ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO AÑO XV, MONTEVIDEO, 2009, PP. 311328, ISSN 15104974 Jânia Maria Lopes Saldanha* e Angela Araújo da Silveira Espindola** (Brasil) A Jurisdição constitucional e o caso da ADI 3510. Do modelo individualista e liberal ao modelo coletivo e democrático de processo*** RESUMO Com a finalidade de garantir a conformidade entre a legislação e a Constituição, a jurisdição constitucional, plenamente considerada, apresenta intenso potencial para um começo de quebra da visão tradicional de processo civil. Dada sua perspectiva publicista e coletiva na sua forma direta e concentrada, ultrapassa as limitações impostas pelo individualista modelo de processo atual. Do mesmo modo, a sua abertura à sociedade aumenta o seu grau de legitimidade e concretiza os valores da democracia direta. Palavras-chave: processo constitucional, jurisdição constitucional, tribunais constitucionais, controle de constitucionalidade, legislação civil, Brasil. ZUSAMMENFASSUNG Zur Gewährleistung der Übereinstimmung von Gesetzgebung und Verfassung verfügt die im umfassenden Sinne verstandene Verfassungsgerichtsbarkeit über das erforderliche Potenzial, um die traditionelle Sichtweise des Zivilprozesses allmählich aufzubrechen. Angesichts ihrer direkt und konzentriert auf die Öffentlichkeit gerichteten kollektiven Perspektive überwindet sie die mit dem heutigen individualistischen Prozessmodell verbundenen Einschränkungen. Mit ihrer Öffnung gegenüber der Gesellschaft steigert sie zudem ihre Legitimität und verwirklicht die Werte einer direkten Demokratie. Schlagwörter: Verfassungsgerichtsprozess, Verfassungsgerichtsbarkeit, Verfassungsgerichte, Normenkontrolle, Zivilgesetzgebung, Brasilien. * Doutora em Direito (UNISINOS). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito e do curso de Direito da UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da UFSM – Universidade Federal de Santa Maria. Advogada. ‹[email protected]› ** Doutora e Mestre em Direito (UNISINOS). Professora do Curso de Direito da UNISINOS. Advogada. ‹[email protected]› *** Resultado parcial da pesquisa “O Sistema Autônomo de Solução de Controvérsias do Mercosul e as Cortes Supremas de Justiça dos seus Países-membros: Direitos Humanos e perspectivas para a consolidação da cidadania”, financiada pelo CNPq, desenvolvida no âmbito do Grupo de Pesquisas “Cidadania, Multiculturalismo, Poderes e Processos de Integração”. 312 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA ABSTRACT For the purpose of assuring accordance between legislation and Constitution, the constitutional jurisdiction, fully considered, shows high potential in order to break the old traditional view of the civil process. Given the publicist and collective perspective in its concentrated and direct style, it goes beyond the limitations of the usual individualistic model of process. Besides, its opening to society increases the legitimacy and accomplishes the values of the direct democracy. Keywords: Constitutional process, constitutional jurisdiction, constitutional courts, constitutionality control, civil law, Brazil. O legislador não deve perder de vista que as leis são feitas para os homens, e não os homens para as leis; que devem ser adaptadas ao caráter, aos hábitos, à situação do povo para o qual são feitas… Portalis 1. Introdução Para a comunidade jurídica brasileira, o dia 20 de abril de 2007 teve uma significativa importância. Durante dez horas, pela primeira vez na sua história o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, abriu suas portas para ouvir segmentos da sociedade relacionados ao tema objeto da demanda que é a constitucionalidade do artigo 5º da Lei da Biossegurança. Minuto a minuto, desde a abertura desse encontro para o diálogo da Justiça com a sociedade, foi possível acompanhar o desenrolar dos atos processuais em que o STF, numa atitude de humildade e sabedoria, calou para ouvir a sociedade, com o claro objetivo de construir coletivamente a futura decisão que deverá proferir. A história do Direito demonstra muito bem que, ao lado dos mimetismos intelectuais que permitiram a importação para o sistema jurídico brasileiro de instituições comparadas afastadas da realidade político-social e da cultura do Brasil, existem, por outro lado, inovações no campo jurídico afinadas com as exigências dessa mesma sociedade. Surgem, assim, legitimidades que se constroem com o uso. Esse é o caso da previsão de realização de audiência pública nos processos de controle de constitucionalidade, cuja eficiência, para o processo, somente será comprovada com o seu exercício. Pensar um novo modelo de jurisdição e de processo, abertos à cooperação e ao diálogo, exige espíritos livres que estejam preparados para as eventuais derivas que venham a seguir. Talvez essa, ao primeiro olhar, seja uma perspectiva inquietante, mas não menos interessante para todos aqueles que se dediquem a pensar profundas mudanças no sistema da prestação da Justiça. ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 313 Romper com o perfil privado e individualista de processo não favorece a seguridade intelectual que ele, ao menos no plano teórico, sempre proporcionou, ainda que com sacrifício da sua democratização (Parte 1). Mas é o próprio objeto abordado – o processo – que exige transgressão nas suas bases fechadas ao caráter repressivo da jurisdição, reduzida às partes individuais. O movimento à abertura que a constitucionalização do processo imprime pode bem mostrar o deslocamento importante do modelo de processo de perfil liberal para o modelo social, comprometido com os valores democráticos e republicanos. A audiência pública referida constitui-se num bom exemplo disso (Parte 2). 2. A Jurisdição constitucional e o modelo individualista de processo: fechamento à democratização O apelo, cada vez mais freqüente, à jurisdição constitucional, na sua feição direta e concentrada, indica um sintoma e um efeito. O sintoma é de dupla face. De um lado, quanto mais o Tribunal encarregado de controlar a constitucionalidade das leis é chamado, mais evidente resta que o legislador poderá estar fazendo uso de suas competências, tanto formais quanto materiais, ao arrepio da Carta Constitucional. Por outro, indica que os legitimados a provocar a jurisdição constitucional, no caso restrito do controle direto e concentrado, estão atentos à força normativa da Constituição e que o respeito a ela é condição de sobrevivência do regime democrático. O efeito, ao menos no plano teórico, é que quanto mais a jurisdição constitucional se abre à sociedade, mais legitimidade tende a agregar à sua atividade e, com isso, maior grau de confiabilidade e respeito poderá obter do meio social. O processo constitucional, nesse sentido, inova, porque rompe com o modelo tradicional de processo individualista e porque repousa sob a perspectiva de resultado mais amplo sob o ponto de vista dos atingidos pela decisão (1.1). Não apenas isso: provoca abertura da jurisdição constitucional à sociedade, tudo em contrário ao fechamento democrático que as estruturas ordinárias de processo conformam (1.2.) 2.1. A jurisdição constitucional e a constitucionalização do processo: Novos feitios, novos desafios Recém iniciado, o Século xxi tem apresentado surpresas em várias esferas. No plano das relações internacionais, o mundo nunca mais foi o mesmo depois do 11 de setembro. No âmbito das relações supranacionais a União Européia tem-se mostrado como um grande laboratório onde frutificam as aspirações pela harmonização dos marcos normativos e das atuações das instituições comunitárias, sobretudo com as promessas de construção de uma comunidade unida por laços cada vez mais estreitos e que busca forjar um destino comum.1 Os Estados-nacionais, embora vivamente atuantes no 1 Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Disponível em: ‹http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/12004V/htm/C2004310PT. 01000301.htm›. Acesso em 03 de maio de 2007. 314 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA cenário internacional, perderam, paulatinamente, seu papel de protagonistas. Nada que deva causar surpresa ou estranheza. O inexorável aumento da complexidade das relações no mundo contemporâneo tem fomentado um jogo cruzado entre os vários níveis, em cujo contexto o modelo estatal é apenas mais um. De todo modo, se cada vez mais o velho Estado-Nação se abre ao internacional, também este muito tem a aprender com ele. Se a sua re-fundação2 é uma proposta aberta diante da pluralidade de fontes, de poderes e de valores, o contexto regional, então caracterizado por processos de integração, e o contexto internacional, então caracterizado por relações entre atores com vocação universal, podem valer-se do ensinamento de experiências nacionais com vocação para a democracia e para o respeito dos direitos humanos. O caso do constitucionalismo, nesse sentido, é emblemático, uma vez que agregou valores universais3 no espaço puramente estatal. Nesse sentido, as Constituições de inúmeros Estados do mundo ocidental, aos poucos, como resultado de um mesmo processo de transformação que teve início na segunda metade do Século xx, trouxeram elementos novos para reger a vida intra-estatal, influenciadas que foram pelos movimentos em favor da democracia e pelo fim de qualquer tipo de totalitarismos, tão presentes na recente história daquele Século. Não só pela idéia grega de Justiça e Ética há muito relatada na Ética a Nicômaco de Aristóteles, e tampouco peloos princípios em favor da igualdade, liberdade e fraternidade, legados pela Revolução Francesa, mas também pela influência mais recente da Declaração Universal dos Direitos do Homem datada de 1948, é que as Constituições passaram a garantir um conjunto de direitos e princípios protetivos dos direitos do homem. Nada menos do que a expressão das aspirações e conquistas de cada povo. O surgimento da jurisdição constitucional ocorreu ao mesmo tempo em que se estabelecia a garantia daqueles direitos. Não seria mesmo possível que as Constituições estabelecessem valores para reger a vida em sociedade e não estabelecessem minimamente condições de acesso à sua efetivação e respeito. O chamado ao juiz seria inevitável, uma vez que para garantir a inteireza da Constituição se tornava necessário dotar o julgador de poder suficiente para afastar qualquer inconstitucionalidade ou ameaça de inconstitucionalidade. O direito processual, em vista disso, foi elevado à categoria constitucional na maioria das Cartas Constitucionais, seja porque inúmeros princípios de processo foram inseridos no conjunto dos direitos fundamentais, como o direito de acesso à Justiça, em processo público, conduzido por juízes imparciais e independentes, seja porque 2 Uma estratégia prescritiva, nesse sentido, pode ser encontrada em Nicolás María López Calera. Yo, el Estado. Madrid: Editorial Trotta, 1992, p. 81-116. Também em Manuel García Pelayo. Las transformaciones del Estado contemporáneo. Madrid: Alianza Editorial, 1982. 3 É disso que trata Peter Haberle quando se refere à Constituição como cultura, como um arquétipo que traz como elementos fundamentais a dignidade humana e a soberania popular. In: Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000, p. 33. ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 315 um conjunto de direitos garantidores das liberdades públicas poderia ser invocado em Justiça por meio de ações apropriadas ao seu melhor exercício.4 Não era, porém, suficiente. Fazia-se necessário que as Cartas Constitucionais previssem como e por quais caminhos procedimentais os seus juízes realizariam a tarefa de controlar a constitucionalidade dos atos dos legisladores e dos administradores, no jogo cruzado de competências muito próprio dos sistemas federativos à moda montesquiana. A resposta, no caso brasileiro, foi dada pela adoção do sistema misto de controle da constitucionalidade5 que atribui aos juízes poderes de realizar esse controle tanto em casos concretos, quanto diretamente, num processo dito objetivo, porque ausente o interesse individual e o litígio, ambos signos da matriz clássica de processo. No entanto, se os juízes nacionais são encarregados de realizar o controle da eficácia da Constituição, ainda permanecem atrelados ao modelo liberal-individualista de processo que, baldados os esforços reformistas da última década, continua a moldar um tipo de jurisdição inefetiva e burocrática, refém da limitação subjetiva, da restrição da prova e da extensão da coisa julgada, como abaixo será analisado. 2.2. O modelo individualista de processo como retrato do modelo de Estado: Fechamento à democratização Por certo que para além de prever um caminho – o controle da constitucionalidade – no corpo das Cartas Constitucionais, fazia-se necessário identificar-se antes quem é o Estado, qual o seu perfil, quais seus objetivos e qual a sua função no contexto de uma determinada sociedade. Ou antes: eleger um tipo de Estado que se pretende coerente com as exigências de um novo século e com a emergência de uma nova sociedade. Daí a acuidade da observação de Mirjan Damaska ao afirmar que “la pregunta no es sólo qué tipo de procedimiento queremos, sino tambiém qué tipo de organización del Estado poseemos”.6 Deste modo, antes de investigar sobre que tipo de Jurisdição ou de Processo Judicial se pretende para uma determinada sociedade, é inevitável observar qual o perfil do Estado. Isso implica dizer que o direito, para além do simples texto de lei, tem sua substância moldada pela Constituição, e que o juiz, para além de um funcionário público e do objetivo de resolução de um conflito intersubjetivo, é um agente de poder que, através da interpretação/hermenêutica da lei e do controle da constitucionalidade, faz valer os princípios constitucionais que estão sempre por trás de toda e qualquer lei. Nesta perspectiva, toda e qualquer decisão deve partir dos princípios constitucionais e da implementação de direitos fundamentais, exercendo, o judiciário, papel de extrema importância para a consolidação dos valores inscritos na Constituição. Resta, 4 No caso brasileiro, os princípios constitucionais processuais e as ações constitucionais para a garantia das liberdades públicas estão inseridos no artigo 5º da Constituição Federal. 5 Veja-se Lenio Streck. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 225-282. 6 Mirjan Damaska. Las caras de la justicia y el poder del Estado. Santiago: Editora Jurídica de Chile, 2000. 316 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA portanto, a conclusão de que a função nitidamente jurisdicional não se contenta com o modelo de solução de controvérsias – de cariz eminentemente privado, individualista –, mas ultrapassa-o para atender aos valores constitucionais. Identificado o Estado que se possui, só então é possível fazer as opções. E a opção feita, num curto prazo, tem sido pela reforma legislativa e não pela refundação do processo (ou do Estado), o que tem corroborado aquela matriz clássica do processo. Ora, o Estado, no contexto brasileiro, é um Estado que se diz “democrático de direito” (assim consta no prefácio da Constituição Federal), porém comporta-se como um “liberal de direito” (assim é extraído do seu texto legal e das suas preocupações iminentemente individualistas ou reféns da lex mercatoria). Porém, esse Estado que se diz democrático, mas se comporta como liberal, padece as crises de um Estado social sem nunca ter alcançado o conteúdo deste. A preocupação exclusiva com as normas de direito processual, desconectada da perspectiva histórica e cultural, fez com que durante muito tempo fossem desconsiderados três elementos: o aumento de bens a serem tutelados, o aumento dos sujeitos de direito e a ampliação do tipo de status dos sujeitos.7 Esses três elementos forjaram o desvelamento de novos direitos (em especial aqueles direitos sociais, direitos de solidariedade, os direitos transindividuais, a questões relativas à bioética e ao biodireito, os direitos advindos da realidade virtual…), carentes não só de um amparo legal, de eficácia jurídica, mas sobretudo, carentes de eficácia social, ou seja, de efetividade diante da sua violação ou da ameaça de sua violação. Em suma, seja na órbita do direito nacional, regional ou internacional, os problemas jurídicos exigem respostas democráticas que considerem a emergência dos novos direitos; porém as respostas colocadas à disposição são aquelas de ordem individualista, de perfil liberal-normativista. Configura-se, assim um profundo descompasso entre os desejos e possibilidades. O aparato posto à disposição para solucionar, por exemplo, uma lesão a direitos coletivos ainda está atrelado à matriz clássica do direito processual, caricaturada no Código de Processo Civil,8 ignorando o próprio sentido da Constituição e a aproximação recíproca dos ordenamentos (e culturas) jurídicos. 7 Uma exploração mais cuidadosa sobre o assunto, afirmando os direitos como classe variável, portanto, não a-histórica ou a-temporal, pode ser encontrada na obra, já clássica, de Norberto Bobbio (A era dos direitos). Já não é possível negar que os direitos se modificam e continuam a modificar-se com a mudança das condições históricas (direitos que foram considerados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas), e o direito processual necessariamente deverá mostrar-se impactado, sensibilizado, diante dessa dinamicidade do direito e da realidade social. 8 Atento a essa problemática e sem desprezar as experiências de tutela jurisdicional dos direitos e interesses transindividuais de diversos países, tem-se trilhando um novo caminho na ordem nacional e regional, com vistas a criar um modelo original, aderente às regras pré-existentes nos ordenamento ibero-americanos, que aperfeiçoa e complementa: o Código de Processo Civil Coletivo, inspirado no Código Tipo Ibero-americano. Nestes moldes, não há uma característica exclusivamente nacional, mas um verdadeiro sistema ibero-americano de processos coletivos, harmonioso e completo, que assume como desafio a transformação de um processo individualista num processo social. Nesse sentido, é imperioso examinar o texto do anteprojeto de lei do CPC Coletivo Brasileiro, bem como o Código Geral de Processo do Uruguai (1989), o Código Civil e Comercial da Nação, da Argentina, de 1993 (bem como sua Constituição, de 1994). No direito lusitano, caminhando nesse mesmo sentido, tem-se a Lei da Ação Popular, com a proteção dos direitos ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 317 Nesse mesmo sentido situam-se os estudos que Owen Fiss realiza no contexto da tradição jurídica da Common Law. Embora seus estudos sejam realizados em um sistema jurídico distinto, não se pode negar a (re)aproximação que se tem verificado entre as tradições jurídicas ocidentais da common law e a romano-canônica. Ademais, parece ser pertinente a abordagem que Owen Fiss faz, bem como compatível com os anseios (e problemas) da sociedade moderna, guardadas as diferenças entre as tradições jurídicas. Owen Fiss afirma, com propriedade, que “the function of a judge is to give concrete meaning and aplication to our constitucional value”,9 ou seja, ao judiciário incumbe a atribuição de sentido e significado aos valores constitucionais (“give meaning to our public value”). Não se trata, por óbvio, de tornar o judiciário parte ativa na política de grupos de interesse ou o advogado das minorias, mas também, não há que se imaginar um judiciário silente, “neutro” perante ameaças a valores constitucionais.10 A tarefa da jurisdição não é declarar o ‘certo’ ou o ‘errado’, ou simplesmente atribuir significado à lei, mas realizar, no caso, o que foi prometido pela Constituição. Trilhando caminho semelhante, adverte Castanheira Neves que assumir a jurisdição na perspectiva da implementação dos valores constitucionais para além do modelo de solução de controvérsias (arraigado a uma visão individualista), é refutar o modelo do normativismo-legalista, bem como o modelo do funcionalismo jurídico,11 em nome de uma perspectiva polarizada no homem-pessoa, sujeito da prática problemáticajudicanda e assumido como a reafirmação/recuperação do sentido da prática jurídica como iuris-prudentia. Daí falar-se da importância do papel e da atuação do juiz para a concretização dos valores constitucionais. De outro modo, é necessário considerar que a atividade da jurisdição é ainda predominantemente marcada pela decidibilidade. Nesse sentido é irrenunciável a lição de François Ost de que decidir é produzir tempo. E se a jurisdição decide por meio do direito processual, é vital reconhecer que esse requer uma nova programação para adequar-se às exigências contemporâneas,12 o que perpassa minimamente: a- por uma revisão dos princípios da demanda e dispositivo; b- por uma revisão da clássica noção individuais homogêneos (1995), as ações inibitórias para a defesa dos interesses dos_consumidores (1996). Também na Espanha, desde a reforma processual civil de 2000, há uma preocupação intensa com a defesa de direitos transindividuais. Celso Anicet A. Lisboa. “Aproximação recíproca dos diversos ordenamentos jurídicos por meio dos Códigos-modelo: algumas tendências do processo civil brasileiro moderno. In: Revista de Processo, nº 116. São Paulo: RT, pp. 231-247. 9 Owen Fiss. “The forms of justice”. Harvard Law Review 1, v. 93, 1979, p. 4. 10 Reproduzindo Owen Fiss, tem-se que “judges have no monopoly on the task of giving meaning to the public values of the Constitution, but neither is there reason for them to be silent. They too can make a contribution to the public debate and inquirity.” Owen Fiss. “The forms of justice”. Harvard Law Review, v. 93, 1979, p. 2. 11 Sobre a crítica ao funcionalismo, ver Antonio Castanheira Neves. “Entre o ‘legislador’, a ‘sociedade’ e o ‘juiz’ ou entre ‘sistema’, ‘função’ e ‘problema’: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito”. In: Boletim da Faculdade de direito da Universidade de Coimbra, n. 74 (1998) – separata. 12 Nesse sentido os “quatro tempos do Direito” de François Ost são significativos. Quando esse autor estabelece a teia jurídica que envolve a “memória, o perdão, a promessa e o requestionamento”, os tempos do Direito, é possível compreender que também no campo do processo não só as mudanças do texto processual exigem transformação mas, antes, imprimem um mal-estar que somente poderá ser superado na medida em que o jurista reconhecer que a mudança não se 318 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA de parte processual associada apenas aos envolvidos na lide descrita para o juiz, com restrita possibilidade de ampliação, tanto do pólo ativo quanto passivo, às hipóteses de intervenção de terceiros; c- por uma nova leitura do princípio da iniciativa probatória, ainda preponderantemente restrita à iniciativa da parte, embora o sistema processual confira iniciativa probatória ao julgador e; d- por uma crítica profunda ao sistema da coisa julgada interpartes. Trata-se, em verdade, de provocar um verdadeiro exercício de tradução intertemporal que exige do jurista o alargamento de seus campos de mentalidade para acolher um processo diferente em que a decisão a ser dada seja resultado de uma construção. A jurisdição constitucional proporciona essa possibilidade. É do que trata o próximo item. 3. Jurisdição constitucional e o modelo coletivo de processo: o caso da ADI 3510 e a prática da democracia direta Falar de jurisdição constitucional em sua perspectiva coletiva é, desde logo, falar de um outro modelo de jurisdição, seja quanto à sua estrutura de atuação, seja quanto à competência de seus juízes, seja quanto ao seu sentido. Quanto à sua estrutura de atuação, difere do processo civil clássico porque marcada, sobretudo, pela competência colegiada para decidir ações originárias, à exceção das hipóteses em que o Relator, isoladamente, pode responder pelo destino do processo. No que se refere à competência, o modelo transgride as matérias comuns que a jurisdição está habituada a enfrentar, para deparar-se com temas de significativa repercussão social e de envergadura política, muito próprios dos casos em que o Supremo Tribunal Federal é provocado para decidir acerca do respeito à Constituição. Justamente por isso é que a jurisdição constitucional está aberta à sociedade, permitindo seu ingresso, por meio de representantes, no processo de controle direto. Por fim, no que diz com seu sentido, é preciso reconhecer que somente por intermédio dessa jurisdição aberta à sociedade é que o processo responderá às exigências republicanas de seu exercício democrático, enquanto poder do Estado que tem por finalidade maior concretizar os valores constitucionais. Assim, o processo constitucional, do qual as ações de controle concentrado da constitucionalidade são apenas uma parcela, implica em pensar a jurisdição, o processo e – por que não? – o direito processual, sob a perspectiva publicista, afinada em boa medida mais com a origem do modelo processual da tradição comum do que com o modelo de processo próprio da tradição civil, do qual o processo brasileiro é herdeiro.13 O primeiro, tendo por esteio o papel da jurisprudência e dos precedentes. O segundo, ainda comprometido com o legiscentrismo. O primeiro, de perfil coletivo, do qual são exemplo as class action do direito americano, com extensão da coisa julgada dá no vazio, mas no quadro de uma reforma de paradigmas, que envolve um repensar filosófico, sociológico e político. In: François Ost. O tempo do Direito. Lisboa: Piaget, 2004. 13 Sobre o tema, consulte-se: John Henri Merryman. La tradición jurídica romano-canónica. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 319 erga omnes ou ultra partes. O segundo, de perfil individualista, cujo paradigma é o processo de conhecimento de rito ordinário, com limitação da coisa julgada às partes individuais da ação. Mas a jurisdição constitucional brasileira, no que diz respeito ao controle concentrado, abre a via à perspectiva coletiva de processo, seja pelos entes legitimados à propositura da ação, seja pelos efeitos das decisões que profere (2.1). Tal publicismo, porém, não se esgota nessas possibilidades. A abertura do processo à participação de outros sujeitos para além das partes do processo ou no máximo, para as figuras interventivas clássicas, inaugura uma nova fase, ao permitir o diálogo da Justiça com a sociedade, através do processo, traduzindo-se em verdadeiro exercício de democracia direta (2.2). 3.1. Jurisdição constitucional e o modelo coletivo de processo: abertura à democratização Como referido, a Constituição Federal de 1988 instituiu o sistema misto de controle da constitucionalidade das leis no Brasil. A via difusa, que permite a qualquer juiz inaplicar uma lei que considere contrária à Constituição, cuja apreciação final poderá ser realizada pelo Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário, agora com as vias estreitadas em razão da imposição da justificativa da repercussão geral da matéria constitucional suscitada, tal como estabelece o seu artigo 102, § 3º, inserido por meio da EC/45-2004. A via concentrada, instrumentalizada por intermédio de ações específicas para tal, também previstas no mesmo dispositivo, sendo elas a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a ação por descumprimento de preceito fundamental, respectivamente inseridas no inciso I, “a” e § 1º. Para os limites deste trabalho interessam alguns aspectos concernentes às ações de controle concentrado, especificamente no que diz às leis que regulamentam o seu processo perante o único juízo competente que é o Supremo Tribunal Federal. Nesta esteira, a Lei 9868/99 regulamenta o processo das ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, bem como a Lei 9882/99 regulamenta o processo da ação por descumprimento de preceito fundamental. As Leis citadas, ao estabelecerem o processo das ações de controle da constitucionalidade expressam, de certa forma, a marca da jurisdição constitucional brasileira nesse aspecto,14 que é a de agir em um processo objetivo, sem as tradicionais partes dos processos de natureza individualista e que, por isso, geram uma outra e inusitada espécie de eficácia das decisões proferidas.15 O rompimento com o perfil individualista 14 Essa ressalva é necessária pois, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal não pode ser considerado uma Corte Constitucional “pura” nos moldes europeus, uma vez que possui competência bem mais ampla do que as Cortes Constitucionais européias, porquanto o art. 102 da Constituição Federal lhe atribui competência para o processamento e julgamento de pessoas e matérias que escapam à natureza da matéria constitucional. 15 Como por exemplo, a declaração de nulidade parcial de uma lei infraconstitucional, a declaração de nulidade parcial sem redução de texto, a interpretação conforme a Constituição. 320 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA e privado de processo16 cedeu passo a um processo de natureza coletiva, uma vez que as pessoas e entes legitimados pelo artigo 103 da Constituição Federal e repetidos nos artigos 2º das Leis 9868/99 e 9882/99, embora ajam em nome próprio, o fazem defendendo, invariavelmente, direito de toda a sociedade; daí projetarem para o exterior da demanda efeitos erga omnes e vinculantes para todos. Obviamente, a existência de um eficiente sistema de controle da constitucionalidade das leis infraconstitucionais atende aos reclamos sociais de que o Poder Judiciário esteja alinhado e comprometido com os mínimos padrões democráticos preconizados pelos Estados contemporâneos. Não só isso: ao abrir a possibilidade para que um grupo restrito de pessoas tenha legitimidade para provocar a jurisdição constitucional, delega às mesmas a responsabilidade de cuidar, de certa forma, para que o respeito aos princípios democráticos seja, em primeiro lugar, cumprido pelas casas legislativas. Por outro lado, constitui um novo modelo de jurisdição, muito distante das teorizações de Chiovenda, que via a jurisdição como atuação da vontade concreta da lei, e de Carnelutti, que a reduzia a atuar apenas diante de uma lide, afinado agora com a concretização dos valores que a Carta Constitucional prevê e assegura.17 Não só isso. Se a regra é que o Supremo Tribunal Federal no exercício da tarefa de controlar a constitucionalidade formal e material das leis é chamado a proferir decisões que repercutirão em toda a sociedade, em incontáveis situações chama mais a atenção, não a suscitação da inconstitucionalidade/constitucionalidade em si mesma, mas muito mais em razão da natureza da matéria levada à apreciação, que exige dos julgadores o escape da análise tão só jurídica, pelo fato de possuir natureza interdisciplinar. Nesse particular é que se faz necessário ponderar acerca da falibilidade e limitação do conhecimento jurídico puro. Se por um lado tal conhecimento é sempre necessário, por outro nem sempre será suficiente para balizar de forma razoável o julgamento. Desse ponto de vista, por mais elementos probatórios documentais que o processo de controle da constitucionalidade tenha e por mais conhecimentos inter/transdisciplinares18 que os julgadores possuam, nem sempre reunirão em si conhecimento suficiente para decidir, com base em critérios argumentativos razoáveis, a matéria posta. Consulte-se sobre esse tema Gilmar Ferreira Mendes. “As decisões de controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos”. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Brasília: Escola Nacional da Magistratura, 2007, pp. 21-88. 16 Análise crítica sobre o perfil privado de processo pode ser encontrada em, Ovídio Araújo Baptista da Silva. Jurisdição e execução na tradição jurídica romano-canônica. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1998. Jânia Maria Lopes Saldanha. O desvelar (alethéia) da sumariedade como condição de possibilidade para uma prestação jurisdicional efetiva: Uma tentativa de substancialização do direito processual civil. Tese. Tomo II. São Leopoldo: UNISINOS, 2004. 17 Owen Fiss, a propósito dessa compreensão renovada da jurisdição indica que a sua função é atribuir significado concreto aos valores constitucionais. Um novo processo civil. Estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. São Paulo: RT, 2004, p. 36. Do mesmo modo consulte-se: Luiz Guilherme Marinoni. “A jurisdição no Estado contemporâneo”. In: Luiz Guilherme Marinoni. (Org.) Estudos de direito processual civil. São Paulo: RT, 2005, p. 13-66. 18 Se o tema da interdisciplinaridade é relativamente novo na formação do jurista, há muito tem sido objeto de análise dos educadores. A vasta obra de Edgar Morin é um norte para que seja compreendida a necessidade de o pensador, sobretudo da área das humanidades, na qual o Direito está inserido, pensar e compreender o mundo não mais no horizonte da linearidade, mas ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 321 Se o processo civil tradicional, expresso na triangulação autor, juiz e réu, mantém o monopólio da decisão nas mãos do segundo, ainda que autor e réu devam contribuir para a sua formação, no âmbito de um processo que se pode reputar de cooperativo,19 a Lei 9868/99 inova sensivelmente nesta questão ao prever a possibilidade de manifestação no processo de outros órgãos e entidades. Insere-se no processo judicial, pela primeira vez, a figura do amicus curiae do direito norte-americano, conforme prevê o seu artigo 7º, § 2º, para o caso específico da ação direta de inconstitucionalidade. Ambas as Leis avançam ainda mais ao abrirem definitivamente o processo de controle direto da constitucionalidade à participação da sociedade. Tanto o artigo 9º, § 1º, relativo à ação direta de inconstitucionalidade, quanto o artigo 20, § 1º, que se refere à ação declaratória de constitucionalidade, ambos da Lei 9868/99, bem assim como o artigo 6º, § 1º, da Lei 9882/99 que regula o processo da ação por descumprimento de preceito fundamental, atribuem ao Relator da ação o poder de requisitar informações adicionais, nomear peritos ou comissões de peritos para o fim de emitirem pareceres sobre a questão ou, ainda, designar audiência pública para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Trata-se do reconhecimento legislativo do que há muito se discute em sede doutrinária, ou seja, de que o julgador do presente deveria abrir-se à sociedade para, junto dela, buscar subsídios à formação do seu convencimento, o que poderia constituir em fator ainda maior de legitimidade do próprio Poder. Para as duas ações de controle a que se refere a Lei 9868/99 o legislador previu outra inovação digna de nota: a possibilidade de realização efetiva daquilo que Mireille Delmas-Marty20 denomina de coordenação por entrecruzamento. Os artigos 9º, § 2º e 20, § 2º, prevêem que o Relator da ação poderá solicitar informações junto aos Tribunais Superiores, aos Tribunais Federais e estaduais acerca da aplicação da norma questionada, o que sem dúvida fomenta e enriquece o necessário diálogo que deve realizar-se entre os juízes com vistas à melhoria da prestação jurisdicional. Nesse quadro, recentemente o Supremo Tribunal Federal realizou a primeira audiência pública para ouvir a sociedade no contexto da ação direta de inconstitucionalidade n.º 3510, por meio da qual se invocou a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei da Biossegurança. É dessa experiência que brevemente se tratará na seqüência. da complexidade, essa sim a exigir conxões e interconexões com outras áreas do conhecimento humano. Veja-se: Edgar Morin. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 19 Tanto a noção de diálogo como a de consenso afinam-se com a compreensão de processo cooperativo. Sobre esse tema consultar: Carlos Alberto Alvaro Oliveira. “Poderes do juiz e visão cooperativa do processo”. Revista AJURIS, nº 90. Porto Alegre, 2003. 20 In: Les forces imaginatives du droit (II). Le pluralisme ordonné. Paris: Seuil, 2006, pp. 39-68. A autora insere a coordenação por entrecruzamento no âmbito do que denomina de processos de interação que ocorrem entre diversas esferas de poderes decisórios. No caso específico da coordenação por entrecruzamentos diz que pode ocorrer entre órgãos jurisdicionais nacionais ou não, destituídos de hierarquia entre si. Segundo a autora, trata-se do reconhecimento da necessária interdependência que existe entre vários conjuntos de ordens normativas e decisórias que acaba por exigir o estabelecimento de um diálogo permanente entre elas, o que torna qualquer pretensão de isolamento impossível e gera, por isso, a chamada “internormatividade de fato”, uma vez que as instâncias decisórias acabam por imitar uma às outras, fomentando uma “fertilização recíproca” em razão das influências cruzadas. 322 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA 3.2. O caso da ADI 3510: a abertura à democracia direta Entre o sonho da Justiça perfeita e aquela que de fato existe, é que a criatividade humana frutifica e faz surgir, aos poucos, novos instrumentos processuais para atribuir mais eficiência à tutela jurisdicional, tentando aproximar-se do mito daquela perfeição. O caso da ação direta de inconstitucionalidade nº 3510 é um bom exemplo dessa busca. Trata o caso da argüição de inconstitucionalidade do artigo 5º 21 da Lei de Biossegurança que permite a utilização de células tronco embrionárias para fim de pesquisa e terapia. A ação data do ano de 2005 e foi proposta pelo então Procurador Geral da República Cláudio Fontelles. A matéria objeto do processo é daquelas que, reconhecidamente, carregam em si característica transdisciplinar, porque perpassam o jurídico, o religioso e o científico e suscitam vivo debate, de um lado, sobre o início da vida humana e, de outro, sobre os limites que se pretende impor à ciência no marco de disciplinas que até tempo não longínquo eram totalmente desconhecidas da comunidade jurídica, como a bioética e o biodireito. O Relator do processo – Ministro Carlos Brito –, como se pode ver do histórico da ação disponibilizado no sítio do Supremo Tribunal Federal, após ter oportunizado o debate entre as partes, em atenção ao princípio do devido processo legal, dando concretude ao artigo 9º, § 1º, da Lei 9868/99 abriu as portas daquele Tribunal à sociedade, designando audiência pública para manifestação de entidades e categorias ligadas ao tema em discussão em decisão publicada no dia 19.12.2006. A referida audiência pública realizou-se no dia 20 de abril de 200722 e dela participaram vinte e duas pessoas, representando entidades da sociedade civil, entre elas setores religiosos, científicos, categorias e agrupamentos sociais23 que se fizeram ouvir 21 Art. 5o - É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já estejam congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Teor disponível em: ‹http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105. htm›. Acesso em 09 de junho de 2007. 22 O sítio do STF indica que foi dada ampla publicidade à audiência, com transmissão ao vivo de todos os atos pela TV Justiça e pela Rádio Justiça. O procedimento adotado pelo Relator para a realização da audiência foi aquele previsto nos artigos 255 a 258 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, aplicado analogicamente ao processo judicial, uma vez que o Regimento Interno do STF não possui previsão relativa à audiência pública. Consulte-se: ‹http://www.stf.gov.br/›. Acesso em 09 de junho de 2007. 23 O STF convidou 18 pessoas, sendo elas: 1- Mayana Zatz, geneticista, professora-titular da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular; 2- Lygia da Veiga Pereira, biofísica, professora associada da Universidade de São Paulo, com experiência em genética humana; 3- Rosália Mendes Otero, médica pesquisadora, professora-titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 4- Stevens Rehen, neurocientista, presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento e professor da UFRJ; 5- Antonio Carlos Campos ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 323 pelos onze Ministros da Corte Suprema, expondo seus pontos de vista favoráveis ou contrários ao teor do artigo 5º da Lei da Biossegurança. Desse modo, indaga-se se a audiência pública se tornou, assim, símbolo da prática de Justiça aberta à sociedade por ter sido a primeira ou, ainda mais do que isso, porque agregou um sentido profundamente democrático à jurisdição, viabilizando a aproximação do processo coletivo de controle da constitucionalidade com a sociedade, no marco da efetivação de alguns princípios processuais conhecidos, mas que até então repousavam no campo restrito dos processos de natureza individualista? de Carvalho, médico, doutor em Ciências Biológicas pela UFRJ. Coordenador de pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras e professor visitante do Albert Einstein College of Medicine, EUA; 6- Luiz Eugenio Araújo de Moraes Mello, médico, pró-reitor de Graduação da Unifesp, vice-presidente da Federação das Sociedades de Biologia Experimental; 7- Drauzio Varella, médico, dirige, ao longo do Rio Negro, um projeto de bioprospecção de plantas brasileiras para testar no combate a células tumorais malignas e a bactérias resistentes a antibióticos; 8- Oscar Vilhena Vieira, advogado especialista em direitos humanos, professor da Escola de Direito da FGV e da PUC-SP e diretor-executivo da Conectas Direitos Humanos; 9- Milena Botelho Pereira Soares, bióloga, ligada à Universidade Estadual de Feira de Santana, à Fiocruz/BA e à Fundação Oswaldo Cruz; 10- Ricardo Ribeiro dos Santos, médico, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador científico do Hospital São Rafael (BA); 11- Esper Abrão Cavalheiro, pesquisador, ex-presidente do CNPq e da CTNBio, é professor-titular da Universidade Federal de São Paulo; com estudos sobre epilepsia e neurologia experimental; 12- Marco Antonio Zago, médico, diretor da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, professor da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências; 13- Moisés Goldbaum, médico, professor do departamento de Medicina Preventiva da USP; 14- Patrícia Helena Lucas Pranke, farmacêutica, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da PUC-RS, além de presidente do Instituto de Pesquisa com Célula-Tronco; 15- Radovan Borojevic, biólogo, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 16- Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, médico, chefe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da USP; 17- Débora Diniz, antropóloga, diretora-executiva da ONG Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e professora da Universidade de Brasília (UnB); 18 - Júlio César Voltarelli, professor titular do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP, coordenador da Divisão de Imunologia Clínica, do Laboratório de Imunogenética (HLA) e da Unidade de Transplante de Medula Óssea do HCFMREP-USP. A Procuradoria Geral da República convidou 11 pessoas. São elas: 1- Alice Teixeira Ferreira, professora associada da Unifesp; 2- Cláudia Batista, professora da UFRJ; 3- Elizabeth Kipman Cerqueira, médica ginecologista, coordenadora do Centro de Bioética do Hospital São Francisco de Jacareí (SP); 4- Lilian Piñero Eça, pesquisadora em biologia molecular, integrante do Instituto de Pesquisa com Células-Tronco (IPCTRON); 5- Herbert Praxedes, professor da Faculdade de Medicina da UFF (RJ); 6- Antonio José Eça, diretor de Recursos Humanos do CAS (Células Tronco Centro de Atualização); 7- Lenise Aparecida Martins Garcia, professora-adjunta do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília; 8- Marcelo Paulo Vaccari Mazzetti, vice-presidente do Instituto de Pesquisa de CélulasTronco; 9- Dalton Luiz de Paula Ramos, livre-docente pela Universidade de São Paulo, Professor de Bioética da USP e membro do Núcleo Interdisciplinar de Biotética da UNIFESP; 10- Dernival da Silva Brandão, especialista em Ginecologia e membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina; 11 - Rogério Pazetti, graduado em Biologia pela Universidade Mackenzie e Doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. A Conferência nacional dos Bispos do Brasil convidou Rodolfo Acatauassú Nunes, Mestre e Doutor em cirurgia geral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Livre docente em cirurgia geral torácica pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. A Presidência da República convidou 4 pessoas: 1 - Lucia Braga, presidente e diretora-executiva da Rede Sarah; 2 - Móisés Goldbaum, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; 3 - Patrícia Helena Lucas Pranke, diretora presidente do Instituto de Pesquisa com Célula Tronco e Diretora do Banco de Sangue Cordão Umbilical do Ministério da Saúde; 4 - Ricardo Ribeiro dos Santos, foi professor titular da FMRP/ USP. Atualmente é pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz. Disponível em: ‹http://www. stf.gov.br/›. Acesso em 09 de junho de 2007. 324 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA Sem dúvida, no que diz respeito à democratização do processo, essa ação oferece significativa lição. O artigo 9º, § 1º, não impõe ao Relator a obrigação de ouvir a sociedade. Trata-se apenas de uma permissão. Assim, o simples fato de o Relator do processo ter usado da prerrogativa que a Lei 9868/99 lhe atribui, mostra que agiu com ousadia a coragem, uma vez que optou, de forma consciente, por enfrentar o desafio – como tudo que é novo provoca – de colher elementos junto aos segmentos da sociedade para a formação do convencimento dos julgadores. Por que ousadia e coragem? Porque o exercício da democracia carrega em si mesmo o risco do erro e da ilusão, uma vez que é por natureza diversidade e divergência. Em um tempo em que se pretende seja o processo rápido, informal e simples, aumentar o número de sujeitos que dele participam imprime um movimento contrário às aspirações contemporâneas de Justiça, porque agrega maior complexidade ao ato de julgar. Mas talvez seja preciso reconhecer que a cultura da urgência e da virtualização substituída pelo inusitado do encontro e da oralidade, permite que seja prestada uma Justiça com mais qualidade e maior comprometimento social. È que a virtualização, segundo Benasayag,24 e a rapidez que a ela está associada é, invariavelmente, o mundo do impalpável. O real é o inoportuno, o opaco, o que inquieta justamente por clamar um lugar na cultura da transparência. Mas é justamente esse lugar ao real que foi dado pelo STF ao permitir que a sociedade, por diversos representantes, pudesse falar no processo, tornando-o, com isso, o espaço da reflexão e do pensamento. De outro modo, a experiência da ADI 3510 revigora um valioso princípio processual que é a oralidade, previsto em inúmeros dispositivos do Código de Processo Civil25 e tão pouco exercido, devido ao modelo de processo caracterizado pela hegemonia da linguagem escrita que as escolas de Direito se tem encarregado de perpetuar, entregando à sociedade uma legião de profissionais hábeis no silêncio da comunicação por meio do papel e ao mesmo tempodele reféns e, por isso, incapazes de reconhecer a importância da oralidade. Como se sabe, a tradição oral, se não impede, dificulta a elaboração científica, na medida em que se prende à experiência singular de um lugar, de um meio e de um caso em sua singularidade. E sendo assim, inverte a tradição escrita e sua lógica da conservação e da normalização. Daí a resistência a ela. O mesmo pode ser dito das formas procedimentais que ocorrem no âmbito do Poder Judiciário – como as experiências dos Juizados Especiais, que têm na oralidade um princípio significativo e que, de certo modo, prestigia a verossimilhança. A pouca atração dessas experiências está diretamente associada não só a sua estrutura pós-burocrática26 de solução de conflitos, já que conta com a participação de outros atores 24 Miguel Benasayag. La fragilité. Paris: La Découverte/Poche, 2007, p. 12. Como por exemplo nos artigos 125, IV; 331; art. 447 e 448. 26 Sobre isso consultar Jânia Maria Lopes Saldanha; Joséli Fiorin Gomes. A luta entre Zeus e os Titãs: um olhar sobre o enfrentamento da morosidade e da inefetividade no processo civil brasileiro a partir do uso e desenvolvimento do Direito Responsivo na experiência do Juizado Especial Cível de Santa Maria - RS. Estudo realizado no ano de 2004 no âmbito da pesquisa intitulada “A experiência do Juizado Especial Cível de Santa Maria: tornando prática o Direito Responsivo e garantindo o Acesso à Justiça”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS. 25 ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 325 além do juiz, mas de igual modo, com a informalidade de seu ritual que relativiza as formas e prioriza o consenso. Como o mito de Sísifo, a tensão entre o que é normal e o que é patológico parece não ter fim ou, se o tem, longe está de acabar. A dificuldade de atribuir valor a esse Judiciário pós-burocrático traz à lembrança a lição de Vittorio Denti27, quando afirmou que a burocratização da função judiciária atende a “um programa político de racionalização do modus operandi dos órgãos judiciários, que é um dos aspectos fundamentais do iluminismo”. Não é ilusório pensar-se que a história do Século xx é a história da burocratização em todos os campos organizacionais, inclusive o da atuação estatal e, particularmente, do Poder Judiciário. Esse não é um fenômeno restrito aos limites do estado brasileiro, mas muito mais vasto e que acompanhou o desenvolvimento do mundo ocidental.28 Assim, a participação das 22 pessoas representantes da sociedade na ADI 3510 deu às mesmas a oportunidade de demonstrarem suas razões acerca de tema tão polêmico no âmbito da sociedade brasileira. Trata-se de reconhecer, de certo modo, toda a falibilidade da democracia representativa, uma vez que nem sempre o produto final do processo legislativo pode chegar simplesmente à sociedade. Além disso, as discussões que o processo legislativo oportuniza, por vezes, não serão suficientes para afastar a dúvida da constitucionalidade da lei. Nesse sentido, o Judiciário, chamado a agir, tradicionalmente tem dado a última palavra relativamente à manutenção ou não no sistema jurídico de dispositivo legal acusado de violar a Constituição. E o tem feito usando das prerrogativas processuais que tradicionalmente estão previstas nas leis processuais, sendo a principal delas a garantia do contraditório às partes. A possibilidade de “ouvir” segmentos da sociedade que a audiência pública oportuniza no âmbito das ações de controle direto e concentrado da constitucionalidade, quebra a cadeia de formas e atos que burocratizam a relação processual. Ao mesmo tempo dá a essa última a necessária dutilidade para acolher outras pessoas que não reúnem em si a condição de partes, tampouco de terceiros intervenientes, mas que se encontram numa posição fático-jurídica que lhes permite participar “sem ser partes”, pelas condições que reúnem de influenciar na formação do convencimento de quem deverá julgar. É que a realidade social a ser analisada hoje, e que clama por reformas, é infinitamente mais complexa do que aquela do tempo em que foram construídos e codificados os principais institutos de direito processual. Desse modo, parecia inevitável e desejável mesmo que chegasse o tempo em que o Poder Judiciário reconhecesse suas limitações e se voltasse para a sociedade para com ela construir a decisão. 27 Vittorio Denti. Un progetto per la giustizia civile. Bologna: Società Editrice Il Mulino, 1982. p. 101. Outros autores italianos, como Michele Taruffo, demonstram a preocupação com a eficiência da Justiça arraigada à ordinariedade. O processualista lembra que o controle burocrático da Justiça responde a uma finalidade inerente à estrutura autoritária do Estado e ao ordinário funcionamento da atividade decisória. In: Michelli Taruffo. “L’obbligo di motivazione della sentenza civile tra diritto comune e iluminismo”. In: Rivista di diritto processuale. Milão, 1974. pp. 276 e segs. 28 Consultar FISS, Owen. Um novo processo civil…, pp. 163-203. 326 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL... / JÂNIA MARIA LOPES SALDANHA ANGELA ARAÚJO DA SILVEIRA É justamente dessa possibilidade que se forja o que se pode denominar de processo pós-burocrático. Pressupondo a limitação cognitiva de quem julga, abre-se à sociedade trazendo democratização ao processo, mas ao mesmo tempo mantém a obrigação de o julgador manter-se engajado no diálogo processual, ouvindo não só as partes do processo, mas outros interessados para fundamentar sua decisão final, assumindo a responsabilidade coletiva pela decisão. No âmbito da ADI 3510 não se pode imaginar qual será o teor da decisão a ser proferida, ante a natureza profundamente polêmica do tema envolvido. Para o efeito deste trabalho, o mérito na verdade não é o que está em questão, mas a riqueza da experiência realizada, que permite que se dirija um novo olhar ao processo e ao papel que deve desempenhar para a concretização dos valores democráticos. 4. Considerações finais A proposta lançada não é exatamente um convite à exploração de vias inéditas, mas antes um olhar inédito para questões que já de longa data clamam por uma atenção especial e por um compromisso entre o possível e o ideal, como refere Lipovetsky. Uma nova forma de atuar o direito exige uma nova forma de atuar (e compreender) a jurisdição e novas atitudes dos juristas. Assim, a passagem do Estado absoluto para o Estado liberal, com a formação de um Estado de Direito, significou não só uma profunda alteração na roupagem do Estado, mas também implicou transformações nas concepções de direito e de jurisdição.29 A matriz individualista precisa ceder ante as exigências de solidariedade e democracia participativa, e a atuação jurisdicional não pode manter-se alheia a esse novo palco. A indagação sobre os contornos da justiça e sobre o funcionamento dos tribunais perpassa a humanidade desde a Grécia Antiga, conforme se observa na comédia de Aristófones “As Vespas”. Igualmente, o desencanto e o descrédito no juiz-vespa se projeta na atualidade. Porém, é preciso encontrar uma alternativa entre o dogmatismo e o ceticismo, assumindo para tanto que o jurista detém a condição de sujeito da História das instituições jurídicas, entre elas a jurisdição e o processo. 29 Veja nesse sentido, Luigi Ferrajoli, “Pasado y futuro del Estado de derecho”. In: Miguel Carbonell. Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003. Também publicado em Revista Internacional de Filosofía Política, nº 17, Madrid, 2001, pp. 31-46. ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO 327 Referências bibliográficas Doutrina Baptista Da Silva, Ovídio Araújo. Jurisdição e execução na tradição jurídica romanocanônica. 2. ed. São Paulo: RT, 1998. Benasayag, Miguel. La fragilité. Paris: La Découverte/Poche, 2007. Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 Brasil, Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Lei de Biossegurança. Disponível em ‹http:// www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm›. Acesso em 09 de junho de 2007. Calera, Nicolás María López. Yo, el Estado. Madrid: Trotta, 1992. Castanheira Neves, Antonio. “Entre o ‘legislador’, a ‘sociedade’ e o ‘juiz’ ou entre ‘sistema’, ‘função’ e ‘problema’: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito”. 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