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“Trinta anos atrás1, o tempo de uma
geração, Carlos Marighella foi abatido
pelas forças de repressão da ditadura.
Naquele momento elas não mataram
apenas o militante intemerato de uma
organização de luta, mas um líder que
encarnava as aspirações de liberdade e
justiça do povo brasileiro. Os que assumem
a grave responsabilidade de combater pelo
interesse de todos tornam-se símbolos e
constituem patrimônio coletivo. Carlos
Marighella deu a vida pelos oprimidos,
os excluídos, os sedentos de justiça. Ao
fazê-lo, transcendeu a sua própria opção
partidária e se projetou na posteridade
como voz dos que não se conformam com
a iniqüidade social”.
Antônio Cândido
1Prefácio do Professor Antônio Cândido à primeira edição deste livreto, em novembro de 1999.
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Sumário
Sugestão de uso_7
Introdução_9
Pensamento_13
Depoimentos_31
Florestan_32
Clara Charf_37
Jorge Amado_42
Emiliano José_42
Frei Betto_43
Diógenes Arruda_44
Capinam_45
Manifesto_47
Biografia_55
Bibliografia_61
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Sugestão de uso
Esta cartilha tem por objetivo apresentar de maneira
resumida o companheiro Carlos Marighella. Quem foi, como viveu,
o que pensava e como dedicou sua vida inteira à causa do povo.
Por isso, a cartilha pode ser usada como uma homenagem, que
para nós deve ser constante, do exemplo revolucionário de nossos
combatentes do povo, por um lado, mas também como um roteiro
de discussão. Utilizá - la como subsídio.
Para os companheiros que quiserem se aprofundar no estudo,
há no final uma indicação bibliográfica da vida e obra desse dirigente
revolucionário.Viva Carlos Marighella!
Algumas atividades que podem ser realizadas:
1. Organizar o estudo sobre a história e a realidade brasileira,
com especial atenção para as lutas do povo e os ensinamentos a tirar daí.
2. Divulgar entre nossos militantes e outros movimentos, as
lutas, ensinamentos e exemplo do companheiro Carlos Marighella.
3. Realizar atividades culturais e celebrações em homenagem
a Carlos Marighella, nos próximos meses relembrando seu sacrifício,
e depois sempre no dia 4 de novembro, data de seu assassinato.
4. Realizar pesquisas, debates sobre os conceitos táticos,
estratégicos e organizativos do processo revolucionário, comentando
a lições teóricas de Carlos Marighella.
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N
o dia 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella
foi assassinado pelas forças da ditadura militar, em
São Paulo. O assassinato de Marighella, contudo, não destruiu sua
contribuição à luta do povo brasileiro por sua libertação, ainda que
seus inimigos tivessem se esforçado para lançá­-lo ao esquecimento.
Como disse Florestan Fernandes, “ele foi perseguido como
a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação da
memória coletiva. (...) Um Homem não desaparece com sua morte.
Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e
revelar sua verdadeira estátua à distância. É o que sucede com
Marighella. Ele morreu consagrado pela coragem indômita e pelo
ardor revolucionário. Os carrascos trabalharam contra si próprios;
ao martirizá-lo, forjaram o pedestal de uma glória eterna. Agora, esse
homem volta à atualidade histórica”.
A figura de Marighella não permite os consensos fáceis.
Seu legado incomoda, inquieta, aguilhoa. À direita, aos poderosos,
Marighella ainda hoje assusta porque difunde o exemplo da
luta revolucionária conduzida com a radicalidade da forma e do
conteúdo: a luta armada pela libertação nacional e o socialismo.
À esquerda, para alguns setores que figuram no campo popular, a
imagem de Marighella acicata porque exige os constantes estudo
e prática revolucionária, como o exercício diário da solidariedade
que ele levou ao extremo do sacrifício pessoal mais completo, o da
entrega da vida pela causa dos explorados.
Quem quer que abrace, porém, com sinceridade e dedicação
a causa da redenção dos trabalhadores da cidade e do campo no
Brasil, não pode deixar de conhecer e se mirar no conteúdo da vida
desse lutador do povo brasileiro. Sua opção pela luta armada contra
a ditadura militar, que para muitos parece equivocada e assustadora,
apresenta-se como apaixonante para tantos militantes seduzidos
por uma visão aventureira do processo revolucionário. Nada mais
longe, porém, de Carlos Marighella que o medo de praticar atos
revolucionários ou a disposição de agir divorciado das massas. Esse,
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afinal, é o fio condutor que explica a vida política de Marighella, sua
atuação no movimento estudantil na Bahia; sua integração ao Partido
Comunista, onde atuou durante quase quarenta anos e assumiu sempre
as tarefas mais difíceis, até o rompimento e a criação da Ação Libertadora
Nacional, organização que comandou até sua morte.
É um Carlos Marighella complexo, rico na disposição de luta e
de pensar a realidade brasileira, decidido a ir às últimas conseqüências
na ação revolucionária, mas terno, amoroso, apaixonado por sua terra e
sua gente, que ressurge 40 anos após o imperialismo ordenar sua morte,
para resgatar, estimular e ensinar os lutadores do povo de hoje.
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D
iversos elementos da prática revolucionária vivida por
Marighella nos tempos que imediatamente antecederam
sua morte eram evidentemente adequados à realidade política do
Brasil e do mundo naquela época, mas alguns aspectos ultrapassam
esses limites temporais e se firmam como característicos de uma teoria
revolucionária em geral, e da revolução brasileira em particular.
Aqui se apresenta apenas um apanhado geral de conceitos
táticos, estratégicos e organizativos expressos por Marighella. O objetivo
desse resumo é apenas o de contribuir para a discussão dos temas,
essenciais para a formação de todos os lutadores do povo.
A tática
“A Tática marxista é incompatível com qualquer evolucionismo.
Ela tem em conta, no dizer de Lenin, a “dialética objetivamente
inevitável da história da humanidade”. A tática marxista utiliza e
desenvolve a consciência, as forças e capacidade de luta do proletariado.
Ao mesmo tempo orienta todo o trabalho preparatório no sentido
do objetivo final visado pelo proletariado, capacitando-o a resolver
na prática as tarefas que lhe estão reservadas pela História.”
“O que distingue a tática marxista é ser exata e rigorosamente
uma tática da classe de vanguarda, uma tática de combate.”
“A tática marxista jamais pode ser uma tática a reboque da
burguesia. Ao contrário, caracteriza-se pelo fato de que o proletariado
pode e deve assumir a liderança do movimento democrático de todo o
povo contra a ditadura atual.” (Ecletismo e Marxismo)
O que é uma tática decorrente da estratégia revolucionária
“Uma tática decorrente da estratégia revolucionária é por
si mesma revolucionária, o que nada tem a ver com sectarismo e
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esquerdismo. Trata-se de levar as massas à luta contra a ditadura,
e substituí-la, por um governo efetivamente democrático. Os meios
empregados são os que as massas aceitam. Mas os comunistas
devem dar exemplo do impulso revolucionário, que não se obtém,
evidentemente, baseando nossa luta numa perspectiva pacífica.” (A
crise brasileira).
(...) “A tática revolucionária abrange todos os aspectos da luta
política e, ao mesmo tempo, sabe manejar as forças básicas da revolução.
É uma tática acessível, uma tática de massas, ao alcance da compreensão
comum, não uma tática de privilegiados, de iluminados, de donos da
revolução, de manipuladores de fórmulas feitas. (...)
(...) “Não uma tática que a cada fato político novo ensaia
explicações complicadas, emitindo diretivas que realmente não
levam a nada, não despertam o entusiasmo revolucionário, nem
conduzem a luta nenhuma, como vem acontecendo nestes dois anos
de ditadura.”
(...) “Não uma tática destinada a fazer entendimentos políticos
eleitorais, alimentando ilusões na burguesia, cedendo ao conformismo
e disseminando a passividade. A tática revolucionária é uma tática de
luta de massas, e seu objetivo principal consiste em nos aproximar dos
objetivos estratégicos aos quais ela está subordinada”.
(...) “O inadmissível é seguirmos a reboque do atual processo
político, não estabelecermos as premissas que colocarão a iniciativa
política em nossas mãos e nas mãos das massas.”
(...) “O processo de criação da força do proletariado exige lutas
nas áreas urbanas e nas áreas rurais. Entretanto, o elo que levará ao
desenvolvimento da luta contra a ditadura, e que produzirá a mudança
de qualidade do movimento de massa, está nas lutas camponesas.”
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“O proletariado não pode seguir uma tática qualquer.
A tática que não convier à conquista dos objetivos estratégicos da
revolução anti-imperialista e anti-feudal, nacional e democrática,
deve ser repelida.”
“O princípio fundamental da tática marxista é que, em
qualquer fase da luta do proletariado, torna-se obrigatório lutar pela
conquista de um tipo de governo, ou melhor, de um poder que abra
caminho para a completa libertação nacional, econômica, política
social do povo. Quer dizer, que abra caminho para a solução do
problema estratégico.”
Conquista da hegemonia política
“O mais urgente de tudo é, combatendo a expectativa, tomar
a frente da luta de resistência. Autoridade e hegemonia conquistam-se
através da luta e, para tal, nada mais oportuno e mais adequado do que
a luta de resistência.” (Por que resisti à prisão)
Saber recuar
(...) “Dentre tais princípios, o da retirada tem um grande
significado. Em nenhum momento, qualquer passo tático deve ser
empreendido sem a garantia da retirada. Quanto ao princípio da
ofensiva, a experiência ensina que não é obrigatório avançar sempre,
desde que, em determinadas circunstâncias, estejamos obtendo
vitórias ou êxitos parciais. Necessariamente, há um momento em
que devemos parar e consolidar nossas forças, a fim de, em seguida,
prosseguirmos avançando.”
“A falta de vigilância e a ilusão de classe subsistem exatamente
quando a liderança deixa de lado o estabelecimento de um plano tático
marxista e não leva em conta a obrigatoriedade do princípio da retirada.
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O marxismo leninismo é inteiramente avesso à concepção de que na
luta de massas tudo se resume em avançar (....).”
“Quando a ofensiva política é do inimigo, as forças
revolucionárias devem procurar abrir outra frente política sob a direção
do proletariado. Essa outra frente, destinada a retirar a iniciativa ao
inimigo, pode ser em qualquer área. Mas só concorrerá para a mudança
de qualidade da luta política, se for uma frente de luta aberta no meio
rural, entre as massas camponesas.”
Limites da greve geral.
Trabalho restrito e de cúpula no proletariado
“Os repetidos apelos à greve geral política - sem o apoio
do campesinato e sem o recurso à insurreição - significavam um
erro tático em face do marxismo contemporâneo. O erro era mais
evidente na medida em que nosso trabalho no seio do proletariado
se desenvolvia com uma nítida característica de trabalho de cúpula e
se circunscrevia, na prática, às empresas estatais.”
Processo de criação da força organizada do proletariado
‘’Tais são os elementos permanentes da tática marxista,
que concorrerão para criar a força organizada do proletariado. Sem
esta força é impossível influir no processo político e obter qualquer
vitória tática de importância, e com repercussão no processo
revolucionário. O processo de criação da força do proletariado exige
lutas nas áreas urbanas e nas áreas rurais. Entretanto, o elo que levará
ao desenvolvimento da luta contra a ditadura, e que produzirá a
mudança de qualidade do movimento de massa, está nas lutas
camponesas.”
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“Daí a importância do trabalho no campo na aplicação desta
tática. Esta importância decorre do fato de que, pela primeira vez,
no processo revolucionário brasileiro, se tornará possível unir a luta
política das cidades à luta política do campo.”
(...) “O proletariado deve assumir uma posição revolucionária
clara, não lhe cabendo, em nenhuma hipótese, o papel de força
moderadora da frente única. Quando isto acontece, o proletariado
fica a reboque da burguesia.”
“Quando a liderança do proletariado se subordina à
liderança da burguesia ou com ela se identifica, a aplicação da linha
revolucionária sofre inevitavelmente desvios para a esquerda e a
direita. Pois, nesse caso, falta o lastro ideológico, único capaz de
impedir o desvio dos rumos da revolução.”
A combinação das formas de luta
“Para o desenvolvimento das lutas, o princípio básico é a
combinação das formas de luta e organizações legais e ilegais, e a
utilização de todas e quaisquer possibilidades legais, no terreno da defesa
das reivindicações nacionalistas e democráticas, inclusive camponesas,
no terreno da política interna ou externa, ou no terreno jurídico.”
“Isto implica em atuar com firmeza onde quer que haja massas ­nos
sindicatos, nas organizações populares, feministas, estudantis, camponesas
e quaisquer outras. O objetivo de tal atuação é desencadear e apoiar lutas
e estimular a combatividade das massas.” (A Crise Brasileira)
Conceito de revolução
(...) “O que vem a ser revolução? A revolução é sempre
o resultado do desenvolvimento da sociedade e tem a ver com as
relações de produção e o sistema de propriedade. O essencial numa
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revolução é a questão do poder. Mas esta questão não se traduz
pela substituição de uns homens por outros nos postos de mando.
Isto é, não se trata de substituir os antigos dirigentes do aparelho
de Estado por outros pertencentes às mesmas elites ou classes até
então dominantes. O problema consiste em saber que novas classes
chegaram ao poder derrubando as velhas classes dirigentes.”
“Pari passu com o problema da passagem de novas classes ao
poder, surge a questão de saber qual o novo sistema de propriedade
estabelecido que classes passam a ser proprietárias daí por diante.
Quem passa a ser dono dos meios de produção. Que nova estrutura
econômica e social é estabelecida. Que superestrutura passa a ser
levantada ou entra em vigor. Que novas instituições políticas, jurídicas
e sociais entram em ação. Sem isto, que são coisas elementares, não
há revolução.
Elementos de uma estratégia
“Uma estratégia revolucionária indispensável para sairmos do
marasmo e da pasmaceira, exige trabalho pertinaz com as forças básicas da
revolução: o proletariado, as massas rurais, os intelectuais, os estudantes.”
“O trabalho com a burguesia nessa estratégia não pode ser
o trabalho fundamental, ainda que não se trate absolutamente de
abandoná-lo.”
“Uma estratégia revolucionária tem que levar ao rompimento
com a política de subordinação do proletariado à burguesia, à separação
entre o partido do proletariado e os partidos da burguesia.”
“Agindo como força independente, os comunistas e, de
um modo geral, as esquerdas brasileiras, terão um lugar ao sol e
alcançarão êxito, arrastando as massas. As chamadas elites brasileiras
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já demonstraram seu fracasso. Seria para nós um desastre tentar qualquer
saída que comprometesse nossa independência diante delas.”
A importância da análise histórica na construção da
estratégia revolucionária
“O marxismo, dizia Lenin, é a análise concreta da concreta
situação. O despreparo das esquerdas, pela falta de aguda análise
teórica-ideológica da situação brasileira, tendo como resultado o
emprego de práticas e princípios defasados com o momento histórico,
levou-nos à derrota.”
“A experiência brasileira ensina que no passado, com uma
linha estalinista, fomos à derrota, como ainda agora saímos derrotados
aplicando uma linha geral correta, do ponto de vista do marxismo
contemporâneo. Isto quer dizer que há uma causa mais profunda na
raiz do erro, que não permite dar um passo adiante nos momentos
decisivos ou de desfecho das crises.”
“Esta causa é de ordem ideológica e só pode ser superada com
o estudo atento dos erros cometidos e a reformulação de inúmeras
questões e conceitos situados até agora num plano subjetivista e
dogmático e, em geral, de caráter pequeno-burguês ou burguês, e
não proletário, como devia ser.” (A crise brasileira)
“Para as forças populares e nacionalistas, como de um
modo geral para as esquerdas, a razão de ser da vitória reside numa
só questão, já por si em evidência sobre as demais. Esta questão é
o permanente e ao mesmo tempo flexível manejo do marxismoleninismo, o que repele qualquer dose, por mínima que seja,
do dogmatismo. A realidade brasileira exige acurada atenção e
incansável estudo. E como realidade obje­tiva, tomada por ponto
de par­tida, requer a análise histórica aprofundada de suas grandes
características.” (Porque Resisti à Prisão)
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As condições subjetivas
“A consciência revolucionária, todavia, não se adquire
espontaneamente. Na dialética marxista, quando se trata do
fenômeno social, um processo de desenvolvimento jamais se efetua
por via espontânea. A luta (não espontânea) é um fator imprescindível
e fundamental para que o processo de desenvolvimento chegue às
últimas conseqüências.”
“Partidos, agrupações e organizações políticas que não assumam
a luta não conseguirão criar a consciência capaz de levar à revolução.”
(Respostas ao Questionário da revista “Pensamento Crítico”)
A natureza estrutural da crise brasileira
“A crise brasileira é uma crise de estrutura. E aqui nos
referimos à estrutura econômica. O que quer dizer: a crise brasileira,
em todos os sentidos, seja econômico, político ou social, é oriunda
da inadaptabilidade da atual estrutura econômica do país. Da sua
incapacidade em suportar a carga demasiada pesada a ela superposta.”
(A Crise Brasileira)
“No Brasil, como já vimos,trata-se de resolver a crise crônica
de estrutura. Esta hoje consiste num fato novo: seu conteúdo e sua
evolução são engendrados pelo crescimento do capitalismo nas condições
de dependência do imperialismo e da manutenção do latifúndio. É o
crescimento do capitalismo, em tais circunstâncias , que vem determinando
todo o processo político brasileiro.”(A crise Brasileira)
Sobre a burguesia
“Dois grandes tipos de soluções políticas têm sido aventados
no Brasil pelas classes. Um deles é o tipo de soluções concernentes à
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burguesia. O outro corresponde ao proletariado.”
‘’Todas as soluções intentadas pela burguesia levam o selo
de uma classe que se distingue do proletariado por ser uma classe
empresarial, detentora de meios de produção que lhe permitem uma
imensa acumulação capitalista.” (A crise brasileira)
“Ligada ao imperialismo e ao latifúndio, a burguesia
brasileira representada pelo grupo dominante dessa classe - a alta
burguesia - teme o proletariado e segue no fundamental o caminho
das concessões ao imperialismo e ao latifúndio e não o das concessões
ao proletariado.”(Crítica às Teses do Comitê Central)
Sobre o campesinato
“Quem tem a vocação, o destino histórico e as condições para
resolver a crise crônica brasileira é o proletariado com seus aliados
da frente única. Atraindo o camponês - seu aliado fundamental
- e incorporando-o à luta política, criando uma força própria,
de base, para fazer crescer a frente única e dar-lhe conseqüência,
desencadeando lutas, paralisando a influência vacilante da burguesia,
ainda que mantendo a aliança com ela na atual etapa histórica, o
proletariado brasileiro reúne em suas mãos os meios, condições e
elementos necessários à saída exigida pelo nosso povo.”
“Atuando com as forças básicas da revolução, o trabalho mais
importante, aquele que tem caráter prioritário, é a ação no campo, o
deslocamento das lutas para o interior do país, a conscientização do
camponês. No esquema estratégico brasileiro o pedestal da ação do
proletariado é o trabalhador rural. A aliança dos proletários com os
camponeses é a pedra de toque da revolução brasileira.”
“Não se pode fazer a luta pela democracia e pelas reivindicações
nacionalistas, separando uma e outra da luta pela terra e pelos
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interesses das massas camponesas. é um erro relegar para o momento
da decisão da decisão estratégica o processo de luta, visando a atrair
a massa camponesa.”
Sobre a pequena burguesia e as classes médias
“À insuficiência da penetração no campo, alie-se o desprezo
pelo trabalho entre a pequena burguesia, resultado da incompreensão
do papel das chamadas classes médias na revolução. As classes
médias tornaram-se o alvo que a reação procura mobilizar contra o
proletariado, assustando-se com a propagação da tese falsa de que o
marxismo é contra todo e qualquer direito de propriedade.”
O potencial da juventude
“A nova geração brasileira, a despeito dos que pretendem
distorcer-lhe o caminho, é uma geração política. Marcha para a
frente, confiante em seu destino, determinada a alcançar a liberdade
e o progresso, ; olhos voltados para o marxismo contemporâneo. Não
importa que os moços de hoje estejam filiados a correntes filosóficas
diversas. Aceitem ou não o primado da matéria e do reflexo do ser
sobre a consciência, militem no campo do materialismo ou nas hostes
do espiritualismo, como é o caso da plêiade de católicos preocupados
com a questão social, os jovens avançam em busca de uma saída.
O marxismo contemporâneo não poderá deixar de fasciná-los e
estimular-lhes o espírito criador. Com a audácia e o entusiasmo que
lhes são próprios, os jovens continuarão afluindo para o campo de
luta. (Porque Resisti à Prisão)
A questão da unidade
(...) “A conclusão que se impõe é que devemos lutar pela
Unidade das forças revolucionárias Latino-americanas na ação
contra o imperialismo dos Estados Unidos, na luta pela derrubada
das ditaduras serviçais ao governo norte-americano, como é o caso
do Brasil.” (Crítica as Teses do Comitê Central)
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“Penso que os revolucionários brasileiros tem o dever de
buscar unificar suas forças. Sem tal unidade, nosso povo não pode
libertar-se do domínio do imperialismo norte­americano e da opressão
dos gorilas que assaltaram o poder com o golpe de abril”
“O empenho na luta pela unidade das forças revolucionárias
brasileiras merece aplauso e colaboração de todos os que não se
conformam com o atual estado de coisas em nossa pátria.” (Carta ao
Almirante Aragão)
(...) “Embora existam dificuldades para a união das forças
populares, elas não podem ter o mesmo caráter das divergências que
nos separam das correntes políticas ligadas ao imperialismo.” (Crítica
às Teses do Comitê Central)
As massas
“O marxismo ensina que o motor da história são as massas,
cujo movimento é inelutável. Tudo depende de que o trabalho de
base tenha importância fundamental, pois é este o trabalho que
impele as massas e dá solidez à ação.”
“Até agora as crises políticas criadas na situação brasileira ­após
a implantação da ditadura são crises de cúpula. Logo que passarem a
ser crises originadas pela base, em conseqüência das ações de massas
organizadas e dos métodos de lutas de massas, mudanças profundas
se operarão no encaminhamento do processo revolucionário. Sem
interferência das massas, sem luta de massas, é impossível obter a
vitória completa do povo.”
O imperialismo
(...) “Com o mesmo sentido de falta de substância ideológica
surgiu a falsa tese da “nova tática do imperialismo”. Segundo essa
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tese, o imperialismo norte americano não estaria interessado em golpes
e ditadura. O golpe de primeiro de abril, inspirado e promovido pelos
Estados Unidos com o apoio em seus agentes internos e no fascismo militar
brasileiro, invalidou essa teoria, cujo principal resultado foi deixar-nos
desprevenidos e perplexos ante o golpe da direita.” (A Crise Brasileira)
O papel das forças armadas
“Uma análise atenta dos fatos revela, pois, que a lei histórica
de evolução da vida política brasileira é a supressão das liberdades
pelas forças armadas, através do golpe, sempre que a democracia
avança e as massas se aprestam para chegar ao poder.”
“Decorrem daí algumas questões importantes para o modo de
agir da liderança marxista. Primeiro: as forças militares, em seu conjunto,
são um instrumento do aparelho de Estado para a repressão permanente
da expansão das massas em busca da democracia. Segundo: é impossível
obter a vitória sem organizar independentemente a força do movimento
de massas, por meios ideológicos e materiais, e com o emprego de táticas
apropriadas, condições indispensáveis à superação do poder repressivo das
forças militares.” (Por que resisti a prisão)
O socialismo
“O futuro do Brasil pertence ao socialismo. Então as fontes
de riquezas serão estatizadas e novas relações de produção entrarão
em harmonia com as forças produtivas. E será eliminada a farsa de
uma liberdade que para as elites tem plena expansão e para as massas
apenas o significado de um mito.”
“O marxismo contemporâneo nos conduzirá, e ao povo
brasileiro, à saída esperada, a única que nos fará uma nação
independente e livre, e que nos colocará, sem solução de continuidade,
nos rumos do Socialismo.” (Porque Resisti à Prisão)
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A organização política
“Nosso conceito de organização não é estático, nem dogmático,
pois não existe segundo a teoria marxista-leninista nenhuma organização
em abstrato. A organização está sempre a serviço de uma determinada
linha política. Entendemos que qualquer mudança de qualidade
do movimento revolucionário determina mudança de qualidade na
organização revolucionária.” (Questões de Organização)
Princípios organizativos
“Para ser revolucionária uma organização, deve exercer
permanentemente a prática revolucionária, mas jamais deve deixar
de ter sua concepção estratégica, seus princípios ideológicos e de
organização e sua disciplina própria.” (Questões de Organização)
“A organização revolucionária não se converte em vanguarda
pelo fato de autodenominar-se como tal. Para isso é necessário passar
a ação e acumular uma prática revolucionária convincente, pois
somente a ação faz a vanguarda.” (Questões de Organização)
“O que determina o surgimento e a afirmação de uma direção
política é a prática das ações revolucionárias, seu acerto e conseqüência,
e a participação definitiva, constante, direta e pessoal dos integrantes
da direção na execução destas ações.” (Questões de Organização)
“O elemento propulsor decisivo para o funcionamento da
organização revolucionária é a capacidade de iniciativa de seus grupos
revolucionários. Nenhuma direção ou coordenação tem autoridade para
impedir qualquer iniciativa dos grupos revolucionários com a finalidade
de desencadear a ação revolucionária.” (Questões de Organização)
“Não há direção política sem desprendimento e capacidade
de sacrifício e sem participação direta na ação revolucionária. A
direção política não significa um mérito nem um reconhecimento
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pela importância e hierarquia dos cargos. Os cargos não tem valor.
Na organização revolucionária somente existem missões e tarefas a
cumprir.” (Questões de Organização)
“O limite de nossa organização revolucionária chega até
onde alcança nossa influência e nossa capacidade revolucionária.”
(Questões de Organização)
O profissionalismo político
“Os chamados funcionários do partido são sempre homens
sujeitos a perder a ajuda de custo do Comitê Central ou de qualquer
outro órgão dirigente, se manifestam opiniões contrárias à direção.
O profissional revolucionário deve existir, mas suas relações com a
organização devem ser estabelecidas segundo critérios revolucionários
e de acordo com os interesses da revolução, jamais para satisfazer à
vontade de um grupo que manda.”
Os membros da organização
“Os membros desta organização são homens e mulheres
decididos a fazer a revolução. Os comunistas de tal organização são
companheiros e companheiras de espírito e iniciativa, livres de qualquer
espírito burocrático e rotineiro, que não esperam pelos chamados
assistentes, nem ficam de braços cruzados aguardando ordens.”
“Ninguém é obrigado a pertencer a esta organização. Os
que a aceitam, tal como ela é e dela vêm a fazer parte, só o fazem
voluntariamente, só querem ter compromissos com a revolução.”
Democracia revolucionária
“A democracia desta organização é a democracia revolucionária,
onde o que vale é a ação, o que se leva em conta é o interesse da
revolução, onde a iniciativa concreta é o dever fundamental.”
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“Os princípios pelos quais se rege esta organização são três: o
primeiro é que o dever de todo revolucionário é fazer a revolução; o
segundo é que não pedimos licença para praticar atos revolucionários
e o terceiro que só temos compromissos com a revolução.”
(Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo)
Poemas de Marighella
Liberdade
“Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
São Paulo, Presídio Especial, 1939
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
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Rondó da liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo.
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre ...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo.
é preciso ter a coragem de dizer.
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Carlos Marighella: a chama que não se apaga
Filho de imigrante italiano e de uma negra descendente de
escravos sudaneses, abandona a Escola Politécnica da Bahia e ingressa
no Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1934. Preso e torturado
em 1936 e 1939 permanece quase seis anos em Fernando de Noronha
e Ilha Grande, de onde saiu com a anistia de 1945. Eleito deputado
federal constituinte, foi cassado em 1947. De volta à clandestinidade,
trabalha na imprensa e organização do partido, ocupando vários cargos
na direção do PCB. Em maio de 1964 resiste à prisão, é baleado e
preso. Demite-se da comissão executiva em 1966 e torna pública sua
discordância com a linha pacífica do PCB. Expulso no ano seguinte
organiza a Ação Libertadora Nacional (ALN) e participa diretamente
de ações da guerrilha urbana entre 1968 e 1969, quando é assassinado
por uma equipe do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)
chefiada pelo delegado Fleury.
O 4 de Novembro de 1969 incorporou-se à história graças
a um feito policial-militar que culminou no assassinato de Carlos
Marighella. Faz, portanto, quinze anos que mo-rreu o principal líder
e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), figura política
que se tornara conhecida como militante do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), seu dirigente de cúpula e também seu deputado no
Congresso que elaborou a Constituição de 1946. Ele foi perseguido
como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação
da memória coletiva. Só em 10 de dezembro de 1979, quando seus
restos mortais foram trasladados para Salvador, sua cidade natal,
Jorge Amado proclamou o fim da interdição expiatória: “Retiro da
maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos
Marighella”. No ano passado, removemos outra parte da interdição,
em uma cerimônia pública de recuperação cívica e de homenagem
que “lavou a alma” de socialistas e comunistas de São Paulo.
Um Homem não desaparece com a sua morte. Ao contrário,
pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira
32
estátua à distância. É o que sucede com Marighella. Ele morreu
consagrado pela coragem indômita e pelo ardor revolucionário. Os
carrascos trabalharam contra si próprios; ao martirizá-lo, forjaram o
pedestal de uma glória eterna. Agora, esse homem volta à atualidade
histórica. Ele não redimiu os oprimidos nem legou um partido novo.
Mas atravessou as contradições que vergaram um partido que deveria
ter enfrentado a ditadura revolucionariamente, acontecesse o que
acontecesse. Desmascarou assim a realidade dos partidos proletários
na América Latina. Em uma situação histórica de duas faces (como
gosto de descrever), contra-revolução e revo-lução ficam tão presas
uma à outra que são os dois lados de uma mesma moeda. À superfície,
parece que a luta de classes opera em mão única - no sentido e a favor
dos donos do capital e do poder. Todavia, no subterrâneo (na “infraestrutura da sociedade” ou no “meio social interno”) existem várias
fogueiras, e o aparecimento de alternativas históricas pode depender
de “um punhado de homens corajosos” ou de partidos organizados e
preparados para a revolução.
Em vários países da América Latina, entre eles o Brasil, a
burguesia - apesar da dependência econômica, cultural e política
está encravada nas estruturas de poder nacional e as controla com
mão de ferro. As ditaduras, “tradicionais” ou “modernas”, marcam
as oscilações súbitas, às vezes de curta duração, da guerra civil latente
para a guerra civil aberta. Nenhum partido dos oprimidos pode
pretender-se revolucionário, na orientação socialista ou comunista,
se não estiver preparado para enfrentar tenaz e ferozmente essas
oscilações. A “legalidade”, na acepção de uma sociedade civil
civilizada, é uma ficção. O grande valor de Carlos Marighella como de outros que enfrentaram corajosa e lucidamente aquelas
contradições, com a “crise interna do partido” está no fato de ter
compreendido objetivamente e exposto sem vacilações o que a
experiência lhe ensinava. No diagnóstico, algumas vezes, ficou preso
a uma terminologia equivocada e a concepções mais ou menos
obsoletas, terminologia e concepções que ele pretendia apurar e
33
superar através de uma prática revolucionária conseqüente com o
marxismo-Ieninismo e com as exigências da situação histórica. Por
fim, acabou vitimado pela vulnerabilidade central: a inexistência
do partido que poderia abrir novos rumos na transformação
revolucionária da sociedade.
Um partido desse tipo não nasce de um dia para o outro. Requer
uma difícil e longa construção. Marighella caiu nos ardis que apontara,
tentando derrotar o inimigo onde era impossível fugir ao seu “cerco
militar estratégico”. Não fora ao fundo da análise da revolução cubana,
ignorando o quanto uma situação histórica revolucionária simplificara
os caminhos daquela revolução. A “via militar” revolucionária, no
entanto, se mostraria frágil sob o capitalismo dependente mais
diferenciado e, por vezes, avançado da América do Sul, especialmente
depois da vitória do Exército Rebelde em Cuba.
As deficiências e os equívocos de Carlos Marighella resultaram
de fatores incontroláveis e insuperáveis. Ele foi até onde seu dever
exigia, sem meios para tornar a missão necessária realizável. A
revolução proletária não é um “objetivo” do partido revolucionário.
Ela é, ao mesmo tempo, sua razão de ser, seu sustentáculo e seu
produto, mas de tal modo que, quando o partido revolucionário
surge, ele é um coordenador, concentrador e dinamizador de
forças sociais explosivas existentes. Como assinalou Karl Marx, “a
humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode
resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio
problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvêlo existem ou estão em vias de existir”. O que qualifica e distingue as
posições assumidas por Carlos Marighella é o propósito de romper
com uma linha adaptativa, que retirava o Partido Comunista do pólo
proletário da luta de classes, convertendo-o em “cauda” permanente
e em esquerda potencial da burguesia.
O seu marxismo-leninismo ficou muito mais próximo da
intenção que da elaboração teórica e prática conseqüente. O que não
o impediu de encontrar, através da prioridade política da prática e da
34
acumulação de uma vasta experiência concreta negativa, uma versão
objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante que
o marxismo acadêmico só descobriu tarde demais ou, então, nunca
teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos
de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável
voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas (ainda que seja
impossível reabsorver o conjunto das soluções teóricas e práticas que
inspirou e difundiu).
Em três pontos, pelo menos, é indispensável torná-Io
como referência de uma purificação marxista dos nossos partidos
proletários revolucionários. O primeiro ponto tem a ver com os
vínculos diretos da teoria com os fatos concretos e com a realidade,
pela experiência crítica e pela ação crítica. Essa orientação é básica
para a elaboração de um comunismo ma de in América Latina,
construído por nós, embora com raízes marxistas e leninistas. Ele
situa em plano secundário o intelectual “teórico”, eurocêntrico; e
repele as “soluções importadas”, que impunham os modelos inviáveis
de algum monolitismo soviético, chinês, etc.
O segundo ponto é o mais decisivo, pois põe em questão
qual é o partido comunista revolucionário que deve surgir das
condições econômicas, sociais e políticas dos países da América
Latina (e do Brasil, em particular). Uma sociedade civil que repele
a civilização para todos e um Estado que concentra a violência no
tope para aplicá-la de forma ultra-opressiva e ultraegoísta envolvem
uma barbárie exasperada específica. Tal partido deverá ser, sempre,
uma espécie de iceberg, por mais confiável e durável que pareça sua
“legalidade”. Isso lhe permitirá interagir dialeticamente nos dois
níveis da transformação revolucionária da sociedade - o burguês, por
dentro da ordem; e o proletário e o camponês, contra a ordem. O
terceiro ponto refere-se à aliança com a burguesia, que nunca deveria
ter alcançado a densidade e a permanência que atingiu.
Um partido comunista dócil à burguesia nunca será proletário
nem revolucionário e terá, como sina inexorável, que perverter a
35
aliança política. “O segredo da vitória é o povo.” O eixo de gravitação
das alianças está, portanto, na solidariedade entre os oprimidos; em
suas lutas antiimperialistas, nacionalistas e democráticas, tanto quanto
nas suas tentativas de domar a supremacia burguesa, conquistar o
poder ou implantar o socialismo. Em suma, Carlos Marighella era
um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. Ele ainda
desafia os seus perseguidores e merece dos companheiros de rota
(e do antigo partido) que levem seriamente em conta sua tentativa
de equacionamento teórico e prático do enigma do movimento
comunista no Brasil.
Florestan Fernandes - A contestação necessária - Editora Ática, 1995
36
Meu companheiro - depoimentos de Clara Charf
Entrevista realizada por Jorge Nóvoa e Cristiane Nova, em
Salvador 1993. Publicada no livro Carlos Marighella, o Homem por trás
do Mito, editora Unesp, 1999.
Fale-nos um pouco do Marighella antes desse momento de seu
encontro com ele, do Marighella com que você não conviveu, mas pôde
conhecer pela sua memória ou de pessoas que conviveram com ele.
Marighella nasceu na Bahia, filho de um italiano com uma
negra. Passou a juventude numa família numerosa, pobre. Era muito
um menino de rua, que gostava de jogar futebol, que levava uma
vida simples, de trabalhador. Todo mundo conhecia o casal. Seu pai
tinha uma oficina mecânica, na Barão de Desterro, nº 9. O pai de
Marighella era um homem muito inteligente, aqueles imigrantes
italianos de idéia anarquista, que acha que todo mundo deve ser
ajudado. Marighella contava que, na sua infância, ele dormia na
oficina mecânica, porque era uma família muito numerosa e não
tinha onde estudar. Então ele esperava todo mundo ir dormir e
deitava com dois tijolos e estudava até tarde. Seus irmãos contavam
isso também. Ele era uma pessoa muito inteligente.
As pessoas que conviveram com ele dizem que tinha uma
inteligência muito viva, muito apaixonada e muito rebelde. Imagine
que, naquela época, ele participou de protestos contra a nãoinclusão de negros na escola. Era uma figura rebelde e isso não pode
ser atribuído apenas à influência da família. Tirando o Caetano, os
outros irmãos não enveredaram na política. O Caetano já morreu;
era o caçula e ajudou muito o Marighella. Foi da Petrobrás e foi
perseguido depois do golpe militar. Ele era muito boêmio e, quando
morreu, foi um fato na Bahia, porque ele conhecia todo mundo,
era boa praça, contava piada... Ele esteve no Sul e morou com a
gente um tempo em São Paulo. Trabalhou com Marighella na
clandestinidade e depois voltou para a Bahia. E quando o Marighella
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morreu, ele foi de uma coragem muito grande. Ele foi a primeira
pessoa que apareceu para exigir a entrega do corpo do irmão. Na
época, a situação era de terror; ninguém podia se aproximar, a polícia
não deixava chegar perto. O Caetano, então, contava muita coisa da
influência do Marighella. Dizia que ele vivia na rua batendo bola,
com aquele seu “pezão”. Dizia que ele chegava tarde em casa, perdia
o jantar e a mãe ficava furiosa porque, com a família muito grande,
tudo tinha que ser controlado. E o pai ia dar uma surra nele e ele
se escondia embaixo da cama. Aí a mãe ficava com pena, fritava um
ovo e dava para ele comer. Foi uma vida de família numerosa.
Ele dava aulas para muitos filhos de família rica, pois era
muito bom em matemática. Ele foi um estudante que criava fatos
pra causar impacto. Um dia ele chegou e disse que queria dar um
concerto e ninguém sabia qual o instrumento que o Marighella sabia
tocar, mas ele espalhou isso. Ele era um gozador, dentro da valentia,
da dedicação e da firmeza, ele tinha essa coisa da brincadeira. A escola
toda foi ver e ele chegou com a mão bem grande no piano e batia
forte no teclado e quase foi posto para fora da escola. Tinha também
um senso de justiça muito grande e isso você pode ver analisando
suas prosas. Protestava quando achava que as coisas não estavam
bem. Ele tinha aula numa sala que se dizia que era um horror de
calor; e ele chamava de sala B, a sala da fornalha. Tudo que achava
que era errado, protestava através do verso com ironia.
Quando veio a revolução de 1930, ele tinha 19 anos, a vida
tornou-se muito complicada, com a intervenção militar do Juracy
Magalhães. E todo mundo começou a se queixar. Ele lançou os
versos contra Juracy. Este, então, mandou pegá-lo e prendê­lo e levou
uma surra violenta. E teve que fugir; o pai dele o mandou por um
caminhão para o interior com medo que alguém o matasse. Mas ao
mesmo tempo em que era rebelde, era uma pessoa que não tinha
agressividade, era doce no trato e era isso que dava seu encanto. As
pessoas se tornavam amigas e adoravam bater papo com ele. Era um
homem que se dava muito para os outros. Sempre ajudou quem
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estava precisando. Então essas duas facetas de sua personalidade
marcaram seu comportamento político, durante toda a sua vida.
Naquela época (até por volta de 1933), ele manifestava essa
rebeldia através de poesias e da sátira. Contava piadas dos professores,
contava como os professores se burocratizavam; ele detestava a
burocracia. Quando encontrava um novo colega na turma, ele lhe
dizia: “Quer ver, quando tal professor chegar, ele vai dizer tal frase”.
E o professor dizia exatamente aquilo. A partir de 1933, quando
começa a ascensão do nazismo e no momento em que os integralistas
começam a crescer no país, ele aos poucos foi se integrando na luta
da esquerda do país. Ligou-se à Federação Vermelha de Estudantes e
a partir daí passou a ser militante comunista.
E como era o Marighella em relação à religião?
O Marighella não era contra a religião. Ele acreditava que o
Brasil jamais poderia se desenvolver sem a mistura. Escreveu até um
trabalho – que a gente não recuperou até hoje – sobre o sincretismo
religioso. Católicos, protestantes, gente do candomblé, ele achava
que era tudo uma grande família. Quando foi preso em 1964 muitas
pessoas de diferentes religiões rezaram por ele e depois mandaram
avisá-lo. E ele achou fantástico e dizia que o Brasil era também isso.
Havia muito sectarismo anti-religioso no meio dos comunistas:
mas ele nunca o apoiou. Ele tinha um sentimento de povo. Ele
achava que não se podia fazer política sem respeitar a cultura e as
tradições populares. Tinha um profundo respeito pelo jeito de ser
das pessoas.
E depois de 1933?
Em função da sua infância, da situação no país e das
características de sua personalidade, Marighella seguiu o caminho
da esquerda, ligou-se à Federação Comunista dos Estudantes, entrou
no Partido, desligou-se da Escola de Engenharia e foi para o Rio
39
de Janeiro para ter um papel na divulgação e propaganda política.
Como ele tinha essa facilidade para escrever, para se comunicar,
achavam que podia ser um grande divulgador das idéias comunistas.
Foi para o Rio e foi preso quando chegou lá, em 1936. Era o período
posterior à Intentona de 1935 e muita gente estava sendo presa.
Ele foi procurar uma pessoa que era sua ligação no Rio e,
quando chegou, a polícia já tinha ocupado a casa e estava esperando
para ver se chegava alguém; ele chegou e foi preso. Apanhou e ficou
com uma marca na sobrancelha. Ficou preso até 1937, quando houve
a primeira anistia. Nesse primeiro ano de prisão, ele deixou a marca
da coragem, da dignidade, por não ter falado, mesmo sob tortura.
Solto, ele foi mandado para São Paulo, pelo Partido Comunista. Em
São Paulo, ele trabalhou de 1937 a 1939 reorganizando o Partido.
Havia naquela época a luta entre comunista, trotskistas e anarquistas.
E ele teve um papel aí também, apesar de que, nesse processo, fez
grandes amizades, como a de Hermínio Sacchetta (que queria um
bem enorme a ele), o homem que liderava o movimento trotskista.
Nessa época, ele reorganizava o trabalho do Partido, do
movimento operário. Ele trabalhou muito junto aos operários da
indústria têxtil, da construção, do porto, indo também para o interior.
E, nesse trabalho de reorganização foi preso em 1939. É, então, sua
terceira prisão. Essa foi a prisão na qual ele foi mais torturado. Ele
ficou num presídio especial, incomunicável, quase morto e, nessa
prisão, escreveu a poesia “Liberdade”.
E depois do golpe de 1964?
Quando o golpe se dá, o único dirigente que tinha uma
casa onde pudesse se esconder, escapar da perseguição inicial, foi
o Marighella. Ele estava tão certo de que a tendência era essa que
ele não foi apanhado de surpresa. O golpe foi deflagrado e a gente
conseguiu fugir de casa naquela noite. A polícia subiu pelo elevador
e nós descemos pela escada. Como ele estava tão convencido de que
o golpe viria e estava em contato com elementos de oposição, no dia
seguinte ao acontecimento tentou organizar a resistência.
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Depois é preso e baleado no dia 9 de maio de 1964. Com
o primeiro habeas-corpus, ele não saiu; com o segundo, após ter
levantado uma comoção muito grande no Rio, ele conseguiu ser
libertado. Solto, ele escreve o livro Por Que Resisti À Prisão e vai
progressivamente desenvolvendo as teses de que o caminho pacífico
não poderia mais prevalecer naquelas circunstâncias. Mas ele ainda
não pregava abertamente a luta armada. Começou a travar uma luta
pela mudança da linha dentro do Partido, que estava preparando
o VI Congresso. Lá ele tentaria defender essas teses. E ele já tinha
ganhado uma discussão anterior ao Congresso. Veio, então, o convite
para OLAS, para a qual o Marighella foi convidado pessoalmente. A
maioria esmagadora do Partido era a favor da mudança de linha do
Comitê, ainda sem pregar abertamente a luta armada. Era a idéia de
se contestar a ditadura com outras formas de ataque. Ele desenvolve
essa visão num outro livro chamado A Crise Brasileira, onde fala da
experiência das lutas pela libertação do Brasil contra os holandeses.
Boa parte dos comunistas vivia uma contradição, porque não
desejava abandonar o Partido, mas não concordava com sua linha.
Era uma espécie de choque, onde as idéias defendidas pelo Marighella
foram progressivamente ganhando espaço. Ele foi para OLAS e se
colocou do lado das suas definições e rompeu com o Partido. Aí o
Marighella escreveu o trabalho chamado Algumas questões sobre a
guerrilha no Brasil, um artigo que o Jornal do Brasil publicou na
época dedicado ao Che Guevara. Eles o publicaram porque, assim,
revelaram publicamente que os comunistas estavam pregando a luta
armada. Com o Partido censurado na época a publicação do artigo
foi um choque violentíssimo.
Ele volta clandestinamente para o Brasil e cria, com os
comunistas que tinham se afastado do Partido, o Agrupamento
Comunista de São Paulo, fazendo uma transição para a posterior
formação da ALN (Ação Libertadora Nacional). E depois da sua luta na
ALN, veio a morte. Ele foi para um encontro com os padres, do qual a
polícia já tinha conhecimento (ela recebeu essa informação dos que não
resistiram à tortura). Prepararam o cerco na região para a emboscada e
ele foi baleado ali. Esse é o quadro que a gente tem até hoje.
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Jorge Amado
“Eu me recordo de quando caiu sobre nós a verdade sobre
Stalin - que era nosso “pai”, “o pai dos povos”, aquele que nos tinha
salvo do milênio hitlerista que iria dominar o mundo. (...) Para os
companheiros nossos aquilo caiu repentinamente sobre suas cabeças.
Eu assisti às suas reações porque eu trouxe um . relatório, naquela
época, do PCUS para o PCB. E, enquanto eu falava, contando as
coisas que me tinham sido ditadas para serem ditas, uns reagiam de
uma forma violenta, uns camaradas até me agrediam, achando que
eu era mentiroso, que eu era um traidor, que eu era isso ou aquilo.
E outros estavam tensos. E, então, eu vejo Marighella, que estava
sentado ao meu lado - ele era suplente, diretor político do Partido, da
Comissão Executiva -, com as lágrimas correndo sobre seus olhos. Eu
vi essas mesmas lágrimas quase um ano depois, no mento da reunião
- já após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética -,
em que o PCB discutiu o famoso Relatório Kruschev. (...)
E Marighella começou a falar e, de repente, os soluços
irromperam e ele começou a chorar e não pode sequer concluir seu
discurso. Isso quer dizer que ele era um homem capaz de ter emoção,
do choro, do pranto. Pranto que, às vezes, nós, os militantes,
achávamos que era indigno de um comunista. Quando chorou,
Marighella foi digno dos homens dignos”. (Jorge Amado, in Carlos
Marighella - O homem por trás do mito, Ed. Unesp)
Emiliano José
“Em Fernando de Noronha, Marighella participava de tudo.
Entusiasmado, dedicou-se de modo particular à construção de um
pequeno teatro, no qual várias peças foram encenadas para platéias
não só de presos como de moradores da ilha.
Organizavam programas de auditório, como se fossem
programas de rádio. Era a ‘PR­ANL’, em que os locutores organizavam
o noticiário a partir daquilo que colhiam sorrateiramente nas visitas
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ou do que liam nos jornais. Outros faziam paródias das músicas
do momento e os “cantores” as interpretavam. Havia sempre uma
crônica política, destinada a aumentar a compreensão de todos sobre a
conjuntura. Marighella trabalhou também muito tempo na cozinha,
ao lado de Gregório Bezerra e Benedito de Carvalho, esmerandose, por determinação do coletivo, em reforçar o café da manhã,
o que fazia às vezes com um cuscuz de milho, uma papa de aveia
ou, no máximo do requinte, com um gostosíssimo munguzá, isso
particularmente aos domingos” (Emiliano José, Carlos Marighella,
o inimigo número um da ditadura militar).
Frei Betto
“As pessoas que amamos e com quem comungamos a vida,
sorvendo alegrias, tristezas, esperanças e riscos, ficam gravadas no
coração como a imagem única do rosto fotografado à luz oblíqua de
um raio de sol que não se repete. Impossível reproduzir essa imagem,
inútil dissertar sobre ela. Por isso, Clara Charf, compreendo a tua
luta. (....) A esperança libertadora aproximou-os em 1946.
A militância no Partido promoveu o teu encontro com o dirigente
que trazia no corpo os estigmas recentes dos longos anos de prisão
sob a ditadura de Vargas. Todavia, as tarefas acertadas eram como
o pomar carregado de frutos expostos ao vendaval imprevisto. A
atuação ilegal sob risco permanente prolongou, por dois anos, a
ansiosa paciência da atração conferida pela cumplicidade política.
Em 1948, já não era mais possível suportar a convivência paralela.
Apesar dos imprevistos e das limitações da vida clandestina, o amor
uniu-os por esses mesmos laços que os ligavam à luta.
Estavam os dois sob prisão preventiva decretada, caçados
pela polícia e, no entanto, partilhando o pão, a carne e o afeto
no sigilo exigido pelo desempenho rigoroso de tarefas. Tua alegre
discrição, Clara, represava as torrentes da paixão. Não podias dizer
aos camaradas que eras a esposa de Marighella. Quantas vezes
não participaste de reuniões ao lado dele, forçada a tratá-lo com
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cerimônia, chamando-o pelo nome de guerra, acertando detalhes
como se fossem passar longo tempo sem se verem! (...)
Tantas e tantas lembranças, Clara, que se guardam no teu
coração e que jamais serão conhecidas, pois pertencem à linguagem
que as palavras não traduzem ... No futuro, as gerações deste país
haverão de se orgulhar da história nacional marcada pela presença
de Carlos Marighella.” (Frei Betto, in Carlos Marighella, o Homem
por trás do Mito, Ed. Unesp)
Diógenes Arruda Câmara
“Nós tínhamos um aparelho clandestino bastante bem
organizado. O Partido naquele tempo era rico. Por quê? Porque,
avaliem vocês: nós tínhamos 17 deputados. Ganhava um deputado 24
mil cruzeiros. Marighella e Amazonas, que eram solteiros, recebiam
cerca de 600 cruzeiros. Eu era casado e recebia 1 200 cruzeiros. O
resto ficava para o Partido? Todo o resto ficava para o Partido. De 24
mil, tirava 600, no caso do Marighella... Marighella, Amazonas... Os
solteiros. Os casados tinham proporcional à família.”
(Diógenes Arruda Câmara, entrevista a Iza Freaza, 1979. Disponível em http://
www.marxists.org/portugues/arruda/1979/06/entrevista.htm, acessado em 12 de
outubro de 2009)
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Vai Carlos Ser Marighella na Vida
Ai Brasil,
Quem escapa do desamor em tuas noites ferozes
Quem se salva da ciência dos teus doutos sábios doutores
Quem foge de teus senhores algozes
Nasce com alguma forma de homem
E se não morre dos sete dias
Nem do angu de farinha
Vai um dia pro batismo
Recebe por sorte um nome
Vai ser João ou Maria
Vai ser José ou das Dores
Vai ser de Deus Jesus ou dos Santos
Ou serão Carlos que nunca foram
E serão assim brasileiros como tantos
E serão sempre brasileiros
Que serão de algum terreiro
Bloco sujo carnavalesco
Lesco-lesco café ralo com torresmo
Ou de nada nada mesmo
Como nós assim a esmo
E quem capitão de areia num livro de Jorge Amado
Aprende lição das coisas
E quem insone nas madrugadas é mulher de lobisomem
Ou aprende nas ciladas que o pior lobo dos homens
Talvez seja o próprio homem
Quem retirante escapa num quadro de Portinari
Quem poeta quer ter frátria de Veloso ou de Vinícius pátria amada
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Quem gracilianamente deságua desta vida seca agrária
Ou na solidão urbana sonha a vida humana solidária
Quem na cartilha suburbana soletra o nome fulô
Quem nasce de negra índia ou branco
E sobe ligeiro ou manco as ladeiras do Pelô
Quem descasca uma banana
E se consome no sonho da grande mesa comum
Para a imensa toda fome
Quem assim vive não morre
Vai virando jacarandá ou poesia pau-brasil
Virando samba e cachaça
Se torna gol de Garrincha se torna mel de cabaça
Se torna ponta de lança do esporte clube da raça
Se torna gente embora gente nem nascida
Mas (quem sabe?) pode ser
Um dia gauche na vida
Se torna nossa aquarela
Torna-se Carlos Marighella
Um anjo doce na morte
Que os homens tortos quiseram
Sem que te matassem ainda
Capinam, maio de 1994.
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47
Em memória de Carlos Marighella
C
arlos Marighella tombou na noite de 4 de novembro
de 1969, em São Paulo, numa emboscada chefiada
pelo mais notório torturador do regime militar. Revolucionário
destemido, morreu lutando pela democracia, pela soberania nacional
e pela justiça social.
Da juventude rebelde, como estudante de Engenharia, em
Salvador, às brutais torturas sofridas nos cárceres do Estado Novo; da
militância partidária disciplinada, às poesias exaltando a liberdade;
da firme intervenção parlamentar como deputado comunista na
Constituinte de 1946, à convocação para a resistência armada, toda
a sua vida esteve pautada por um compromisso inabalável com as
lutas do nosso povo.
Decorridos quarenta anos, deixamos para trás o período do
medo e do terror. A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a plenitude
do sistema representativo, concluindo uma longa luta de resistência
ao regime ditatorial. Nesta caminhada histórica, os mais diferentes
credos, partidos, movimentos e instituições somaram forças.
O Brasil rompeu o século 21 assumindo novos desafios.
Prepara-se para realizar sua vocação histórica para a soberania, para a
liberdade e para a superação das inúmeras iniqüidades ainda existentes.
Por outros caminhos e novos calendários, abre-se a possibilidade real
do nosso País realizar o sonho que custou a vida de Marighella e de
inúmeros outros heróis da resistência. Garantida a nossa liberdade
institucional, agora precisamos conquistar a igualdade econômica e
social, verdadeiros pilares da democracia.
A América Latina está superando um longo e penoso ciclo
histórico onde ocupou o lugar de quintal da superpotência imperial.
Mais uma vez, estratégias distintas se combinam e se complementam
para conquistar um mesmo anseio histórico: independência,
soberania, distribuição das riquezas, crescimento econômico, respeito
aos direitos indígenas, reforma agrária, ampla participação política
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da cidadania. Os velhos coronéis do mandonismo, responsáveis
pelas chacinas e pelos massacres impunes em cada canto do nosso
continente, estão sendo varridos pela história e seu lugar está sendo
ocupado por representantes da liberdade, como Bolívar, Martí,
Sandino, Guevara e Salvador Allende.
E o nome de Carlos Marighella está inscrito nessa honrosa
galeria de libertadores. A passagem dos quarenta anos do seu
assassinato coincide com um momento inteiramente novo da
vida nacional. A secular submissão está sendo substituída pelos
sentimentos revolucionários de esperança, confiança no futuro,
determinação para enfrentar todos os privilégios e erradicar todas as
formas de dominação.
O novo está emergindo, mas ainda enfrenta tenaz resistência
das forças reacionárias e conservadoras que não se deixam alijar do
poder. Presentes em todos os níveis dos três poderes da República,
estas forças conspiram contra os avanços democráticos. Votam contra
os direitos sociais. Criminalizam movimentos populares e garantem
impunidade aos criminosos de colarinho branco. Continuam
chacinando lideranças indígenas e militantes da luta pela terra.
Desqualificam qualquer agenda ambiental. Atacam com virulência
os programas de combate à fome. Proferem sentenças eivadas de
preconceito contra segmentos sociais vulneráveis. Ressuscitam teses
racistas para combater as ações afirmativas. Usam os seus jornais,
televisões e rádios para pregar o enfraquecimento do Estado. Querem
o retorno dos tempos em que o deus mercado era adorado como o
organizador supremo da Nação.
Não admitimos retrocessos. Nem ao passado recente do
neoliberalismo e do alinhamento com a política externa norteamericana, nem aos sombrios tempos da ditadura, que a duras penas
conseguimos superar.
A homenagem que prestamos a Carlos Marighella soma-se à
nossa reivindicação de que sejam apuradas, com rigor, todas as violações
dos Direitos Humanos ocorridas nos vinte e um anos de ditadura.
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Já não é mais possível interditar o debate retardando o
necessário ajuste dos brasileiros com a sua história. Exigimos a
abertura de todos os arquivos e a divulgação pública de todas as
informações sobre os crimes, bem como sobre a identidade dos
torturadores e assassinos, seus mandantes e seus financiadores.
Precisamos enfrentar as forças reacionárias e conservadoras
que defendem como legítima uma lei de auto-anistia que a ditadura
impôs, em 1979, sob chantagens e ameaças. Sustentando a legalidade
de leis que foram impostas pela força das baionetas, ignoram que um
regime nascido da violação frontal da Constituição padece, desde
o nascimento, de qualquer legitimidade. E procuram encobrir que
eram ilegais todas as leis de um regime ilegal.
Sentindo-se ameaçadas, estas forças renegam as serenas
formulações e sentenças da ONU e da OEA indicando que as torturas
constituem crime contra a própria humanidade, não sendo passíveis
de anistia, indulto ou prescrição. E se esforçam para encobrir que, no
preâmbulo da Declaração Universal que a ONU formulou, em 10
de dezembro de 1948, está reafirmado com todas as letras o direito
dos povos recorrerem à rebelião contra a tirania e a opressão.
Por tudo isso, celebrar a memória de Carlos Marighella, nestes
quarenta anos que nos separam da sua covarde execução, é reafirmar
o compromisso com a marcha do Brasil e da Nuestra America rumo
à realização da nossa vocação histórica para a liberdade, para a
igualdade social e para a solidariedade entre os povos.
Celebrando a memória de Carlos Marighella, abrimos o diálogo
com as novas gerações garantindo-lhes o resgate da verdade histórica.
Reverenciando seu nome e sua luta, afirmamos nosso desejo de que nunca
mais a violência dos opressores possa se realimentar da impunidade. Carlos
Marighella está vivo na nossa memória e nas nossas lutas.
Brasil, 4 de novembro de 2009.
50
001. Antônio Cândido
002. Fabio Konder Comparato - Jurista, Professor USP
003. Clara Charf
004. Renée de Carvalho
005. Helena Greco - Militante de Direitos Humanos
006. Maria Victoria Benevides - Socióloga, professora da USP
007. Emir Sader - Sociólogo, presidente da Clacso
008. Fernando Morais - Escritor
009. Pedro Casaldaliga - Bispo emérito e poeta
010. Frei Betto - Escritor
011. Leonardo Boff - Teólogo, escritor
012. Antonio Cechin - Irmão Marista, Catequista
013. Marcelo de Barros Souza - Benedetino e teólogo
014. Dilma Rousseff - Economista
015. Nilcéa Freire - Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
016. Franklin Martins
017. Patrus Ananias - Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
018. Paulo Abrão - Presidente da Comissão de Anistia
019. Paulo Vanucchi - Cientista político
020. Perly Cipriano - Diretório Nacional do PT
021. José Sérgio Gabrielle de Azevedo - Presidente da Petrobras
022. José Dirceu - Ex-Ministro-Chefe da Casa Civil do governo Lula
023. João Pedro Stedile - Ativista do MST
024. Artur Henrique da Silva - Presidente Nacional da CUT
025. Margarida Genevois - Socióloga
026. Maria Amélia de Almeida Teles - União de Mulheres-SP
027. Jair Krischke - Militante dos Direitos Humanos
028. Carlos Gilberto Pereira - Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais - SP
029. Heloisa Bizoca Greco - Coordenadora do IHG
030. José de Souza Cândido - Deputado Estadual PT-SP
031. Adriano Diogo - Deputado Estadual PT-SP
032. Ana Perugini - Deputado Estadual PT-SP
033. Antônio Mentor - Deputado Estadual PT-SP
034. Beth Sahão - Deputado Estadual PT-SP
035. Carlinhos Almeida - Deputado Estadual PT-SP
036. Enio Tatto - Deputado Estadual PT-SP
037. Eliseu Gabriel - Vereador PSB-SP
038. Fausto Figueira - Deputado Estadual PT-SP
039. José Zico Prado - Deputado Estadual PT-SP
040. Lindberg Faria - Prefeito de Nova Iguaçu
041. Hamilton Pereira - Deputado Estadual PT-SP
51
042. Marcos Martins - Deputado Estadual PT-SP
043. Maria Lúcia Prandi - Deputada Estadual PT-SP
044. Roberto Felício - Deputado Estadual PT-SP
045. Rui Falcão - Deputado Estadual PT-SP
046. Simão Pedro - Deputado Estadual PT-SP
047. Vanderlei Siraque - Deputado Estadual PT-SP
048. Vicente Cândido - Deputado Estadual PT-SP
049. Ítalo Cardoso - Vereador PT-SP
050. Marcelo Santa Cruz - Vereador PT-PE
051. Jackson Lago - Governador eleito do Maranhão, PDT-MA
052. Janete Capiberibe - Deputada Federal PSB- Amapá
053. João Capiberibe - Ex-governador do Amapá
054. Ivan Pinheiro - Secretário Geral do PCB
055. Carlos Marés - Procurador Geral do Estado do Paraná, Professor PUC-PR
056. Guilem Rodrigues da Silva - Juiz
057. Ivan Seixas - Presidente do CONDEPE-SP
058. Maurice Politi - Presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política
059. Raphael Martinelli - Presidente do Fórum Permanente de ex-presos políticos
060. Ilda Martins da Silva - em nome da família de Virgílio Gomes da Silva
061. Romildo Maranhão do Valle - irmão desaparecido político Ramires M. do Valle
062. Júlio César Senra Barros - Coordenador Municipal do Pronasci-RJ
063. Idibal de Almeida Pivetta - Advogado de presos político
064. Marcello Cerqueira - Advogado
065. Samuel Mac Dowell de Figueiredo - Advogado
066. Carlos Augusto Marighella - Advogado
067. Marco Antônio Rodrigues Barbosa - Advogado
068.Vanderley Caixe - Advogado
069. Silvia Negrão - Advogada
070. Alexandre Oliveira Maciel - Advogado
071. Regina Paixão Linhares - Advogada
072. Paulo Henrique Teles Fagundes - Advogado
073. João Luiz Duboc Pinaud - Advogado
074. Pedro Albuquerque - Advogado e Sociólogo
075. Theotonio Dos Santos - Economista e Sociólogo
076. Carlos Lichtsztejn - Economista
077. Chico de Oliveira - Sociólogo
078. Heloisa Fernandes - Socióloga, profª da ENFF e USP
079. Heleieth Iara Bongiovani Saffioti - Socióloga
080. Jun Nakabayashi - Sociólogo
081. Eliana Rolemberg - Socióloga
082. Edival Nunes Cajá - Presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa
52
083. Roque Aparecido da Silva - Sociólogo
084. Nelson Serathiuk - Sociólogo político
085. Miriam Abramovay - Socióloga
086. Sonia Eliane Lafoz - Socióloga
087. Neiva Moreira - Cientista Político RJ
088. Ester Góes - Atriz
089. Fabiana Ferreira - Poeta
090. Wagner Tiso - Músico
091. Silvio Tendler - Cineasta
092. Sérgio Muniz - Cineasta
093. Ronaldo Duque - Cineasta
094. Jorge Duran - Cineasta
095. José Joffily - Cineasta
096. Luiz Carlos Lacerda - Cineasta
097. Manfredo Caldas - Documentarista
098. Marcio Curi - Cineasta e produtor
099. Ana de Holanda - Cantora e compositora
100. Beth Carvalho - Cantora e compositora
101. João Miguel - Ator
102. Maria Marighella - Atriz
103. Paulo Betti - Ator
104. Inez Oludé da Silva - Artista Plástica
105. Gloria Ferreira - Critica de arte
106. Dulce Maia - Artista Plástica
107. Graciela Rodrigues - Artista Plástica
108. Nilmário Miranda - Jornalista
109. Vladimir Sacchetta - Jornalista e produtor cultural
110. Rose Nogueira - Jornalista
111. Mouzar Benedito - Jornalista
112. Paulo Cannabrava - APIJOR
113. Mariluce Moura - Jornalista.
114. Maria Matilde Leone - Jornalista
115. Hildegard Angel - Jornalista
116. Delson Plácido - Jornalista, Grupo Tortura Nunca Mais
117. Celso Lungaretti - Jornalista, Escritor e ex-preso político
118. Aluízio Palmar - Jornalista e Escritor
119. Vera Artaxo - Jornalista
120. Vilma Amaro - Jornalista e Historiadora
121. Cláudio Galeno de Magalhães Linhares - Jornalista
122. Vera Vital Brasil - Psicóloga clínica, Grupo Tortura Nunca Mais
123. Hosana Ramos - Odontóloga
53
124. Fábio Amaral Di Fini - Biólogo
125. Antonio Trigueiros - Físico atômico
126. Roberto de Barros Pereira - Engenheiro
127. Afonso Celso Lana Leite - Profº do Depto. de Artes Visuais da UFU
128. Amilcar Baiardi - Professor UFRB/UFBA
129. Rebeca de Souza e Silva - Professora UNIFESP
130. Paulo Roberto Franco Andrade - Professor
131. Elza Ferreia Lobo - Educadora e Jornalista
132. Maria Cristina Capistrano - Educadora
133. Ausonia Favorido Donato - Educadora
134. Eliete Ferrer - Professora
135. Derlei Catarina De Luca - Professora
136. Geraldo Moreira Prado - Professor universitário
137. Heládio José de Campos Leme - Economista e Professor
138. Ivan Proença - Professor
139. Arthur Gonçalves Filho - Professor
140. Cleide M. Santos - Professora
141. Apolo Heringer Lisboa - Profº da Faculdade Medicina UFMG
142. João Marques Aguiar - Professor
143. Nilce Azevedo Cardoso - Psicopedagoga
144. Euzimar de Anchieta Gomes - Pedagoga SINTRACONST-ES
145. Raymundo de Oliveira - Engenheiro
146. Pedro Alves Filho - Engenheiro
147. Oswaldo Nasser Miziara - Engenheiro
148. Nilson Furtado - Metalúrgico
149. Conceição Imaculada de Oliveira - Metalúrgica, Sindicalista
150. Nelson Martinez - Operário Metalúrgico
151. Enzo Luís Nico Júnior - Geólogo
152. Eros Marte - Psiquiatra
153. Marcelo Vaz - Psiquiatra
154. José Xavier Cortez - Editor
155. Ari Celestino Leite - Aposentado e anistiado da Petrobras
156. Geraldo Jorge Sardinha - Aposentado
157. Marília Guimaes - Empresária, ex-exilada política
158. Tania Fayal - Produtora
159. Virgílio Gomes da Silva Filho
160. Vlademir Gomes da Silva
161. Gregório Gomes da Silva
54
55
1911
No dia 5 de dezembro, Carlos Marighella
nasce na Rua do Desterro número 9, na cidade
de São Salvador, Estado da Bahia. Seus pais
são o casal Maria Rita do Nascimento, negra
e filha de escravos, e o imigrante italiano, o
operário Augusto Marighella. Carlos teve sete
irmãos e irmãs.
Augusto e Maria Rita, pais de Marighella.
1929
Marighella começa a cursar engenharia civil na antiga Escola Politécnica da
Bahia, depois de haver estudado no Ginásio da Bahia, hoje Colégio Central.
Numa e noutra escola, destaca - se como aluno, pela alegria e criatividade. São
famosas suas diversas provas em versos.
1932
Ingressa na Juventude Comunista. O Partido Comunista havia sido criado
em 1922. Com a revolução de 30, uma grande efervescência política varria o
Brasil. Marighella participa de manifestações contra o regime autoritário e o
interventor Juracy Magalhães. Inconformado com versos de Marighella que o
ridicularizavam, Juracy manda prendê-lo e espancá-lo.
1936
Abandona o curso de engenharia e vai para São Paulo, a mando da direção,
reorganizar o Partido Comunista, que havia sido gravemente reprimido após o
levante de 1935. É, porém, novamente preso e torturado durante 23 dias pela
Polícia Especial de Felinto Müller.
1937
Marighella é libertado pela
anistia assinada pelo ministro
Macedo Soares e, quatro
meses depois, Getúlio dá o
golpe e instaura o Estado
Novo. Na clandestinidade,
Marighella é encarregado
da difícil tarefa de combater
as tendências internas
dissidentes da linha oficial
do PCB em São Paulo.
Marighella, preso político durante o Estado Novo.
56
1939
Preso pela terceira vez, é confinado
em Fernando de Noronha. Na
cadeia, os revolucionários presos
organizam uma universidade
popular e Marighella dá aulas de
matemática e filosofia.
1942
Os presos políticos vão para a
Ilha Grande, no litoral do Rio
de Janeiro, porque Fernando de
Noronha passa a ser usada como Marighella, bancada comunista, c. 1946.
base de apoio das operações
militares dos aliados no Atlântico Sul. 1943 - Na Conferência da Mantiqueira,
Marighella, mesmo preso, é eleito para o Comitê Central. O Partido Comunista
adota linha de apoio ao governo Vargas em razão da entrada do Brasil na guerra,
posição de que ele discorda, embora a cumpra, por dever de militância.
1945
Anistia, em abril, devolve a liberdade aos presos políticos. Com a vitória das forças anti­
fascistas, o PCB vai à legalidade e participa da eleição para a Constituinte. Marighella é
eleito como um dos deputados constituintes mais votados da bancada. 1946 - Apesar
do apoio de Prestes, o general Dutra, eleito Presidente da República, desencadeia
repressão aos comunistas. Marighella participa ativamente da Constituinte com um
dos redatores do organismo parlamentar. Conhece Clara Charf.
1947
Ainda no primeiro semestre é fechada a União da Juventude Comunista. Depois,
o próprio Partido é posto na ilegalidade. Marighella coordena a edição da revista
teórica do PCB, Problemas e vive um relacionamento com dona Elza Sento Sé,
que resulta no nascimento, em maio de 1948, de seu filho Carlos Augusto.
1948
No início do ano são cassados os mandatos dos parlamentares comunistas.
Marighella volta à clandestinidade. Data desse ano seu romance com Clara Charf,
sua companheira até o fim da vida.
1949/1954
Em São Paulo, Marighella cuida da ação sindical do PCB. Sob sua direção o PC
se vincula aos operários, participa da campanha “O Petróleo é nosso” e organiza
a greve geral conhecida como “dos 100 mil”, em 1953. Considerado esquerdista
pela direção do Partido, é mandado em viagem à China. Lá é internado em razão
de uma pneumonia. Depois, vai à União Soviética e volta ao Brasil em 1954.
57
1955
A morte de Getúlio Vargas e o início do governo de Juscelino Kubistchek permitem
que os comunistas, embora na ilegalidade, atuem de modo visível.
1956/1959
O XX Congresso do PC da União Soviética inicia a desestalinização. O PCB
adota a linha da “coexistência pacífica” pregada pela União Soviética. A vitória
da Revolução Cubana, porém, contraria frontalmente as posições do movimento
comunista internacional.
1960/1964
A renúncia de Jânio gera uma crise política. Jango toma posse e Marighella passa
a divergir da linha oficial do PC, principalmente de sua política de moderação
e subordinação à burguesia. Em 1962, divisão do PC dá origem ao Partido
Comunista do Brasil - PCdoB.
1964
Com o golpe de abril, instaura-se a ditadura militar. Perseguido pela polícia,
Marighella entra num cinema do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, e lá resiste
aos policiais até ser baleado diversas vezes, espancado e finalmente preso. Sua
resistência transformou sua prisão em um ato político que teve repercussão
nacional. É solto depois de 80 dias, graças a um habeas corpus pedido pelo
advogado Sobral Pinto.
1965
Escreve e publica o livro “Por que resisti
à prisão”, em que aponta sua opção por
organizar a resistência dos trabalhadores
brasileiros contra a ditadura e pela libertação
nacional e o socialismo.
1966
Publica “A Crise Brasileira”, onde aprofunda
suas posições críticas à linha do PCB, prega
a adoção da luta armada contra a ditadura,
fundada na aliança dos operários com os
camponeses.
1967
Na Conferência Estadual de São Paulo
as idéias de Marighella saem vitoriosas
por ampla maioria - 33 a 3 -, apesar da
participação pessoal e contrária de Luiz
Carlos Prestes. Vendo que a derrota no VI
58
“Por que resisti à prisão”, 1965, edição clandestina.
Congresso era iminente, Prestes inicia um processo de intervenções nos Estados,
para impedir a participação de delegados ligados à corrente de esquerda. Marighella
viaja a Cuba para participar da conferência da Organização Latino-Americana de
Solidariedade - OLAS. O PCB envia telegrama desautorizando sua participação e
ameaçando-o de expulsão. Disso resulta uma carta dele rompendo com o Comitê
Central do PCB e afirmando que ninguém precisa pedir licença para praticar atos
revolucionários. Como represália, é expulso do Partido Comunista. Retorna ao
Brasil e funda a Ação Libertadora Nacional - ALN e dá início à luta armada contra
a ditadura militar.
1968
Marighella participa diretamente de
diversas ações armadas recuperando fundos
para a construção da ALN. No Primeiro de
Maio, em São Paulo, os operários tomam o
palanque de assalto, expulsam o governador
Sodré e realizam comemorações combativas
do dia internacional dos trabalhadores.
O movimento estudantil toma conta das
ruas em manifestações contra a ditadura que
chegaram a mobilizar 100 mil pessoas. Em
outubro, porém, o Congresso da UNE é
descoberto pela polícia e os estudantes sofrem
grave derrota. Também no final do ano,
torna­se conhecido o fato de que Marighella
comandava parte das ações guerrilheiras.
1969
Marighella baleado, maio 1964.
No início do ano, a descoberta pela polícia
antecipa a saída do capitão Carlos Lamarca de um quartel do exército em Osasco,
levando um caminhão carregado com armamento para a guerrilha. Em setembro o
embaixador norte-americano é feito prisioneiro por um destacamento unificado com
integrantes da ALN e do MR-8 e trocado por quinze presos políticos. No dia 4 de
novembro, às oito horas da noite, Carlos Marighella caiu numa emboscada armada
pelos inimigos do povo brasileiro em frente ao número 800 da alameda Casa Branca,
em São Paulo, e foi assassinado. Sua organização, a ALN sobrevive até 1974.
59
Bibliografia
1) MARIGHELLA, Carlos; Escritos de Carlos Marighella, São Paulo,
Editorial Livramento, 1979. Contém trecho de Por que resisti à prisão
e o texto integral de A crise brasileira, Carta à executiva, Crítica às
teses do comitê central, Ecletismo e marxismo, Algumas questões
sobre a guerrilha no Brasil, Pronunciamento do agrupamento
comunista de São Paulo e Chamamento ao povo brasileiro.
2) NOVA, Cristiane e NÓVOA, Jorge, Carlos Marighella - O homem
por trás do mito, Ed. Unesp, 1999.
3) JOSÉ, Emiliano, Carlos Marighella, o inimigo número um da
ditadura militar, Ed. Sol e Chuva, São Paulo, 1997.
4) CHRISTO, Carlos Alberto Libânio (Frei Betto), Batismo de Sangue,
Editora Civilização Brasileira, 1982.
5) GORENDER, Jacob, Combate nas Trevas, Ed. Ática, 1987.
6) MARIGHELLA, Carlos; Poemas. Ed. Brasiliense, 1994.
7) MARIGHELLA, Carlos Porque Resisti à Prisão. Ed. Brasileira, 1994.
8) FERNANDES, FLORESTAN, A contestação necessária,
Editora Ática, 1995.
61
Expediente
A cartilha Marighella Vive é uma
publicação do Projeto Marighella Vive.
Projeto Gráfico:
Rafael Stediletto
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Fotos:
Família Marighella e arquivo
pessoal de Vladimir Sacchetta
Colaboração:
Aton Fon
Outubro de 2009
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