UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
IV REUNIÃO EQUATORIAL DE ANTROPOLOGIA
XIII REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS NORTE E NORDESTE
TERRA E TURISMO, ENTRE TRADIÇÃO E MUDANÇA: UM ESTUDO SOBRE AS RELAÇÕES DE
PARENTESCO NA VILA DO ESTEVAM
AUTORA: Ana Luísa Lisboa Nobre Pereira – Estudante de Ciências Sociais/UFC
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Sá
DEFINIÇÃO DO OBJETO
A presente pesquisa, através da utilização do método
etnográfico, investiga a relação entre a organização social de
parentesco e a questão fundiária, que surge a partir da
especulação imobiliária gerada pelo turismo, na Vila do Estevam,
uma comunidade de
pescadores localizada na famosa praia de Canoa Quebrada, no
município de Aracati, no litoral leste do estado do Ceará.
A Vila do Estevam se constituiu a partir de um processo
distinto da população que reside mais ao centro do bairro, onde
está localizada a Avenida Principal. O ponto marcante dessa
diferença está no fato dos estevenses terem conseguido, após um
processo exaustivo de lutas e negociações, a posse da terra no
nome da Associação dos Moradores do Estevão de Canoa
Quebrada (AMECQ), que regulamenta seus usos e ocupações.
Na relação entre os discursos hegemônicos, institucionais e nãohegemônicos destacam-se dois movimentos opostos, marcantes e
em conflito: um que enaltece e legitima a associação por ser a
instituição que agrega atributos simbólicos muito significativos e,
além disso, tem legitimidade jurídica por ser proprietária da terra;
e, outro movimento que deslegitima a instituição e declara sua
falência.
PROBLEMATIZAÇÃO
No tocante à questão da terra, tão transversal quanto a do
parentesco, no contexto da chegada da indústria do turismo nas
faixas litorâneas do Nordeste do país, constata-se a disputa entre
grupos que têm interesse no turismo como importante força
econômica e as comunidades tradicionais, que há anos a ocupam,
sem interesse de registrá-la, pois a posse da terra é compreendida
como direito comum, destituídas de valor de mercadoria. Destacase, além do interesse de cunho privado, o interesse do Estado em
criar políticas públicas de desenvolvimento do turismo, a exemplo
das etapas em nível estadual e nacional do PRODETUR, para o
fortalecimento da economia nacional, por meio da criação de
fluxos de turistas no âmbito local e internacional, inclusive, com
financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e por meio da criação de uma complexa rede de articulação
institucional que também inclui o campo político.
METODOLOGIA
De fevereiro de 2011 a julho de 2012 estive em campo na
Vila do Estevam. Foi essa relação com o tempo, por meio de um
interesse e de uma implicação que surgiu de forma processual e
progressiva, que tornou possível a criação da presente etnografia.
Foi por ter tido muito tempo de desinteressar-me e despreocuparme da obrigação da pesquisa – enquanto o campo era apenas de
extensão -, afastar-me e voltar a aproximar-me de temas diversos
em campo (a consciência, as questões relativas ao gênero
feminino, o interesse pelo parto e, finalmente, a questão da terra e
parentesco), conferindo-me uma liberdade que permitiu a
possibilidade de experimentar diversos circuitos, fluxos, forças e
práticas locais, que, em um dado momento, percebi que havia sido
capturada, no sentido de afetada e não cooptada, pelas
intensidades.
Depois, comecei a identificar as pessoas com as quais eu
desejava ter uma interlocução mais próxima e a mapear as
instituições e moradores que tinham uma participação mais
ativa na vida delas. Como já dito, o acesso a esses moradores
foi amplo. Consegui boas entrevistas, conversas, relatos. Passei
a frequentar constantemente reuniões de instituições. Por fim,
para compreender melhor a relação entre a questão fundiária e
o parentesco, resolvi mapear o grupo familiar principal da vila,
a partir de Estevam e seus descendentes.
CONCLUSÃO
É nesse contexto de dominação que o cotidiano na vila se
inventa. Pelo processo de produção do outro, que pode ser melhor
compreendido nos conceitos locais de “vagabundos” e “nativos”,
nós e eles, se identificam diversos fluxos e movimentos criativos e
inventivos na vila, motivados por desejos múltiplos, sejam eles de
resistência ou não. Apesar das várias mobilizações, na vila do
Estevam existem práticas de resistência que torna possível a
manutenção de características tradicionais tão quistas como a
vivência de maritimidade, a pesca artesanal, os valores praianos dos
jangadeiros como o silêncio, o mistério, a constituição física do
território, que só são possíveis devido ao enfrentamento que se faz
ao legado do turismo deixado na comunidade.
O sistema de atitudes previsto nas relações de parentesco
relacionadas ao uso da terra, representados pelo termo “AME a
terra”, que, inclusive, transcendem a obrigatoriedade mais imediata
do valor familiar que é o de não entrar em conflito com os parentes,
é a maior prática de resistência que faz com que, hoje, apesar de
todas as dificuldades e luta diária, seja possível falar da Vila do
Estevam como vila do pescador.
REFERENCIAIS
DANTAS, Eustógio Wanderley Correia. Mar à vista: estudo da
maritimidade em Fortaleza. 2 Ed. Fortaleza: Edições UFC, 2011.
DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: as artes de
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FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado. Cadernos de campo. São
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RODRIGUES, Lea. Turismo, empreendimentos imobiliários e
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propriedade da terra, Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 10,
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SAHLINS, Marshall. What kinship is, Journal of the Royal
Anthropological Institute v. 17, p 2-19, 2011.
WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosaf Naify,
2012.
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