Análise comparativa de argamassas de cal aérea, medianamente hidráulicas e de ligantes mistos para rebocos de edifícios antigos Carlos Guerreiro Empresa Pública de Urbanização de Lisboa [email protected]; [email protected] Fernando M. A. Henriques Universidade Nova de Lisboa Dpt. de Engenharia Civil [email protected] Ana Paula Pinto Instituto Superior Técnico Dpt. Engenharia Civil e Arquitectura [email protected] Resumo: A presente comunicação procede à avaliação e análise comparativa de formulações de argamassas de cal aérea, cal medianamente hidráulica e de ligantes mistos (cal aérea e cal medianamente hidráulica). Esta análise foi efectuada recorrendo ao estudo das características mais relevantes para a avaliação do potencial desempenho de argamassas para rebocos de edifícios antigos, nomeadamente o comportamento face à acção de sais solúveis, tendo em conta também a influência da idade na evolução das características intrínsecas das formulações de argamassas testadas. Apresentam-se os requisitos exigidos e características específicas para a sua aplicação em edifícios antigos. Palavras–chave: requisitos para argamassas, argamassas para edifícios antigos, ensaios de caracterização, cal hidráulica natural branca, durabilidade. 1. INTRODUÇÃO As intervenções em edifícios antigos devem ser correctamente programadas. O estabelecimento de um programa de análise exaustiva das anomalias presentes, a elaboração de um correcto diagnóstico, o conhecimento dos materiais preexistentes (natureza e estado do suporte), a natureza e os valores estéticos e históricos dos edifícios, o clima local, têm importância fulcral na definição de soluções de intervenção, nomeadamente na especificação de argamassas para edifícios antigos, em que os rebocos possuem grande relevância no seu revestimento e protecção. A necessidade de proceder periodicamente à substituição parcial ou integral dos rebocos antigos, quando se encontrem em elevado estado de degradação, determina que esse procedimento deva assumir as características de uma operação de manutenção corrente. No entanto os novos rebocos aplicados revelam, muitas vezes, reduzida compatibilidade com os suportes, constituindo-se nestes casos como soluções pouco duráveis e potencialmente geradoras de novos processos de degradação das alvenarias [1]. Uma especificação adequada conduz à definição dos materiais e da composição a utilizar de forma a ser obtida uma argamassa para rebocos de substituição com as características apropriadas, nomeadamente no que diz respeito à sua compatibilidade com o suporte de alvenaria, protecção e conservação da alvenaria em que é aplicada e à sua durabilidade intrínseca, não esquecendo que as argamassas de revestimento constituem camadas sacrificiais dos paramentos, finalidade para as quais foram criadas. A formulação de argamassas deve obedecer aos requisitos que são exigidos para aplicação em edifícios antigos [1]. Alguns investigadores têm apontado como um possível caminho a formulação de argamassas bastardas (ligantes mistos), nomeadamente de cal aérea e cimento, mas não só as vantagens dos mesmos se conjugam, como também as suas desvantagens. A formulação de argamassas bastardas de cal aérea e cal hidráulica é um possível caminho a percorrer, no entanto existem poucos estudos realizados com estas formulações verificando os requisitos necessários. O desenvolvimento do estudo experimental apresentado nesta comunicação, permitiu avaliar o comportamento de formulações de argamassas de cal aérea, cal medianamente hidráulica e de ligantes mistos (utilizando cal aérea e cal hidráulica natural branca), dos pontos de vista mais relevantes para a aplicação em edifícios antigos, tendo em conta também a influência da idade na evolução do comportamento das características intrínsecas destas argamassas. 2. Características principais das argamassas Dada a finalidade das argamassas em conservação, primeiramente, as argamassas devem contribuir para a protecção e preservação das alvenarias em que são aplicadas significando que todos os esforços devem incidir na avaliação da compatibilidade da argamassa com os materiais existentes, dado que a afinidade (mecânica, física e química) é essencial a médio e longo prazo no desempenho das alvenarias. Desta forma garante-se que após perda de funcionalidade, a sua remoção é realizada sem que se produzam danos nas alvenarias – garantindo-se reversibilidade ou, pelo menos, possibilidade de re-aplicações em intervenções futuras. Só depois desta avaliação, o critério de durabilidade intrínseca da argamassa deve ser tido em conta, sendo a durabilidade traduzida pelo conjunto das características adequadas para prevenir ou minimizar a degradação da argamassa. As argamassas de substituição devem ainda, respeitar a autenticidade histórica e estética do edifício. Apresentam-se de seguida as características exigíveis às argamassas de forma a cumprir os critérios acima mencionados [2], [3]: Para protecção das alvenarias, nas quais estejam aplicadas, de forma a reduzir a sua degradação: • Baixa absorção capilar, quer em termos de velocidade de absorção (coeficiente de capilaridade, quer quanto à quantidade total de água absorvida (valor assintótico de absorção); • Boa permeabilidade ao vapor de água, não devendo esta ser inferior à do suporte, aumentando de dentro para fora nas várias camadas que constituam o revestimento; • • • • Estabilidade dimensional é um factor muito importante, tanto a curto prazo onde as eventuais retracções podem induzir a fendilhação ou a longo prazo onde as variações dimensionais podem criar esforços dentro da alvenaria ou no reboco, ou ainda a perda de aderência entre eles; As argamassas devem ser mais deformáveis e mais fracas que as alvenarias de suporte e que cada camada sucessiva; Boa aderência com o suporte, sem que o ponto anterior seja colocado em causa; Baixa libertação de sais solúveis, não só para a preservação da alvenaria como para a minimização da degradação da argamassa. Do ponto de vista da prevenção da degradação de uma argamassa (durabilidade) devem ser considerados os seguintes aspectos: • Boa resistência aos sais solúveis (sulfatos e cloretos); • Boa resistência a ciclos de gelo/degelo – requerida resistência mecânica elevada; • Boa evaporação da água (mas não muito elevada), para se minorarem os efeitos do gelo e do transporte e cristalização dos sais solúveis; • Resistências mecânicas suficientemente altas de modo a suportarem as acções anteriormente referidas e por acção de choques; • As argamassas deverão fazer presa em período de tempo suficientemente curto (quer em ambientes secos, quer em ambientes húmidos) para prevenir deteriorações devido a resistências mecânicas iniciais insuficientes. Estes dois critérios são difíceis de combinar, dado que os seus pressupostos são contraditórios, podendo existir dificuldade em determinar um balanço correcto entre algumas das suas características. 3. DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTAL A metodologia e os procedimentos usados na análise experimental, basearam-se sempre que possível, nos documentos normativos disponíveis. Frequentemente essas fontes não são adequadas para argamassas à base de cal, nem contemplam ensaios específicos para a avaliação do comportamento das argamassas em edifícios antigos, tendo sido usadas especificações de ensaio [4] desenvolvidas pela equipa de investigação da Secção de Materiais e Tecnologias da Construção do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa. 3.1 Material utilizado para a realização das argamassas Nas argamassas foi utilizada uma areia de rio (ar), cal aérea hidratada em pó (ca), de fabrico nacional e cal hidráulica natural branca (cL) produzida em França, e classificada como medianamente hidráulica, da classe de resistência NHL 3,5 e que contém aditivos pozolânicos, designando-se por NHL 3,5-Z. As caracterizações dos materiais podem ser consultadas em [1]. 3.2 Preparação dos provetes e programa de ensaios A amassadura das argamassas foi efectuada num misturadora de laboratório normalizado, segundo a ficha de ensaio Fe19 [4], através da seguinte sequência: homogeneização dos componentes secos durante 1 minuto; adição de água; mistura durante 2 minutos. Na preparação das argamassas introduziu-se a quantidade de água necessária para a obtenção de um valor de consistência por espalhamento entre os 68 e 74%. A compactação nos moldes metálicos foi realizada mecanicamente, com 20 pancadas em cada uma das duas camadas que preenchem o molde. Para cada argamassa foram preparados seis provetes prismáticos de dimensões 160×40×40 [mm3] e três provetes circulares com 10 mm de altura e 95 mm de diâmetro destinados ao ensaio de permeabilidade ao vapor de água. Os provetes foram condicionados em sala com ambiente controlado a 20 ± 2 ºC e uma humidade relativa de 60 ± 5% desde a sua moldagem até à data de ensaio, respectivamente 60 e 120 dias. O programa de ensaios consistiu na avaliação das características de argamassa fresca (consistência por espalhamento e retenção de água), microestrutura (porosidade aberta e massa volúmica aparente), avaliação das resistências mecânicas (módulo de elasticidade dinâmico, resistência à tracção e compressão, aderência ao suporte), avaliação face à acção da água (capilaridade e permeabilidade ao vapor) e avaliação face à acção dos sais solúveis (sulfatos e cloretos). Apresentam-se na Tabela 1 as composições das argamassas ao traço 1:3 (dosagem em volume), que foram ensaiadas aos 60 e 120 dias, de forma a aferir a evolução das suas características intrínsecas com a idade. Tabela 1 - Composição das argamassas (dosagem em volume) % de Ligante Classificação da Traço Volumétrico (volume) Argamassa argamassa quanto à ca cL ca cL ar constituição A1 100% - 1 - 3 Argamassa de ligante aéreo A2 75% 25% 1,5 0,5 6 A3 50% 50% 1 1 6 A4 25% 75% 0,5 1,5 6 A5 - 100% - 1 3 Argamassas de ligantes mistos (bastarda) Argamassa de ligante moderamente hidráulico 3.3 Características da argamassa fresca Para cada argamassa foram determinadas a consistência por espalhamento (trabalhabilidade) na mesa de espalhamento, seguindo os procedimentos da ficha de ensaio Fe25 [4], semelhantes aos da norma EN 1015-3 [5], e a retenção de água, de acordo com a ficha de ensaio Fe 32 [4], com base na norma EN 1015-8: 1998 [6] , através da avaliação do acréscimo de massa ocorrida num conjunto de folhas de papel de filtro que ficam sob um determinado volume de argamassa fresca durante um período de tempo definido. Apresentam-se os resultados obtidos na Tabela 2 Error! Reference source not found.. 3.4 Microestrutura A microestrutura das argamassas foi avaliada em termos da porosidade aberta e da massa volúmica aparente. Estes ensaios seguiram as especificações das fichas de ensaio Fe01 e Fe02 [4], de acordo com a norma NP EN 1936: 2001 [7]. Utilizou-se o método da pesagem hidrostática, após saturação dos provetes em água obtida sob vácuo. Apresentam-se os valores obtidos nestes ensaios e respectiva evolução com a idade (60 e 120 dias) na Tabela 3. Tabela 2 - Consistência por espalhamento e retenção de água Consistência Retenção % de espalhamento Argamassa de água (%) 60 d 120 d A1 65 69 85,8 A2 69 71 85,6 A3 71 69 85,6 A4 68 68 85,4 A5 67 70 84,2 Tabela 3 - Massa volúmica real (MVreal), Massa volúmica aparente (MVap.) e porosidade aberta (Pab) e sua evolução com a idade (60 e 120 dias) Argamassa (idade) MVreal. (kg/m3) MVap. (kg/m3) Pab (%) A1 - 60d A1 - 120d A2 - 60d A2 - 120d A3 - 60d A3 - 120d A4 - 60d A4 - 120d A5 - 60 d A5 - 120d 2604 ± 14 2064 ± 2 2617 ± 12 2065 ± 4 2616 ± 6 2612 ± 6 2624 ± 8 2611 ± 4 2627 ± 4 2615 ± 4 1724 ± 10 1761 ± 10 1760 ± 13 1784 ± 12 1818 ± 15 1802 ± 11 1810 ± 11 1824 ± 7 1843 ± 9 1823 ± 7 33,8 ± 0,7 32,4 ± 0,4 32,8 ± 0,5 31,5 ± 0,4 30,5 ± 0,7 31,0 ± 0,4 31,0 ± 0,6 30,1 ± 0,3 29,9 ± 0,3 30,3 ± 0,4 Tabela 4 - Módulo de elasticidade dinâmico (Edin) e resistências à tracção (Rt) e à compressão (Rc) , e variação com a idade (60 e 120 dias) Edin Rt Rc Argamassa ∆E (%) ∆Rt (%) ∆Rc (%) (idade) (MPa) (MPa) (MPa) A1 - 60d 2350 ± 56 0,28 ± 0,01 0,69 ± 0,04 -5,1 -12,9 0,0 A1 - 120d 2230 ± 41 0,24 ± 0,01 0,69 ± 0,04 A2 - 60d 1860 ± 65 0,20 ± 0,01 0,48 ± 0,02 0,5 -1,6 15,0 A2 - 120d 1870 ± 160 0,20 ± 0,01 0,55 ± 0,04 A3 - 60d 1840 ± 52 0,21 ± 0,01 0,51 ± 0,02 -4,9 -2,7 -5,1 A3 - 120d 1750 ± 58 0,21 ± 0,00 0,48 ± 0,01 A4 - 60d * 0,23 ± 0,03 0,56 ± 0,05 12,4 16,9 A4 - 120d 2100 ± 203 0,26 ± 0,03 0,66 ± 0,05 A5 - 60 d * 0,31 ± 0,01 0,79 ± 0,03 -3,0 5,4 A5 - 120d 2330 ± 71 0,30 ± 0,02 0,83 ± 0,03 *Não foi possível obter um valor fidedigno 3.5 Resistências mecânicas As resistências mecânicas foram avaliadas em termos de módulo de elasticidade dinâmico, resistências à tracção por flexão e à compressão, aos 60 e 120 dias de cura. Os resultados do módulo de elasticidade dinâmico foram determinados através da avaliação da frequência de ressonância longitudinal, recorrendo a equipamento de ultrasons, de acordo com a ficha de ensaio Fe08 [4] e a norma EN 14146: 2004 [8]. Os ensaios de resistência à tracção por flexão e compressão foram realizados com uma máquina de tracção universal, com os procedimentos especificados na ficha de ensaio Fe27 [4], de acordo com a norma EN 1015-11:1999 [9]. Apresentam-se os valores obtidos nestes ensaios e respectiva evolução com a idade (60 e 120 dias) na Tabela 4. A aderência ao suporte foi realizada aos 130 dias, e os ensaios foram realizados de acordo com o disposto na ficha de ensaio Fe21[4], seguindo procedimentos semelhantes aos da norma EN 1015-12 [10]. Este ensaio consiste na aplicação de uma camada de argamassa sobre um suporte em tijolo cerâmico, avaliando-se a força necessária para provocar o arrancamento por tracção. Os valores obtidos nestes ensaios apresentam-se na Tabela 5. Tabela 5 - Aderência ao suporte, tensão de arrancamento Argamassa Tensão de Arrancamento (MPa) Tipologia de Rotura A1 A2 A3 A4 A5 0,058 ± 0,024 0,040 ± 0,013 0,055 ± 0,035 0,033 ± 0,018 0,116 ± 0,019 Coesiva Coesiva Coesiva Mista Mista 3.6 Comportamento face à acção da água O comportamento face à acção da água foi avaliado através dos ensaios de capilaridade (água na sua forma líquida) e de permeabilidade ao vapor de água (água na sua forma de vapor), aos 60 e 120 dias de cura. Determinou-se a permeabilidade ao vapor de água, conhecendo a quantidade de vapor de água que é difundida através dos provetes, colocados entre dois ambientes com condições higrométricas distintas e que se conhecem. O método utilizado é o da cápsula húmida, em que se estabelece um ambiente saturado no interior da cápsula e de 40% de HR no interior da câmara climática onde o ensaio decorreu. A temperatura manteve-se a 20ºC, aferindose a variação de massa de 24 em 24h, até estabilização do conjunto de ensaio, finalizando o ensaio. O ensaio foi realizado de acordo com os procedimentos definidos na Fe05 [4] baseada na norma NP EN 1015-19: 2000 [11]. Os ensaios de determinação da absorção de água por capilaridade foram efectuados com base na ficha de ensaio Fe 06 [4], semelhantes aos preconizados na norma NP EN 1925: 2000 [12], com a imersão em 2mm de altura de água, em ambiente saturado, do topo de prismas de argamassa em condições de massa constante. Determinou-se o coeficiente de capilaridade, que traduz a velocidade com que essa absorção de água se processa nos instantes iniciais, dada pelo coeficiente angular da curva traçada a partir dos registos dos valores da massa de água absorvida por unidade de área da face imersa em função de √t (em segundos). (Fig. 1), e o valor assintótico, que traduz a quantidade máxima de água absorvida por capilaridade, quando atinge a saturação. O ensaio terminou quando este valor assintótico foi atingido (a variação de massa era inferior a 1% em 24 horas). Os resultados obtidos apresentam-se na Tabela 6, e para o ensaio de capilaridade na Fig. 1. Tabela 6 - Coeficiente de capilaridade (C.C.) e valor assintótico (V.A.), permeabilidade ao vapor (Perm. vap.) e espessura da camada de ar de difusão equivalente (SD), variação com a idade (60 e 120 dias) Argamassa (idade) A1 - 60d A1 - 120d A2 - 60d A2 - 120d A3 - 60d A3 - 120d A4 - 60d A4 - 120d A5 - 60 d A5 - 120d C.C. kg/m2.s1/2 V.A. kg/m2 ∆C.C. (%) 17,98±0,65 0,287±0,008 -11,2 0,255±0,011 17,37±1,48 0,246±0,006 16,47±0,42 -2,6 0,239±0,005 16,66±0,58 17,25±0,72 0,273±0,011 2,1 0,278±0,017 17,78±1,02 0,301±0,301 18,88±0,77 -4,3 0,288±0,288 18,19±1,11 0,302±0,302 18,97±0,77 -1,9 0,296±0,296 18,51±0,55 _ _ Absorção por Capilaridade - 60 dias 20 18 Absorção capilar ( kg/m2 ) Absorção capilar ( kg/m2 ) ∆V.A. Perm. vap. (%) (kg/m.s.Pa) x 10-11 2,15±0,08 -3,4 1,96±0,06 2,33±0,06 1,1 1,90±0,08 1,99±0,05 3,0 1,92±012 1,82±0,01 -3,6 1,75±0,03 1,78±0,02 -2,5 1,80±0,07 16 14 12 10 8 6 4 2 ∆Perm. Vap. (%) -8,9 -18,6 -3,2 -3,5 1,3 SD (m) 0,091±0,331 0,099±0,304 0,084±0,232 0,103±0,452 0,098±0,265 0,102±0,593 0,107±0,084 0,111±0,194 0,110±0,144 0,108±0,421 Absorção por Capilaridade - 120 dias 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 0 0 100 200 300 400 500 600 700 0 100 200 A1 A2 A3 300 400 500 600 700 Tempo (s1/2) Tempo (s1/2) A4 A5 A1 A2 A3 A4 A5 Fig. 1 - Absorção por capilaridade, 60 e 120 dias 3.7 Resistência face à acção dos sais solúveis Os sais solúveis estão presentes nas paredes dos edifícios antigos, sendo muito importante a avaliação face à sua acção nociva. Neste desenvolvimento experimental avaliou-se a resistência aos sulfatos e cloretos aos 60 e 120 dias. O ensaio de resistência aos cloretos foi realizado de acordo com a ficha de ensaio Fe12 [4]. Após imersão de três dos seis meios provetes de cada amassadura numa solução saturada de cloreto de sódio durante 24h e secos até ser atingida massa constante, determina-se a quantidade de cloretos retidos, percentualmente, relativamente à massa inicial. Colocam-se os provetes numa câmara climática onde foram sujeitos a 50 ciclos diários de 12h de 90% de humidade relativa (HR) e 12h de 40% de HR, a uma temperatura constante de 20ºC, aferindo-se semanalmente a perda de massa ocorrida. Apresentam-se os valores obtidos neste ensaios e respectiva evolução com a idade (60 e 120 dias) na Fig. 2 e Tabela 7Error! Reference source not found.. Tabela 7 - Cloretos retidos (%) por acção de cloretos e de sulfatos, variação de massa cloretos e sulfatos (%) Resistência aos cloretos - 60 dias 20 _ _ Var.mas. cloretos (%) Var.mas. sulfatos (%) Argamassa (idade) (%) cloretos ciclo 30 ciclo 50 ciclo 63 ciclo 5 ciclo 15 ciclo 25 retidos A1 - 60d 3,51 -34,23 1,96 -0,70 -77,70 -31,39 A1 - 120d 3,28 5,74 -32,83 -66,84* 2,04 -4,06 -25,38 A2 - 60d 2,77 -25,79 -73,74 2,42 -56,94 -64,60 A2 - 120d 3,20 6,17 -26,60 -52,78* 2,61 3,43 2,41 A3 - 60 d 3,17 -0,41 -7,70 3,31 7,47 8,69 A3 - 120d 3,34 6,54 -12,72 -26,87* 3,38 6,71 8,31 A4 - 60d 3,37 0,73 -4,91 3,71 8,41 9,42 A4 - 120 d 3,29 6,77 -4,63 3,52 7,69 -10,97* 10,19 A5 - 60 d 3,46 5,38 2,84 3,85 8,58 12,00 A5 - 120d 3,37 7,50 3,65 1,3±4* 3,49 8,09 11,22 * - “equivalente” ao ciclo 50, por ter ocorrido uma anomalia no funcionamento da câmara climática. Var. massa por cloretos (%) Var. massa por cloretos (%) Resistência aos cloretos - 120 dias 20 10 10 0 -10 -20 -30 -40 -50 -60 -70 0 -10 -20 -30 -40 -50 -60 -70 -80 -80 -90 -90 0 A1 10 A2 20 30 Ciclos (nº dias) A3 40 A4 50 A5 0 A1 10 20 A2 30 40 Ciclos (nº dias) A3 50 A4 60 A5 Fig. 2 - Variação de massa (%) por acção dos cloretos, em função n.º de ciclos diários (60 e 120 dias) O ensaio de resistência aos sulfatos foi realizado recorrendo a procedimentos constantes na ficha Fe11 [4], utilizando os restantes três meios provetes de cada amassadura que foram secos até massa constante, após terem sido submetidos ao ensaio de capilaridade. Imergem-se os provetes numa solução a 6% de sulfato de sódio, durante 2h, e de secagem entre 16 e 21h em estufa a 105ºC. No final de cada ciclo é aferida a massa de cada provete e o seu estado de integridade é avaliado. Realizaram-se 25 ciclos. Apresentam-se os valores obtidos neste ensaios e respectiva evolução com a idade (60 e 120 dias) na Fig. 3 e Tabela 7Error! Reference source not found..Error! Reference source not found. 20 10 Var. massa por sulfatos (%) Var. massa por sulfatos (%) Resistência aos sulfatos - 120 dias _ _ Resistência aos sulfatos - 60 dias 20 0 -10 -20 -30 -40 -50 -60 10 0 -10 -20 -30 -40 -50 -60 -70 -70 0 A1 5 10 A2 15 Ciclos (nº) A3 20 A4 25 0 A1 A5 5 10 A2 15 Ciclos (nº) A3 20 A4 25 A5 Fig. 3 – Variação de massa (%), por acção dos sulfatos, em função do n.º de ciclos (60 e 120 dias) Fig. 4 - Provete (argamassa A2) sujeito a ataque por sulfatos Fig. 5 - Provetes de argamassas traço 1:3 – 120 dias; A1, A2, A3, A4, A5 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS Na análise de argamassas para aplicação em edifícios antigos é fundamental proceder à quantificação das seguintes características, conforme metodologia proposta por Rodrigues [13]: 1. Absorção e evaporação de água, analisadas através da capilaridade e da permeabilidade ao vapor de água. 2. Resistências mecânicas, incluindo o módulo de elasticidade dinâmico e a aderência. 3. Resistência à acção de sais solúveis, através da avaliação da resistência aos cloretos e aos sulfatos. 4. Libertação de sais solúveis (não determinado no âmbito deste trabalho experimental). Estas características podem ser consideradas através de duas vias distintas: A – Características para a protecção das paredes nas quais a argamassa é aplicada (evitando processos que conduzam à degradação da parede) Deste ponto de vista são fundamentais as características relativas a: • Absorção e evaporação da água, em que a primeira deve ser minimizada e a segunda optimizada; • Resistências mecânicas, que não devem exceder as apresentadas pelos suportes; • Libertação de sais que deve ser minorada (não analisado). Quanto aos requisitos relativos à absorção de água, a argamassa que apresenta o mais baixo coeficiente de capilaridade é a A2, sendo que a argamassa de cal aérea A1 (de referência), apresenta um valor na mesma ordem de grandeza da argamassa A2. Quanto à quantidade total de água absorvida, as argamassas A1 e A3 têm valores semelhantes, tendo a argamassa A2 o valor mais baixo. As argamassas que apresentam os coeficientes de capilaridade e valor assintótico mais elevados são as argamassas com maior teor em cal hidráulica, A4 e A5. Verifica-se que o aumento do teor em cal hidráulica na composição das argamassas, aumenta a velocidade de absorção de água e a quantidade total de água absorvida. Quanto à permeabilidade ao vapor de água regista-se a diminuição da permeabilidade com o aumento do teor de cal hidráulica, (excepto a argamassa A2 aos 60 dias). Contudo todas as argamassas apresentam bom comportamento, destacando-se as argamassas A1, A2 e A3. Do ponto de vista ao comportamento face à acção da água, o melhor balanço será obtido pelas argamassas A1, A2 e A3, estas últimas com bom comportamento relativamente às características pretendidas para protecção das paredes, aliado a uma elevada permeabilidade ao vapor de água, que facilita a secagem das paredes de alvenaria antiga. Quanto ao critério de compatibilidade das argamassas com as paredes antigas (que apresentam baixas resistências mecânicas e altas deformações), interessam argamassas de baixas resistências mecânicas e, particularmente, reduzidos módulos de elasticidade. Todas as argamassas estudadas apresentaram valores reduzidos de módulo de elasticidade, sendo bastante deformáveis, e as resistências mecânicas (tracção e compressão) obtidas também são baixas. Pode-se considerar que as argamassas são bastante deformáveis, logo são argamassas compatíveis e adequadas para aplicações em revestimentos de alvenarias de edifícios antigos. Verificou-se que as resistências mecânicas aumentam com o aumento do teor de cal hidráulica na composição das argamassas, em substituição da cal aérea. Relativamente aos valores obtidos dos ensaios de aderência ao suporte, genericamente são baixos. Como requisito preconizado para as argamassas em conservação de edifícios antigos, a aderência deve ser suficiente mas moderada e apresentar rotura coesiva pelo reboco e não pelo suporte. As formulações que tiveram comportamento de rotura coesiva no seio da argamassa foram as seguintes argamassas: A1, A2 A3. Como não se consegue quantificar qual é a resistência do suporte de alvenarias de pedra ordinária (varia de edifício para edifício), dado que foi usado um suporte normalizado de tijolo cerâmico, não é possível avaliar se a resistência das argamassas estudadas é superior à do suporte preexistente. Este tipo de avaliação deve ser realizado caso a caso, de preferência in situ, pelo que este ensaio laboratorial se limita a caracterizar a interacção e comportamento das argamassas num suporte de tijolo cerâmico, cujas propriedades são conhecidas. De entre as argamassas formuladas que melhor verificam o critério de protecção das paredes, surgem como mais vantajosas as argamassas A1, A2 e A3. B – Características para prevenir a degradação de argamassas (incrementando a sua durabilidade) Deste ponto de vista são fundamentais as característica relativas a: • Evaporação da água e secagem; • Resistências mecânicas; • Resistência à acção dos sais solúveis (sulfatos e cloretos). A facilidade de evaporação e secagem da água já foi analisada anteriormente em A. Se for considerada como fundamental a durabilidade da argamassa, esta deve ter resistências mecânicas que lhe permitam resistir às agressões. Para tal, as suas resistências mecânicas não podem ser muito baixas e têm de ser atingidas num curto espaço de tempo. A aderência deve ser moderada, com rotura coesiva pela argamassa. No entanto deve ser uma argamassa que evite a probabilidade de destacamento. Relativamente à resistência à acção dos sais solúveis, existem quantidades significativas desses sais, nas alvenarias antigas. Para resistir à acção dos cloretos (essencialmente mecânica), interessam altas resistências mecânicas iniciais e elevada porosidade e elevada porometria (não determinada) – de modo que o volume dos poros seja suficiente para neles ocorrer a cristalização dos sais. Para resistir à acção dos sulfatos (química e mecânica) já a composição química da argamassa terá grande importância. As argamassas que melhor se comportam face à acção dos cloretos são as argamassas A3, A4, A5. Verificou-se que a degradação das argamassas face à acção dos cloretos é decrescente, com o aumento do teor de cal hidráulica na composição das argamassas. Quanto à acção dos sulfatos todas as argamassas testadas, na sua globalidade apresentaram bom comportamento. A argamassa de cal aérea, A1 (de referência) degradou-se um pouco menos do que o esperado, e a argamassa A2 ensaiada aos 60 dias registou um comportamento diferente (desagregou-se em grande parte) da argamassa com a mesma formulação testada aos 120 dias, obtendo bom desempenho (não perdeu massa). Tal como sucedeu com o ensaio de resistência aos cloretos, verificou-se que a degradação das argamassas face à acção dos sulfatos é decrescente, com o aumento do teor de cal hidráulica na composição das argamassas. Resta contudo, aferir se o ganho de massa registado nos ensaios de resistência aos cloretos e sulfatos não vão gerar incompatibilidades com o suporte. Considerando que o objectivo final na utilização de argamassas de substituição a aplicar em edifícios antigos, deverá ser a conservação das paredes sobre as quais são aplicadas, a abordagem designada por A deverá sempre prevalecer sobre as considerações de durabilidade das argamassas (descritas em B). No presente caso a argamassa designada por A3 é a que apresenta o melhor balanço global das características estudadas, tendo na sua composição menor teor de ligante em cal hidráulica natural branca (ligante mais dispendioso comparativamente à cal aérea). 5. CONCLUSÕES No presente trabalho apresentaram-se os resultados de uma análise comparativa do comportamento de 5 formulações de argamassas, ao traço volumétrico 1:3. Procedeu-se à apresentação da metodologia de análise desenvolvida, relativamente à forma como devem ser avaliadas as características das argamassas, de forma a encontrarem-se soluções para a conservação e protecção das alvenarias antigas existentes. A campanha experimental desenvolvida permitiu verificar a evolução das características das argamassas com a idade, nomeadamente o aumento das resistências mecânicas, diminuição da permeabilidade ao vapor, e uma pequena diminuição das características de capilaridade, e diminuição da porosidade aberta. Com a idade registou-se também a melhoria do comportamento das argamassas face à acção dos sais solúveis. Conclui-se que a mistura da cal hidráulica natural branca utilizada, classificada como moderamente hidráulica, utilizada neste desenvolvimento experimental, conferiu às argamassas bom comportamento aos sais, com uma cal aérea, melhorou o comportamento das argamassas de cal aérea face à acção dos sais solúveis, possivelmente alterando a microestrutura interna e rede porosa conjugado com o aumento da porometria. Esta possível justificação, carece contudo de uma investigação mais aprofundada ao nível microscópico, para aferir a veracidade desta possibilidade. 6. REFERÊNCIAS [1] GUERREIRO, Carlos – Estudo e caracterização de argamassas de cal aérea, medianamente hidráulicas e de ligantes mistos para rebocos de edifícios antigos. Dissertação de Mestrado em Recuperação de Conservação do Património Construído, Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa: IST, 2007. [2] HENRIQUES, F.M.A. – Challenges and perspectives of replacement mortars in architectural conservation. RILEM, International Workshop on Historic Mortars, Delft, The Netherlands, January 2005. [3] RODRIGUES, Paulina – Subprodutos industriais como componentes pozolânicos em argamassas de cal aérea. – PATORREB 2006 - 2º Encontro Nacional sobre Patologia e Reabilitação de edifícios. Porto: FEUP, Março 2006, págs.295-305. [4] UNL/DEC, Pedras naturais e artificiais. Análise de argamassas. Fichas de Ensaio Fe 01, 02, 05, 06, 08, 11, 12, 19, 21, 25, 27, 32. Caparica, Universidade Nova de Lisboa, 1996-2006. [5] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 3: Determination of consistence of fresh mortar (by flow table). Brussels, EN 1015-3:1999. [6] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 8: Determination of water retentivity of fresh mortar. Brussels, EN 1015-8:1998. [7] IPQ, Métodos de ensaio para pedra natural. Determinação das massas volúmicas real e aparente e das porosidades total e aberta. Lisboa, NP EN 1936: 2001. [8] CEN, Natural stone test methods. Determination of the dynamic modulus of elasticity (by measuring the fundamental resonance frequency). Brussels, EN 14146: 2004. [9] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 11: Determination of flexural and compressive strength of hardened mortar. Brussels, EN 1015-11:1999. [10] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 12: Determination of adhesion of hardened rendering and plastering mortars, Brussels, EN 1015-12:2000. [11] IPQ, Métodos de ensaio de argamassas para alvenaria – Parte 19: Determinação da permeabilidade ao vapor de água de argamassas de reboco endurecidas. Lisboa, NP EN 1015-19:2000. [12] IPQ, Métodos de ensaio para pedra natural. Determinação do coeficiente de absorção de água por capilaridade. Lisboa, NP EN 1925: 2000. [13] RODRIGUES, Paulina – Argamassas de revestimento para alvenarias antigas. Contribuição para o estudo da influência dos ligantes. Tese de doutoramento em Engenharia Civil – Reabilitação do Património Edificado, pela Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, UNL, 2004.