhecer-se
à Impetrante o direito de creditar-se da importância de um imposto a cujo pagamento
não está sujeita (alíquota zero), pois a compensação do imposto recolhido como imposto
a recolher, tornar-se-ia impraticável.
Em verdade, o reconhecimento do direito ao crédito ao IPI importaria no reconhecimento do direito à repetição de indébito, como se o imposto pago na aquisição da
matéria-prima não fosse devido. Todavia, a Impetrante não nega legalidade da tributação
incidente, sobre as matéria-primas que adquire. Logo, se o tributo foi arrecadado por
força de lei, jamais caberia sua repetição, pois a tanto equivaleria o reconhecimento
do direito ao crédito do IPI.
Por estes fundamentos e o mais que dos autos consta, DENEGO a ordem impetrada.”
(RE. 99825/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 05.09.86).
Veja, e. Relator, que é exatamente o caso que estamos tratando, e não
aquele, referido lá, relatado pelo Min. Nelson Jobim, que teria chegado
à conclusão diversa com relação à isenção de insumos - aqui, é alíquota
zero de produtos na saída.
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371
Acho, Sr. Presidente, que neste precedente, como no outro, talvez
muito mais expressivo, que é o Recurso Extraordinário nº 10947/2, relatado pelo Min. Gallotti, se diz, e de novo, em uma hipótese exatamente
igual à da presente, como se vê da ementa:
“Ao negar o direito ao crédito do IPI, incidente sobre embalagens destinadas ao
acondicionamento de produto sujeito à alíquota zero, no momento de saída do estabelecimento industrial o acórdão recorrido não contrariou a regra constitucional da
não-cumulatividade (art. 21, § 3º), nem tampouco negou a vigência do artigo 49 do
Código Tributário Nacional.”
E, adiante, no voto:
“Ora, se não há lugar para o recolhimento do gravame tributário na saída do produto
do estabelecimento industrial, não haverá, sem dúvida, possibilidade de o contribuinte
trazer a cotejo os seus eventuais créditos, relativos à aquisição das embalagens, para
aferir a diferença a maior prevista pelo Código Tributário Nacional no seu artigo 49.
Em outras palavras: a não-cumulatividade só tem sentido na fórmula constitucional,
à medida em que várias incidências sucessivas, efetivamente mensuráveis, ocorram. É
essa presunção constitucional e também o propósito de sua aplicação. Daí a razão do
abatimento, concedido para afastar a sobrecarga tributária do consumidor final. Nesse
caso, se não há imposição do ônus na saída do produto, pela absoluta neutralidade dos
seus componentes numéricos, via de conseqüência, não haverá elevação da base de
cálculo e, por conseguinte, qualquer diferença a maior a justificar a compensação.”
Vejam, Srs. Desembargadores, que voltamos ao ponto inicial, ou
seja, a maioria, quando acolheu a preliminar, terminou por incorrer em
uma petição de princípio: disse que era inconstitucional, porque havia a
cumulatividade. E, se não há a cumulatividade, não há inconstitucionalidade. É necessário, pois, discernir o que é isso.
Quero, com a devida vênia, invocar esses dois precedentes do Supremo
Tribunal Federal, para dizer que não há inconstitucionalidade porque não
há ofensa à não-cumulatividade.
Com essa fundamentação, Sr. Presidente, que a mim parece absolutamente aplicável ainda hoje, depois da Constituição de 1988, e, em
especial, ao art. 174, I, letra a, do Decreto nº 2.637/98, sou levado a
rejeitar o incidente.
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APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2000.70.00.030222-5/PR
Relatora: A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Apelante: Export - Exportadora e Importadora Ltda.
Advogados: Drs. Amauri Silva Torres e outro
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
EMENTA
Direito Tributário. Mandado de segurança. Liberação de mercadoria
importada. Desembaraço aduaneiro. Juntada de contrato social com
autenticação falsificada. Pena de perdimento.
1. A decretação da pena administrativa de perdimento das mercadorias
teve por fundamento jurídico tão-somente a apresentação, pela empresa
importadora, de cópia do contrato social em que foi verificada a falsidade
das autenticações, sem alteração do conteúdo do texto original. Assim, as
demais questões levantadas pelas partes não devem influenciar na decisão.
2. O Contrato Social não constitui “documento necessário ao desembaraço” (art. 105, inc. VI e VII, do Dec.-lei 37/66), de forma que sua
falsificação, ainda que reprovável pelo direito e passível de punição,
inclusive na esfera criminal, não se subsume no comando legal que prevê
a pena de perdimento dos bens importados.
3. Assim, tendo em vista que os agentes da Administração estão vinculados ao princípio da legalidade estrita, a pena decretada com base nos
fatos invocados deve ser declarada nula, determinando-se o imediato
desembaraço e entrega das mercadorias.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de novembro de 2001.
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Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Export – Exportadora e Importadora
Ltda. em virtude de ato praticado pelo Ilmo. Sr. Inspetor de Alfândega do
Aeroporto Internacional Afonso Pena, que decretou a pena de perdimento
das mercadorias importadas pela impetrante.
A autoridade apontada como coatora, ao analisar a regularidade dos
documentos apresentados pela empresa importadora, verificou que a cópia
do contrato social não possuía autenticação. Diante desse fato, solicitou
aos despachantes aduaneiros contratados pela empresa a entrega da cópia
devidamente autenticada. Atendida a solicitação, a autoridade constatou
que a autenticação, supostamente oriunda do 2º Ofício de Notas de Paranaguá/PR, não se assemelhava com os símbolos comumente utilizados
por aquele cartório. Contatado para esclarecimentos, o oficial de registro
do 2º Ofício de Notas afirmou que os carimbos e as assinaturas constantes do contrato social seriam falsas. Alegou a autoridade, ainda, no auto
de infração de fls. 30-32, que a empresa teve cancelado o seu registro no
CAD – ICMS, e que a primeira alteração contratual ainda não se encontrava
registrada perante a SRF.
Em vista dos episódios acima descritos, a autoridade impetrada decretou o perdimento dos bens importados, com base nos seguintes fundamentos: art. 105, VII, do Decreto-Lei 37/66 (falsificação ou adulteração
de documento necessário ao desembaraço, possuído a qualquer título ou
para qualquer fim); art. 23, inc. IV e parágrafo único, do Decreto-Lei
1.455/76 (dano ao erário punível com o perdimento dos bens importados),
dispositivos regulamentados pelos artigos 499, 500, 501, inc. II e parágrafo único, 511, 512, 514, inc. VII, 517 e 544, todos do Regulamento
Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 91.030/85.
Sustentou a impetrante, em síntese: a) a inconstitucionalidade da
decretação administrativa da pena de perdimento; b) que o perdimento
deve ser aplicado pelo Poder Judiciário e, ainda assim, cabível somente
em casos extremos, tais como nas hipóteses de contrabando, descaminho,
tráfico ilícito de entorpecentes etc.; c) que não restou configurado o dano
ao erário requisito essencial para a decretação da pena de perdimento
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(art. 501, parágrafo único, do Regulamento Aduaneiro); d) que o documento cuja falsidade foi levantada não constitui documento essencial
ao desembaraço da mercadoria, prestando-se apenas para a legitimação
dos procuradores da empresa (os despachantes aduaneiros). Assim, a
cópia do contrato social não se insere na norma dos incisos VI e VII do
art. 514 do Regulamento Aduaneiro; e) que o referido cancelamento da
inscrição da impetrante perante a Fazenda Estadual já foi corrigido em
sede judicial; f) que a ausência de registro da alteração contratual já foi
providenciada e, mesmo se assim não fosse, tal acontecimento jamais
poderia redundar na pena de perdimento, sujeitando-se tão-somente à
multa prevista em legislação específica; por fim, g) que a importação se
deu de forma regular, tendo sido recolhidos todos os impostos devidos,
e que, se alguma falsificação houve, o foi sem o conhecimento da impetrante, e que o “mistério” deve ser resolvido mediante a instauração do
procedimento criminal cabível.
Em decisão de fl. 100, foi deferida a “suspensão do procedimento
administrativo em curso, a fim de sustar possível decretação de perdimento de mercadorias”. O exame acerca da liberação das mercadorias
ficou relegado para momento posterior à entrega das informações.
Nas informações, a autoridade impetrada reiterou os argumentos
constantes no auto de infração que deu ensejo à impetração. Asseverou,
ainda, que o endereço da sede social declarado pela empresa não é correto,
e que as condições de funcionamento da empresa são suspeitas. Por fim,
que a impetrante está sendo investigada e autuada pela Receita Federal
em virtude de outras irregularidades, também, envolvendo fraude e falsificação de documentos públicos, e que o procedimento que ensejou a
apreensão das mercadorias está revestido de legalidade.
Em nova decisão (fl. 197), o MM. Juízo a quo revogou a liminar
anteriormente concedida, fato que deu ensejo à interposição de agravo
de instrumento perante este Tribunal.
O Ministério Público Federal apresentou parecer, opinando pela
extin­ção do feito sem julgamento de mérito, vez que a via do mandado
de segurança não se mostra adequada para a solução da lide, especialmente diante da alegação de falsidade documental, que depende de
dilação probatória.
Sentenciando o feito, o MM. Juiz da 10ª Vara Federal de Curitiba/PR
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375
denegou a segurança, acolhendo os argumentos apresentados pela autoridade, reprovando as condutas praticadas pela impetrante e classificando-as como “gravíssimas”. A decisão encontra respaldo na legislação, e o
dano ao erário é presumido.
Irresignada, apela a impetrante, reiterando os termos expostos na
inicial.
Contra-razões da União às fls. 413-416.
Regularmente processados, subiram os autos.
A ilustre Procuradoria Regional da República anexa parecer opinando
pela manutenção da sentença.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Preliminarmente,
deve ser afastada a alegação posta no parecer de fls. 246-248 pelo ilustre
representante do Ministério Público Federal, no sentido da inadequação
da via mandamental.
A falsidade da autenticação do documento não está sendo contestada
por nenhum dos litigantes, restando incontroversa, portanto. Somente
se a causa de pedir estivesse centrada na veracidade da autenticação é
que não restaria outra opção ao julgador a não ser a extinção do feito
diante da inadequação da via eleita. Contudo, a presente discussão gira
em torno da responsabilização da empresa pelo fato, bem como das
implicações dessa irregularidade sobre o procedimento de importação
das mercadorias. Não há necessidade, assim, de produção de prova, a
obrigar o trâmite da ação pelo procedimento ordinário.
De qualquer forma, a questão pertinente à suposta falsidade das autenticações e seus efeitos confunde-se com o próprio mérito da presente
demanda, e juntamente com este será analisada.
Inicialmente, gize-se que a discussão trazida aos autos é ampla; vários
são os argumentos invocados por ambas as partes litigantes. Ocorre, entretanto, que, embora a maioria desses tópicos tenham sido efetivamente
referidos pela autoridade, no auto de infração (cancelamento do registro
estadual CAD/ICMS, ausência de registro da alteração contratual junto
à SRF, endereço da sede social incorreto), a apreensão das mercadorias
376
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
teve por fundamento unicamente a apresentação de documento falsificado
ou adulterado, conforme se pode observar dos dispositivos legais citados
no auto de infração (fls. 30-32), razão pela qual apenas esse argumento,
em princípio, deve ser analisado a fim de verificar a legalidade do ato
praticado pela autoridade coatora.
As demais irregularidades serviram de base, inclusive, para o convencimento do MM. Juízo de 1ª Instância. Entretanto, tais fatores,
ainda que exerçam inevitável influência sobre o julgador, não servem
de fundamento jurídico a embasar a decisão. A questão trazida a julgamento diz tão-somente com a análise da importação levada a efeito pela
impetrante, bem como a legitimidade da pena de perdimento decretada
pela autoridade. Os demais tópicos, repita-se, devem influenciar o menos
possível na decisão, sob pena de se estar a condenar a empresa em si
mesma considerada, e não o ato por ela praticado, como haveria de ser.
Vejam-se, então, os dispositivos legais que deram ensejo ao perdimento dos bens:
DECRETO-LEI Nº 37, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1966.
Dispõe sobre o imposto de importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências.
“Seção IV - Perda da Mercadoria
ART. 105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:
(...)
VI - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;
VII - nas condições do inciso anterior possuída a qualquer título ou para qualquer
fim;”
DECRETO-LEI Nº 1.455, DE 7 DE ABRIL DE 1976.
Dispõe sobre bagagem de passageiro procedente do exterior, disciplina
o regime de entreposto aduaneiro, estabelece normas sobre mercadorias
estrangeiras apreendidas e dá outras providências.
“Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
(...)
IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas a e b do parágrafo único do
artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de
novembro de 1966.
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377
Parágrafo único. O dano ao Erário decorrente das infrações previstas no caput
deste artigo, será punido com a pena de perdimento das mercadorias.”
Entende a Receita Federal que a alegada falsificação das autenticações
constantes da cópia do contrato social da empresa impetrante constitui
causa suficiente para fazer incidir as normas acima transcritas, legitimando-se, assim, a decretação do perdimento das mercadorias internalizadas.
Sobre esse aspecto cabem ser feitas duas considerações prévias.
Primeiro, vale registrar que os documentos cuja falsidade foi levantada
constituem cópias fiéis dos originais. Tal fato mostra-se flagrante pela
simples leitura do contrato social juntado à inicial do presente writ (fls.
23-26), comparativamente à cópia supostamente falsificada, apresentada
à Receita Federal (fls. 57-60). Não existe qualquer alteração de texto. O
conteúdo é idêntico.
Não se pretende aqui afastar a ilicitude da conduta, mas apenas observar que as razões que levam o agente a adulterar a autenticação de cópia
idêntica ao original certamente não são as mesmas que movem o indivíduo que altera o conteúdo do documento, apondo-lhe falsa autenticação,
fazendo presumir ser cópia fidedigna do original. Uma vez constatada a
falsificação, cumpriria ao órgão responsável pelo desembaraço aduaneiro
comunicar o fato à autoridade competente para verificação da ocorrência
de ilícito e, se for o caso, apuração da responsabilidade por sua prática.
De qualquer forma, inexistem motivos concretos a justificar a decretação
da pena de perdimento, vez que a suposta falsidade das autenticações,
ainda que pudessem ser atribuídas à impetrante, não se poderia afirmar
que a impetrante estaria tentando ludibriar o Fisco a fim de facilitar o
desembaraço das mercadorias importadas.
A segunda e mais importante observação a ser feita é a de que a
apresentação do contrato social tem por objeto unicamente a verificação
da representação da empresa, habilitando os despachantes aduaneiros a
praticarem os atos de desembaraço como mandatários da importadora.
Assim, tecnicamente falando, a cópia do contrato social não constitui
“documento necessário ao desembaraço” de mercadoria importada.
A Instrução Normativa SRF nº 69/96 determina quais os documentos
a serem apresentados pela empresa no momento do despacho aduaneiro
das mercadorias importadas, juntamente com a declaração de importação:
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“Art. 13º A declaração será instruída com os seguintes documentos:
I - via original do conhecimento de carga ou documento equivalente;
II - via original da fatura comercial;
III - Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF que comprove o
recolhimento dos impostos e demais valores devidos; e
IV - outros, exigidos em decorrência de Acordos Internacionais ou de legislação
específica.”
Esse último argumento, por si, constitui fundamento suficiente para
afastar a validade do ato praticado pela Administração, vez que esta
vincula-se ao princípio da legalidade estrita, de forma que a falsificação
das autenticações do contrato social – sem alteração de texto –, ainda
que reprovável à luz do direito, jamais pode dar ensejo à aplicação da
pena de perdimento, vez que o contrato social da empresa importadora
não se subsume na definição legal tipificadora da infração.
Some-se ainda o fato de que a importação foi efetivada pela impetrante atendendo aos requisitos estabelecidos na legislação, tendo sido
inclusive recolhidos todos os impostos devidos. Assim, sob o enfoque
do direito administrativo-tributário, a importação deve ser considerada
válida. A falsificação das autenticações, repita-se, constitui ato reprovável
e que deve ser punido tanto na esfera da responsabilidade civil quanto
no âmbito do direito criminal. Entretanto, a decretação da pena de perdimento unicamente por esse motivo apresenta-se como sanção ilegal
e, no mínimo, desproporcional.
Com essas razões de decidir, considero devidamente prequestionados
os seguintes dispositivos: artigos 94, 95, 96, 105, inc. VII, 113, todos
do Decreto-Lei 37/66; artigos 23, inc. IV e parágrafo único, 23, 24, 25 e
27, todos do Decreto-Lei 1.455/76; artigos 499, 500, 501, inc. II e parágrafo único, 511, 512, 514, inc. VII, 517 e 544, todos do Regulamento
Aduaneiro, aprovado pelo Decreto 91.030/85.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso de apelação para
determinar a imediata liberação das mercadorias apreendidas pela
autoridade coatora, bem como para declarar a nulidade da decisão
que decretou a pena de perdimento dos bens (auto de infração nº
0917700/00171/00) e, ainda, determinar o trancamento do procedimento
fiscal nº 12709.000387/00-80.
Ressalte-se que somente estão abarcadas pela presente decisão as mercadorias constantes das declarações de importação nº 00/1014179379
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5, 00/1017635-1, 00/1017787-0, 00/1020273-5 e 00/1025195-7. As
demais importações referidas pela impetrante no curso do processo,
ainda que reflitam situações idênticas à presente, deverão ser objeto de
ação própria.
Custas pela União.
É o voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2001.04.01.009391-0/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
Agravante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Agravada: Wigel Eng. Ltda.
Advogado: Dr. Cezar Narciso Deschamps
EMENTA
Tributário. FGTS. Redirecionamento da execução fiscal contra o
sócio-gerente ou diretor. Não-recolhimento de tributo. Ausência de prova
de atuação dolosa ou culposa. CTN, art. 135, III.
1. Embora as contribuições ao FGTS não possuam natureza tributária, incidem as disposições do CTN, relativas à responsabilidade, nas
execuções fiscais, por força da Lei nº 8.036/90 e do disposto nos arts.
2º, § 1º, e 4º, § 2º, da Lei nº 6.830/80.
2. É de responsabilidade da empresa o pagamento do tributo, que
deve arcar com as conseqüências resultantes do descumprimento da
obrigação tributária.
3. A legislação comercial afasta a responsabilidade objetiva do
sócio ou administrador, merecendo interpretação sistemática o art.
135, III, do CTN, que trata da responsabilidade tributária subsidiária.
4. Para que a execução seja redirecionada contra o sócio-gerente ou
diretor, com fulcro no art. 135, III, do CTN, deve o exeqüente com380
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provar que o não-recolhimento do tributo resultou da atuação dolosa
ou culposa destas pessoas, que, com o seu procedimento, causaram
violação à lei, ao contrato ou ao estatuto.
5. Os mesmos princípios norteiam a responsabilização dos sócios em
caso de dissolução irregular da sociedade, ou mesmo de falência, pois
estas hipóteses não configuram, a priori, atuação dolosa ou culposa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de outubro de 2001.
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se
de agravo de instrumento que investe contra decisão que indeferiu o
pedido de redirecionamento de execução fiscal contra o sócio-gerente da
empresa devedora, ao argumento de que as contribuições para o FGTS
não possuem natureza tributária, no período anterior à Constituição de
1988, não se podendo invocar o art. 135, III, do CTN, para responsabilizar
sócio-gerente pelo pagamento de débitos para o FGTS.
Aduz a agravante que, não obstante a natureza não-tributária do
FGTS, nada obsta que se aplique o art. 135, III, do CTN, que deve ser
interpretado de forma mais benéfica aos trabalhadores, que são os beneficiários diretos do fundo. Sustenta que o não-recolhimento de tributos
caracteriza infração à lei, nos termos do art. 135, III, do CTN, devendo
responder pessoal e ilimitadamente o sócio-gerente por seu ato. Alega
que a Lei nº 5.107/66, no art. 19, assegura aos créditos do FGTS todos
os privilégios das contribuições previdenciárias, e a Lei nº 6.830/80, no
art. 4º, § 2º, determina a aplicação das normas relativas à responsabilidade prevista nas legislações tributária, civil e comercial à dívida ativa
da Fazenda Pública, de qualquer natureza. Assevera, ainda, que o art.
2º da Lei nº 8.844/94, com a redação dada pela Lei nº 9.467/97, estatui
381
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
que os créditos referentes ao FGTS possuem os mesmos privilégios dos
créditos trabalhistas, que remetem aos privilégios referentes à cobrança
da dívida ativa da União, conforme o art. 642 da CLT.
Foi deferido o efeito suspensivo pleiteado, pelo MM. Des. Federal
José Germano da Silva.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Os recolhimentos feitos ao FGTS não possuem natureza tributária, segundo a
posição consolidada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, no RE nº
100.249/SP (RTJ 136/681, julg. 02.12.87), pois os valores exigidos do
empregador pelo Estado não são recolhidos ao Erário, como receita pública, sendo depositados em contas vinculadas em nome dos empregados.
Trata-se de crédito de natureza trabalhista, consistindo em contribuição
de fim social, protetiva do trabalhador, como sucedâneo da estabilidade
no emprego. Neste sentido, esta Corte editou a Súmula de nº 43, a qual
tenho por prevalecente no caso em tela.
Há acórdãos, porém, defendendo a natureza tributária do FGTS, ao
entendimento de que se enquadra na definição de tributo, porquanto
é uma prestação pecuniária exigida compulsoriamente, sem caráter
sancionatório, estabelecida em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada. Ajusta-se na categoria de contribuição social,
porquanto os recursos obtidos com a contribuição são afetados a uma
finalidade social específica, formando um fundo destinado tanto à
garantia do tempo de serviço, como à aplicação em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana. Existem vários precedentes do
Colendo STJ nesta direção (REsp 92.00019555, REsp 89.0000461,
REsp 90.0002111, REsp 137725/RS, REsp 170709/SP).
Tenho que a solução da controvérsia, dizendo respeito à aplicação
das normas do CTN, relativas à responsabilidade tributária, prescinde
da definição quanto à natureza jurídica da contribuição ao FGTS.
Desde a Lei nº 5.107/66, os créditos do FGTS possuem os mesmos
privilégios das contribuições previdenciárias, no que tange à cobrança
administrativa ou judicial. Atualmente, a Lei nº 8.036/90 estendeu a aplicação do regime especial de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública,
382
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
previsto na Lei nº 6.830/80, aos créditos do FGTS, ao conceder-lhes os
mesmos privilégios dos créditos trabalhistas, conforme o art. 642 da CLT.
A própria Lei nº 6.830/80, no art. 2º, § 1º, alargou o conceito de dívida
ativa, para abranger qualquer valor arrecadado por entes públicos, ainda
que não se trate propriamente de tributos ou receitas próprias da Fazenda Pública. O art. 4º, § 2º, contém norma que, inegavelmente, conduz
à aplicação dos dispositivos do CTN, atinentes à responsabilidade, ao
caso presente, in verbis:
“Art. 4º. A execução fiscal poderá ser promovida contra:
... (omissis)
§ 2º À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.”
A exegese do dispositivo não deixa dúvida quanto à aplicação do
CTN, que é a legislação tributária por excelência, na parte em que regula
a responsabilidade, de modo geral. Assim, incide, sem nenhum óbice,
embora não possua o FGTS natureza tributária, o art. 135, III, do CTN.
O art. 135, III, do CTN autoriza o redirecionamento da execução
contra os diretores ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado, quando praticarem atos com excesso de poderes ou infração à
lei, contrato social ou estatuto.
A questão que exsurge é se o simples inadimplemento do tributo acarreta a responsabilização pessoal do sócio ou diretor da empresa. De regra,
é de responsabilidade da sociedade comercial o pagamento do tributo, a
qual deve arcar com as conseqüências resultantes do não-cumprimento
da obrigação tributária. Cuidando-se de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, há responsabilidade solidária dos sócios-gerentes
somente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação
da lei ou do contrato. Nas sociedades anônimas, os diretores não são
responsáveis pelas obrigações que contraírem em nome da empresa e
em virtude de ato regular de gestão, porém respondem civilmente pelos
prejuízos que causarem, quando agirem com culpa ou dolo, dentro de
suas atribuições ou poderes, ou com violação da lei ou do estatuto.
Há que se considerar, todavia, que a violação à lei, ao contrato ou
ao estatuto não é presumida, exigindo-se comprovação de que o sócio-gerente ou diretor agiu culposa ou dolosamente na administração da emR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
383
presa. A legislação comercial afasta a responsabilidade objetiva do sócio
ou administrador, merecendo interpretação sistemática o dispositivo do
CTN que trata da responsabilidade tributária subsidiária. Assim, somente
é possível a responsabilização pessoal se houver prova inequívoca de
que o não-recolhimento de tributo resultou da atuação dolosa ou culposa
do sócio-gerente ou do diretor, que, com o seu procedimento, causaram
violação à lei, ao contrato ou ao estatuto.
Os mesmos princípios norteiam a responsabilização dos sócios em
caso de dissolução irregular da sociedade, ou mesmo de falência, pois
estas hipóteses não configuram, a priori, atuação dolosa ou culposa. Não
se pode erigir exigência de ordem formal como fator de responsabilização
objetiva, sob pena de privilegiar-se a forma em detrimento da realidade.
Não se pode olvidar que a difícil conjuntura econômico-financeira do
país provoca o perecimento de muitas empresas, cuja crítica situação não
permite sequer que regularizem a extinção da sociedade. No tocante à
falência, a própria legislação de regência condiciona a extensão da responsabilidade social dos só­cios-gerentes ou administradores à apuração
em processo ordinário, no juízo falimentar, de iniciativa do síndico.
Outrossim, além de comprovar a participação consciente em atos
com excesso de poderes ou infração à lei, contrato ou estatuto, que
acarrete o inadimplemento do tributo, deve o exeqüente provar que o
sócio ou administrador tenha efetivamente exercido as suas funções ao
tempo do surgimento da obrigação tributária, porquanto não pode ser
responsabilizado por débitos anteriores ou posteriores ao seu ingresso
ou gestão na sociedade.
Uma vez que o exeqüente não produziu nenhuma prova neste sentido, baseando-se o pedido de redirecionamento da execução em mera
imputação de responsabilidade objetiva do sócio-gerente, não merece
prosperar a irresignação.
A argumentação expendida neste voto traduz a novel orientação do
Colendo Superior Tribunal de Justiça e da 1ª Seção desta Corte, consoante
os precedentes a seguir transcritos:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - ICMS - EXECUÇÃO FISCAL - REDIRECIONAMENTO - SÓCIOS DE SOCIEDADE POR QUOTAS – RESPONSABILIDADE SOCIETÁRIA - ART. 135, III, CTN.
I - A responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao
sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial só se caracteriza
384
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova a prática de atos de abuso
de gestão ou de violação da lei ou do contrato.
II - Os sócios da sociedade de responsabilidade por cotas não respondem objetivamente pela dívida fiscal apurada em período contemporâneo a sua gestão, pelo
simples fato da sociedade não recolher a contento o tributo devido, visto que, o não
cumprimento da obrigação principal, sem dolo ou fraude, apenas representa mora da
empresa contribuinte e não ‘infração legal’ deflagradora da responsabilidade pessoal
e direta do sócio da empresa.
III - Não comprovados os pressupostos para a responsabilidade solidária do sócio
da sociedade de responsabilidade limitada há que se primeiro verificar a capacidade
societária para solver o débito fiscal, para só então, supletivamente, alcançar seus bens.
IV - Recurso Especial a que se dá provimento.” (REsp nº 121.021/PR, 2ª Turma,
Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 11.09.2000, p. 235)
“EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO DO SÓCIO-GERENTE. ART. 135, INC. III, DO CTN.
1. De acordo com a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça, interpretando
o alcance do art. 135, III, do CTN, o simples inadimplemento de tributos não autoriza
o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes da empresa devedora.
2. O recolhimento de contribuições previdenciárias constitui encargo da pessoa
jurídica, cujo patrimônio não se confunde com o dos sócios que a integram.
3. Para que se promova a responsabilização do sócio-gerente, é necessário que a
exeqüente faça prova no sentido de que o sócio agiu com excesso de mandato ou infringência à lei ou estatuto, em detrimento dos objetivos almejados pelo empreendimento.
4. Recurso provido.” (EIAC nº 96.04.33210-4/PR, Rel. Juiz José Germano da Silva,
DJU 11.07.2001, p. 127)
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo de
instrumento.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.024585-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
385
Apelante: Condomínio Edifício Glacy
Advogados: Drs. José do Carmo Badaro e outros
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Deise Terezinha de Oliveira Kovalski
EMENTA
Tributário. Responsabilidade pelo recolhimento de contribuições
sociais. Condomínio e administradora.
As convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública para
modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias
correspondentes, a teor do art. 123 do CTN. As convenções particulares
são permitidas e juridicamente válidas entre as partes contratantes, não
produzindo nenhum efeito contra o fisco, que pode cobrar a obrigação
tributária do sujeito passivo definido em lei.
Portanto, o condomínio responde perante o fisco pelas contribuições
sociais relativas a seus empregados, ainda que haja contrato particular
que atribua à Administradora a responsabilidade pelo recolhimento
das contribuições.
Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do
relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 23 de outubro de 2001.
Des. Federal Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: Condomínio Edifício
Glacy propõe Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela,
contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando o
reconhecimento de inexistência dos débitos tributários constantes das
notificações nºs 32.661.165-7, 32.661.166-5 e 32.661.167-3, referentes
386
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
ao recolhimento de contribuições sociais.
Sustenta que foi notificado pelo não-recolhimento de contribuição
social de seus funcionários; que, nos períodos correspondentes aos lançamentos dos débitos referidos, estava sob a administração da empresa
ADECON – Administração de Condomínios; que, em função do contrato
firmado com a citada empresa, esta era responsável pelo recolhimento
das contribuições previdenciárias; que, se houve alguma irregularidade,
a responsabilidade deve recair sobre a empresa contratada, que fraudou
os comprovantes de recolhimento das contribuições sociais.
O juízo a quo indefere a antecipação de tutela. O autor agrava de
instrumento, ao qual é negado seguimento, a teor do art. 557 do CPC.
O INSS contesta a ação.
Instado a manifestar- se acerca das provas que pretende produzir, o
autor requer a produção de provas pericial, testemunhal e documental.
O MM. Juízo indefere o requerimento.
Inconformado, o autor agrava de instrumento, alegando cerceamento
de defesa. O ilustre relator nega seguimento ao agravo por entendê-lo
manifestamente improcedente.
O MM. Juízo, sentenciando, julga improcedente a ação. Condena o
autor ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios,
estes fixados em 10% sobre o valor da causa.
Inconformado, o autor interpõe recurso de apelação, sustentando,
em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento da prova requerida. No mérito, repisa os
argumentos postos na inicial, alegando, ainda, que grande parte do seu
débito resultou da ingerência da autarquia previdenciária, uma vez que
mesmo tendo conhecimento da fraude realizada pela empresa ADECON,
somente a comunicou um ano e meio após; que a negligência do INSS,
não comunicando o condomínio sobre a existência de fraude, fez com que
o débito aumentasse muito; que tal descaso lhe trouxe grandes prejuízos.
Regularmente processada a apelação, sobem os autos.
É o relatório.
Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Surreaux Chagas: O condomínio-autor
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
387
postula o reconhecimento de inexistência dos débitos tributários constantes das notificações nºs 32.661.165-7, 32.661.166-5 e 32.661.167-3,
referentes ao recolhimento de contribuições sociais.
A sentença de 1º grau julga improcedente a ação.
Na apelação, o autor sustenta, em preliminar, a nulidade da sentença
por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento da prova
requerida. No mérito, repisa os argumentos postos na inicial, alegando, ainda, que grande parte do seu débito resultou da ingerência da
autarquia previdenciária, uma vez que mesmo tendo conhecimento da
fraude realizada pela empresa ADECON, somente a comunicou um
ano e meio após; que a negligência do INSS, não comunicando o condomínio sobre a existência de fraude, fez com que o débito aumentasse
muito; que tal descaso lhe trouxe grandes prejuízos.
Analiso separadamente cada ponto suscitado:
Preliminar de nulidade da sentença - cerceamento de defesa
Não prospera a alegação de nulidade da sentença por cerceamento de
defesa. Isto porque a matéria se encontra preclusa em virtude da decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto contra
a decisão que indeferiu a produção das provas requeridas pelo autor
(fls.115/118).
Com efeito, é oportuna a transcrição de parte do despacho do eminente
relator, nos autos do agravo de instrumento:
“Contudo, não merece trânsito a tese defendida isso porque nos termos do art. 420,
incisos I e II, do CPC, o Juiz indeferirá a perícia quando a prova do fato não depender
do conhecimento especial de técnico, bem como quando for desnecessária em vista de
outras provas produzidas.
(...) Ante o exposto, com base no art. 557 do CPC, nego seguimento ao agravo, por
manifesta improcedência”.
Portanto, tratando-se de questão já decidida, rejeito a preliminar de
nulidade do processo por cerceamento de defesa.
Mérito
A controvérsia limita-se à verificação da responsabilidade do condomínio-autor pelos débitos tributários resultantes do não-recolhimento de
388
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
contribuições sociais de seus empregados, dada a existência de contrato
firmado pelo autor com a empresa ADECON – Administração de Condomínios, que atribui à administradora a responsabilidade pelo recolhimento
das contribuições previdenciárias relativas aos empregados.
A Lei 8.212/91, no art. 15, par. único, considera empresa, para efeitos
da Lei, “a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza
ou finalidade”. Na definição legal de empresa, portanto, estão compreendidos os condomínios.
O condomínio, como empresa, é o sujeito passivo das contribuições
previdenciárias incidentes sobre a folha de salários de seus empregados,
bem como o responsável pela retenção e recolhimento das contribuições
sociais por eles devidas na qualidade de segurados empregados.
Quanto ao ponto controvertido, o art. 123 do CTN expressamente
dispõe:
“Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para
modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”
No caso, não há qualquer dispositivo legal que excepcione a regra acima transcrita e que permita a transferência para terceiros, por convenção
particular, da responsabilidade tributária com relação ao recolhimento
de contribuições sociais.
Portanto, se a lei atribui ao condomínio a responsabilidade pelo pagamento das contribuições, qualquer disposição em contrário contida no
contrato firmado com a Administradora é inoponível ao fisco.
Oportuno ressaltar que as convenções particulares são permitidas e
juridicamente válidas entre as partes contratantes, somente não produzindo efeito contra o fisco, que pode cobrar a obrigação tributária do
sujeito passivo definido em lei. Entendimento contrário permitiria a
disseminação de fraudes contra o fisco, transferindo-se a responsabilidade tributária para qualquer pessoa. Assim, eventual responsabilidade
da empresa administradora perante o autor, baseada no contrato firmado
entre ambos, deve ser postulada em ação própria.
Não prosperam, ademais, os argumentos no sentido de que o seu pre­
juízo se deu em função da atuação desidiosa da autarquia previdenciária,
que teria conhecimento das fraudes realizadas pela administradora do
condomínio. Na realidade, o autor pretende transferir para o INSS a
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
389
responsabilidade por uma falha sua.
Com efeito, se há alguma parte lesada, esta é justamente a autarquia
previdenciária, que deixou de receber os valores efetivamente devidos.
Foi o condomínio-autor quem, por sua própria escolha, contratou a empresa administradora, tendo a obrigação de fiscalizar as suas atividades,
zelar pela regularidade dos recolhimentos das contribuições sociais, não
podendo se furtar da responsabilidade perante o fisco.
Do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 2001.04.01.045430-9/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin
Apelada: Volvo do Brasil Veículos Ltda.
Advogados: Drs. Carlos Eduardo Manfredini Hapner e outro
Remetente: Juízo Federal da 4ª Vara Federal de Curitiba/PR
EMENTA
Imposto de renda. Remessa de juros ao exterior. Convenção internacional entre Brasil e Japão. Contrato com filial sediada no Panamá.
Bitributação.
O Decreto nº 61.899, de 14 de dezembro de 1967, que promulga a
Convenção para evitar dupla tributação, firmado entre Brasil e Japão dispõe que os juros pagos por empresa no Brasil à empresa sediada no Japão
são tributados no Brasil à alíquota de 12.5% do montante bruto dos juros.
No caso dos autos a remessa de juros foi feita à empresa estabelecida
no Panamá. O fato de a empresa panamenha ser filial da empresa japo390
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
nesa não lhe retira a personalidade jurídica. Aquela é sujeita de direitos
e obrigações dentro do Panamá. Tanto é assim que o financiamento da
impetrante foi obtido junto à empresa sediada no Panamá, sendo que os
juros foram para esse país remetidos.
À empresa panamenha não se aplicam as leis japonesas. A República
do Panamá é Estado soberano, sendo que as empresas domiciliadas em
seu território devem obediência às leis nacionais.
Não há nos autos qualquer indício de que a verba recebida no Panamá
seria, de imediato, transferida para o Japão, quando, só então, se submeteria às leis nipônicas. Com isso, não se cogita a bitributação já que a
remessa de juros à empresa sediada no Panamá está isenta do pagamento
do imposto de renda naquele país.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2001.
Des. Federal Vilson Darós, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Volvo do Brasil Veículos
Ltda. impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, contra o
Delegado da Receita Federal em Curitiba/PR visando a que a autoridade
coatora se abstenha de promover qualquer medida que vise à cobrança
do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre remessa de juros para o exterior – agência de empresa japonesa situada no Panamá - derivado do
procedimento administrativo-fiscal nº 10980.0004305/97-27. Sustenta
que a empresa beneficiária sediada no Japão não está sujeita à incidência
do imposto de renda à alíquota de 25%, já que existe entre Brasil e Japão
acordo que evita a bitributação.
Deferida a liminar para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. (fl. 464)
Notificada, a autoridade coatora apresentou informações, afirmando
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
391
ser inaplicável ao caso a convenção firmada entre Brasil e Japão, já que
a empresa que recebeu a remessa de juros é agência sediada no Panamá.
Como não existe acordo bloqueando a bitributação entre Brasil e Panamá,
a alíquota do imposto de renda sobre a remessa é de 25%.
Sobreveio sentença concedendo a segurança para afastar a exigência do Imposto de Renda Retido na Fonte nas remessas de juros ao
exterior em alíquota superior a 12,5%. Sem condenação em honorários
advocatícios.
Irresignada, a União Federal apelou pretendendo a reforma da sentença
ao argumento de que as remessas de juros foram realizadas para a filial
da empresa japonesa localizada no Panamá, razão por que inaplicável ao
caso é a Convenção de bitributação firmada entre Brasil e Japão.
Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público opinou pelo provimento do apelo e da remessa
oficial.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: A impetrante – Volvo do
Brasil Veículos Ltda. - realizou financiamento junto à empresa Itocho
Corporation Panamá Branch sediada na República do Panamá (fl. 133).
A matriz da financeira tem sede no Japão. Em razão disto, a impetrante,
ao realizar a remessa de juros ao exterior, recolheu imposto de renda
retido na fonte à alíquota de 12.5% do valor dos juros.
A Secretaria da Receita Federal autuou a impetrante sob o argumento
de que a alíquota a ser retida é de 25%, nos termos do artigo 745 do
Regulamento Aduaneiro de 1994.
A insurgência da parte-autora centra-se no fato de existir, entre Brasil
e Japão, acordo proibindo a bitributação.(Decreto nº 61.899/67) Entretanto, o Fisco afirma que a remessa de juros foi feita à empresa sediada
no Panamá, não se aplicando, portanto, a Convenção Internacional.
Inicialmente devemos analisar o que dispõe o Decreto nº 61.899, de
14 de dezembro de 1967, que promulga a Convenção para evitar dupla
tributação em matéria de Impostos sobre rendimentos com o Japão:
“Artigo 10.
1) Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente no
392
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
outro Estado Contratante são tributáveis nesse outro Estado Contratante.
2) Esses juros podem, contudo, ser tributados no Estado Contratante de que provém,
e de acordo com a legislação desse Estado Contratante, mas o imposto correspondente
não poderá exceder 12.5 por cento do montante bruto dos juros.
...”
Do disposto acima, depreende-se que os juros pagos por empresa no
Brasil à empresa estabelecida no Japão são tributados no Brasil à alíquota
de 12.5% do montante bruto dos juros. No caso dos autos, a remessa de
juros foi feita à empresa sediada no Panamá.
O fato de a empresa panamenha ser filial da empresa japonesa não lhe
retira a personalidade jurídica. Assim, a financiadora com sede no Panamá tem personalidade jurídica distinta da empresa constituída no Japão,
sendo, portanto, sujeito de direitos e obrigações dentro do Panamá. Tanto
é assim que o financiamento da impetrante foi obtido junto à empresa
sediada no Panamá, sendo que os juros foram para esse país remetidos.
Assim, não se aplica, ao caso, a Convenção internacional firmada
entre Brasil e Japão.
Descabe o argumento de que à empresa panamenha aplicam-se as
leis japonesas. A República do Panamá é Estado soberano, sendo que
as empresas domiciliadas em seu território devem obediência às leis
nacionais. Foi o que ocorreu quando da constituição da filial no Panamá.
Essa somente adquiriu sua personalidade jurídica após cumpridas as
exigências de registro naquele país.
O mesmo pode-se dizer da legislação tributária. Se o estatuto tributário
panamenho confere isenção à filial (Art. 694 do Código Tributário do
Panamá), isso não quer dizer que se deve aplicar as leis japonesas ao caso.
O Ministério Público Federal, em parecer exarado nesta Corte, bem
dispõe a respeito do tema:
“... tendo em vista as disposições do art. 2, item 1, c, da referida Convenção, que
assim refere: ‘ as expressões ‘Um Estado Contratante’ e ‘outro Estado Contratante’
designam Brasil ou Japão conforme o contexto’, percebe-se que residindo a empresa
beneficiária da remessa de juros no Panamá, não há como pretender-se aplicar a essa
operação as disposições constantes da Convenção celebrada entre Brasil e Japão, já que
a mesma não reside neste país. Pelo contrário, o estabelecimento da filial localiza-se
no Panamá, com o qual o Brasil não possui acordo para evitar bitributação e, mesmo
que possuísse, isto não ocorreria, pois, como mencionado anteriormente, de acordo
com a legislação panamenha, a empresa beneficiária da remessa de juros realizada
pela impetrante não está sujeita a tributação da renda proveniente da operação ora
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
393
mencionada.” (fls. 525/526)
Ademais, não há nos autos qualquer indício de que a verba recebida no Panamá seria, de imediato, transferida para o Japão, quando,
só então, se submeteria às leis nipônicas. Com isso, não se cogita em
bitributação, já que, como foi anteriormente mencionado, a remessa
de juros à empresa sediada no Panamá está isenta do pagamento do
imposto de renda naquele país.
Por fim, colaciono relevante entendimento do Ministério Público
Federal proferido no primeiro grau de jurisdição:
“Seria até mesmo um contra-senso admitir-se a aplicação da Convenção suscitada
no caso em tela, eis que visa exclusivamente evitar a bitributação em determinados
negócios internacionais. Isto porque, na espécie, não se verificou a bitributação, primeiro pela impossibilidade acima exposta de aplicação das normas tributárias japonesas
sobre empresa com sede em terceiro Estado, mesmo se tratando de empresa japonesa e,
segundo, porque este terceiro Estado isenta referida empresa da incidência de Imposto
de Renda pela aplicação política fiscal interna.” (fl. 476)
Isso posto, dou provimento ao apelo e à remessa oficial para
manter a exigência fiscal contida no processo administrativo fiscal nº
10980.0004305/97-27.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.04.01.064181-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Luiz Carlos Souto Fonseca
Apelada: Sadia Concórdia S.A. Ind. e Com.
Advogados: Drs. Francisco Paludo e outros
394
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Santo Ângelo/RS
EMENTA
Tributário. NFLD. SAT. Alíquota aplicável. Decreto 612/92. Atividade
preponderante em cada estabelecimento. Distinção pelo CGC.
1. O § 2º do artigo 26 do Decreto nº 612/92 evidencia que o critério
a ser adotado para se diferenciar os estabelecimentos da empresa e, em
conse­qüência, as alíquotas referentes ao Seguro de Acidentes do Trabalho
– SAT, é o jurídico, ou seja, se a filial possuir CGC (atual CNPJ) diverso
do da matriz será considerada um estabelecimento distinto.
2. A atividade a ser considerada será a preponderante em cada filial
(CGC distinto), in casu, o lançamento ocorreu em filial da empresa cujos
serviços desempenhados são burocráticos – escritório, razão pela qual
o risco de acidentes de trabalho é leve. Incabível, portanto, a aplicação
de alíquota referente ao risco máximo de acidentes.
3. Manutenção da anulação do lançamento. Apelo e remessa oficial
que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2001.
Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Trata-se de
apelação em ação anulatória de débito fiscal, na qual o autor pretende seja
anulado o lançamento constante da Notificação Fiscal de Lançamento
de Débito – NFLD nº 31.863.578-0, lavrada pelo Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS.
Alega que o lançamento em questão teve por objeto a modificação da
alíquota de 1% para 3% incidente sobre o Seguro Acidente do Trabalho
– SAT, decorrente de trabalhos desenvolvidos em seus escritórios, sob
395
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
o fundamento de que sua atividade preponderante é o abate e a industrialização de aves e suínos.
Sustenta, no entanto, que deve ser considerada a atividade principal
de cada estabelecimento seu, já que o escritório objeto da notificação
possui CGC próprio.
Aduz que o estabelecimento notificado oferece grau de risco leve,
posto ser, tão-somente, um escritório, dissociado das demais atividades
da empresa.
Em sentença prolatada às fls. 63/67, o MM. Juiz a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu ao pagamento de R$ 800,00 a título
de honorários advocatícios e ao ressarcimento das custas adiantadas.
Irresignado com essa decisão proferida, o réu interpôs apelação, pugnando pela reforma desse julgado. Em suas razões de apelação, refere
que deve ser considerada a atividade preponderante da empresa para ser
verificada a alíquota incidente sobre o SAT, vez que as filiais não possuem personalidade jurídica. Ao final, pretende seja considerado válido
o lançamento em comento.
Em contra-razões, o apelado sustenta a manutenção da sentença nos
seus exatos termos, bem como o reconhecimento da litigância de má-fé
por parte da apelante, visto proceder de forma temerária ao transcrever
jurisprudência não afeita ao Decreto que rege a matéria.
Regularmente processado o recurso, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: A Notificação Fiscal de Lançamento de Débito, ora em discussão, cuida de valores atinentes à cobrança do Seguro Acidente de Trabalho, em alíquota
de 3%, conquanto a ora apelada entende que a alíquota devida seria de
1%, em razão da atividade desenvolvida no estabelecimento objeto do
lançamento.
Essa contribuição previdenciária tem seu fundamento legal no inciso
II do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, cuja regulamentação, à época, deu-se
pelo artigo 26 do Regulamento da Organização e do Custeio da Seguridade Social – Decreto nº 612/92, nestes termos:
“Art. 26. A contribuição da empresa, destinada ao financiamento da complementação
das prestações por acidente do trabalho, corresponde à aplicação dos seguintes percen-
396
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
tuais incidentes sobre o total da remuneração paga ou creditada a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e médicos-residentes:
I - 1% (um por cento) para a empresa em cuja atividade preponderante o risco de
acidentes do trabalho seja considerado leve;
II - 2% (dois por cento) para a empresa em cuja atividade preponderante o risco de
acidente do trabalho seja considerado médio;
III - 3% (três por cento) para a empresa em cuja atividade preponderante o risco de
acidente do trabalho seja considerado grave.
§ 1° Considera-se preponderante a atividade econômica que ocupa, em cada estabelecimento da empresa, o maior número de segurados empregados, trabalhadores
avulsos e médicos-residentes.
§ 2º Considera-se estabelecimento da empresa a dependência, matriz ou filial, que
possui número de CGC próprio, bem como a obra de construção civil, executada sob
sua responsabilidade.
§ 3° As atividades econômicas preponderantes dos estabelecimentos da empresa
e os respectivos riscos de acidentes do trabalho compõem a Relação de Atividades
Preponderantes e correspondentes Graus de Risco - Seguro de Acidentes do Trabalho
(SAT), anexa a este regulamento.
§ 4° O enquadramento dos estabelecimentos nos correspondentes graus de risco é
de responsabilidade da empresa, observadas as atividades econômicas preponderantes
de cada um deles, e será feito mensalmente, cabendo ao INSS rever o enquadramento
em qualquer tempo.
§ 5° Verificado erro no auto-enquadramento, o INSS adotará as medidas necessárias à sua correção, orientando o responsável pela empresa em caso de recolhimento
indevido e procedendo à notificação dos valores devidos.
§ 6° Para efeito de determinação da atividade econômica preponderante do estabelecimento, prevista no § 1°, serão computados os empregados, trabalhadores avulsos e médicos-residentes que exerçam suas atividades profissionais efetivamente no estabelecimento.
§ 7º Não sendo exercida atividade econômica no estabelecimento, o enquadramento
será feito com base na atividade econômica preponderante da empresa, adotando-se,
neste caso, o mesmo critério fixado no § 1°.” (grifou-se)
O parágrafo destacado evidencia que o critério a ser adotado para
se diferenciar os estabelecimentos da empresa e, em conseqüência, as
alíquotas aplicáveis, é o jurídico, ou seja, se a filial possuir CGC (atual
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 91-397, 2002
397
branca
ÍNDICE NUMÉRICO
400
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 399-402, 2002
DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL
97.04.22304-8/RS (EIAR)
1998.04.01.086837-1/PR (AC)
1999.04.01.121970-8/RS (EIAC)
2000.04.01.087762-9/RS (AC)
2000.04.01.132370-0/SC (AC)
2000.70.00.001433-5/PR (AC)
2001.04.01.032582-0/RS (AC)
Rel. Des. Federal Luiza Dias Cassales............................................93
Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde...............................101
Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti.............................................115
Rel. Des. Federal Marga Barth Tessler...........................................127
Rel. Des. Federal Maria de Fátima F. Labarrère.............................133
Rel. Des. Federal Edgard Lippmann...............................................140
Rel. Des. Federal Maria de Fátima F. Labarrère.............................144
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
2000.04.01.056425-1/RS (RSE)
2000.04.01.108703-1/PR (ACR)
2000.70.02.002234-9/PR (ACR)
2000.70.02.002261-1/PR (ACR)
2000.71.03.001684-1/RS (RSE)
2000.72.00.006532-3/SC (RSE)
2001.04.01.065958-8/RS (ACR)
2001.04.01.070250-0/RS (MS)
2001.04.01.071011-9/PR (HC)
2001.70.02.000766-3/PR (ACR)
Rel. Des. Federal Vladimir Freitas..................................................153
Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa..................................158
Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro.....................................185
Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho...........................................189
Rel. Des. Federal Volkmer de Castilho...........................................194
Rel. Des. Federal José Germano da Silva.......................................198
Rel. Des. Federal Vladimir Freitas..................................................201
Rel. Des. Federal Amir José Finocchiaro Sarti...............................207
Rel. Des. Federal José Germano da Silva.......................................216
Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro.....................................225
2000.04.01.014470-5/PR. (EIAC)
2000.04.01.145599-8/PR (REO)
2000.71.00.009195-2/RS (AC)
2001.04.01.043578-9/RS (AG)
Rel. Des. Federal Virgínia Scheibe.................................................237
Rel. Des. Federal Virgínia Scheibe.................................................240
Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz.....................................243
Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado..........................252
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
96.04.28697-8/RS (AR)
97.04.10650-5/RS (EDAC)
1998.04.01.033864-3/RS (AC)
2000.04.01.092980-0/RS (AGPT)
2001.04.01.021592-3/SC (AC)
2001.04.01.043206-5/RS (AG) 2001.04.01.062614-5/RS (AG)
2001.04.01.071190-2/RS (AG)
2001.04.01.073747-2/PR (AG)
2001.04.01.080354-7/RS (AC)
Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde...............................261
Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.............269
Rel. Des. Federal Luiza Dias Cassales............................................272
Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.............................275
Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti.............................................283
Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.............288
Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado..........................293
Rel. Des. Federal Vilson Darós.......................................................297
Rel. Des. Federal Surreaux Chagas.................................................302
Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares..................................306
DIREITO TRIBUTÁRIO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 399-402,4, 2002
401
94.04.51190-0/PR (AMS)
1998.04.01.020236-8/RS (INAC)
1999.70.05.003502-0/PR (AMS)
1999.72.05.008186-1/SC (AC)
2000.70.00.030222-5/PR (AMS)
2001.04.01.009391-0/SC (AG)
2001.04.01.024585-0/PR. (AC)
2001.04.01.045430-9/PR (AMS)
2001.04.01.064181-0/RS (AC)
402
Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares..................................311
Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria.......................................314
Rel. Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa..................................324
Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.............................358
Rel. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria.......................................372
Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.........................379
Rel. Des. Federal Surreaux Chagas.................................................384
Rel. Des. Federal Vilson Darós.......................................................389
Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida.........................393
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 399-402, 2002
ÍNDICE ANALÍTICO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 399-402,4, 2002
403
Branca
404
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
-AAÇÃO PENAL
JUSTA CAUSA – Vide DENÚNCIA
AÇÃO POPULAR
Concurso público. Princípio da moralidade. Legitimidade.
Entrevista. Intimidade. Violação.................................................................................................................140
AÇÃO RESCISÓRIA
Benefício previdenciário. Aposentadoria. Ex-combatente.
Documento novo. Certidão. Contribuição previdenciária. Descabimento. Desconto. Débito.
Impossibilidade...........................................................................................................................................261
ACIDENTE DO TRABALHO
Vide RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO
INVIOLABILIDADE – Vide RECURSO JUDICIAL
AGRAVO RETIDO
Vide PENSÃO MILITAR
ALÍQUOTA ZERO
Vide IPI
APELAÇÃO CRIMINAL
Vide RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA
Vide PROCESSO TRABALHISTA
APOSENTADORIA
EX-COMBATENTE – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
ARREMATAÇÃO
Vide DIREITO DE PREFERÊNCIA
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
405
ATIVIDADE PREPONDERANTE
Vide SAT (SEGURO CONTRA ACIDENTE DO TRABALHO)
AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
AUXÍLIO-DOENÇA
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
-BBENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
APOSENTADORIA. EX-COMBATENTE – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
Aposentadoria por tempo de serviço. Renúncia. Renovação.
Repetição de indébito. Impossibilidade.
Pecúlio. Revogação.
Contraprestação. Inexistência. Constitucionalidade...................................................................................243
Auxílio-doença. Hérnia de disco. Incapacidade parcial. Necessidade de tratamento.................................240
Auxílio-doença. Idoso. Incapacidade laborativa.
Tutela antecipada. Requisitos.....................................................................................................................293
Benefício assistencial. União federal. Gestor. INSS. Pagamento indevido. Desconto.
Impossibilidade.
Tutela antecipada. Reexame necessário. Compatibilidade.........................................................................252
Pensão por morte do marido. Abandono do lar. Separação de fato. Dependência econômica
presumida....................................................................................................................................................237
Vide PENSÃO MILITAR
BITRIBUTAÇÃO
ACORDO INTERNACIONAL – Vide IMPOSTO DE RENDA
-CCERCEAMENTO DE DEFESA
Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
CIRURGIA DENTÁRIA
MORTE – Vide DANO MORAL
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
HOSPITAL – Vide DANO MORAL
COFINS
Vide COOPERATIVA
COISA JULGADA
Vide EVICÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Vide REPETIÇÃO DE INDÉBITO
406
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
COMPETÊNCIA
Justiça Federal. Falsificação. Guia de recolhimento. ICMS. Importação. Interesse de agir.
União Federal..............................................................................................................................................153
Vide RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA
CONCURSO PÚBLICO
ENTREVISTA – Vide AÇÃO POPULAR
EXONERAÇÃO - Vide LEGITIMIDADE DE PARTE
CONDOMÍNIO
Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
CONSTITUCIONALIDADE
COFINS – Vide COOPERATIVA
Vide PERDIMENTO DE BENS
CONTRATO SOCIAL
Vide DESEMBARAÇO ADUANEIRO
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
Multa moratória. Inconstitucionalidade.
Norma geral de direito tributário. Aplicação da lei. Lei mais benigna. Garantia constitucional.
Competência reservada. Lei complementar................................................................................................314
Vide RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
COOPERATIVA
Natureza jurídica. Tributação. Lei complementar. Inexistência.
Constitucionalidade. Medida provisória. Base de cálculo. COFINS.
Poder tributário. Limitação. Isenção. Atos cooperativos Internos. ...........................................................324
CORREÇÃO MONETÁRIA
Vide SFH
CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO
Vide DIREITO DE PREFERÊNCIA
CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
Serviços funerários. Pagamento antecipado. Autorização administrativa. Inexistência.
Erro de tipo. Inexistência. Erro de proibição. Diminuição da pena. Prescrição retroativa.
Denúncia. Requisitos.
Sentença. Princípio da correlação...............................................................................................................158
CRIME DE RESISTÊNCIA
Estrangeiro. Tipicidade.
Prova testemunhal. Agente da polícia.
Suspensão condicional do processo. Descabimento...................................................................................189
CRIME SOCIETÁRIO
INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA – Vide DENÚNCIA
-DDANO
Vide RESPONSABILIDADE CIVIL
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
407
DANO MORAL
Morte. Cirurgia dentária. Infecção. Nexo causal.
Indenização. Critério.
Responsabilidade civil. Hospital. Ônus da prova. Código de Defesa do Consumidor...............................115
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
PROCESSO PENAL – Vide RECURSO JUDICIAL
DENÚNCIA
Crime contra o meio ambiente. Crime societário. Individualização da conduta. Suficiência.
Autoria. Indício. Justa causa. Ação penal...................................................................................................216
DESEMBARAÇO ADUANEIRO
Contrato social. Falsificação de autenticação. Irrelevância.
Documento necessário. Importação. Princípio da legalidade. Observância.
Pena de perdimento. Mercadoria importada. Anulação..............................................................................372
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Execução fiscal. Crédito previdenciário.
Penhora. Falência. Produto da arrematação. Remessa. Juízo da falência...................................................297
DIREITO DE SEQÜELA
Vide EMBARGOS DE TERCEIRO
DOCUMENTO NOVO
Vide AÇÃO RESCISÓRIA
-EEMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EFEITO INFRINGENTE – Vide PROCESSO TRABALHISTA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Penhora. Execução hipotecária. Apartamento. Permuta. Terreno.
Construtora. Inadimplemento. Financiamento. Construção.
Direito de seqüela. Inaplicabilidade. Terceiro de boa-fé.
Quitação. Compra e venda. Registro de imóveis. Comissão.
Hipoteca. Cancelamento.............................................................................................................................283
ENTORPECENTE
Habeas corpus de ofício. Trancamento da ação penal. Tráfico internacional. Folhas de coca.
Atipicidade..................................................................................................................................................194
Tráfico internacional.
Estado de necessidade. Prova. Inexistência.
Pena.............................................................................................................................................................225
ERRO DE PROIBIÇÃO
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
ERRO DE TIPO
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
ESTADO DE NECESSIDADE
PROVA – Vide ENTORPECENTE
408
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
EVICÇÃO
Indenização. Prejuízo. Comprovação. Necessidade.
Sentença de liquidação. Coisa julgada. Ofensa............................................................................................93
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Vide PROCESSO TRABALHISTA
EXECUÇÃO FISCAL
FGTS. Redirecionamento. Sócio-gerente. Impossibilidade. CTN. Inaplicabilidade..................................306
FGTS. Redirecionamento. Sócio-gerente. Necessidade de prova. Dolo. Culpa.........................................379
Vide DIREITO DE PREFERÊNCIA
EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA
Vide EMBARGOS DE TERCEIRO
-FFALÊNCIA
Vide DIREITO DE PREFERÊNCIA
FGTS
Vide EXECUÇÃO FISCAL
FIANÇA
Vide LIBERDADE PROVISÓRIA
FILHA DE CRIAÇÃO
Vide PENSÃO MILITAR
-HHABEAS CORPUS DE OFÍCIO
Vide ENTORPECENTE
HIPOTECA
Vide EMBARGOS DE TERCEIRO
-IICMS
Vide COMPETÊNCIA
IMPORTAÇÃO
DOCUMENTO NECESSÁRIO – Vide DESEMBARAÇO ADUANEIRO
Vide COMPETÊNCIA
IMPOSTO DE RENDA
Remessa para o exterior. Filial.
Acordo internacional. Bitributação. Matriz. Inaplicabilidade....................................................................389
INCONSTITUCIONALIDADE
Vide IPI
INDENIZAÇÃO
Vide EVICÇÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
409
INTERESSE DE AGIR
Vide COMPETÊNCIA
INTIMIDADE
CONCURSO PÚBLICO – Vide AÇÃO POPULAR
IPI
Princípio da não-cumulatividade.
Inconstitucionalidade. Lei anterior.
Crédito. Saída de mercadoria. Alíquota zero..............................................................................................358
ISENÇÃO
Vide COOPERATIVA
-LLEGITIMIDADE DE PARTE
Hospital Conceição. Decisão administrativa. TCU.
Exoneração. Servidor sem concurso público.
Ilegitimidade ativa. Empregado.
Assistência. Possibilidade...........................................................................................................................272
LEI COMPLEMENTAR
Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
LEI MAIS BENIGNA
Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
LIBERDADE PROVISÓRIA
Fiança. Contrabando. Descaminho.
Ministério Público. Audiência prévia.
Prisão preventiva. Desnecessidade.............................................................................................................198
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Vide PROCESSO TRABALHISTA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Vide SAT (SEGURO CONTRA ACIDENTE DO TRABALHO)
-MMANDADO DE SEGURANÇA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – Vide RECURSO JUDICIAL
MEIO AMBIENTE
Vide DENÚNCIA
Vide RESPONSABILIDADE CIVIL
MORTE
CIRURGIA DENTÁRIA – Vide DANO MORAL
MULTA MORATÓRIA
Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
-P-
410
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
PAGAMENTO INDEVIDO
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
PECÚLIO
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
PENA
Vide ENTORPECENTE
PENHORA
Vide EMBARGOS DE TERCEIRO
PENSÃO MILITAR
Benefício previdenciário. Filha de criação. Ilegitimidade ativa.
Agravo retido. Contra-razões. Reiteração. Necessidade.............................................................................144
PENSÃO POR MORTE DO MARIDO
Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
PERDIMENTO DE BENS
Constitucionalidade.
Veículo automotor. Prisão em flagrante......................................................................................................311
PRESCRIÇÃO RETROATIVA
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
PRINCÍPIO DA MORALIDADE
Vide AÇÃO POPULAR
PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE
Vide IPI
PROCESSO PENAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – Vide RECURSO JUDICIAL
PROCESSO TRABALHISTA
Embargos de declaração. Efeito infringente. Execução de sentença. Código de Processo Civil.
Aplicação subsidiária.
Liquidação de sentença. Cálculo. Preclusão...............................................................................................275
-RRECURSO JUDICIAL
Processo penal. Decisão interlocutória. Mandado de segurança.
Inviolabilidade. Advogado..........................................................................................................................207
REGISTRO DE IMÓVEIS
Vide EMBARGOS DE TERCEIRO
REMESSA DE OFÍCIO
Sentença. Prescrição. Omissão. Preclusão. Inexistência.............................................................................269
REMESSA PARA O EXTERIOR
Vide IMPOSTO DE RENDA
REPETIÇÃO DE INDÉBITO
FINSOCIAL. COFINS. Inscrição. “SIMPLES”.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
411
Conversão. Sentença. Compensação de crédito tributário..........................................................................302
REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL
Vide RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Acidente do trabalho. Trabalhador autônomo.............................................................................................127
Dano. Meio ambiente. Aterramento. Rio....................................................................................................133
HOSPITAL - Vide DANO MORAL
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
Contribuição social. Condomínio. Administrador.
Cerceamento de defesa. Inocorrência.........................................................................................................384
RESTITUIÇÃO DA COISA APREENDIDA
Indeferimento. Apelação criminal. Cabimento.
Contrabando. Descaminho.
Representação processual.
Trânsito em julgado. Desnecessidade.
Processo administrativo. Independência. Processo penal...........................................................................201
Competência. Vara criminal.
Propriedade. Prova......................................................................................................................................185
-SSAT (SEGURO CONTRA ACIDENTE DO TRABALHO)
Alíquota. Critério. Atividade preponderante. Filial.
Litigância de má-fé. Inocorrência...............................................................................................................393
SENTENÇA
CONVERSÃO – Vide REPETIÇÃO DE INDÉBITO
SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO
Vide EVICÇÃO
SERVIÇOS FUNERÁRIOS
Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
SFH
Mútuo. Correção monetária.
Índice. Caderneta de poupança. Data. Contrato.
IPC. Inaplicabilidade...................................................................................................................................101
“SIMPLES” (SISTEMA INTEGRADO PAGAMENTO IMPOSTO CONTRIBUIÇÕES
EMPRESAS PEQUENO PORTE)
Vide REPETIÇÃO DE INDÉBITO
SÓCIO-GERENTE
REDIRECIONAMENTO - Vide EXECUÇÃO FISCAL
-TTRÁFICO INTERNACIONAL
412
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
Vide ENTORPECENTE
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL
Vide ENTORPECENTE
TUTELA ANTECIPADA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – Vide BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
Fazenda Pública. Requisitos. Prova. Insuficiência......................................................................................288
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 403-413, 2002
413
BRANCA
ÍNDICE LEGISLATIVO
BRANCA
416
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 415-420, 2002
Código Civil Brasileiro
Artigo 147..........................................................................................283
Artigo 159..........................................................................................127
Artigo 1.107.........................................................................................93
Artigo 1.108.........................................................................................93
Artigo 1.109.........................................................................................93
Artigo 1.529.......................................................................................127
Artigo 1.538.......................................................................................127
Código de Processo Civil
Artigo 6º.............................................................................................272
Artigo 273............................................................................252/288/293
Artigo 475..........................................................................................269
Artigo 485..........................................................................................261
Artigo 523..........................................................................................144
Artigo 610............................................................................................93
Código de Processo Penal
Artigo 118..........................................................................................201
Artigo 120..........................................................................................185.
Artigo 240..........................................................................................207
Artigo 310..........................................................................................198
Artigo 648..........................................................................................194
Artigo 654..........................................................................................194
Código Penal
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 415-420, 2002
417
Artigo 13............................................................................................216.
Artigo 21............................................................................................158
Artigo 91............................................................................................201
Artigo 329..........................................................................................189
Artigo 334..........................................................................................201
Código Tributário Nacional
Artigo 106..........................................................................................314
Artigo 123..........................................................................................384
Artigo 135...................................................................................306/379
Consolidação das Leis da Previdência Social/1976
Artigo 15............................................................................................237
Consolidação das Leis do Trabalho
Artigo 879..........................................................................................275
Constituição Federal/1988
Artigo 5º.............................................................................................140
Artigo 109..........................................................................................153
Artigo 133..........................................................................................207
Artigo 146...................................................................................314/324
Artigo 174..........................................................................................324
Decreto nº 612/92
Artigo 26..................................................................................................
393...........................................................................................................
Decreto nº 2.637/98
Artigo 174..........................................................................................358
Decreto nº 61.899/67 ..............................................................................
389...........................................................................................................
Decreto-Lei nº 37/66
Artigo 104.......................................................................................... 311
Artigo 105..........................................................................................372
Decreto-Lei nº 7.661/45
418
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 415-420, 2002
Artigo 24............................................................................................297
Lei nº 4.717/65
Artigo 1º.............................................................................................140
Lei nº 6.368/76
Artigo 12.....................................................................................194/225
Artigo 16............................................................................................194
Lei nº 6.830/80
Artigo 2º.............................................................................................379
Lei nº 6.938/81
Artigo 14............................................................................................133
Lei nº 7.492/86
Artigo 1º.............................................................................................158
Artigo 16............................................................................................158
Lei nº 8.024/90 .................................................................................101
Lei nº 8.036/90 .................................................................................379
Lei nº 8.078/90
Artigo 6º............................................................................................. 115
Lei nº 8.212/91
Artigo 35............................................................................................314
Lei nº 8.213/91
Artigo 11............................................................................................243
Artigo 18............................................................................................243
Artigo 62..................................................................................................
240...........................................................................................................
Lei nº 8.383/91
Artigo 66............................................................................................302
Lei nº 8.906/94
419
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 415-420, 2002
Artigo 6º.............................................................................................207
Lei nº 9.032/95
Artigo 3º...................................................................................................
243...........................................................................................................
Lei nº 9.099/95
Artigo 89............................................................................................189
Lei nº 9.528/97 ..........................................................................243/314
Lei nº 9.605/98
Artigo 54............................................................................................216
Medida Provisória nº 2.113-27/2001
Artigo 56............................................................................................324
420
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 13, n. 43, p. 415-420, 2002
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