Sintaxe dos Predicados Nominais
Breve Panorâmica
Jorge Baptista
Universidade do Algarve
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Laboratório de Engenharia da Linguagem
Instituto Superior Técnico
Centro de Automática da Universidade Técnica de Lisboa
[email protected]
http://w3.ualg.pt/~jbaptis
I. Predicados Semânticos e Operadores
►a
noção de predicado
► antiguidade: distinção aristotélica (lógica)
entre sujeito e predicado
► análise gramatical herdeira desta longa
tradição
► continuidade mesmo em correntes mais
“modernas”
2
► contribuições
da matemática (>1950)
► a noção de operador e de (domínio de)
argumentos
► um predicado semântico como um operador
e o seu respectivo domínio de argumentos
► a noção de frase elementar enquanto
expressão de um predicado semântico e do
seu domínio de argumentos
► as frases elementares constroem-se em
torno de um elemento nuclear (operador)
3
O Pedro prefere ler BD a ouvir música
Quantos PREDICADOS tem esta frase?
► preferir
(Pedro1, ler , ouvir)
► ler (Pedro2, BD)
► ouvir (Pedro3, música)
► Pedro1
= Pedro2
► Pedro1 = Pedro3
4
preferir
Onoo
ler
Onn
Pedro1 Pedro2 BD
ouvir
Onn
Pedro3 música
5
Actualização de valores gramaticais
► Tradicionalmente,
os verbos e os adjectivos
têm sido considerados os elementos que
têm a propriedade característica de serem o
núcleo predicativo de uma frase
► No caso dos verbos, é a sua morfologia
(flexão) que faz a actualização dos valores
gramaticais (tempo-modo-aspecto e pessoa-número) num discurso (frase)
6
► Mas
a morfologia verbal é insuficiente para
exprimir todos os valores gramaticais de
tempo-modo-aspecto
► daí as numerosas construções com verbos
auxiliares :
O Zé vive em Faro
O Zé tinha vivido em Faro
O Zé está (a viver + vivendo) em Faro
O Zé acabou por viver em Faro
O Zé deixou de viver em Faro
O Zé passou a viver em Faro
7
► No
caso dos adjectivos (predicativos), é
necessário um instrumento gramatical, o
verbo copulativo, que veicula estas
marcas gramaticais
► a selecção que adjectivo faz do verbo
copulativo é determinante para definir a sua
construção
► muitos adjectivos só aceitam ser, outros só
aceitam estar ; noutros casos, a variação é
possível
► essa selecção está ligada ao valor aspectual
intrínseco do predicado que o adjectivo
exprime
8
O Pedro (está +*é ) ciente das dificuldades
( saber, ter conhecimento)
O Pedro (está +*é ) consciente das dificuldades
O Pedro (*está + é ) (in)consciente
( não mede as consequências dos seus actos)
O Pedro (está +*é ) (in)consciente
( desmaiou)
9
► No
caso dos substantivos, já é conhecido há
bastante tempo que alguns nomes, à
semelhança dos verbos e dos adjectivos,
têm a propriedade de exprimir predicados:
O Pedro ajudou muito a Inês
A Inês foi muito ajudada pelo Pedro
a ajuda do Pedro à Inês
nomes predicativos
10
► reconhecer
que certos nomes podem
exprimir predicados – os nomes
predicativos, Npred – não é, porém, a
questão central.
► o problema está em determinar o modo de
actualização destes elementos – Como é
que os nomes predicativos se constroem ?
► e em determinar o estatuto dessas frases na
gramática – Qual a natureza das frases com
nomes predicativos ?
11
►Assim,
um grupo nominal como:
a ajuda do Pedro à Inês
deve ser posto em relação com uma frase
simples:
O Pedro deu uma ajuda à Inês
Mas esta frase é em tudo idêntica à frase:
O Pedro deu um livro à Inês
Qual será o estatuto de dar em cada uma das
frases ?
Que diferenças sintácticas haverá entre as
duas frases ?
12
Na frase:
O Pedro deu um livro à Inês
► dar
é um verbo pleno,
► exprime um predicado semântico
(transferência),
► é ele que impõe restrições de selecção ao
preenchimento lexical das suas posições
argumentais
DAR (Nhum, N-Hhum/conc, Nhum)
13
Na frase:
O Pedro deu uma ajuda à Inês
► dar
não é um verbo pleno,
► é praticamente vazio de sentido,
► não apresenta uma distribuição característica
► serve como um mero auxiliar (a que chamamos
verbo-suporte, Vsup) do nome predicativo
ajuda, veiculando as marcas gramaticais de
tempo-modo-aspecto e pessoa-número que o
substantivo, pela sua morfologia, não pode
expressar; o verbo-suporte serve, praticamente,
para conjugar o nome predicativo
14
o nome predicativo ajuda que impõe
restrições de selecção ao preenchimento
lexical das posições argumentais
AJUDA (Nhum, Nhum)
cp. AJUDAR (Nhum, Nhum)
► as frases com verbo-suporte e nome
predicativo são frases simples, isto é,
devem figurar na base da gramática, com o
mesmo estatuto de frases simples com
verbos plenos e/ou adjectivos predicativos
►é
15
frases com Vsup partilham com os
verbos plenos várias propriedades
sintácticas gerais
► As
O Pedro deu uma grande ajuda à Inês
[Passiva] = Uma grande ajuda foi dada à Inês
pelo Pedro
► mas
distinguem-se das frases com verbos
plenos na medida em que apresentam
propriedades formais que lhes são próprias
16
Propriedades gerais
das construções com verbo-suporte
1. Relação entre dois nomes
► relação entre um N e o nome predicativo
► relação que é da mesma natureza da que
liga um verbo pleno ao seu sujeito
► tal relação manifesta-se pela impossibilidade
de colocar o Npred fora da esfera de
referência do seu sujeito
17
O Pedro deu uma grande ajuda à Inês
*O Pedro deu a minha ajuda à Inês
*O Pedro deu a ajuda do Zé à Inês
cp.
O Pedro deu um livro à Inês
O Pedro deu o meu livro à Inês
O Pedro deu o livro do Zé à Inês
18
2. Dupla extracção dos complementos preposicionais
O Pedro deu uma grande ajuda à Inês
[Extr.]= Foi a ajuda que o Pedro deu à Inês <...>
[Extr.]= Foi à Inês que o Pedro deu um ajuda <...>
[Extr.]= Foi a ajuda à Inês que o Pedro deu <...>
cp.
O Pedro deu um livro à Inês
[Extr.]= Foi o livro que o Pedro deu à Inês <...>
[Extr.]= Foi à Inês que o Pedro deu um livro <...>
[Extr.]= *Foi o livro à Inês que o Pedro deu <...>
19
complemento à Inês comporta-se
simultaneamente quer como complemento do
verbo dar (podendo ser extraído autonomamente)
quer como complemento de ajuda (podendo ser
extraído com este N)
►O
► Esta
dupla análise dos complementos
preposicionais tem a ver com o facto de o núcleo
predicativo da frase ser não o verbo mas sim o par
Vsup – Npred.
20
3. Descida do advérbio
► Quando
existe uma frase de núcleo predicativo
verbal ou adjectival equivalente (Nominalização),
os advérbios modificadores desses operadores
“descem” sob a forma do adjectivo
morfologicamente associado para a posição de
modificador do nome predicativo:
[Nom] =
O Pedro ajudou constantemente a Inês
O Pedro deu uma ajuda constante à Inês
21
► esta
propriedade é particularmente
relevante no caso de adjectivos que
exprimem valores de natureza temporal-
aspectual (como, p.ex., constante)
►esses
adjectivos são incompatíveis com
os nomes não-predicativos:
*O Pedro deu um livro constante à Inês
22
4. Substituição de Vsup
sendo o elemento nuclear da frase, os Vsup
apresentam frequentemente variantes aspectuais
e ou estilísticas:
► Não
O Pedro deu ajuda à Inês
O Pedro prestou ajuda à Inês
► Evidentemente,
um verbo pleno não pode ser
substituído por outro verbo sem que o significado
da frase (ou mesmo a sua aceitabilidade) se
altere:
O Pedro (deu + *prestou) um livro à Inês
23
5. Redução de Vsup
e formação de grupo nominal
► Na
medida em que é vazio de sentido,
veiculando apenas valores de natureza
gramatical, o Vsup contribui com pouca ou
nenhuma informação para a frase, pelo que
pode reduzir-se sem que o conteúdo global
da frase se altere
► tal redução pode assumir diferentes formas,
a mais freequente é a formação de um
grupo nominal (GN) cuja cabeça é o Npred
acompanhado de todos os seus argumentos
24
►A
operação tem geralmente lugar no quadro
de uma oração relativa:
O Pedro deu uma grande ajuda à Inês
[Rel]= a grande ajuda que o Pedro deu à Inês
[RedVsup]= a grande ajuda do Pedro à Inês
25
► Obviamente,
tal redução não pode dar-se
numa frase com verbo pleno:
O Pedro deu um livro à Inês
[Rel]= o livro que o Pedro deu à Inês
cp. *o livro do Pedro à Inês
► Os
grupos nominais assim formados são
uma forma mais “compacta” de apresentar
a mesma quantidade de informação
26
► Estes
grupos nominais complexos podem então
ser empregues como argumentos de outros
predicados:
A ajuda do Pedro à Inês foi muito oportuna
O Zé criticou a ajuda do Pedro à Inês
O Zé falou com a Maria sobre a ajuda do Pedro à
Inês
...
27
6. Nomes predicativos autónomo
importância teórica da noção de Vsup não se
esgota no âmbito do estudo das relações entre
construções nominais e verbais/adjectivais
(nominalizações)
►A
teoria dos Vsup permite integrar
adequadamente na base da gramática numerosos
nomes predicativos que não têm uma construção
verbal/adjectival associada – nomes
►A
predicativos autónomos
28
O Zé deu uma bofetada ao Pedro
[Nom.]= O Zé esbofeteou o Pedro
cp.
O Zé deu (um estalo + uma
chapada) ao Pedro
 estalar , chapar
29
II. As noções de Npred e Vsup
e o ensino da gramática
Para quê conhecer as construções com Vsup e
Npred ?
► importância linguística do fenómeno
► vários milhares de Npred, dezenas de Vsup
► diferentes tipos de construção (completivas,
não-completivas, simétricas, conversão,
etc.)
► relações sistemáticas com propriedades dos
predicados verbais e adjectivais
30
► Não
lhes tem sido dada a importância que
talvez lhes fosse devida nos manuais
escolares
► praticamente ausentes das gramáticas,
mesmo as de nível universitário
► dificuldades várias na divulgação destes
conceitos teóricos (apesar de remontarem a
meados dos anos 60 e do estudo
sistemático destas construções, desde há,
pelo menos 25 anos)
31
► resistências
“teóricas” de várias correntes
linguísticas, em que se privilegia sobretudo
os operadores verbais
► o lugar do léxico na construção de modelos
gramaticais
► o seu estudo lança alguma luz sobre antigas
questões e levanta novas questões sobre a
sintaxe da língua
32
► em
certa medida, a adopção desta
perspectiva ultrapassa a simples análise
linear (em constituintes) da frase, indo ao
cerne da linguagem: a informação veiculada
no discurso
análise de textos, a noção de Vsup e de
Npred pode contribuir para a procura da
informação e da forma como esta está
estruturada
► Na
33
III. Exercício
O assalto dos bandidos à bomba de gasolina
foi impedido pela rápida intervenção da GNR
34
► assalto
(bandidos, bomba de gasolina)
► intervenção
► rápida
(GNR, assalto)
(intervenção)
► impedido
(assalto, intervenção)
35
► assalto
(bandidos, bomba de gasolina):
Os bandidos fizeram um assalto à bomba de
gasolina
► intervenção
(GNR, assalto)
A GNR fez uma intervenção nesse assalto
► rápida
(intervenção)
Essa intervenção foi rápida
► impedido
(assalto, intervenção)
Esse assalto foi impedido por essa intervenção
36
impedido
rápida Oo
assalto Onn
bandidos
N
intervenção Ono
bomba de
gasolina N
GNR
N
assalto
O
O assalto dos bandidos à bomba de gasolina foi impedido pela rápida intervenção da GNR
37
Bibliografia (selecção)
Baptista, J. 1997a. Conversão, nomes parte-do-corpo e restruturação dativa. Actas do XII Encontro da Associação Portuguesa de
Linguística (1996): 51-59. I. Castro (Ed.). Lisboa: APL.
Baptista, J. 1997b. Sermão, tareia e facada. Uma classificação das construções conversas dar-levar. Seminários de Linguística 1: 5-37.
Faro: Universidade do Algarve.
Baptista, J. 2000. Sintaxe dos Predicados Nominais construídos com o Verbo-suporte SER DE. Tese de Doutoramento. Faro: Univ. Algarve.
(a publicar em: Baptista, J. 2004. Sintaxe dos Predicados Nominais com SER DE. Colecção Textos Universitários de Ciências Sociais e
Humanas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e a Tecnologia – MCES).
Chomsky, N. 1970. Remarks on Nominalizations. In R. Jacobs e P. S. Rosenbaum. Readings in English Transformational Grammar.
Waltham, MA: Blaisdell. (Trad. franc. (1975). Questions de Sémantique. B. Cerquiglini (trad.):73-131. Paris: Seuil).
Giry-Schneider, J. 1987. Les prédicats nominaux en français. Les phrases simples à verbe support. Genève: Droz.
Gross, G. 1989. Les constructions converses du français. Genève: Droz.
Gross, M. 1981. Les bases empiriques de la notion de prédicat sémantique. Langages 63: 7-52. Paris: Larousse.
Gross, M. 1998. La fonction sémantique des verbes supports. Travaux de Linguistique 37: 25-46. Bruxelles: Duculot.
Harris, Z. S. 1964. The elementary transformations. In Harris 1981:211-235.
Harris, Z. S. 1965. Transformational theory. In Harris 1981:236-280.
Harris, Z. S. 1976. Notes du Cours de Syntaxe. Maurice Gross (Trad.).Paris: Édition du Seuil.
Harris, Z. S. 1978. Operator-grammar of English. Linguisticae Investigationes II: 55-92. Amsterdam: John Benjamins B.V.
Harris, Z. S. 1981. Papers on Syntax. Henry Hiz (Ed.). Dordrecht: D.Reidel Publishing Company.
Harris, Z. S. 1982. A Grammar of English on Mathematical Principles. Wiley-Interscience. New York: John Wiley & Sons.
Harris, Z. S. 1988. Language and Information. New York: Columbia University Press.
Harris, Z. S. 1991. A theory of Language and Information. A Mathematical Approach. Oxford: Clarendon Press.
Marques Ranchhod, E. 1990. Sintaxe dos predicados nominais com estar. Lisboa: INIC.
Meunier, A. 1981. Nominalisations d'adjectifs par verbes supports. Thèse de troisième cycle (LADL). Paris: Université Paris 7 (não
publicada).
Oliveira, M. E. M. 1984b. La nominalisation en V-n-dela du Portugais. Linguisticae Investigationes 7-1: 117-134. Amsterdam: John
Benjamins B.V.
Vaza, A. 1988. Estruturas com nomes predicativos e o verbo suporte DAR. Dissertação de Mestrado em Linguística Portuguesa Descritiva
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa: FLUL (não publicada).
Vivès, R. 1984. L’aspect dans les constructions nominales prédicatives: avoir, prendre, perdre, verbe support et extensions aspectuelles.
Linguisticae Investigationes 8-1: 161-185. Amsterdam: John Benjamins B.V.
Esta apresentação está disponível em: http://w3.ualg.pt/~jbaptis/equipa_ualg/
38
Download

PowerPoint - Universidade do Algarve