A Influência dos Valores no Comportamento do Consumidor em Supermercados
Autoria: Cleo Schmitt Silveira, Bruna Keiserman, Rodrigo Bisognin Castilhos,
Iuri Gavronski
Resumo
Os valores pessoais e estilo de vida são variáveis importantes que influenciam as decisões de
compra dos consumidores. Duas técnicas bastante utilizadas nesse contexto são as escalas
LOV (List of Values) e a VALS (Values and Lifestyles). Apesar da vasta aplicação destas duas
escalas na literatura de marketing, poucos estudos têm dado ênfase à sua aplicação no
contexto de serviços, nas compras rotineiras e na escolha de um prestador de serviço. Nesse
sentido, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar se os valores pessoais influenciam as
decisões de escolha dos produtos que compõem a cesta de compras do consumidor,
considerando-se o a cesta de compra dos consumidores em supermercados e comparando a
mesma com os valores pessoais dos consumidores obtidos a partir da aplicação da escala
LOV. Além disso, investigou-se se os valores pessoais são capazes de influenciar a escolha do
prestador de serviço, o que foi operacionalizado por meio da aplicação da escala SERPVAL
em duas lojas de supermercado com algumas características distintas. Os resultados mostram
que os valores influenciam a escolha do prestador de serviço, entretanto não foram capazes de
discriminar os consumidores em ocasiões de compras rotineiras, indicando que há limitações
da aplicação da escala de valores para compras rotineiras e com pequeno caráter simbólico.
Introdução
Entre os assuntos mais pesquisados na literatura de marketing estão as características
individuais e sua influência no comportamento do consumidor. Nesse campo, duas são as
vertentes que buscam explicar e prever padrões de comportamentos: a primeira baseada em
dados demográficos, tais como idade, gênero e classe social, e a segunda utilizando o que se
convencionou chamar de variáveis psicográficas, que envolvem personalidade, motivações,
atitudes e valores (WELLS, 1975). O estudo dessa segunda vertente tem conduzido a uma
série de avanços no entendimento de situações de consumo, tais como escolha de produtos e
escolha marcas, especialmente a partir dos estudos sobre valores pessoais e estilo de vida
(ENGEL et al, 2000).
Nesse contexto, duas das técnicas mais usadas para pesquisar valores e estilos de vida
dos consumidores são a escala LOV (List of Values) e a VALS (Values and Lifestyles),
desenvolvidas respectivamente por Kahle (1983) e Rokeach (1968). Invariavelmente, as
pesquisas utilizando essas escalas têm por objetivo investigar os fatores ou traços pessoais que
podem influenciar a compra de uma marca em detrimento de outra (ex. uma marca X é
percebida como mais agressiva e é escolhida por pessoas que têm essa característica de
personalidade), ou a preferência por uma categoria de produtos (ex. consumidores com uma
maior preocupação com o bem estar físico preferirem alimentos diet ou light). Muitos dos
estudos utilizando essas técnicas abordam, então, produtos ou categorias de produtos, porém,
são poucos os estudos que têm aplicado essas técnicas para se entender os serviços utilizados
pelos consumidores (LAGES e FERNANDES, 2005).
Assim, o objetivo da presente pesquisa é averiguar se os valores pessoais influenciam o
comportamento de compras rotineiras em supermercados, a partir (1) da verificação da
capacidade dos valores pessoais de influenciar as decisões de escolha dos produtos que
compõem a cesta de compras do consumidor e (2) da avaliação da medida em que os valores
pessoais dos exercem influência na escolha do prestador de serviço.
Para verificar se os valores pessoais influenciam as decisões de escolha dos produtos,
considerou-se a cesta de compra dos consumidores em supermercados e comparou-se a
1
mesma com os valores pessoais desses consumidores obtidos a partir da aplicação da escala
LOV (KAHLE, 1983). Já a avaliação da influência que os valores pessoais exercem na
escolha do prestador de serviço se deu a partir da aplicação da escala SERPVAL (LAGES e
FERNANDES, 2005).
Para a realização do estudo, pesquisou-se duas lojas de supermercado de uma mesma
bandeira, em uma capital de estado brasileira, doravante chamadas de Loja 1 e Loja 2. A Loja
1, localizada em um importante shopping center, sendo a mais nova loja 24 horas da cidade.
Situado na confluência de bairros de classes médias e de classes menos afluentes, o referido
shopping center recebe indivíduos de várias classes sociais, com predominância das camadas
médias e altas. Já a Loja 2, situada em um bairro de classe média-alta, atraindo principalmente
os consumidores dessa região. As duas lojas, contudo, possuem características semelhantes,
tendo o posicionamento de loja premium, visando a um público A e B, com compras
freqüentes e de médio valor, conforme conversa com a direção da empresa.
O restante do artigo está organizado da seguinte forma: primeiramente são discutidos os
arcabouços teóricos de valores e estilos de vida e valores pessoais e serviços. Em seguida são
apresentados os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa. A partir de então, os
dados coletados são analisados e interpretados. Por fim, são apresentadas as principais
contribuições da pesquisa, suas limitações e implicações gerenciais, bem como sugestões para
novos estudos sobre o assunto.
Valores e Estilos de Vida
Os estudos sobre o comportamento do consumidor se apóiam fortemente em variáveis
demográficas para fornecer bases para a compreensão de grupos de consumidores, bem como
para segmentar os indivíduos. Entretanto, as informações demográficas são limitadas para
prover o entendimento desses consumidores “por não apresentarem grupos homogêneos,
conduzindo a possíveis simplificações e estereótipos” (VEIGA NETO, 2004). Para suprir essa
limitação, surgem as abordagens de segmentação psicográfica, dentre as quais o estudo dos
valores se enquadra como uma alternativa profícua em termos de identificação de perfis de
consumidores.
As principais escalas de valores utilizadas são a VALS – Values and Life-Styles –
(MITCHELL, 1983), que busca classificar os indivíduos a partir de conjuntos de valores; a
lista de valores de Rokeach (1968, 1973) que engloba valores instrumentais
(comportamentos) e valores terminais (estados finais da existência); e a LOV – List of Values
– proposta por Kahle, com base nos valores terminais de Rokeach (KAHLE, 1983). Dentre
essas escalas, a LOV tem se mostrado a mais adequada no sentido de prover predição do
comportamento de compra (SCHOPPHOVEN, 1991).
Valores Pessoais e a LOV
Segundo Engel et al (2000, p. 289) os valores pessoais são representativos das “crenças
do consumidor sobre a vida e o comportamento aceitável”. O estudo da categoria valores em
comportamento do consumidor se dá, sobretudo, por seu caráter permanente e por sua
capacidade de predição do comportamento do consumidor, dos processos de decisão, usos de
produtos, escolha de marcas, entre outros.
Os valores fornecem uma outra explicação de por que os consumidores variam em sua
tomada de decisão. Os valores expressam as metas que motivam as pessoas e as
maneiras apropriadas de atingir essas metas. A natureza duradoura dos valores e seu
papel central na estrutura da personalidade os fazem ser aplicados para a compreensão de
muitas situações de consumo, incluindo a escolha de produto, escolha de marca e
segmentação de mercado (ENGEL et al, 2000, p. 289).
Quanto a sua durabilidade, Ray (1997) considera os valores como os mais importantes
balizadores do comportamento humano, uma vez que possíveis modificações nos mesmos
ocorrem em escalas de gerações, e não no curto prazo. Para o autor, os valores não seguem
2
aspectos demográficos e têm caráter preditivo somente para alguns tipos de compras,
especialmente aquelas que contenham significado e simbolismo, como compras complexas ou
marcadoras de status (RAY, 1997).
Poder-se-ia argumentar, que não há grandes relações com o esquema de valores dos
indivíduos no caso de compras de supermercado, alvo da análise desse trabalho. Entretanto, é
preciso ter em conta o caráter simbólico das compras quotidianas e sua capacidade de
cimentar as relações do dia a dia, onde “o ato de comprar é dotado de sua própria integridade
e se transformou num meio de conferir objetividade a certos valores” (MILLER, 2002, p. 79).
Ademais, os valores pessoais apresentados na LOV representam, de forma abrangente,
crenças sobre a vida quotidiana dos consumidores (LENGLER, 2003). Em comparação com
outras escalas, a LOV conta com uma maior proporção de itens que influenciam diretamente o
dia a dia dos indivíduos (KAHLE et al, 1986), sendo potencialmente a mais adequada para
situações de consumo ordinárias. Dessa forma, a utilização da lista de valores de Kahle (1983)
em um contexto de compras de supermercado parece ser adequada e instigante, no sentido de
avaliar a sua capacidade explicativa das situações de consumo do dia a dia.
Abaixo, segue definição dos valores propostos por Kahle (1983). Esses valores são
fundados nos estudos de Maslow, sobre a hierarquia das necessidades (MASLOW, 1954).
Entretanto, para Kahle (2002) os valores não seguem uma hierarquização, sendo que um valor
mais primitivo não terá necessariamente mais importância do que valores mais elaborados.
Senso de pertinência: refere-se ao grau de aceitação do indivíduo pela família ou grupos
de referência. As pessoas que selecionam o senso de pertinência como valor mais importante
para suas vidas geralmente são idosos ou indivíduos que acreditem não estar em sua melhor
condição social. Essas pessoas preferem produtos que lhes garantam segurança e que reflitam
tradição;
Emoção: refere-se à experimentação de situações emocionantes ou estimulantes. Este
grupo de consumidores inclina-se a consumir produtos e serviços que enfatizem a elegância e
o apelo sexual;
Auto-realização: refere-se à busca por encontrar tranqüilidade e fazer o melhor uso de
suas habilidades, independente da aceitação de outros indivíduos. Geralmente é encontrado
em grupos com formação superior e patamares econômicos satisfatórios;
Ser respeitado e admirado: refere-se ao mais externo dos valores e necessita da
aceitação dos grupos de referência. Geralmente, é encontrado em indivíduos com baixa autoestima e baixo nível educacional;
Diversão, prazer e felicidade na vida: são valores mais individualistas, criativos e não
convencionais. Presente em pessoas que buscam independência, através de atividades
esportivas e atividades de diversão;
Segurança: presente em situações de baixas condições sócio-econômicas, cujos
indivíduos temem a incerteza nas suas ações;
Relacionamentos calorosos: expressa-se através da manutenção de amizades próximas.
Os indivíduos desse grupo buscam produtos com apelo sensual e que carreguem afetividade e
paixão.
Auto-respeito: refere-se ao orgulho do indivíduo consigo mesmo e à confiança nas
próprias capacidades. Os indivíduos situados nesse grupo procuram produtos de elevada
qualidade e de empresas socialmente responsáveis.
O presente estudo utiliza os valores supra-citados, por meio da escala LOV, a fim de
relacioná-los com as compras realizadas pelos indivíduos, suas características sócioeconômicas e as faixas de horários nas quais esses consumidores utilizam os serviços de um
supermercado 24h, único na cidade em questão. Espera-se observar algumas regularidades
com relação a essas variáveis, em diferentes grupos de compradores.
3
Valores Pessoais e Serviços
O estudo recente de Lages e Fernandes (2005) chama a atenção para a necessidade de
integração da literatura de marketing de serviços com a de valores pessoais. De fato, com a
expansão cada vez maior do setor de serviços na economia dos diversos países, houve uma
proliferação de pesquisas acadêmicas abordando esse setor e o reconhecimento do marketing
de serviços como uma disciplina importante do marketing (LOVELOCK e GUMMESSON,
2004). Os estudos em marketing de serviços têm dado foco em temas como qualidade de
serviços (PARASURAMAN, ZEITHAML e BERRY, 1985), ambiente de serviços (BITNER,
2000), encontro de serviços (BITNER, BOOMS e TETREAULT, 1990), marketing de
relacionamento (BERRY, 2000) e recuperação de falhas em serviços (TAX e BROWN,
2000). Entretanto, uma lacuna nesse contexto se refere à decisão de escolha do serviço pelo
consumidor, de acordo com a cadeia meios-fim (ZEITHAML, 1988), segundo a qual os
consumidores analisam as informações associadas ao serviço considerando quatro níveis de
abstração, desde os atributos de qualidade até os valores pessoais. Embora os níveis
intermediários já tenham sido bastante explorados na literatura de marketing de serviços,
principalmente com os estudos de Parasuraman, Zeithaml e Berry sobre qualidade em
serviços, há necessidade de pesquisas no nível maior de abstração, referente aos valores
pessoais, conforme ressalta Lages e Fernandes (2005).
Considerando os quatro níveis de abstração (ver figura 1), o primeiro deles se refere aos
benefícios funcionais ou atributos concretos do serviço. Já no segundo nível, considera-se a
discrepância entre as expectativas do consumidor e a suas percepções dos atributos
(PARASURAMAN et al, 1985) ou ainda uma avaliação com caráter atitudinal de longo prazo
(CRONIN e TAYLOR, 1994). Independente da polêmica sobre a definição operacional mais
apropriada para o constructo qualidade em serviços, um aspecto consensual foi a sua
capacidade de influenciar as intenções comportamentais dos consumidores, que por sua vez
influenciaria o comportamento individual. No terceiro nível, o valor é um outro importante
constructo incluído nessa literatura, definido como o tradeoff entre o conjunto de benefícios
recebidos (gets) e o conjunto de custos, tais como os esforços de tempo, psicológicos,
financeiros (gives) no processo de consumo de um determinando serviço (ZEITHAML,
1988). Por fim, no quarto nível, tem-se os valores pessoais relacionados ao serviço. Esses
valores pessoais são as crenças sobre o que se deseja como resultado final, classificado por
Rokeach (1973) como valores terminais.
Figura 1 – Integração entre valores pessoais e a abordagem de cadeias meio-fim
Atributos do
serviço
Qualidade
do serviço
Valor no
contexto do
serviço
Baixo nível de abstração
Valor pessoal
no contexto do
serviço
Alto nível de abstração
Fonte: Lages e Fernandes (2005), baseado em Zeithaml (1988)
De forma geral, segundo esse modelo, os indivíduos inicialmente entram em contato
com as características do serviço, a seguir comparam se os mesmos estão de acordo com as
expectativas prévias e se o conjunto de benefícios que ele obterá compensará o conjunto de
esforços nos quais ele terá que incorrer. Porém, a decisão final dependerá da capacidade do
serviço de atender ou refletir os valores individuais considerados mais relevantes pelo
consumidor (LAGES e FERNANDES, 2005).
4
Com base na importância dos valores pessoais nesse contexto de serviços, Lages e
Fernandes (2005) propõem uma escala para avaliar os serviços no nível dos valores pessoais,
denominada por eles de SERPVAL (service personal values). A escala apresentou três
dimensões: busca por uma vida pacífica, busca por reconhecimento social e busca por
integração social. Ressalta-se que os autores utilizaram apenas um contexto de pesquisa, qual
seja, o de serviços de telefonia móvel.
Dessa forma, o presente estudo adota uma versão adaptada da escala SERPVAL,
considerando as especificidades do contexto de supermercados e incluindo também itens que
foram excluídos no estudo original após a análise fatorial, já que os autores disponibilizaram a
versão inicial e a final da escala (LAGES e FERNANDES, 2005, p.1570).
Método
Foi realizado um survey, do tipo corte-transversal, com os clientes de uma grande rede
de supermercados da cidade de Porto Alegre. Foi pesquisado um total de 613 consumidores,
que foram selecionados de forma não probabilística, mas com inclusão de respondentes de
diferentes horários de funcionamento do supermercado e de diferentes dias da semana. Após
as limpezas de questionários incompletos e observações atípicas (outliers), restaram 582 casos
úteis.
Os dados foram coletados por meio de um questionário estruturado, aplicado
pessoalmente aos consumidores logo após pagarem as suas compras no caixa. Seis
entrevistadores, treinados pelos pesquisadores, trabalharam entre os dias 30/11/05 e 06/12/05
a fim de incluir o período de final e início de mês, no qual há maior concentração das vendas
em supermercados.
O questionário elaborado utilizou duas escalas de valores pessoais com diferentes
propósitos para cada uma delas (ver anexo 1). A primeira delas, a LOV, foi utilizada para
verificar se os valores pessoais influenciam as decisões de compras rotineiras, mais
especificamente na escolha dos produtos que compõem a cesta de compras do consumidor. Já
a segunda escala, SERPVAL, foi empregada com o intuito de avaliar se os valores pessoais
dos consumidores exercem alguma influência na escolha do prestador de serviço.
A LOV utilizada foi a de nove itens, adaptada de Kahle (1983) e já testada no contexto
brasileiro (LEAO e SOUZA NETO, 2003; LENGLER, 2003), com escalas Likert, variando
de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). A partir da aplicação do pré-teste
percebeu-se que a escala LOV com extremos de importância estava levando os respondentes a
atribuir valor 5, muito importante, para todos os itens da escala, o que não permitia que se
diferenciasse quais os itens eram mais valorizados e importantes. Com base nesses resultados,
decidiu-se testar como âncoras da escala LOV os extremos de concordância, ao invés de
importância, esperando-se que assim se obtivesse maior discriminação na valoração dos itens
da escala pelos respondentes. Realizou-se, então, um novo pré-teste e constatou-se que,
conforme o esperado, os extremos de concordância ofereciam um poder discriminatório
superior. Por esse motivo, optou-se pelo uso da concordância, ao invés da importância, na
versão final do questionário.
A segunda escala empregada, SERPVAL (service personal values) foi proposta
recentemente por Lages e Fernandes (2005). Nesta pesquisa, essa escala foi adaptada para o
contexto de consumo em supermercados, classificados como serviços de processamento com
bens (LOVELOCK e WRIGHT, 2004). Como Lages e Fernandes (2005) disponibilizaram os
itens iniciais e finais da escala validada, foram incluídos os itens da versão final e outros da
versão inicial, desde que tivessem alguma relação com o contexto aqui abordado.
Questões demográficas e de estilo de vida também foram incluídas, avaliando a
freqüência com que o pesquisado compra tanto na loja pesquisada quanto em outros
supermercados, almoça em casa/restaurantes, prepara as próprias refeições, além de outras
como status marital, número de pessoas morando na residência, renda familiar,
5
responsabilidade pelas compras e pela renda familiar, sexo, idade e escolaridade. Finalmente,
o questionário contou com uma lista de categorias de produtos (ver anexo 2), nas quais os
respondentes marcavam aqueles que haviam sido comprados na ocasião da pesquisa.
Os dados obtidos foram analisados com base tanto em estatísticas univariadas,
principalmente nas análises descritivas iniciais, quanto multivariadas, quando se fez uso das
técnicas de Análise de Conglomerados (Cluster Analysis) e Análise Discriminante. A seguir
os resultados são apresentados e discutidos.
Resultados
Análises Descritivas
Um total de 582 consumidores participaram como respondentes em dois
supermercados, sendo 300 da Loja 1 e 282 da Loja 2. Não houve diferença dos respondentes
em termos de sexo entre duas lojas, com 387 (66,5%) do sexo feminino e 195 (33,5%) do
sexo masculino (χ2=0,630, p=0,428). Em termos de idade, houve uma tendência de diferença
entre as duas lojas (χ2=12,238, p=0,057), sendo que 56% do clientes da Loja 1 tinham 30
anos ou mais e na loja 2 esse percentual era de 65%. Na escolaridade dos respondentes, houve
diferença entre as duas lojas (χ2=13,437, p=0,004): na Loja 1, 48% com escolaridade até o
ensino médio (52% superior incompleto ou mais) e na Loja 2, 38% com escolaridade até o
ensino médio (62% superior incompleto ou mais). A renda dos consumidores da loja 2 se
revelou significativamente maior que na loja 1 (χ2=13,882, p=0,031): na Loja 1, 22% possui
renda acima de 5.000 reais, enquanto na loja 2 esse percentual maior, 34%. Houve uma
tendência de maior número de consumidores solteiros na loja 1 (49,7%) em relação à Loja 2
(39,4%), sendo que na amostra total esse percentual era de 44,7% (χ2=6,698, p=0,082).
Segmentação de clientes por valores pessoais (LOV)
Para verificar se os valores pessoais influenciam nas decisões de escolha dos produtos
no contexto de supermercados, buscou-se agrupar os consumidores a partir da análise de
clusters (PUNJ e STEWART, 1983) relacionando-os com os itens da cesta de compras desses
indivíduos.
Com o intuito de minimizar as disparidades de pesos nas respostas decorrentes de
diferenças individuais e maximizar as distâncias entre as variáveis da LOV, foi adotado o
procedimento de estandardização da escala a partir do cálculo da média e o desvio padrão de
cada respondente. Observou-se que, da amostra de 582 respondentes, 143 indivíduos não
conseguiram atribuir diferentes pesos entre as variáveis e, para efeito da análise dos clusters,
os mesmos foram excluídos. Em seguida, foi rodada a análise two step cluster (SPSS, 2001);
para validar as diferenças nas médias dos clusters, foram feitas ANOVAs, tendo havido
significância estatística (p=0,000) em todas as variáveis da escala. A homogeneidade dos
clusters foi, igualmente, testada (p=0,000). Por fim, procurou-se identificar as características
demográficas dos mesmos através do teste qui-quadrado de Pearson (HAIR, 2005). As
variáveis que mostraram significância estatística foram idade (p=0,028), estado civil
(p=0,003) e faixa de horário (p=0,003), as demais como renda (p=0,636) e escolaridade
(p=0,393) não apresentaram significância.
Foram encontrados, então, sete clusters, que remetem a diferentes conjuntos de valores
definidos pelos consumidores como mais ou menos importantes para as suas vidas. Os
clusters se mostraram estáveis nas duas lojas. Buscou-se, a partir desses resultados interpretar
o conjunto de valores de cada um dos agrupamentos, de acordo com os postulados de Kahle
(1983), nomeando-os de a partir das características dominantes em cada um deles. A seguir
são apresentados os clusters, bem como a comparação das características demográficas com o
total da amostra, quando elas são significativas.
O primeiro grupo, o dos Solitários apresentou escores médios para a maioria dos itens,
com exceção de um nível muito baixo de “busca por relações calorosas”, e de um escore
6
acima da média para “auto-realização”. Esse grupo é composto predominante por jovens
solteiros, com até 25 anos.
O segundo grupo identificado se refere aos Auto-suficientes, que apresentaram escores
bastante negativos para “necessidade segurança”, negativos para “auto-respeito” e positivos
para “busca por êxito”, “prazer na vida” e “auto-realização”. Esse grupo se mostrou o mais
numeroso, sendo equilibrado em termos de variáveis demográficas, apenas com uma
quantidade levemente maior de homens, levando em conta a amostra.
Os indivíduos Orientados para Grupos apresentaram índices extremamente baixos para
o item “auto-realização” e acima da média para “senso de pertencer”, “orgulho” e “busca por
êxito”. O terceiro grupo é o que apresentou menos indivíduos, sendo composto por uma
quantidade, proporcionalmente a amostra, pouco maior de mulheres.
Os Mundanos apresentaram índices extremamente abaixo da média para o valor
“experiências estimulantes” e um pouco acima para os itens “senso de pertencer”, “autorealização”, “orgulho” e “busca por êxito”. Os indivíduos do grupo dos Mundanos são, com
relação à amostra, mais velhos (acima de 50 anos), além disso, o grupo possui relativamente
mais mulheres em sua composição.
O quinto grupo se refere aos Egocêntricos, os quais apresentaram índices extremamente
baixos do valor “senso de pertencer” e escores pouco acima da média para os itens “autorealização”, “orgulho” e “busca por êxito”. Esses indivíduos são proporcionalmente mais
velhos (entre 40 e 49 anos) e seus horários de compra realizam as suas compras predominante
mente nos horários da noite (a partir de 22h).
Os indivíduos classificados como Essenciais apresentaram escores extremamente
baixos para “prazer na vida” e pouco acima da média para “senso de pertencer”, “autoralização” e “busca por êxito”. O grupo dos Essenciais é composto por pessoas acima de 30
anos, com relativamente mais mulheres e realizam suas compras entre 17 e 19 horas. Esse
grupo possui, proporcionalmente, uma quantidade maior de indivíduos separados e viúvos.
O último grupo identificado pela análise de cluster foi o dos Altruístas, que
apresentaram escores muito baixos para “busca por êxito”, pouco abaixo da média para o
valor “orgulho”, acima da média para “relações calorosas” e “senso de pertencer”. Esse grupo
obteve distribuição similar a da amostra. O grupo realiza suas compras predominantemente
entre 17 e 19 horas.
Identificados os sete grupos, estes foram submetidos a testes de comparação de média
para verificar a existência de padrões de compras de produtos entre eles. Das 40 categorias de
produtos listadas, apenas cinco apresentaram freqüência significativamente maior em algum
dos clusters (tabela 1). O grupo dos Altruístas (grupo 7) apresentou uma compra maior de
refrigerantes light, de produtos infantis e de padaria integral. Com efeito, esse é o grupo com
compras mais elevadas em geral, sendo que esses itens se destacaram com relação aos outros.
Entretanto, não é possível estabelecer relações entre esses produtos e o tipo de compra
realizado. Outros produtos aparecem como significativos. Para os Orientados para Grupos
houve maior ocorrência da categoria outros laticínios, enquanto que a categoria dos chás e
ervas apareceu mais para os denominados Egocêntricos. A categoria dos refrigerantes diet ou
light apareceu, ainda, para os Essenciais e Mundanos, como significativa.
7
Tabela 1: Ocorrência de produtos por Clusters
ANOVA
Refrigerantes Diet / Light
Outros laticínios
Infantil
Padaria Integral
Chá, Erva Mate
Sig.
0,024
0,014
0,013
0,013
0,044
Cluster
4, 6 e 7
3
7
7
5
O cruzamento das variáveis da lista de compras com os clusters revelou poucas
diferenças importantes em termos de produtos, o que mostra que (1) os valores pessoais
propostos pela LOV podem não ser bons preditores das compras quotidianas e de baixo
envolvimento, ou que (2) a lista de compras por categorias de produto, como a que foi
utilizada, não permite discriminar eventuais diferenças entre determinados conjuntos de
valores e a compra de produtos específicos (marca, tamanho, preço, embalagem, etc), os quais
seriam mais passíveis de serem determinados ou influenciados pelos valores pessoais.
Segmentação de clientes pela lista de compras
Frente aos resultados encontrados na tentativa de relacionar os clusters de valores
pessoais (LOV) com a cesta de compras, decidiu-se buscar outra forma de agrupar os clientes
pesquisados, na tentativa de encontrar elementos que pudessem segmentar a amostra.
Escolheu-se então a segmentação de clientes pela lista de compras. Para isto foi
utilizada mais uma vez a análise de cluster (PUNJ e STEWART, 1983). Inicialmente, devido
ao uso de variáveis categóricas da lista de compras, foi utilizado o procedimento de cluster de
duas fases (SPSS, 2001). Esse procedimento sugeriu a divisão dos clientes em 2 grupos, pelo
critério AIC. Essa segmentação se mostrou coerente nas duas lojas da rede, quando analisadas
em separado, e quando analisados juntos. Análises posteriores mostraram perfis de compra e
mesmo demográficos bastante distintos entre os clusters e similares entre os integrantes dos
clusters. Entretanto, por ser um algoritmo hierárquico, o procedimento de duas fases
requereria uma validação mais criteriosa (PUNJ e STEWART, 1983). Como tais variáveis
foram codificadas como dicotômicas, foi possível utilizar a validação do cluster com o
algoritmo k-means, que suporta apenas variáveis numéricas (HUANG, 1998), informando
como parâmetro 2 clusters. Os dois clusters identificados com o algoritmo k-means foram
consistentes com o procedimento de duas fases, mostrando a robustez da solução encontrada.
Os segmentos de clientes, segundo sua lista de compras, foram chamados, de forma figurada,
de “cestinhas”, com 478 casos (85%), e “carrinhos”, com 84 casos (15%). Os nomes foram
atribuídos não tanto pela forma de condução das compras pelos clientes, mas pelas
características de cada grupo, sendo que o cluster “cestinha” apresentou uma tendência de
comprar um pequeno número de itens, com valores mais baixos na variável lista de compras,
enquanto o cluster “carrinhos” apresentou uma tendência de adquirir maior número de itens,
com valores maiores na variável lista de compras.
Finalmente, uma análise discriminante foi utilizada, com o procedimento stepwise, para
identificar os itens da lista de compras que mais contribuíam para a distribuição dos clientes
entre os clusters encontrados (GARSON, 2006). Das 42 variáveis da lista de compras, apenas
20 variáveis se mostraram significativas na análise discriminante (ver tabela 1). Como são
apenas 2 segmentos, apenas 1 função discriminante foi gerada, mas essa função é significativa
(Lambda de Wilk = 0,277, χ2=705,302, p<0,000), e apresenta uma correlação canônica de
0,850, com um autovalor de 2,605. A tabela 1 mostra o valor da função discriminante no
centróide de cada grupo, enquanto a tabela 2 mostra os coeficientes padronizados de cada
variáveis da função discriminante, com seu grau de significância estatística.
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Tabela 2: Valor da função discriminante nos centróides de cada grupo.
Segmento
1 Cestinhas
2 Carrinhos
Valor
-0,675
3,843
Tabela 3: Coeficientes Padronizados da Função Discriminante.
Produtos Automotivos, Ferragem
Águas, Chás, Sucos
Refrigerantes Normais
Cerveja
Vinhos e Espumantes
Biscoitos Normais
Biscoitos Integrais / Diet / Light
Carnes
Alimentos Congelados
Leites
Higiene Pessoal
Beleza
Frutas / Legumes / Verduras Não Orgânicos
Frutas / Legumes / Verduras Orgânicos
Produtos de Limpeza
Massas
Mantimentos
Molhos e Condimentos
Padaria Normais
Padaria Diet / Light
* Variáveis com Lamba de Wilk significativo a p < 0,000
-0,118*
0,199*
0,167*
0,124*
0,144*
0,326*
0,127*
0,236*
0,171*
0,312*
0,185*
0,140*
0,103*
0,137*
0,147*
0,352*
0,223*
0,286*
0,248*
0,189*
Finalmente, o perfil dos clusters foi cruzado com variáveis que não fizeram parte da
formação do cluster a fim de identificar as características distintivas entre os clientes de cada
grupo (HAIR et al., 1998). Esses resultados são apresentados na tabela 4. Comparando-se os
consumidores dos dois clusters, percebe-se que aqueles do cluster “cestinha” almoçam menos
em casa, jantam menos em restaurantes, preparam a própria refeição com menor freqüência,
possuem menor responsabilidade pelas compras de supermercado da família e apresentam um
gasto médio inferior, com uma lista de compras menor. Essas duas últimas características
foram as principais utilizadas para classificar o perfil dos dois clusters. Identificou-se ainda
que no cluster cestinha há um percentual maior (48%) de consumidores solteiros em relação
ao conjunto total (44%), com χ2=15,37, p=0,002), enquanto o “carrinho” é composto
predominantemente por pessoas casadas. Com efeito, 92% dos indivíduos solteiros da amostra
pesquisada se encontram no primeiro grupo, revelando uma característica importante dos
“cestinha”.
9
Tabela 4: Comparação dos clusters pelas variáveis de estilo de vida
Variáveis
Freqüência que almoça em casa
Grupo
1
2
Freqüência que janta em restaurantes
1
2
Freqüência que prepara sua própria refeição
1
2
Responsabilidade pelas compras de supermercado da família
1
2
Freqüência média que realiza compras nesta Loja
1
2
Valor da compra
1
2
Tamanho da lista de compras
1
2
Nota – grupo 1 = cluster “cestinha”; grupo 2 = cluster “carrinho”
Média
F
p
3,08
4,290 0,039
3,51
2,57
8,480 0,004
3,07
3,02
8,180 0,004
3,60
3,62
4,388 0,037
3,98
3,91
3,826 0,051
4,38
27,09 152,911 0,000
135,15
3,41 892,491 0,000
13,17
Essa mesma análise foi realizada também considerando os itens das escalas de valores
pessoais (LOV e SERPVAL). Percebeu-se que os consumidores do cluster cestinha
concordaram mais (M = 4,69) com a afirmação “gosto de pertencer a um grupo (família,
amigos ou comunidade)” em comparação aos indivíduos do cluster carrinho (M = 4,53), com
F (1,568) = 4,532, p < 0,034. Dos itens da escala LOV, apenas esse item revelou diferença
significativa de média entre os dois clusters.
Embora tenha sido possível discriminar dois tipos de cesta de compras bem definidos,
mais uma vez os valores pessoais não apresentaram relação com os sete grupos anteriormente
identificados. Por outro lado, como observado acima, algumas variáveis demográficas se
mostraram capazes de explicar as diferenças na cesta de compra dos dois grupos.
Valores pessoais e a escolha do prestador de serviço
A avaliação da influência que os valores pessoais dos consumidores exercem na escolha
do prestador de serviço se deu através da aplicação da escala SERPVAL e da comparação dos
resultados dessa escala para os consumidores de cada uma das lojas, procurando semelhanças
e diferenças de valores entre os públicos de cada um dos pontos de venda.
Vale lembrar que se pesquisou duas lojas de supermercado de uma mesma bandeira, em
uma capital de estado brasileira, aqui denominadas Loja 1 e Loja 2. Embora de mesma
bandeira, há algumas diferenças significativas entre estas duas lojas. A Loja 1 está localizada
em um importante shopping center da cidade, sendo a mais nova loja 24 horas da cidade.
Situado na confluência de bairros de classes médias e de classes menos afluentes, o referido
shopping center recebe indivíduos de várias classes sociais. Já a Loja 2 está situada em um
bairro de classe média-alta, atraindo principalmente os consumidores dessa região. As duas
lojas, contudo, possuem características semelhantes, tendo o posicionamento de loja premium,
visando a um público A e B, com compras freqüentes e de médio valor, conforme conversa
com a direção da empresa.
Com relação à Loja 1, quatro itens das duas listas de valores se mostraram
significativamente maiores para os clientes. Da LOV, apenas o item “necessidade de
segurança” se mostrou mais importante (p=0,046) para esses indivíduos, o que de certa forma
vai ao encontro da percepção de que os shoppings centers oferecem maior segurança para os
seus consumidores. Nesse sentido, não é de surpreender que indivíduos com maior
necessidade de segurança optem por uma loja que lhes ofereça esse benefício. Com relação
aos itens da SERPVAL, três apresentaram maior importância para os freqüentadores da Loja
1: “...me garante mais segurança” (p=0,014); “...me faz ter uma vida de mais estímulo e
aventura” (p=0,004); “... me faz interagir mais com o meu grupo” (p=0,019). Mais uma vez,
10
pode-se observar que o fator segurança é importante na escolha pela Loja 1. Ademais, os
outros dois itens da SERPVAL que aparecem como mais importantes nessa loja remetem a
benefícios atrelados ao próprio shopping center, que se posiciona como um local de
encontros, capaz de adicionar mais encanto na vida dos consumidores.
No que tange a Loja 2, igualmente, 4 itens apresentaram diferença de média
significativamente superior. Dos itens da LOV, os indivíduos da Loja 2 conferem mais
importância a “senso de pertencer” (p=0,031) e “auto-realização” (p=0,012), o que é
consentâneo com o público familiar e de classe média-alta que freqüenta o estabelecimento.
Dos itens da SERPVAL, “... me ajuda a ter uma vida mais prazerosa” (p=0,039) e “... traz
maior conforto a minha vida” (p=0,000). Conforme foi dito, a Loja 2 tem um caráter de loja
de bairro, e aqui, o posicionamento premium parece ser bem compreendido pelos
consumidores. Nesse sentido, os valores da SERPVAL apontam para os benefícios de
conveniência da loja de bairro e de possibilidade de adquirir produtos de boa qualidade que
venham a agregar prazer ao indivíduo ou sua família.
A existência diferenças entre os valores pessoais nos dois estabelecimentos evidencia
que esses podem exercer alguma influência na escolha da loja, embora fatores como atributos
do serviço e qualidade do serviço sejam mais evidentes para a escolha do prestador de
serviços (ZEITHAML, 1988). Além disso, no contexto de compra de supermercados, onde a
localização geográfica do estabelecimento é fortemente determinante de seu público
(LOVELOCK e WRIGHT, 2004), a existência de diferenças em termos de valores pessoais
pode ser um indicativo de que estes são ainda mais determinantes em outros contextos de
serviço.
Discussão dos Resultados e Considerações Finais
Os valores pessoais e estilo de vida são variáveis importantes que influenciam as
decisões de compra dos consumidores. Duas técnicas bastante utilizadas nesse contexto são as
escalas LOV (List of Values) e a VALS (Values and Lifestyles), desenvolvidas
respectivamente por Rokeach (1968) e Kahle (1983). O objetivo da aplicação de tais escalas é
identificar os traços pessoais que podem influenciar a escolha de uma determinada marca ou
categoria de produtos pelo consumidor (ENGEL et al., 2005). Apesar da vasta aplicação
destas duas escalas na literatura de marketing, poucos estudos têm dado ênfase à aplicação
dessas escalas no contexto de serviços e da escolha de um prestador de serviço em detrimento
de outro. Nesse sentido, o objetivo da presente pesquisa foi verificar se os valores pessoais
influenciam o comportamento de compras rotineiras, considerando a cesta de compra dos
consumidores em supermercados e comparando a mesma com os valores pessoais dos
consumidores obtidos a partir da aplicação da escala LOV. Além disso, investigou-se se os
valores pessoais são capazes de influenciar a escolha do prestador de serviço, o que foi
operacionalizado através da aplicação da escala SERPVAL em clientes de duas lojas distintas.
A utilização da LOV levou a identificação de sete grupos de consumidores, com
ênfases diferentes em termos de valores pessoais. Os indivíduos forma classificados de acordo
com o conjunto de pesos atribuídos aos valores, onde o valor mais dominante teve maior
ênfase na classificação. Os grupos foram rotulados em Solitários; Autosuficientes; Orientados
para Grupos; Mundanos; Egocêntricos; Essenciais; e Altruístas. A despeito de os grupos
terem apresentado consistência entre eles, não houve relação significativa com a cesta de
compras de cada um deles, o que denota que (1) os valores pessoais propostos pela LOV
podem não ser bons preditores das compras quotidianas e de baixo envolvimento, ou que (2) a
lista de compras por categorias de produto, como a que foi utilizada, não permite discriminar
eventuais diferenças entre determinados conjuntos de valores e a compra de produtos
específicos (marca, tamanho, preço, embalagem, etc), os quais seriam mais passíveis de serem
determinados ou influenciados pelos valores pessoais.
11
A busca de classificação dos consumidores a partir de suas cesta de compras revelou a
existência de dois clusters bem definidos, um caracterizado por consumidores solteiros, que
compram um número menor de itens, preparam a própria refeição com menor freqüência e
possuem menor responsabilidade pela compra de supermercado da família (cluster
“cestinha”), enquanto o outro é formado por consumidores casados, que compram um número
maior de itens, preparam a sua própria refeição com maior freqüência e apresenta maior
responsabilidade pelas compras da família (cluster “carrinho”). Da mesma forma, não foram
encontradas relações significativas entre os dois grupos e sua estrutura de valores.
Tais achados colocam em questão a capacidade dos itens da LOV de efetivamente guiar
o dia a dia dos consumidores (KAHLE et al., 1986) e, assim, contribuir para explicar o seu
comportamento de compras, especificamente de compras de supermercado. Sendo assim, os
valores ficariam restritos a contextos de compra complexa e de alto envolvimento (RAY,
1997). Entretanto, pode-se especular que a ausência de resultados significativos no que tange
às escalas de valores pesquisadas se deve não tanto às escalas em si, mas ao próprio desenho
de corte transversal da pesquisa, o qual não leva em conta a cesta de compras dos indivíduos
no tempo. Por outro lado, a existência de variáveis demográficas que explicam as diferenças
entre os clusters de listas de compras aponta para uma primazia dessas variáveis sobre os
valores pessoais no contexto específico de compras rotineiras.
Além disso, é bastante provável que os valores individuais sejam expressos no
momento da escolha das lojas de supermercado, conforme ficou evidenciado nos resultados
da presente pesquisa. Para uma generalização desta suposição, no entanto, necessitar-se-ia de
pesquisas em outras lojas, com diferentes posicionamentos estratégicos e características.
Embora os resultados encaminhem para a ausência de uma relação estreita entre a
estrutura de valores pessoais e as compras rotineiras, é preciso realizar novos estudos no
sentido de observar a veracidade desses achados. Nesse sentido, algumas limitações precisam
ser reconhecidas, tais como o fato de se ter pesquisado apenas uma rede de supermercados em
uma mesma cidade, embora duas lojas tenham sido comparadas, uma localizada num
shopping center e outra não. Além disso, o principal elemento limitador das análises foi a
ausência de uma lista de compras detalhada, que levasse em conta marcas, embalagens,
tamanho, entre outras características dos produtos de compra rotineira, que poderiam vir a ser
influenciadas pelos valores pessoais dos consumidores.
Assim, no que concerne a realização de pesquisas futuras sugere-se enfaticamente o uso
de scanner data a fim de obter um detalhamento maior dos produtos adquiridos, incluindo os
itens individualmente e não as categorias genéricas, como as adotadas nesta pesquisa, além de
permitir um acompanhamento das compras ao longo do tempo. Outra possibilidade é
considerar o processo de decisão de compra de forma mais completa, abordando a fase inicial
de reconhecimento da necessidade e escolha da loja pelo consumidor, o que requereria
pesquisar lojas com diferentes posicionamentos.
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Anexos
I – Listas de Valores
LOV
Por Favor, leia todas as afirmações da tabela seguinte e atribua uma nota para cada uma delas
de acordo com a importância para a sua vida, sendo que 1= discordo totalmente e 5=
concordo totalmente.
Discordo
Totalmente
Concordo
Totalmente
1. Ser aceito e necessário para minha família,
amigos e comunidade.
1
2
3
4
5
2. Ter experiências estimulantes e emocionantes.
1
2
3
4
5
3. Ter amigos próximos e amizades verdadeiras.
1
2
3
4
5
4. Ter paz interior e fazer melhor uso de minhas
capacidades.
5. Ser admirado e reconhecido pelos outros.
6. Ter uma vida prazerosa e feliz.
7. Sentir-me seguro e protegido contra
desgraças e ataques.
8. Orgulhar-me de mim mesmo e ser confiante
de quem sou.
9. Obter êxito naquilo que faço.
1
2
3
4
5
1
1
1
2
2
2
3
3
3
4
4
4
5
5
5
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
SERPVAL
Agora pense nos benefícios que você obtém quando compra na loja X. Marque de acordo o
seu grau de concordância para cada uma das afirmações, sendo que 1= discordo totalmente e
5= concordo totalmente.
Quando faço compras na Loja X eu consigo...
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
....mais tranqüilidade
...mais segurança para a minha família
... mais harmonia e estabilidade na minha vida
... uma vida mais prazerosa
... mais respeito dos meus amigos
... o sentimento de que o mundo é mais
agradável
... maior reconhecimento de meus amigos
... maior status
... uma vida de mais estímulo e aventura
... uma interação maior dentro do meu grupo
... melhores relacionamentos
(ex. sociais, profissionais e familiares)
... fortalecer minhas relações de amizade
Discordo
Totalmente
Concordo
Totalmente
1
1
1
1
1
1
2
2
2
2
2
2
3
3
3
3
3
3
4
4
4
4
4
4
5
5
5
5
5
5
1
1
1
1
1
2
2
2
2
2
3
3
3
3
3
4
4
4
4
4
5
5
5
5
5
1
2
3
4
5
14
II – Listas de Produtos
Por Favor, assinale entre as opções abaixo, TODOS os Itens que você acaba de comprar. Marque
"X" em "Previsto" para produtos que você tinha pensado em comprar quando veio ao mercado e
marque "X" em "não-previsto", para produtos que você decidiu comprar durante as suas compras.
Categoria
Bazar
Bebidas
Biscoitos
Bomboniere
Carnes
Congelados
Frios e Laticínios
Higiene e Beleza
Produtos
Não
Previsto
Itens para casa
Papelaria
Itens de Esportes, Lazer
Produtos Automotivos, Ferragem
Águas, Chás, Sucos
Isotônicos e Energéticos
Refrigerantes Normais
Refrigerantes Diet / Light
Cerveja
Vinhos e Espumantes
Outros alcoolicos (vodka, rum, cachaça, conhaque, uísque)
Biscoitos
Biscoitos Integrais Diet / Light
Bonbons, Balas, Chocolates Normais
Bonbons, Balas, Chocolates Diet / Light
Sobremesas Normais (sorvetes, doces, tortas, goiabadas, etc)
Sobremesas Diet / Light (sorvetes, doces, tortas, goiabadas, etc)
Carnes (bovina, suína, aves, peixes, etc)
Alimentos Congelados
Frios Normais / Comuns (presunto, mortadela, queijo lanche, etc)
Frios Especiais / Refinados (copa, pastrame; queijos roquefort, etc)
Iogurtes (Iogurtes líquidos, naturais, sobremesas lácteas, etc)
Leites
Outros laticinios (margarina, manteiga, patê, requeijão, etc )
Higiene Pessoal (papel higienico, sabonete, shampoo, etc)
Beleza (cremes/loçoes/gel etc...)
Infantil (fraldas, sabonetes e shampoos para bebês)
Hortifruti
Frutas / Legumes / Verduras Não Orgânicos
Frutas / Legumes / Verduras Orgânicos
Plantas e Flores
Limpeza
Produtos de Limpeza
Massas
Massas
Mercearia
Previsto
Matinais (café, achocolatado, cereais, etc)
Chá, Erva Mate
Mantimentos (arroz, feijao, farinha, sal, açucar, óleos, azeites, etc)
Salgadinhos e aperitivos (snacks, salgadinhos, sardinha, atuns, etc)
Alimentos Infantis (papinhas, alimentos especiais para bebês)
Molhos e Temperos Molhos e Condimentos (ketchup, pimentas, alho, temperos, etc)
Padaria
Pet Shop
Padaria (pães, bolos, torradas, etc)
Pet Shop (produtos para bichos de estimação)
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1 A Influência dos Valores no Comportamento do