2 3 “Trinta anos atrás1, o tempo de uma geração, Carlos Marighella foi abatido pelas forças de repressão da ditadura. Naquele momento elas não mataram apenas o militante intemerato de uma organização de luta, mas um líder que encarnava as aspirações de liberdade e justiça do povo brasileiro. Os que assumem a grave responsabilidade de combater pelo interesse de todos tornam-se símbolos e constituem patrimônio coletivo. Carlos Marighella deu a vida pelos oprimidos, os excluídos, os sedentos de justiça. Ao fazê-lo, transcendeu a sua própria opção partidária e se projetou na posteridade como voz dos que não se conformam com a iniqüidade social”. Antônio Cândido 1Prefácio do Professor Antônio Cândido à primeira edição deste livreto, em novembro de 1999. 4 Sumário Sugestão de uso_7 Introdução_9 Pensamento_13 Depoimentos_31 Florestan_32 Clara Charf_37 Jorge Amado_42 Emiliano José_42 Frei Betto_43 Diógenes Arruda_44 Capinam_45 Manifesto_47 Biografia_55 Bibliografia_61 5 6 Sugestão de uso Esta cartilha tem por objetivo apresentar de maneira resumida o companheiro Carlos Marighella. Quem foi, como viveu, o que pensava e como dedicou sua vida inteira à causa do povo. Por isso, a cartilha pode ser usada como uma homenagem, que para nós deve ser constante, do exemplo revolucionário de nossos combatentes do povo, por um lado, mas também como um roteiro de discussão. Utilizá - la como subsídio. Para os companheiros que quiserem se aprofundar no estudo, há no final uma indicação bibliográfica da vida e obra desse dirigente revolucionário.Viva Carlos Marighella! Algumas atividades que podem ser realizadas: 1. Organizar o estudo sobre a história e a realidade brasileira, com especial atenção para as lutas do povo e os ensinamentos a tirar daí. 2. Divulgar entre nossos militantes e outros movimentos, as lutas, ensinamentos e exemplo do companheiro Carlos Marighella. 3. Realizar atividades culturais e celebrações em homenagem a Carlos Marighella, nos próximos meses relembrando seu sacrifício, e depois sempre no dia 4 de novembro, data de seu assassinato. 4. Realizar pesquisas, debates sobre os conceitos táticos, estratégicos e organizativos do processo revolucionário, comentando a lições teóricas de Carlos Marighella. 7 8 9 N o dia 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella foi assassinado pelas forças da ditadura militar, em São Paulo. O assassinato de Marighella, contudo, não destruiu sua contribuição à luta do povo brasileiro por sua libertação, ainda que seus inimigos tivessem se esforçado para lançá-lo ao esquecimento. Como disse Florestan Fernandes, “ele foi perseguido como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação da memória coletiva. (...) Um Homem não desaparece com sua morte. Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira estátua à distância. É o que sucede com Marighella. Ele morreu consagrado pela coragem indômita e pelo ardor revolucionário. Os carrascos trabalharam contra si próprios; ao martirizá-lo, forjaram o pedestal de uma glória eterna. Agora, esse homem volta à atualidade histórica”. A figura de Marighella não permite os consensos fáceis. Seu legado incomoda, inquieta, aguilhoa. À direita, aos poderosos, Marighella ainda hoje assusta porque difunde o exemplo da luta revolucionária conduzida com a radicalidade da forma e do conteúdo: a luta armada pela libertação nacional e o socialismo. À esquerda, para alguns setores que figuram no campo popular, a imagem de Marighella acicata porque exige os constantes estudo e prática revolucionária, como o exercício diário da solidariedade que ele levou ao extremo do sacrifício pessoal mais completo, o da entrega da vida pela causa dos explorados. Quem quer que abrace, porém, com sinceridade e dedicação a causa da redenção dos trabalhadores da cidade e do campo no Brasil, não pode deixar de conhecer e se mirar no conteúdo da vida desse lutador do povo brasileiro. Sua opção pela luta armada contra a ditadura militar, que para muitos parece equivocada e assustadora, apresenta-se como apaixonante para tantos militantes seduzidos por uma visão aventureira do processo revolucionário. Nada mais longe, porém, de Carlos Marighella que o medo de praticar atos revolucionários ou a disposição de agir divorciado das massas. Esse, 10 afinal, é o fio condutor que explica a vida política de Marighella, sua atuação no movimento estudantil na Bahia; sua integração ao Partido Comunista, onde atuou durante quase quarenta anos e assumiu sempre as tarefas mais difíceis, até o rompimento e a criação da Ação Libertadora Nacional, organização que comandou até sua morte. É um Carlos Marighella complexo, rico na disposição de luta e de pensar a realidade brasileira, decidido a ir às últimas conseqüências na ação revolucionária, mas terno, amoroso, apaixonado por sua terra e sua gente, que ressurge 40 anos após o imperialismo ordenar sua morte, para resgatar, estimular e ensinar os lutadores do povo de hoje. 11 12 13 D iversos elementos da prática revolucionária vivida por Marighella nos tempos que imediatamente antecederam sua morte eram evidentemente adequados à realidade política do Brasil e do mundo naquela época, mas alguns aspectos ultrapassam esses limites temporais e se firmam como característicos de uma teoria revolucionária em geral, e da revolução brasileira em particular. Aqui se apresenta apenas um apanhado geral de conceitos táticos, estratégicos e organizativos expressos por Marighella. O objetivo desse resumo é apenas o de contribuir para a discussão dos temas, essenciais para a formação de todos os lutadores do povo. A tática “A Tática marxista é incompatível com qualquer evolucionismo. Ela tem em conta, no dizer de Lenin, a “dialética objetivamente inevitável da história da humanidade”. A tática marxista utiliza e desenvolve a consciência, as forças e capacidade de luta do proletariado. Ao mesmo tempo orienta todo o trabalho preparatório no sentido do objetivo final visado pelo proletariado, capacitando-o a resolver na prática as tarefas que lhe estão reservadas pela História.” “O que distingue a tática marxista é ser exata e rigorosamente uma tática da classe de vanguarda, uma tática de combate.” “A tática marxista jamais pode ser uma tática a reboque da burguesia. Ao contrário, caracteriza-se pelo fato de que o proletariado pode e deve assumir a liderança do movimento democrático de todo o povo contra a ditadura atual.” (Ecletismo e Marxismo) O que é uma tática decorrente da estratégia revolucionária “Uma tática decorrente da estratégia revolucionária é por si mesma revolucionária, o que nada tem a ver com sectarismo e 14 esquerdismo. Trata-se de levar as massas à luta contra a ditadura, e substituí-la, por um governo efetivamente democrático. Os meios empregados são os que as massas aceitam. Mas os comunistas devem dar exemplo do impulso revolucionário, que não se obtém, evidentemente, baseando nossa luta numa perspectiva pacífica.” (A crise brasileira). (...) “A tática revolucionária abrange todos os aspectos da luta política e, ao mesmo tempo, sabe manejar as forças básicas da revolução. É uma tática acessível, uma tática de massas, ao alcance da compreensão comum, não uma tática de privilegiados, de iluminados, de donos da revolução, de manipuladores de fórmulas feitas. (...) (...) “Não uma tática que a cada fato político novo ensaia explicações complicadas, emitindo diretivas que realmente não levam a nada, não despertam o entusiasmo revolucionário, nem conduzem a luta nenhuma, como vem acontecendo nestes dois anos de ditadura.” (...) “Não uma tática destinada a fazer entendimentos políticos eleitorais, alimentando ilusões na burguesia, cedendo ao conformismo e disseminando a passividade. A tática revolucionária é uma tática de luta de massas, e seu objetivo principal consiste em nos aproximar dos objetivos estratégicos aos quais ela está subordinada”. (...) “O inadmissível é seguirmos a reboque do atual processo político, não estabelecermos as premissas que colocarão a iniciativa política em nossas mãos e nas mãos das massas.” (...) “O processo de criação da força do proletariado exige lutas nas áreas urbanas e nas áreas rurais. Entretanto, o elo que levará ao desenvolvimento da luta contra a ditadura, e que produzirá a mudança de qualidade do movimento de massa, está nas lutas camponesas.” 15 “O proletariado não pode seguir uma tática qualquer. A tática que não convier à conquista dos objetivos estratégicos da revolução anti-imperialista e anti-feudal, nacional e democrática, deve ser repelida.” “O princípio fundamental da tática marxista é que, em qualquer fase da luta do proletariado, torna-se obrigatório lutar pela conquista de um tipo de governo, ou melhor, de um poder que abra caminho para a completa libertação nacional, econômica, política social do povo. Quer dizer, que abra caminho para a solução do problema estratégico.” Conquista da hegemonia política “O mais urgente de tudo é, combatendo a expectativa, tomar a frente da luta de resistência. Autoridade e hegemonia conquistam-se através da luta e, para tal, nada mais oportuno e mais adequado do que a luta de resistência.” (Por que resisti à prisão) Saber recuar (...) “Dentre tais princípios, o da retirada tem um grande significado. Em nenhum momento, qualquer passo tático deve ser empreendido sem a garantia da retirada. Quanto ao princípio da ofensiva, a experiência ensina que não é obrigatório avançar sempre, desde que, em determinadas circunstâncias, estejamos obtendo vitórias ou êxitos parciais. Necessariamente, há um momento em que devemos parar e consolidar nossas forças, a fim de, em seguida, prosseguirmos avançando.” “A falta de vigilância e a ilusão de classe subsistem exatamente quando a liderança deixa de lado o estabelecimento de um plano tático marxista e não leva em conta a obrigatoriedade do princípio da retirada. 16 O marxismo leninismo é inteiramente avesso à concepção de que na luta de massas tudo se resume em avançar (....).” “Quando a ofensiva política é do inimigo, as forças revolucionárias devem procurar abrir outra frente política sob a direção do proletariado. Essa outra frente, destinada a retirar a iniciativa ao inimigo, pode ser em qualquer área. Mas só concorrerá para a mudança de qualidade da luta política, se for uma frente de luta aberta no meio rural, entre as massas camponesas.” Limites da greve geral. Trabalho restrito e de cúpula no proletariado “Os repetidos apelos à greve geral política - sem o apoio do campesinato e sem o recurso à insurreição - significavam um erro tático em face do marxismo contemporâneo. O erro era mais evidente na medida em que nosso trabalho no seio do proletariado se desenvolvia com uma nítida característica de trabalho de cúpula e se circunscrevia, na prática, às empresas estatais.” Processo de criação da força organizada do proletariado ‘’Tais são os elementos permanentes da tática marxista, que concorrerão para criar a força organizada do proletariado. Sem esta força é impossível influir no processo político e obter qualquer vitória tática de importância, e com repercussão no processo revolucionário. O processo de criação da força do proletariado exige lutas nas áreas urbanas e nas áreas rurais. Entretanto, o elo que levará ao desenvolvimento da luta contra a ditadura, e que produzirá a mudança de qualidade do movimento de massa, está nas lutas camponesas.” 17 “Daí a importância do trabalho no campo na aplicação desta tática. Esta importância decorre do fato de que, pela primeira vez, no processo revolucionário brasileiro, se tornará possível unir a luta política das cidades à luta política do campo.” (...) “O proletariado deve assumir uma posição revolucionária clara, não lhe cabendo, em nenhuma hipótese, o papel de força moderadora da frente única. Quando isto acontece, o proletariado fica a reboque da burguesia.” “Quando a liderança do proletariado se subordina à liderança da burguesia ou com ela se identifica, a aplicação da linha revolucionária sofre inevitavelmente desvios para a esquerda e a direita. Pois, nesse caso, falta o lastro ideológico, único capaz de impedir o desvio dos rumos da revolução.” A combinação das formas de luta “Para o desenvolvimento das lutas, o princípio básico é a combinação das formas de luta e organizações legais e ilegais, e a utilização de todas e quaisquer possibilidades legais, no terreno da defesa das reivindicações nacionalistas e democráticas, inclusive camponesas, no terreno da política interna ou externa, ou no terreno jurídico.” “Isto implica em atuar com firmeza onde quer que haja massas nos sindicatos, nas organizações populares, feministas, estudantis, camponesas e quaisquer outras. O objetivo de tal atuação é desencadear e apoiar lutas e estimular a combatividade das massas.” (A Crise Brasileira) Conceito de revolução (...) “O que vem a ser revolução? A revolução é sempre o resultado do desenvolvimento da sociedade e tem a ver com as relações de produção e o sistema de propriedade. O essencial numa 18 revolução é a questão do poder. Mas esta questão não se traduz pela substituição de uns homens por outros nos postos de mando. Isto é, não se trata de substituir os antigos dirigentes do aparelho de Estado por outros pertencentes às mesmas elites ou classes até então dominantes. O problema consiste em saber que novas classes chegaram ao poder derrubando as velhas classes dirigentes.” “Pari passu com o problema da passagem de novas classes ao poder, surge a questão de saber qual o novo sistema de propriedade estabelecido que classes passam a ser proprietárias daí por diante. Quem passa a ser dono dos meios de produção. Que nova estrutura econômica e social é estabelecida. Que superestrutura passa a ser levantada ou entra em vigor. Que novas instituições políticas, jurídicas e sociais entram em ação. Sem isto, que são coisas elementares, não há revolução. Elementos de uma estratégia “Uma estratégia revolucionária indispensável para sairmos do marasmo e da pasmaceira, exige trabalho pertinaz com as forças básicas da revolução: o proletariado, as massas rurais, os intelectuais, os estudantes.” “O trabalho com a burguesia nessa estratégia não pode ser o trabalho fundamental, ainda que não se trate absolutamente de abandoná-lo.” “Uma estratégia revolucionária tem que levar ao rompimento com a política de subordinação do proletariado à burguesia, à separação entre o partido do proletariado e os partidos da burguesia.” “Agindo como força independente, os comunistas e, de um modo geral, as esquerdas brasileiras, terão um lugar ao sol e alcançarão êxito, arrastando as massas. As chamadas elites brasileiras 19 já demonstraram seu fracasso. Seria para nós um desastre tentar qualquer saída que comprometesse nossa independência diante delas.” A importância da análise histórica na construção da estratégia revolucionária “O marxismo, dizia Lenin, é a análise concreta da concreta situação. O despreparo das esquerdas, pela falta de aguda análise teórica-ideológica da situação brasileira, tendo como resultado o emprego de práticas e princípios defasados com o momento histórico, levou-nos à derrota.” “A experiência brasileira ensina que no passado, com uma linha estalinista, fomos à derrota, como ainda agora saímos derrotados aplicando uma linha geral correta, do ponto de vista do marxismo contemporâneo. Isto quer dizer que há uma causa mais profunda na raiz do erro, que não permite dar um passo adiante nos momentos decisivos ou de desfecho das crises.” “Esta causa é de ordem ideológica e só pode ser superada com o estudo atento dos erros cometidos e a reformulação de inúmeras questões e conceitos situados até agora num plano subjetivista e dogmático e, em geral, de caráter pequeno-burguês ou burguês, e não proletário, como devia ser.” (A crise brasileira) “Para as forças populares e nacionalistas, como de um modo geral para as esquerdas, a razão de ser da vitória reside numa só questão, já por si em evidência sobre as demais. Esta questão é o permanente e ao mesmo tempo flexível manejo do marxismoleninismo, o que repele qualquer dose, por mínima que seja, do dogmatismo. A realidade brasileira exige acurada atenção e incansável estudo. E como realidade objetiva, tomada por ponto de partida, requer a análise histórica aprofundada de suas grandes características.” (Porque Resisti à Prisão) 20 As condições subjetivas “A consciência revolucionária, todavia, não se adquire espontaneamente. Na dialética marxista, quando se trata do fenômeno social, um processo de desenvolvimento jamais se efetua por via espontânea. A luta (não espontânea) é um fator imprescindível e fundamental para que o processo de desenvolvimento chegue às últimas conseqüências.” “Partidos, agrupações e organizações políticas que não assumam a luta não conseguirão criar a consciência capaz de levar à revolução.” (Respostas ao Questionário da revista “Pensamento Crítico”) A natureza estrutural da crise brasileira “A crise brasileira é uma crise de estrutura. E aqui nos referimos à estrutura econômica. O que quer dizer: a crise brasileira, em todos os sentidos, seja econômico, político ou social, é oriunda da inadaptabilidade da atual estrutura econômica do país. Da sua incapacidade em suportar a carga demasiada pesada a ela superposta.” (A Crise Brasileira) “No Brasil, como já vimos,trata-se de resolver a crise crônica de estrutura. Esta hoje consiste num fato novo: seu conteúdo e sua evolução são engendrados pelo crescimento do capitalismo nas condições de dependência do imperialismo e da manutenção do latifúndio. É o crescimento do capitalismo, em tais circunstâncias , que vem determinando todo o processo político brasileiro.”(A crise Brasileira) Sobre a burguesia “Dois grandes tipos de soluções políticas têm sido aventados no Brasil pelas classes. Um deles é o tipo de soluções concernentes à 21 burguesia. O outro corresponde ao proletariado.” ‘’Todas as soluções intentadas pela burguesia levam o selo de uma classe que se distingue do proletariado por ser uma classe empresarial, detentora de meios de produção que lhe permitem uma imensa acumulação capitalista.” (A crise brasileira) “Ligada ao imperialismo e ao latifúndio, a burguesia brasileira representada pelo grupo dominante dessa classe - a alta burguesia - teme o proletariado e segue no fundamental o caminho das concessões ao imperialismo e ao latifúndio e não o das concessões ao proletariado.”(Crítica às Teses do Comitê Central) Sobre o campesinato “Quem tem a vocação, o destino histórico e as condições para resolver a crise crônica brasileira é o proletariado com seus aliados da frente única. Atraindo o camponês - seu aliado fundamental - e incorporando-o à luta política, criando uma força própria, de base, para fazer crescer a frente única e dar-lhe conseqüência, desencadeando lutas, paralisando a influência vacilante da burguesia, ainda que mantendo a aliança com ela na atual etapa histórica, o proletariado brasileiro reúne em suas mãos os meios, condições e elementos necessários à saída exigida pelo nosso povo.” “Atuando com as forças básicas da revolução, o trabalho mais importante, aquele que tem caráter prioritário, é a ação no campo, o deslocamento das lutas para o interior do país, a conscientização do camponês. No esquema estratégico brasileiro o pedestal da ação do proletariado é o trabalhador rural. A aliança dos proletários com os camponeses é a pedra de toque da revolução brasileira.” “Não se pode fazer a luta pela democracia e pelas reivindicações nacionalistas, separando uma e outra da luta pela terra e pelos 22 interesses das massas camponesas. é um erro relegar para o momento da decisão da decisão estratégica o processo de luta, visando a atrair a massa camponesa.” Sobre a pequena burguesia e as classes médias “À insuficiência da penetração no campo, alie-se o desprezo pelo trabalho entre a pequena burguesia, resultado da incompreensão do papel das chamadas classes médias na revolução. As classes médias tornaram-se o alvo que a reação procura mobilizar contra o proletariado, assustando-se com a propagação da tese falsa de que o marxismo é contra todo e qualquer direito de propriedade.” O potencial da juventude “A nova geração brasileira, a despeito dos que pretendem distorcer-lhe o caminho, é uma geração política. Marcha para a frente, confiante em seu destino, determinada a alcançar a liberdade e o progresso, ; olhos voltados para o marxismo contemporâneo. Não importa que os moços de hoje estejam filiados a correntes filosóficas diversas. Aceitem ou não o primado da matéria e do reflexo do ser sobre a consciência, militem no campo do materialismo ou nas hostes do espiritualismo, como é o caso da plêiade de católicos preocupados com a questão social, os jovens avançam em busca de uma saída. O marxismo contemporâneo não poderá deixar de fasciná-los e estimular-lhes o espírito criador. Com a audácia e o entusiasmo que lhes são próprios, os jovens continuarão afluindo para o campo de luta. (Porque Resisti à Prisão) A questão da unidade (...) “A conclusão que se impõe é que devemos lutar pela Unidade das forças revolucionárias Latino-americanas na ação contra o imperialismo dos Estados Unidos, na luta pela derrubada das ditaduras serviçais ao governo norte-americano, como é o caso do Brasil.” (Crítica as Teses do Comitê Central) 23 “Penso que os revolucionários brasileiros tem o dever de buscar unificar suas forças. Sem tal unidade, nosso povo não pode libertar-se do domínio do imperialismo norteamericano e da opressão dos gorilas que assaltaram o poder com o golpe de abril” “O empenho na luta pela unidade das forças revolucionárias brasileiras merece aplauso e colaboração de todos os que não se conformam com o atual estado de coisas em nossa pátria.” (Carta ao Almirante Aragão) (...) “Embora existam dificuldades para a união das forças populares, elas não podem ter o mesmo caráter das divergências que nos separam das correntes políticas ligadas ao imperialismo.” (Crítica às Teses do Comitê Central) As massas “O marxismo ensina que o motor da história são as massas, cujo movimento é inelutável. Tudo depende de que o trabalho de base tenha importância fundamental, pois é este o trabalho que impele as massas e dá solidez à ação.” “Até agora as crises políticas criadas na situação brasileira após a implantação da ditadura são crises de cúpula. Logo que passarem a ser crises originadas pela base, em conseqüência das ações de massas organizadas e dos métodos de lutas de massas, mudanças profundas se operarão no encaminhamento do processo revolucionário. Sem interferência das massas, sem luta de massas, é impossível obter a vitória completa do povo.” O imperialismo (...) “Com o mesmo sentido de falta de substância ideológica surgiu a falsa tese da “nova tática do imperialismo”. Segundo essa 24 tese, o imperialismo norte americano não estaria interessado em golpes e ditadura. O golpe de primeiro de abril, inspirado e promovido pelos Estados Unidos com o apoio em seus agentes internos e no fascismo militar brasileiro, invalidou essa teoria, cujo principal resultado foi deixar-nos desprevenidos e perplexos ante o golpe da direita.” (A Crise Brasileira) O papel das forças armadas “Uma análise atenta dos fatos revela, pois, que a lei histórica de evolução da vida política brasileira é a supressão das liberdades pelas forças armadas, através do golpe, sempre que a democracia avança e as massas se aprestam para chegar ao poder.” “Decorrem daí algumas questões importantes para o modo de agir da liderança marxista. Primeiro: as forças militares, em seu conjunto, são um instrumento do aparelho de Estado para a repressão permanente da expansão das massas em busca da democracia. Segundo: é impossível obter a vitória sem organizar independentemente a força do movimento de massas, por meios ideológicos e materiais, e com o emprego de táticas apropriadas, condições indispensáveis à superação do poder repressivo das forças militares.” (Por que resisti a prisão) O socialismo “O futuro do Brasil pertence ao socialismo. Então as fontes de riquezas serão estatizadas e novas relações de produção entrarão em harmonia com as forças produtivas. E será eliminada a farsa de uma liberdade que para as elites tem plena expansão e para as massas apenas o significado de um mito.” “O marxismo contemporâneo nos conduzirá, e ao povo brasileiro, à saída esperada, a única que nos fará uma nação independente e livre, e que nos colocará, sem solução de continuidade, nos rumos do Socialismo.” (Porque Resisti à Prisão) 25 A organização política “Nosso conceito de organização não é estático, nem dogmático, pois não existe segundo a teoria marxista-leninista nenhuma organização em abstrato. A organização está sempre a serviço de uma determinada linha política. Entendemos que qualquer mudança de qualidade do movimento revolucionário determina mudança de qualidade na organização revolucionária.” (Questões de Organização) Princípios organizativos “Para ser revolucionária uma organização, deve exercer permanentemente a prática revolucionária, mas jamais deve deixar de ter sua concepção estratégica, seus princípios ideológicos e de organização e sua disciplina própria.” (Questões de Organização) “A organização revolucionária não se converte em vanguarda pelo fato de autodenominar-se como tal. Para isso é necessário passar a ação e acumular uma prática revolucionária convincente, pois somente a ação faz a vanguarda.” (Questões de Organização) “O que determina o surgimento e a afirmação de uma direção política é a prática das ações revolucionárias, seu acerto e conseqüência, e a participação definitiva, constante, direta e pessoal dos integrantes da direção na execução destas ações.” (Questões de Organização) “O elemento propulsor decisivo para o funcionamento da organização revolucionária é a capacidade de iniciativa de seus grupos revolucionários. Nenhuma direção ou coordenação tem autoridade para impedir qualquer iniciativa dos grupos revolucionários com a finalidade de desencadear a ação revolucionária.” (Questões de Organização) “Não há direção política sem desprendimento e capacidade de sacrifício e sem participação direta na ação revolucionária. A direção política não significa um mérito nem um reconhecimento 26 pela importância e hierarquia dos cargos. Os cargos não tem valor. Na organização revolucionária somente existem missões e tarefas a cumprir.” (Questões de Organização) “O limite de nossa organização revolucionária chega até onde alcança nossa influência e nossa capacidade revolucionária.” (Questões de Organização) O profissionalismo político “Os chamados funcionários do partido são sempre homens sujeitos a perder a ajuda de custo do Comitê Central ou de qualquer outro órgão dirigente, se manifestam opiniões contrárias à direção. O profissional revolucionário deve existir, mas suas relações com a organização devem ser estabelecidas segundo critérios revolucionários e de acordo com os interesses da revolução, jamais para satisfazer à vontade de um grupo que manda.” Os membros da organização “Os membros desta organização são homens e mulheres decididos a fazer a revolução. Os comunistas de tal organização são companheiros e companheiras de espírito e iniciativa, livres de qualquer espírito burocrático e rotineiro, que não esperam pelos chamados assistentes, nem ficam de braços cruzados aguardando ordens.” “Ninguém é obrigado a pertencer a esta organização. Os que a aceitam, tal como ela é e dela vêm a fazer parte, só o fazem voluntariamente, só querem ter compromissos com a revolução.” Democracia revolucionária “A democracia desta organização é a democracia revolucionária, onde o que vale é a ação, o que se leva em conta é o interesse da revolução, onde a iniciativa concreta é o dever fundamental.” 27 “Os princípios pelos quais se rege esta organização são três: o primeiro é que o dever de todo revolucionário é fazer a revolução; o segundo é que não pedimos licença para praticar atos revolucionários e o terceiro que só temos compromissos com a revolução.” (Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo) Poemas de Marighella Liberdade “Não ficarei tão só no campo da arte, e, ânimo firme, sobranceiro e forte, tudo farei por ti para exaltar-te, serenamente, alheio à própria sorte. Para que eu possa um dia contemplar-te dominadora, em férvido transporte, direi que és bela e pura em toda parte, por maior risco em que essa audácia importe. Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não exista força humana alguma que esta paixão embriagadora dome. São Paulo, Presídio Especial, 1939 E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome. 28 Rondó da liberdade É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão. Não ficar de joelhos, que não é racional renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas. É preciso não ter medo. é preciso ter a coragem de dizer. O homem deve ser livre ... O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo, e pode mesmo existir até quando não se é livre. E no entanto ele é em si mesmo a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do humano sentimento. É preciso não ter medo. é preciso ter a coragem de dizer. 29 30 31 Carlos Marighella: a chama que não se apaga Filho de imigrante italiano e de uma negra descendente de escravos sudaneses, abandona a Escola Politécnica da Bahia e ingressa no Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1934. Preso e torturado em 1936 e 1939 permanece quase seis anos em Fernando de Noronha e Ilha Grande, de onde saiu com a anistia de 1945. Eleito deputado federal constituinte, foi cassado em 1947. De volta à clandestinidade, trabalha na imprensa e organização do partido, ocupando vários cargos na direção do PCB. Em maio de 1964 resiste à prisão, é baleado e preso. Demite-se da comissão executiva em 1966 e torna pública sua discordância com a linha pacífica do PCB. Expulso no ano seguinte organiza a Ação Libertadora Nacional (ALN) e participa diretamente de ações da guerrilha urbana entre 1968 e 1969, quando é assassinado por uma equipe do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) chefiada pelo delegado Fleury. O 4 de Novembro de 1969 incorporou-se à história graças a um feito policial-militar que culminou no assassinato de Carlos Marighella. Faz, portanto, quinze anos que mo-rreu o principal líder e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), figura política que se tornara conhecida como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), seu dirigente de cúpula e também seu deputado no Congresso que elaborou a Constituição de 1946. Ele foi perseguido como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação da memória coletiva. Só em 10 de dezembro de 1979, quando seus restos mortais foram trasladados para Salvador, sua cidade natal, Jorge Amado proclamou o fim da interdição expiatória: “Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos Marighella”. No ano passado, removemos outra parte da interdição, em uma cerimônia pública de recuperação cívica e de homenagem que “lavou a alma” de socialistas e comunistas de São Paulo. Um Homem não desaparece com a sua morte. Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira 32 estátua à distância. É o que sucede com Marighella. Ele morreu consagrado pela coragem indômita e pelo ardor revolucionário. Os carrascos trabalharam contra si próprios; ao martirizá-lo, forjaram o pedestal de uma glória eterna. Agora, esse homem volta à atualidade histórica. Ele não redimiu os oprimidos nem legou um partido novo. Mas atravessou as contradições que vergaram um partido que deveria ter enfrentado a ditadura revolucionariamente, acontecesse o que acontecesse. Desmascarou assim a realidade dos partidos proletários na América Latina. Em uma situação histórica de duas faces (como gosto de descrever), contra-revolução e revo-lução ficam tão presas uma à outra que são os dois lados de uma mesma moeda. À superfície, parece que a luta de classes opera em mão única - no sentido e a favor dos donos do capital e do poder. Todavia, no subterrâneo (na “infraestrutura da sociedade” ou no “meio social interno”) existem várias fogueiras, e o aparecimento de alternativas históricas pode depender de “um punhado de homens corajosos” ou de partidos organizados e preparados para a revolução. Em vários países da América Latina, entre eles o Brasil, a burguesia - apesar da dependência econômica, cultural e política está encravada nas estruturas de poder nacional e as controla com mão de ferro. As ditaduras, “tradicionais” ou “modernas”, marcam as oscilações súbitas, às vezes de curta duração, da guerra civil latente para a guerra civil aberta. Nenhum partido dos oprimidos pode pretender-se revolucionário, na orientação socialista ou comunista, se não estiver preparado para enfrentar tenaz e ferozmente essas oscilações. A “legalidade”, na acepção de uma sociedade civil civilizada, é uma ficção. O grande valor de Carlos Marighella como de outros que enfrentaram corajosa e lucidamente aquelas contradições, com a “crise interna do partido” está no fato de ter compreendido objetivamente e exposto sem vacilações o que a experiência lhe ensinava. No diagnóstico, algumas vezes, ficou preso a uma terminologia equivocada e a concepções mais ou menos obsoletas, terminologia e concepções que ele pretendia apurar e 33 superar através de uma prática revolucionária conseqüente com o marxismo-Ieninismo e com as exigências da situação histórica. Por fim, acabou vitimado pela vulnerabilidade central: a inexistência do partido que poderia abrir novos rumos na transformação revolucionária da sociedade. Um partido desse tipo não nasce de um dia para o outro. Requer uma difícil e longa construção. Marighella caiu nos ardis que apontara, tentando derrotar o inimigo onde era impossível fugir ao seu “cerco militar estratégico”. Não fora ao fundo da análise da revolução cubana, ignorando o quanto uma situação histórica revolucionária simplificara os caminhos daquela revolução. A “via militar” revolucionária, no entanto, se mostraria frágil sob o capitalismo dependente mais diferenciado e, por vezes, avançado da América do Sul, especialmente depois da vitória do Exército Rebelde em Cuba. As deficiências e os equívocos de Carlos Marighella resultaram de fatores incontroláveis e insuperáveis. Ele foi até onde seu dever exigia, sem meios para tornar a missão necessária realizável. A revolução proletária não é um “objetivo” do partido revolucionário. Ela é, ao mesmo tempo, sua razão de ser, seu sustentáculo e seu produto, mas de tal modo que, quando o partido revolucionário surge, ele é um coordenador, concentrador e dinamizador de forças sociais explosivas existentes. Como assinalou Karl Marx, “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvêlo existem ou estão em vias de existir”. O que qualifica e distingue as posições assumidas por Carlos Marighella é o propósito de romper com uma linha adaptativa, que retirava o Partido Comunista do pólo proletário da luta de classes, convertendo-o em “cauda” permanente e em esquerda potencial da burguesia. O seu marxismo-leninismo ficou muito mais próximo da intenção que da elaboração teórica e prática conseqüente. O que não o impediu de encontrar, através da prioridade política da prática e da 34 acumulação de uma vasta experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante que o marxismo acadêmico só descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas (ainda que seja impossível reabsorver o conjunto das soluções teóricas e práticas que inspirou e difundiu). Em três pontos, pelo menos, é indispensável torná-Io como referência de uma purificação marxista dos nossos partidos proletários revolucionários. O primeiro ponto tem a ver com os vínculos diretos da teoria com os fatos concretos e com a realidade, pela experiência crítica e pela ação crítica. Essa orientação é básica para a elaboração de um comunismo ma de in América Latina, construído por nós, embora com raízes marxistas e leninistas. Ele situa em plano secundário o intelectual “teórico”, eurocêntrico; e repele as “soluções importadas”, que impunham os modelos inviáveis de algum monolitismo soviético, chinês, etc. O segundo ponto é o mais decisivo, pois põe em questão qual é o partido comunista revolucionário que deve surgir das condições econômicas, sociais e políticas dos países da América Latina (e do Brasil, em particular). Uma sociedade civil que repele a civilização para todos e um Estado que concentra a violência no tope para aplicá-la de forma ultra-opressiva e ultraegoísta envolvem uma barbárie exasperada específica. Tal partido deverá ser, sempre, uma espécie de iceberg, por mais confiável e durável que pareça sua “legalidade”. Isso lhe permitirá interagir dialeticamente nos dois níveis da transformação revolucionária da sociedade - o burguês, por dentro da ordem; e o proletário e o camponês, contra a ordem. O terceiro ponto refere-se à aliança com a burguesia, que nunca deveria ter alcançado a densidade e a permanência que atingiu. Um partido comunista dócil à burguesia nunca será proletário nem revolucionário e terá, como sina inexorável, que perverter a 35 aliança política. “O segredo da vitória é o povo.” O eixo de gravitação das alianças está, portanto, na solidariedade entre os oprimidos; em suas lutas antiimperialistas, nacionalistas e democráticas, tanto quanto nas suas tentativas de domar a supremacia burguesa, conquistar o poder ou implantar o socialismo. Em suma, Carlos Marighella era um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. Ele ainda desafia os seus perseguidores e merece dos companheiros de rota (e do antigo partido) que levem seriamente em conta sua tentativa de equacionamento teórico e prático do enigma do movimento comunista no Brasil. Florestan Fernandes - A contestação necessária - Editora Ática, 1995 36 Meu companheiro - depoimentos de Clara Charf Entrevista realizada por Jorge Nóvoa e Cristiane Nova, em Salvador 1993. Publicada no livro Carlos Marighella, o Homem por trás do Mito, editora Unesp, 1999. Fale-nos um pouco do Marighella antes desse momento de seu encontro com ele, do Marighella com que você não conviveu, mas pôde conhecer pela sua memória ou de pessoas que conviveram com ele. Marighella nasceu na Bahia, filho de um italiano com uma negra. Passou a juventude numa família numerosa, pobre. Era muito um menino de rua, que gostava de jogar futebol, que levava uma vida simples, de trabalhador. Todo mundo conhecia o casal. Seu pai tinha uma oficina mecânica, na Barão de Desterro, nº 9. O pai de Marighella era um homem muito inteligente, aqueles imigrantes italianos de idéia anarquista, que acha que todo mundo deve ser ajudado. Marighella contava que, na sua infância, ele dormia na oficina mecânica, porque era uma família muito numerosa e não tinha onde estudar. Então ele esperava todo mundo ir dormir e deitava com dois tijolos e estudava até tarde. Seus irmãos contavam isso também. Ele era uma pessoa muito inteligente. As pessoas que conviveram com ele dizem que tinha uma inteligência muito viva, muito apaixonada e muito rebelde. Imagine que, naquela época, ele participou de protestos contra a nãoinclusão de negros na escola. Era uma figura rebelde e isso não pode ser atribuído apenas à influência da família. Tirando o Caetano, os outros irmãos não enveredaram na política. O Caetano já morreu; era o caçula e ajudou muito o Marighella. Foi da Petrobrás e foi perseguido depois do golpe militar. Ele era muito boêmio e, quando morreu, foi um fato na Bahia, porque ele conhecia todo mundo, era boa praça, contava piada... Ele esteve no Sul e morou com a gente um tempo em São Paulo. Trabalhou com Marighella na clandestinidade e depois voltou para a Bahia. E quando o Marighella 37 morreu, ele foi de uma coragem muito grande. Ele foi a primeira pessoa que apareceu para exigir a entrega do corpo do irmão. Na época, a situação era de terror; ninguém podia se aproximar, a polícia não deixava chegar perto. O Caetano, então, contava muita coisa da influência do Marighella. Dizia que ele vivia na rua batendo bola, com aquele seu “pezão”. Dizia que ele chegava tarde em casa, perdia o jantar e a mãe ficava furiosa porque, com a família muito grande, tudo tinha que ser controlado. E o pai ia dar uma surra nele e ele se escondia embaixo da cama. Aí a mãe ficava com pena, fritava um ovo e dava para ele comer. Foi uma vida de família numerosa. Ele dava aulas para muitos filhos de família rica, pois era muito bom em matemática. Ele foi um estudante que criava fatos pra causar impacto. Um dia ele chegou e disse que queria dar um concerto e ninguém sabia qual o instrumento que o Marighella sabia tocar, mas ele espalhou isso. Ele era um gozador, dentro da valentia, da dedicação e da firmeza, ele tinha essa coisa da brincadeira. A escola toda foi ver e ele chegou com a mão bem grande no piano e batia forte no teclado e quase foi posto para fora da escola. Tinha também um senso de justiça muito grande e isso você pode ver analisando suas prosas. Protestava quando achava que as coisas não estavam bem. Ele tinha aula numa sala que se dizia que era um horror de calor; e ele chamava de sala B, a sala da fornalha. Tudo que achava que era errado, protestava através do verso com ironia. Quando veio a revolução de 1930, ele tinha 19 anos, a vida tornou-se muito complicada, com a intervenção militar do Juracy Magalhães. E todo mundo começou a se queixar. Ele lançou os versos contra Juracy. Este, então, mandou pegá-lo e prendêlo e levou uma surra violenta. E teve que fugir; o pai dele o mandou por um caminhão para o interior com medo que alguém o matasse. Mas ao mesmo tempo em que era rebelde, era uma pessoa que não tinha agressividade, era doce no trato e era isso que dava seu encanto. As pessoas se tornavam amigas e adoravam bater papo com ele. Era um homem que se dava muito para os outros. Sempre ajudou quem 38 estava precisando. Então essas duas facetas de sua personalidade marcaram seu comportamento político, durante toda a sua vida. Naquela época (até por volta de 1933), ele manifestava essa rebeldia através de poesias e da sátira. Contava piadas dos professores, contava como os professores se burocratizavam; ele detestava a burocracia. Quando encontrava um novo colega na turma, ele lhe dizia: “Quer ver, quando tal professor chegar, ele vai dizer tal frase”. E o professor dizia exatamente aquilo. A partir de 1933, quando começa a ascensão do nazismo e no momento em que os integralistas começam a crescer no país, ele aos poucos foi se integrando na luta da esquerda do país. Ligou-se à Federação Vermelha de Estudantes e a partir daí passou a ser militante comunista. E como era o Marighella em relação à religião? O Marighella não era contra a religião. Ele acreditava que o Brasil jamais poderia se desenvolver sem a mistura. Escreveu até um trabalho – que a gente não recuperou até hoje – sobre o sincretismo religioso. Católicos, protestantes, gente do candomblé, ele achava que era tudo uma grande família. Quando foi preso em 1964 muitas pessoas de diferentes religiões rezaram por ele e depois mandaram avisá-lo. E ele achou fantástico e dizia que o Brasil era também isso. Havia muito sectarismo anti-religioso no meio dos comunistas: mas ele nunca o apoiou. Ele tinha um sentimento de povo. Ele achava que não se podia fazer política sem respeitar a cultura e as tradições populares. Tinha um profundo respeito pelo jeito de ser das pessoas. E depois de 1933? Em função da sua infância, da situação no país e das características de sua personalidade, Marighella seguiu o caminho da esquerda, ligou-se à Federação Comunista dos Estudantes, entrou no Partido, desligou-se da Escola de Engenharia e foi para o Rio 39 de Janeiro para ter um papel na divulgação e propaganda política. Como ele tinha essa facilidade para escrever, para se comunicar, achavam que podia ser um grande divulgador das idéias comunistas. Foi para o Rio e foi preso quando chegou lá, em 1936. Era o período posterior à Intentona de 1935 e muita gente estava sendo presa. Ele foi procurar uma pessoa que era sua ligação no Rio e, quando chegou, a polícia já tinha ocupado a casa e estava esperando para ver se chegava alguém; ele chegou e foi preso. Apanhou e ficou com uma marca na sobrancelha. Ficou preso até 1937, quando houve a primeira anistia. Nesse primeiro ano de prisão, ele deixou a marca da coragem, da dignidade, por não ter falado, mesmo sob tortura. Solto, ele foi mandado para São Paulo, pelo Partido Comunista. Em São Paulo, ele trabalhou de 1937 a 1939 reorganizando o Partido. Havia naquela época a luta entre comunista, trotskistas e anarquistas. E ele teve um papel aí também, apesar de que, nesse processo, fez grandes amizades, como a de Hermínio Sacchetta (que queria um bem enorme a ele), o homem que liderava o movimento trotskista. Nessa época, ele reorganizava o trabalho do Partido, do movimento operário. Ele trabalhou muito junto aos operários da indústria têxtil, da construção, do porto, indo também para o interior. E, nesse trabalho de reorganização foi preso em 1939. É, então, sua terceira prisão. Essa foi a prisão na qual ele foi mais torturado. Ele ficou num presídio especial, incomunicável, quase morto e, nessa prisão, escreveu a poesia “Liberdade”. E depois do golpe de 1964? Quando o golpe se dá, o único dirigente que tinha uma casa onde pudesse se esconder, escapar da perseguição inicial, foi o Marighella. Ele estava tão certo de que a tendência era essa que ele não foi apanhado de surpresa. O golpe foi deflagrado e a gente conseguiu fugir de casa naquela noite. A polícia subiu pelo elevador e nós descemos pela escada. Como ele estava tão convencido de que o golpe viria e estava em contato com elementos de oposição, no dia seguinte ao acontecimento tentou organizar a resistência. 40 Depois é preso e baleado no dia 9 de maio de 1964. Com o primeiro habeas-corpus, ele não saiu; com o segundo, após ter levantado uma comoção muito grande no Rio, ele conseguiu ser libertado. Solto, ele escreve o livro Por Que Resisti À Prisão e vai progressivamente desenvolvendo as teses de que o caminho pacífico não poderia mais prevalecer naquelas circunstâncias. Mas ele ainda não pregava abertamente a luta armada. Começou a travar uma luta pela mudança da linha dentro do Partido, que estava preparando o VI Congresso. Lá ele tentaria defender essas teses. E ele já tinha ganhado uma discussão anterior ao Congresso. Veio, então, o convite para OLAS, para a qual o Marighella foi convidado pessoalmente. A maioria esmagadora do Partido era a favor da mudança de linha do Comitê, ainda sem pregar abertamente a luta armada. Era a idéia de se contestar a ditadura com outras formas de ataque. Ele desenvolve essa visão num outro livro chamado A Crise Brasileira, onde fala da experiência das lutas pela libertação do Brasil contra os holandeses. Boa parte dos comunistas vivia uma contradição, porque não desejava abandonar o Partido, mas não concordava com sua linha. Era uma espécie de choque, onde as idéias defendidas pelo Marighella foram progressivamente ganhando espaço. Ele foi para OLAS e se colocou do lado das suas definições e rompeu com o Partido. Aí o Marighella escreveu o trabalho chamado Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil, um artigo que o Jornal do Brasil publicou na época dedicado ao Che Guevara. Eles o publicaram porque, assim, revelaram publicamente que os comunistas estavam pregando a luta armada. Com o Partido censurado na época a publicação do artigo foi um choque violentíssimo. Ele volta clandestinamente para o Brasil e cria, com os comunistas que tinham se afastado do Partido, o Agrupamento Comunista de São Paulo, fazendo uma transição para a posterior formação da ALN (Ação Libertadora Nacional). E depois da sua luta na ALN, veio a morte. Ele foi para um encontro com os padres, do qual a polícia já tinha conhecimento (ela recebeu essa informação dos que não resistiram à tortura). Prepararam o cerco na região para a emboscada e ele foi baleado ali. Esse é o quadro que a gente tem até hoje. 41 Jorge Amado “Eu me recordo de quando caiu sobre nós a verdade sobre Stalin - que era nosso “pai”, “o pai dos povos”, aquele que nos tinha salvo do milênio hitlerista que iria dominar o mundo. (...) Para os companheiros nossos aquilo caiu repentinamente sobre suas cabeças. Eu assisti às suas reações porque eu trouxe um . relatório, naquela época, do PCUS para o PCB. E, enquanto eu falava, contando as coisas que me tinham sido ditadas para serem ditas, uns reagiam de uma forma violenta, uns camaradas até me agrediam, achando que eu era mentiroso, que eu era um traidor, que eu era isso ou aquilo. E outros estavam tensos. E, então, eu vejo Marighella, que estava sentado ao meu lado - ele era suplente, diretor político do Partido, da Comissão Executiva -, com as lágrimas correndo sobre seus olhos. Eu vi essas mesmas lágrimas quase um ano depois, no mento da reunião - já após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética -, em que o PCB discutiu o famoso Relatório Kruschev. (...) E Marighella começou a falar e, de repente, os soluços irromperam e ele começou a chorar e não pode sequer concluir seu discurso. Isso quer dizer que ele era um homem capaz de ter emoção, do choro, do pranto. Pranto que, às vezes, nós, os militantes, achávamos que era indigno de um comunista. Quando chorou, Marighella foi digno dos homens dignos”. (Jorge Amado, in Carlos Marighella - O homem por trás do mito, Ed. Unesp) Emiliano José “Em Fernando de Noronha, Marighella participava de tudo. Entusiasmado, dedicou-se de modo particular à construção de um pequeno teatro, no qual várias peças foram encenadas para platéias não só de presos como de moradores da ilha. Organizavam programas de auditório, como se fossem programas de rádio. Era a ‘PRANL’, em que os locutores organizavam o noticiário a partir daquilo que colhiam sorrateiramente nas visitas 42 ou do que liam nos jornais. Outros faziam paródias das músicas do momento e os “cantores” as interpretavam. Havia sempre uma crônica política, destinada a aumentar a compreensão de todos sobre a conjuntura. Marighella trabalhou também muito tempo na cozinha, ao lado de Gregório Bezerra e Benedito de Carvalho, esmerandose, por determinação do coletivo, em reforçar o café da manhã, o que fazia às vezes com um cuscuz de milho, uma papa de aveia ou, no máximo do requinte, com um gostosíssimo munguzá, isso particularmente aos domingos” (Emiliano José, Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar). Frei Betto “As pessoas que amamos e com quem comungamos a vida, sorvendo alegrias, tristezas, esperanças e riscos, ficam gravadas no coração como a imagem única do rosto fotografado à luz oblíqua de um raio de sol que não se repete. Impossível reproduzir essa imagem, inútil dissertar sobre ela. Por isso, Clara Charf, compreendo a tua luta. (....) A esperança libertadora aproximou-os em 1946. A militância no Partido promoveu o teu encontro com o dirigente que trazia no corpo os estigmas recentes dos longos anos de prisão sob a ditadura de Vargas. Todavia, as tarefas acertadas eram como o pomar carregado de frutos expostos ao vendaval imprevisto. A atuação ilegal sob risco permanente prolongou, por dois anos, a ansiosa paciência da atração conferida pela cumplicidade política. Em 1948, já não era mais possível suportar a convivência paralela. Apesar dos imprevistos e das limitações da vida clandestina, o amor uniu-os por esses mesmos laços que os ligavam à luta. Estavam os dois sob prisão preventiva decretada, caçados pela polícia e, no entanto, partilhando o pão, a carne e o afeto no sigilo exigido pelo desempenho rigoroso de tarefas. Tua alegre discrição, Clara, represava as torrentes da paixão. Não podias dizer aos camaradas que eras a esposa de Marighella. Quantas vezes não participaste de reuniões ao lado dele, forçada a tratá-lo com 43 cerimônia, chamando-o pelo nome de guerra, acertando detalhes como se fossem passar longo tempo sem se verem! (...) Tantas e tantas lembranças, Clara, que se guardam no teu coração e que jamais serão conhecidas, pois pertencem à linguagem que as palavras não traduzem ... No futuro, as gerações deste país haverão de se orgulhar da história nacional marcada pela presença de Carlos Marighella.” (Frei Betto, in Carlos Marighella, o Homem por trás do Mito, Ed. Unesp) Diógenes Arruda Câmara “Nós tínhamos um aparelho clandestino bastante bem organizado. O Partido naquele tempo era rico. Por quê? Porque, avaliem vocês: nós tínhamos 17 deputados. Ganhava um deputado 24 mil cruzeiros. Marighella e Amazonas, que eram solteiros, recebiam cerca de 600 cruzeiros. Eu era casado e recebia 1 200 cruzeiros. O resto ficava para o Partido? Todo o resto ficava para o Partido. De 24 mil, tirava 600, no caso do Marighella... Marighella, Amazonas... Os solteiros. Os casados tinham proporcional à família.” (Diógenes Arruda Câmara, entrevista a Iza Freaza, 1979. Disponível em http:// www.marxists.org/portugues/arruda/1979/06/entrevista.htm, acessado em 12 de outubro de 2009) 44 Vai Carlos Ser Marighella na Vida Ai Brasil, Quem escapa do desamor em tuas noites ferozes Quem se salva da ciência dos teus doutos sábios doutores Quem foge de teus senhores algozes Nasce com alguma forma de homem E se não morre dos sete dias Nem do angu de farinha Vai um dia pro batismo Recebe por sorte um nome Vai ser João ou Maria Vai ser José ou das Dores Vai ser de Deus Jesus ou dos Santos Ou serão Carlos que nunca foram E serão assim brasileiros como tantos E serão sempre brasileiros Que serão de algum terreiro Bloco sujo carnavalesco Lesco-lesco café ralo com torresmo Ou de nada nada mesmo Como nós assim a esmo E quem capitão de areia num livro de Jorge Amado Aprende lição das coisas E quem insone nas madrugadas é mulher de lobisomem Ou aprende nas ciladas que o pior lobo dos homens Talvez seja o próprio homem Quem retirante escapa num quadro de Portinari Quem poeta quer ter frátria de Veloso ou de Vinícius pátria amada 45 Quem gracilianamente deságua desta vida seca agrária Ou na solidão urbana sonha a vida humana solidária Quem na cartilha suburbana soletra o nome fulô Quem nasce de negra índia ou branco E sobe ligeiro ou manco as ladeiras do Pelô Quem descasca uma banana E se consome no sonho da grande mesa comum Para a imensa toda fome Quem assim vive não morre Vai virando jacarandá ou poesia pau-brasil Virando samba e cachaça Se torna gol de Garrincha se torna mel de cabaça Se torna ponta de lança do esporte clube da raça Se torna gente embora gente nem nascida Mas (quem sabe?) pode ser Um dia gauche na vida Se torna nossa aquarela Torna-se Carlos Marighella Um anjo doce na morte Que os homens tortos quiseram Sem que te matassem ainda Capinam, maio de 1994. 46 47 Em memória de Carlos Marighella C arlos Marighella tombou na noite de 4 de novembro de 1969, em São Paulo, numa emboscada chefiada pelo mais notório torturador do regime militar. Revolucionário destemido, morreu lutando pela democracia, pela soberania nacional e pela justiça social. Da juventude rebelde, como estudante de Engenharia, em Salvador, às brutais torturas sofridas nos cárceres do Estado Novo; da militância partidária disciplinada, às poesias exaltando a liberdade; da firme intervenção parlamentar como deputado comunista na Constituinte de 1946, à convocação para a resistência armada, toda a sua vida esteve pautada por um compromisso inabalável com as lutas do nosso povo. Decorridos quarenta anos, deixamos para trás o período do medo e do terror. A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a plenitude do sistema representativo, concluindo uma longa luta de resistência ao regime ditatorial. Nesta caminhada histórica, os mais diferentes credos, partidos, movimentos e instituições somaram forças. O Brasil rompeu o século 21 assumindo novos desafios. Prepara-se para realizar sua vocação histórica para a soberania, para a liberdade e para a superação das inúmeras iniqüidades ainda existentes. Por outros caminhos e novos calendários, abre-se a possibilidade real do nosso País realizar o sonho que custou a vida de Marighella e de inúmeros outros heróis da resistência. Garantida a nossa liberdade institucional, agora precisamos conquistar a igualdade econômica e social, verdadeiros pilares da democracia. A América Latina está superando um longo e penoso ciclo histórico onde ocupou o lugar de quintal da superpotência imperial. Mais uma vez, estratégias distintas se combinam e se complementam para conquistar um mesmo anseio histórico: independência, soberania, distribuição das riquezas, crescimento econômico, respeito aos direitos indígenas, reforma agrária, ampla participação política 48 da cidadania. Os velhos coronéis do mandonismo, responsáveis pelas chacinas e pelos massacres impunes em cada canto do nosso continente, estão sendo varridos pela história e seu lugar está sendo ocupado por representantes da liberdade, como Bolívar, Martí, Sandino, Guevara e Salvador Allende. E o nome de Carlos Marighella está inscrito nessa honrosa galeria de libertadores. A passagem dos quarenta anos do seu assassinato coincide com um momento inteiramente novo da vida nacional. A secular submissão está sendo substituída pelos sentimentos revolucionários de esperança, confiança no futuro, determinação para enfrentar todos os privilégios e erradicar todas as formas de dominação. O novo está emergindo, mas ainda enfrenta tenaz resistência das forças reacionárias e conservadoras que não se deixam alijar do poder. Presentes em todos os níveis dos três poderes da República, estas forças conspiram contra os avanços democráticos. Votam contra os direitos sociais. Criminalizam movimentos populares e garantem impunidade aos criminosos de colarinho branco. Continuam chacinando lideranças indígenas e militantes da luta pela terra. Desqualificam qualquer agenda ambiental. Atacam com virulência os programas de combate à fome. Proferem sentenças eivadas de preconceito contra segmentos sociais vulneráveis. Ressuscitam teses racistas para combater as ações afirmativas. Usam os seus jornais, televisões e rádios para pregar o enfraquecimento do Estado. Querem o retorno dos tempos em que o deus mercado era adorado como o organizador supremo da Nação. Não admitimos retrocessos. Nem ao passado recente do neoliberalismo e do alinhamento com a política externa norteamericana, nem aos sombrios tempos da ditadura, que a duras penas conseguimos superar. A homenagem que prestamos a Carlos Marighella soma-se à nossa reivindicação de que sejam apuradas, com rigor, todas as violações dos Direitos Humanos ocorridas nos vinte e um anos de ditadura. 49 Já não é mais possível interditar o debate retardando o necessário ajuste dos brasileiros com a sua história. Exigimos a abertura de todos os arquivos e a divulgação pública de todas as informações sobre os crimes, bem como sobre a identidade dos torturadores e assassinos, seus mandantes e seus financiadores. Precisamos enfrentar as forças reacionárias e conservadoras que defendem como legítima uma lei de auto-anistia que a ditadura impôs, em 1979, sob chantagens e ameaças. Sustentando a legalidade de leis que foram impostas pela força das baionetas, ignoram que um regime nascido da violação frontal da Constituição padece, desde o nascimento, de qualquer legitimidade. E procuram encobrir que eram ilegais todas as leis de um regime ilegal. Sentindo-se ameaçadas, estas forças renegam as serenas formulações e sentenças da ONU e da OEA indicando que as torturas constituem crime contra a própria humanidade, não sendo passíveis de anistia, indulto ou prescrição. E se esforçam para encobrir que, no preâmbulo da Declaração Universal que a ONU formulou, em 10 de dezembro de 1948, está reafirmado com todas as letras o direito dos povos recorrerem à rebelião contra a tirania e a opressão. Por tudo isso, celebrar a memória de Carlos Marighella, nestes quarenta anos que nos separam da sua covarde execução, é reafirmar o compromisso com a marcha do Brasil e da Nuestra America rumo à realização da nossa vocação histórica para a liberdade, para a igualdade social e para a solidariedade entre os povos. Celebrando a memória de Carlos Marighella, abrimos o diálogo com as novas gerações garantindo-lhes o resgate da verdade histórica. Reverenciando seu nome e sua luta, afirmamos nosso desejo de que nunca mais a violência dos opressores possa se realimentar da impunidade. Carlos Marighella está vivo na nossa memória e nas nossas lutas. Brasil, 4 de novembro de 2009. 50 001. Antônio Cândido 002. Fabio Konder Comparato - Jurista, Professor USP 003. Clara Charf 004. Renée de Carvalho 005. Helena Greco - Militante de Direitos Humanos 006. Maria Victoria Benevides - Socióloga, professora da USP 007. Emir Sader - Sociólogo, presidente da Clacso 008. Fernando Morais - Escritor 009. Pedro Casaldaliga - Bispo emérito e poeta 010. Frei Betto - Escritor 011. Leonardo Boff - Teólogo, escritor 012. Antonio Cechin - Irmão Marista, Catequista 013. Marcelo de Barros Souza - Benedetino e teólogo 014. Dilma Rousseff - Economista 015. Nilcéa Freire - Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres 016. Franklin Martins 017. Patrus Ananias - Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 018. Paulo Abrão - Presidente da Comissão de Anistia 019. Paulo Vanucchi - Cientista político 020. Perly Cipriano - Diretório Nacional do PT 021. José Sérgio Gabrielle de Azevedo - Presidente da Petrobras 022. José Dirceu - Ex-Ministro-Chefe da Casa Civil do governo Lula 023. João Pedro Stedile - Ativista do MST 024. Artur Henrique da Silva - Presidente Nacional da CUT 025. Margarida Genevois - Socióloga 026. Maria Amélia de Almeida Teles - União de Mulheres-SP 027. Jair Krischke - Militante dos Direitos Humanos 028. Carlos Gilberto Pereira - Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais - SP 029. Heloisa Bizoca Greco - Coordenadora do IHG 030. José de Souza Cândido - Deputado Estadual PT-SP 031. Adriano Diogo - Deputado Estadual PT-SP 032. Ana Perugini - Deputado Estadual PT-SP 033. Antônio Mentor - Deputado Estadual PT-SP 034. Beth Sahão - Deputado Estadual PT-SP 035. Carlinhos Almeida - Deputado Estadual PT-SP 036. Enio Tatto - Deputado Estadual PT-SP 037. Eliseu Gabriel - Vereador PSB-SP 038. Fausto Figueira - Deputado Estadual PT-SP 039. José Zico Prado - Deputado Estadual PT-SP 040. Lindberg Faria - Prefeito de Nova Iguaçu 041. Hamilton Pereira - Deputado Estadual PT-SP 51 042. Marcos Martins - Deputado Estadual PT-SP 043. Maria Lúcia Prandi - Deputada Estadual PT-SP 044. Roberto Felício - Deputado Estadual PT-SP 045. Rui Falcão - Deputado Estadual PT-SP 046. Simão Pedro - Deputado Estadual PT-SP 047. Vanderlei Siraque - Deputado Estadual PT-SP 048. Vicente Cândido - Deputado Estadual PT-SP 049. Ítalo Cardoso - Vereador PT-SP 050. Marcelo Santa Cruz - Vereador PT-PE 051. Jackson Lago - Governador eleito do Maranhão, PDT-MA 052. Janete Capiberibe - Deputada Federal PSB- Amapá 053. João Capiberibe - Ex-governador do Amapá 054. Ivan Pinheiro - Secretário Geral do PCB 055. Carlos Marés - Procurador Geral do Estado do Paraná, Professor PUC-PR 056. Guilem Rodrigues da Silva - Juiz 057. Ivan Seixas - Presidente do CONDEPE-SP 058. Maurice Politi - Presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política 059. Raphael Martinelli - Presidente do Fórum Permanente de ex-presos políticos 060. Ilda Martins da Silva - em nome da família de Virgílio Gomes da Silva 061. Romildo Maranhão do Valle - irmão desaparecido político Ramires M. do Valle 062. Júlio César Senra Barros - Coordenador Municipal do Pronasci-RJ 063. Idibal de Almeida Pivetta - Advogado de presos político 064. Marcello Cerqueira - Advogado 065. Samuel Mac Dowell de Figueiredo - Advogado 066. Carlos Augusto Marighella - Advogado 067. Marco Antônio Rodrigues Barbosa - Advogado 068.Vanderley Caixe - Advogado 069. Silvia Negrão - Advogada 070. Alexandre Oliveira Maciel - Advogado 071. Regina Paixão Linhares - Advogada 072. Paulo Henrique Teles Fagundes - Advogado 073. João Luiz Duboc Pinaud - Advogado 074. Pedro Albuquerque - Advogado e Sociólogo 075. Theotonio Dos Santos - Economista e Sociólogo 076. Carlos Lichtsztejn - Economista 077. Chico de Oliveira - Sociólogo 078. Heloisa Fernandes - Socióloga, profª da ENFF e USP 079. Heleieth Iara Bongiovani Saffioti - Socióloga 080. Jun Nakabayashi - Sociólogo 081. Eliana Rolemberg - Socióloga 082. Edival Nunes Cajá - Presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa 52 083. Roque Aparecido da Silva - Sociólogo 084. Nelson Serathiuk - Sociólogo político 085. Miriam Abramovay - Socióloga 086. Sonia Eliane Lafoz - Socióloga 087. Neiva Moreira - Cientista Político RJ 088. Ester Góes - Atriz 089. Fabiana Ferreira - Poeta 090. Wagner Tiso - Músico 091. Silvio Tendler - Cineasta 092. Sérgio Muniz - Cineasta 093. Ronaldo Duque - Cineasta 094. Jorge Duran - Cineasta 095. José Joffily - Cineasta 096. Luiz Carlos Lacerda - Cineasta 097. Manfredo Caldas - Documentarista 098. Marcio Curi - Cineasta e produtor 099. Ana de Holanda - Cantora e compositora 100. Beth Carvalho - Cantora e compositora 101. João Miguel - Ator 102. Maria Marighella - Atriz 103. Paulo Betti - Ator 104. Inez Oludé da Silva - Artista Plástica 105. Gloria Ferreira - Critica de arte 106. Dulce Maia - Artista Plástica 107. Graciela Rodrigues - Artista Plástica 108. Nilmário Miranda - Jornalista 109. Vladimir Sacchetta - Jornalista e produtor cultural 110. Rose Nogueira - Jornalista 111. Mouzar Benedito - Jornalista 112. Paulo Cannabrava - APIJOR 113. Mariluce Moura - Jornalista. 114. Maria Matilde Leone - Jornalista 115. Hildegard Angel - Jornalista 116. Delson Plácido - Jornalista, Grupo Tortura Nunca Mais 117. Celso Lungaretti - Jornalista, Escritor e ex-preso político 118. Aluízio Palmar - Jornalista e Escritor 119. Vera Artaxo - Jornalista 120. Vilma Amaro - Jornalista e Historiadora 121. Cláudio Galeno de Magalhães Linhares - Jornalista 122. Vera Vital Brasil - Psicóloga clínica, Grupo Tortura Nunca Mais 123. Hosana Ramos - Odontóloga 53 124. Fábio Amaral Di Fini - Biólogo 125. Antonio Trigueiros - Físico atômico 126. Roberto de Barros Pereira - Engenheiro 127. Afonso Celso Lana Leite - Profº do Depto. de Artes Visuais da UFU 128. Amilcar Baiardi - Professor UFRB/UFBA 129. Rebeca de Souza e Silva - Professora UNIFESP 130. Paulo Roberto Franco Andrade - Professor 131. Elza Ferreia Lobo - Educadora e Jornalista 132. Maria Cristina Capistrano - Educadora 133. Ausonia Favorido Donato - Educadora 134. Eliete Ferrer - Professora 135. Derlei Catarina De Luca - Professora 136. Geraldo Moreira Prado - Professor universitário 137. Heládio José de Campos Leme - Economista e Professor 138. Ivan Proença - Professor 139. Arthur Gonçalves Filho - Professor 140. Cleide M. Santos - Professora 141. Apolo Heringer Lisboa - Profº da Faculdade Medicina UFMG 142. João Marques Aguiar - Professor 143. Nilce Azevedo Cardoso - Psicopedagoga 144. Euzimar de Anchieta Gomes - Pedagoga SINTRACONST-ES 145. Raymundo de Oliveira - Engenheiro 146. Pedro Alves Filho - Engenheiro 147. Oswaldo Nasser Miziara - Engenheiro 148. Nilson Furtado - Metalúrgico 149. Conceição Imaculada de Oliveira - Metalúrgica, Sindicalista 150. Nelson Martinez - Operário Metalúrgico 151. Enzo Luís Nico Júnior - Geólogo 152. Eros Marte - Psiquiatra 153. Marcelo Vaz - Psiquiatra 154. José Xavier Cortez - Editor 155. Ari Celestino Leite - Aposentado e anistiado da Petrobras 156. Geraldo Jorge Sardinha - Aposentado 157. Marília Guimaes - Empresária, ex-exilada política 158. Tania Fayal - Produtora 159. Virgílio Gomes da Silva Filho 160. Vlademir Gomes da Silva 161. Gregório Gomes da Silva 54 55 1911 No dia 5 de dezembro, Carlos Marighella nasce na Rua do Desterro número 9, na cidade de São Salvador, Estado da Bahia. Seus pais são o casal Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos, e o imigrante italiano, o operário Augusto Marighella. Carlos teve sete irmãos e irmãs. Augusto e Maria Rita, pais de Marighella. 1929 Marighella começa a cursar engenharia civil na antiga Escola Politécnica da Bahia, depois de haver estudado no Ginásio da Bahia, hoje Colégio Central. Numa e noutra escola, destaca - se como aluno, pela alegria e criatividade. São famosas suas diversas provas em versos. 1932 Ingressa na Juventude Comunista. O Partido Comunista havia sido criado em 1922. Com a revolução de 30, uma grande efervescência política varria o Brasil. Marighella participa de manifestações contra o regime autoritário e o interventor Juracy Magalhães. Inconformado com versos de Marighella que o ridicularizavam, Juracy manda prendê-lo e espancá-lo. 1936 Abandona o curso de engenharia e vai para São Paulo, a mando da direção, reorganizar o Partido Comunista, que havia sido gravemente reprimido após o levante de 1935. É, porém, novamente preso e torturado durante 23 dias pela Polícia Especial de Felinto Müller. 1937 Marighella é libertado pela anistia assinada pelo ministro Macedo Soares e, quatro meses depois, Getúlio dá o golpe e instaura o Estado Novo. Na clandestinidade, Marighella é encarregado da difícil tarefa de combater as tendências internas dissidentes da linha oficial do PCB em São Paulo. Marighella, preso político durante o Estado Novo. 56 1939 Preso pela terceira vez, é confinado em Fernando de Noronha. Na cadeia, os revolucionários presos organizam uma universidade popular e Marighella dá aulas de matemática e filosofia. 1942 Os presos políticos vão para a Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro, porque Fernando de Noronha passa a ser usada como Marighella, bancada comunista, c. 1946. base de apoio das operações militares dos aliados no Atlântico Sul. 1943 - Na Conferência da Mantiqueira, Marighella, mesmo preso, é eleito para o Comitê Central. O Partido Comunista adota linha de apoio ao governo Vargas em razão da entrada do Brasil na guerra, posição de que ele discorda, embora a cumpra, por dever de militância. 1945 Anistia, em abril, devolve a liberdade aos presos políticos. Com a vitória das forças anti fascistas, o PCB vai à legalidade e participa da eleição para a Constituinte. Marighella é eleito como um dos deputados constituintes mais votados da bancada. 1946 - Apesar do apoio de Prestes, o general Dutra, eleito Presidente da República, desencadeia repressão aos comunistas. Marighella participa ativamente da Constituinte com um dos redatores do organismo parlamentar. Conhece Clara Charf. 1947 Ainda no primeiro semestre é fechada a União da Juventude Comunista. Depois, o próprio Partido é posto na ilegalidade. Marighella coordena a edição da revista teórica do PCB, Problemas e vive um relacionamento com dona Elza Sento Sé, que resulta no nascimento, em maio de 1948, de seu filho Carlos Augusto. 1948 No início do ano são cassados os mandatos dos parlamentares comunistas. Marighella volta à clandestinidade. Data desse ano seu romance com Clara Charf, sua companheira até o fim da vida. 1949/1954 Em São Paulo, Marighella cuida da ação sindical do PCB. Sob sua direção o PC se vincula aos operários, participa da campanha “O Petróleo é nosso” e organiza a greve geral conhecida como “dos 100 mil”, em 1953. Considerado esquerdista pela direção do Partido, é mandado em viagem à China. Lá é internado em razão de uma pneumonia. Depois, vai à União Soviética e volta ao Brasil em 1954. 57 1955 A morte de Getúlio Vargas e o início do governo de Juscelino Kubistchek permitem que os comunistas, embora na ilegalidade, atuem de modo visível. 1956/1959 O XX Congresso do PC da União Soviética inicia a desestalinização. O PCB adota a linha da “coexistência pacífica” pregada pela União Soviética. A vitória da Revolução Cubana, porém, contraria frontalmente as posições do movimento comunista internacional. 1960/1964 A renúncia de Jânio gera uma crise política. Jango toma posse e Marighella passa a divergir da linha oficial do PC, principalmente de sua política de moderação e subordinação à burguesia. Em 1962, divisão do PC dá origem ao Partido Comunista do Brasil - PCdoB. 1964 Com o golpe de abril, instaura-se a ditadura militar. Perseguido pela polícia, Marighella entra num cinema do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, e lá resiste aos policiais até ser baleado diversas vezes, espancado e finalmente preso. Sua resistência transformou sua prisão em um ato político que teve repercussão nacional. É solto depois de 80 dias, graças a um habeas corpus pedido pelo advogado Sobral Pinto. 1965 Escreve e publica o livro “Por que resisti à prisão”, em que aponta sua opção por organizar a resistência dos trabalhadores brasileiros contra a ditadura e pela libertação nacional e o socialismo. 1966 Publica “A Crise Brasileira”, onde aprofunda suas posições críticas à linha do PCB, prega a adoção da luta armada contra a ditadura, fundada na aliança dos operários com os camponeses. 1967 Na Conferência Estadual de São Paulo as idéias de Marighella saem vitoriosas por ampla maioria - 33 a 3 -, apesar da participação pessoal e contrária de Luiz Carlos Prestes. Vendo que a derrota no VI 58 “Por que resisti à prisão”, 1965, edição clandestina. Congresso era iminente, Prestes inicia um processo de intervenções nos Estados, para impedir a participação de delegados ligados à corrente de esquerda. Marighella viaja a Cuba para participar da conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade - OLAS. O PCB envia telegrama desautorizando sua participação e ameaçando-o de expulsão. Disso resulta uma carta dele rompendo com o Comitê Central do PCB e afirmando que ninguém precisa pedir licença para praticar atos revolucionários. Como represália, é expulso do Partido Comunista. Retorna ao Brasil e funda a Ação Libertadora Nacional - ALN e dá início à luta armada contra a ditadura militar. 1968 Marighella participa diretamente de diversas ações armadas recuperando fundos para a construção da ALN. No Primeiro de Maio, em São Paulo, os operários tomam o palanque de assalto, expulsam o governador Sodré e realizam comemorações combativas do dia internacional dos trabalhadores. O movimento estudantil toma conta das ruas em manifestações contra a ditadura que chegaram a mobilizar 100 mil pessoas. Em outubro, porém, o Congresso da UNE é descoberto pela polícia e os estudantes sofrem grave derrota. Também no final do ano, tornase conhecido o fato de que Marighella comandava parte das ações guerrilheiras. 1969 Marighella baleado, maio 1964. No início do ano, a descoberta pela polícia antecipa a saída do capitão Carlos Lamarca de um quartel do exército em Osasco, levando um caminhão carregado com armamento para a guerrilha. Em setembro o embaixador norte-americano é feito prisioneiro por um destacamento unificado com integrantes da ALN e do MR-8 e trocado por quinze presos políticos. No dia 4 de novembro, às oito horas da noite, Carlos Marighella caiu numa emboscada armada pelos inimigos do povo brasileiro em frente ao número 800 da alameda Casa Branca, em São Paulo, e foi assassinado. Sua organização, a ALN sobrevive até 1974. 59 Bibliografia 1) MARIGHELLA, Carlos; Escritos de Carlos Marighella, São Paulo, Editorial Livramento, 1979. Contém trecho de Por que resisti à prisão e o texto integral de A crise brasileira, Carta à executiva, Crítica às teses do comitê central, Ecletismo e marxismo, Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil, Pronunciamento do agrupamento comunista de São Paulo e Chamamento ao povo brasileiro. 2) NOVA, Cristiane e NÓVOA, Jorge, Carlos Marighella - O homem por trás do mito, Ed. Unesp, 1999. 3) JOSÉ, Emiliano, Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar, Ed. Sol e Chuva, São Paulo, 1997. 4) CHRISTO, Carlos Alberto Libânio (Frei Betto), Batismo de Sangue, Editora Civilização Brasileira, 1982. 5) GORENDER, Jacob, Combate nas Trevas, Ed. Ática, 1987. 6) MARIGHELLA, Carlos; Poemas. Ed. Brasiliense, 1994. 7) MARIGHELLA, Carlos Porque Resisti à Prisão. Ed. Brasileira, 1994. 8) FERNANDES, FLORESTAN, A contestação necessária, Editora Ática, 1995. 61 Expediente A cartilha Marighella Vive é uma publicação do Projeto Marighella Vive. Projeto Gráfico: Rafael Stediletto [[email protected]] Fotos: Família Marighella e arquivo pessoal de Vladimir Sacchetta Colaboração: Aton Fon Outubro de 2009