revista comemorativa
Missão
de angola
anos de presença
franciscana
| 25 anos | FIMDA |
1
sumário
06
PROVÍNCIA FRANCISCANA DA
IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL
Fundação Imaculada
Mãe de Deus de Angola
26
Revista comemorativa
do Jubileu de 25 anos da
Fundação Imaculada Mãe
de Deus de Angola
Província Franciscana
da Imaculada
Conceição do Brasil
Ministro Provincial:
Frei Fidêncio Vanboemmel
Vigário Provincial:
Frei Estêvão Ottenbreit
Textos e fotos:
Frei Gustavo Medella
Revisão:
Frei Walter de Carvalho Júnior
Edição e textos:
Moacir Beggo
Colaboração:
Frei Ermelindo Francisco e
Elisabete Barbero (Arquivo
da Província da Imaculada
Conceição)
Diagramação:
Jovenal Pereira
Sede da Província:
Rua Borges Lagoa, 1209
3º andar – Vila Clementino
São Paulo – Brasil
Tel.: 55-11-5576-7900
Sede da FIMDA:
Rua do Sanatório, s/n, Bairro
Palanka, Luanda, Angola
Tel.: 244- 946.232.288
2 |
FINDA |
25 anos |
editorial
“O
lhar o passado com gratidão, viver o presente com paixão e abraçar o futuro com esperança”. A mesma proposta que o Papa Francisco apresentou à Igreja para a celebração do Ano da Vida Consagrada está norteando esta publicação comemorativa pelos 25 anos da
Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola (FIMDA). Queremos,
nas páginas que seguem, traçar um breve panorama da presença da
Ordem dos Frades Menores em terras angolanas, construída à base de
esforço e entrega de muitos frades que deixaram o nome escrito nesta
história, sem contar o grande número de benfeitores que sempre estiveram juntos, pelas orações e pelo apoio material a esta iniciativa missionária e o povo angolano, razão de ser desta presença evangelizadora
na África.
É lógico que uma publicação limitada pelo número de páginas e também pelo olhar daqueles que a produziram nunca daria conta de transmitir a grandeza e a beleza desta história em sua integralidade. Para
além de toda a limitação, nosso desejo é que todos se sintam incluídos,
porque cada um, a seu modo, é pedra viva desta construção, que tem
como alicerce Jesus Cristo Pobre, Humilde e Crucificado, o mesmo que
tocou o coração de Francisco e transformou a sua vida.
14
06
08
13
14
30
23
A África nos chama
Trechos da carta do Ministro Geral Frei
John Vaughn motivando para a Missão
na África.
O 1º envio
para a Missão
Há 25 anos, no dia 16 de setembro de
1990, os três primeiros missionários
foram enviados para Angola na Missa
de Agudos. Frei Plínio, Frei Pedro e Frei
José chegaram a Malange no dia 25 de
setembro de 1990.
26
30
35
Frei Lotário Neumann
O missionário gaúcho escreveu para
sempre o seu nome na Missão. Ele
foi levado pela Irmã Morte no dia 4 de
janeiro de 1993.
41
História
Frei Estêvão Ottenbreit, o então Ministro
Provincial em 1990, fala nesta entrevista
das dificuldades, alegrias e desafios para
criar a Missão em Angola.
Abadessa Fabíola
46
Angola desperta
O frade angolano Frei Ermelindo
Francisco escreve sobre o seu belo país.
No coração da Missão
Frei Gustavo Medella, que viajou no
final de julho e começo de agosto
para Angola, traça um panorama da
Fundação Imaculada Mãe de Deus hoje.
O atentado
A presença em Kibala foi interrompida
durante um período da guerra devido ao
atentado sofrido por Frei Valdir Nunes
Ribeiro
Os frutos da Missão
Em 25 anos, a Missão de Angola colhe
os frutos deste trabalho missionário: 30
frades angolanos. Seminário com casa
cheia e 13 postulantes para o noviciado
de 2016.
Presença dos leigos:
fermento que fez crescer a missão
Segundo Frei Estêvão, ela pode ser
chamada mãe da Fundação Imaculada
Mãe de Deus.
apresentação
C
omo todos sabemos, há 25 anos, mais exatamente, no dia 25 de setembro de 1990,
pisavam o solo angolano os três frades
fundadores da atual missão franciscana em
terras angolanas. De lá para cá muitas coisas
foram feitas. Muitas delas deixaram fortes marcas no jeito de ser da nossa missão em Angola.
Muitas dificuldades foram suportadas, sobretudo pelos irmãos que por primeiro vieram e, com certeza, essas dificuldades fazem
parte dos alicerces que construíram esta missão. Muitas coisas boas também têm sempre
acontecido. Sinais de ressurreição prometida
a todos os que se dispõem a carregarem, pacientemente, a cruz em meio às dificuldades
do dia a dia.
Hoje, vivemos um momento propício para
dar graças. A tão sonhada, rezada e cantada
paz chegou e, mais importante, não somente
chegou mas ficou. Como Fundação vivemos
também um bom momento vocacional, com
nossas casas de formação cheias de formandos e, melhor ainda, com um excelente índice
de perseverança. Nossa missão evangelizadora tem se expandido, de maneira especial, em
nossas paróquias e missão. O amparo social
aos mais necessitados tem sido realizado, desde o atendimento de porta até serviços mais
elaborados como o Projeto “Nossos Miúdos”,
o Projeto “INZO de Inserção Digital”, o Projeto “Bola da Paz” e as Escolas Paroquiais.
Portanto, temos motivos de sobra para dar
graças ao Senhor. E que essa ação de graças
solene seja também o momento de revermos
nossa caminhada e, sempre de novo, nos dispormos a dar passos firmes para que os próximos 25 anos sejam vividos debaixo da graça
do Senhor. Que assim nossos confrades neste
futuro, agora distante, possam também eles
ter motivos de dar graças ao Senhor!
Frei José Antônio dos Santos
presidente da Fundação Imaculada
Mãe de Deus de Angola
mensagem
Frei Michael Anthony Perry, OFM
Ministro Geral
C
aros Irmãos,
Com alegria e gratidão uno-me a vocês nesta
celebração dos 25 anos da Fundação Missionária em Angola.
Quero agradecer a Deus pelo dom do carisma missionário dado a São Francisco de Assis que impulsiona nossa Ordem para viver e
anunciar o Evangelho pelo mundo afora. O
mandato de Jesus a seus discípulos ainda ressoa em nossos ouvidos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura”
(Mc 16,15). Nesta ocasião agradeço de modo
especial a todos os confrades que deixaram
tudo em seu país e colocaram-se à disposição
do projeto de Deus para viver e anunciar o
Evangelho em Angola.
Há 25 anos, quatro confrades chegaram a esta
missão cheios de entusiasmo por saber que
estavam concretizando um gesto significativo
da Província da Imaculada por ocasião das
celebrações do 1° centenário da restauração.
Hoje todos podem ver os frutos do esforço
dos confrades missionários e angolanos que,
juntamente com outros religiosos e leigos,
fizeram e fazem tanto para que mais pessoas
tenham vida em abundância e conheçam o
Evangelho de Jesus Cristo, fonte de vida eterna.
As dificuldades que surgiram, especialmente
pelos momentos de conflitos e guerras, certamente não foram poucas. Contudo, o Mestre
e Senhor que nos chama à vida consagrada e
à missão nunca nos abandona. A missão pertence a Ele. Obrigado a todos os missionários
que resistiram e não abandonaram as ovelhas
diante do perigo!
Sabemos que durante os 25 anos houve muito
empenho na evangelização, foram realizados
muitos trabalhos, construções e organização
de comunidades. Muitos jovens angolanos
sentiram o chamado de Deus para serem
4 |
FINDA |
25 anos |
franciscanos e alguns já se consagraram a Ele.
Tudo isso é fruto da presença significativa da
vida franciscana.
Quero recordar-lhes os valores centrais de
nossa vida. Primeiro a nossa relação com
Deus, que deve ser sempre cultivada com
atenção e amor. Depois a nossa relação fraterna: a pertença à fraternidade vem antes de
qualquer outra categoria de pertença e também a fraternidade precisa de dedicação total
e de empenho evangélico e absoluto; não se
contentem nunca com uma qualidade de vida
medíocre em fraternidade. Ainda, coloquem
em prática a simplicidade de vida e sobriedade para dar um maior testemunho possível
ao povo angolano. Enfim, como nos sugere
também o Papa Francisco, cuidado para não
caírem na armadilha do clericalismo, que não
tem nada a ver com a nossa identidade franciscana.
Esperamos que todo o empenho dos missionários continue produzindo frutos para o
Reino de Deus e que o povo angolano tenha
sempre mais vida em abundância. Que a reconstrução depois da guerra seja principalmente de uma sociedade mais justa, fraterna
e solidária. Esperamos também que o Senhor
da messe continue chamando jovens angolanos para se consagrarem a Ele e anunciarem
Jesus Cristo, único Salvador, com a vida e a
palavra.
Com toda gratidão invocamos as mais copiosas bênçãos sobre esta fraternidade.
Roma, 08 de setembro de 2015.
Ministro Provincial
C
aros Irmãos,
Tomás de Celano, ao narrar os inícios da conversão de São Francisco de Assis, relata que num
determinado dia, ao ser assaltado por ladrões que
lhe pediram uma identificação, ouviram do jovem Francisco esta resposta: “Sou um arauto do
grande Rei” (1Cel 16). E com o passar dos meses,
na inquietante busca da vontade do Senhor, ele
descobre no livro dos Evangelhos o real significado do ser arauto do grande Rei. Revestido com as
vestes do Evangelho, na gratuidade e a exemplo
de Cristo e de seus discípulos, Francisco caminha
por entre o povo para simplesmente levar a paz e
fazer o bem a todos. Esta forma de vida atraiu outros ‘arautos’ que, com e como Francisco, abraçaram a mesma vida identificada como ‘expressão’
viva do santo Evangelho (cf. 1Cel 32). E quando
chegam ao número de 12 ‘irmãos’’, vão a Roma e
se encontram com o Papa Inocêncio III e dele recebem o mesmo mandato evangélico: “Ide, com
o Senhor, irmãos, e pregai a todos a penitência”
(1Cel 33).
A Ordem Franciscana, desde os seus primórdios, se entende como irmãos enviados pelo Senhor para darem “testemunho da sua voz pelo
mundo universo” (CtOr 9).
Este espírito missionário, tão vigoroso e heroico nas origens da Ordem Franciscana, é fundamental para compreender e justificar a presença
dos 25 anos da nossa Província Franciscana da
Imaculada Conceição do Brasil em terras angolanas. Jamais podemos nos esquecer de que esta
Missão foi abraçada em tempos de dificuldades
extremas, de carências e de muitas dores. Contudo, não faltaram aos nossos primeiros confrades enviados a esta nova frente missionária a fé,
a ousadia profética e a coragem do testemunho.
Como também não podemos nos esquecer de
que estes primeiros irmãos eram o dom mais
precioso do nosso singelo ofertório, da nossa
ação de graças e do nosso gesto concreto de ‘res-
mensagem
Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM
tituição’ ao Senhor pelos missionários alemães
que haviam restaurado a nossa Província, a partir de 1891.
Esta singela revista quer ilustrar a vida dos 25
anos desta nossa Missão, hoje presente na Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola e na
alma do querido povo angolano com quem
partilhamos nossa vocação e missão. Uma ilustração que é acima de tudo um único e grande
hino de Ação de Graças!
Se a Missão persistiu nestes 25 anos, primeiro agradecimento se dirige ao Onipotente e
Bom Senhor, o Doador de todos os dons, e à
sua Mãe Santíssima, a Imaculada Virgem Maria, a “Mamã Muxima”, Mãe protetora da Missão. Nesta ação de graças a Deus está também
nosso agradecimento à Igreja de Deus que está
em Angola: Bispos, sacerdotes, missionários,
religiosos, religiosas e ao povo angolano. Uma
Igreja que nos acolheu, compreendeu, incentivou e nos perdoou nas nossas fragilidades humanas. Neste mesmo hino de ação de graças se
encontram todos os confrades que se fizeram
presentes na missão, tanto os da nossa Província
como os das outras Entidades: muito obrigado
pelo vosso “SIM” missionário. No mesmo hino
de louvor estão presentes todos os benfeitores e
benfeitoras, os voluntários e todas as pessoas de
boa vontade que, no mesmo espírito e unidade, compartilham a vida e a generosidade como
verdadeiros missionários. Enfim, neste mesmo
hino de ação de graças, já cantado no som e ritmo de Angola, estão os confrades, os postulantes, os aspirantes e os seminaristas da Fundação
Imaculada Mãe de Deus: irmãos dados pelo Senhor, com alma e rostos angolanos!
“Louvai e bendizei o meu Senhor, e dai-lhe graças, e servi-o com grande humildade”.
| 25 anos | FIMDA |
5
Documento
A ÁFRICA NOS CHAMA
T
Transcrevemos os principais trechos da Carta “A África nos chama”, apresentada pelo Ministro Geral Frei
John Vaughn, OFM, por ocasião do oitavo centenário
de nascimento de São Francisco. Este jovem continente foi escolhido pela Ordem Franciscana para dar continuidade à fraternidade que Francisco iniciou na pequena cidade de Assis.
Oferecimento franciscano
O irmão missionário será, primeiramente e antes de mais nada,
um hóspede e um discípulo na Igreja local; mas ele não vem com
as mãos vazias; seu dom à Igreja local é a espiritualidade franciscana, que está viva na Igreja universal. Cremos que esta espiritualidade é um aspecto particular da vida total da Igreja, à qual
os africanos têm direito, como qualquer outro membro da Igreja
universal. Nós procuramos compreender este novo modo à luz
dos sinais dos tempos hoje, e estamos muito animados, neste
sentido, pelas respostas dos Bispos, encontradas numa recente
viagem de orientação pela África.
Resposta africana
Esperamos que este novo modo de enfrentar as coisas clarifique
outro aspecto daquilo que a missão é na Igreja hoje. A evangelização é um processo com duplo sentido: no sentido em que se dá
e se recebe. Portanto, em nosso caso deveria existir uma resposta
africana ao nosso oferecimento da espiritualidade franciscana.
Até agora, a vida e o trabalho de Francisco foram interpretados
6 |
FINDA |
25 anos |
quase exclusivamente em termos de cultura ocidental, especialmente na cultura de Assis e da Itália. Cremos que a experiência
africana dos valores humanos e religiosos possa dar-nos, a nós todos, novas intuições dos valores, tão importantes para nós, como
a oração, a pobreza, a minoridade, a alegria, a simplicidade, a vida
fraterna, o estilo de vida evangélica ...
Prioridade sobre o trabalho
Nossa decisão de sublinhar o valor da fraternidade sobre o trabalho implica numa nova escolha importante. Também o nosso
método missionário deve assumir um caráter diferente. O primeiro objetivo é a realização destes valores da fraternidade em
nosso estilo de vida. A própria experiência da fraternidade se
converte num objetivo. Para nossos irmãos será um passo essencial para o momento em que todo o peso da missão estará sobre
os ombros deles.
No passado os irmãos andaram pelas regiões mais afastadas do
mundo para levar o Evangelho e, muitas vezes, estiveram a sós por
muito tempo. E muitos ainda vivem assim. Isto não é contrário ao
franciscanismo e temos o maior respeito e admiração por seu espírito de sacrifício e pelos resultados obtidos. É uma opção pelo bem
da missão. Pensamos que esta escolha deva ser cedida aos próprios
irmãos africanos. Mas, deveriam ter, sobretudo, a plena experiência da fraternidade franciscana; somente mais tarde, e com esta
experiência, poderão decidir o que a vocação missionária parece
exigir deles, uma cultura particular, num tempo particular.
Novas estruturas jurídicas
A interprovincialidade deste Projeto-África terá também uma
particular estrutura jurídica para a nossa presença franciscana.
Uma vez que muitas situações só podem ser previstas de maneira
muito genérica, parece aconselhável que as estruturas devam ser
simples e flexíveis. Para ser eficaz, o grupo internacional e interprovincia1 dos irmãos fará bem reduzindo ao mínimo a quantidade de estruturas que agora tem e, por outro lado, assumindo
uma atitude aberta para a integração na cultura africana, já desde
o princípio.
Ao mesmo tempo, visto que serão necessárias algumas estruturas, para formar as Comunidades, para determinar as responsabilidades, para manter os laços com a Cúria Generalícia e com as
Províncias de origem, já se começou, na Cúria Geral, um estudo
para um esquema de estruturas provisórias adaptadas.
Preparação adequada
A cuidadosa preparação de uma iniciativa como está é uma
exigência justa da prudência e do interesse fraterno. De fato,
muitos bispos africanos e missionários nos aconselharam tomar muito a sério esta preparação. As diferenças culturais e as
sensibilidades nacionalistas são hoje muito mais aguçadas do
que eram no passado. Além disso, cada grupo levará consigo as
próprias dificuldades, causadas pela posição interprovincial e
internacional. O compromisso missionário põe-se em discussão, já desde o princípio, pela prioridade da inculturação e da
exposição transcultural.
Os membros de qualquer grupo que vá à África deverão conhecer-se bem entre si. Estes receberão uma primeira introdução na
cultura para a qual estão sendo designados e começarão o estudo
da língua. Neste estágio, a Secretaria Geral das Missões e uma
comissão consultiva terão um trabalho importante.
MOTIVAÇÕES DO PROJETO-ÁFRICA
Devemos reconhecer a importância que o Terceiro Mundo está
assumindo no atual desenvolvimento mundial. Sua riqueza em
matérias primas, a explosão demográfica e a sucessiva emigração
de milhões de pessoas, está produzindo efeitos políticos e econômicos duradouros. No entanto, o atual sistema de assistência econômica não poderá conter, por longo tempo, a energia potencial
que está escondida nestes países. Os peritos creem que a nova fase
dos anos 80 poderia ser a crescente tomada de consciência do
Terceiro Mundo a respeito de suas potencialidades. Tendências
semelhantes virão à luz na própria Igreja, e é importante que a
Ordem esteja preparada para enfrentar estes desenvolvimentos.
A África certamente desempenhará o seu papel neste crescimento de autoestima.
Também no campo religioso a África oferece oportunidades únicas. Ao contrário da Ásia, onde as religiões mundiais já há muito
tempo são de casa, a África poderá converter-se em cenário de
encontro entre as religiões mundiais, como o Cristianismo e o
Islã e as antigas culturas africanas. Isto daria uma oportunidade
às duas para encontrar novas respostas na integração cultural e
para uma atitude mais aberta para com as novas situações.
Tanto o Islamismo como o Cristianismo não deveriam perder a
ocasião de um novo modo de valorizar-se reciprocamente. Em
lugar de fazer-se a guerra, a nova situação deveria ser vista como
um convite para uma colaboração mais íntima em objetivos e
projetos comuns.
As perturbações, que estão acontecendo na África, tocam profundamente a muitos africanos. As mudanças políticas, econômicas e sociais privaram a muitos africanos de sua segurança e
da proteção de sua tradicional comunidade social. Muitos deles
estão isolados e marginalizados e em busca de uma nova comunidade. É sobre este tema da comunidade que os esforços missionários do Islã e da Cristandade poderão atingir aqueles africanos
que escutam atentamente e que estão em busca de identidade e
segurança. Não devemos aproveitar esta ocasião e oferecer-lhes
o carisma da fraternidade franciscana como resposta às suas necessidades?
Finalmente, teremos um número maior de irmãos africanos. Isto
nos ajudará a compreender melhor o Terceiro Mundo africano
e qual poderia ser a nossa colaboração franciscana. Então, os
franciscanos africanos serão os missionários de seu continente.
Esta seria uma notícia agradável até para as pequenas entidades já
existentes na África. Com o tempo, os reforços para eles deverão
chegar dos próprios africanos.
A autonomia do Terceiro Mundo em geral, e da África em particular, tem assim uma aplicação para aquilo que diz respeito ao
futuro de nossas fraternidades africanas. Mas o nosso motivo
para estabelecer mais solidamente a Ordem na África vai mais
além. A África e todo o Terceiro Mundo estão ansiosos para sair
de si mesmos. Não se recusam apenas a fazer o papel do necessitado, mas desejam compartilhar suas riquezas, que não são
riqueza econômica ou superioridade tecnológica, mas uma rica
experiência de formas de vida alternativa e de interação humana. Podem ainda oferecer valores e intuições religiosas. Aqui encontramos a Missão como processo com duplo sentido: naquele
em que o Primeiro Mundo assume o papel de quem recebe com
agradecimento.
Em nosso caso, esperamos com ansiedade saber mais do Francisco africano e dos pontos de vista e da experiência africana daqueles valores que reconhecemos como parte de nossa identidade franciscana. Este novo contato com o mundo africano pode,
pois, abrir nossos olhos ao sempre crescente número de asiáticos
e de africanos no Primeiro Mundo, milhões dos quais representam uma tradição não cristã. Poderia dar nova energia ao nosso
modo de ser missionário com eles e a tantas outras situações não
cristãs de nosso ambiente.
Uma presença mais intensa na África nos faz estarmos presentes,
de um modo positivo e de fato, entre os povos que passam fome,
que não têm casa, entre os enfermos, os analfabetos, as vítimas
da guerra e da tirania. São Francisco e seus seguidores podem
dar uma ajuda, mas sobretudo muita esperança, alegria e principalmente paz. Queira Deus conceder-nos a graça de sermos hoje
grandes pacificadores, especialmente entre os terríveis perigos
dos armamentos nucleares. Muitos irmãos preocupam-se em
promover a paz, o que é uma coisa ótima. Oxalá o nosso Projeto-Franciscano-África possa ser um projeto de paz!!!
Frei John Vaughn, OFM
Ministro Geral
Roma, 16 de janeiro de 1982
| 25 anos | FIMDA |
7
envio
“E PELO MUNDO EU VOU...”
Há 25 anos, no dia 16 de setembro de 1990, na Missa solene
no Seminário de Agudos foram enviados os primeiros missionários
O bispo de
Malange
recepciona
os primeiros
missionários
na chegada
a Malange.
À direita , a
celebração
do envio em
Agudos.
8 |
FINDA |
E
“
25 anos |
pelo mundo eu vou, cantando o teu
amor, pois disponível estou para servi-te,
Senhor!”
O canto ecoou solene na bela igreja do Seminário Santo Antônio de Agudos no dia 16 de
setembro de 1990, já Festa das Chagas de São
Francisco de Assis, festa que fala diretamente da
Cruz do Senhor, quando era celebrada a Missa
de Envio dos primeiros missionários a Angola.
Na celebração presidida pelo Ministro Provincial, Frei Estêvão Ottenbreit, estavam os três
missionários, que abririam as trilhas da Missão:
Frei Plínio Gande da Silva, Frei José Zanchet e
Frei Pedro Caron. Eles representavam os 550
frades da Província Franciscana da Imaculada
Conceição, que naquela momento dava o seu
“sim” à convocação do Ministro Geral, Frei John
Vaughn, com o pedido “A África nos chama”.
Antes de entregar a Cruz Missionária, o Ministro Provincial lhes fez três perguntas, em que
estava embutido o programa da Missão:
- Diante de representantes de mais de 20 Fraternidades de nossa Província, eu lhes pergunto se,
de fato, estão dispostos a partir e a perseverar
frei plínio
A MAIOR
EXPERIÊNCIA
DE DEUS NA
MINHA VIDA
em todas as adversidades e, na alegria franciscana, dar testemunho de total entrega à Missão,
incluída a própria vida?
- Partindo para a missão na África, vocês deverão – como o Cristo fez quando veio ao mundo
– encarnar-se no povo a quem vão servir. Estão
dispostos a renunciar a seus modos culturais de
viver, fazendo todo o esforço para levar a paz e
o bem na convivência plena com a nova cultura
que vocês vão encontrar?
- Vocês irão à Missão não para satisfazer a própria vontade. Vocês irão em nome de todos os
confrades da Província. Vocês irão como se o
próprio Pai São Francisco refizesse sua Missão
na África. “De São Francisco se disse que levava sempre Jesus no coração, Jesus na boca, Jesus
nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os membros do seu corpo”. É exatamente isto que vocês querem fazer na Missão?
Naquele dia, Frei José revelou que havia dentro
dele um fogo que teimava em não se apagar, já
que em 1967 partiu para o Chile e, em 1984,
partiu para o Mato Grosso. Agora, definindo-se
como “louco”, viajava a Angola para “o que der
e vier”.
Frei Plínio confessou: “Parto feliz – acrescentou
– de uma felicidade nunca antes experimentada
por mim”.
Já Frei Pedro revelou que nunca tivera coragem
de se apresentar para a Missão no Mato Grosso, por ser muito longe. E não sabia explicar
por que partia naquele momento. Para ele, era a
vontade de Deus: “Deus escolhe os mais simples
e tolos. Coloca-se entre eles para dizer, como
Isaías: ‘Eis-me aqui, enviai-me’.”
Os três missionários embarcaram no dia 24 de
setembro de 1990 e chegaram em Angola no
dia 25.
N
atural de Divino, em Minas Gerais,
Frei Plínio Gande da Silva vestiu o hábito franciscano em 11 de fevereiro de
1962. Ele professou como Irmão Leigo na Ordem
dos Frades Menores em 7 de julho de 1969. Para
Frei Plínio, ser missionário na África foi a realização de um sonho e que ele classifica “como a
maior experiência de Deus” em sua vida.
“Desde pequeno via os missionários verbitas
e redendoristas e dizia que um dia seria missionário”, explica o frade, contando como foi a
chegada a Angola. “Encontramos um país em
guerra. Inclusive ao chegarmos no aeroporto
estava à nossa espera o Bispo Dom Eugênio,
que nos saudou com a seguinte frase: ‘Se vocês
estão pensando em Teologia de Libertação, podem pegar o mesmo avião de volta para casa’.
Logo após, começou um tiroteio entre UNITA
e MPLA, pois a UNITA queria conquistar o
aeroporto. Todos ficaram deitados no chão até
que a MPLA tivesse o controle da situação”.
“Achava que era uma guerra isolada e que não
nos prejudicaria tanto. Mas a realidade foi outra e chegamos a ficar dois anos isolados do
mundo em Kibala (93-95). Para mim foi a
maior experiência de Deus na minha vida, pois
a todo momento sentia sua presença em meio
à guerra que não tinha fim”.
Frei Plínio, que reside na Fraternidade Nossa
Senhora Aparecida de Nilópois, ficou em Angola oito anos e agora volta para celebrar os 25
anos. “Espero encontrar um País sem guerra,
sem fome, onde as crianças tenham o direito à
educação, saneamento básico, hospitais. Nossos confrades em evangelização com o povo,
acolhendo novos vocacionados. E o direito de
ir e vir do povo”.
Para quem quiser fazer a experiência missionária, Frei Plínio recomenda: “Vá com muita
fé , esqueça toda sua cultura e procure se inculturar com o povo”.
| 25 anos | FIMDA |
9
FREI PEDRO
“Procurava dar a melhor
mensagem à luz do Evangelho”
N
Em pé, da esq.
para dir: Frei
Evaldo, Frei
Plínio, Frei
Lotário e Frei
José. Agachados,
Frei Pedro e Frei
Juvenal Sansão.
10 |
FINDA |
25 anos |
atural de Água Doce (SC), Frei Pedro
Caron esteve na Missão por doze anos e
meio, em três períodos. “Numa conversa
com Frei Estêvão Ottembreit, então ministro
provincial, sobre missão ad gentes, ele me desafiou: você não quer ir para missão? (Guiné
Bissau era a primeira proposta). Eu falava da
China. Admirava o país, mas o problema era
a língua. Diante do desafio, fui rápido: ‘topo’!
Mais tarde, Frei Estêvão me falou que havia
sido o primeiro a se apresentar e que a missão
seria em Angola”, recorda o missionário, hoje
residindo em Concórdia.
Frei Pedro, que ingressou na Ordem Franciscana em 19 de dezembro de 1964, não esquece
duas experiências que viveu ali. “Numa ocasião, em Kibala, Frei José Zanchet, eu e mais
alguns homens fomos enterrar cadáveres que
jaziam ao sol numa espécie de rotatória de car-
ros, junto à vila. Estavam ali insepultos há duas
semanas devido à guerra civil. Eram quatro
defuntos. Foi uma experiência de fé. Eu propus
fazer essa obra de misericórdia num domingo.
Em outra ocasião, devido à gravidade da guerra, tivemos a oportunidade de voltar para casa
com passagem paga pelo governo brasileiro.
Mas nós, frades, nos reunimos e decidimos
continuar junto do povo”.
Segundo Frei Pedro, esses anos vividos em
Angola marcaram sua vida: “Aprendi a virtude
da paciência, da alegria, a valorizar o canto, a
dança, a família, os símbolos religiosos e a comunhão com os mais sofridos. Procurava dar a
melhor mensagem à luz do Evangelho”.
Para os novos missionários, Frei Pedro recomenda: “Acredite de verdade no Cristo! Viva
a espiritualidade de São Francisco, seja simples, acolhedor, enfim, frade menor!”
Frei José Zanchet
C
ompletando 80 anos em 2015, (ele nasceu no
dia 27 de outubro de 1935), Frei José Zanchet é a história viva da Missão Franciscana
em Angola. Componente do primeiro grupo enviado pela Província da Imaculada ao país africano, viveu em Malange e Kibala, em sua primeira passagem pela missão, que durou cinco anos
(entre 1990 e 1995) e hoje vive em Viana, em sua
segunda experiência na missão (desde dezembro
de 2013), quando foi transferido da Fraternidade
São Francisco Solano, de Curitibanos, SC.
Com quase 60 anos de vida religiosa, Frei José
tem como marcas a disposição missionária (esteve no Chile, no Sertão da Bahia, no Mato Grosso
e em Angola) e aptidão para atividades práticas,
ligadas à eletricidade, pequenos reparos, etc.).
Gaúcho de Três Arroios, RS, animou-se em partir para terras angolanas depois que participou de
um encontro realizado para os interessados em
conhecer um pouco mais da proposta de presença da Província em Angola, realizado entre 22 e
24 de junho de 1990, no Convento São Francisco,
em São Paulo. Na época Frei José trabalhava em
uma paróquia de Dourados, MS, e relata que a
partir daquele encontro em São Paulo se sentiu
chamado a seguir para a África: “Eu cheguei na
Paróquia em Dourados e logo me sentei para escrever uma carta ao Provincialado, dizendo que
estava pronto para partir. Uns quinze dias depois,
Frei Estêvão Ottenbreit (Ministro Provincial da
época) me telefonou perguntando se eu estava
ELO VIVO ENTRE
O PASSADO E O
PRESENTE
disposto mesmo, e eu respondei: ‘Claro, mande-me’”, conta Frei José, mostrando que desde o início estava inteiramente à disposição para integrar
este projeto missionário.
Diante da resposta positiva de Frei José, foram
realizados os encaminhamentos necessários. A
celebração de envio ocorreu no dia 16 de setembro de 1990, no Seminário Santo Antônio, em
Agudos, e o embarque dos missionários, entre
eles Frei José, foi no dia 24 de setembro do mesmo ano, sendo que no dia seguinte já estavam em
Luanda e, depois, Malange, lugar onde ficariam
instalados.
Angola estava em guerra civil e Frei José conta
que as dificuldades deste conflito já puderam
ser sentidas na chegada. “Quando desembarcamos em Malange, a primeira coisa que vimos
do avião foram sete ou oito soldados com as
metralhadoras apontadas. Descemos e tivemos
que fazer novamente todos os papéis – mesmo
já tendo passado por todos os trâmites em Luanda – como se estivéssemos chegando a um
país estrangeiro. Como não havia nenhuma
mesa para nos apoiarmos, pedi ao Frei Plínio
Gande, outro missionário do primeiro grupo,
para me ‘emprestar’ as costas e, assim, preenchemos os papéis um nas costas do outro”, recorda.
Por conta das dificuldades de comunicação, a
comunidade da Missão em Malange também
não tinha informações precisas sobre a hora de
chegada dos missionários, mas mesmo assim,
| 25 anos | FIMDA | 11
Duas
gerações: o
angolano
Frei António
abraça Frei
José Zanchet,
o primeiro
missionário.
12 |
FINDA |
25 anos |
dentro das possibilidades, fomos muito bem recebidos.” “A recepção foi muito carinhosa. Mais
ou menos uma hora e meia de cantos e homenagens, até que seguimos para casa, já pelas 16h
do dia 25 de setembro, para almoçar e descansar
um pouco da viagem.
O primeiro trabalho dos frades em Malange foi a
visita às comunidades da missão, que eram cerca
de 135, muitas delas de acesso muito difícil. Frei
José Zanchet destaca e menciona a importância
da figura dos catequistas para a sobrevivência
em Angola. De acordo com o frade, nas aldeias,
que recebiam a visita esporádica de missionários,
eram estes homens que mantinham acesa entre
o povo a chama da fé. Os catequistas organizavam os trabalhos pastorais e também conduziam
as celebrações de domingo. Com frequência se
entusiasmavam e as celebrações ficavam longas,
fato do qual Frei José se recorda com certo humor.
Frei José e os outros dois missionários permaneceram em Malange até o fim de agosto de
1992, quando foram transferidos para a cidade
de Kibala, na Província do Kwanza Sul, a convite do então bispo da Diocese de Sumbe, Dom
Zacarias. Eles ocuparam as instalações dos Padres Espiritanos, que haviam deixado a área por
conta da guerra.
O início da Missão em Kibala foi no dia 31 de
agosto de 1992. Os trabalhos principais eram a
assistência às Irmãs Clarissas, que na época moravam naquela cidade, e o acompanhamento das
aldeias. As dificuldades eram muitas, principalmente por conta da guerra. Num momento de
grande tensão, Frei José relata que os frades chegaram a ver a morte de perto: “O mais triste foi
quando invadiram nossa casa e nos levaram pre-
sos para o Centro de Kibala. Praticamente íamos
ser fuzilados. Entraram em nossa casa, perguntaram quem eu era e logo me deram um bofetão no
rosto que quebrou meus óculos. Fui me defender
com o cotovelo e levei outro tapa”, conta Frei José,
segundo o qual, naquele dia, os frades só não foram mortos porque um dos chefes da Unita os
reconheceu.
Esta ofensiva contra os frades ocorreu por dois
motivos: o primeiro porque naquela ocasião Kibala estava sob o domínio da Unita e alguns helicópteros do governo pousaram no terreno da
missão, o que levou os dominadores da cidade
a imaginarem que os frades estivessem dando
apoio às tropas rivais. E a outra motivação foi o
fato de os frades abrigarem alguns meninos e jovens, pois, a partir dos 11 anos, eles eram pegos à
força para trabalhar pelos combatentes.
Conseguir comida também era uma verdadeira
aventura. O pouco que obtínhamos de alimentos era através de Frei Plínio Gande da Silva que,
a partir da troca de peças de roupa, cartelas de
remédio ou outros artigos que levava até a praça
(espécie de mercado informal a céu aberto), conseguia algo para se comer.
Outra grande dificuldade era para se comunicar. Os frades em Kibala ficaram mais de um
ano sem nenhuma comunicação com os demais confrades. A única maneira que tinham
para se informar era um pequeno radinho
improvisado que funcionava movido a energia gerada por uma roda de bicicleta. “Nós improvisamos um gerador com uma bicicleta que
colocamos de cabeça para baixo. Enchemos o
pneu com pedaços de pano velho e ali girávamos para ter energia para o radinho e assim
conseguíamos ficar minimamente informados.
Frei José retornou de Kibala para o Brasil em
1995. Em 1998, depois de Frei Valdir Nunes
Ribeiro sofrer um atentado, os frades se retiraram de lá, retornando àquela localidade em
2008, bem depois do fim da guerra. Perguntado sobre o que o levou a querer retornar à
missão às vésperas de completar 80 anos, Frei
José aponta dois motivos: o carinho que ele
adquiriu pela missão na primeira vez em que
lá esteve e também a curiosidade sobre como
estaria o país depois do fim da guerra. Frei José
declara que se sente feliz nesta nova etapa na
missão, mas revela que, conforme se propôs
para esta segunda etapa, pretende solicitar
à Província seu retorno ao Brasil no mês de
maio de 2016.
FREI LOTÁRIO,
MISSIONÁRIO PARA SEMPRE
O
gaúcho Frei Lotário Neumann não
ficou muito tempo em terras angolanas, mas escreveu para sempre o seu
nome na história da Fundação Imaculada Mãe
de Deus de Angola. Ele partiu em missão no
dia 21 de março de 1992, junto com Frei Evaldo
Melz, e foi levado pela Irmã Morte no dia 4 de
janeiro de 1993.
“Você parecia vender saúde, forte, disposto,
resoluto e dedicado, transpunha com relativa
facilidade muitos obstáculos e dificuldades, enquanto os outros companheiros se viram imediatamente nas garras do paludismo, minando
a saúde e o estado psicológico. De repente, você
em poucos dias recebeu o convite da Irmã Morte para despedir-se de nós, deixar tudo como
prometeu no dia de sua profissão religiosa e
‘possuir’ unicamente Deus”, escreveu Frei Estêvão Ottenbreit, então Ministro Provincial, em
carta se dirigindo a Frei Lotário após o seu falecimento.
O missionário gaúcho nasceu em Arroio do
Meio (RS) e ingressou na Ordem Franciscana
em 1966 pela Província São Francisco de Assis,
onde professou solenemente no dia 2 de abril
de 1972. Ordenou-se presbítero no dia 27 de
dezembro de 1975. Trabalhou na formação, foi
procurador vocacional e foi eleito duas vezes
Definidor. Em Angola, foi nomeado guardião da
Fraternidade de Malange e guardião da Missão.
“Você muito bem sabia da minha preocupação
constante a respeito da situação precária de nossa missão em Angola (precariedade material e
necessidade de pessoal). Em diversos momentos partilhamos esta preocupação. Por isso suas
palavras de despedida calaram tão fundo em
mim. Suas últimas palavras foram: ‘Conte sempre comigo na missão de Angola!’ Frei Lotário,
quem de nós poderia imaginar que estas palavras tão depressa adquiririam importância definitiva? Agora, sim, elas se cumpriram! A África
o acolheu para sempre. Em seu chão banhado
de sangue dos que morrem vítimas da guerra
fratricida e de suas funestas consequências, nós
o deitamos como se deita um grão de trigo na
terra”, acrescentou Frei Estêvão na carta de despedida.
| 25 anos | FIMDA | 13
entrevista
FREI ESTÊVÃO OTTENBREIT
GRATIDÃO E ALEGRIA
A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil celebrou em 1991 o centenário de
sua restauração graças aos missionários alemães. Esse momento de alegria e gratidão ganhou da
Fraternidade Provincial uma corajosa decisão de enviar missionários brasileiros para Angola.
À frente desta nova empreitada estava um missionário alemão, Frei Estêvão Ottenbreit, um dos
responsáveis – senão o responsável – personagens deste primeiro capítulo da história de 25 anos da
presença franciscana em Angola. Incansável, destemido, Frei Estêvão estava à frente da Província
da Imaculada no segundo mandato como Ministro Provincial quando iniciou o processo para
o envio dos missionários. Natural de Grosswallstadt, na Alemanha, onde nasceu no dia 6 de
setembro de 1942, Frei Estêvão veio para o Brasil ainda jovem, onde recebeu o hábito franciscano
no Noviciado de Rodeio em 1963. Ordenado presbítero em 1969, em 1982 era eleito Vigário
Provincial e, de 1985 a 1994, Ministro Provincial. Nesses dois mandatos, não poupou esforços
para ver a Missão de Angola se tornar uma realidade, mesmo em meio às enormes dificuldades,
especialmente no período da guerra. Hoje, fala com emoção e alegria dos frutos que a Missão
colhe. Para ele, este jubileu tem que ser festejado com gratidão e muita alegria!
Por Moacir Beggo
Por que a Província decidiu
abrir uma frente missionária?
Frei Estêvão – A primeira resposta deveria ser
– e deve ser – porque a Ordem Franciscana é
missionária. Somos chamados para sermos enviados. Logo, devemos ser missionários lá onde
estamos. Concretamente aqui, no Brasil, nos cinco estados – Espírito Santo, Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná e Santa Catarina, mas também em
lugares além do território da Província.
14 |
FINDA |
25 anos |
A ideia de partir em missão na África surgiu por
ocasião do Centenário de Restauração da nossa
Província por missionários franciscanos alemães.
Como sabemos, a antiga Província franciscana
esteve muito próximo de se extinguir. A partir
de 1855 não podia mais acolher novos membros,
noviços. Então, bastaram quarenta anos para reduzir uma Província em decadência - também
por outras causas - a um único sobrevivente em
1889, ano da proclamação da República.
Nessa mesma época, os católicos alemães sofriam
perseguição por parte do chanceler Otto von Bismarck, cujo sonho era transformar a Alemanha
num país protestante (já que a reforma protestante teve seu início na Alemanha). Encorajados
pelo superior da Ordem em Roma, os franciscanos tomaram a decisão de partirem em missão
ao Brasil e reerguer a nossa Província em vias de
extinção. Chegaram em 1891. Cem anos depois,
em 1991, preparando esse centenário da chegada
dos primeiros missionários alemães, refletimos
sobre como poderíamos celebrar este evento.
Uns achavam que seria interessante escrever um
livro, outros que deveríamos fazer uma grande
celebração, outros ainda que poderíamos construir um monumento para comemorar esta data
significativa. Foi neste clima que apareceu a ideia
de repetirmos o gesto dos missionários alemães
| 25 anos | FIMDA | 15
O centenário nos deu o motivo e
a carta, a direção e o modo de como
deveríamos estar presentes em Angola
quando vieram para restaurar a nossa Província.
Em outras palavras: assim como eles vieram, nós
vamos partir.
Era uma forma de a Província
retribuir a gratidão com o mesmo gesto?
Frei Estêvão – Sim, exatamente. Queríamos
imitá-los indo a um lugar onde a Ordem ainda
não estava presente. Na época tínhamos bem
presente uma carta que o então Ministro Geral,
John Vaughn, escrevera em 1982 com o título “A
Da esq. para
dir.: Frei
Alexandre
Magno e Frei
Luís Iakovacz
celebrando na
aldeia.
16 |
FINDA |
25 anos |
África nos chama”. Esta carta foi motivada pela
constatação que a Ordem estava espalhada pelo
mundo inteiro, mas muito reduzida no continente africano. Inicialmente até voltamos nossos
olhares para Guiné Bissau, onde já estavam franciscanos italianos e portugueses. Depois se achou
melhor ir para Angola onde ainda não havia uma
presença OFM. Então, juntaram-se as duas coisas: o motivo do centenário e o apelo da carta “A
África nos chama”. O centenário nos deu o motivo e a carta, a direção e o modo de como deveríamos estar presentes em Angola. O Ministro Geral, nesta carta, indica que se de um lado, como
diz o Evangelho, devemos ir sem levar nada, por
outro lado, “não vamos de mãos vazias”. Em outras palavras, quem vai deve ir com a consciência de ser portador do carisma franciscano a ser
partilhado com nossos irmãos africanos. Uma
presença, portanto, como irmãos e menores, partilhando o carisma franciscano com jovens dispostos a abraçá-lo e dando-lhe um rosto africano.
A missão era, então, tornar
conhecido o carisma franciscano?
Frei Estêvão – Sim. A nossa missão seria antes
de tudo esta. Pode soar um pouco forte o que
vou dizer agora: não fomos para resolver os problemas sociais da África ou para resolver os desafios da Igreja em Angola, mas para a “implantatio ordinis” (fazer surgir uma nova entidade
franciscana em Angola). Evidentemente, quando fomos, queríamos nos tornar úteis também
nestes dois sentidos, seja em obras sociais, seja
em serviços pastorais. Basta dizer que nos foram confiadas três paróquias, nas quais há obras
sociais atendendo a diversas necessidades. Mas
a principal “tarefa” da nossa ida era e continua
sendo fazer conhecido o carisma franciscano,
entusiasmar jovens angolanos para abraçarem
esse carisma e ajudar a constituir uma entidade angolana na perspectiva da carta “A África
nos chama”. Nela encontramos as principais
referências para o porquê e o como estarmos
presentes nesta missão. Por isso é sempre bom
lembrar essa carta aos atuais e futuros frades brasileiros e angolanos – da missão em Angola
para que possam, cada vez mais “dar um rosto
angolano” aos enfoques franciscanos, assumindo valores da cultura local. Ao completarmos 25
anos de presença em Angola temos que manter
viva essa memória.
O que levou a Província a optar
por Angola se temos no Brasil
muitos descendentes africanos?
Frei Estêvão – Essa pergunta foi a que mais
ouvi quando nos decidimos por Angola. Por
duas vezes viajei na companhia do então secretário da Província, Frei Anacleto Gapski (1989
e 1990), para preparar a nossa presença. Por
que Angola? Num resumo breve de uma longa
história devo mencionar que houve um pedido
do bispo de Sumbe, Dom Zacarias Kamuenho,
enviado à Curia Geral da Ordem em Roma.
Pedia assistência para as irmãs clarissas mexicanas que fundaram um mosteiro na diocese.
Esta carta não obteve resposta positiva. Alguns
anos mais tarde, porém, um outro bispo, desta
vez o bispo de Malange, Dom Eugênio Salessu,
escreveu ao Ministro Geral da Ordem pedindo
pelo mesmo motivo a presença de frades em
Malange (para o mosteiro de clarissas que vieram da Espanha). Ele teve mais sorte porque
seu pedido coincidiu com a nossa manifestação de querer partir em missão para a África.
Assim acabamos indo para Angola e, a rigor,
estamos lá por causa do pedido das irmãs cla-
rissas. Mais tarde elas até se tornariam decisivas para que pudéssemos consolidar a nossa
presença em Angola.
Voltando à pergunta feita com frequência, até
num certo tom de crítica: realmente, temos
muitas situações semelhantes e desafiadoras na
sociedade e na Igreja no Brasil. Mas como já estava tentando explicar: nossa inspiração e tarefa
explícita vinha da carta “A África nos chama”, que
nos pedia uma presença em países onde a Ordem
ainda não estava presente e, principalmente, para
compartilhar com outras culturas o carisma franciscano.
Lembro-me também que, neste contexto, se
questionava a entrega de conventos. Concretamente, o convento de Ipanema na cidade do
Rio de Janeiro. Tive até certa dificuldade de encontrar uma resposta para as Irmãs Clarissas do
mosteiro do Rio de Janeiro que insistiram em
dizer que “Ipanema, também era terra de missão”. Enfim, observações deste tipo vinham de
A principal ‘tarefa’ da nossa ida
era e continua sendo fazer conhecido
o carisma franciscano
todas as partes. Para não sair, facilmente se encontra mil e bons argumentos...
Mas, nós queríamos colocar um sinal claro (no
ano jubilar) de partilha do pouco que tínhamos
para quem não tinha nada. De abrir-nos, de ser
“uma Igreja em saída” como nos diz o Papa Francisco hoje. Sem esquecer o tema da restituição à
África pelo tanto que nos deu no passado. Confesso que estas perguntas e críticas nos deram
oportunidade de refletir sobre o verdadeiro sentido de partir em missão.
Em algum momento, o Sr. teve medo
de não dar certo este projeto missionário?
Frei Estêvão – Como estava envolvido pessoalmente na celebração do centenário e no envio dos
primeiros missionários, devo dizer que algumas
vezes tive realmente receio de não dar certo. De
um lado, simplesmente pelo fato de que, quando
partimos, Angola ainda estava em plena guerra
civil. Só para lembrar, na primeira viagem, eu e
Frei Anacleto só conseguimos chegar a Luanda.
Era impossível chegar a Malange por causa dos
combates. Nessa primeira viagem encontramos o
bispo de Malange em Luanda, de tal modo que a
viagem não foi em vão. Já na segunda viagem conseguimos ir até Malange. Levamos literalmente
dois dias para fazer uma viagem que hoje se faz em
pouco mais de 4 horas. As estradas estavam muito
esburacadas e, a cada dez ou quinze quilômetros,
havia o perigo das minas bloqueando a estrada.
Então, o medo estava presente sim. Além do mais,
os primeiros missionários viveram lá em condi-
Da esq. para
dir.: Frei Simão
Laginski; Frei
Piaia, Frei
Angelo José,
Frei Angelo
Vanazzi, Frei
Márcio, Frei
Ivair, Frei José e
Frei Paulo.
| 25 anos | FIMDA | 17
Quando fomos aconselhados a sair de Angola,
os frades foram categóricos: ‘Não vamos sair!
O povo sofre. Vamos sofrer com eles’.
ções muito precárias (de alimentação, de conforto
e de segurança). Por muito tempo, tomar banho
só era possível de “canequinha”. Havia falta de água
e de comida. Eu me recordo que Frei Plínio (Frei
Plínio Gande da Silva), um dos primeiros missionários, às vezes saia de manhã com uma peça de
roupa para ver se conseguia trocá-la na praça (feira) por alguma comida para a fraternidade. Hoje,
graças a Deus, tudo é diferente.
O primeiro destino foi Malange,
a paróquia e missão de Katepa?
Da esq. para
dir.: Frei
Laurindo,
Frei Odorico
e sua gaita.
18 |
FINDA |
25 anos |
Frei Estêvão – Sim, inicialmente nos estabelecemos em Malange por causa do convite do bispo
de darmos assistência ao mosteiro das Clarissas.
Atendendo, porém, a conselhos de missionários
experientes, procuramos não ficar na dependência de uma diocese e de um só bispo. Sabendo
que o bispo de Sumbe havia feito o primeiro pedido aos franciscanos para acompanhar as Clarissas mexicanas, fizemos contato com ele e nos
fixamos em Kibala na casa da “Missão” (mas sem
padres na época). No dia 31 de agosto de 1992,
fiz a primeira visita à nova residência dos frades
em Kibala. Frei Plínio e Frei José Zanchet já tinham chegado no dia 28 de julho. O problema
é que Kibala estava no território dos adversários
do governo. O conflito era basicamente entre o
governo (Movimento Popular de Libertação de
Angola – MPLA) e a oposição (União Nacional
de Independência Total de Angola – UNITA).
Inicialmente fomos bem acolhidos no território
nas mãos da UNITA. Um belo dia, porém, pousou um helicóptero no terreno amplo e plano da
“Missão”. Bastou para que os homens da UNITA
desconfiassem dos frades, suspeitando da colaboração dos frades com as forças do MPLA. Por
causa disso, quase foram mortos no paredão. Por
sorte escaparam pelo reconhecimento da parte
de um dos soldados. Sem exagero, se pode dizer
que os frades foram muito estimados pelo povo
porque eram os únicos, durante os duros anos
de guerra civil, sempre dispostos a ajudar, ainda
que fosse só para dar um comprimido para dor
de cabeça.
A mesma sorte não teve o Frei Valdir?
Frei Estêvão – Frei Valdir Nunes Ribeiro, em
outra ocasião, foi baleado por um soldado. Teve
muita sorte ao ser levado de helicóptero para a ca-
pital Luanda para ser tratado a tempo. Seria longo demais contar todas as peripécias da missão
nesse período de guerra. Mas gostaria de lembrar
ao menos uma que aconteceu com este primeiro grupo de frades em Kibala por causar grande
preocupação por mais de um ano. Perdemos o
contato com eles por estarem incomunicáveis em
território da UNITA. Por duas vezes viajei a Luanda, mas não consegui comunicar-me com eles.
E para retomar a pergunta a respeito do receio e
do medo relacionados com a nossa presença em
Angola, quero dizer que a atitude dos frades missionários foi decisiva. Quando a situação ficou
realmente muito difícil em todos os sentidos e até
os respectivos bispos nos aconselharam a retirada, a resposta categórica dos frades foi esta: “Não
vamos sair. O povo sofre. Vamos sofrer com eles”.
Mas não foi a guerra que causou a
morte de um dos primeiros missionários?
Frei Estêvão – O nosso projeto missionário
nasceu aberto para a participação de outras
entidades brasileiras. A Província que imediatamente demonstrou interesse de participar foi
a Província de São Francisco, de Porto Alegre.
De modo que, na segunda leva, em março de
1991, fui ao Rio Grande do Sul para participar
do envio de dois confrades gaúchos: Frei Lotário Neumann e Frei Evaldo Melz. Frei Lotário estava muito preparado em espiritualidade
franciscana e era homem indicado para ser o
coordenador do grupo dos frades em Angola.
Faleceu, porém, em 4 de janeiro de 1993, vítima de várias complicações, agravadas ainda
por um paludismo. Frei Lotário foi a primeira
semente que caiu na terra angolana para frutificar. Imaginem o impacto que sua morte causou a todos nós.
Qual foi o momento mais difícil da missão?
Frei Estêvão – O mais difícil foi uma boa ideia
que tive, mas da qual me arrependo até hoje. Na
mesma época em que decidimos enviar os primeiros missionários para Angola, o Definitório
Provincial chegou a liberar um confrade para a
Pastoral Afro no Brasil. Então pensei: “Ninguém
melhor do que ele para acompanhar os primeiros
missionários a Angola, para ter um contato direto com a cultura afro, em um país de onde vieram
pessoas na condição de escravos para o Brasil,
etc”. Assim ele embarcou junto com os três primeiros missionários, com a licença de permanecer por um tempo para adquirir conhecimentos
e experiência em vista da Pastoral Afro no Brasil.
Pessoa inteligente como ele é, imediatamente detectou pontos discutíveis, principalmente olhando a realidade do país e da Igreja a partir da experiência eclesial latino-americana. Não quero e
não posso julgar o fundamento das suas críticas.
Frei Lotário foi a primeira semente que caiu
na terra angolana para frutificar. Imaginem o
impacto que sua morte causou a todos nós
O problema é que as fez publicamente e as críticas que mais nos dariam trabalho e preocupação
foram as dirigidas em carta aberta aos bispos da
Conferência Episcopal Angolana. Esta carta se
transformou imediatamente num incêndio de
grandes proporções. Por causa deste “incêndio”,
tive que viajar por diversas vezes a Angola, sempre na iminência de ouvir a ordem dos respectivos bispos, principalmente do cardeal de Luanda: Voltem para casa! O cardeal de Luanda, Dom
Alexandre de Nascimento, não podia nem ouvir
a palavra “teologia da libertação”. Na mesma épo-
ca que nós fomos para Angola, foram também os
frades conventuais da Província de Santo André,
SP. Por causa das suas críticas tiveram que retirar-se de Angola. Assim nós estávamos também na
iminência de sermos mandados de volta ao Brasil. Nem consigo descrever meu estado de espírito e emocional viajando a Luanda na expectativa
de ouvir do Cardeal: “Saiam daqui!” Mas houve
um “anjo” que veio em nosso socorro.
Como foi isso?
Frei Estêvão – Falando da nossa missão em Angola e do jubileu de 25 anos de presença, não
podemos nos esquecer daquela que eu chamo
de mãe da Fundação Franciscana em Angola: a
então abadessa das Clarissas, Fabíola Horga Ruiz.
Espanhola de origem e abadessa do mosteiro de
Malange. O cardeal Dom Alexandre é natural de
Malange. Como cardeal de Luanda viu o mosteiro de Malange prosperar em vocações, queria que
Da esq. para
dir.: Freis em
Assembleia
em 2013 e Frei
Evaristo, muitos
anos à frente da
Missão.
| 25 anos | FIMDA | 19
O jubileu deverá intensificar este apelo para
que realmente possamos celebrar a festa na
certeza de estarmos fazendo ‘a nossa parte’!
elas fundassem também um mosteiro em Luanda. Muito bem. Fizeram as tratativas necessárias.
A abadessa Fabíola, conhecendo e participando
da nossa aflição acima mencionada, convidou-nos para falar com o Sr. Cardeal. Eu tenho a cena
ainda bem clara diante dos meus olhos: Eu e Frei
Anacleto, secretário da Província, fomos com a
abadessa ao encontro do Cardeal Dom Alexandre. A abadessa, ao entrarmos no palácio episcopal em Luanda, nos disse: “Vocês ficam de boca
fechada. Eu é que vou falar!” (Ela era realmente
uma mulher resoluta, lutadora, destemida). E
Da esq. para
dir.: a Família
Franciscana
de Angola e o
Definidor Frei
Germano.
20 |
FINDA |
25 anos |
assim fizemos. Eu e Frei Anacleto, sentados no
sofá no fundo da sala e a abadessa e o cardeal ao
redor da mesa tratando do novo mosteiro em
Luanda. A certa altura, a irmã Fabíola colocou
como condição para a fundação do mosteiro em
Luanda a garantia da presença dos frades franciscanos para a devida assistência. Ele não gostou
desta exigência da abadessa e imediatamente, até
em tom bastante elevado, refutou: “Mas, tem que
ser brasileiros?”. Ao que ela respondeu com toda
a calma, mas com firmeza: “Tem que ser esses
ou não vai ter mosteiro.” Enfim, o Cardeal concordou, livrando-nos da ameaça de sermos expulsos do país (porque até aquela data nenhum
bispo teve coragem de assinar qualquer tipo de
contrato para garantir a nossa presença em Angola). Devo dizer que, a partir daquele momento,
o Cardeal mudou gradativamente a sua atitude
em relação à presença dos nossos frades. Foi ele
que nos cedeu um terreno amplo, pertencente
à Mitra de Luanda e vizinho do novo mosteiro
das Clarissas. Lá está hoje a sede da Fundação e
onde estamos construindo a casa para acolher os
frades de profissão temporária, estudantes de Filosofia (dada a proximidade da faculdade). Em
conversas posteriores, o Cardeal disse aos frades
que gostaria de ter no local um tipo de “Centro de
Espiritualidade”, onde as religiosas em geral (na
época da guerra 24 horas por dia ocupadas para
resolver todo tipo de problema), pudessem fazer
seu retiro mensal, confessar-se e descansar um
pouco num ambiente agradável. Foi e continua
sendo uma feliz ideia. Com Frei Hermenegildo
Pereira, construímos uma gruta, plantamos algumas árvores e erigimos uma Via Sacra. Hoje, este
lugar é conhecido como “Quimbo de São Francisco” e atrai milhares de pessoas para rezar, principalmente às quintas-feiras. Enfim, o mérito é da
Irmã Fabíola, já falecida, que agora certamente
continua intercedendo por nós junto de Deus.
Como é recordar o início deste projeto que
agora celebra o seu jubileu de 25 anos? O que
mudou nesse país que acolheu os missionários
brasileiros?
Frei Estêvão – Depois de trinta anos de guerra
civil, a gente vê que a cada ano que passa a situação do país melhora. Em termos de infraestrutura muita coisa mudou e está mudando. Antes
não tinha luz e água. As estradas eram precárias.
O campo, minado. Hoje tanto a comunicação via
internet como por telefone celular já cobre grande parte do país. Em toda a parte se planta e se
colhe; e as “cicatrizes” que a guerra deixou vão se
fechando cada vez mais.
Aproveito a ocasião para falar de outra curiosidade. Somos praticamente a última Província
da nossa Ordem a assumir uma região como
Missão. Era prática durante séculos as Províncias assumirem um território, providenciando
missionários e garantindo o seu sustento. É o
que estamos fazendo em Angola. Porém, a partir de 1970, mais ou menos, começou a drástica
diminuição de vocações na Europa. As Províncias não tinham mais condições de enviar frades
em número significativo. Diante disso, a Ordem
incentivou os projetos missionários interprovinciais e internacionais, onde ela assume com
a ajuda das Províncias um território, enviando
pessoal e garantindo os recursos necessários.
Exemplo recente disso é o projeto Amazônia que
depende da UCLAF e do Definitório Geral e não
mais de uma Província. Durante seis anos como
Vigário Geral pude acompanhar estes projetos e
não escondo que esta nova praxe ainda nos causa
muitos problemas e dificuldades. É que nasce-
mos “provincianos” e devemos ainda aprender
a abrir-nos solidariamente a toda a Ordem e sua
missão.
Portanto, somos a última Província de uma praxe
antiga. Partimos na confiança de encontrar frades para enviar e recursos para sustentar. Celebrar 25 anos de presença para mim significa antes de tudo agradecer a Deus pela disponibilidade
de tantos frades que lá trabalharam – alguns já
falecidos – e no momento atual trabalham. Agradecer também a Deus pela crescente generosidade das nossas Fraternidades, e do povo ao qual
servem, em recolher doações para o sustento dos
frades e das construções que se fazem necessárias.
Sem querer dizer que somos melhores do que
os outros – porque também nós temos as nossas
dificuldades e limitações –, digo com profunda
gratidão que a nossa Fundação em Angola vai
bem. Somos abençoados com vocações que for-
Com profunda gratidão, vai a grande
preocupação: saberemos devidamente
acompanhar e cuidar destes jovens frades?
talecem a esperança. Ao celebrar 25 anos de presença, contamos atualmente com 22 aspirantes,
13 postulantes, 6 noviços, 21 frades de profissão
temporária (Filosofia e Teologia) e 3 professos
solenes. Não tenho explicação para isso. Parafraseando o saudoso Frei Giacomo Bini, digo: Não
é certamente por nosso mérito, virtudes e qualidades, mas é São Francisco que continua a entusiasmar jovens e a chamá-los ao seguimento do
Cristo pobre e crucificado.
Juntamente com a profunda gratidão, porém, vai
a grande preocupação: saberemos devidamente
acompanhar e cuidar destes jovens frades e vocacionados? Este é o grande desafio: encontrar
frades que se disponham a ajudar na formação
destes jovens. Creio que o jubileu deverá intensificar este apelo para que realmente possamos
celebrar a festa na certeza de estarmos fazendo “a
nossa parte”.
O sr. consegue vislumbrar um
prazo para Angola ser uma Província
independente? Quais os desafios?
Frei Estêvão – Uma nova entidade angolana é um
desejo. Principalmente diante do grande objetivo
de dar ao carisma franciscano cada vez mais um
rosto caracterizado pelos valores da cultura angolana. A primeira preocupação não deverá ser a
“independência” mas o significado da nossa presença cada vez mais inculturada. Podemos dizer,
com certeza, que longo será o caminho. Se continuar assim e, principalmente, se conseguirmos
Da esq. para
dir.: Frades em
Assembleia em
2015 e Frei José
Antônio, atual
presidente da
FIMDA.
| 25 anos | FIMDA | 21
Assim como se parte em missão para além
do território da Província, nós aqui devemos
renovar continuamente o espírito missionário
Da esq.
para dir.:
Frei Mário
Tagliari e Frei
Fidêncio em
celebração no
Quimbo.
22 |
FINDA |
25 anos |
Mas, como diz o Papa, o que importa
é a qualidade e não a quantidade.
Frei Estêvão – Sem dúvida, para vivermos o
carisma franciscano não importa a quantidade. Só que tem as consequências. Veja bem,
quando eu entrei no noviciado éramos na
Província perto de 750 frades. Hoje, somos a
metade. E certamente hoje o trabalho é mais
exigente do que 50 anos atrás. Então, sem dúvida, podemos ser frades numa Província viva
com 300 frades. Só que não poderemos fazer o
que fazíamos antes. A redução ou diminuição
traz consequências.
fortalecer a formação, não tenho dúvidas que um
dia chegaremos lá. Uma coisa que “preocupa” os
confrades angolanos é quando digo repetidas vezes que “nós não fomos para ficar”. O que quero
dizer realmente com isto? Quero advertir que
não fomos para “colonizar”. Fomos no espírito
da carta “A África nos chama” e certamente estaremos lá e ajudaremos no que for possível até o
momento em que se possa dizer: temos todas as
condições para assumir e garantir a vida e a missão de uma entidade franciscana angolana. Até lá
vivamos em plena “comunhão de bens”.
Deixe uma mensagem
motivando para esta celebração jubilar.
Frei Estêvão – Prefiro fazer um apelo. Nós
sempre vimos também a nossa ida a Angola
Por que as vocações são
mais numerosas do que no Brasil?
Frei Estêvão – Hoje, no Brasil, vivemos uma
situação quase semelhante à da Europa em
termos de vocações. Situação de bem-estar, de
mil opções, de muitas possibilidades. Outra
causa é certamente também a diminuição do
número de filhos nas famílias. Quando eu fiz
noviciado – um pouco mais de 50 anos atrás –
todos os meus colegas brasileiros provinham
de famílias com doze a vinte filhos. Hoje, não
é raro encontrar o filho único tornando-se
frade. Então, essa realidade é bem diferente da de Angola, onde as famílias ainda têm
mais filhos. Creio que a situação pós-guerra
da sua infância e juventude, a realidade difícil, vivida e contada pelos pais, alimenta a
identificação com os ideais de uma vida simples e compartilhada, vividos e pregados por
Francisco de Assis.
como paradigma para a nossa “presença missionária” no Brasil. Assim como se parte em
missão para além do território da Província,
nós aqui devemos renovar continuamente o
espírito missionário, lá onde vivemos e servimos. Sinto-me muito identificado com a visão
do Papa Francisco: Igreja em saída, Igreja hospital de campanha, Igreja do bom samaritano.
Acho muito bonito e gratificante uma Província gerar uma nova entidade franciscana. Não
para aumentar o domínio. Não para multiplicar filiais. Não para adquirir maior influência.
Mas, como fazem os pais: para dar vida aos
filhos. Criar os filhos. Deixar partir os filhos.
E a nós cabe unicamente ajudar, com todas
as forças, para que se crie esta nova entidade
franciscana, e que possa, o quanto antes, assumir o seu caminho e ser uma presença missionária significativa na sociedade e na Igreja em
Angola.
Madre Fabíola, a Mãe da Missão
C
omo deixa bem claro Frei Estêvão Ottenbreit, na sua entrevista nesta Revista (ver na pág. 20), os frades permaneceram em Angola devido ao empenho de
Madre Fabíola Horga Ruiz, a fundadora do
Mosteiro Sagrado Coração de Jesus, em Luanda, onde foi Abadessa por quatro triênios.
Segundo Frei Estêvão, ela é a “Mãe da Fundação” que está sob a proteção da Imaculada
Conceição. “Quem te conheceu, pode testemunhar o coração maternal e carinhoso que
tinhas para com cada um. A juventude, com
o teu sorriso e olhar cheio de Deus, sentia-se
animada a uma vida comprometida na entrega a Deus. As crianças sentiam-se felizes contigo e quantas mães deram o teu nome às suas
filhas. Os adultos viam em ti uma verdadeira
mãe, amiga e conselheira”, disse a Abadessa
Madre Anuarite durante a Missa de Exéquias
de Ir. Fabíola, que faleceu no dia 29 de dezembro de 2010, vítima de leucemia.
Tinha, então, 69 anos de idade, sendo 53 de
vida religiosa e 28 anos vividos em Angola. Espanhola, ela nasceu em Prádanos de Ojeda em
3 de abril de 1941, sendo a última filha de 13
filhos do casal Horga e Rosa Ruiz. Era ainda
uma adolescente quando ingressou na Ordem
de Santa Clara de Assis, no Mosteiro de Nossa
Senhora dos Anjos, em Astudillo, Palencia. Ali
fazia a sua primeira profissão em 13 de agosto
de 1957 e ali se entregava a Deus em definitivo
na profissão solene, em 4 de abril de 1962, com
apenas 21 anos.
Sua missão em terras angolanas começou
quando o bispo D. Eugênio Salessi, de Malange, pediu a presença das Clarissas na sua
diocese. Com mais nove irmãs, ela pisou em
solo angolano no dia 20 de fevereiro de 1982
e se tornou uma das fundadoras do Mosteiro
Nossa Senhora dos Anjos.
“Mulher religiosa, intrépida, valente e sem
medo de enfrentar as grandes empresas quando se tratasse da glória de Deus”, acrescentou
a Abadessa Madre Anuarite. A pedido de D.
Alexandre Nascimento, Cardeal de Luanda,
ela fundou o Mosteiro Sagrado Coração de
Jesus em 1996. Mas sua incansável luta continuou fora de Angola e, desta vez, com um
grupo de 8 irmãs, fundou em 2006 um mosteiro em Moçambique. Foi neste mosteiro que
celebrou as bodas de ouro de profissão religiosa.
Ir. Fabíola foi sepultada no dia 3 de janeiro e
a igreja do Mosteiro ficou pequena para tanta
gente que queria se despedir dela. Entre as autoridades, o governador de Luanda. Ela foi a
primeira Clarissa a ser sepultada no cemitério
do Mosteiro que ela planejou.
O enterro
de Madre
Fabíola,
a mãe da
Missão, como
a chama Frei
Estêvão.
| 25 anos | FIMDA | 23
OS MISSIONÁRI
Pedro Caron
(duas vezes)
24/09/1990
José Zanchet
(duas vezes)
24/09/1990
Plínio Gande
da Silva
24/09/1990
Juvenal
Sansão
29/12/1990
Lotário
Neumann/RS
25/03/1991
Evaldo Melz
25/03/1991
Odorico
Decker
14/10/1991
Simão
Laginski
(três vezes)
26/10/1993
Dilson Adão
Geremia
21/02/1995
Valdir Nunes
Ribeiro
(duas vezes)
22/09/1995
Hermenegildo Pereira
30/05/1996
Ângelo
Vanazzi
(duas vezes)
15/03/1999
24 |
FIMDA |
25 anos |
Genildo
Provin
19/09/1995
Samuel
Ferreira de
Lima
27/06/1996
Antônio
Mazzucco
04/06/1997
Dante
Bardier
Echegaray
04/06/1997
Carlos
Alberto
Guimarães
(duas vezes)
01/03/1998
Márcio de
Araujo Terra
15/03/1999
Mário Stein
17/04/2000
José Antônio
dos Santos
01/04/2001
Ivair Bueno
de Carvalho
(duas vezes)
31/05/2001
Evaristo
Pascoal
Spengler
31/05/2001
Alexandre
Magno
Cordeiro da
Silva
01/03/2002
Ângelo José
Luiz
02/08/2004
Júlio César
Batista dos
Santos
02/08/2004
IOS EM ANGOLA
Almir
Bonetti
02/08/2004
José Urley
López
Buitrago
29/12/2005
Laerte de
Farias dos
Santos
31/03/2006
Aloísio Paulo
Agostinho
dos Santos
31/03/2006
Sebastião
Agostinho
Kremer
23/05/2007
Atílio
Dalla Costa
Battistuz
20/07/2008
André
Gurzynski
16/08/2008
Benedito
L. Sobrinho
(Prov. Goiás)
21/05/2009
Saulo José
Duarte
(Prov. Santa
Cruz/MG)
23/02/2010
Fábio José
Gomes
01/12/2010
Ricardo
Backes
10/10/2012
Marco
Antonio dos
Santos
27/11/2014
Alex
Ferreira
da Silva
23/02/2010
Hélio de
Andrade
21/05/2009
Vitalino
Piaia
23/02/2010
Robson
Luiz Scudela
23/02/2010
Enéas
Marcelo
Prestes de
Oliveira
17/02/2011
Jeferson
Palandi
Broca
10/11/2011
Alisson
Zanetti
10/11/2011
Jandir
Pereira
da Luz
10/11/2011
Miguel
da Cruz
12/12/2012
Gabriel
Vargas Dias
Alves
12/12/2012
Laurindo
Lauro da
Silva Júnior
12/12/2013
Jorge
Lázaro
de Souza
12/12/2013
Luiz
Iakovacz
06/03/2015
Antenor Camilo Militão
06/03/2015
Cristiano
Aparecido
Maciel
06/03/2015
| 25 anos | FIMDA | 25
ANGOLA
DESPERTA...
C
Frei Ermelindo Francisco
ertamente nessas poucas linhas não
será possível expressar tudo sobre um
país rico em história, em cultura, em
religiosidade, em recursos naturais. Mas
procurarei, a partir da minha experiência
pessoal, falar um pouco da situação atual de
Angola.
Angola é um país grande e belo, situa-se a
sudoeste do continente africano. Pela sua
extensão de 1.248.700 km, é dos maiores
países de África. Angola conta com 18 províncias, sendo Luanda a Capital. Tem grandes florestas, onde a luz do sol não penetra,
savanas imensas cobertas de capim, onde só
há areia e pedras. Seu mar é abundante em
peixes, além de formar lindas e maravilhosas praias.
A guerra civil angolana foi um conflito armado que teve início em 1975, e continuou,
com alguns intervalos, até 2002. A guerra
começou imediatamente após Angola se
tornar independente do domínio de Portugal, em 11 de novembro de 1975. Antes dessa guerra interna, houve o conflito de descolonização e a guerra pela independência do
país (1961-1974).
A guerra civil angolana foi essencialmente uma luta pelo poder entre três antigos
movimentos de libertação: o Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA),
União Nacional para a Independência Total
de Angola (UNITA) e Frente Nacional de
Libertação de Angola (FNLA). Ao mesmo
tempo, a guerra serviu como um campo de
batalha para a Guerra Fria e o forte envolvimento internacional, direta e indiretamente, de forças opostas como União Soviética,
Cuba, África do Sul e Estados Unidos. Foi
26 |
FIMDA |
25 anos |
uma característica importante
deste conflito.
Durante a guerra civil, não
foram poucos os missionários e missionarias
que doaram a sua vida
por amor ao Evangelho. Muitas cidades
destruídas e muitas
famílias separadas;
muitos
sonhos
frustrados e muitas
vidas ceifadas prematura e inocentemente; quantas
mães não choraram ao verem
seus filhos levados
para a guerra sem
qualquer preparo! Quantas famílias não viram seus
membros sendo executados à sua frente
pelo fato de resistirem
em ir para a frente do
combate ou por ter em
sua posse algum símbolo do partido adversário!
Quantas vezes a população e isso eu pude constatar - ficava
durante o dia inteiro na praça ouvindo (obrigatoriamente) um comício (espécie de assembleia) que, geralmente, terminava com execução pública.
Foi num cenário como esse que a Província
Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil
abriu a Missão em Angola, que está celebrando 25
anos. Aqui vale ressaltar a coragem do Governo
Provincial da época e dos primeiros três missionários que se apresentaram - Frei Plínio Gande da
| 25 anos | FIMDA | 27
Silva, Frei Pedro Caron e Frei José Zanchet - e
dos outros que vieram em seguida. O testemunho de muitos missionários, e não apenas dos
nossos confrades, era a alegria e a esperança que
o povo carregava dentro de si, mesmo em meio
às dificuldades.
Por conta da guerra, Luanda, por ser a capital,
era o local mais seguro para se morar. Portanto, muitas famílias emigraram do interior, o que
faz dessa cidade a mais populosa do país. Para
termos uma ideia, a cidade foi projetada para
quinhentos mil habitantes, mas hoje ela conta
com mais de sete milhões de habitantes. Aqui
dispensamos comentários sobre as turbulências
urbanas de Luanda (trânsito, falta de saneamento básico em muitas regiões, marginalidade...).
Depois da conquista da paz, em 4 de abril de
28 |
FINDA |
25 anos |
2002, nota-se um acelerado crescimento econômico, social, político, tecnológico... Muitas infraestruturas destruídas pela guerra estão sendo
reformadas; muitas famílias estão se reestruturando; muitos campos voltaram a ser cultivados
e muitas missões religiosas foram reabertas;
muitas crianças, jovens e adultos, retomaram
os estudos; muitos hospitais e escolas foram reabilitados e reconstruídos; muitos aeroportos,
linhas férreas e estradas voltaram a funcionar.
Tudo isso e muito mais, sim, são benefícios da
paz. Mas, em minha humilde compreensão,
constato que os elevados escândalos de corrupção fazem com que a dignidade humana esteja
em segundo plano. Quando não se promove o
ser humano, compromete-se seriamente o futuro do país. Portanto, Angola precisa de uma
verdadeira reforma política e social. Isso só será
possível na medida em que cada cidadão tomar
consciência de que é extensão do país, é parte
do país. Jonas Savimbi, primeiro presidente de
UNITA, num dos seus discursos dizia: “... Não
defino o angolano como preto, como mulato
ou como branco, mas defino o angolano como
aquela que ama e luta por Angola...”
O governo angolano é democrático, mas é uma
democracia que precisa ser bem pensada. A
economia está centralizada essencialmente no
petróleo. Hoje, em Angola, constatamos uma
emigração massiva dos chineses que trabalham
nas empresas de construção civil. Se isso é positivo ou negativo, não sei, mas é uma questão
que deveria ser bem compreendida. Além destes, ainda no que diz respeito à construção civil,
encontramos também um bom número de empresas brasileiras, portuguesas, alemãs, norte-americanas ...
Angola, portanto, é menina dos olhos de muitas potências mundiais, pois, não são poucas as
multinacionais que operam em terras angolanas. Se o país for bem administrado, segundo
a Unicef, em pouco tempo será uma potência
africana, e por que não mundial?!
Todos os problemas sociais, políticos, culturais…, sejam lá chamados como quiserem, são,
na verdade, problemas teológicos. Portanto as
Igreja local de Angola tem a grande missão de
dar voz aos sem-voz e vez aos sem-vez. Desse
modo estará promovendo o ser humano e restituindo a dignidade àqueles que a perderam por
várias circunstâncias da vida.
| 25 anos | FIMDA | 29
30 |
FIMDA |
25 anos |
NO CORAÇÃO
DA MISSÃO
N
Frei Gustavo Medella
estes 25 anos de história, 52 frades estiveram
em Angola como missionários, sem contar
outros tantos que passaram pela Missão para
um período mais curto de ajuda na formação de frades, leigos e das Irmãs Clarissas e outras atividades. Hoje, compõem a
Fundação Imaculada Mãe de Deus (FIMDA) 17 frades de profissão definitiva, sendo dois angolanos e um irmão professo temporário em período de estágio, divididos em cinco fraternidades.
Os trabalhos realizados pelos frades da FIMDA se distinguem
pela diversidade manifestada no atendimento a paróquias, na formação, no atendimento aos necessitados, na educação escolar, na assistência às Irmãs Clarissas, na produção e apresentação de programas
de rádio, nos trabalhos sociais, no serviço da escuta cristã, nas celebrações, nas visitas a aldeias e lugares de difícil acesso, no acompanhamento vocacional dos candidatos à Vida Religiosa Franciscana.
Para além de tantas atividades, nota-se um esforço dos frades em cultivar
uma grande proximidade com o povo. Visitando as fraternidades, não é
raro ver o afluxo de pessoas que vêm ao encontro dos irmãos, seja quando estão em casa ou quando andam pelas ruas e vielas das localidades
onde estão presentes. São muitos os cumprimentos, os sorrisos e a demonstração de carinho àqueles que abraçaram o seguimento de Cristo ao
modo de Francisco e se esforçam para serem esta presença evangélica e
evangelizadora entre os irmãos e irmãs de Angola.
| 25 anos | FIMDA | 31
Malange
O “PRIMEIRO AMOR”
A Paróquia
dos Santos
Mártires,
no alto, foi
um antigo
cinema.
32 |
FIMDA |
E
25 anos |
Existe um jargão na vida religiosa que identifica o primeiro lugar de transferência de
um religioso que concluiu a formação inicial como o “primeiro amor”. Aplicando esta
linguagem à presença franciscana em Angola, pode-se dizer que Malange foi o “primeiro
amor” da Ordem dos Frades Menores em terras angolanas. Capital da Província de mesmo
nome, localizada na região Centro-Norte do
país, com população aproximada de 968 mil habitantes, (segundo o Censo de 2014) sendo que
486 mil pessoas vivem na região da capital.
Em Malange, a presença dos frades se
localiza no bairro chamado Katepa,
onde estão duas fraternidades: São
Damião e Seminário Monte
Alverne. Sob os cuidados
da Fraterni-
dade São Damião, estão a Paróquia dos Santos
Mártires de Uganda, a Missão em Kangandala e
a assistência às Irmãs Clarissas.
A Paróquia dos Santos Mártires tem sua sede
junto à residência dos frades e a igreja funciona em um antigo cinema. O pároco é Frei
Afonso Katchekele Quessongo, primeiro frade
angolano professo solene da Fundação. Além
do trabalho na Paróquia, Frei Afonso também
é professor no Seminário Monte Alverne e leciona ainda em algumas escolas da região. Na
condução da paróquia, ele conta com a assistência direta de Frei Luiz Iakovacz, que também é
o assistente das Irmãs Clarissas do Mosteiro de
Malange.
O outro integrante da Fraternidade São Damião
é Frei Alisson Luís Zanetti, responsável pela coordenação dos frades e animador da Missão
em Kangandala. Frei Alisson
se reveza entre a presença
na sede da missão e passa
temporadas visitando aldeias de difícil acesso, às
Seminário Monte Alverne
JOVENS DE
DIVERSAS REGIÕES
quais consegue chegar de moto ou a pé. Nestas
idas e vindas, Frei Alisson já colecionou alguns
tombos. “Por conta das condições do clima, o
trabalho de visita às aldeias é sempre concentrado na época de seca”, explica. “É impressionante
o carinho com que somos acolhidos na aldeia.
Há casos em que a família deixa a própria casa
para o missionário e se dividem por outras
moradias. Preparam um lugar especial para o
banho, às vezes uma tapera construída com capim. Querem oferecer o melhor para nós”, destaca. Este carinho a que se refere Frei Alisson é
expressão da fé viva e atuante do povo angolano,
o verdadeiro protagonista da evangelização
Atualmente com um grupo de 63 seminaristas, divididos nas três classes que equivalem ao Ensino
Médio no Brasil, o Seminário Monte Alverne iniciou suas atividades em 2005, num terreno adquirido pela Província praticamente ao lado da Missão em Malange. Ali, os jovens candidatos à vida
religiosa recebem, além da formação escolar convencional, a formação própria para a vida religiosa
franciscana e têm uma rotina de oração, estudo,
trabalho (horta, plantação de mandioca, limpeza
da casa etc.), atividades pastorais e esportes. Na
condução dos trabalhos desta fraternidade estão
Frei Jeferson Palandi Broca, guardião; Frei Laurindo
Lauro da Silva Junior, reitor do Seminário; Frei Antenor Camilo Militão, que também é responsável
pela orientação dos seminaristas; e Frei Cristiano
Maciel, frade professo temporário que concluiu os
estudos de Filosofia e faz o seu ano de estágio pastoral em Angola. No seminário, os frades também
atuam como professores de diferentes disciplinas.
Em Malange, as duas fraternidades trabalham em
profunda sintonia, num espírito de entre ajuda e
proximidade. Destaca-se também a convivência
muito próxima com as diversas congregações religiosas femininas que ali se fazem presentes, como
as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, as Irmãs Franciscanas de São José e as Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus.
| 25 anos | FIMDA | 33
Kibala
O PASSO SEGUINTE DA MISSÃO
K
No alto, a capela
do Postulantado
e, abaixo, Frei
André mostra
destroços da
guerra
34 |
FINDA |
25 anos |
ibala é um município da Província de
Kwanza Sul e conta atualmente com cerca
de 135 mil habitantes. Localiza-se a 194
Km de Sumbe, a capital da Província e a 323
km de Luanda, capital do país. No período da
guerra, Kibala, apesar de se localizar no Interior, era um ponto estratégico, pois por ali passava a ligação entre o Norte e o Sul do país. Por
este motivo, era alvo de grandes disputas, ora
estando sob o domínio do governo (MPLA),
ora sob o comando da UNITA. Até hoje chamam a atenção de quem
anda pelo centro da cidade
alguns prédios em ruínas,
por conta dos bombardeios
da época, e também tanques e carros de guerra estão
abandonados. No terreno
onde se localiza atualmente
a Fraternidade Santo Antônio, Frei André Gurzynski,
atual guardião da fraternidade, explica que, com fre-
quência, eram encontrados restos de projéteis
deflagrados e também armas abandonadas. O
lugar é montanhoso, rico em belas paisagens, e
com muitas grandes pedras que conferem uma
especial beleza à cidade.
A ida dos frades para esta localidade se deu logo
no início da Missão por conta do atendimento
ao Mosteiro de Irmãs Clarissas, de fundação
mexicana, que ali se instalara. Devido à guerra,
em 1998, quando os frades também interromperam a presença em Kibala, as irmãs clarissas
se transferiram para Lubango, na Província de
Huíla, ao Sul de Angola.
Fazem parte da Fraternidade Franciscana Santo
Antônio: Frei André Gurzynski, guardião; Frei
Marco Antônio dos Santos, mestre dos Postulantes; Frei Ricardo Backes, vice-mestre; e Frei Manoel Tchincocolo Ramos, frade de profissão temporária que concluiu o curso de Filosofia e faz o
seu período de estágio. O trabalho principal dos
frades é acompanhar a formação dos postulantes,
jovens formandos provenientes do seminário de
Malange. Neste ano, são 13 candidatos que se pre-
param para virem ao Brasil no próximo
ano, quando ingressarão no Noviciado.
O terreno onde a fraternidade se localiza
é extenso e por isso também o espaço é
aproveitado para a criação de animais (cabras e porcos), horta, fabricação de tijolos
e outras atividades. Entre as curiosidades
da casa, as construções erguidas em contêineres (quartos, sala de aula dos postulantes), o abrigo das cabras, um contêiner
completamente perfurado por balas, e
a famosa “Pedra da Oliva”, localizada na
frente do terreno, onde está encravado o
símbolo de uma empresa fabricante de
máquinas de costura. Na região onde se
localiza a fraternidade ainda não há rede
de energia elétrica, havendo a necessidade de um gerador movido a óleo diesel,
chamado “gasóleo” em Angola.
Assim como em Malange, a presença
em Kibala tem um envolvimento pastoral bastante intenso, pois os frades têm
atuação efetiva na Missão Nossa Senhora das Dores, de responsabilidade
dos padres diocesanos. Em comunhão
com a Igreja local, os freis de Kibala celebram nos bairros e aldeias e também
os postulantes têm diversas atividades
pastorais. Conquista recente da fraternidade do postulantado é a Capela Santo Antônio, uma construção simples,
porém bastante expressiva da espiritualidade franciscana.
Presença interrompida
pela guerra
A presença dos frades em
Kibala tem duas etapas: a
primeira, de 1991 a 1998, e
a segunda, a partir de 2009
até os dias atuais. O fato
decisivo para a retirada dos
frades e formandos daquela localidade foi o atentado
sofrido por Frei Valdir Nunes,
no dia 13 de novembro de
1998.
O clima na cidade estava
muito tenso. Ao anoitecer,
Frei Valdir ouviu alguns latidos dos cachorros do lado
de fora da casa e foi verificar
o que acontecia. Ao sair, encontrou um soldado armado, que veio
em sua direção, tomou-lhe a lanterna
e, em seguida, vieram outros três, já
com violência. Pegaram Frei Valdir à
força e o levaram para o meio da estrada que passava em frente à missão.
“Levei tapas no rosto e uma coronhada tão forte que quase desmaiei. Eles
queriam dinheiro, que nós não tínhamos, e também levar os seminaristas
para servirem à tropa. Como nada
conseguiram, disseram-me para ir
embora e quando virei as costas, ouvi
um tiro e percebi que uma bala havia
me acertado”, conta.
Na perspectiva de escapar dos soldados, Frei Valdir jogou-se no chão e
fingiu agonizar. Quando eles foram
embora, dirigiu-se com muito sacrifício para casa, segurando a perfuração
na barriga, onde se misturavam sangue e fezes. Chegou cheio de lama e
com o intestino perfurado em quatro
pontos, o que lhe causou uma grande
infecção no ventre. Uma irmã que era
enfermeira foi chamada e prestou-lhe
os primeiros socorros. “Eu recebi os
sacramentos de Frei Simão Laginski,
deitei-me no chão do meu quarto
onde, imaginava, teria meu encontro
com a irmã morte. Imaginei que fosse
morrer porque à noite não se podia
sair. Os caminhos eram todos minados”, lembra.
Frei Valdir resistiu e, no dia seguinte, foi
levado a Gabela, onde havia um pequeno hospital. Por coincidência, estava ali um cirurgião colombiano, que
de tempos em tempos percorria os
hospitais para prestar assistência. “Ele
retirou as faixas que a irmã havia colocado e viu que estava tudo inchado
e infeccionado. Com os poucos meios
que tinha, fez uma operação de limpeza e fechou o ferimento de forma
rudimentar. No dia seguinte, já no domingo, chegou o helicóptero que me
levou até Luanda, onde passei pelos
procedimentos necessários”, recorda.
Frei Valdir destaca que, apesar do ocorrido, tem grande apreço pela Missão
em Angola. Atualmente trabalhando
em Curitibanos, SC, como guardião e
pároco, sonha em voltar para África, e,
“se Deus permitir, gostaria de morrer e
ser enterrado naquele chão” , complementa.
| 25 anos | FIMDA | 35
Luanda
A MISSÃO CHEGA À CAPITAL
L
A sede da
Missão acima
e a construção
(ao lado) da
nova residência
para acolher
18 frades
estudantes de
Filosofia
36 |
FINDA |
25 anos |
uanda é a menor Província de Angola,
mas também a mais populosa, com 6,5
milhões de habitantes, sendo cerca de 2,1
milhões apenas no entorno da capital, segundo
o censo de 2014. É um lugar de
intensa movimentação, tanto
de pessoas quanto de veículos.
O trânsito é bastante pesado e
pouco organizado, o que torna
demorados deslocamentos razoavelmente curtos. Dentre os
principais desafios estão a melhoria da qualidade dos serviços
públicos, o saneamento básico e
a coleta de lixo.
Depois de estarem em Malange
e Kibala, com o caminhar da
missão, os frades foram percebendo que também seria necessária a constituição de uma
presença em Luanda. Frei Estêvão Ottenbreit,
que na época era Ministro Provincial, explica
que era frequente a demanda por recursos que
só podiam ser obtidos na capital. “Qualquer
coisa de que precisávamos, tínhamos
que vir a Luanda. Fomos por muito
tempo acolhidos de maneira fraterna e
generosa pelos frades capuchinhos em
Luanda. Mas, por outro lado, percebemos o quanto era necessário termos
também ali uma presença”, contextualiza Frei Estêvão.
E, desta forma, assim como chegaram
a Malange por conta do atendimento
às Irmãs Clarissas, em 1990, seis anos
mais tarde, acompanhando as Clarissas deste mesmo mosteiro, de fundação espanhola, os frades se instalaram
em Luanda e passaram a morar ao lado
do mosteiro construído para as Clarissas, no Bairro do Palanca, em Luanda,
em terreno cedido pela Arquidiocese
de Luanda. Hoje, a sede da Fundação é a Fraternidade São Francisco de Assis, em Luanda,
e ali os frades se dedicam ao atendimento da
Paróquia São Lucas, que tem como pároco Frei
Sebastião Kremer, o acompanhamento formativo dos frades professos temporários, o atendimento ao Quimbo São Francisco, o Projeto
Nossos Miúdos, que se ocupa da acolhida de
meninos que foram abandonados pela família.
Além de Frei Sebastião, compõem a fraternidade Frei José Antônio dos Santos, presidente da
Fundação Imaculada Mãe de Deus (FIMDA) e
mestre dos professos temporários do tempo da
Filosofia; Frei Márcio de Araújo Terra (Projeto
Nossos Miúdos e Paróquia) e Frei Aloísio Paulo
Agostinho dos Santos (animação vocacional e
outros trabalhos). Também faz parte da missão
da fraternidade a assistência espiritual ao Mosteiro das Irmãs Clarissas de Luanda.
Em Palanca, moram seis frades de profissão
temporária que cursam Filosofia na Universidade Católica de Angola, situada a cinco minutos
de caminhada da Fraternidade São Francisco.
Em termos de instalações físicas, está sendo
construído, junto ao Convento do Palanca, uma
residência para acolher 18 frades estudantes de
Filosofia. Por questões práticas, especialmente
pela proximidade com a Faculdade de Filosofia,
a proposta é que todos os frades desta etapa de
formação morem naquele mesmo local. Atualmente, eles estão divididos em dois grupos: os
seis que vivem no Bairro do Palanca e outros
nove que estão na Fraternidade da Porciúncula, em Viana, município da periferia de Luanda,
e que diariamente demoram quase duas horas
para fazer um percurso de pouco mais de dez
quilômetros, por conta do trânsito carregado e
das más condições das vias.
No alto, a sede
da Paróquia São
Lucas e, ao lado,
o Mosteiro das
Irmãs Clarissas
de Luanda.
| 25 anos | FIMDA | 37
Quimbo São Francisco
SANTUÁRIO A CÉU ABERTO
C
hão de terra batida a céu aberto. Árvores sob as quais as pessoas se abrigam
à sombra. Muita gente! Mulheres com
roupas coloridas, grande número delas
com crianças, que são trazidas junto às costas, amarradas por um tecido também de cor
bem marcante. Crianças muito pequenas deitadas no chão, sobre um lençol e sob o olhar
cuidadoso da mãe. Para sentar, uma pedra, a
poeira do chão ou um banquinho colorido,
de plástico, simples, leve e fácil de carregar. À
frente, num pequeno palco, que também é al-
38 |
FINDA |
25 anos |
tar, algumas mammás (termo típico angolano
para designar mulher) rezam, cantam, louvam e agradecem, incentivando a multidão a
fazer o mesmo. Isso desde o começo da manhã, totalmente dedicada à oração e, com a
fidelidade ao modo angolano de se expressar,
também na fé, com cantos e danças que dão
som e movimentos a pedidos, agradecimentos, súplicas, dúvidas, medos, alegrias e todos
os outros sentimentos e atitudes que povoam
o coração humano.
Esta seria, em breves palavras, a descrição da
manhã de uma quinta-feira no
chamado Quimbo São Francisco. O lugar, localizado no terreno da Fraternidade São Francisco, em Luanda, se firmou
como um verdadeiro santuário, para onde grande número
de fiéis acorre semanalmente
em busca de um momento de
oração, reflexão, louvor e celebração.
O espaço surgiu a partir de um
pedido do cardeal arcebispo
de Luanda na época da chegada dos frades, Dom Alexandre
Nascimento. Preocupado com
a movimentada rotina dos religiosos por conta dos desafios
da guerra e com medo que caíssem num ativismo exagerado,
o cardeal pediu aos frades que
criassem naquele espaço, junto à fraternidade, um lugar de
cultivo espiritual, onde o religioso ou a religiosa que desejasse pudesse ter um momento
de recolhimento, meditação,
leitura da Palavra de Deus, enfim, de oração pessoal. E foi
nesta perspectiva que surgiu o
Quimbo São Francisco.
Hoje em dia, a utilização do espaço foi além daquela sugerida
pelo arcebispo e pensada pelos
frades e, também com a aproximação da Renovação Carismática Católica, o Quimbo se
tornou um lugar de peregrinação em massa.
Ali as pessoas chegam de manhã para participar de orações, pregações, momentos de louvor, novenas. Às 11 horas, celebra-se a Missa,
sempre com a presidência de um dos frades e
animada com canto e dança.
Para quem deseja, existe ainda no Quimbo
São Francisco um serviço de escuta cristã,
onde um voluntário e também algum dos
frades estão à disposição para uma conversa pessoal e particular. E assim mais uma
quinta-feira se vai... Embora seja este o dia de
maior movimento, sempre há naquele espaço pessoas em oração, sozinhas ou em grupo,
revelando que o Quimbo São Francisco mora
no coração do povo e pertence ao povo de
Angola.
Projeto Nossos Miúdos
SONHOS A JOVENS
ABANDONADOS
Na cultura angolana, aparece de forma bastante forte a crença em
torno do que se denomina “feitiço”. Sempre que alguém morre de
maneira inesperada ou repentina, ou algo de ruim acontece de uma
hora para outra, acredita-se que o ocorrido foi obra de um “feiticeiro”,
quase sempre alguém próximo ou conhecido da vítima, com frequência alguém de sua própria família. Uma vez acusada de feiticeira, a
pessoa passa a correr risco de morte, pois acredita-se que, uma vez
eliminado aquele que causou o mal, a justiça terá sido feita.
Esta breve e superficial explicação de um dos elementos da cultura
em Angola serve para contextualizar o surgimento do Projeto Nossos Miúdos, iniciado há vários anos por Frei Márcio de Araújo Terra
e que faz parte da Fraternidade São Francisco de Assis, em Luanda.
O trabalho veio como resposta ao drama de meninos que eram expulsos da família por serem acusados de feitiçaria. Sensível a este
drama, Frei Márcio passou a acolher alguns destes jovens, e esta iniciativa deu origem ao trabalho.
Hoje, a casa acolhe 13 meninos que estão entre a adolescência e a
juventude. Além de oferecer todo o apoio material, o Projeto também tem a preocupação de possibilitar uma formação profissional a
estes jovens, com o treinamento para a profissão de padeiro. Na padaria, além de aprender as habilidades próprias do ofício, os jovens
conseguem gerar renda, pois a produção é vendida na vizinhança,
e ajuda na manutenção da casa. Ao comentar os resultados do Projeto Nossos Miúdos, Frei Márcio não esconde a satisfação: “Fico muito feliz quando, por exemplo, um jovem que passou por aqui me
procura anos depois para contar de sua vida, para me apresentar a
família e os filhos e me dizer que está bem encaminhado na vida”,
comemora o Frei.
| 25 anos | FIMDA | 39
Viana
A FRATERNIDADE MAIS JOVEM
V
No bairro da
Estalagem está
a residência dos
frades. Abaixo,
a Paróquia
Nossa Senhora
de Fátima.
40 |
FINDA |
25 anos |
iana é um município pertencente à Província de Luanda. Tem 1,5 milhão de
habitantes. Os frades estão aí instalados
desde 2000. Moram ali Frei António
Boaventura Zovo Baza, guardião e pároco da
Paróquia Nossa Senhora de Fátima, Frei Ivair
Bueno de Carvalho, vice-mestre dos frades em
formação e responsável pelos projetos sociais,
e Frei José Zanchet, com quase oitenta anos e
membro do primeiro grupo de missionários,
que atua como vigário paroquial. Compõem
também a fraternidade seis frades professos
temporários do tempo da Filosofia.
O bairro da Estalagem, onde se localiza a Fraternidade, é muito populoso, e por isso a casa
dos frades também é muito movimentada. As
crianças desejam entrar no terreno para colher
as pequenas frutas, as quais elas chama de figos.
Há também muitos meninos que vêm treinar
futebol no Projeto Bola da Paz, que busca a socialização através do esporte. Responsável pelo
trabalho social da casa, que também oferece um
projeto de inclusão digital, Frei Ivair Bueno se
sente muito à vontade entre o povo e trata as
pessoas de modo muito próximo, sempre com
sorrisos e brincadeiras.
Devido à superpopulação do bairro, a Paróquia
Nossa Senhora de Fátima também tem movimentação intensa. Para se ter uma ideia, são três
mil crianças na catequese, que se reúnem no entorno da igreja matriz, sentadas sobre banquinhos coloridos de plástico e sob a sombra das
árvores. O grande empenho da comunidade
paroquial agora é a construção da igreja matriz
sob a coordenação do pároco, Frei António. Lideranças e todos na comunidade estão bem focados nesta missão.
Em Viana, os frades mantêm também convivência muito próxima com as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, de quem são vizinhos de terreno. Num espírito de integração e interajuda, a
celebração da Eucaristia diária, com a presença
dos frades e das irmãs, se reveza semanalmente
entre as duas casas: ora os freis vão até as irmãs
e vice-versa.
os frutos da missão
Q
uando completou dez anos da presença franciscana em Angola, Frei Atílio
Abati, de saudosa memória, era o Coordenador do Departamento de Evangelização Missionária e lançou um livreto de 34
páginas sobre a Missão, onde imprimia seu otimismo sobre o futuro. “Há sinais de vida e esperança, também para o futuro da Missão e algumas coisas vão se clareando e ganhando corpo.
Por exemplo, as muitas vocações e as duas casas
de formação em Malange e Kibala são os frutos
da cruz plantada que vai virando árvore da vida.
A cruz de Cristo vai se apresentando como forte
símbolo da nossa Missão em Angola, que aponta para o Ressuscitado e garante que o sentido
último é a vida”.
A Missão deu os primeiros passos na formação
franciscana com a abertura do Aspirantado em
1996, admitindo quatro jovens: Domingos, Nélson, Cândido e Adão. Em 27 de junho de 1996,
Frei Samuel Ferreira de Lima, o atual mestre de
noviços da Província da Imaculada, foi tranferido para Malange como formador dos primeiros
aspirantes. Ficou nove anos em Luanda e cinco
meses em Malange até retornar em 2006.
Outro momento importante aconteceu em
1997, no dia de São Francisco de Assis, com a
abertura do Postulantado em Kibala.
Os primeiros noviços da Missão - Adão Gil de
Melo, Cândido Gabriel F. Manuel e Nelson Jaime Cristóvão - vieram para Rodeio no dia 20
de janeiro de 2000. Os três, contudo, não perseveraram.
No dia 30 de junho de 2007, Frei Afonso Kachekele Quessongo se tornava o primeiro angolano da Missão a professar na Ordem dos Frades Menores. No dia 23 de janeiro de 2011, ele
se tornou o primeiro presbítero angolano nesta
frente missionária.
O segundo professo solene foi António Boaventura Zovo Baza, no dia 30 de agosto de 2009. Ele
se tornaria também o segundo sacerdote desta
frente no dia 15 de janeiro de 2012.
Em 2013 chegaram ao Noviciado São José de
Rodeio oito angolanos, o maior grupo até então.
Desde então, o Noviciado tem acolhido bom
número de angolanos e a perspectiva é de ter
treze noviços em 2016.
A Missão de Angola, que foi elevada à condição
de Fundação, com o nome de Imaculada Mãe de
Deus no dia 3 de julho de 2008, viu a profissão
solene de Frei Carlos Guimarães e Frei Aloísio
Paulo dos Santos; a ordenação sacerdotal de Frei
José Antônio dos Santos, em abril de 2001; e a
ordenação diaconal de Frei Alexandre Magno,
em julho de 2006. Ele foi ordenado sacerdote no
Brasil, em janeiro de 2007.
No alto, os
primeiros
professos solenes,
Frei Afonso e
Frei António,
e, abaixo, os
noviços de 2015
| 25 anos | FIMDA | 41
Frei Afonso
K. Quessongo
Nascimento:
03/04/1975
Naturalidade:
Huambo
Frei João Batista
C. Canjenjenga
Nascimento:
03/01/1986
Naturalidade:
Huambo
Frei Gaudêncio
C. Choputo Numa
Nascimento:
28/02/1983
Naturalidade:
Luanda
Frei Manuel
T. Ramos
Nascimento:
07/12/1985
Naturalidade:
Cabinda
Frei José
M. Cambolo
Nascimento:
26/01/1989
Naturalidade:
Luanda
Frei Ermelindo
Francisco Bambi
Nascimento:
01/03/1987
Naturalidade:
Ingombota
Frei João
Alberto Bunga
Nascimento:
05/04/1988
Naturalidade:
Kilamba Kiaxi
Frei Ananias
P. M. Cauanda
Nascimento:
11/02/1990
Naturalidade:
Ambaca
Frei Canga
Manuel Mazoa
Nascimento:
23/03/1993
Naturalidade:
Cazengo
Frei João
Candongo Muhala
Nascimento:
02/05/1992
Naturalidade:
Benguela
Frei Mário
Sampaio Pelu
Nascimento:
20/08/1988
Naturalidade:
Benguela
Frei Mateus M.
Ukwahamba
Nascimento:
20/03/1991
Naturalidade:
Cubal
Frei Alberto
André António
Nascimento:
17/04/1987
Naturalidade:
Cazenga
42 |
FIMDA |
25 anos |
Frei António
Boaventura Z. Baza
Nascimento:
25/09/1976
Naturalidade:
Cabinda
Frei Siro Armando
J. Luamba
Nascimento:
25/11/1989
Naturalidade:
Ambaca
Frei Alfredo
Epalanga Prego
Nascimento:
10/06/1990
Naturalidade:
Benguela
Frei Crisóstomo
Pinto Ngala
Nascimento:
05/09/1992
Naturalidade:
Cubal, Benguela
Frei Diogo
da Silva Filipe
Nascimento:
28/03/1985
Naturalidade:
Cazengo, K.Norte
Frei Gabriel
Sapalo Chico
Nascimento:
16/05/1992
Naturalidade:
Cubal, Benguela
Frei Honorato
S. Gaspar Gabriel
Nascimento:
26/11/1990
Naturalidade:
Malange
Frei Mvula
Nzaje André
Nascimento:
25/01/1978
Naturalidade:
Marimba
Frei Paulino Kamussamba Sopindi
Nascimento:
21/05/1987
Naturalidade:
Cabinda
Frei Santana
S. Cafunda
Nascimento:
11/03/1990
Naturalidade:
Malange
Frei Alberto
Victorino
Nascimento:
09/07/1987
Naturalidade:
Ganda, Benguela
Frei Victorino
Chico Tchimuku
Nascimento:
28/12/1992
Naturalidade:
Cubal, Benguela
Frei Flaviano
José Fernando
Nascimento:
26/05/1994
Naturalidade:
Catete Icolo e Bengo
Frei André dos Santos Sungo Mingas
Nascimento:
02/01/1986
Naturalidade:
Cabinda
Frei José
Filipe Muyeye
Nascimento:
02/09/1990
Naturalidade:
Benguela
Frei José
João Ganga
Nascimento:
13/11/1990
Naturalidade:
Caconda, Huíla
Frei Miguel
Tchiteculo T. Filipe
Nascimento:
13/01/1990
Naturalidade:
Lobitol, Benguela
| 25 anos | FIMDA | 43
entrevista
Frei João Baptista Chilunda Canjenjenga
O PROFESSO DO JUBILEU
Agradeço a Deus por este grande momento
em que elevei à plenitude minha consagração
batismal dando o sim definitivo ao chamado
Deus. Louvo mais ainda por ser justamente no
dia em que a Fundação Imaculada Mãe de Deus
de Angola (FIMDA) celebrou o seu jubileu.
Também é muito bom para a nova geração
vivenciar esse momento celebrativo que, de uma
forma, contribui para a motivação vocacional.
U
Moacir Beggo
m dos momentos marcantes das celebrações neste ano jubilar da Fundação Imaculada Mãe de Deus foi a profissão solene
de Frei João Baptista Chilunda Canjenjenga.
Aos 29 anos, ele é o terceiro frade angolano a
professar na Ordem dos Frades Menores. Conheça um pouco o novo professo da Missão de
Angola e sua caminhada vocacional franciscana até dizer o ‘sim’ definitivo a Deus e à Ordem
Franciscana.
Como é fazer a profissão solene na terra natal
exatamente no ano do Jubileu da Missão?
Frei João Baptista - Fazer profissão solene na
terra natal foi motivo de grande júbilo, pois
tem grande significado na minha caminhada
vocacional. Para os meus familiares, acredito
que também foi motivo de muita alegria porque
tiveram a oportunidade de testemunhar o
momento em que dei o meu sim definitivo
a Deus, visto que não tiveram a graça de
participar na primeira profissão. Também
não deixou de ser momento importantíssimo
para a Fundação Imaculada Mãe de Deus
(FIMDA), que celebrou o jubileu de 25 anos
de presença missionária e evangelizadora
dos Frades Menores junto ao povo angolano
num momento de reflorescimento vocacional.
44 |
FINDA |
25 anos |
Como se deu seu discernimento vocacional?
Frei João Baptista - O meu discernimento vocacional começou desde pequeno, quando comecei
a sentir o chamado de Deus em meu coração. Ao
longo dos anos fui alimentando o meu sim a este
chamado em meu coração todos os dias, mas não
manifestava publicamente. Certo dia, a convite
de um amigo meu, comecei a frequentar as reuniões do grupo vocacional da paróquia. Passados
alguns anos, tive que mudar de um Estado para
outro, isto é, de Huambo, terra que me viu nascer, para Luanda, com o propósito de morar com
as minhas irmãs. Procurando dar continuidade
à minha participação nas reuniões do grupo vocacional, isto no Estado de Luanda, foi quando
conversei com a minha irmã mais velha que já
era ‘expert’ em assuntos de Igreja na Paróquia
São Pedro Apóstolo. Por sua vez, ela dirigiu-me
a um vizinho nosso que já frequentava encontros
de direção vocacional com os Frades Menores
no Palanca, Quimbo São Francisco. No terceiro
domingo do mês, dia em que aconteciam as reuniões, o vizinho levou-me à reunião, onde pela
primeira vez ouvi a história de Francisco de Assis. Com o passar do tempo fui me identificando com o carisma franciscano e, com ajuda do
promotor vocacional, fui amadurecendo o meu
Dados pessoais e formação
Nome: João Baptista Chilunda Canjenjenga
Nascimento: 03 de Janeiro de 1986
Natural de Huambo, província do Huambo
Pais: José Pedro Canjenjenga e Ana Maria Chitula
Irmãos: Penúltimo filho de treze (13) irmãos
Aspirantado: Monte Alverne, Malange, em 2005
Postulantado: Malange, 2008
Noviciado: Rodeio (SC), em 2009
Primeira Profissão: 3 de Janeiro de 2010, em Rodeio
Filosofia: de 2010 a 2013, em Luanda
Teologia: 2º ano, cursando no ITF
discernimento vocacional. Imaginei ser vontade
de Deus, pois até então não me havia decidido
em que congregação serviria o povo de Deus. Daí
continuei a participar dos encontros vocacionais
no Palanca com os frades. No momento ,posso
afirmar que, com ajuda de Deus e dos confrades,
tenho sido perseverante e persistente neste sim
a Deus e ao seguimento de Cristo Jesus pobre e
crucificado.
E sua família, como recebeu a notícia?
Frei João Baptista - Quando entrei no grupo de
vocacionados, os meus parentes pensavam que
tudo fazia parte do meu lazer quando ia para as
reuniões nos primeiros e terceiros domingos de
cada mês. Passados alguns anos, quando informei a eles que precisava do termo de reponsabilidade para ingressar no aspirantado, a família ficou dividida: alguns eram a favor, outros
contra. Apareceu até a ideia de que, como gosto
muito da Igreja, poderia me tornar um bom
catequista ou ministro da comunhão e não ser
frade menor ou padre.
Como meus pais sempre foram a favor, o meu
pai ordenou que os meus irmãos mais velhos escrevessem o termo de responsabilidade. Ele não
o fez porque morava em Huambo e, naquela
época, os correios de Angola não funcionavam
bem. Assim sendo, acabei indo ao aspirantado.
Os irmãos e as irmãs que eram contra o meu
ingresso no aspirantado não davam muito crédito na minha perseverança. Somente no final
do postulando, quando me preparava para ir ao
noviciado, é que todos os membros da família
começaram a aceitar e a respeitar a minha opção vocacional. Atualmente é unânime. Todos
os membros da minha família aceitam e apoiam
a minha opção vocacional, e sempre mandam
uma mensagem de incentivo vocacional. Para
mim, isso é mais um sinal de que Deus, para
além de capacitar os seus chamados, também
provê, cuida, protege e conduz.
Por que ser franciscano hoje?
Frei João Baptista - Para observar o santo
Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em
castidade, evangelizando como irmão e menor
no nosso tempo.
Deixe uma mensagem para
os vocacionados angolanos e brasileiros?
Frei João Baptista - A mensagem que deixo
para os vocacionados angolanos e brasileiros é
a de não terem medo de dizer sim ao chamado
de Deus, não ignorar os sinais do chamado de
Deus. Quando Deus chama, também capacita
os seus chamados. É preciso dizer como São
Francisco de Assis: “É isso que eu quero, é isso
que desejo de todo o meu ser”.
SEMINÁRIO MONTE ALVERNE: Nos últimos anos, está de casa cheia.
Está com 63 seminaristas, divididos em três classes que equivalem ao Ensino Médio no Brasil.
| 25 anos | FIMDA | 45
POSTULANTADO: Abaixo, treze jovens se preparam em 2015, com a orientação
do mestre Frei Marco Antonio dos Santos e da Fraternidade, para o ingresso no Noviciado.
Presença dos leigos:
fermento que fez crescer a missão
Catequistas
no trabalho de
evangelização de
Angola.
46 |
FIMDA |
25 anos |
A
lém dos muitos frades que passaram por
Angola, a missão também contou com
a força da presença leiga. Muitos são até
hoje os benfeitores que ajudam com sua contribuição para a manutenção desta frente missionária. Além destes, houve também a participação direta de voluntários que estiveram em
Angola, oferecendo seu trabalho em prol da
missão. O cearense Adávio Afonso Ribeiro, irmão da Ordem Franciscana Secular, de 62 anos,
esteve na missão por três ocasiões, totalizando
um período de quatro anos em Angola.
O convite foi feito em 2007, por Frei André
Gurzynski, atual guardião da Fraternidade Santo Antônio em Kibala, no ano de 2007. Adávio,
que já tinha sido missionário na região do Tocantins e do Norte de Goiás, animou-se diante da possibilidade de partir em missão para a
África. Vendeu um carro para pagar as despesas da viagem e se preparar com as vacinas e a
documentação e, em 2010, embarcou. Ele tinha
conhecimentos de mecânica e, por isso, logo
que chegou, a ideia era que ficasse em Malange,
onde os frades possuíam um caminhão que precisava de reparos.
No entanto, por conta de uma mudança nos
planos, ele acabou sendo enviado para Kibala,
que na época iria acolher a etapa formativa do
postulantado. E, nesta fraternidade, o missionário leigo se instalou, passando a conviver com
Frei Laerte Farias dos Santos e Frei Valdir Nunes Ribeiro. Para descrever os trabalhos que realizava, Adávio lança mão de uma brincadeira:
“Só não celebrava missa”, diz, com bom humor.
Com bastante aptidão para serviços práticos,
dedicava-se a dirigir os veículos, a cuidar dos
geradores, a auxiliar nas compras e também a
acompanhar as obras de melhorias e ampliação
que estavam sendo realizadas na fraternidade.
Para ele, a experiência em terras angolanas foi
tão significativa que, até hoje, Adávio sonha em
voltar para lá, projeto que tem sido adiado por
conta de alguns problemas de saúde recentemente enfrentados.
tras províncias. De acordo com dados de 2012,
em entrevista concedida pelo então Ministro
Nacional, Domingos António da Silva, ao site
Franciscanos, a OFS angolana conta com 768
irmãos, presentes em 14 fraternidades erigidas
canonicamente, cinco fraternidades emergentes
e seis núcleos de formação.
Catequistas: fundamentais para
a garantia da fé em tempos de guerra
Nas aldeias e lugares isolados por conta das dificuldades de acesso e dos problemas da guerra,
os catequistas, líderes leigos que garantiam a
vivência e a manutenção da fé, tiveram participação fundamental. Assumiam todo o trabalho
pastoral, conduzindo as celebrações, instruindo
as crianças, fazendo a ponte entre o missionário
e a comunidade. Andavam centenas de quilômetros a pé para participar de formações e de
momentos celebrativos. Também a esta presença
leiga se deve um agradecimento sincero nestes
25 anos da Missão Franciscana em Angola.
No alto, o irmão
leigo Adávio
Ribeiro e,
abaixo, o irmão
leigo Domingos
António.
OFS está presente no país há 44 anos
Outra parceria fundamental na história da
Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola é com a Ordem Franciscana Secular (OFS).
Presente no país há 44 anos, a OFS foi instaurada pelos frades capuchinhos (OFMCap), que
mantêm até hoje presença em Luanda e em ou| 25 anos | FIMDA | 47
Missão é sempre partir...
Missão é partir,
caminhar,
deixar tudo,
sair de si,
quebrar a crosta
do egoísmo
que nos fecha no
nosso Eu.
É parar de dar volta
ao redor de nós mesmos
como se fôssemos
o centro do mundo
e da vida.
É não se deixar bloquear
nos problemas do pequeno
mundo a que pertencemos:
A humanidade é maior.
Missão é sempre partir,
mas não devorar quilômetros.
É sobretudo abrir-nos
aos outros como irmãos,
descobri-los e
encontrá-los.
E, se para descobri-los
e amá-los,
é preciso atravessar
os mares
e voar lá nos céus,
então missão é partir até os
confins do mundo.
Dom Hélder Câmara
Até o próximo jubileu!
Download

Clique aqui para baixar a versão em PDF