ARGAMASSAS DE CAL NA TRADIÇÃO CONSTRUTIVA LUSO-BRASILEIRA. Nelson Pôrto Ribeiro - Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo Introdução Sabe-se que o estudo das argamassas históricas através de análises laboratoriais apresenta vários problemas, todos eles relativos à eficiência desses métodos em responder de forma adequada e objetiva às necessidades das obras de recuperação. Carasek & Cascudo afirmam que não se pode esperar dos resultados ‘mais do que aproximações, limites para uma composição’ (1). Alguns autores chegam mesmo a afirmar que a reconstituição de uma argamassa histórica jamais deveria ser tentada quando não se tem certeza da sua origem. O propósito deste artigo é justo o de ensaiar fornecer uma base histórica para subsidiar as análises laboratoriais das argamassas de monumentos inscritos especialmente na tradição construtiva luso-brasileira. Sabe-se que esta prática construtiva era firmemente ancorada na tradição ocidental, tradição esta que felizmente, em especial a partir do Renascimento, passou a ser expressa através de uma literatura composta sobretudo por Tratados de Arquitetura, a qual teve continuidade ao longo dos séculos XVII e XVIII – sempre em obras que tinham como paradigma o tratado de Vitrúvio - e que, no XIX, vai ser enriquecida pelos Manuais práticos de construção. À estudos recentes bastante conclusivos sobre a tradição ocidental (2), esperamos acrescentar com o nosso artigo uma modesta contribuição que procura enfocar com maior minúcia a prática luso-brasileira. Materiais e Métodos Para a reconstrução histórica destes procedimentos utilizar-se-á como principal fonte a literatura técnica do período estudado (século XVI ao XIX); principalmente os Tratados de Arquitetura portugueses, assim como os Manuais de construção. A formação erudita dos construtores até o século XIX no mundo luso foi primordialmente feita a partir das Aulas Militares (de Engenharia), que podiam acontecer na capital da metrópole (Lisboa), mas também nas duas cidades mais importantes da América portuguesa (Salvador e Rio de Janeiro). A literatura técnica especificamente lusa deste período – adotada nas Aulas Militares - resumia-se aos conhecidos tratados de Luis Serrão Pimentel (3) e Manoel de Azevedo Fortes (4). Contudo, não serão desprezadas fontes alternativas como o manuscrito seiscentista de autoria de Frei Bernardo de São Bento, arquiteto do mosteiro do Rio de Janeiro (5). Já a literatura técnica do século XIX é bem mais ampla, afinal, trata-se do século onde a construção civil foi profundamente alterada pelas inovações oriundas da Revolução Industrial; no caso específico das argamassas é o século do recrudescimento dos aglomerantes hidráulicos e em especial do cimento Portland. A literatura técnica examinada será aquela adotada no currículo da Politécnica do Rio de Janeiro, criada em 1873, e sucessora da Escola Central (de 1858), ambas academias baseadas no modelo francês e que foram as responsáveis pela formação do contingente de profissionais que infestou não apenas a construção civil, mas também as ciências em geral e chegou aos postos mais altos da administração pública da época. Não serão esquecidos, contudo, os manuais práticos que foram publicados em profusão à época e que subsidiaram largamente a prática do dia a dia na construção civil - aquela dos mestres de obra e dos construtores - tal como o famoso ‘Vinhola brasileiro’, de César de Rainville (6). Resultados Esperamos apresentar como resultados um painel – sistematizado em tabelas - bastante detalhado das práticas e da evolução teórica no campo das argamassas; desde as argamassas aéreas até os aglomerantes hidráulicos e as argamassas aditivadas – inclusive fornecendo traços e os aditivos mais comumente usados, assim como procedimentos de execução. Conclusões Se houve uma prática popular no campo das argamassas no período anterior ao uso indiscriminado do cimento Portland industrial, esta, sem dúvida, influenciou o conhecimento acadêmico da sua época, conhecimento este embasado especialmente na apropriação empírica e que tende a expressar esta experimentação na sua literatura técnica, em especial a dos manuais. Acreditamos que o estudo dessa literatura será útil não apenas para uma maior compreensão histórica do período e de suas limitações, mas sobretudo para a utilização deste conhecimento na prática restaurativa atual. Referências (1) Carasek, H & Cascudo, O. in: IV Congresso Ibero Americano de Patologia das Construções. Porto Alegre, 1997. (2) Mateus, João Mascarenhas. Técnicas tradicionais de construção de alvenarias. Lisboa : Livros Horizonte, 2002. (3) Pimentel, Luis Serrão. Methodo Lusitanico de desenhar as fortificaçoens (...) Lisboa : Antonio Craesbeeck de Mello, 1680. (4) Fortes, Manoel de Azevedo. O engenheiro portuguez. Lisboa : Direção da Arma de Engenharia, 1993. 02 Tomos. [1ª edição 1728]. (5) in: Silva-Nigra, D. Clemente da. Três artistas beneditinos. Salvador, 1950. (6) Rainville, César de. O Vinhola brasileiro (...). Rio de Janeiro : Eduardo & Henrique Laemmert, 1880. E-Mail do Autor [email protected] ARC • Revista Brasileira de Arqueometria Restauração Conservação • Edição Especial • Nº 1 • MARÇO 2006 • AERPA Editora Resumos do III Simpósio de Técnicas Avançadas em Conservação de Bens Culturais - Olinda 2006 69