1 EIXO TEMÁTICO 2: Pesquisa e Práticas Educacionais O XADREZ PEDAGÓGICO E O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CRÍTICO Valéria Mastrogiuseppe Moraes Francisco Evangelista Introdução Esta investigação teve lugar numa escola da região de Itu, estado de São Paulo, justificando-se a escolha por dois motivos: em primeiro lugar, a escola é referência na região há muitos anos, devido ao seu trabalho com a comunidade e também pelo seu envolvimento e comprometimento de toda a equipe com a educação de excelência, merecendo destaque nacional e sendo premiada na categoria “qualidade da educação” entre 1800 escolas de todo o país, no ano de 2010, pelo trabalho pedagógico, infraestrutura, inclusão de alunos portadores de deficiência, gestão escolar, avaliações de rendimento escolar, participação dos pais e de toda a comunidade escolar no processo educativo e, em segundo lugar, por manter e valorizar um espaço para os temas transversais, intitulado de vivências tecnológicas, e,dentre elas, destacam-se o lego, a informática e o xadrez pedagógico. Como sujeitos do estudo, foi utilizada a população da classe do primeiro ano do Ensino Fundamental, composta por 30 alunos e a respectiva professora, por meio de uma entrevista não diretiva, que utilizou como instrumento para aferir as habilidades cognitivas um material lúdico muito conhecido dos alunos, o “quebra cabeça”, averiguando variáveis quantitativas e qualitativas antes e depois da intervenção do uso do xadrez. Os dados quantitativos foram analisados por meio de estatística descritiva dos resultados obtidos (representações gráficas e comparativos entre médias e percentuais), e os qualitativos (pesquisa avaliativa), depoimento/impressões da professora, foram interpretados com base no material teórico. A intenção deste trabalho, é a de defender a utilização do jogo de xadrez como ferramenta pedagógica nas atividades desenvolvidas no Ensino Fundamental com as crianças, através de um Projeto Pedagógico que utiliza como metodologia o lúdico no desenvolvimento de conhecimentos e do pensamento crítico, e em específico o jogo de xadrez. 2 Os jogos são métodos de ensino por intermédio dos quais o professor pode conhecer seu aluno e a realidade do grupo, suas dificuldades, necessidades e comportamentos em geral; e utilizar como ferramentas para estimular o desenvolvimento cognitivo, físico-motor, moral e social; substituindo a passividade do ensino tradicional pelo entusiasmo de aprender, e é neste sentido que referenda Piaget : O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola tradicional, dado o fato de parecerem destituídas de significado funcional. Para a pedagogia corrente é apenas um descaso ou o desgaste de um excedente de energia. Mas esta visão simplista não explica nem a importância que as crianças atribuem aos seus jogos e muito menos a forma constante de que revestem os jogos infantis, simbolismo ou ficção, por exemplo.(PIAGET, 1975, p.158 ) Nesse contexto, torna-se necessária a reflexão dos professores em relação aos conteúdos e suas práticas pedagógicas, para que elas provoquem e estimulem os alunos exprimirem suas ideias, seu modo de pensar e de compreender o mundo através de perspectivas mais abertas e mais humanas,fazendo uso de atividades com jogos como desafios cognitivos, a fim de desequilibrar as estruturas mentais destes, com o intuito de promover avanços no seu desenvolvimento por um todo. Torna-se indispensável que os pais percebam o valor educacional dos jogos e entendam o verdadeiro sentido em sala de aula, apoiando os professores na sua utilização dentro do espaço escolar; compreendendo que educar ludicamente é um ato consciente e planejado, sendo que, na maioria das vezes, os alunos ficam mais agitados e conversam mais do que o normal durante essas atividades, devendo interpretar essa “bagunça saudável”, como um momento de aprendizagem significativa e profundamente enriquecedora. Por sua vez, os professores precisam deixar claro que essas atividades lúdicas não implicam passividade de sua parte e sim a intenção de mostrar as contradições, os vazios e inconsistências no pensamento dos alunos, desafiando-os a superá-los. Para que essa tarefa se realize a contento, os professores devem ser, antes de tudo, competentes no conteúdo envolvido na atividade lúdica e comprometidos a atingir os objetivos esperados com tal atividade, planejando todo o processo, com estratégias e técnicas para facilitar a compreensão, permitindo livre expressão das concepções espontâneas e também da assimilação das regras a serem cumpridas, extraindo do jogo o que for de seu interesse para lhe ajudar nos conteúdos abordados. 3 Nesta reflexão sobre a formação dos professores para as atividades lúdicas, contribui Ceccon (1984): De uma maneira ou de outra, quando se encontram diante de uma turma de alunos, percebem que as crianças têm uma dificuldade enorme de seguir o programa. Também se dão conta de que eles próprios, professores, foram mal preparados para o trabalho que têm que fazer.(CECCON, 1984,p.15) Cabe, portanto, aos professores fazer uma introspecção analítica, capaz de levá-los a compreender, aceitar e corrigir deficiências pessoais, incorporando a chance de modificar seus conceitos e seus comportamentos, para, dessa forma, olharem ao seu redor para efetiva participação nas mudanças que se fizerem necessárias e atribuírem a parcela de responsabilidade pelo estágio em que se encontra a escola e a educação atuais . Assim sendo, os professores devem ainda compreender que a escola somente despertará para melhoria, quando cada um se dispuser a mudar a si mesmo; praticar a humildade e entender-se como ser limitado, passível de novas aprendizagens, capazes de acrescentar elementos novos em suas aulas, utilizando atividades diversificadas , respeitando cada aluno, como ser único e especial. Dentre essas atividades diversificadas, ressalta-se neste trabalho a utilização do lúdico, e dentre os jogos, a utilização do jogo de xadrez, por tudo que até aqui foi explanado. É bem verdade que muito se discute sobre o jogo de xadrez e seus usos na educação, mas sua utilização exige, por parte das escolas, da criação de algumas condições ainda não existentes na maioria delas. Essa afirmação deve-se ao fato de que muitas escolas o têm utilizado como atividade extracurricular ou exercícios nas aulas de Educação Física. Este trabalho pretende, sem desconsiderar tais práticas, demonstrar que o jogo de xadrez tem muitas vantagens e merece ser inserido de modo sistematizado no ensino escolar e apresentar a sua utilização sob outra perspectiva. Uma das formas de prática escolar é utilizá-lo como tema transversal, permeando a prática educativa em diversas áreas ou mesmo inserindo-o como disciplina desde as séries iniciais e adotando-o como política pública das secretarias municipais ou estaduais de educação,embasado pela Lei de Diretrizes e Bases da 4 Educação Nacional-Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que relata em seus artigos 26 e 32 e acordando com Moura Netto 1(2011) : A educação fundamental e média poderá ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela e que deverá estimular as atividades que possam estimular o cálculo, a leitura, a escrita, a resolução de problemas, entre outros. No meio acadêmico, o lúdico no campo educacional é amplamente debatido e a importância do jogo para o desenvolvimento humano tem sido objeto de estudo das mais diferentes abordagens e convergem como metodologia significativa de ensino. Dinâmicas enxadristas aplicadas : Os resultados produzidos expressam as características das três dinâmicas préenxadrísticas aplicadas, a saber: Primeira dinâmica: Você me conhece? Gráfico 1: Distribuição dos alunos quanto a escolha da peça mais familiar 16 14 12 10 8 Peças 6 4 2 0 Peão 1 Torre Bispo Cavalo Rainha Rei Charles Moura Netto - Entrevista disponível em http://www.xadreztotal.com.br/entrevista-com-o-professor-charles-moura-netto.pdf>. Acesso em 10/01/2014. 5 O gráfico 1, mostra o resultado da primeira dinâmica, “Você me conhece?”, onde se pode observar que metade das crianças, ou seja, 15 delas (50%) escolheram o peão, como a mais familiar, seguido do rei, 5 delas (17%), 4 escolheram o cavalo (13%), a torre foi escolhida por 3 alunos (10%), a rainha por 2 alunos (7%) e o bispo por apenas uma criança (3%) sendo que esta dinâmica, consistia em que o aluno escolhesse uma peça que soubesse com precisão o nome dentre todas as peças do xadrez. Segunda dinâmica: Quem sou eu? Gráfico 2: Peças reconhecidas pelos alunos Reconhecimento das peças 23% Certas Erradas 77% Pode-se observar no gráfico 2, que dentre os 30 alunos da classe, 23 deles (77%), reconheceram as peças aleatoriamente escolhidas enquanto que apenas 7 deles (23%), erraram o nome da peça . Terceira dinâmica: Vá para sua casa A dinâmica constituía de cada criança retirar uma peça de dentro de um recipiente contendo 30 peças de xadrez, sendo 5 de cada figura. Após o sorteio, elas teriam que se encaminhar a mesa correspondente á peça retirada. Essas dinâmicas iniciais justificam-se na teoria de Piaget (1975), nas diferentes etapas de formação cognitiva da criança o que mostra a necessidade de organizar um sistema pedagógico 6 orientado de acordo com o estágio de desenvolvimento das mesmas, e para tanto foi desenvolvido um conjunto de métodos (dinâmicas) que tornam possível um aprendizado mais significativo e eficaz. Esquema da dinâmica Rei Rainha Cavalo Torre Peão Bispo Gráfico 3: Direcionamento das crianças ao grupo das peças sorteadas Direcionamento ao grupo 10% Correto Errado 90% 7 Apresentação e análise dos dados Pode-se observar no gráfico 3 que o resultado dessa dinâmica nos mostra que 27 desses alunos (90%) direcionaram-se ao grupo correto quando do sorteio da peça, e agora apenas 3 crianças (10%) não acertaram . Essas técnicas foram de fundamental importância para que as peças fossem reconhecidas e interiorizadas, atuando assim como facilitadoras no processo de ensino aprendizagem do xadrez pedagógico. A seguir estão expostos os resultados encontrados a partir dos levantamentos realizados nesta investigação, com relação ás médias dos alunos antes da intervenção (uso do xadrez) e após a intervenção, e quanto á aplicação do jogo de quebra-cabeça e seu tempo de execução, também antes e após a intervenção. Conforme Laville e Dionne (1999), a distribuição de uma variável fornece uma primeira ideia de seu comportamento. Para esta pesquisa, foi escolhida dentre as medidas de tendência central de uma análise estatística, a média dos dados coletados. Média aritmética consiste na soma dos valores coletados da variável em estudo dividida pelo número total desses valores. Quanto às medidas de dispersão, utilizou-se o desvio padrão, obtido pela raiz quadrada da variância, que indica o quanto os valores dos dados coletados desviam-se da média calculada. De posse desses valores, pode-se calcular o coeficiente de variação, ou seja, o grau de dispersão em relação à media populacional. Quanto menor for o coeficiente de variação, mais equilibrada será a distribuição. Verificaram-se também os valores mínimos (menor nota da turma) e os valores máximos (maior nota da turma) dos dados coletados. Média bimestral dos alunos: Tabela 1: Distribuição das notas dos alunos no primeiro semestre 1º bimestre (antes da 2º bimestre (após a intervenção) intervenção) Média 8,20 9,02 Desvio padrão 1,21 0,73 Mínimo 7,00 8,00 Máximo 9,50 9,80 Coeficiente de Variação 14,76% 9,22% Fonte: próprio autor 8 Gráfico 4: Média da turma média da turma 8,20 9,02 1º bimestre antes da intervenção 2º bimestreapós a intervenção Analisando os dados pesquisados referentes ás médias gerais semestrais dos alunos, elencados por bimestres, sendo que o segundo bimestre sofreu a intervenção, a tabela 1 aponta uma média de 8,20 com um desvio padrão de 1,21 para o primeiro bimestre enquanto que para o segundo bimestre encontrou-se uma média de 9,02 com um desvio padrão de 0,73. Utilizando esses valores é possível calcular o coeficiente de variação – CV, que é a estatística mais utilizada por pesquisadores na avaliação da precisão experimental e consiste no desvio padrão residual expresso em porcentagem da média geral. Conforme Pimentel Gomes (1985), o CV dá uma ideia da precisão do experimento. O autor classificou os CV’s em baixos, quando inferiores a 10%; médios, quando de 10 a 20%; altos, quando de 20 a 30% e muito altos, quando superiores a 30%. Assim sendo, quanto menor for o valor do coeficiente de variação, mais homogêneos serão os dados, ou seja, menor será a dispersão em torno da média. Voltando aos dados pesquisados, verificamos que no primeiro bimestre, antes da intervenção, o coeficiente de variação foi de 14,76%, classificado como médio, segundo o autor. No segundo bimestre, após a intervenção, o coeficiente de variação foi de 9,22%, que na classificação é considerado baixo, ou seja, um nível bem aceitável em relação a dispersão dos dados em torno da média, podendo considerá-los assim homogêneos. 9 Assim sendo, percebe-se que os dados referentes ao 2º bimestre, ou seja, após a intervenção do uso do xadrez pedagógico, mostraram-se mais homogêneos contendo notas mais próximas da média obtida, havendo dessa maneira, um nivelamento maior acerca dos aspectos cognitivos dos alunos. Tabela 2: Classificação do índice de Pearson Fonte: Levin ,1987 Conforme classificação da tabela 2 apresentada, pode-se verificar que o resultado obtido na pesquisa, quando da correlação entre as duas variáveis , no intervalo de 0,8 ≤ r < 1, em correlação forte e positiva. Esse coeficiente indica que, estatisticamente existe uma correlação entre as duas variáveis e ela se mostra forte e positiva, isto é, quando a variável x (nota) aumenta a variável y (tempo de execução do quebra cabeça) tende a aumentar, mostrando ser relevante a ferramenta pedagógica (quebra cabeças) utilizada pela professora, objeto deste estudo de caso. Considerações finais Ao analisar o desenvolvimento dos alunos sujeitos a intervenção com o xadrez pedagógico no estudo de caso aqui aplicado, verificou-se uma pequena, mas expressiva melhora nas médias gerais das disciplinas regulares, se levado em consideração o pouco tempo de prática com o jogo, entretanto não é possível distinguir se essa melhora se deu pelo fato dos alunos estarem sob a intervenção ou por causa de sua própria evolução intelectual. Observou-se também uma mudança de comportamento dos alunos, no sentido de estarem mais participantes e concentrados nas aulas e alguns melhoraram consideravelmente seu rendimento escolar, sendo que essa mudança no comportamento poderia explicar a evolução geral da turma, pois se um grupo começa a se comportar de forma diferente em sala o outro grupo tende a segui-lo nessa 10 mudança, conforme observação feita pela professora: "Evidenciei os progressos pela observação diária, a postura mais concentrada e atenciosa da maioria das situações. Analisando os dados, acredito que o trabalho com o xadrez trouxe grandes benefícios às crianças, oportunizando inúmeros desafios, ajudando-os a desenvolver diferentes habilidades. Aqueles alunos que estiveram mais engajados e comprometidos com o jogo de xadrez apresentaram melhores resultados em vários conteúdos, principalmente a matemática" Referências : CECCON, Claudius (e outros). A vida na escola e a escola na vida. Petrópolis: Vozes. 1984. 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